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APRESENTAÇÃO Sua Excelência o Senhor Doutor Presidente da Vigésima Quarta Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil com sede em Sorocaba, professor Alexandre Ogusuku, solicitou-nos escrever a respeito dos discentes que frequentaram o Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil e Processual Civil com docência para o ensino superior da Escola Superior da Advocacia. Inicialmente gostaria de mencionar que fomos os idealizadores desse curso que foi aprovado pela Escola Superior de Advocacia em São Paulo e pelo Conselho Estadual de Educação. Colocado em prática o Curso fomos gentilmente convidado pela professora Doutora Ruth Aparecida Bittar Cenci para ministrar a aula inaugural e posteriormente para ministrar o Módulo Direito das Coisas. No Módulo Direito das Coisas sugerimos aos alunos que elaborassem uma monografia ou que escrevessem um artigo sobre um determinado tema relacionado com o Direito das Coisas o que efetivamente ocorreu para posterior organização e publicação. Na mesma oportunidade sugerimos que tais artigos, após a aprovação da Ordem dos Advogados em Sorocaba, poderiam ser veiculados numa revista ou livro, o que, agora é uma realidade, graças ao incentivo dado pelo professor Alexandre Ogusuku. Na verdade o Curso de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior da Advocacia tem como objetivo não só o de fornecer ao mercado de trabalho um operador do direito capaz de perceber, avaliar e atuar na área cível, como fornecer aos operadores do direito uma visão interdisciplinar do Direito, e, ainda, fornecer aos operadores do direito seus fundamentos metodológicos.

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Apostila ESA OAB Sorocaba

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Page 1: ESA

APRESENTAÇÃO

Sua Excelência o Senhor Doutor Presidente da Vigésima Quarta Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil com sede em Sorocaba, professor Alexandre Ogusuku, solicitou-nos escrever a respeito dos discentes que frequentaram o Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil e Processual Civil com docência para o ensino superior da Escola Superior da Advocacia.

Inicialmente gostaria de mencionar que fomos os idealizadores desse curso que foi aprovado pela Escola Superior de Advocacia em São Paulo e pelo Conselho Estadual de Educação.

Colocado em prática o Curso fomos gentilmente convidado pela professora Doutora Ruth Aparecida Bittar Cenci para ministrar a aula inaugural e posteriormente para ministrar o Módulo Direito das Coisas.

No Módulo Direito das Coisas sugerimos aos alunos que elaborassem uma monografia ou que escrevessem um artigo sobre um determinado tema relacionado com o Direito das Coisas o que efetivamente ocorreu para posterior organização e publicação.

Na mesma oportunidade sugerimos que tais artigos, após a aprovação da Ordem dos Advogados em Sorocaba, poderiam ser veiculados numa revista ou livro, o que, agora é uma realidade, graças ao incentivo dado pelo professor Alexandre Ogusuku.

Na verdade o Curso de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior da Advocacia tem como objetivo não só o de fornecer ao mercado de trabalho um operador do direito capaz de perceber, avaliar e atuar na área cível, como fornecer aos operadores do direito uma visão interdisciplinar do Direito, e, ainda, fornecer aos operadores do direito seus fundamentos metodológicos.

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Importante destacar a dedicação e o trabalho dos alunos do Curso de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior da advocacia que não pouparam esforços (e tempo) para a elaboração dos pareceres e artigos, agora veiculados.

A revista da Escola Superior da Advocacia com os temas a respeito do Direito das Coisas ganha agora, como piloto, o mundo acadêmico e profissional e concretizará, esperamos, um projeto elaborado há muito tempo na Área de Pós-graduação da Ordem dos Advogados do Brasil: o de uma publicação que construa um espaço de debate e intercâmbio de ideias a partir da veiculação da produção acadêmica dos advogados especialistas da área de pós-graduação da Escola Superior de Advocacia, propiciando a formação de futuros mestre e doutores.

Pensamos que a divulgação dos trabalhos dos discentes tenha como condão o surgimento de uma práxis acadêmica, expondo com maior visibilidade os caminhos de reflexão que se produzem na interlocução entre docentes e discentes do Curso de Especialização da Escola Superior da Advocacia, consubstanciados em artigos e resenhas.

Com o apoio decisivo da Ordem dos Advogados do Brasil de Sorocaba a revista soma-se, pois, aos esforços de refletir e construir novos saberes sobre os estudos e a produção no mundo do direito.

Sorocaba, junho de 2012.

Haroldo Guilherme Vieira Fazano

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CÉSAR FRANCISCO LOPES MARTIN

Módulo

DIREITO DAS COISAS

“POSSE NO DIREITO ROMANO”

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO

CIVIL

DIREITO DAS COISAS

ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

24ª SUBSECÇÃO SOROCABA

Page 4: ESA

2012

CÉSAR FRANCISCO LOPES MARTIN

“POSSE NO DIREITO ROMANO”

Parecer que se

apresenta como

exigência parcial

para a obtenção

do grau de Pós-

Graduado em

Direito Civil e

Processo Civil,

modulado pelo

Doutor Haroldo

Guilherme Vieira

Fazano.

ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

24ª SUBSECÇÃO SOROCABA

2012

Page 5: ESA

Introdução

A interpretação acerca do

tema da posse desenvolvidas por renomados juristas como

Maria Helena Dinis, Caio Mario da Silva Pereira e José

Carlos Moreira Alves, entre tantos outros doutrinadores

que hodiernamente vicejam na literatura especializada,

tem como fonte teorias antagônicas expressadas por teses

esposadas por Savigny e Ihering.

Ambos expoentes do Direito

Germânico abstraem os fatos decorrentes do domínio de

Roma, que passou a enfrentar ao redistribuir terras sem

conceder o título de propriedade, quando ao proceder a

colonização, parcelava as glebas para fincar em definitivo

o domínio dos césares.

Concorrem na formação da

doutrina pátria, as teorias denominadas de Subjetiva e

Objetiva dos iminentes pensadores teutônicos,

confrontadas com o entendimento incorporado pelo Direito

Canônico.

Destarte, em uma abordagem

sintética, buscamos entender o instituto da posse no

Direito Romano, alicerçados ainda na influência que ainda

hoje exercem no entendimento deste teatro meritório.

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Da Origem

Torna-se necessário para o

entendimento do complexo sistema jurídico romano, que

recepcionemos a ideia do “pater – famílias“.

Embora distante, face a

primeira noção que se depreende de tratar-se de mérito de

cunho do direito famíliar, verifica-se em melhor análise

que tal poder alcançava, além da relação da pessoa

humana, livre ou escrava, a propriedade material.

Observa-se que a

propriedade material era disciplinada de forma conjunta

com outros ramos do direito, sendo objeto portanto de

regulamentação no “pátria potesta”.

Entretanto com a velocidade

que as aspirações da dominação imperial romana se

desenvolve, acaba-se por gerar o fato que seria a base da

criação do direito patrimonial, especialmente o

possessório.

Com a anexação de outros

povos, o crescimento desordenado levou ao loteamento

dirigido pelo estado, que no entanto, não conferia o título

ao seu ocupante.

Decorrente dessa

precariedade patrimonial, originou-se outro litígio : a

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turbação da posse. O que fazer e como resolver, face a

inexistência de título patrimonial.

Assim passamos a distinguir

a existência de duas relações jurídicas, sendo a primeira a

mais antiga, que era representado pelo título,patrimonial e

o segundo: a posse da propriedade exercida diretamente

com sua usufruição.

Nascia com o litígio a

distinção entre dois fatos ou direitos semelhantes mas

antagônicos.

Sabemos porém que em 450

a.C, com a Lei das XII Tábuas, reconhecia-se a existência

dos dois institutos, sem no entanto proteger os detentores

de seu conteúdo.

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A Propriedade Romana

A esse respeito, pondera Vittorio Scialoja:

"É impossível dar-nos conta da

propriedade romana, se antes não conhecermos, pelo menos em suas linhas gerais, o desenvolvimento histórico do domínio, desde os seus primórdios até o tempo de Justiniano. A história do Direito Romano desenvolve-se em 12 séculos, durante os quais ocorreu a mais completa transformação econômica e social do mundo moderno.Roma, de pequena comuna, tornou-se soberana da Europa, então conhecida, da África Setentrional e de parte da Ásia, sofrendo a mais radical transformação. Quando se fala, pois de prosperidade romana é mister distinguir, se se fala da de Rômulo ou da de Justiniano ou da propriedade de uma época intermediária"

Em que pese esta distinção, podemos afirmar que a propriedade inicialmente era das gens, surgindo, posteriormente a propriedade do Estado. Da lavra de Ricardo Vidal França Filho, em trabalho apresentado em 2.004, nos socorremos para afirmar que com a propriedade estatal, surgiu o dominium, poder

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conferido pelo Estado aos particulares sobre as terras, o qual tomava a forma de concessões que se faziam através de um dos seguintes instrumentos: assinationes viritanae, por solicitação dos cidadãos; assignationes coloniae, visando a fundação de uma nova colônia; ou pelasagri questorii, através de venda em leilões pelos "questores" Originou dessarte a classificação possessória que sustentou o entendimento da matéria até os dias de hoje, senão vejamos:

“...a posse sobre a terra era exercida, assim, por três formas. Pelo exercício do dominium pela ocupação de terras devolutas e por concessões que asseguravam a mera fruição, sem transferência do domínio, sendo esta última forma a agri occupatori, mediante o pagamento de uma "pensão", denominada vectigal, paga ao Estado.”

Manys neste sentido leciona :

"As distribuições, assignações e vendas de imóveis, que o Estado fazia aos particulares sob garantia do povo romano - dominium ex iure Quiritum - tinham sempre lugar após uma medição oficial prévia. As outras terras, porque permaneciam como ager publicus, não eram sujeitas a igual medição. Cada pai de família ocupava a parte livre que julgasse conveniente, com a única condição de se conformar às prescrições que regulavam o modo de ocupação. Daí o dar-se a tais terras a qualificação de agri arcifinii ou occupatorii. Essas ocupações que, de resto, não eram

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permitidas senão aos membros do populus romanus, não conferiam direito de propriedade, mas somente uma posse que o Estado podia revogar a seu arbítrio, ma que entretanto, protegia enquanto durava."

Verifica-se porém que embora distintas as duas factuais situações, apenas após o surgimento dos primeiros atos no sentido de proteger este ou aquele possuidor, podemos afirmar acerca do nascimento da posse, eis que a propriedade havia muito antes já reconhecida. Importante lembrar, com Pontes de Miranda, que existia uma profunda diferença entre a concepção romana de posse e a moderna. Acerca do tema, leciona o festejado jurista:

"A diferença entre a concepção da posseno direito contemporâneo, e a concepção romana da posse não esta apenas na composição do suporte fático (nemanimus nem corpus, em vez de animus e corpus, ou de corpus, à maneira de R. von Ihering): está na própria relação (fática) de posse, em que os sistemas antigos viam o laço entre a pessoa e a coisa, em vez de laço entre pessoas. No meio do caminho, está a concepção de I Kant, que é a do empirismo subjetivista (indivíduos e sociedade humana), a partir da posse comum (Gesamtbesitz) dos terrenos de toda a terra."

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O interdito proibitório Rememorando que apesar de havermos alcançado a distinção entre propriedade e posse com a Lei das XII Tábuas, apenas com a proteção dos supostos enquadramentos é que teríamos a possibilidade de finalmente definirmos a medida justa. A nos, parece que o entendimento de Joel Dias Figueira Júnior, simplifica a matéria ao afirmar que:

"Duas teorias procuram justificar a origem histórica da proteção possessória no Direito Romano. A primeira, criada por Niehbur, defendida por Savigny e mais modernamente por Albertario e Burdese, defende a tese da providência de caráter administrativo à tutela da antiga possessio dos ocupantes do ager publicus, à medida que, não sendo proprietários (a terra pública não poderia ser objeto de propriedade dos particulares), ficavam sem a proteção judicial existente; por este motivo, os pretores passaram a proteger a situação possessória através da concessão dos interditos, proteção esta difundida posteriormente para as demais posses. A segunda teoria, defendida por Ihering, dentre outros, e aceita pela maioria dos estudiosos da atualidade, preconiza que a gênese da proteção interdital encontra-se no poder outorgado ao pretor, nas ações reivindicatórias, de

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conceder provisoriamente (até sentença final) a posse da coisa litigiosa a um dos litigantes"

Reportando a origem dos

interditos possessórios, Humberto Theodoro Junior, afirma

que as ações possessórias tem o seu nascimento no

direito romano, pois segundo ele

... a ação com que o proprietário reclamava a posse de seu bem injustamente retido por outrem chamava-se rei vindicatio. Quando a pretensão, porém, nascia do jus possessionis, isto é, do simples fato de o autor ter sido violado na posse de algum bem, a ação chamava-se possessória, ou interdito possessório. (THEODORO JÚNIOR, 2003, p.119) – (grifou-se).

Já para Moreira Alves, a segunda

teoria, defendida por Ihering, encontra escudo no fato de

que "muitos institutos jurídicos em Roma surgem graças a

incidentes processuais", sendo que a

proteção possessória nas ações reivindicatórias seria

anterior ao ager publicus.

Leciona Astolpho Rezende em relação ao pretores:

"Nos primeiros tempos, a justiça era exercida pelo rei, mais tarde pelos cônsules, pelos decênviros e pelos tribunos consulares. Com o correr do tempo, o encargo de administrar a justiça passou dos cônsules aos censores; e finalmente, quando os plebeus foram admitidos ao Consulado, a casta dominante acreditou agir habilmente, criando, ao lado dos cônsules, uma

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magistratura análoga, exclusivamente acessível aos patrícios, com as atribuições antes exercidas pelo prefeito da cidade. É a partir desta época (ano 387), que vemos figurar como magistrado ordinário o Pretor Urbanus isto é, o magistrado consular com poderes restritos á cidade de Roma."

Neste sentido, pertinente a lição de Astolpho Rezende, verbis:

"A exploração das terras em comum já tinha desaparecido desde muito tempo, e a idéia da propriedade privada se tinha estendido também ao solo, até chegar a quase eliminar toda a diferença entre relações jurídicas sobre imóveis e os bens de raiz, e se havia realizado uma certa mobilização da propriedade territorial, ao estender-se aos imóveis a forma aquisitiva da propriedade sobre imóveis (a mancipatio). As terras do ager publicus eram arrendadas ou deixadas á livre ocupação dos que quisessem pagar um tributo moderado. Não obstante, o adquirente não obtinha deste modo a propriedade privada. Era uma simples posse, tolerada pelo Estado (occupatio), ou regulada administrativamente (ager publicus). [16]

Pode-se resgatar entre vários ensinamentos que proteção possessória é fruto dos litígios havidos entre os emergentes e os poderes dos pretores que através dos interditos regulavam o impasse.

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Certo ainda é de que os poderes dos pretores se materializavam através dos interditos, que na lição de diversos mestres tratava-se de forma impura de uma ação, tal como se define hodiernamente. Do escólio de Astolpho Rezende:

"A ordem contida no interdito, ao invés de ser notificada ao juiz, como a que era incerta na fórmula de uma ação, era dirigida ao réu (interdito simples) e por vezes às duas partes (interdito duplo). Estava subordinado a condições determinadas. Em caso de contravenção, ou se não julgasse o réu no caso visado pelo magistrado ou recusasse cientemente obedecer, um juiz seria encarregado, nas formas ordinárias do processo, de verificar se as condições do interdito existiam, e de pronunciar, caso coubesse, uma condenação. As partes deveriam se apresentar as duas vezes perante o magistrado: primeiramente para obter o interdito; depois para organizar uma instância, a fim de fazer constatar se o interdito tinha sido violado."

Quanto aos tipos de interditos, apostila Francisco Antônio Casconi, in verbis:

"Examinada a excepcional defesa direta da posse, tradicionalmente a proteção opera-se através de ações especiais denominadas interditos. O interdictum tem

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origem no direito romano como criação pretoriana que consistia numa ordem do magistrado romano, solicitada por uma pessoa privada, determinando a outra pessoa um fazer ou abster-se. O vocábulo interdito advém de interim dicuntur, traduzindo a efemeridade da decisão proferida no juízo possessório, cuja finalização só se alcança no juízo petitório, representando as atuais ações possessórias (manutenção, reintegração e intedito proibitório) formas evoluídas de antigos interditos do direito romano."

Segundo o mesmo autor, três eram os interditos, a saber: adispiciendae possessionis, retinendae possesionis e recuperandae possesionis. O primeiro destinava-se a conferir a posse àquele que estivesse litigando em juízo, fazendo às vezes da ação de imissão de posse na atualidade. O intedictum retinendae possessionis como a própria etimologia revela, destinava-se a manter a posse, evitando a turbação, independentemente da propriedade, podendo ser de móveis (utrubi) ou de imóveis (uti possidetis). Observa ainda Joel Dias Figueira Júnior, que :

"estes dois remédios apresentavam duas características, quais sejam, a proibição e a duplicidade, tendo em vista que ambas as partes eram proibidas de fazer alguma coisa.”

"Também, via de regra, nem toda

a posse era tutelada, mas somente aquela que não tinha sido obtida por meio de vi,

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clam ou precário(na etimologia clássica denominada de possessio iusta em oposição àquela iniusta ou vitiosa), em relação à parte contrária."

Donde se depreende que o interdictum recuperandae possessionis fazia a função da ação de reintegração de posse hodierna. Diferentes classificações no total de três, distribuía a forma da recuperação da posse, que podemos sem dificuldade comparar com o direito atual, senão vejamos: O primeiro era concedido, somente se ocorrido dentro do período de um ano do esbulho, para reintegrar na posse aquele que sofresse esbulho, observando o esbulhado ter sido vítima de violência, que classificavam de comum e incomum. A praticada pelo autor do esbulho ou seus empregados ou escravos era denominada comum, já aquela praticada por diversas pessoas sem relação entre si, tendo apenas o objeto do esbulho como relação, agravado pelo uso de armas, era denominado incomum. Já a segunda espécie de interdictum recuperandae possessionis, era utilizada pelo possuidor-proprietário em vista do possuidor precarista diante da existência de um precarium, que era uma convenção através da qual se permitia a utilização da coisa por outrem. Inicialmente, era aplicado somente aos bens imóveis, mas posteriormente, na era clássica, foi estendido aos móveis, tendo desaparecido na codificação justinianéia, quando foi substituído pelo interdito de vi .Caso o proprietário, e possuidor indireto, pretendesse reaver a posse e não contasse da aquiescência do precarista, poderia valer-se do interdito.

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E o terceiro interdito (de clandestina possessione), somente surgiu no final da idade clássica, e era utilizado contra o esbulho clandestino. Em um rápido estudo de direito comparado, podemos identificar de forma cristalina as classificações, que hoje nomeiam o arcabouço jurídico de proteção a propriedade, e em especial ao uso responsável da terra.

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CONCLUSÃO A economia, o interesse político são a mola propulsora das normas que norteiam a relação entre os povos. A aquisição de forma sem ocorrer a contraprestação, acabou por gerar na evolução o direito possessório, eis que se não podia impedir teria que se impor regras para que a paz fosse alcançada. Cada vez mais, o entendimento da função social da propriedade, especialmente a terra, leva a normatizar o seu uso, criando restrições ao exercício da propriedade, impondo ônus ao seu desuso, seja de forma tributária, seja acolhendo a pretensão possessória de quem faz justa aplicação do imóvel.

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Posse, no sentido etimológico do termo, deriva do

latim, possessio, do verbo possidere1, formado pelo termo posse

(poder, ter poder de) e pelo verbo sedere colocar, fincar, assentar).

Significa dizer a detenção física ou material de alguma coisa. O

poder material por sobre as coisas.

Pode-se dizer que é um poder que se prende à coisa.

Posse significa a fruição da coisa por alguém que a

detém. Torna-se então fato jurídico, quando se torna relevante ao

Direito, na discussão de se estar frente a um ato lícito ou ilícito.

Para Savigny, a posse no direito romano, resultaria,

pois, na combinação de dois elementos: corpus e animus – o

primeiro, como já dito e observado por Orlando Gomes2, decorre

“do poder físico da pessoa sobre a coisa”, e o segundo, da “vontade

de ter essa coisa como sua”.

Contrapondo-se, Maria Helena Diniz3 afirma que

o corpus, ou elemento material, “se traduz no pode físico

sobre a coisa ou na mera possibilidade de exercer esse

contato, e de defendê-la das agressões de quem quer que

seja; é a detenção do bem ou o fato de tê-lo à sua

disposição.” Dessa forma conceitua o ”animus REM sibi

abendi ou animus domini como a intenção de exercer sobre a

coisa o direito de propriedade”.

Corroborando Washington de Barros Monteiro

afirma: “Isoladamente, nenhum desses elementos basta para

1 possuir 2 Direitos Reais , t . I , p .28 3 Maria Helena Diniz , Curso de direi to c iv i l brasi leiro . São Paulo: São Paulo, 2004, vol . 4 , p .36

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constituir a posse. Se não existe o poder físico, o corpus, mas

somente a intenção, claro é que se tem, tão somente,

fenômeno de natureza psíquica, sem nenhuma repercussão

no mundo do direito. Se existe o corpus, porém falta o animus,

tem-se mera detenção, que é posse natural, mas não

jurídica”.4

Lhering (teoria objetiva) opôs-se ao subjetivismo de

Savigny, sendo-lhe assim de todo irrelevante o animus domini.

Mesmo distinguindo-se a intenção na posse, esta se manifestaria

pelo animus tenendi, isto é, a simples vontade de se ter a coisa,

elemento comum tanto em relação ao possuidor quanto em relação

ao detentor.

Ao situar a posse no direito romano, Lhering5,

sustenta que era nela que se protegia a exteriorização da

propriedade. Daí que a posse não seria apenas um poder de fato,

mas, tal qual o domínio, um poder de direito. Portanto, criou-se uma

proteção para quem tivesse o direito. Ocorre, porém, que, para

buscá-la, seria necessário permitir que dela também se

beneficiasse quem não tivesse o direito, embora tal concessão

fosse de efeito transitório, pois, ao cabo de tudo, a proteção

possessória seria definitiva para aquele que realmente tivesse o

direito.

Desta forma, uma vez definidos os institutos, temos: o

comodato, contrato através do qual uma pessoa dá em empréstimo

à outra pessoa coisa não fungível, a título gratuito, por tempo

determinado ou não; o depósito, contrato mediante o qual uma

4 Washington de Barros Monteiro, Curso , c it . P . 17 5 Gest iones Juridicas , p. 140

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pessoa entrega à outra coisa móvel, para que esta a conserve sob

a sua guarda e a restitua em prazo determinado ou quando

reclamada; o mandato, contrato pelo qual uma pessoa outorga à

outra, poderes, para, em seu nome, praticar atos ou determinar

interesses, a título gratuito ou oneroso.

No direito romano, até fins da República, supõe-se

que a detenção se confundia com a posse. Daí aludir José Carlos

Moreira Alves a uma observação de Edouard Cuq de que, “no

tempo de Cícero, a distinção entre posse e detenção não existia.”

Posteriormente, já no período clássico, buscava-se no elemento

subjetivo a configuração de ambas: enquanto a posse se

manifestaria pela vontade de se ter a coisa livre e com

exclusividade, a detenção decorreria apenas da mera relação física

consciente com a coisa (Posse, vol. I, os. 22 e 30)

Vale dizer que o arrendamento e locação, são

institutos a fins, pois se referem a contrato pelo qual uma pessoa

entrega a outra pessoa coisa não fungível, mediante retribuição e

pelo prazo que for estipulado, para uso e goso.

O Direito Romano nos mostrou “as coisas e suas

diversas formas de aquisição”, trazendo-nos, ainda, a divisão

destas “coisas” e o modo pelo qual podemos adquirir a sua posse.

Podemos então, através do Direito Romano,

apresentá-las da seguinte forma: das coisas corpóreas; das coisas

incorpóreas e; de como se adquire e se perde a posse das coisas.

Vejamos.

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DAS COISAS CORPÓREAS: Em sentido jurídico a

razão das coisas é diversa da razão das pessoas, pois que a estas

só podem competir direitos. É, porém a denominação de coisa mais

lata ou mais estrita; na mais lata compreende-se não só as coisas,

mas ainda os direitos e os fatos.

Chamam-se propriamente coisas os entes e os

objetos, que podem ser sujeitos ao poder ou ao direito das pessoas;

a não ser que pelo direito natural ou civil, sejam estas coisas

impedidas de pertencer a alguém.

A universalidade de todas as coisas, que se acham

com juntas com alguma pessoa, ou sujeitas ao seu poder, chama-

se patrimônio ou bens dessa pessoa. Portanto, a principal divisão

das coisas é esta: umas podem estar no patrimônio de cada um dos

particulares, e serem transferidas do poder de uma pessoa para o

de outrem; outras estão sempre fora do patrimônio (extra

patrimonium); de onde vem a dizer-se também que as coisas estão

no comércio ou fora do comércio.

As que se acham em patrimônio (no comércio),

compreendem-se também sob a denominação de pecúnia.

Fora do comércio estão as coisas de direito divino, as

que são comuns a todos, e as públicas.

De direito divino são as coisas sagradas, religiosas e

de certo modo santas. Chamam-se sagradas as coisas, que pública

e ritualmente foram pelos pontífices consagradas e dedicadas a

Deus, ou ao seu ministério. É religioso o lugar onde esta um morto,

sepultado por quem o podia enterrar; porque este lugar é

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consagrado aos deuses manes6; também são religiosos e

sepulcros, não assim os cenotaphios7. Santo é o que está

defendido e munido da injúria dos homens, como os muros, as

portas, as trincheiras, as fortificações dos arraiaes8

É comum a todos pelo direito natural o ar, a água

corrente, o mar e conseqüentemente as praias; coisas estas que

nem a natureza permite que estejam em nosso domínio, visto que

todos usam delas. Diferem destas coisas que tão somente são

nullius9, e podem passar para o domínio dos particulares.

São públicas as coisas, cuja propriedade é do povo ou

da república, o uso porém de todos os indivíduos do povo; deste

gênero são os rios públicos, os caminhos, os lugares públicos,

como o fórum, os portos e outras coisas semelhantes. O uso das

ribanceiras é somente público, porém a sua propriedade é das

pessoas, com cujos prédios as ditas ribanceiras estão coerentes. As

coisas de universidades, conquanto não sejam de particulares,

todavia dizem-se públicas por abuso.

Outra divisão das coisas, principalmente das que se

acham em nossos bens é esta: ou são corpóreas ou incorpóreas.

As coisas corpóreas são de sua natureza tangível10, as incorpóreas

não podem ser tocadas.

Há dois gêneros de coisas corpóreas, a saber: móveis

e imóveis que também se chamam prédios e bens de raiz.

6 Deuses infernais do paganismo. 7 Francês - Monumento sepulcral er igido em memória de um morto sepultado noutra parte 8 Arraia is : acampamento ou uma fortaleza. 9 Sem valor 10 Que tem corpo e está ao alcance da mão

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É imóvel o solo e tudo, quanto ou por natureza, ou por

arte lhe é aderente, como o os arvoredos, os frutos pendentes, as

pedreiras, a casa, e o que é reputado pertencente ao bem de raiz.

São, pois os prédios ou urbanos, que são os edifícios, ou rústicos,

que são todos os demais.

As coisas móveis distinguem-se as coisas, que se

movem por si, ou simplesmente móveis; as que se movem por si,

que também se dizem semoventes, devem-se referir aos escravos e

os animais. Destes, porém uns são silvestres, outros mansos, e

outros enfim amansados. De todas estas coisas é diversa a razão

em sentido jurídico.

Modernamente certas coisas dizem-se fungíveis,

outras infungíveis ou não-fungíveis: esta distinção tem duas

explicações; chamam-se, pois em sentido fungível, as coisas, que,

como o dinheiro, trigo, o vinho e outras semelhantes, vindo a ser

objeto de obrigação, reputam-se in genere do que in espécie, e por

esta razão constam em número, peso e medida. Noutra significação

dizem-se fungíveis as coisas, que se consomem ou que se

diminuem pelo uso, das quais algumas, conquanto costumem ser

estimadas e retribuídas in genere, contudo, nem todas ou nem

sempre se podem chamar fungíveis no primeiro de dois sentidos da

palavra; tanto assim que nem todas aquelas coisas se consomem

sempre com o uso. A mesma coisa é fungível para uns, podem ser

não-fungíveis para outros.

Segundo a diversa composição de partes dos

diferentes corpos, são as coisas singulares ou unidas, universais ou

universalidade de coisas.

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Naquela composição se compreendem as coisas

como num só espírito, e de tal arte estão unidas por partes de

idêntica forma e substância, que não podemos ver senão uma

coisa, nem distinguir diversas coisas em cada uma das partes por

si, assim como na pedra, no pau, da estátua, no homem. As

universalidades de coisas são compostas como uma só forma de

várias coisas desunidas entre si, como um edifício, um leito, um

carro, que também se chamam coisas conexas; ou de corpos

diferentes uns dos outros, mas de tal sorte unidos em uma só coisa,

que são compreendidos debaixo do mesmo nome; assim como

rebanho, legião loja de venda. Tal é, pois a razão da universalidade,

que, ainda quando sejam trocadas, aumentadas ou diminuídas as

partes por si, reputa-se existir sempre o mesmo local de

universalidade. Em muitos artigos de direito a razão das coisas

singulares é outra, que a das coisas universais. Certo, nem toda a

multidão ou coleção de corpos vários, constituem universalidade;

mas somente a que é compreendida pelo mesmo nome e da tal

maneira; que ainda depois de mudados os corpos, cada um por si,

permanece idêntica.

Finalmente as coisas são divisíveis ou indivisíveis.

Chamam-se divisíveis as que, assim como uma verdade, separadas

em partes e possuídas por vários pro indiviso, permanecem, todavia

inteiras; indivisíveis as que distintas em partes, cessam de ser um

só corpo; como todas as coisas móveis, que por isso mesmo só pro

indiviso, podem ser de vários.

Considerada a conexão ou mútua razão das diversas

coisas entre si, umas são principais, outras acessórias; e, portanto

em todas as coisas distinguimos a próprio corpo da sua causa e

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acessões; estas seguem sempre aquele; quer dizer: o acessório

segue sempre o principal. Contam-se principalmente em número de

acessões os frutos, as pertenças (como dizem), os interesses ou a

estimação das suas utilidades, as despesas feitas com a coisa, as

quais assim como supõe-se aumentarem-na, também as podem

diminuir. São várias as divisões dos frutos; distinguem-se, pois em

civis e naturais, pendentes, separados, percebidos, existentes,

consumidos. Pertença ou acessão no sentido próprio chama-se

hoje em dia, toda a coisa, que de tal arte está junta à outra, que

parece ser parte dela. As despesas ou são necessárias, ou úteis ou

faustosas11.

DAS COISAS INCORPÓREAS: Dizem-se incorpóreas

as coisas, que não podem ser tocadas, conquanto possam ser

percebidas e discernidas pela mente. Mas, posto que por esta

definição seja corporal tudo, quanto se cogita, todavia, neste lugar

tão somente se compreendem as coisas, que oferecem algum

cômodo às pessoas, e que por isso podem ser compreendidas sob

a denominação de bens, e são suscetíveis de estimação pecuniária,

com todas as demais coisas, que se acham no patrimônio.

Em sentido lato12, estão em o número das coisas

incorpóreas as qualidades das coisas, que, assim como o dinheiro

são opostas aos corpos, e as coisas devidas in genere. Porém no

sentido próprio só entram nos números das coisas incorpóreas, os

direitos e universalidades de direitos, que tomam a denominação de

patrimônio e de bens, como pecúlio, herança.

11 Pomposo; aparatoso; fausto 12 Amplo; di latado. 2 . Extensivo.

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Os direitos, que com preferência são pelos Romanos

enumerados nas coisas incorpóreas, são os que podem ser

estimados em dinheiro, como servidão, herança, obrigações, ações.

Pouco importa que haja coisas corpóreas na herança, pois também

é corporal o que se deve em virtude da obrigação, e se pode pedir

por ação. Portanto, os mesmos direitos de herança, de usufruir, de

obrigação, incorpóreos são.

Pela mesma razão, ainda que o patrimônio contenha

inúmeras coisas corpóreas, todavia é incorporal a universalidade de

direito, em virtude do qual estas coisas são submetidas a alguém, e

permanece idêntica, ainda quando as coisas que lhe pertencem,

sejam trocadas cada uma por si. Toda a universalidade de direito,

consta, pois de cômodo e incomodo, ou, segundo a norma de falar

dos modernos, de activo e passivo.

Examinemos com mais atenção o direito. Há dois

gêneros de direito: um tocante à condição das pessoas, e outro

relativo ao patrimônio; os do primeiro gênero podem ser chamados

pessoais; os do segundo, patrimoniais. Os direitos pessoais ou

diferem o estado de alguma pessoa, como a liberdade ou a cidade,

ou lhes atribuem algum poder sobre outras pessoas, como sobre

escravos ou livres. Os direitos pessoais não admitem estimação

pecuniária.

Os direitos, porém respectivos ao patrimônio ou às

coisas pecuniárias, são direitos in re13, ou obrigações. Certos

direitos consistem, pois in re, quando alguma coisa, principalmente

corporal, está por tal forma sujeita ao poder de alguém, que parece

13 Na coisa

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ser dessa pessoa, ou inteira ou quanto a certo fim, como quanto ao

uso. Portanto a substância deste direito consiste em construir um

vínculo direto de direito entre a pessoa e a coisa, por cuja virtude

digamos que coisa é nossa, que o uso é nosso, e possamos de

mais a mais perseguir este nosso direito contra quem quer que seja.

É, todavia diversa a substância das obrigações. A sua

virtude consiste, pois em que uma pessoa seja adstringida14 pela

necessidade de dar ou fazer alguma coisa, não em fazendo elas

nossa a coisa. Por conseguinte a obrigação é um vinculo de direito

entre duas pessoas (credor e devedor) com o fim de ser prestado

algum fato (obrigação). Por esta razão também pé duplicado os

gêneros das ações, com que podemos perseguir os nossos direitos;

porquanto ou são in rem15 ou in personam16. Finalmente a comum

opinião deduziu menos bem esta diferença das ações uma divisão

de direito in rem e in personam ou ad rem17.

Do direito in re, contam-se geralmente cinco (5)

formas: domínio, servidão, direito de penhor ou hipoteca, enfiteuse

e superfície. Os Romanos distinguem entre si o domínio e o jus in

re18.

Domínio é o pleno poder de alguém sobre uma coisa

corporal, em virtude do qual pode ficar esta coisa sujeita ao dono

por todas as razões, e por esta causa se diz ser dele, como própria

e sua; ainda mesmo quando certos direitos sobre esta cousa

14 Constranger , obrigar . 15 Direito real . 16 Direito pessoal , l igado a uma única pessoa 17 À coisa. 18 O direito sobre a coisa.

Page 29: ESA

competem a outro, retido o vínculo do domínio, isto é, da

propriedade.

Servidão é o direito sobre uma coisa alheia, pelo qual

esta coisa deve servir a outrem, sem que por isso o dono dela seja

adstrito como devedor àquele. Semelhantes direitos são a enfiteuse

e a superfície.

Finalmente o direito de penhor e de hipoteca consiste

em que uma coisa alheia seja obrigada ao credor em lugar do

devedor para garantia da obrigação, de maneira que a coisa

obrigada ou dada em penhor ou hipoteca, possa ser vendida pelo

credor por causa do pagamento.

Todos estes direitos podem concorrer numa única

coisa, de sorte que um tenha o domínio, outro a servidão, outro o

penhor sobre a coisa.

Há somente uma natureza de obrigações, conquanto

nasçam de várias causas; tão idêntica é, pois a natureza de todas,

que por ela se pode pedir o fato de alguma pessoa, que está

obrigada a dar ou fazer.

As obrigações devem ser equiparadas às ações, que

são direitos de perseguir em juízo o que nos é devido. Propõem-se

ações sobre todo o gênero de direitos, como de estado, de poder,

de jus in re, e de obrigações. Toda ação, porém, que na realidade

compete a alguma pessoa com o próprio direito, constitui vínculo de

direito, muito semelhante ao vínculo da obrigação, entre autor e réu,

quer nós persigamos um direito in re, quer uma obrigação ou outro

direito.

Page 30: ESA

Resta advertir que existem os direitos divisíveis e

indivisíveis. Deve, pois ser tido como divisível o direito, cuja força e

a natureza são tais que, conquanto uma pessoa seja comum pro

indiviso, pode todavia ser direito de vários pro rata, qual o direito de

domínio e usufruto. São, porém, indivisíveis os direitos, que, quando

pertençam a mais de um, competem in solidum19 a cada um por si;

como as servidões e as obrigações de coisas indivisíveis. Estes

direitos não podem ser adquiridos nem perdidos pro parte.

DE COMO SE ADQUIRE E PERDE A POSSE DAS

COISAS: Após breve apresentação sobre a divisão das coisas,

examine-mos como se adquire o domínio delas e; como a fazemos

nossa depois de termos conseguido a sua posse.

A Posse é uma coisa de fato: portanto disse que

possui quem tem uma coisa corporal de tal sorte sujeita ao seu

poder que só ele tem a faculdade de dispor ad libitum dessa coisa

com exclusão de quem quer que seja. Como pois os efeitos se

acham juridicamente conjunto com este fato de possuir. Impuseram

assim aos jurisconsultos romanos todo o cuidado em definir a noção

de posse e sua índole, a sua aquisição e perda, para que se diga

que ela já não é tão somente de fato, mas também de direito.

Os efeitos da posse são vários, como veremos.

Assinalamos somente dois, que são: de direito civil, o usucapião; de

direito pretoriano, os interditos, que defendem o que possui

justamente (juste possidentem).

19 sol idar iedade

Page 31: ESA

Daí, diversas distinções de posse. Sem dúvida, possui

com propriedade quem, detendo corporalmente uma coisa, tem ao

mesmo tempo a intenção (animum) de a possuir como sua; quando

pelo contrário, que, sem este propósito tem uma coisa sujeita a si,

diz que a possui corporal e naturalmente, ou que está em posse

dela, ou que tem a sua nua detenção.

São concedidos interditos ao verdadeiro possuidor,

que, tendo começado a possuir ex justa causa, julgando ter

adquirido juridicamente a coisa como sua, a possui civilmente, isto

é, segundo o usucapião. De onde nasce a distinção de posse

natural ou nua detenção da coisa, de posse assim propriamente

dita, e de posse civil. Também alguma vezes se diz que possui

naturalmente quem possui na realidade, porém não civilmente.

Ademais, distingue-se o possuir ou injustamente, de

boa ou má-fé. Possui injustamente quem possui a posse de forma

violenta, clandestinamente ou de forma precária. Possui de má-fé

quem, sabendo não ter direito de possuir, começou todavia a

possuir. Pode, portanto acontecer que algum seja tido por fingido

possuidor, como aquele que se oferece à lide (liti), como se

possuísse, ou o que deixou de possuir por dolo.

Podem possuir todos aqueles que podem ter por si

alguma coisa como própria, excetuados portanto os escravos; pois

são pelo direito impedidos de possuir. Podem ser possuídas todas

as coisas corporais, que estão no comércio e que não estejam já

detidas por outrem. Vários podem possuir a coisa pro indiviso, isto é

pro partibus, mas nunca in solidum.

Como quer que a posse conste de dois elementos, a

saber: detenção corporal é a intenção de ter por sua a coisa, para

Page 32: ESA

esta ser adquirida, são também necessários dois requisitos, a

saber: corpo e ânimo; nem pelo ânimo, nem pelo corpo só

poderemos conseguir a posse.

Começamos a possuir corporalmente, não só quando

apreendemos a coisa com as mãos, mas por qualquer fato, qual

assim na nossa opinião como na dos demais começa a coisa a ser

sujeita ao nosso domínio; não se admitem em direito apreensões

fictícias ou atos estranhos para conseguir a detenção de coisa

alguma; por esta causa é admitida a apreensão da posse de uma

fazenda, que alguém entrou com o fim de possuí-la, ou que por

outrem lhe foi mostrada de um lugar vizinho com intenção dela

integrar. Da mesma forma entende-se que começa a ser possuída

uma coisa, que é posta na presença de uma pessoa, para ser sua,

ou na dessa pessoa; ou tendo-lhe sido entregue as chaves da casa

vizinha, em que a coisa esta fechada.

O ânimo, com que devemos apreender uma coisa,

para verdadeiramente a possuirmos, não é outra coisa que a

vontade de a termos por nossa. Quem detém uma coisa como

alheia, e, por conseguinte a possui em nome de outrem, não é

considerado possuidor. Nem todavia, tem somente ânimo de

possuir aquele que deliberou ter a coisa como propriamente sua,

senão ainda o enfiteuta, o credor pignoratício, e algumas vezes

também o depositário, e o que recebeu a coisa de modo precário;

porque estes todos são reputados como tendo a coisa não em

nome de outrem, mas como ânimo de a terem por sua.

Podemos adquirir a posse, não só por nós mesmos,

senão por outros, sendo somente o ânimo nosso, porém o corpo

ainda mesmo alheio, quando, por exemplo, querendo nós, outrem

Page 33: ESA

ou por mandato ou por ordem nossa, apreender a posse natural de

alguma coisa, e isto com deliberação de a possuir não por si, mas

por nós. Porém se determinarmos possuir alguma coisa, a sua

posse, que primeiro foi apreendida por outro, entende-se ter sido

adquirida por intermédio dele, ainda que o ignoremos. E, por

conseguinte adquirimos a posse de alguma coisa, quando convém

que a tenha em nosso nome, quem até aqui a possuía em seu

nome, a este fato chamam-se os modernos constitutum

possessorium.

A posse uma vez adquirida persevera até vir a perder-

se; nem a necessidade de fatos peculiares para retê-la. Acha-se

porém ordenado pelos antigos que ninguém possa por seu arbítrio,

mudar a causa da posse em seu próprio proveito. Perde-se a posse

ou por ânimo ou por corpo, e isto ou só pelo ânimo ou pelo corpo

só. Perdemos pelo nosso ânimo a posse, quando sejamos de tal

maneira afetados, que não queiramos possuir para o futuro a coisa,

que agora possuímos. Portanto, desde que não a quisermos possuir

conquanto ainda esteja em nossa detenção corporal, fica a sua

posse imediatamente perdida, pois qualquer estranho que quiser

possuir esta mesma coisa, à vista da disposição contrária do nosso

ânimo, pode apreender a posse dela.

E pelo contrário, desde o instante em que nos é tirada

a posse corporal, perdemos a posse, ainda que retenhamos a

intenção de possuir a coisa. Perde-se a detenção da coisa por

muitos modos; das coisas móveis, que nos são furtadas, ou de tal

sorte se perderam que ignoremos onde estejam; se o gado se

desgarrar, ou o animal silvestre se subtrai à nossa guarda, ou

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sendo amansado, perder o instinto de regressar, ou a coisa cair

num rio ou mar, que não possamos conseguir jamais a sua posse.

Perde-se a posse dos prédios, quando estes foram

ocupados por rio ou mar, ou quando o possuidor for esbulhado dela

por força. Os ausentes não perdem a posse dos prédios, por causa

da sua situação de ausência, ainda que estes tenham sido

ocupados por outrem, sem eles os saberem: Porque num destes

casos fica esta finalmente perdida, se conhecermos a ocupação de

outrem, e não recuperarmos instantaneamente a posse corporal.

Onde dizemos que a posse dos prédios detém-se pelo ânimo só.

Também pelos outros, por cujo intermédio possuímos,

podemos perder a posse. E na verdade, se o nosso procurador

furtar uma coisa, sendo móvel, com ânimo de a ter por sua, ou nos

esbulhar por força de um imóvel, ou perder de outro modo a posse

corporal, cessamos de possuir. Não se perde, porém de repente a

posse de um bem de raiz, que o procurador desamparou ou por

traição o entregou a outrem. Nos é conservada a posse que o

procurador entregou a outro, para possuir por nós.

Tão somente podem ser possuídas as coisas

corpóreas, das coisas incorpóreas há somente uma quase-posse de

direito, como das servidões; mas esta posse também consta de

ânimo e corpo ou fato; possui, pois quem tem exercício de direito

com ânimo de exercer por seu. Adquire-se porem e perde-se a

quase-posse do direito pelos mesmos modos inteiramente, por que

se adquire e perde a verdadeira posse.

Page 35: ESA

DO FUNDAMENTO DA PROTEÇÃO

POSSESSÓRIA: No plágio de José Cretella Junior20, surge, uma

indagação de grande importância, cuja resposta não se encontra

em nenhum trecho do direito romano, mas que tem preocupado os

intérpretes de épocas mais recentes.

Por que motivo se protege a posse? Qual o

fundamento da proteção possessória? Como explicar que, em

certos casos, a proteção da posse é concedida e, em outros casos,

bastante semelhantes, é negada? Como explicar no mesmo

sistema jurídico, um modo tão desigual de distribuir o mesmo

benefício de proteção da posse? Enfim, porque um estado de fato,

como à posse, recebe proteção, por si mesma, inclusive no caso

em que não coincide com o direito?

Duas teorias existem a respeito, procurando explicar

de maneira satisfatória o fundamento da posse, a teoria de Savigny

e Lhering. Em torno dessas teorias elaboradas pelos dois famosos

jurisconsultos alemães, agrupam-se as considerações dos autores

modernos.

Em seu clássico Tratado da Posse, afirma Savigny

que o fundamento da proteção possessória reside na idéia de

ordem pública. O regime de direito não permite que se faça justiça

com as próprias mãos. A ordem material deve ser conservada.

Quem tem a posse da coisa, deve conservá-la até a decisão final do

magistrado. Dando interdito ao possuidor, o magistrado estará

mantendo a ordem, pela segurança que oferece a quem retém a

coisa.

20 Direito Romano, 2ª edição, Revista dos Tr ibunais (L imitada) , pg. 141/2

Page 36: ESA

Em seu trabalho O papel da vontade da posse, refuta

Lhering a teoria de Savigny e, sustenta que o fundamento da

proteção da possessória é de interesse privado, não público. O

pretor criou os interditos possessórios no interesse exclusivo do

proprietário. “A posse é a sentinela avançada da propriedade”,

ressalta Lhering.

Mostrando as estatísticas que, na maioria dos casos,

posse e propriedade se acham reunidas nas mesmas mãos,

conceder proteção ao possuidor é proteger, quase sempre, o

proprietário.

Na verdade é de grande interesse para o proprietário

a proteção possessória, porque se, por um lado, o dono da coisa,

tem ao seu lado uma ação real, que lhe permite reclamar a coisa,

fazendo valer seu direito de proprietário, por outro lado, tal prova é

difícil, diabólica mesmo (“probatio diabólica”), porque longa,

trabalhosa, remontando de um proprietário a outro.

Invocando o interdito, o proprietário contorna as

delongas da via petitória, bastando-lhe provar que é possuidor da

coisa a um ano, ou, então, em alguns caos, que no ano em curso

possui a coisa a mais tempo (alguns meses a mais), do que o

contendor21.

As duas teorias explicam o fundamento da proteção

possessória, completando-se. Os interditos retinendae possessionis

causa22 (denominados conservatórios, proibitórios ou retentórios)

fundamentam-se na idéia de proteção do proprietário e os interditos

21 Rival , adversár io 22 Interditos para a posse que deve ser conservada

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recuperandae possessionis causa23 (denominados recuperatórios

ou restitutórios) fundamentam-se na idéia de ordem pública.

PROTEÇÃO DA POSSE: A pessoa que está na

posse de uma coisa, móvel ou imóvel, pretende continuar nessa

qualidade de possuidor. Não quer ser perturbada, não permitem

que terceiros lhe tirem a coisa, nem que lhe impeçam conservá-la

em seu poder.

Por isso, os sistemas jurídicos asseguram ao

possuidor a proteção da posse, fornecendo-lhe meios de defender-

se, invocando a lei e afastando a pessoa importuna.

Se ação é o direito de perseguirmos em juízo o que

nos é devido (“actio est jus persequendi in judicio quod sibi

debetur”), o possuidor tem o direito de agir, o jus actionis, a fim de

conservar sua qualidade de possuidor e o correlato direito de pedir

proteção para tal.

É o que se apresenta, sob o crivo de melhor

entendimento.

23 Interdito para que se rest itua ao possuidor a posse que lhe foi arrebatada

Page 38: ESA

Parecer solicitado pelo Prof. Dr. Haroldo Guilherme Vieira Fazano

Assunto: A possibilidade de o cônjuge requerer usucapião.

A Lei nº 12.414 de 16 de Junho de 2011, alterou a redação do Código

Civil Brasileiro, incluindo o Art. 1240-a.

A redação do Artigo 1.240-a trouxe uma nova modalidade de usucapião

urbana a qual dispõe:

“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e

cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-

companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,

adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel

urbano ou rural.

§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de

uma vez.

A usucapião é forma de aquisição originaria de propriedade prevista no

Código Civil.

Para cada espécie da Usucapião há exigência especificas relativa à

posse, forma de aquisição, tempo e até área.

O Art. 1241, do Código Civil, informa que “ poderá o possuidor requerer

ao Juiz seja declarada adquirida mediante usucapião a propriedade

imóvel”.

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As espécies de Usucapião são Extraordinária, Usucapião Ordinária,

Usucapião Especial Rural, Usucapião Especial Urbana, Usucapião

Indígena e agora a Usucapião Especial Urbana por Abandono de Lar.

A primeira espécie de Usucapião e mais comum, prevista no art. 1238,

do Código Civil, a Usucapião Extraordinária, possui como critérios

configuradores deste direito, ampla possibilidade, onde “Aquele que, por

quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um

imóvel, adquiri-lhe a propriedade independente de titulo e boa-fé,

podendo, requererão ao Juiz que assim o declare por sentença, a qual

servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O prazo para a usucapião é de 15 anos, podendo reduzir para 10 anos,

se for destinada a moradia.

A usucapião constitucional ou especial, com a intenção de regularizar

aqueles que detém a moradia do bem usucapido, tanto na seara rural

como urbana.

Existem outras modalidades da usucapião, entretanto, a usucapião

especial, originada na Constituição Federal, é a efetivação da função

social da propriedade, prevista no mesmo diploma.

A modalidade esta prevista no Art. 1240 do Código Civil, sendo, antes

disto, já descrita no Estatuto da Cidade.

O Art. 1240-a do Código Civil, traz como requisitos para utilização desta

modalidade de usucapião:

Tempo de 2 anos;

Continuidade: ininterrupta e sem oposição;

Modalidade de Posse: direta, com exclusividade e para sua moradia ou

de sua família;

Área limite: imóvel urbano – terreno ou apartamento – de até 250 m2;

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Condição dos cônjuges: Separados de fato;

Condição do co-titular que perderá sua meação: ter saído do lar, não

contribuir com a manutenção do bem, tampouco buscar exercer direito

sobre o mesmo no prazo de 2 anos a contar da separação de fato;

Condição do co-titular que pretende usucapir o bem: possuir co-

propriedade (existência de meação), não possuir outro bem imóvel, não

ter requerido o mesmo direito anteriormente.

Conclusão

Com o advento do Artigo 1240-a do Código Civil Brasileiro, poderá o

cônjuge ou companheiro (a) que ficar com imóvel, as suas custas,

preenchendo os requisitos estabelecidos no supra artigo, pleitear a

usucapião em face do ex-conjuge que abandonou o imóvel não

contribuindo para sua manutenção, bem como não exercer o direito

sobre o mesmo no prazo de dois anos a contar da separação de fato.

Assim, para matéria de defesa deve o ex-conjuge propor ação de

arbitramento de aluguel, fixação de comodato, utilização do bem como

pagamento de alimentos, para não ter o bem usucapido.

Júlio Cesar Félix