educaÇÃo fÍsica, currÍculo e identidades no … · identidade institucional marcante na...
Post on 04-Dec-2018
213 Views
Preview:
TRANSCRIPT
0
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EIXO TEMÁTICO: PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADES E CULTURAS
CATEGORIA: PÔSTER
EDUCAÇÃO FÍSICA, CURRÍCULO E IDENTIDADES: UM OLHAR MULTICULTURAL
Fabiano Lange Salles1
Ana Canen2
Resumo: O presente trabalho buscou analisar o currículo prescrito e sua tradução, por atores
escolares que atuam no campo da Educação Física de um colégio público tradicional no Rio de
Janeiro, focalizando seus desafios para lidarem com identidades plurais num contexto de uma
identidade institucional marcante na educação brasileira. Para tanto, entrevistamos o gestor e
professores que ministram aulas para o 6° ano e fizemos a análise documental de Projetos
Pedagógicos e de plano de ensino da disciplina Educação Física. Preliminarmente, identificamos
que as estratégias utilizadas pelos professores para lidarem com essa diversidade se aproximam
da perspectiva multicultural liberal ou folclórica, pois, ao mesmo tempo em que constatam a
diversidade cultural, problematizam, com menos intensidade, as culturas hegemônicas, o que seria
recomendável, de modo a desafiá-las, ao invés de reforçá-las.
Palavras chave: Currículo, Multiculturalismo, Diversidade, Educação Física.
1 Mestrando ‐ orientando da Profa. Dra. Ana Canen, Programa de Pós ‐ Graduação da UFRJ. 2 Professora e pesquisadora do PPGE//FE/UFRJ, pesquisadora do PROEDES/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ e pesquisadora
do CNPq.
1
INTRODUÇÃO
O currículo escolar é um dos componentes mais complexos e polissêmicos da educação.
Ele representa um intricado processo de construção social, que abrange diversos aspectos, como o
projeto educativo da instituição, os conteúdos sequenciados, a organização dos conhecimentos
através de matérias ou disciplinas, baseadas em determinações políticas e pelas próprias relações
humanas (SACRISTÁN, 2000).
Este currículo exerce um papel central num momento histórico marcado pela
democratização e universalização do ensino no país, que tem forjado uma escola cada vez mais
densa, com indivíduos diferenciados, ritmos de aprendizagens diferentes, que trazem ao interior da
escola desafios sociais cada vez mais intensos, contradições ou conflitos que estão presentes na
sociedade brasileira (OLIVEIRA, 2012). Essa diversidade em si representa uma riqueza que impele
o currículo da escola a incorporá-la, dando voz às culturas silenciadas e combatendo preconceitos
(NEIRA, 2008). Mas, quando as culturas valorizadas pela escola se distanciam dos estudantes, as
novas identidades discentes começam a estabelecer um confronto com a cultura escolar
hegemônica.
Os efeitos desse confronto se expressam por meio de estudantes que não se interessam
pelas aulas, que pouco participam, que não se identificam ou veem pouco sentido e significado nas
atividades propostas e, por isso, não obtêm um desempenho escolar considerado “ideal”. Nas
aulas de Educação Física, acontece de forma muito semelhante quando as práticas culturais da
motricidade humana ou as formas de movimentar-se dos estudantes são desvalorizadas ou
deixadas do lado de fora da escola. Movimentos de resistência, como participação passiva nas
aulas, ausência de uniforme, inventando dores para escapar da aula ou mesmo inventando
“atestados médicos” falsos, se tornam muito comuns (NEIRA, 2006; 2010b). Essas são algumas
das consequências daquilo que representa a forma como a escola tem respondido a uma realidade
da qual ela não está conseguindo dar conta.
Nesse sentido, a perspectiva multicultural crítica, que, grosso modo, pode ser definida por
um conjunto de estratégias que buscam abrir espaço a vozes anteriormente silenciadas, questiona
a construção dos preconceitos, das identidades e a diferença (CANEN; MOREIRA, 2001, CANEN;
XAVIER, 2011, CANEN, 2012), além de propor um debate sobre que conhecimentos e práticas
corporais estão incluídos e excluídos do currículo. Esta perspectiva se tornou a base pela qual
refletimos sobre o currículo da disciplina Educação Física neste colégio público.
2
QUESTÕES E OBJETIVOS DO ESTUDO
A partir do exposto, a seguinte questão mobiliza o estudo: Quais os desafios enfrentados no
currículo da disciplina Educação Física de um colégio público ao lidar com identidades plurais num
contexto de uma identidade institucional marcante na educação brasileira? Sendo assim, objetiva-
se, no presente estudo, analisar o currículo prescrito e sua tradução pelo gestor3 e pelos
professores de Educação Física do 6° ano do ensino fundamental do referido colégio com relação
à diversidade de identidades culturais dos alunos. Para tanto, foram estabelecidos também
objetivos específicos.
O primeiro pretendeu conhecer as principais práticas sociais e corporais que atuam na
construção das identidades dos alunos, a partir dos discursos dos professores de Educação Física
e do gestor, verificando limites e possibilidades ao lidar com a diversidade cultural. O segundo
objetivou identificar possíveis desafios e tensões do currículo prescrito da Educação Física naquele
colégio e a sua tradução pelos professores ao lidarem com diversidade cultural dos alunos. E por
último, analisamos como a diversidade é considerada a partir dos discursos dos Projetos
Pedagógicos da disciplina Educação Física, bem como dos atores a ela ligados.
JUSTIFICATIVA
A motivação pessoal do estudo vem da história acadêmica ligada ao multiculturalismo e à
Educação Física. Durante essa experiência acadêmica e profissional, percebíamos que a maioria
das práticas pedagógicas privilegiavam algumas identidades culturais em detrimento de outras. No
entanto, a partir de estudos e reflexões identificamos no multiculturalismo crítico ou perspectiva
intercultural crítica alguns subsídios que problematizam esta realidade.
Uma outra justificativa dá-se na medida em que, embora nos últimos anos inúmeras
pesquisas com base em pressupostos multiculturais tenham sido realizadas na área de Educação
Física escolar, algumas lacunas foram por nós identificadas. De fato, pesquisamos no banco de
teses da CAPES diversas pesquisas que dialogavam direta e indiretamente com o nosso tema.
Todos os trabalhos que pesquisamos, (RIBEIRO, 2008; SILVA, 2008; GOMES, 2011; FRANÇOSO,
2011; SANTOS, 2013; NUNES, 2006; MACEDO, 2010; SOUZA, 2012; MONTEIRO, 2000;
MARQUES, 2011), ofereceram significativas contribuições para a reflexão do campo da Educação
Física, em diversos contextos e teorias. No entanto, identificamos algumas lacunas investigativas,
na medida em que não encontramos nenhum estudo que se propusesse a analisar, com base em
pressupostos multiculturais, o currículo da Educação Física de um colégio público específico.
Desta forma, o presente estudo se propôs a contribuir para subsidiar políticas e
instrumentalizar educadores no campo da Educação Física, com vistas a problematizar o olhar
3 O gestor é o Chefe do Departamento da disciplina Educação Física responsável pela coordenação dos professores e da
disciplina Educação Física do colégio público investigado.
3
para as diferenças e, consequentemente, engendrar ações de combate a discursos que
homogeneizam, essencializam, naturalizam e hegemonizam culturas e identidades em detrimento
de outras.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado no referido colégio público, uma tradicional instituição de ensino,
situada no Estado do Rio de Janeiro. Sua identidade institucional apresenta potenciais
multiculturais4, pois, em diversos períodos históricos, empreendeu critérios cada vez mais flexíveis
de entrada de novos alunos de diversas origens, níveis socioeconômicos e etnias, realidade que
vem tensionado transformações identitárias significativas. No entanto, em que medida essa
mudança de identidade institucional realmente a configura enquanto uma organização multicultural
e os desafios nesta construção serão objeto do presente estudo, na dimensão da disciplina
Educação Física.
Desenvolvemos uma pesquisa qualitativa que, segundo Machado (2005), “possibilita um
aprofundamento de dimensões da vida social que não podem ser quantificadas” (p. 53).
O método utilizado foi o estudo de caso, que, segundo Yin (2001), pode ser definido como
“uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da
vida real” (p. 32).
O enfoque no 6º ano de escolaridade do Ensino Fundamental se justifica, pois este ano é
caracterizado por alunos egressos da primeira parte do ensino fundamental, assim como de alunos
provindos do concurso público realizado anualmente no colégio. Por esse motivo, entendemos que
a diversidade de identidades culturais é mais marcante comparada aos outros anos do ensino
fundamental.
Os instrumentos de pesquisa que utilizamos foram a análise documental e a entrevista. Foi
realizada a análise documental do Projeto Pedagógico da disciplina Educação Física, inserido
dentro do projeto político pedagógico do colégio investigado, o projeto pedagógico vigente e o
plano de ensino da disciplina.
De acordo com André (2010), a análise documental tem o intuito de contextualizar o
fenômeno, além de explicitar suas vinculações mais profundas, completando-as com as
informações coletadas através de outras fontes, como das entrevistas.
Com relação à entrevista, utilizamos como primeira estratégia o diálogo com o gestor, que
coordena atualmente a disciplina Educação Física e liderou a elaboração do projeto pedagógico da
Educação Física vigente. Como segunda estratégia, dialogamos com sete professores de
4 Estudos, trabalhos ou documentos com potencial multicultural são aqueles que não trabalham explicitamente com o multicultural ismo
ou suas categorias, no entanto seus eixos e atenções se voltam para questões de (etnia, raça, gênero, sexualidade, diversidade cultural,
identidade, inclusão, exclusão etc.) ou quando apresentam questões e preocupações associadas à valorização da diversidade cul tural
sem se denominar claramente multicultural (CANEN et al., 2001; CANEN; XAVIER, 2011).
4
Educação Física que ministram aulas para o 6° ano do ensino fundamental. A entrevista foi
semiestruturada, que “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada”
(MINAYO, 2010, p. 64). Ao utilizarmos análise documental e entrevistas como gestor e professores,
procedemos à triangulação para a validação dos resultados e como requisito importante de rigor da
pesquisa (DENZIN; LINCOLN, 2006).
Para a análise e interpretação dos dados, foi utilizado o método de interpretação dos
sentidos, que, segundo Gomes (2010, p. 105), propõe um avanço na intepretação, indo além dos
conteúdos de textos “na direção de seus contextos, revelando as lógicas e as explicações mais
abrangentes presentes numa determinada cultura acerca de um determinado tema”.
REFERENCIAL TEÓRICO
Todo plano formal e experiências de ensino e aprendizagem implicam em uma seleção
daquilo que se entende como mais relevante, ou seja, “o currículo é sempre o resultado de uma
seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se se aquela parte
que vai constituir, precisamente, o currículo” (SILVA, 2011 p. 15). Esse processo de seleção
curricular se dá em meio a relações de poder em que cada grupo social e identidades entram em
disputa para legitimar suas visões de mundo, suas representações. Por isso, o currículo da escola
contempla representações produzidas por grupos sociais com base em suas identidades, que, ao
mesmo tempo, formam novas identidades por meio da produção de significados. Esse ciclo de
relações se estabelece no cotidiano escolar, muitas vezes de forma naturalizada e acrítica,
privilegiando culturas, conteúdos e identidades sociais em detrimento de outras.
O multiculturalismo pode contribuir para refletir esta realidade e propor estratégias para lidar
com as diferenças no processo de construção curricular. Poderíamos analisar o multiculturalismo
em sua relação com o currículo, sob diversas perspectivas, mas, nas delimitações do presente
estudo, focaremos em duas principais perspectivas: primeiramente aquelas mais conservadoras e
pouco problematizadoras da realidade, consideradas liberais ou folclóricas que valorizam a
pluralidade cultural, no entanto, reduzem “as estratégias de trabalho a aspectos exóticos,
folclóricos e pontuais como receitas típicas, festas, dias especiais – dia do índio, por exemplo”
(CANEN, 2012, p. 237). Nessa perspectiva, constata-se a existência da diversidade cultural, mas
afirma-se a hegemonia cultural vigente (CANEN; XAVIER, 2011).
Na Educação Física, observamos o multiculturalismo liberal quando, por exemplo, oferece-
se uma abordagem superficial e turística às festas juninas e a dança de quadrilha, ao trabalhá-la de
forma estereotipada, caricaturando o morador da zona rural, e acrítica, restringindo-se ao
aprendizado da dança, ao conhecimento dos nomes dos passos ou dos santos, e ao
conhecimento da sua origem (NEIRA; NUNES, 2009).
5
No entanto, a perspectiva multicultural crítica, também denominada multiculturalismo crítico,
tem como foco do currículo o questionamento da construção dos preconceitos e das diferenças.
Esta dimensão crítica articula as visões exóticas e folclóricas com discussões sobre as relações
desiguais de poder entre as diversas culturas, “questionando a construção histórica dos
preconceitos, das discriminações, da hierarquização cultural” (CANEN, 2012, p. 237).
A partir do exemplo das festas juninas, o multiculturalismo crítico propõe ir além da
abordagem folclórica, promovendo “ações didáticas interpeladoras para que os estudantes
reconheçam os processos pelos quais uma manifestação transformou-se em caricatura e a quem
isso favoreceu” (NEIRA; NUNES, 2009, p. 239).
O multiculturalismo crítico tem sido tensionado por perspectivas pós-modernas que
problematizam, refinam e propõem novas ênfases aos princípios e categorias da teoria crítica,
favorecendo, assim, não uma ruptura com esta teoria, mas um diálogo em constante negociação
(CANEN; MOREIRA, 2001; CANEN; XAVIER, 2011, CANEN, 2012).
Dentre as diversas influências que as teorias pós-modernas ou pós-coloniais trouxeram
para o multiculturalismo crítico, Canen (2012) ressalta o modo de compreender a identidade e
diferença e a inclusão dos processos discursivos na pauta dos interesses dessa teoria.
Na perspectiva pós-moderna ou pós-colonial, a identidade e diferença múltiplas ou plurais
são consideradas a base da sociedade contemporânea e por isso devem ser incorporadas nos
currículos e práticas pedagógicas (CANEN, 2012). No entanto, essa perspectiva rejeita a ideia de
uma visão essencializada das identidades, pois, desta forma, elas seriam encaradas como
essências acabadas, sem possibilidades de mudança em seu interior. Para caracterizar as
identidades de forma não essencializadas, Canen (2012, p. 239) se apropria do termo hibridização
ou hibridismo, ao afirmar que “a construção da identidade implica em que as múltiplas camadas
que a perfazem a tornem híbrida, isto é, formada na multiplicidade de marcas, construídas nos
choques e entrechoques culturais”.
Outra contribuição pós-moderna ou pós-colonial ao multiculturalismo crítico se refere à
reflexão sobre os processos discursivos presentes na formação de identidades, não se limitando a
pluralidade identitárias e as relações de poder que constroem os preconceitos, mas “vai, isto sim,
analisar criticamente os discursos que ‘fabricam’ essas identidades e essas diferenças, buscando
interpretar a identidade como uma construção, ela própria múltipla e plural” (CANEN, 2012, p. 239).
Dessa forma, fica patente que o multiculturalismo inspirado pela perspectiva pós-moderna
ou pós-colonial incorpora como centralidade as identidades múltiplas ou híbridas e os processos
discursivos que a engendram. O currículo multicultural da Educação Física também dá centralidade
às identidades e, por isso, recomenda atentar para a
6
distribuição equilibrada de diversas manifestações culturais corporais. Para fazer dialogar a multiplicidade, convém reconhecer o patrimônio cultural corporal dos grupos que constituem a sociedade e eleger, a partir dele, as manifestações que serão estudadas. Uma atenta seleção, seguida de interpretação, aprofundamento e ampliação dos saberes, possibilitará o entendimento da heterogeneidade social, contribuindo para democratizar as identidades e valorizar a diversidade cultural corporal (NEIRA, 2010a, p. 790).
Outra estratégia de valorização das identidades culturais propostas por Neira (2007) é o
diálogo no processo da escrita curricular que se dá durante a aula. O diálogo serve para que os
alunos percebam que suas ideias, opiniões e proposições serão respeitadas, assim como
possibilita uma escrita curricular permanente, na medida em que as demandas que surgirem a
partir do diálogo transformam-se em subsídios para a construção curricular.
Diante do exposto, compreendermos que a cultura e o currículo são práticas discursivas e
de significação e que agem na formação de identidades, não mais fixas, mas múltiplas e plurais
(CANEN, 2012), hibridas e descentradas (HALL, 2011). Por entendermos que essas práticas de
significação se dão na escola, em meio a correlações de poder, o nosso pressuposto teórico
primordial será o multiculturalismo dentro de uma perspectiva multicultural pós-moderna ou pós-
colonial, que, além de “focalizar as formas discursivas de produção das diferenças em currículos e
em práticas pedagógicas” (CANEN; MOREIRA, 2001, p. 28),
contribui para o desafio à essencialização da categoria identidade, percebendo seu caráter sempre provisório, em construção, sendo uma visão que sensibiliza professores para conceberem caminhos didático-pedagógicos que deem conta das hibridizações e sínteses culturais presentes nessas construções identitárias (CANEN, 2012, p. 241).
Para compreendermos os diversos níveis de ação da educação multicultural, desde
dimensões mais reducionistas e superficiais como as liberais ou folclóricas até as que propõem
transformações na essência do currículo como o multiculturalismo crítico na perspectiva pós-
moderna ou pós-colonial, Candau (2012) apresenta James Banks, que distingue quatro
abordagens que propõem diferentes níveis de transformação curricular.
De forma elementar, a diversidade pode ser enfatizada, por meio de contribuições das
diferentes culturas que são introduzidas no cotidiano escolar mediante comemorações, eventos e
realização de acontecimentos específicos relativos às diversas culturas. Assim, a diversidade é
evidenciada, mas sem interferir no currículo formal. (CANDAU, 2012).
Num segundo nível, denominado abordagem aditiva, as contribuições de diferentes culturas
penetra o “currículo formal acrescentando determinados conteúdos em diferentes disciplinas sem
afetar a sua estrutura básica” (CANDAU, 2012, p. 40). No entanto, o enfoque transformador, que
representa o terceiro nível, “reestrutura o currículo em sua própria lógica de base, de modo a
permitir que os estudantes trabalhem conceitos, temas, fatos e etc., provenientes de diferentes
tradições culturais” (CANDAU, 2012, p. 40).
No último nível, a mudança curricular pode ser de tal maneira que engendra a ação social,
ao estender “a transformação curricular à possibilidade de desenvolver projetos e atividades que
7
suponham envolvimento direto e compromisso com diferentes grupos culturais, favorecendo a
relação teoria-prática no que diz respeito à diversidade cultural” (CANDAU, 2012, p. 40).
Nesse sentido, Banks (2006) afirma que, para a educação multicultural ser implementada
com êxito, são necessárias mudanças estruturais nas instituições, de forma mais abrangente,
incluindo as mudanças curriculares, no material didático, nas estratégias de ensino e
aprendizagem, nas atitudes, percepções e condutas de professores e administradores, nos
objetivos, regras, enfim, na cultura escolar como um todo. Para tanto, é preciso que a perspectiva
multicultural supere iniciativas isoladas, integrando-se em propostas mais amplas de ação
educacional, inclusive influenciando políticas governamentais.
CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS
Considerando que a pesquisa está em andamento, preliminarmente identificamos que as
práticas sociais, corporais e conteúdos aplicados pelos professores entrevistados são inspirados
por inúmeros paradigmas curriculares que reconhecem a diversidade dos alunos e alunas. Para
estes professores essa diversidade é eminentemente motora, psicomotora, de habilidades
esportivas e menos predominantemente, de gênero, socioeconômicas, étnicas. No entanto,
identificamos que as estratégias utilizadas para lidar com essa diversidade, se aproximam da
perspectiva multicultural liberal ou folclórica, pois ao mesmo tempo que constatam a diversidade
cultural, problematizam, com menos intensidade, as culturas hegemônicas, o que seria
recomendável de modo a desafiá-las, ao invés de reforçá-las.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E. D. A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 2010.
BANKS, J. A. Reformando escolas para implementar igualdade para diferentes grupos raciais e étnicos. In: OLIVEIRA, Iolanda; SISS, Ahyas (orgs.) Cadernos PENESB, Niterói, EdUFF, n. 7, p.
15-42, nov. 2006. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
_______. Lei n° 12.677 de 25 de junho de 2012. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12677.htm>. Acesso: 22 nov. 2013
CANDAU, V.M.F. Sociedade Multicultural e Educação: tensões e desafios. In: CANDAU, V.M.F. (Org.). Didática Crítica Intercultural: aproximações. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 19-54.
CANEN, A. Currículo e multiculturalismo: reflexões a partir de pesquisas realizadas. In: SANTOS, L.L. de C.P.; FAVACHO, A.M.P. (Org.). Políticas e práticas curriculares: desafios
contemporâneos. Curitiba, SC: Editora CRV, 2012, p. 237-249.
_______; ARBACHE, A.P.; FRANCO, M. Pesquisando multiculturalismo e educação: o que dizem as dissertações e teses. Educação e Realidade, Porto Alegre, UFRGS, n. 26, v.1, p. 161-181,
jan./jun. 2001.
8
_______; MOREIRA, A.F.B. Reflexões sobre o multiculturalismo na escola e na formação docente. In: CANEN, A.; MOREIRA, A.F.B. (Org.). Ênfases e omissões no currículo. Campinas, SP:
Papirus, 2001, p. 15-44.
_______; XAVIER, G.P. de M. Formação continuada de professores para a diversidade cultural: ênfases, silêncios e perspectivas. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 48, p. 641-
663, set./dez. 2011. DENZIN, N.; LINCOLN, Y. O Planejamento da Pesquisa Qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2006.
FRANÇOSO, S. Cruzando fronteiras curriculares: a educação física sob o enfoque cultural na ótica de docentes de escolas municipais de São Paulo. 2011. 153f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.
GALVÃO, M. C. da S. “Nós somos a História da Educação”: Identidade institucional e excelência escolar no Colégio Pedro II. 2009. 293f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
GOMES, J. Teoria e prática multicultural: subsídios para formação continuada do professor de
Educação Física. 2011. 126f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
GOMES, R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: MINAYO, M. C. (Org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 79-108.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
MACEDO, E.E. de. Educação física na perspectiva cultural: análise de uma experiência na
creche. 2010. 134f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2010.
MACHADO, Kátia S. A prática da Inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em classe regular: um estudo de caso com abordagem etnográfica. 2005. 108f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2005.
MARQUES, G.R.D. A Educação do corpo e o protagonismo discente no Colégio Pedro II:
Mediações entre o ideário republicano e a memória histórica da instituição (1889-1937). 2011. 176f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
MINAYO, M. C. Trabalho de campo: contexto de observação, interação e descoberta. In: MINAYO, M. C. (Org.) Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 61-
77.
MONTEIRO, C. do R. Ensino de Educação Física no Colégio Pedro II: percepção e construção de qualidade total. 2000. 125f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Motricidade Humana) –
Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, 2000.
NEIRA, M.G. o Currículo Multicultural da Educação Física: uma alternativa ao neoliberalismo I. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte. São Paulo, v. 5, n. 2, p.75-83, jun./dez. 2006.
_______. Valorização das identidades: a cultura corporal popular como conteúdo do currículo da Educação Física. Motriz, Rio Claro, v. 13, n. 3, p. 174-180, jul./set. 2007.
_______. A cultura Corporal popular como conteúdo do currículo multicultural da Educação Física. Pensar a Prática, Goiânia, v. 4, n.1, p. 81-89, jan./jun. 2008.
9
_______. Análises das representações de professores sobre o currículo cultural da Educação Física. Interface: comunicação, saúde e educação, São Paulo, v. 1414, n. 35, p. 783-795,
out./dez. 2010a.
_______. Ensino da Educação Física. São Paulo: Cengage Learning, 2010b.
_______; NUNES, M. L. F. Educação Física Currículo e Cultura. São Paulo: Phorte, 2009.
NUNES, M. L. F. Educação física e esporte escolar: poder, identidade e diferença. 204p.
Dissertação. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
OLIVEIRA, A. Colégio Pedro II: Espaço-Tempo produtor de políticas curriculares. Revista
Contemporânea. Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 353-372, jul./dez. 2008.
OLIVEIRA, L.F. de. História da África e dos africanos na escola: desafios políticos,
epistemológicos e identitários para a formação dos professores de História. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2012.
RIBEIRO, W. de G. “Nós estamos aqui”: o hip-hop e a construção de identidades em um espaço
de produção de sentido e leituras de mundo. 2008. 214f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SANTOS, A. P da S. A Educação Física em uma perspectiva multi/intercultural e as relações de gênero no contexto escolar. 2013. 112f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
SANTOS. B.B.M. dos. Uma escola para poucos. 2010. Disponível em:
<http://www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/uma-escola-para-poucos>. Acesso em: 8 set.
2013.
________. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2011.
SILVA, R. de C. de O. e. Formação multicultural de professores de Educação Física: entre o possível e o real. 2008. 175f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
SOUZA, M. M. N. “Minha história conto eu”: multiculturalismo crítico e cultura corporal no
currículo da educação infantil. 2012. 292f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 2. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2001.
top related