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APRESENTAÇÃO
Sua Excelência o Senhor Doutor Presidente da Vigésima Quarta Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil com sede em Sorocaba, professor Alexandre Ogusuku, solicitou-nos escrever a respeito dos discentes que frequentaram o Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil e Processual Civil com docência para o ensino superior da Escola Superior da Advocacia.
Inicialmente gostaria de mencionar que fomos os idealizadores desse curso que foi aprovado pela Escola Superior de Advocacia em São Paulo e pelo Conselho Estadual de Educação.
Colocado em prática o Curso fomos gentilmente convidado pela professora Doutora Ruth Aparecida Bittar Cenci para ministrar a aula inaugural e posteriormente para ministrar o Módulo Direito das Coisas.
No Módulo Direito das Coisas sugerimos aos alunos que elaborassem uma monografia ou que escrevessem um artigo sobre um determinado tema relacionado com o Direito das Coisas o que efetivamente ocorreu para posterior organização e publicação.
Na mesma oportunidade sugerimos que tais artigos, após a aprovação da Ordem dos Advogados em Sorocaba, poderiam ser veiculados numa revista ou livro, o que, agora é uma realidade, graças ao incentivo dado pelo professor Alexandre Ogusuku.
Na verdade o Curso de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior da Advocacia tem como objetivo não só o de fornecer ao mercado de trabalho um operador do direito capaz de perceber, avaliar e atuar na área cível, como fornecer aos operadores do direito uma visão interdisciplinar do Direito, e, ainda, fornecer aos operadores do direito seus fundamentos metodológicos.
Importante destacar a dedicação e o trabalho dos alunos do Curso de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior da advocacia que não pouparam esforços (e tempo) para a elaboração dos pareceres e artigos, agora veiculados.
A revista da Escola Superior da Advocacia com os temas a respeito do Direito das Coisas ganha agora, como piloto, o mundo acadêmico e profissional e concretizará, esperamos, um projeto elaborado há muito tempo na Área de Pós-graduação da Ordem dos Advogados do Brasil: o de uma publicação que construa um espaço de debate e intercâmbio de ideias a partir da veiculação da produção acadêmica dos advogados especialistas da área de pós-graduação da Escola Superior de Advocacia, propiciando a formação de futuros mestre e doutores.
Pensamos que a divulgação dos trabalhos dos discentes tenha como condão o surgimento de uma práxis acadêmica, expondo com maior visibilidade os caminhos de reflexão que se produzem na interlocução entre docentes e discentes do Curso de Especialização da Escola Superior da Advocacia, consubstanciados em artigos e resenhas.
Com o apoio decisivo da Ordem dos Advogados do Brasil de Sorocaba a revista soma-se, pois, aos esforços de refletir e construir novos saberes sobre os estudos e a produção no mundo do direito.
Sorocaba, junho de 2012.
Haroldo Guilherme Vieira Fazano
CÉSAR FRANCISCO LOPES MARTIN
Módulo
DIREITO DAS COISAS
“POSSE NO DIREITO ROMANO”
PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO
CIVIL
DIREITO DAS COISAS
ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
24ª SUBSECÇÃO SOROCABA
2012
CÉSAR FRANCISCO LOPES MARTIN
“POSSE NO DIREITO ROMANO”
Parecer que se
apresenta como
exigência parcial
para a obtenção
do grau de Pós-
Graduado em
Direito Civil e
Processo Civil,
modulado pelo
Doutor Haroldo
Guilherme Vieira
Fazano.
ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
24ª SUBSECÇÃO SOROCABA
2012
Introdução
A interpretação acerca do
tema da posse desenvolvidas por renomados juristas como
Maria Helena Dinis, Caio Mario da Silva Pereira e José
Carlos Moreira Alves, entre tantos outros doutrinadores
que hodiernamente vicejam na literatura especializada,
tem como fonte teorias antagônicas expressadas por teses
esposadas por Savigny e Ihering.
Ambos expoentes do Direito
Germânico abstraem os fatos decorrentes do domínio de
Roma, que passou a enfrentar ao redistribuir terras sem
conceder o título de propriedade, quando ao proceder a
colonização, parcelava as glebas para fincar em definitivo
o domínio dos césares.
Concorrem na formação da
doutrina pátria, as teorias denominadas de Subjetiva e
Objetiva dos iminentes pensadores teutônicos,
confrontadas com o entendimento incorporado pelo Direito
Canônico.
Destarte, em uma abordagem
sintética, buscamos entender o instituto da posse no
Direito Romano, alicerçados ainda na influência que ainda
hoje exercem no entendimento deste teatro meritório.
Da Origem
Torna-se necessário para o
entendimento do complexo sistema jurídico romano, que
recepcionemos a ideia do “pater – famílias“.
Embora distante, face a
primeira noção que se depreende de tratar-se de mérito de
cunho do direito famíliar, verifica-se em melhor análise
que tal poder alcançava, além da relação da pessoa
humana, livre ou escrava, a propriedade material.
Observa-se que a
propriedade material era disciplinada de forma conjunta
com outros ramos do direito, sendo objeto portanto de
regulamentação no “pátria potesta”.
Entretanto com a velocidade
que as aspirações da dominação imperial romana se
desenvolve, acaba-se por gerar o fato que seria a base da
criação do direito patrimonial, especialmente o
possessório.
Com a anexação de outros
povos, o crescimento desordenado levou ao loteamento
dirigido pelo estado, que no entanto, não conferia o título
ao seu ocupante.
Decorrente dessa
precariedade patrimonial, originou-se outro litígio : a
turbação da posse. O que fazer e como resolver, face a
inexistência de título patrimonial.
Assim passamos a distinguir
a existência de duas relações jurídicas, sendo a primeira a
mais antiga, que era representado pelo título,patrimonial e
o segundo: a posse da propriedade exercida diretamente
com sua usufruição.
Nascia com o litígio a
distinção entre dois fatos ou direitos semelhantes mas
antagônicos.
Sabemos porém que em 450
a.C, com a Lei das XII Tábuas, reconhecia-se a existência
dos dois institutos, sem no entanto proteger os detentores
de seu conteúdo.
A Propriedade Romana
A esse respeito, pondera Vittorio Scialoja:
"É impossível dar-nos conta da
propriedade romana, se antes não conhecermos, pelo menos em suas linhas gerais, o desenvolvimento histórico do domínio, desde os seus primórdios até o tempo de Justiniano. A história do Direito Romano desenvolve-se em 12 séculos, durante os quais ocorreu a mais completa transformação econômica e social do mundo moderno.Roma, de pequena comuna, tornou-se soberana da Europa, então conhecida, da África Setentrional e de parte da Ásia, sofrendo a mais radical transformação. Quando se fala, pois de prosperidade romana é mister distinguir, se se fala da de Rômulo ou da de Justiniano ou da propriedade de uma época intermediária"
Em que pese esta distinção, podemos afirmar que a propriedade inicialmente era das gens, surgindo, posteriormente a propriedade do Estado. Da lavra de Ricardo Vidal França Filho, em trabalho apresentado em 2.004, nos socorremos para afirmar que com a propriedade estatal, surgiu o dominium, poder
conferido pelo Estado aos particulares sobre as terras, o qual tomava a forma de concessões que se faziam através de um dos seguintes instrumentos: assinationes viritanae, por solicitação dos cidadãos; assignationes coloniae, visando a fundação de uma nova colônia; ou pelasagri questorii, através de venda em leilões pelos "questores" Originou dessarte a classificação possessória que sustentou o entendimento da matéria até os dias de hoje, senão vejamos:
“...a posse sobre a terra era exercida, assim, por três formas. Pelo exercício do dominium pela ocupação de terras devolutas e por concessões que asseguravam a mera fruição, sem transferência do domínio, sendo esta última forma a agri occupatori, mediante o pagamento de uma "pensão", denominada vectigal, paga ao Estado.”
Manys neste sentido leciona :
"As distribuições, assignações e vendas de imóveis, que o Estado fazia aos particulares sob garantia do povo romano - dominium ex iure Quiritum - tinham sempre lugar após uma medição oficial prévia. As outras terras, porque permaneciam como ager publicus, não eram sujeitas a igual medição. Cada pai de família ocupava a parte livre que julgasse conveniente, com a única condição de se conformar às prescrições que regulavam o modo de ocupação. Daí o dar-se a tais terras a qualificação de agri arcifinii ou occupatorii. Essas ocupações que, de resto, não eram
permitidas senão aos membros do populus romanus, não conferiam direito de propriedade, mas somente uma posse que o Estado podia revogar a seu arbítrio, ma que entretanto, protegia enquanto durava."
Verifica-se porém que embora distintas as duas factuais situações, apenas após o surgimento dos primeiros atos no sentido de proteger este ou aquele possuidor, podemos afirmar acerca do nascimento da posse, eis que a propriedade havia muito antes já reconhecida. Importante lembrar, com Pontes de Miranda, que existia uma profunda diferença entre a concepção romana de posse e a moderna. Acerca do tema, leciona o festejado jurista:
"A diferença entre a concepção da posseno direito contemporâneo, e a concepção romana da posse não esta apenas na composição do suporte fático (nemanimus nem corpus, em vez de animus e corpus, ou de corpus, à maneira de R. von Ihering): está na própria relação (fática) de posse, em que os sistemas antigos viam o laço entre a pessoa e a coisa, em vez de laço entre pessoas. No meio do caminho, está a concepção de I Kant, que é a do empirismo subjetivista (indivíduos e sociedade humana), a partir da posse comum (Gesamtbesitz) dos terrenos de toda a terra."
O interdito proibitório Rememorando que apesar de havermos alcançado a distinção entre propriedade e posse com a Lei das XII Tábuas, apenas com a proteção dos supostos enquadramentos é que teríamos a possibilidade de finalmente definirmos a medida justa. A nos, parece que o entendimento de Joel Dias Figueira Júnior, simplifica a matéria ao afirmar que:
"Duas teorias procuram justificar a origem histórica da proteção possessória no Direito Romano. A primeira, criada por Niehbur, defendida por Savigny e mais modernamente por Albertario e Burdese, defende a tese da providência de caráter administrativo à tutela da antiga possessio dos ocupantes do ager publicus, à medida que, não sendo proprietários (a terra pública não poderia ser objeto de propriedade dos particulares), ficavam sem a proteção judicial existente; por este motivo, os pretores passaram a proteger a situação possessória através da concessão dos interditos, proteção esta difundida posteriormente para as demais posses. A segunda teoria, defendida por Ihering, dentre outros, e aceita pela maioria dos estudiosos da atualidade, preconiza que a gênese da proteção interdital encontra-se no poder outorgado ao pretor, nas ações reivindicatórias, de
conceder provisoriamente (até sentença final) a posse da coisa litigiosa a um dos litigantes"
Reportando a origem dos
interditos possessórios, Humberto Theodoro Junior, afirma
que as ações possessórias tem o seu nascimento no
direito romano, pois segundo ele
... a ação com que o proprietário reclamava a posse de seu bem injustamente retido por outrem chamava-se rei vindicatio. Quando a pretensão, porém, nascia do jus possessionis, isto é, do simples fato de o autor ter sido violado na posse de algum bem, a ação chamava-se possessória, ou interdito possessório. (THEODORO JÚNIOR, 2003, p.119) – (grifou-se).
Já para Moreira Alves, a segunda
teoria, defendida por Ihering, encontra escudo no fato de
que "muitos institutos jurídicos em Roma surgem graças a
incidentes processuais", sendo que a
proteção possessória nas ações reivindicatórias seria
anterior ao ager publicus.
Leciona Astolpho Rezende em relação ao pretores:
"Nos primeiros tempos, a justiça era exercida pelo rei, mais tarde pelos cônsules, pelos decênviros e pelos tribunos consulares. Com o correr do tempo, o encargo de administrar a justiça passou dos cônsules aos censores; e finalmente, quando os plebeus foram admitidos ao Consulado, a casta dominante acreditou agir habilmente, criando, ao lado dos cônsules, uma
magistratura análoga, exclusivamente acessível aos patrícios, com as atribuições antes exercidas pelo prefeito da cidade. É a partir desta época (ano 387), que vemos figurar como magistrado ordinário o Pretor Urbanus isto é, o magistrado consular com poderes restritos á cidade de Roma."
Neste sentido, pertinente a lição de Astolpho Rezende, verbis:
"A exploração das terras em comum já tinha desaparecido desde muito tempo, e a idéia da propriedade privada se tinha estendido também ao solo, até chegar a quase eliminar toda a diferença entre relações jurídicas sobre imóveis e os bens de raiz, e se havia realizado uma certa mobilização da propriedade territorial, ao estender-se aos imóveis a forma aquisitiva da propriedade sobre imóveis (a mancipatio). As terras do ager publicus eram arrendadas ou deixadas á livre ocupação dos que quisessem pagar um tributo moderado. Não obstante, o adquirente não obtinha deste modo a propriedade privada. Era uma simples posse, tolerada pelo Estado (occupatio), ou regulada administrativamente (ager publicus). [16]
Pode-se resgatar entre vários ensinamentos que proteção possessória é fruto dos litígios havidos entre os emergentes e os poderes dos pretores que através dos interditos regulavam o impasse.
Certo ainda é de que os poderes dos pretores se materializavam através dos interditos, que na lição de diversos mestres tratava-se de forma impura de uma ação, tal como se define hodiernamente. Do escólio de Astolpho Rezende:
"A ordem contida no interdito, ao invés de ser notificada ao juiz, como a que era incerta na fórmula de uma ação, era dirigida ao réu (interdito simples) e por vezes às duas partes (interdito duplo). Estava subordinado a condições determinadas. Em caso de contravenção, ou se não julgasse o réu no caso visado pelo magistrado ou recusasse cientemente obedecer, um juiz seria encarregado, nas formas ordinárias do processo, de verificar se as condições do interdito existiam, e de pronunciar, caso coubesse, uma condenação. As partes deveriam se apresentar as duas vezes perante o magistrado: primeiramente para obter o interdito; depois para organizar uma instância, a fim de fazer constatar se o interdito tinha sido violado."
Quanto aos tipos de interditos, apostila Francisco Antônio Casconi, in verbis:
"Examinada a excepcional defesa direta da posse, tradicionalmente a proteção opera-se através de ações especiais denominadas interditos. O interdictum tem
origem no direito romano como criação pretoriana que consistia numa ordem do magistrado romano, solicitada por uma pessoa privada, determinando a outra pessoa um fazer ou abster-se. O vocábulo interdito advém de interim dicuntur, traduzindo a efemeridade da decisão proferida no juízo possessório, cuja finalização só se alcança no juízo petitório, representando as atuais ações possessórias (manutenção, reintegração e intedito proibitório) formas evoluídas de antigos interditos do direito romano."
Segundo o mesmo autor, três eram os interditos, a saber: adispiciendae possessionis, retinendae possesionis e recuperandae possesionis. O primeiro destinava-se a conferir a posse àquele que estivesse litigando em juízo, fazendo às vezes da ação de imissão de posse na atualidade. O intedictum retinendae possessionis como a própria etimologia revela, destinava-se a manter a posse, evitando a turbação, independentemente da propriedade, podendo ser de móveis (utrubi) ou de imóveis (uti possidetis). Observa ainda Joel Dias Figueira Júnior, que :
"estes dois remédios apresentavam duas características, quais sejam, a proibição e a duplicidade, tendo em vista que ambas as partes eram proibidas de fazer alguma coisa.”
"Também, via de regra, nem toda
a posse era tutelada, mas somente aquela que não tinha sido obtida por meio de vi,
clam ou precário(na etimologia clássica denominada de possessio iusta em oposição àquela iniusta ou vitiosa), em relação à parte contrária."
Donde se depreende que o interdictum recuperandae possessionis fazia a função da ação de reintegração de posse hodierna. Diferentes classificações no total de três, distribuía a forma da recuperação da posse, que podemos sem dificuldade comparar com o direito atual, senão vejamos: O primeiro era concedido, somente se ocorrido dentro do período de um ano do esbulho, para reintegrar na posse aquele que sofresse esbulho, observando o esbulhado ter sido vítima de violência, que classificavam de comum e incomum. A praticada pelo autor do esbulho ou seus empregados ou escravos era denominada comum, já aquela praticada por diversas pessoas sem relação entre si, tendo apenas o objeto do esbulho como relação, agravado pelo uso de armas, era denominado incomum. Já a segunda espécie de interdictum recuperandae possessionis, era utilizada pelo possuidor-proprietário em vista do possuidor precarista diante da existência de um precarium, que era uma convenção através da qual se permitia a utilização da coisa por outrem. Inicialmente, era aplicado somente aos bens imóveis, mas posteriormente, na era clássica, foi estendido aos móveis, tendo desaparecido na codificação justinianéia, quando foi substituído pelo interdito de vi .Caso o proprietário, e possuidor indireto, pretendesse reaver a posse e não contasse da aquiescência do precarista, poderia valer-se do interdito.
E o terceiro interdito (de clandestina possessione), somente surgiu no final da idade clássica, e era utilizado contra o esbulho clandestino. Em um rápido estudo de direito comparado, podemos identificar de forma cristalina as classificações, que hoje nomeiam o arcabouço jurídico de proteção a propriedade, e em especial ao uso responsável da terra.
CONCLUSÃO A economia, o interesse político são a mola propulsora das normas que norteiam a relação entre os povos. A aquisição de forma sem ocorrer a contraprestação, acabou por gerar na evolução o direito possessório, eis que se não podia impedir teria que se impor regras para que a paz fosse alcançada. Cada vez mais, o entendimento da função social da propriedade, especialmente a terra, leva a normatizar o seu uso, criando restrições ao exercício da propriedade, impondo ônus ao seu desuso, seja de forma tributária, seja acolhendo a pretensão possessória de quem faz justa aplicação do imóvel.
Posse, no sentido etimológico do termo, deriva do
latim, possessio, do verbo possidere1, formado pelo termo posse
(poder, ter poder de) e pelo verbo sedere colocar, fincar, assentar).
Significa dizer a detenção física ou material de alguma coisa. O
poder material por sobre as coisas.
Pode-se dizer que é um poder que se prende à coisa.
Posse significa a fruição da coisa por alguém que a
detém. Torna-se então fato jurídico, quando se torna relevante ao
Direito, na discussão de se estar frente a um ato lícito ou ilícito.
Para Savigny, a posse no direito romano, resultaria,
pois, na combinação de dois elementos: corpus e animus – o
primeiro, como já dito e observado por Orlando Gomes2, decorre
“do poder físico da pessoa sobre a coisa”, e o segundo, da “vontade
de ter essa coisa como sua”.
Contrapondo-se, Maria Helena Diniz3 afirma que
o corpus, ou elemento material, “se traduz no pode físico
sobre a coisa ou na mera possibilidade de exercer esse
contato, e de defendê-la das agressões de quem quer que
seja; é a detenção do bem ou o fato de tê-lo à sua
disposição.” Dessa forma conceitua o ”animus REM sibi
abendi ou animus domini como a intenção de exercer sobre a
coisa o direito de propriedade”.
Corroborando Washington de Barros Monteiro
afirma: “Isoladamente, nenhum desses elementos basta para
1 possuir 2 Direitos Reais , t . I , p .28 3 Maria Helena Diniz , Curso de direi to c iv i l brasi leiro . São Paulo: São Paulo, 2004, vol . 4 , p .36
constituir a posse. Se não existe o poder físico, o corpus, mas
somente a intenção, claro é que se tem, tão somente,
fenômeno de natureza psíquica, sem nenhuma repercussão
no mundo do direito. Se existe o corpus, porém falta o animus,
tem-se mera detenção, que é posse natural, mas não
jurídica”.4
Lhering (teoria objetiva) opôs-se ao subjetivismo de
Savigny, sendo-lhe assim de todo irrelevante o animus domini.
Mesmo distinguindo-se a intenção na posse, esta se manifestaria
pelo animus tenendi, isto é, a simples vontade de se ter a coisa,
elemento comum tanto em relação ao possuidor quanto em relação
ao detentor.
Ao situar a posse no direito romano, Lhering5,
sustenta que era nela que se protegia a exteriorização da
propriedade. Daí que a posse não seria apenas um poder de fato,
mas, tal qual o domínio, um poder de direito. Portanto, criou-se uma
proteção para quem tivesse o direito. Ocorre, porém, que, para
buscá-la, seria necessário permitir que dela também se
beneficiasse quem não tivesse o direito, embora tal concessão
fosse de efeito transitório, pois, ao cabo de tudo, a proteção
possessória seria definitiva para aquele que realmente tivesse o
direito.
Desta forma, uma vez definidos os institutos, temos: o
comodato, contrato através do qual uma pessoa dá em empréstimo
à outra pessoa coisa não fungível, a título gratuito, por tempo
determinado ou não; o depósito, contrato mediante o qual uma
4 Washington de Barros Monteiro, Curso , c it . P . 17 5 Gest iones Juridicas , p. 140
pessoa entrega à outra coisa móvel, para que esta a conserve sob
a sua guarda e a restitua em prazo determinado ou quando
reclamada; o mandato, contrato pelo qual uma pessoa outorga à
outra, poderes, para, em seu nome, praticar atos ou determinar
interesses, a título gratuito ou oneroso.
No direito romano, até fins da República, supõe-se
que a detenção se confundia com a posse. Daí aludir José Carlos
Moreira Alves a uma observação de Edouard Cuq de que, “no
tempo de Cícero, a distinção entre posse e detenção não existia.”
Posteriormente, já no período clássico, buscava-se no elemento
subjetivo a configuração de ambas: enquanto a posse se
manifestaria pela vontade de se ter a coisa livre e com
exclusividade, a detenção decorreria apenas da mera relação física
consciente com a coisa (Posse, vol. I, os. 22 e 30)
Vale dizer que o arrendamento e locação, são
institutos a fins, pois se referem a contrato pelo qual uma pessoa
entrega a outra pessoa coisa não fungível, mediante retribuição e
pelo prazo que for estipulado, para uso e goso.
O Direito Romano nos mostrou “as coisas e suas
diversas formas de aquisição”, trazendo-nos, ainda, a divisão
destas “coisas” e o modo pelo qual podemos adquirir a sua posse.
Podemos então, através do Direito Romano,
apresentá-las da seguinte forma: das coisas corpóreas; das coisas
incorpóreas e; de como se adquire e se perde a posse das coisas.
Vejamos.
DAS COISAS CORPÓREAS: Em sentido jurídico a
razão das coisas é diversa da razão das pessoas, pois que a estas
só podem competir direitos. É, porém a denominação de coisa mais
lata ou mais estrita; na mais lata compreende-se não só as coisas,
mas ainda os direitos e os fatos.
Chamam-se propriamente coisas os entes e os
objetos, que podem ser sujeitos ao poder ou ao direito das pessoas;
a não ser que pelo direito natural ou civil, sejam estas coisas
impedidas de pertencer a alguém.
A universalidade de todas as coisas, que se acham
com juntas com alguma pessoa, ou sujeitas ao seu poder, chama-
se patrimônio ou bens dessa pessoa. Portanto, a principal divisão
das coisas é esta: umas podem estar no patrimônio de cada um dos
particulares, e serem transferidas do poder de uma pessoa para o
de outrem; outras estão sempre fora do patrimônio (extra
patrimonium); de onde vem a dizer-se também que as coisas estão
no comércio ou fora do comércio.
As que se acham em patrimônio (no comércio),
compreendem-se também sob a denominação de pecúnia.
Fora do comércio estão as coisas de direito divino, as
que são comuns a todos, e as públicas.
De direito divino são as coisas sagradas, religiosas e
de certo modo santas. Chamam-se sagradas as coisas, que pública
e ritualmente foram pelos pontífices consagradas e dedicadas a
Deus, ou ao seu ministério. É religioso o lugar onde esta um morto,
sepultado por quem o podia enterrar; porque este lugar é
consagrado aos deuses manes6; também são religiosos e
sepulcros, não assim os cenotaphios7. Santo é o que está
defendido e munido da injúria dos homens, como os muros, as
portas, as trincheiras, as fortificações dos arraiaes8
É comum a todos pelo direito natural o ar, a água
corrente, o mar e conseqüentemente as praias; coisas estas que
nem a natureza permite que estejam em nosso domínio, visto que
todos usam delas. Diferem destas coisas que tão somente são
nullius9, e podem passar para o domínio dos particulares.
São públicas as coisas, cuja propriedade é do povo ou
da república, o uso porém de todos os indivíduos do povo; deste
gênero são os rios públicos, os caminhos, os lugares públicos,
como o fórum, os portos e outras coisas semelhantes. O uso das
ribanceiras é somente público, porém a sua propriedade é das
pessoas, com cujos prédios as ditas ribanceiras estão coerentes. As
coisas de universidades, conquanto não sejam de particulares,
todavia dizem-se públicas por abuso.
Outra divisão das coisas, principalmente das que se
acham em nossos bens é esta: ou são corpóreas ou incorpóreas.
As coisas corpóreas são de sua natureza tangível10, as incorpóreas
não podem ser tocadas.
Há dois gêneros de coisas corpóreas, a saber: móveis
e imóveis que também se chamam prédios e bens de raiz.
6 Deuses infernais do paganismo. 7 Francês - Monumento sepulcral er igido em memória de um morto sepultado noutra parte 8 Arraia is : acampamento ou uma fortaleza. 9 Sem valor 10 Que tem corpo e está ao alcance da mão
É imóvel o solo e tudo, quanto ou por natureza, ou por
arte lhe é aderente, como o os arvoredos, os frutos pendentes, as
pedreiras, a casa, e o que é reputado pertencente ao bem de raiz.
São, pois os prédios ou urbanos, que são os edifícios, ou rústicos,
que são todos os demais.
As coisas móveis distinguem-se as coisas, que se
movem por si, ou simplesmente móveis; as que se movem por si,
que também se dizem semoventes, devem-se referir aos escravos e
os animais. Destes, porém uns são silvestres, outros mansos, e
outros enfim amansados. De todas estas coisas é diversa a razão
em sentido jurídico.
Modernamente certas coisas dizem-se fungíveis,
outras infungíveis ou não-fungíveis: esta distinção tem duas
explicações; chamam-se, pois em sentido fungível, as coisas, que,
como o dinheiro, trigo, o vinho e outras semelhantes, vindo a ser
objeto de obrigação, reputam-se in genere do que in espécie, e por
esta razão constam em número, peso e medida. Noutra significação
dizem-se fungíveis as coisas, que se consomem ou que se
diminuem pelo uso, das quais algumas, conquanto costumem ser
estimadas e retribuídas in genere, contudo, nem todas ou nem
sempre se podem chamar fungíveis no primeiro de dois sentidos da
palavra; tanto assim que nem todas aquelas coisas se consomem
sempre com o uso. A mesma coisa é fungível para uns, podem ser
não-fungíveis para outros.
Segundo a diversa composição de partes dos
diferentes corpos, são as coisas singulares ou unidas, universais ou
universalidade de coisas.
Naquela composição se compreendem as coisas
como num só espírito, e de tal arte estão unidas por partes de
idêntica forma e substância, que não podemos ver senão uma
coisa, nem distinguir diversas coisas em cada uma das partes por
si, assim como na pedra, no pau, da estátua, no homem. As
universalidades de coisas são compostas como uma só forma de
várias coisas desunidas entre si, como um edifício, um leito, um
carro, que também se chamam coisas conexas; ou de corpos
diferentes uns dos outros, mas de tal sorte unidos em uma só coisa,
que são compreendidos debaixo do mesmo nome; assim como
rebanho, legião loja de venda. Tal é, pois a razão da universalidade,
que, ainda quando sejam trocadas, aumentadas ou diminuídas as
partes por si, reputa-se existir sempre o mesmo local de
universalidade. Em muitos artigos de direito a razão das coisas
singulares é outra, que a das coisas universais. Certo, nem toda a
multidão ou coleção de corpos vários, constituem universalidade;
mas somente a que é compreendida pelo mesmo nome e da tal
maneira; que ainda depois de mudados os corpos, cada um por si,
permanece idêntica.
Finalmente as coisas são divisíveis ou indivisíveis.
Chamam-se divisíveis as que, assim como uma verdade, separadas
em partes e possuídas por vários pro indiviso, permanecem, todavia
inteiras; indivisíveis as que distintas em partes, cessam de ser um
só corpo; como todas as coisas móveis, que por isso mesmo só pro
indiviso, podem ser de vários.
Considerada a conexão ou mútua razão das diversas
coisas entre si, umas são principais, outras acessórias; e, portanto
em todas as coisas distinguimos a próprio corpo da sua causa e
acessões; estas seguem sempre aquele; quer dizer: o acessório
segue sempre o principal. Contam-se principalmente em número de
acessões os frutos, as pertenças (como dizem), os interesses ou a
estimação das suas utilidades, as despesas feitas com a coisa, as
quais assim como supõe-se aumentarem-na, também as podem
diminuir. São várias as divisões dos frutos; distinguem-se, pois em
civis e naturais, pendentes, separados, percebidos, existentes,
consumidos. Pertença ou acessão no sentido próprio chama-se
hoje em dia, toda a coisa, que de tal arte está junta à outra, que
parece ser parte dela. As despesas ou são necessárias, ou úteis ou
faustosas11.
DAS COISAS INCORPÓREAS: Dizem-se incorpóreas
as coisas, que não podem ser tocadas, conquanto possam ser
percebidas e discernidas pela mente. Mas, posto que por esta
definição seja corporal tudo, quanto se cogita, todavia, neste lugar
tão somente se compreendem as coisas, que oferecem algum
cômodo às pessoas, e que por isso podem ser compreendidas sob
a denominação de bens, e são suscetíveis de estimação pecuniária,
com todas as demais coisas, que se acham no patrimônio.
Em sentido lato12, estão em o número das coisas
incorpóreas as qualidades das coisas, que, assim como o dinheiro
são opostas aos corpos, e as coisas devidas in genere. Porém no
sentido próprio só entram nos números das coisas incorpóreas, os
direitos e universalidades de direitos, que tomam a denominação de
patrimônio e de bens, como pecúlio, herança.
11 Pomposo; aparatoso; fausto 12 Amplo; di latado. 2 . Extensivo.
Os direitos, que com preferência são pelos Romanos
enumerados nas coisas incorpóreas, são os que podem ser
estimados em dinheiro, como servidão, herança, obrigações, ações.
Pouco importa que haja coisas corpóreas na herança, pois também
é corporal o que se deve em virtude da obrigação, e se pode pedir
por ação. Portanto, os mesmos direitos de herança, de usufruir, de
obrigação, incorpóreos são.
Pela mesma razão, ainda que o patrimônio contenha
inúmeras coisas corpóreas, todavia é incorporal a universalidade de
direito, em virtude do qual estas coisas são submetidas a alguém, e
permanece idêntica, ainda quando as coisas que lhe pertencem,
sejam trocadas cada uma por si. Toda a universalidade de direito,
consta, pois de cômodo e incomodo, ou, segundo a norma de falar
dos modernos, de activo e passivo.
Examinemos com mais atenção o direito. Há dois
gêneros de direito: um tocante à condição das pessoas, e outro
relativo ao patrimônio; os do primeiro gênero podem ser chamados
pessoais; os do segundo, patrimoniais. Os direitos pessoais ou
diferem o estado de alguma pessoa, como a liberdade ou a cidade,
ou lhes atribuem algum poder sobre outras pessoas, como sobre
escravos ou livres. Os direitos pessoais não admitem estimação
pecuniária.
Os direitos, porém respectivos ao patrimônio ou às
coisas pecuniárias, são direitos in re13, ou obrigações. Certos
direitos consistem, pois in re, quando alguma coisa, principalmente
corporal, está por tal forma sujeita ao poder de alguém, que parece
13 Na coisa
ser dessa pessoa, ou inteira ou quanto a certo fim, como quanto ao
uso. Portanto a substância deste direito consiste em construir um
vínculo direto de direito entre a pessoa e a coisa, por cuja virtude
digamos que coisa é nossa, que o uso é nosso, e possamos de
mais a mais perseguir este nosso direito contra quem quer que seja.
É, todavia diversa a substância das obrigações. A sua
virtude consiste, pois em que uma pessoa seja adstringida14 pela
necessidade de dar ou fazer alguma coisa, não em fazendo elas
nossa a coisa. Por conseguinte a obrigação é um vinculo de direito
entre duas pessoas (credor e devedor) com o fim de ser prestado
algum fato (obrigação). Por esta razão também pé duplicado os
gêneros das ações, com que podemos perseguir os nossos direitos;
porquanto ou são in rem15 ou in personam16. Finalmente a comum
opinião deduziu menos bem esta diferença das ações uma divisão
de direito in rem e in personam ou ad rem17.
Do direito in re, contam-se geralmente cinco (5)
formas: domínio, servidão, direito de penhor ou hipoteca, enfiteuse
e superfície. Os Romanos distinguem entre si o domínio e o jus in
re18.
Domínio é o pleno poder de alguém sobre uma coisa
corporal, em virtude do qual pode ficar esta coisa sujeita ao dono
por todas as razões, e por esta causa se diz ser dele, como própria
e sua; ainda mesmo quando certos direitos sobre esta cousa
14 Constranger , obrigar . 15 Direito real . 16 Direito pessoal , l igado a uma única pessoa 17 À coisa. 18 O direito sobre a coisa.
competem a outro, retido o vínculo do domínio, isto é, da
propriedade.
Servidão é o direito sobre uma coisa alheia, pelo qual
esta coisa deve servir a outrem, sem que por isso o dono dela seja
adstrito como devedor àquele. Semelhantes direitos são a enfiteuse
e a superfície.
Finalmente o direito de penhor e de hipoteca consiste
em que uma coisa alheia seja obrigada ao credor em lugar do
devedor para garantia da obrigação, de maneira que a coisa
obrigada ou dada em penhor ou hipoteca, possa ser vendida pelo
credor por causa do pagamento.
Todos estes direitos podem concorrer numa única
coisa, de sorte que um tenha o domínio, outro a servidão, outro o
penhor sobre a coisa.
Há somente uma natureza de obrigações, conquanto
nasçam de várias causas; tão idêntica é, pois a natureza de todas,
que por ela se pode pedir o fato de alguma pessoa, que está
obrigada a dar ou fazer.
As obrigações devem ser equiparadas às ações, que
são direitos de perseguir em juízo o que nos é devido. Propõem-se
ações sobre todo o gênero de direitos, como de estado, de poder,
de jus in re, e de obrigações. Toda ação, porém, que na realidade
compete a alguma pessoa com o próprio direito, constitui vínculo de
direito, muito semelhante ao vínculo da obrigação, entre autor e réu,
quer nós persigamos um direito in re, quer uma obrigação ou outro
direito.
Resta advertir que existem os direitos divisíveis e
indivisíveis. Deve, pois ser tido como divisível o direito, cuja força e
a natureza são tais que, conquanto uma pessoa seja comum pro
indiviso, pode todavia ser direito de vários pro rata, qual o direito de
domínio e usufruto. São, porém, indivisíveis os direitos, que, quando
pertençam a mais de um, competem in solidum19 a cada um por si;
como as servidões e as obrigações de coisas indivisíveis. Estes
direitos não podem ser adquiridos nem perdidos pro parte.
DE COMO SE ADQUIRE E PERDE A POSSE DAS
COISAS: Após breve apresentação sobre a divisão das coisas,
examine-mos como se adquire o domínio delas e; como a fazemos
nossa depois de termos conseguido a sua posse.
A Posse é uma coisa de fato: portanto disse que
possui quem tem uma coisa corporal de tal sorte sujeita ao seu
poder que só ele tem a faculdade de dispor ad libitum dessa coisa
com exclusão de quem quer que seja. Como pois os efeitos se
acham juridicamente conjunto com este fato de possuir. Impuseram
assim aos jurisconsultos romanos todo o cuidado em definir a noção
de posse e sua índole, a sua aquisição e perda, para que se diga
que ela já não é tão somente de fato, mas também de direito.
Os efeitos da posse são vários, como veremos.
Assinalamos somente dois, que são: de direito civil, o usucapião; de
direito pretoriano, os interditos, que defendem o que possui
justamente (juste possidentem).
19 sol idar iedade
Daí, diversas distinções de posse. Sem dúvida, possui
com propriedade quem, detendo corporalmente uma coisa, tem ao
mesmo tempo a intenção (animum) de a possuir como sua; quando
pelo contrário, que, sem este propósito tem uma coisa sujeita a si,
diz que a possui corporal e naturalmente, ou que está em posse
dela, ou que tem a sua nua detenção.
São concedidos interditos ao verdadeiro possuidor,
que, tendo começado a possuir ex justa causa, julgando ter
adquirido juridicamente a coisa como sua, a possui civilmente, isto
é, segundo o usucapião. De onde nasce a distinção de posse
natural ou nua detenção da coisa, de posse assim propriamente
dita, e de posse civil. Também alguma vezes se diz que possui
naturalmente quem possui na realidade, porém não civilmente.
Ademais, distingue-se o possuir ou injustamente, de
boa ou má-fé. Possui injustamente quem possui a posse de forma
violenta, clandestinamente ou de forma precária. Possui de má-fé
quem, sabendo não ter direito de possuir, começou todavia a
possuir. Pode, portanto acontecer que algum seja tido por fingido
possuidor, como aquele que se oferece à lide (liti), como se
possuísse, ou o que deixou de possuir por dolo.
Podem possuir todos aqueles que podem ter por si
alguma coisa como própria, excetuados portanto os escravos; pois
são pelo direito impedidos de possuir. Podem ser possuídas todas
as coisas corporais, que estão no comércio e que não estejam já
detidas por outrem. Vários podem possuir a coisa pro indiviso, isto é
pro partibus, mas nunca in solidum.
Como quer que a posse conste de dois elementos, a
saber: detenção corporal é a intenção de ter por sua a coisa, para
esta ser adquirida, são também necessários dois requisitos, a
saber: corpo e ânimo; nem pelo ânimo, nem pelo corpo só
poderemos conseguir a posse.
Começamos a possuir corporalmente, não só quando
apreendemos a coisa com as mãos, mas por qualquer fato, qual
assim na nossa opinião como na dos demais começa a coisa a ser
sujeita ao nosso domínio; não se admitem em direito apreensões
fictícias ou atos estranhos para conseguir a detenção de coisa
alguma; por esta causa é admitida a apreensão da posse de uma
fazenda, que alguém entrou com o fim de possuí-la, ou que por
outrem lhe foi mostrada de um lugar vizinho com intenção dela
integrar. Da mesma forma entende-se que começa a ser possuída
uma coisa, que é posta na presença de uma pessoa, para ser sua,
ou na dessa pessoa; ou tendo-lhe sido entregue as chaves da casa
vizinha, em que a coisa esta fechada.
O ânimo, com que devemos apreender uma coisa,
para verdadeiramente a possuirmos, não é outra coisa que a
vontade de a termos por nossa. Quem detém uma coisa como
alheia, e, por conseguinte a possui em nome de outrem, não é
considerado possuidor. Nem todavia, tem somente ânimo de
possuir aquele que deliberou ter a coisa como propriamente sua,
senão ainda o enfiteuta, o credor pignoratício, e algumas vezes
também o depositário, e o que recebeu a coisa de modo precário;
porque estes todos são reputados como tendo a coisa não em
nome de outrem, mas como ânimo de a terem por sua.
Podemos adquirir a posse, não só por nós mesmos,
senão por outros, sendo somente o ânimo nosso, porém o corpo
ainda mesmo alheio, quando, por exemplo, querendo nós, outrem
ou por mandato ou por ordem nossa, apreender a posse natural de
alguma coisa, e isto com deliberação de a possuir não por si, mas
por nós. Porém se determinarmos possuir alguma coisa, a sua
posse, que primeiro foi apreendida por outro, entende-se ter sido
adquirida por intermédio dele, ainda que o ignoremos. E, por
conseguinte adquirimos a posse de alguma coisa, quando convém
que a tenha em nosso nome, quem até aqui a possuía em seu
nome, a este fato chamam-se os modernos constitutum
possessorium.
A posse uma vez adquirida persevera até vir a perder-
se; nem a necessidade de fatos peculiares para retê-la. Acha-se
porém ordenado pelos antigos que ninguém possa por seu arbítrio,
mudar a causa da posse em seu próprio proveito. Perde-se a posse
ou por ânimo ou por corpo, e isto ou só pelo ânimo ou pelo corpo
só. Perdemos pelo nosso ânimo a posse, quando sejamos de tal
maneira afetados, que não queiramos possuir para o futuro a coisa,
que agora possuímos. Portanto, desde que não a quisermos possuir
conquanto ainda esteja em nossa detenção corporal, fica a sua
posse imediatamente perdida, pois qualquer estranho que quiser
possuir esta mesma coisa, à vista da disposição contrária do nosso
ânimo, pode apreender a posse dela.
E pelo contrário, desde o instante em que nos é tirada
a posse corporal, perdemos a posse, ainda que retenhamos a
intenção de possuir a coisa. Perde-se a detenção da coisa por
muitos modos; das coisas móveis, que nos são furtadas, ou de tal
sorte se perderam que ignoremos onde estejam; se o gado se
desgarrar, ou o animal silvestre se subtrai à nossa guarda, ou
sendo amansado, perder o instinto de regressar, ou a coisa cair
num rio ou mar, que não possamos conseguir jamais a sua posse.
Perde-se a posse dos prédios, quando estes foram
ocupados por rio ou mar, ou quando o possuidor for esbulhado dela
por força. Os ausentes não perdem a posse dos prédios, por causa
da sua situação de ausência, ainda que estes tenham sido
ocupados por outrem, sem eles os saberem: Porque num destes
casos fica esta finalmente perdida, se conhecermos a ocupação de
outrem, e não recuperarmos instantaneamente a posse corporal.
Onde dizemos que a posse dos prédios detém-se pelo ânimo só.
Também pelos outros, por cujo intermédio possuímos,
podemos perder a posse. E na verdade, se o nosso procurador
furtar uma coisa, sendo móvel, com ânimo de a ter por sua, ou nos
esbulhar por força de um imóvel, ou perder de outro modo a posse
corporal, cessamos de possuir. Não se perde, porém de repente a
posse de um bem de raiz, que o procurador desamparou ou por
traição o entregou a outrem. Nos é conservada a posse que o
procurador entregou a outro, para possuir por nós.
Tão somente podem ser possuídas as coisas
corpóreas, das coisas incorpóreas há somente uma quase-posse de
direito, como das servidões; mas esta posse também consta de
ânimo e corpo ou fato; possui, pois quem tem exercício de direito
com ânimo de exercer por seu. Adquire-se porem e perde-se a
quase-posse do direito pelos mesmos modos inteiramente, por que
se adquire e perde a verdadeira posse.
DO FUNDAMENTO DA PROTEÇÃO
POSSESSÓRIA: No plágio de José Cretella Junior20, surge, uma
indagação de grande importância, cuja resposta não se encontra
em nenhum trecho do direito romano, mas que tem preocupado os
intérpretes de épocas mais recentes.
Por que motivo se protege a posse? Qual o
fundamento da proteção possessória? Como explicar que, em
certos casos, a proteção da posse é concedida e, em outros casos,
bastante semelhantes, é negada? Como explicar no mesmo
sistema jurídico, um modo tão desigual de distribuir o mesmo
benefício de proteção da posse? Enfim, porque um estado de fato,
como à posse, recebe proteção, por si mesma, inclusive no caso
em que não coincide com o direito?
Duas teorias existem a respeito, procurando explicar
de maneira satisfatória o fundamento da posse, a teoria de Savigny
e Lhering. Em torno dessas teorias elaboradas pelos dois famosos
jurisconsultos alemães, agrupam-se as considerações dos autores
modernos.
Em seu clássico Tratado da Posse, afirma Savigny
que o fundamento da proteção possessória reside na idéia de
ordem pública. O regime de direito não permite que se faça justiça
com as próprias mãos. A ordem material deve ser conservada.
Quem tem a posse da coisa, deve conservá-la até a decisão final do
magistrado. Dando interdito ao possuidor, o magistrado estará
mantendo a ordem, pela segurança que oferece a quem retém a
coisa.
20 Direito Romano, 2ª edição, Revista dos Tr ibunais (L imitada) , pg. 141/2
Em seu trabalho O papel da vontade da posse, refuta
Lhering a teoria de Savigny e, sustenta que o fundamento da
proteção da possessória é de interesse privado, não público. O
pretor criou os interditos possessórios no interesse exclusivo do
proprietário. “A posse é a sentinela avançada da propriedade”,
ressalta Lhering.
Mostrando as estatísticas que, na maioria dos casos,
posse e propriedade se acham reunidas nas mesmas mãos,
conceder proteção ao possuidor é proteger, quase sempre, o
proprietário.
Na verdade é de grande interesse para o proprietário
a proteção possessória, porque se, por um lado, o dono da coisa,
tem ao seu lado uma ação real, que lhe permite reclamar a coisa,
fazendo valer seu direito de proprietário, por outro lado, tal prova é
difícil, diabólica mesmo (“probatio diabólica”), porque longa,
trabalhosa, remontando de um proprietário a outro.
Invocando o interdito, o proprietário contorna as
delongas da via petitória, bastando-lhe provar que é possuidor da
coisa a um ano, ou, então, em alguns caos, que no ano em curso
possui a coisa a mais tempo (alguns meses a mais), do que o
contendor21.
As duas teorias explicam o fundamento da proteção
possessória, completando-se. Os interditos retinendae possessionis
causa22 (denominados conservatórios, proibitórios ou retentórios)
fundamentam-se na idéia de proteção do proprietário e os interditos
21 Rival , adversár io 22 Interditos para a posse que deve ser conservada
recuperandae possessionis causa23 (denominados recuperatórios
ou restitutórios) fundamentam-se na idéia de ordem pública.
PROTEÇÃO DA POSSE: A pessoa que está na
posse de uma coisa, móvel ou imóvel, pretende continuar nessa
qualidade de possuidor. Não quer ser perturbada, não permitem
que terceiros lhe tirem a coisa, nem que lhe impeçam conservá-la
em seu poder.
Por isso, os sistemas jurídicos asseguram ao
possuidor a proteção da posse, fornecendo-lhe meios de defender-
se, invocando a lei e afastando a pessoa importuna.
Se ação é o direito de perseguirmos em juízo o que
nos é devido (“actio est jus persequendi in judicio quod sibi
debetur”), o possuidor tem o direito de agir, o jus actionis, a fim de
conservar sua qualidade de possuidor e o correlato direito de pedir
proteção para tal.
É o que se apresenta, sob o crivo de melhor
entendimento.
23 Interdito para que se rest itua ao possuidor a posse que lhe foi arrebatada
Parecer solicitado pelo Prof. Dr. Haroldo Guilherme Vieira Fazano
Assunto: A possibilidade de o cônjuge requerer usucapião.
A Lei nº 12.414 de 16 de Junho de 2011, alterou a redação do Código
Civil Brasileiro, incluindo o Art. 1240-a.
A redação do Artigo 1.240-a trouxe uma nova modalidade de usucapião
urbana a qual dispõe:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e
cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-
companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de
uma vez.
A usucapião é forma de aquisição originaria de propriedade prevista no
Código Civil.
Para cada espécie da Usucapião há exigência especificas relativa à
posse, forma de aquisição, tempo e até área.
O Art. 1241, do Código Civil, informa que “ poderá o possuidor requerer
ao Juiz seja declarada adquirida mediante usucapião a propriedade
imóvel”.
As espécies de Usucapião são Extraordinária, Usucapião Ordinária,
Usucapião Especial Rural, Usucapião Especial Urbana, Usucapião
Indígena e agora a Usucapião Especial Urbana por Abandono de Lar.
A primeira espécie de Usucapião e mais comum, prevista no art. 1238,
do Código Civil, a Usucapião Extraordinária, possui como critérios
configuradores deste direito, ampla possibilidade, onde “Aquele que, por
quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um
imóvel, adquiri-lhe a propriedade independente de titulo e boa-fé,
podendo, requererão ao Juiz que assim o declare por sentença, a qual
servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
O prazo para a usucapião é de 15 anos, podendo reduzir para 10 anos,
se for destinada a moradia.
A usucapião constitucional ou especial, com a intenção de regularizar
aqueles que detém a moradia do bem usucapido, tanto na seara rural
como urbana.
Existem outras modalidades da usucapião, entretanto, a usucapião
especial, originada na Constituição Federal, é a efetivação da função
social da propriedade, prevista no mesmo diploma.
A modalidade esta prevista no Art. 1240 do Código Civil, sendo, antes
disto, já descrita no Estatuto da Cidade.
O Art. 1240-a do Código Civil, traz como requisitos para utilização desta
modalidade de usucapião:
Tempo de 2 anos;
Continuidade: ininterrupta e sem oposição;
Modalidade de Posse: direta, com exclusividade e para sua moradia ou
de sua família;
Área limite: imóvel urbano – terreno ou apartamento – de até 250 m2;
Condição dos cônjuges: Separados de fato;
Condição do co-titular que perderá sua meação: ter saído do lar, não
contribuir com a manutenção do bem, tampouco buscar exercer direito
sobre o mesmo no prazo de 2 anos a contar da separação de fato;
Condição do co-titular que pretende usucapir o bem: possuir co-
propriedade (existência de meação), não possuir outro bem imóvel, não
ter requerido o mesmo direito anteriormente.
Conclusão
Com o advento do Artigo 1240-a do Código Civil Brasileiro, poderá o
cônjuge ou companheiro (a) que ficar com imóvel, as suas custas,
preenchendo os requisitos estabelecidos no supra artigo, pleitear a
usucapião em face do ex-conjuge que abandonou o imóvel não
contribuindo para sua manutenção, bem como não exercer o direito
sobre o mesmo no prazo de dois anos a contar da separação de fato.
Assim, para matéria de defesa deve o ex-conjuge propor ação de
arbitramento de aluguel, fixação de comodato, utilização do bem como
pagamento de alimentos, para não ter o bem usucapido.
Júlio Cesar Félix
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