dor

Post on 09-Jan-2016

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Curiosidades

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A International Association for Study of Pain (IASP) define a dor como sendo uma desagradvel experincia sensorial e emocional associada a um dano atual ou potencial do tecido. O uso da expresso desagradvel experincia ilustra a nica coisa que irrefutvel nas caractersticas da dor: subjetividade.O fenmeno doloroso possui vrias dimenses: biolgica, psquica, cultural e espiritual. Devido confluncia de influncias na manifestao da dor, podemos inferir que ela nos mostra sentimentos de abandono, de perda, de frustrao, de culpa, de desamparo, de angstia, de vulnerabilidade, entre muitos outros. A abordagem da dor deve considerar essa multifatoriedade. Entretanto, inmeros profissionais desconsideram essa concepo subjetiva da sensao dolorosa baseando a teraputica apenas em uma relao causa/efeito: um distrbio provocando dor, e s. Eles no cuidam de um doente que vive uma dor, mas sim de um corpo desvitalizado e despersonalizado, onde os sinais tpicos de uma entidade universal, a doena, se expressam diante do glorioso saber mdico. Isso ignorncia. Alis, tambm pode ser comodismo: extremamente mais fcil compreender o paciente como uma entidade impessoal, mecnica, inerte, sem histria. Dessa forma, a dor seria totalmente explicada cientificamente, facilitando e muito o raciocnio clnico. Entretanto, para nossa alegria, h excelentes profissionais que consideram a dor com uma expresso de desconforto e arranjo defensivo do psiquismo diante da angstia.Para mim, existem dois tipos de mdicos: os extremamente racionais que se aproximam do pensamento racionalista de Ren Descartes e os, a meu ver, sbios, que seguem a filosofia de Maurice Merleau Ponty. A teoria de nenhum desses filsofos versou sobre a questo da dor, e muito menos tinham intuitos ligados diretamente medicina, mas a filosofia nos permite esse tipo de aventura intelectual.Para quem leu a palavra filosofia, achou chato e pensou em desistir da leitura, no o faa. Primeiro porque no irei explicar as teorias ontolgicas dos autores e segundo porque no sei o que significa a palavra ontologia. Brincadeira.Ren Descartes fera: mostrou ao mundo uma nova maneira de pensar, inaugurou o racionalismo clssico e rompeu com a medieval tradio escolstica que dominava o conhecimento at ento. O modo como produzimos o conhecimento baseado no mtodo cartesiano: primeiro eu duvido de tudo aquilo que no claro e distinto, depois verifico, analiso, sintetizo e enumero. assim que fazemos cincia, o pubmed cartesiano. O erro de Descartes aplicando a teoria cartesiana no entendimento e cuidado do paciente -, consiste no dualismo: a separao corpo e alma. O filsofo argumenta que nada do que os sentidos nos dizem verdade. Ele desconsidera que as nossas experincias e percepes (alma) se comunicam com o (corpo). Desculpem-me os cartesianos, mas considero essa separao impossvel. Como manejar um paciente com dor crnica se desconsiderar que as manifestaes dolorosas so influenciadas e esto intimamente ligadas s sensaes mentais experimentadas?

Cada pessoa vai perceber, reagir e elaborar sua dor de forma particular por meio dessa interao. Por exemplo: caso considere a dor um sinal de covardia, irei neg-la: suportarei a dor em silncio porque isso o que um homem deveria fazer. Caso esteja psicologicamente abalado, irei supervaloriz-la. O contexto familiar, financeiro e emocional do paciente diz muito sobre dor e como este sintoma comunicado ao mdico. justamente isso que muitos profissionais desconsideram, mesmo que de forma inconsciente: separam a dor manifestao do corpo das percepes pessoais do paciente manifestaes da mente. Somente se estivermos atentos efetivamente para essa essa interao que poderemos fazer um atendimento satisfatrio.

A dor um processo extremamente complexo e a teraputica deve se preocupar no apenas com o alvio sintomtico, mas tambm com as preocupaes emocionais do paciente, pois, como diria Zeca Baleiro, solido no cura com aspirina.Maurcie Merleau Ponty defende que corpo e alma se inter-relacionam. Para ele no existe diferena entre corpo e alma, entre a conscincia e o mundo. Essas instncias se confundem, o corpo a prpria expresso da mente. O modo como um indivduo, no caso o doente, percebe o mundo, ocorre pelo entrelaamento dos sentidos, percepes e conscincia. Enganam-se aqueles que acreditam que a viso apenas olha: ela tambm v, toca, sente e compreende o mundo. Essa viso se reflete no corpo. Os indivduos so vivncias sensveis, culturais, sociais e intelectuais, acrescido do outro, do mundo e no mundo. Para o paciente, a dor tudo isso: expresso cultural, social, sensvel. Entretanto, na maioria das unidades de sade falta conhecimento, habilidade e at interesse no manejo da dor e muitas vezes os esforos daqueles que se empenham no tratamento adequado esbarram nos preconceitos de seus colegas, e em questes de cunho poltico, social e econmico.A conduta mdica de excelncia deve verificar a amplitude de fatores que contribuem para a experincia da dor e a influncia que ela exerce na vida do doente e de todos sua volta; deve compreender que corpo e alma se confundem e se influenciam; deve entender que a doena e a dor j no so mais, isoladamente, o alvo do tratamento; deve entrelaar diversos saberes ampliando o foco de ateno e cuidados para alm do paciente, tambm da famlia que dele cuida e da equipe que dele trata. Quero terminar o texto com uma frase da cano H tempos, do Renato Russo, que soube cantar a dor como ningum:Dissestes que se tua vozTivesse fora igual imensa dor que sentesTeu grito acordariaNo s a tua casaMas a vizinhana inteira.A vizinhana inteira acorda e ns, muitas vezes, nos mantemos surdos...

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