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DADOSDECOPYRIGHT

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ApresenteobraédisponibilizadapelaequipeLeLivroseseusdiversosparceiros,comoobjetivodeoferecerconteúdoparausoparcialempesquisaseestudosacadêmicos,bemcomoosimplestestedaqualidadedaobra,comofimexclusivodecomprafutura.

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"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomais

lutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderáenfimevoluira

umnovonível."

SérieDiáriosdoVampiro

OdespertarOconfronto

AfúriaReuniãosombria

Oretorno—AnoitecerOretorno—AlmassombriasOretorno—Meia-noiteCaçadores–Espectro

Caçadores–CançãodaluaCaçadores-Destino

SérieMundodasSombras

VampiroSecretoFilhasdaescuridãoSubmissãomortal

SérieCírculoSecreto

AiniciaçãoAprisioneira

OpoderAruptura

SérieDiáriosdeStefan

OrigensSededesangue

Desejo

SérieTheOriginals

Ascensão

TraduçãodeRytaVinagre

1ªedição

RiodeJaneiro

2015

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDE

LIVROS,RJ

S649rSmith,L.J.

Aruptura[recursoeletrônico]:círculosecretovolume4/L.J.Smith;traduçãoRytaVinagre.-1.ed.-RiodeJaneiro:GaleraRecord,2015..

recursodigital(Círculosecreto;4)Traduçãode:DivideSequênciade:OpoderFormato:epubRequisitosdosistema:adobedigitaleditionsMododeacesso:worldwidewebISBN978-85-01-10630-8(recurso

eletrônico)1.Ficçãoinfantojuvenilamericana.2.Livros

eletrônicos.I.Vinagre,Ryta.II.Título.III.Série.

15-25265CDD:028.5CDU:087.5

Títulooriginaleminglês:TheSecretCircleBook4:Divide

Copyright©2015byAlloyEntertainment

Copyrightdatradução©2015EditoraRecordLTDA.

PublicadomedianteacordocomaRightsPeople,London.

ProduzidoporAlloyEntertainment,LLC.

Todososdireitosreservados.Proibidaareprodução,notodoouemparte,atravésdequaisquermeios.Os

direitosmoraisdoautorforamassegurados.

TextorevisadosegundoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.

Composiçãodemiolodaversãoimpressa:Abreu’sSystem

DireitosexclusivosdepublicaçãoemlínguaportuguesasomenteparaoBrasiladquiridospela

EDITORARECORDLTDA.RuaArgentina,171–RiodeJaneiro,RJ–20921-380

–Tel.:2585-2000,quesereservaapropriedadeliteráriadestatradução.ProduzidonoBrasil

ISBN978-85-01-10630-8

SejaumleitorpreferencialRecord.Cadastre-seerecebainformaçõessobrenossos

lançamentosenossaspromoções.

Atendimentoevendadiretaaoleitor:mdireto@record.com.brou(21)2585-2002.

O

1

svidrosdocarrodeAdamestavamembaçados devido ao calor da

respiração dos dois. Era um anoiteceragradável, e o ar cheirava aos primeirossinaisdaprimavera—umanoiteperfeitapara abrir as janelas e desfrutar da brisaenquanto se beijavam. Mas Cassieinsistia que as janelas ficassem fechadas,pela privacidade. Além disso, agradava-

lhe a sensação de estar protegida tãojuntinho de Adam, isolada do mundopelo vidro tomado de vapor. Eleschegariam tarde à reunião, mas ali,dentro daquela nuvem, Cassie não seimportava.

— Precisamos ir — avisou ela comdesânimo.

— Sómais cincominutos.Como seelespudessemcomeçarsemvocê.

Verdade,pensouCassie.E sou a líder.Mais um motivo para não me atrasarporque estou me agarrando com meunamorado.

Namorado. A ideia ainda a deixavatonta, mesmo depois de todas aquelassemanas.Elaviuosolpoentecriar luzesmulticoloridas no cabelo embaraçado deAdam—tonsdevinhoe laranja—eacentelhacristalinaemseusolhosazuis.

Ele se curvou e a beijou comdelicadeza naquele ponto do pescoço deCassie,poucoabaixodaorelha.

—Tudo bem— disse ela.—Maistrêsminutos.

Oprimeirobeijodosdoiscomocasalmudou tudo para Cassie. Realmenteimportou. A boca de Adam na dela

pareciadecididaesignificativa,comoumacordo selado, e todo o corpo deCassietomouconsciênciadofato.Eraamor,elahaviapercebido.

Cassie supôs que a sensaçãodiminuiria com o passar dos dias, que obeijo dos dois se tornaria rotineiro ehabitual, mas não aconteceu. Narealidade,aintensidadeaumentavacomotempo.Agora,estacionadosnafrentedoantigofarolnaShoreRoad,Cassiesabiaque precisavam parar de se beijar, masnão conseguia. Assim como Adam. Suarespiração acelerada e a urgência aflita

dasmãosnosquadrisdeCassiedeixavamissoevidente.

Masnão ficariabemchegaratrasadaem sua primeira reunião como líder doCírculo.

— Precisamos mesmo ir. — Ela seafastouepôsamãonopeitodeAdamafimdepará-lo.

Ele respirou fundoe soltouoarpelaboca,tentandoseacalmar.

—Eusei.Comrelutância,deixouqueCassiese

desvencilhasse de seu abraço e ficassemais apresentável. Depois de respirar

fundo mais algumas vezes e de umacaríciarápidanocabelorebelde,Adamaacompanhou.

***

Atravessandoacampinaderelvaaltaquelevava ao antigo farol, Cassie não pôdedeixar de se impressionar com a belezadesgastada e rústica. Melanie disse quedatava do final dos anos 1700, a idadepatentena aparênciadilapidada.A torreem si era feita de pedra acinzentada etijolos, e chegava a quase 30 metros dealtura, mas na base havia uma casa de

madeira pequena, em ruínas— o chalédofaroleiro.Foiconstruídoparaamulhere os filhos do faroleiro, para quepudessem estar perto enquanto elecuidavadeseusdeveresnotopo.SegundoMelanie, o chalé foi legado a váriasgerações até a desativação definitiva dofarol no início dos anos 1900. Desdeentão, falou-se muito sobre convertê-loem um museu, mas ele continuouabandonadopordécadas.

Adam sorriu para ela, e a respiraçãode Cassie ficou presa na garganta. Elaabriuaportadochaléeentrou;Adama

seguiu. Com um silvo quase audível, aatenção do Círculo se voltou para suaentradagrandiosaeatrasada.

Ficou imediatamente claro que elesdeixaram o grupo esperando por tempodemaisequetodossabiamexatamentearazãodademora.Cassieexaminoutodosos rostos, absorvendo as diferentesreaçõeseacusaçõessilenciosas.

Os olhos normalmente frios deMelanie tinham uma impaciênciatempestuosa, e Laurel ria com timidez.Deborah, sentadanapontadobancodemadeiranocanto,pareciaprontaa fazer

um comentáriomaldoso,mas, antes quetivesse oportunidade, Chris e DougHenderson, que brincavam com umaboladetênispertodajanela,disseramemuníssono:

—Jánãoerasemtempo.Nick, sentado no chão, as costas

apoiadasnaparede,fitouCassiecomumadorsutilnosolhos,obrigando-aavirarorosto.

—Adam—disseFaye,comsuavozindolente e rouca —, seu gloss estáborrado.

A sala explodiu numa gargalhada

incontrolável, e Adam ficou vermelho.Diana olhava fixamente o chão,humilhada por eles, ou talvez por simesma.ElaagiacomelegânciaarespeitodeAdamficarcomCassie,mashaviaumlimite para o que uma garota podiasuportar.

—Damos início aos trabalhos destareunião — disse Diana, recuperando acompostura. — Por favor, sentem-setodos.

Diana falava como se o riso tivessecessado,masaindaeraaltoeestridente.

—A primeira questão de ordem—

continuouela—éoquefaremoscomasChavesMestras.

Isso silenciou o grupo. As ChavesMestras — o diadema, o bracelete deprataealigadecouro—pertenceramaocoven original de Black John. Ficaramdesaparecidas por centenas de anos atéCassie deduzir que estavam escondidasdentroda lareirada cozinhade sua avó.OCírculo usou asChaves para derrotarBlackJohn,masadiouquaisquerdecisõesrelacionadas a elas desde então. Tinhachegadoahoradedecidirseudestino.

— É verdade — disse Cassie,

juntando-seaDiananomeiodasala.—Agora temos um poder real. Eprecisamos...

Oquê?Oqueelesprecisavamfazer?Cassie se virou para Diana. Seus olhosverdesecabelobrilhanteeramradiantes,mesmo na luz espectral do lampião dovelho chalé. Se alguém sabia o que oCírculodeveriafazer,eraDiana.

— Acho que devemos destruir dealgummodoopoderdasChavesMestras— completouDiana em sua voz clara emusical.—Assim ninguém poderá usá-las.

Por um momento, não houveresposta.Todosficaramchocadosdemaiscomestasugestão.EntãoFayerompeuosilêncio.

— Você só pode estar brincando.Você e Adam passarammetade da vidatentandoencontrarasChavesMestras.

— Eu sei — disse Diana. — Masdepoisdetudoquepassamoseagoraquederrotamos Black John, sinto que termuitopodernãopode serbomparanósnemparaninguém.

Cassie se surpreendeu tanto quantoFaye.Essaspalavrasnempareciamserde

Diana, ou pelo menos da Diana queCassieconhecia.

Adam também aparentava igualespanto,maspermaneceuemsilêncio.Oslíderes falavam primeiro. Estas eram asregras.

Cassie sentiu a atenção do grupo sevoltarparaela.Agoraeraumtriunvirato,o que significava que o poder deCassieequivaliaaodeDianaeFaye.Elaqueriausar bem sua autoridade, declarar suaopinião abertamente e com inteligência,masnãoqueriasecolocarcontraDiana.

— O que a fez mudar de ideia? —

perguntouela.Dianacruzouosbraçosfinos.— As pessoas mudam de ideia o

tempotodo,Cassie.— Bem — disse Faye, focalizando

seus olhos cor de mel em Diana. —Discordo totalmente. Seria umdesperdício não usar as Chaves. Nomínimo, devíamos experimentar.—Suaboca formava um sorriso cruel. — Nãoconcorda,Cassie?

— Hummm — disse ela. Eraestranho. Cassie concordava um poucocomFayenesse aspecto, e talvez fosse a

primeiravezqueconcordavacomelaemqualquer coisa. Não queria apoiar Fayecontra Diana, mas como destruiriam asChaves? E se Black John voltasse? Elaseramsuaúnicadefesa.CassiequeriaqueDianativessediscutidooassuntocomelaantes.

— Podemos pedir a ajuda deConstance para nos livrarmos delas —propôs Diana. — Se for isso o quedecidirmos.

Constance, tia-avó de Melanie,esteve ajudandooCírculo comamagia.Desde que usou seus poderes para

recuperar a saúde da mãe de Cassie noinvernopassado,elaficoumaisdispostaapartilhar seu conhecimento dos velhostempos.

—Constance deve saber que feitiçopodemosusar—disseDiana.—EcomBlack John desaparecido para sempre,aposto que ela concordará que está nahoradecolocarasChavesparadescansar.

Cassie percebia que Diana tinhafortes sentimentos com relação a isso.Assim como Faye — a raiva furiosa efamiliar penetrava furtivamente em suasfeiçõesafiladas.

—Temosque fazerumavotação—apelou uma voz forte. Pertencia aNick,que raras vezes se manifestava nasreuniões do Círculo. Ouvi-lo expressarumaopiniãopegouCassiedesprevenida.

—Nicktemrazão—disseMelanie.— Todos devemos ter voz equivalenteemumadecisãotãoimportante.

Dianaassentiu.—Pormim,tudobem.Faye agitou teatralmente as unhas

vermelhasparaogrupo.—Então, votem—disse ela, coma

confiançadealguémquejávenceu.

Melanie se levantou e foi para ocentroda sala.Ela sempre convocava asvotaçõesnoCírculo,percebeuCassie.

— Levantem a mão os favoráveis adestruirasChavesMestras—pediuela.

A mão de Diana subiu primeiro,seguida pela da própriaMelanie, depoisLaurel. Uma pausa de um segundo eNicklevantouadele,e,porfim,Adam.

Cassienemacreditou.AdamvotouafavordeDiana,emboraelasoubessequeelepreferiaexperimentarasChaves.

— Levantem a mão os favoráveis aficarcomas...—continuouMelanie.

— Esperem — interrompeu Cassie.ElasedistraíraeperderaaoportunidadedeescolheroladodeDiana.

Fayeriu.— Vacilou, dançou, Cassie. E um

votocontraDianaéumvotoameufavor.— Errado — declarou Cassie,

surpreendendoasimesmaaofalar.—Éumvotoameufavor.

Ela se interrompeu para olhar paraAdameviuqueelesorriacomorgulho.

— Proponho uma terceira opção—disse ela. — Ficamos com as Chaves,para o caso de precisarmos delas. Não

destruiremosseupoder,mastambémnãofaremosexperiênciascomelas.

—Nestecaso—disseFaye—,tereiprazer em guardar as Chaves emsegurançaatéprecisarmosdelas.

—Nempensar—disseAdam.Cassielevantouamão.—Aindanãoterminei.—Elaolhou

para Faye e Diana. — Proponho quecadalíderescondaumadastrêsrelíquias,assimelassópoderãoserusadassetodoogrupoconcordar.

Agora todos ficaram em silêncio,refletindosobreessanovapossibilidade.

Era uma boa ideia, Cassie sabia. Oque ela não sabia era como lhe viera,assim, de estalo. Quando assumiu ocontrole da reunião, não tinha a menorideiadoqueiadizer.

Dianafoiaprimeiraasemanifestar:— Me parece um meio-termo justo

—concordouela.—Melanie,peçooutravotação.

—Apoio o pedido de outra votação—disseNickcomcavalheirismo.

Melanieergueuassobrancelhas.— Tudo bem. Levante a mão os

favoráveisà...ideiadeCassie.

Todasasmãos se levantaram,excetoasdeDeborah,SuzaneFaye.

— Então, está decidido — disseMelanie.

Faye ficou inteiramente imóvel.Nãomexia um músculo, mas uma sombraescuratomouseurosto.

Suzandeuumpulodacadeira.—Ah,bem.Achoqueestáresolvido.

Estoumortadefome.Agorapodemosircomer?

— É, vamos comprar uns tacos —disseSean.

Um por um, todos se levantaram e

começaram a pegar seus pertences,falandosobreareuniãonacasadatia-avóde Melanie, Constance, para praticarinvocações. Diana apagou as velas e oslampiões. Enquanto isso, Fayepermaneciaimóvel.

—Você—chamouela.Porinstinto,Cassierecuouumpasso,

embora Faye estivesse do outro lado dasala.

—Nãofiquetãocheiadeorgulho.—ElafoirebolandoatéCassieeseinclinoupara mais perto. Cassie sentiu seuperfume forte e ficou tonta.—Pode ter

vencido a batalha — disse Faye. —Mas...Bem,sabecomoé.

Cassie saiu do alcance de Faye. Seumedoainda levavaamelhor semprequeelaaameaçava.NãoimportavaseFayeaessa altura era realmente mais forte ounão. A garota era obcecada como umasociopataenãotinhanenhumescrúpulo.NãosepodiaargumentarcomFaye,eeraissoqueatornavaperigosa.

— Estamos do mesmo lado —contemporizou Cassie com a voz fraca.—Queremosamesmacoisa.

Fayeestreitouosolhoscordemel.

—Nãoéverdade.Pelomenos,aindanão.

Aspalavraspareciamumaameaça, eCassie sabia que Faye nunca fazia umaameaçavazia.

C

2

assie e Adam não disseram umapalavraduranteopercursodecarro

até a casa de Cassie. Ela continuavaabaladapelaspalavrasdeFaye,eAdam,sentindo isso, apenas segurou sua mãoemsilêncioenquantodirigia.

Ela ligou o rádio, procurando umadistração, e mexeu no controle atéencontrar uma música do seu agrado.

Nãoconseguiaselembrardonome,masela despertou uma nostalgia em seucoração, a lembrança de uma época emqueavidaeramuitomaissimples.EstavaemNewSalemhaviamenosdeumano,mas parecia uma eternidade e mais umdia.

Emvezdeolharanoitedeprimaverapela janela, Cassie fechou os olhos.Deixou-se ser dominada pela música etentou se lembrar de como era não serumabruxa,sóumagarota.

Depois abriu os olhos para dar umaespiada rápida emAdam.Ele era lindo.

Na luz clara da lua, seu cabelo pareciacastanho avermelhado, os olhosescurecidos a um azul-marinho quecombinavacomocéunoturno.Comoerapossível que esse garoto estivesseapaixonadoporelaesóporela?ACassiedo ano anterior jamais teria acreditadonisso.

Ela olhou o próprio reflexo noretrovisor lateral do carro. Nem mesmotinha a aparência da Cassie que elaconhecia na Califórnia. Na época,sempre se sentia mediana. Alturamediana, constituição mediana, cabelo

castanho comum. Mas agora Cassiepercebia suas luzes multicoloridas e osolhos azuis-acinzentados, grandes eredondos.E,maisimportante,reconheciaque tinha amadurecido em seu poder.Agoraestavaconfiantedeumjeitoantesinimaginável.

Quandoelespararamnonúmero12,a última casa na escarpa, Cassie selembroudaprimeiravezqueavira,comolhepareceuassustadoraevelha,comseutelhado íngreme e desgastadas paredescinza.Eramesmobomqueelativesseseacostumadocomaquelaetodasasoutras

casasantigasdaCrowhavenRoad?Tudoque no passado tinha lhe parecidoestranho e um tanto horripilante agoraera normal para ela; tinha se tornado asuavida.

Adam desligou o motor e se virouparaCassiecomolhosávidos.

—Bastaignorá-la—disseele.—Quem?—Faye.O que ela disse sobre você

vencer a batalha, mas ela ganhar aguerra... Não pode deixar que te afete.Elaestásempredizendoissoarespeitodetudo. Se houvesse uma boneca Faye,

quando você puxasse a cordinha, era oqueeladiria...—EleimitouavozroucadeFaye.—Quemvenceabatalhaperdeaguerra.

Cassietevequerir.Adam pegou as mãos dela,

evidentemente satisfeito por terconseguidofazê-lasorrir.

— Você achou uma ótima soluçãopara as Chaves Mestras — elogiou ele.—Comopensounisso?

— Não sei. Foi esquisito.Simplesmentemeocorreu,donada.

—Nãofoidonada.Foidaqui.—Ele

apontoupara o coraçãodeCassie.—Edaqui. — Ele apontou para sua cabeça.—Por isso votamos em você para líder.Quando vai se acostumar com isso,Cassie?Vocêéespecial.

Naquele momento, Cassie ficou tãoagradecida por ter Adam a seu lado. Éclaro, ele votou em Diana antes, mas,quando Cassie falou, ele a apoiou. Eraisso que importava.Ela se inclinou parabeijarseuslábiosvermelhoscarnudos.

Beijá-lo era sempre uma novidade.Mas ele interpretou o doce beijo dedespedida como um convite para mais

pegação. Apressadamente, Cassie soltouocintodesegurançaeojogoudelado.

—Não.Denovo,não.Adam ergueu as sobrancelhas como

umcachorrinhotriste.—Aluzdasaladejantarestáacesa.

— Cassie mexeu no cabelo dele e oafastou. — O que significa que minhamãe deve estar nos vigiando agoramesmo.

Adama agarroudebrincadeira, commalícianosolhos.

—Umdia,meuamor,nãovamosdaramínimaparaoqueosoutrospensam.

Ela deu um último beijo em suabochechamaciaecorreuparacasa,antesquemudassedeideia.

***

Depois de entrar, Cassie encontrou amãesentadaàgrandemesademognodasala de jantar. Havia um calortranquilizador no cômodo poucoiluminado. Pela primeira vez, Cassieapreciou a antiga rede elétrica do avô,embora fosse de má qualidade. Asparedes cor de milho dourado teriamficado amarelas sob implacáveis luzes

modernas.Acabeçaescuradamãeseergueu,e

ela sorriu, surpresa. Ao que parece, nãoosestavavigiando,graçasaDeus.

—Cassie, eu não esperava você emcasatãocedo—disseamãe.—Podemeajudar?

Cassie examinou as ilhas espalhadasdepapelcrepomcoloridoquetomavamavastamesa.

—Oqueétudoisso?Amãeergueuasmãoscomoquemse

desespera.— Narcisos e estrelítzias. Enfeites

para o festival de primavera.Me oferecicomovoluntária,nãoseiporquê.Agoraestousoterradaempapelcrepom.

Depoisdeveramãedoentenacamapor tanto tempo, noite após noite,assistindo à tia-avó de Melanie,Constance, alimentá-la com ervascurativas e passar emplastros medicinaisemseucorpo,eraumprazerencontraramãe tão exaltada com uma tarefa semimportância nenhuma. E também erabomvê-la seenvolveremumeventodacomunidade.Cassiequeriaqueamãesesentisse em casa em New Salem e que

tivesse amigos, em especial agora que aavónãoestavaali.

— Por onde eu começo? —perguntouCassie, juntando-se àmãenamesa majestosa. Pegou pilhas de papelamarelo e verde, supondo que era maisfácilfazernarcisosdoqueestrelítzias.Aocomeçaradobrareafofaropapelfinoempétalas, ela pensou consigomesma: devehaver alguma magia para terminar issomais rápido. Mas estava tão feliz ealiviadaporteramãedevoltaaonormalquenãoseimportariaseatarefalevasseanoitetoda.

— E então — disse a mãe, enfimfocalizandoosolhosemCassie.—ComoestáAdam?

Cassiesentiuasbochechasarderem.—Estábem.—Eseusamigos?—Tambémestãobem.A mãe largou a estrelítzia prateada

comqueestavalutandoeavaliouorostodeCassie.

— Sabe de uma coisa, tenho muitoorgulhodevocê.Vocêserecuperoucommuita rapidez do... — Ela seinterrompeu.

—Detodoodrama?— Sim, do drama, acho que pode

chamarassim.—Amãetentousorrir.Cassie hesitou só por ummomento;

tempo suficiente, porém, para chamar aatençãodamãe.

—Tem algo errado—disse ela.—Oqueé?

A ansiedade inundou o estômago deCassie.Estavacurtindoessemomentodeconvívio e não queria estragá-lo.Mas amãe parecia genuinamente disposta aconversar. Pela primeira vez na vida deCassie, parecia que todos os segredos

entre elas eram enfim revelados e suarelação tinha uma tabula rasa.Um novocomeço, pensou Cassie. Era isso queestavam comemorando, não?Afinal, erapara isso que serviam todos esses idiotasnarcisoseestrelítziasdepapel.

Cassie respirou fundo e encarouatentamenteamãe.

—Estivemeperguntandosobremeupai.

Amãe enrijeceude imediato.Cassienotou sua mandíbula cerrada antes detomar um longo gole do chá. A xícaratremiaquase imperceptivelmenteemsua

mão. No mesmo instante Cassie searrependeu do que disse. Mas, quandobaixouaxícaradechá,amãepareciaterse recuperado do choque da pergunta.Ou, pelo menos, esforçava-se para daressaimpressão.

Quandofinalmentefalou,aspalavrassaíramforçadas,maspacientesegentis.

—É um prazer lhe contar qualquercoisa que queira saber. Você só precisaperguntar.

OalíviotomouosombrosdeCassie.Notou há quanto tempo estavaguardandosuaspreocupaçõeseperguntas

bem amarradas dentro do corpo. Ela seobrigouacontinuarfalando.

—Euseiqueele...querodizer,BlackJohn... era mau — começou Cassie. —Maselefazpartedemim.Eéumapartequesintoqueprecisoentender.Háalgoarespeitodelequevocêpossamecontar?

Pronto.Ela falou.As cartas estavamnamesa.

Amãe se concentrou firmementenaestrelítziadepapelquetinhanasmãos.

—Temtodarazão—disseela,masnão respondeu à pergunta, nem olhouparaafilhaaofalar.

Cassie fitava a mãe em um silênciocauteloso.Estavaconcentradademaisnaestrelítzia prateada que segurava,dobrandoeredobrandováriasvezes.

— O problema é que fazem essepapelfinoefrágildemais—disseela.—Ele se desmancha no instante em quevocêotoca.

Bem diante dos olhos de Cassie, amãetinhaencerradoaconversadasduas.MasCassieestavadecididaanãodesistircom tanta facilidade e, depois de algunsminutos do olhar fixo e penetrante deCassie, a mãe parou de ignorá-la e

ergueuacabeçabrevemente.— Há algo que você queira me

perguntar agora? — indagou ela,fingindoindiferença.

A expressão nos olhos da mãerevelava um medo que Cassie não vianela desde que adoeceu. Seu rosto ficoulívido e espectral, como se ela tivesseenvelhecido vinte anos naqueles cincosegundos de silêncio.ECassie percebeuqueopapel crepomprateadoque amãetinhanasmãosseenrugavaerachavasobatensãoesmagadoradosdedos,comosesuavidadependessedeapertá-lo.

Erademais, eCassienãopodia lidarcom isso. A mãe começara a melhorarhaviapoucotempo.Sóagorarecomeçavaa participar da vida. Cassie não podiaestragar tudo com perguntas egoístas.Amãeerafrágil,muitomaisdoqueCassiejamaisseria.

— Deixe pra lá — disse Cassie. —Podemosconversarsobreissooutrahora.Temosmuitooquefazeraqui.

Semprefoiassim.Cassiesempretevedeseradultanarelaçãodasduas,aquelaqueguardavaasperguntasparasiporqueamãenãoaguentavaasrespostas—oua

verdade.Elaeraumatolaporpensarquepodiaserdiferente.

–A

3

primavera está no ar — disseMelanie a Cassie e Laurel,

fechando por um momento os olhoscinzentos e respirando fundo.—Quasedáparasentirocheiro,né?

Cassiebateuaportadoseuarmárioeinspirou, mas só conseguia sentir omesmo cheiro de corredor escolar: suor,papeleamônia.

—Foi um inverno ruim— explicouLaurel.—Achoquetemalgumacoisaaver com isso. — Ela se arrumou demaneira condizente aquela manhã, comum vestido de estampa floral. — Ofestival do equinócio da primavera desteanoserádemais.

Haviaumalvoroçoaoredordelas—as vozes pareciam mais altas, os passos,mais rápidos, todo mundo parecia maisanimadoecheiodevida—,todostinhama febre da primavera. Então Cassie selembrou de que o novo diretor seriaanunciado na assembleia dos alunos

daquelamanhã.Talvezfosseestaafontedetodaanovaenergianoar.Elaestavaansiosaparaconhecerohomemqueseriaencarregadoda sua escola, emparticulardepoisqueoúltimodiretorrevelou-seserBlack John disfarçado. Mas Melanie eLaureldeviamterrazão—eraofestivaldaprimaveradaquelefimdesemanaqueanimava a todos. Os colegas de escolaplanejavamsuasroupasedebatiamquemseria um parceiro digno. Ninguém seimportavacomonovodiretor.

—Éumbomsinal—disseMelanie.—Estacidadeprecisajustamentedeuma

comemoraçãodenovoscomeços.Cassie queria ficar animada com a

primaveracomotodososoutros,masseucoração pesava no peito. A tentativadesastrosa de conversar com a mãe nanoiteanterioraindaaincomodava.

Nestahora,ChriseDougHendersonpassaram voando de patins, rindo edisparando pelo corredor abarrotado. Oimpulsopara a frente sopravaos cabeloslouros e embaraçados para longe dosidênticos olhos verde-azulados. Elesdesaceleravam um pouco, apenas paraentregar flores em formato de estrela a

qualquer garota bonita por quepassassem. Suzan, carregando um cestodevimecheiodeflores,corriaatrásdelesparamantê-losabastecidos.

—Masoque foi isso?—perguntouCassie.

—Chionodoxaluciliae—disseLaurel.Melaniedeuumempurrãonaamiga.—Nanossalíngua.— Desculpe. — Laurel sorriu. —

Aquelasfloresazuis.Chamamdeglória-da-neve. É um dos primeiros sinais daprimavera.

Nessahora,ocorreuaCassiequeaté

os gêmeos Henderson, que perderam airmã Kori no último outono, estavamabraçando a nova estação. Ela podia seesforçar um pouco mais para ter umaperspectivamaispositiva.

—Achoquejáviessasflores—disseela. — No jardim de pedras atrás doginásioexistemalgumas.

—Nãomais—refutouSean,dandoumagargalhada.Elepassouporelascomum buquê de flores azuis na mãomagricela e o ofereceu, hesitante, aCassie.

— Obrigada, Sean — respondeu,

mas, antes que pudesse aceitar o buquê,Faye avançou e o arrancou da mão deSean. Cheirou as flores, depois asempurroucontraopeitodogaroto.

— Corra para a assembleia eencontreoutragarotaridículaaquemdaristo — disse ela. Então se virou paraCassie. — Preciso ter uma palavrinhacomvocê.

Faye estava toda de preto, como decostume, mas a roupa daquele dia eramais apertada e reveladora do que ousual. Cassie acenou para Melanie eLaurel.

—Está tudo bem. Podem ir para oauditório.Vereivocêslá.

Ela prometeu a si mesma que nãodemonstrariamedodeFaye,acontecesseo que fosse. Não podia se permitir termedo de ficar sozinha com ela, emespecial na escola, onde, era segurosupor, estava protegida de quaisquermaus-tratosqueelaquisesselheinfligir.

Faye, é claro, não perdeu tempo emargumentar.

—Seiquevocêénovaemtodaessahistóriadeliderança—disseelaaCassie.—Masaté vocêdeve saberquenãovai

conseguirdarumadeboazinhapormuitotempo.

—Nãoseidoquevocêestáfalando.Faye escarneceu, como se fosse

indignoterqueseexplicar.— Não banque a inocente comigo,

Cassie.Nãofunciona.Cassie olhou para os dois lados do

corredorvazioepôsasmãosnosquadris.— Se tem alguma coisa ame dizer,

Faye, então diga. Mas, se você só estátentando me intimidar, não estáconseguindo.

—Mentira.—Fayeestendeuamão

a fim de jogar levemente para o ladoalguns fios de cabelo que tinham caídonosolhosdeCassie,eestaseafastouemumsalto.

Fayesorriu.—Édissoqueestoufalando.Opoder

sempre cria inimigos. Divide as pessoasem dois tipos, as boas e as más. Serealmente quiser ser uma líder desteCírculo,precisaescolherumlado.

CassieselembroudeDianaumavezterditoquepodererasópoder—nãoeranembom,nemruim.Sóousoquefazemosdele é bom ou ruim, dissera. Mas até

Dianamudoudeopinião.—Jáescolhiumlado—disseCassie.O rubi estrela no pescoço de Faye

cintilou.Eradamesmacordoseubatom.— Não, não escolheu. Há algo em

você, uma prova de que você é agarotinha do papai. Pode sentir pordentro.Trevas.Seiquevocêsente.

Cassieabraçouoslivrosnopeitocommaisforça.

—Vocênãosabedenada.—Nãoécansativotentartantoimitar

Diana,quando,narealidade,vocêéigualamim?

—Não.Porquenãosouigualavocê.Faye soltou uma gargalhada grave e

gutural, e deu um passo para trás. Elaatingiu seu objetivo. Cassie ficouconsideravelmenteabalada.

—Émelhorcorrer—disseFaye.—Não vai querer se atrasar para aassembleia.— Ela pegou um batom nabolsaepassououtracamadadopigmentoescuronoslábios.—Querumpouco?—Estendeuobatomvermelho-sangueparaCassie.—Acho que é a cor certa paravocê.

Em um lampejo de raiva, Cassie

pensou em arrancar com um tapa obatom da mão de Faye. Mas issosignificaria dar exatamente o que elaqueria. Faye tentava pressionarCassie aceder a seus impulsos mais inferiores, aserinsolenteeimpulsivacomoaoutra.

MasCassienão faria isso.Nãodariaessa satisfaçãoaFaye.Deu-lheas costase, ao fazê-lo, viu rapidamente alguémque não tinha percebido. Um garoto.Fayeonotoutambém.

Juntas, elas o viram andar pelocorredor. Era alto e musculoso, tinhacabelocastanho-claroedeviateracabado

demalhar,porqueusavaagasalhoetênis.Trazia uma bolsa de ginástica em umadasmãos,eotacodelacrossenaoutra.

—Quegato.—Fayefechouobatomeoenfiounabolsa.—Sabequeeuadoroessesatletassuados.

Cassierevirouosolhos.De imediato, Faye abordou o garoto

parareclamarseusdireitos.— Está perdido? — chamou. —

Possoteajudaraseencontrar.Suacabeçaselevantouderepenteao

perceberquefalavamcomele.Cassieviuque os olhos eram verdes como

esmeraldas,lindoscomoosdeDiana.— Não, obrigado — respondeu ele,

numa voz ao mesmo tempo rude epresunçosa.—Seiparaondeestouindo.

—Para aquela assembleia chata?—Fayenãoiadesistircomtantafacilidade.— Nesse caso, posso te ajudar a seperder.

Issoarrancouumsorrisodele,masfoidirigidoàCassie.

—Oi.MeunomeéMax.— Esta é Faye — disse Cassie,

retribuindo o sorriso deMax.— É umprazerparaelaconhecê-lo.

MaxdeixoucairsuabolsadeginásticanochãoeapertouamãodeFayedeumjeito que deixou evidente que estavaacostumado a ter as garotas caídas porele.

— Cassie — disse Faye, aindasegurando a mão grande de Max. —Adam não está esperando por você naassembleia?Achoqueprecisair.

Cassieassentiu.—Elatemrazão.Tenhoqueir.Enquanto se afastava, Cassie ouviu

Maxdizeràssuascostas:“Agentesevê.”

***

Cassieentrounoauditóriobema tempopara a cerimônia de boas-vindas. Ficoualiviada ao encontrar Adam acenandopara ela da última fila, onde estavasentado. O auditório estava mais lotadodo que ela já vira. Grupos de alunos seespremiam nos fundos e em cada filaperto da saída. A forte empolgação queCassiesentiunocorredorfoitransportadaaté ali, onde aumentava como águaturbulentacontidaporumarepresa.Mas,depois que o Sr. Humphries deu umtapinha no microfone para silenciar a

multidão e fazer alguns anúncios, aenergia inquieta se reduziu a um levetédio. As assembleias sempre eramdivertidas, até chegar a parte daassembleia.

Cassie deixou o olhar vaguear pelamultidão. Encontrou Diana bem nafrente, sentada com sua turma de inglêsavançado. Melanie e Laurel tinham sejuntado a Suzan, Sean e os irmãosHenderson nas filas intermediárias, nomeiodocaminhoparaopalco.DeboraheNickestavamalgumasfilasatrásdeles.Cassie notou que nenhum deles parecia

preocupado;aparentavamomesmotédioe apatiado restoda escola.Seráque elaera a única que ainda vacilava devido àúltima assembleia em que eles deram asboas-vindas ao diretor? Ou só fingiam,tentando dar o máximo de si? TodoseramdefatotãomelhoresdoqueCassieemprosseguircomavida?

Sally Waltman e Portia Bainbridgeestavam sentadas com seu grupo delíderes de torcida. O cabelo cor deferrugem de Sally se destacava do restodas amigas, amaioria loura, e assim erafácil localizá-la na multidão. Ela ria de

alguma coisa dita por Portia,provavelmente zombando de alguém,como sempre fazia. O Círculo haviachegado a uma trégua desconfortávelcom Portia e seus irmãos, mas Cassieaindanãogostavadela.

— Você está bem? — perguntouAdam,quandoCassiesesentou.—Estácom aquela cara de acabo-de-ter-um-encontro-com-Faye.

— Estou ótima. Faye bancou avalentona comigo, mas um cara bonitopassoueelaseesqueceudemim.

— Essa é a nossa Faye. — Adam

segurouamãodeCassieeaapertou.—Quemeraocara?

— Não sei, alguém novo. O nomedeleéMax.

Cassie procurou por Faye noauditório e a encontrou de pé no canto,conversando com Max — falando paraele é uma descrição mais exata. Ele seapoiava com as duas mãos no taco delacrosse,comosepudessedesmoronardetédiosenãoestivessesesegurando.

Cassie voltou a atenção ao homemque ela supunha ser o novo diretor,esperando ao lado. Usava um terno

escuro bem cortado e tinha cabelosgrisalhos. Era alto, de ombros largos, emantinhaasmãosentrelaçadasàscostas.Erabonito,assimcomooSr.Brunswick.

Aplausos fracos o receberam nopalco.

— Obrigado. — Ele ajeitou omicrofone.—SouoSr.Boylan, e éumprazerconhecê-los.

SuavozeramaisgravedoqueCassieesperava. Tinha a aparência esmerada eelegante,mas a voz de um lenhador—haviaumadurezanela,umaaspereza,eamaislevesugestãodeumsotaquequeela

nãoconseguiaidentificar.Umtremorcorreuporsuacoluna.Não, pensou Cassie consigo mesma.

Éparanoia sua.SóporqueoSr.Brunswickacabouserevelandomau,nãoquerdizerqueoSr.Boylan tambémo será.Ela imaginouque devia estar sofrendo de algumestressepós-traumático,comoossoldadosquevoltavamdasguerraseseassustavamcomosruídosmaisinofensivos.

Porém, enquanto o Sr. Boylancontinuavaafalar,cadamúsculodocorpode Cassie se retesava, em defesa. ElaolhouparaAdama fimde checar se ele

tambémsentiaalgumacoisaestranhanodiretor,maseleobservavacalmamenteopalco, sem nenhuma expressão dealarme.

— Obrigado a todos pelas graciosasboas-vindas — agradeceu o Sr. Boylan.—Esperoque façamomesmopormeufilho, que também será aluno daqui. —Ele apontou para um canto distante,ondeMax ainda estava apoiado no tacodelacrosse,olhandoparaafrente.

Adam e Cassie trocaram olhares.Nenhumdosdoistinhaoquedizer.

Éclaro.AnovapaixãodeFayeerao

filhododiretor.Faye sorria com malícia atrás dele,

olhandopara suanuca, comosepudessequeimar um buraco ali com seu desejo.Quando percebeu o olhar de Cassie,franziuoslábiosemumbeijoeosoproupara ela. Depois mostrou a língua,fingindolamberanucadeMax.

— Isso não pode ser bom — disseCassie.

E

4

nquanto caminhava da escola paracasanaquelatarde,Cassieenfimteve

ummomentoasósparapensar.Dianaealgunsdosoutrosiamaocentrocomprarroupasparao festivaldaprimavera.Vocêprecisa de um vestido de primavera para ofestival, insistira Suzan, quando Cassieexplicouque estava cansadademais parafazercompras.MasDianaseintrometeu

emnomedeCassie,dizendoque, se elaestavacansada,eramelhorirparacasa.

Será que isso significava que Diananarealidadenãoqueriaqueelaestivesselá?Cassiedesejousesentirmaisconfiantea respeito da amizade com Diana, masisso era um aborrecimento, como tudonaquelemomento.

CassiedecidiutomarocaminhomaislongoebonitoparacasapelaCherryHillRoad,ondefilasdecerejeirasKwanzaneanãs estariam no auge da floração. Eraum dia tempestuoso de março, e obarulho do vento nas árvores era seu

preferido. Ela parou de andar por ummomento a fim de olhar as folhas, eobservou-assesacudiremedançaremnoalto,atéficartonta.

—Essepedaçoémeu—avisouumavozatrásdela.

Elaolhouemvoltaeviuumajaquetadecouroejeanspretos.

—Nick—disseela.—Vimparacásozinha,entãotalvezvocêestejanomeupedaço. — Ela tentava ser sarcástica ebrincalhona. Depois imediatamenteestragou tudo ao acrescentar: — Mas émuitobomencontrarvocê.

Cassie notou que ele se remexeu,poucoàvontadecomocomentário tolo,masabocadagarotanãoiapararagora.

— É só que... nós não temosconversado ultimamente. E nunca maisfizemosnadajuntos.

A expressão de Nick era fria. Nemum sorriso, nem mesmo a sugestão deum. Ele evidentemente não sentia omesmo. Virou a cara e procurou peloscigarros no bolso da jaqueta. Depois selembroudequetinhaparadodefumar,eficouimóvel.

—Sintosuafalta,Nick.—Cassiese

ouviu dizer. E desejou na hora que nãotivessesaídotãocarenteedignodepena.

Nick estava daquele jeito —indiferenteefechado—desdequeCassieeAdamficaram juntos.Aparte racionaldoseucérebrosabiaqueelesóseafastavaporque se sentia magoado, mas a outraparte, a irracional, não se importava emnadacomissoesóqueriaqueelevoltasseàsuavida.

Ela tocou o couro macio da suajaqueta e perguntou, com a maiorinocênciapossível:

—Nãosentenemumpoucoaminha

falta?Uma onda de agonia disparou pelo

rosto dele, como se ela o tivesseapunhalado na barriga com uma facaafiada.

—Cassie—disseele.Ele estava prestes a dizer alguma

coisa importante. Ela sabia, pelasuavidade da sua voz e pela luta paraencontrar as palavras certas. Era muitodifícilparaNickexpressaremoções,evê-loseesforçandotantoderreteuumpoucoocoraçãodeCassie.Esteeraoladoternode Nick, a que poucas pessoas tinham

acesso.—Cassie,escute—disseele.Mas nessa hora Adam passou de

carroebuzinou.—Ei, vocês dois— chamou ele.—

Queremumacarona?Droga. Que timing horrível. Ela e

Nick finalmente estavam chegando aalgumlugar.

Masomomentoseperdeu.AcaradeNick,queseabrirabrevemente,voltouase fechar, mais apertada e trancada queumacatacumba.

— Quer uma carona para casa? —

perguntou-lheCassiesemconvicção.Vê-la com Adam era a última coisa

de que Nick precisava, e Cassie sabiadisso.

—Passo—disseele,navozmaisfriaquepôdeinvocar.—Masémelhorvocêir — acrescentou, quando notou ahesitaçãodeCassie.—Suacarruagemaespera.

Cassieficoudividida.Porumafraçãode segundo, imaginou seu futuroalternativo, aquele em que Adam nãoaparecia,emqueelaeNickconversavampor toda a longa caminhada para casa,

debaixodacopadasárvores.Nãoqueriadeixar escapar aquela possibilidade.Massabiaquenãodeviapressioná-lodemais.Afinal,sualealdadeeraparacomAdam,esempreseria.

Nick partia na direção contrária decasa quando Cassie correu paraacompanhá-lo e cochichou em seuouvido:

— Você pode ter conquistado odireito de ficar infeliz por um tempo—disse ela. — Mas não vou deixar queescapecomtantafacilidade.

Depoiselacorreudevoltaaocarrode

Adam,abriuaportaeentrou.

***

Por dentro, o carro de Adam sempretinha o mesmo cheiro. Era o almíscardoce das folhas de outono misturado agasolina, couro lubrificado e borracha, enuncadeixavadeexcitarCassie.

Adam a olhava, analisando cadacentímetro de seu rosto com ospenetrantesolhosazuis.

— Pensei que você fosse fazercomprascomasgarotas.

—Nãoestavacomvontade.

Ele colocou a mão quente em seujoelho.

— Cassie, tem certeza de que estátudobem?

Ela olhou pela janela e nãorespondeu.

— Nick estava criando problemasparavocê?

— O quê? Não, claro que não. Naverdade,euéquecrioproblemasparaele,tentando fazer comque sejameu amigodenovo.

Adam devolveu a mão ao volante eapertou com força, embranquecendo os

nósdosdedos.—Eleprecisadetempo.—Eusei.Cassie via as ruas mais comuns de

New Salem dando lugar à CrowhavenRoad,edecidiumudardeassunto.

—Captoualgoestranhocomrelaçãoaonovodiretorhoje?—perguntouela.

—Não,porquê?Vocêteve?— Mais ou menos, mas não tenho

certeza—disseCassie com sinceridade.— Acho que quero perguntar aConstancesobreisso.Talvezelaconheçaum feitiço ou coisa assim que possa nos

mostraraverdadeiranaturezadele.Adamtentoureprimirumsorriso.— Acho que está sendo meio

paranoica, Cassie. O que é muito justo,depois de tudo que passamos. Mas,sinceramente, a única coisa que acheiesquisita no diretor foi Faye dando emcimadofilhodele.

— Eu sei, você deve ter razão. —Cassie voltou aolharpela janela.Notouum sedã preto atrás deles e se esforçouparaverseeraumdosamigos.NãohaviamuitoscarroscommotivoparaentrarnaCrowhavenRoad.

—Cassie.Presteatenção.BlackJohnnão está mais nos assombrando. Elemorreu.Nósvencemos.

Apesar de toda a sensibilidade deAdam, incomodavaCassie o fato de eleainda se esquivar do fato de que BlackJohnerapaidela,apesardasuamaldade.Quando Adam falava nele, era sempre,Ele morreu, foi embora para sempre — oque naturalmente era bom, mas Adampodia pelomenos perceber que amortedeleeraperturbadoraparaCassie.

— Acho que ainda gostaria de verConstance — insistiu ela. — Pode me

deixarlá,porfavor?Adamentão ficouemsilêncio,oque

significava que teve a sensibilidade desaber que disse algo que incomodouCassie.

Eles agoraestavamquasenacasadeConstance,entãoelesoltouoacelerador,reduziueparou.Cassienotouqueocarropretoatrásdeles tambémparou.Fezumretornoevoltouparaaruaprincipal.Queestranho,pensouela.

***

Noinícioninguématendeuàporta,mas

então Cassie viu a cabeça grisalha deConstance aparecer na janela da frente.ElaacenouparaCassieeabriuaporta.

— Veio procurar Melanie? —perguntou ela. — ainda não voltou daescola.

— Na verdade, tia Constance, vimfalarcomvocê.

—Epa.Qual é o problema?—Elaguiou Cassie pelo imaculado piso demadeiraatéasaladevisitas,ondeestavatomandoumchá.

Cassieficavamuitoàvontadenaquelacasadesdeque suamãe sehospedouali,

quandoestavadoente.EraparecidacomacasadeCassie,masestavaemmelhorescondições. As paredes eram recém-pintadas,apratabrilhavadetãopolidaenão havia um grão de poeira em lugarnenhum. A sala de visitas cheirava alustra-móveis.

Constance encheu sua xícara de chácomdesenhode salgueiro e serviu outraparaCassie.Depoisvoltouasesentarnagrandecadeiradebalanço.

—Oqueestáincomodandovocê?—perguntou.

— Na verdade, nada — respondeu

Cassie. — Acho que só vim para pedirumconselho.

— Sobre o quê? — Constance eramagra e majestosa, mas parecia quaseuma criança se balançando em suacadeira.

— Ando me sentindo inquietaultimamente—explicouCassie.

Constance parou de se balançar eplantouospésnochão.

— Terá que ser mais específica sequiserumconselho,querida.

—Podeacreditar,estoutentando.—Cassie baixou a xícara de chá.—Acho

quepartedissoéque seiquedevia estarfeliz. O Círculo derrotou Black John, eminha mãe voltou a ficar bem. E eutenhoAdam,quemeamamuito.

—Mas?— Mas parece que não consigo

relaxar. — Cassie se curvou para maispertodeConstanceepassouafalarmaisbaixo. — Hoje, por exemplo, quandonosso novo diretor foi apresentado,comeceiaficartodatrêmula,bemali,naassembleia. Sei que não era por causadele, mas como vou saber, como possosaber...Ah,seilá.

— Como pode saber a diferençaentreinstintoeansiedade?—Constancesorriu.

Cassieconcordoucomacabeça.— Só existe um jeito — afirmou

Constance. — Anos de prática. Este éum dos maiores desafios de possuir avisão.

Ela se recostou na cadeira e parecia,por um momento, perdida nos própriospensamentos.Depoisoslábiosvermelhosefinosformaramumsorriso.

—Suaavótambémeraassim—disseela. — O que se pode chamar de

“nervosa”.Sevocêsoubessequantasvezesela me acordou de um sono profundo,gritandopor causadeummaupresságioqueacabousendoumaindigestão...

Constance ria tanto que as lágrimasbrotaramno cantodosolhos.Pegouumlenço de papel e as enxugou, antes deprosseguir.

—Desculpe, eu não pretendia fazertroça. Mas vai ficar mais fácil com otempo,Cassie,podetercerteza.

—Então,vocêestádizendoquenãoexiste um jeito mágico de ter certezasobre quem é bom e quem émau, nem

um feitiço para testar a verdadeiranaturezadodiretor?

Constance resistiu ao impulso de rirnovamente.

—Meu bem, se existisse um feitiçodesses, teria sido o primeiro que eumostraria a você. — Ela olhou comcarinhoparaCassie.—Infelizmente,nãoexisteatalhoparaapazdeespírito.

Como Cassie não respondeu, rugasapareceram entre as sobrancelhas deConstance.

— Pratique suas meditações einvocações diariamente — aconselhou

ela.—Cultiveatranquilidadeomáximoquepuder.

Eraumarecomendação simples,masCassie saiu da casa de Constance sesentindoumpouquinhomaisleve.

Q

5

uandoCassiechegouaoOldTownHall,osolbrilhavabaixoenquanto

barracasemesaseramarrumadasparaasfestividades da noite. Ela procurou pelamãeentreosvoluntários,paraajudá-laacolocarosenfeitesqueasduasfinalmenteterminaramdefazernanoiteanterior.

O Old Town Hall era um dosprimeiros prédios municipais de New

Salem. Quando se encontrava emfuncionamento, abrigava todos osescritóriosfederaisdacidade.Nopassado,a área em volta era ocupada por ummercadoaoarlivre,masultimamenteerausada como espaço de arte pública e, éclaro, abrigava os festivais anuais daprimaveraedooutono.

— Oi, Cassie. — Laurel apareceucarregando uma bandeja de bulbos detulipa com quase o dobro do seutamanho. Ela a baixou em uma mesapróxima e tirou alguns fios de cabelosuadosdorostodefada.—Estáanimada

comofestivaldestanoite?— Claro — disse Cassie, sem

convencer.— Bem, devia mesmo. O equinócio

de primavera é importante para nós,como bruxas. — Laurel olhou para osladosafimdetercertezadequeninguémouvia. Depois, como Cassie esperava,começou uma aula de história. As aulasdehistóriaebotânicaerampraticamenteobrigatórias nas conversas com Laurel.Ou você a amava por isso, ou tinha oimpulso de tapar sua boca com fitaadesiva, mas no momento Cassie fez a

vontadedaamiga.— Como muitas tradições em New

Salem,aorigemdofestivaldaprimaveratem raízes no paganismo — continuouLaurel. — O festival antigamente erachamadodeFestivaldeOstaraeeraumferiado para celebrar a deusa quedespertava do seu sono de inverno. Erauma época em que nossos ancestraishonravamoequilíbriodetodasascoisas,ofísicocomoespiritual.Oslivrosantigosdiziam que era uma época de plantarsementes no jardim, também de plantarassementesdamanifestaçãodesejada.

— Mas o que isso quer dizer? —perguntouCassie.

— Quer dizer que é uma época decomeçar novos projetos e colocar novosplanos em prática.— Laurel pegou suabandeja com um grunhido e foi seafastando. — É motivo para ficaranimada—disseelaporsobreoombro.

Cassie deixou os olhos vagarempelapraça. Em cada barraca havia umcomerciantelocaloferecendoamostrasdecomidaoubebida,ouachancededarumlanceemalgumobjetoemleilão.Bandaslocais armavam seus equipamentos em

um palco decrépito. Todo o evento erasimplesmente cenário para o início datemporada de turismo. Ainda assim,Cassiepensouquedeveriaabraçá-lo.Erauma espécie de celebração, como disseLaurel.

Cassieencontrouamãedooutroladoda praça, prendendo narcisos de papelcom um grampeador numa chapa demadeira. À frente dela, viu Melanie eConstance montando sua barraca dejoias. O cabelo castanho e macio deMelanie estava puxado para trás,enquantoogrisalhodeConstancevoava

loucamente ao vento. Elas formavamuma dupla e tanto; Melanie era alta,bonitae fascinante,enquantoConstanceera mirrada, recurvada e autoritária,gritando ordens com seu indicadorenrugado. Mas o amor e a compaixãoentre elas erampalpáveis, e as joias queelas desenharam eram a materializaçãodo seu amor. Melanie dissera a Cassieque o povo da cidade não compreendiaverdadeiramente os cristais, mas nãoimportava. Suas joias davam boasconversas, e a tiaConstance apreciavaodinheiroextra.

De longe, Cassie acenou paraMelanie, depois viu Diana. Estava todadebranco,eocabelolouro,àluzdosol,pareciaquasebrancotambém.MeuDeus,pensou Cassie, Diana está literalmentereluzindo como um anjo. E, o que eraapropriado, ajudava na rifa de caridadedaqueleano.Naverdade,foielaquemaorganizou. Às vezes, Cassie seperguntava sehavia algoqueDiananãosoubessefazer.

Cassie sinalizou sua presença para amãee sedirigiu àmesada rifa a fimdecumprimentar Diana. Ultimamente se

sentia muito distante dela e pensou quepassar ali seria um gesto gentil. Talvezaté o primeiro passo para limpar oterrenoentreasduas.

Cassie entendia que a distância sedeviaaofatodeelapassaramaiorpartedeseutempolivrecomAdam.Comoissonão deixaria as coisas estranhas quando,há não muito tempo, era Diana quempassavatodoseutempocomele?

Apesar de tudo, ao ver Cassie seaproximar, Diana não poderia ter lhedadoumasaudaçãomaiscalorosa.Baixouapranchetanamesaecorreupelapraçaa

fim de encontrar Cassie no meio docaminho.

—Estoutãofelizporvocêestaraqui—revelouela.—Osenfeitesdasuamãeestãoincríveis.

— Obrigada — disse Cassie, depoishesitou.Nãosabiaque ia fazer isso,masnomomentopareciaocerto.—Podemosconversar?—perguntou.

Sem esperar por uma resposta, elasegurou com força a mão deDiana e alevou para o lado da praça, onde haviaumcompridobancodepedraemqueelaspodiam se sentar semo risco de alguém

ouviraconversa.— Tem uma coisa que preciso te

contar—afirmouCassie.Os olhos verdes de Diana se

estreitaram de preocupação, mas ela sesentou, como foi instruída. Cassie seacomodou de frente para ela, passandoansiosamenteosdedospela superfíciedepedradobanco.

—Andome sentindomuitomal—disse ela. — Por causa de todo esseclimão.

Dianaabriuumlargosorriso.—Comoesse,deagora?

— É. — Cassie sentiu queruborizava. — Acho que no momentoestoucriandoumclimão.Euseiquevocêe Adam eram íntimos, sei do sacrifícioquevocêfeze...

Diana interrompeu Cassie no meiodafrase:

—Cassie,eusei.Seideverdade.Eàsvezestemsidodifícil,masachoquetodosnos acostumamos com isso muito maisrápidodoquevocê.

Ela pôs as mãos nos ombros deCassieeasacudiuumpouco.

— Não tenho ressentimentos.

Sinceramente. É você quem estádificultandoascoisas,parasimesma.

Os olhos de Cassie se encheram delágrimas,eelapercebeuqueDianatinharazão. Estava dificultandodesnecessariamente as coisas. Aqueledevia ser um novo começo. Em todaparte, as pessoas abraçavam a mudançaenquantoelaseprendiaavelhasmágoasemedosdopassado.

—Istoquerdizerquepodemospassarmaistempojuntas?—perguntouela.

—Esperoquesim!—Dianaapuxoupara um abraço, e Cassie, fechando os

olhos,teveasensaçãodequetudoficariabem. Um novo começo, pensou. Agoraseria de fato capaz de desfrutar dofestival.

Juntas, ela e Diana atravessaram apraça, de braços dados, voltando àmesada rifa. Cassie não queria que essaproximidade renovada terminasse, mastinhatrabalhoafazer.

—Émelhoreuajudarminhamãe—disse ela, e estava a ponto de se afastarquando uma menina se aproximou. Ocabelo ruivo ondulado era brilhante, eusavabotaspretasealtasquechegavamà

bainhadeseuvestidodealcinha.—Comlicença—disseela.—Estou

procurando pela pousada que deveriaficarporaqui.—ElaeraquasedamesmaalturaecomomesmocorpodeCassie,eseus olhos eram de um castanho muitoescuro,quasepreto.

Dianaapontouparaoeste.—Ficaporali,aunsdoisminutosde

caminhada.A garota, segurando a alça da mala

abarrotada, continuou a encarar as duas,comoseesperasseouvirmais.

—Meunome é Scarlett— revelou,

estendendoamãoparaDiana.Diana apresentou a si mesma e

Cassie,depoisperguntou:—Estádevisita?— De visita, não. Acabo de me

mudarparacá.—Scarlettroeuaunhadoindicador, coberta de esmalte preto elascado.—Porenquantovouficarnumapousadaseconseguirencontrá-la.

Dianaergueuassobrancelhas.— Uma mudança para uma cidade

nova com apenas uma mala; isto éimpressionante.

Scarlettriu,poucoàvontade,comose

não soubesse seDiana estava brincandoousendogrosseira.AprópriaCassienãotinhalámuitacerteza.ConheciaDianaosuficiente para sentir que ela estava deguardaaltapertodestaestranha.

— Vai frequentar a New SalemHigh?—perguntouDiana.

Scarlettmeneouacabeça.—Eumeformeicedo.Voupassaro

verãotrabalhandonasdocas.—Sei—disseDianaemumtomque

beiravaacrítica.Diana às vezes ficava assimperto de

forasteiros. Cassie sabia que ela não

pretendia ser indelicada; na verdade,provavelmente nem tinha consciênciadisso. Era uma superioridade que vinhade saber o tempo todo que ela eraespecial. Mas Cassie sabia como eracrescernamédiaejáfoiumagarotanovana cidade. Solidarizava-se com aestranhezaealienaçãoqueScarlettdeviaestarsentindonomomento.

— Bem, obrigada pelas informações— disse Scarlett. — Foi um prazerconhecê-la.

—Espere.—Cassie teve o impulsorepentino de consertar as boas-vindas

pouco hospitaleiras de Diana. — Deviavir ao festival esta noite. Vai aconteceraquimesmo;vocênãopodeperder.

Scarlett riu de um jeito que a fezparecer uma garotinha, e Cassie nãopôdedeixardesejuntaraela.Haviaalgoderevigorantenagarota.

—Acabamosdenosconhecerevocêjáestáapontandomeupéssimosensodedireção?—Depoisseurostoseaqueceu.—Adorariavir,obrigada.

—Ótimo—disseCassie.—Então,agentesevêdepois.

Cassie observouScarlett se afastar, e

Dianapegouapranchetanamesa.— Isto foimuito hospitaleiro da sua

parte.—Comoassim?—Você sabe.—Diana examinou a

lista do que tinha para fazer, folheandoalgumaspáginas.—Atencioso,sociável.

— Sei o que significa hospitaleiro,masoquevocêquisdizer?

Diana baixou a prancheta e rolou acaneta de um lado a outro dos dedosenquantoanalisavaaexpressãodeCassie.

— Você viu alguma coisa nela, nãoviu?Oquefoi?

Cassie devia saber queDiana jamaisdeixaria passar nada. Era verdade, elahaviavistoalgumacoisaemScarlett,masnãosabiaoqueera.

Cassiesentiuumformigamentosubirpela coluna e descer pelos braços atéchegar aos dedos. Era uma empolgaçãoqueelanãoconseguiadefinir.

— Não sei bem. Mas acho que ébom.

— Ah, uma notícia agradável, paravariar—disseDiana.

—Nemmefale.— Talvez o cabelo tingido tenha

atraídovocê.—Sejaboazinha—pediuCassie.—Nãoestousendomá—respondeu

Diana,comoquemfazbirra.—Medeuvontade de beber um copo deKool-Aidde cereja silvestre. Adoro esse troço.—E, como nos velhos tempos, as duassoltaram uma gargalhada alta edesinibida.

A

6

lua era um crescente branco eluminoso, e o céu estava limpo.

Cassie e Adam estavam de mãos dadaspertodomastro, e ela se sentia radianteno vestido amarelo escolhido pelasamigas.Encontrou-onasaladejantarnoiníciodamanhã.Suzanodeixou lá comum bilhete em sua letra oblíqua: Estevestidogritava“Cassie”!

Suzan também comprou gravataspara todos os meninos, e eles estavamótimos, mas as meninas os superavamcom os vestidos. Melanie estava dechiffonverde,eLaurelcomumvoilecor-de-rosa. Suzan, sempre voluptuosa,escolhera um tubinho cor de cobre quechegavanoslimitesdaindecência.Dianausavaumadiscretabatadesedamarfim.

Deborah, que raramente usavavestidos, trajava-se à própria maneira.Vestia jeans brancos apertados, umacamiseta branca e uma jaqueta de couroroxa.

—VocêsviramFaye?—perguntouaCassieeAdam.

Adam deu de ombros, mas Seanrespondeu:

—EstáláforaprocurandoporMax.Deborahriucomescárnio.—Ela ainda não desistiu? Ele fugiu

delaasemanatoda.Seanmeneouacabeça.—Nempensar—disseele.—Faye

nãodesisteassimtãofácil.—ENick?—perguntouCassie.—

Vocêoviu?A expressão de Deborah endureceu

com a pergunta.Ao se tratar deCassie,ela era extremamente protetora emrelaçãoaoprimo.

—Achoqueelenãovem.—Porquê?—perguntouCassie.—Porquenão.Deborah tentou encará-la com

superioridade,masCassiedeixouparalá.Ela pensava agir corretamente,protegendo Nick de se magoar aindamais,masnãoentendiaqueas intençõesde Cassie eram boas. Depois deesclarecer as coisas com Diana, ela sesentia muito melhor. Tinha esperanças

defazeromesmocomNickestanoite.DianafranziuocenhoparaDeborah,

revelando assim sua solidariedade com aafliçãodeCassie.

—Nick pode aparecer. Se tem umacoisaqueseidele,équeéimprevisível.

Houve um momento de silêncioenquanto Cassie deixava os olhosvagarem para o alto do mastro. Elaadmirou as guirlandas e fitasmulticoloridas que desciam do topo.Depois,Dianafalou.

—Ei,Cassie,aquelanãoéScarlett?Scarlett os vira e atravessava a

multidão em sua direção. Usava umvestido baby-doll azul, o cabelo ruivo ecompridometidoemumchapéu-cocodefeltromarrom.AcenouquandoolhounosolhosdeCassie,depoisacelerouopasso.

— Quem é essa? — perguntouAdam.

Cassie notou certa curiosidadefascinadanavozdeAdam.

— Aaah, adorei esse chapéu —elogiouSuzan.

Deborah assentiu em confirmação.Sempreapreciavaumagarota comestilosuficiente para vestir umapeça de roupa

masculina.—Asbotastambémsãodematar—

disseela.Scarlett era toda sorrisos e confiança

enquanto Cassie a apresentava ao restodo grupo. Seus olhos escuros passaramporcadaumdelesindividualmente,eelacumprimentou a todos com o afeto deumavelhaamiga.

Não era só o senso de moda deScarlett que era cativante, observouCassie.Erasuanatureza;emuminstanteela ficava à vontade com todos queconhecia.Eerabonita.AlínguadeSean

estavapraticamentependuradapara foradabocaquandoeleapertouamãodela.

Scarlett conseguiu se soltar da mãodele com uma risadinha e se virou paraDiana.

—Ébomvervocêdenovo—disseela.

— Sim— respondeuDiana, de umjeito que fez Cassie se retrair. MasScarlett abriu um sorriso branco,mostrandoqueserecusavaalevarasérioaindiferençadamenina.

— A corrida de ovo na colher estácomeçando — avisou Sean, animado,

tentandorecuperaraatençãodeScarlett.—TemosquetorcerparaChriseDoug.Ograndeprêmio éumvale-presentedequinhentos dólares da Pete’s CandyStore,eelesestãodecididosaganhar.

Scarlett passou os olhos pelasmuitasbarracasetrailersdecomida.

—Prafalaraverdade—disseela—,estou morta de fome. E morrendo devontade de comer um desses espetinhosdelinguiça.

—Voucomvocê—disseCassie.Elaestava ansiosa para saber mais sobreScarlett, e, pensando bem, também

estavacommuitafome.O grupo então se dividiu, uma parte

seguindo para o gramado da corrida deovo, enquantoAdameDiana, visitavamMelanieeConstancenabarracadejoias.

Cassie e Scarlett compraram umespetinho cada uma e lutaram para nãofalar de boca cheia enquanto andavampeloperímetrodofestival.

— E então, está hospedada napousada? — perguntou Cassie com amaiorinocênciapossível.

Scarlett assentiu, depois mastigou eengoliu.

—Ondeestãoosseuspais?—Minhamãe faleceu—respondeu

abruptamente, como sequisesse se livrardainformaçãoomaisrápidopossível.

—Ah,eusintomuito.— Ela foi criada aqui — continuou

Scarlett.—PorissoeuquisvirparaNewSalem,paratentarmereconectarcomelae com meu passado. — Nessa hora elavirou o rosto, talvez commedo de estarfalandodemais.

Cassie vasculhou em sua cabeça acoisacertaadizer:

— Acho isso ótimo. Quero dizer,

acho que é uma coisamuito corajosa desefazer.Mesmoquesejadoloroso.

Scarlettassentiu.—Achoquesóestouprocurandopor

umnovocomeço.— Sei o que quer dizer — disse

Cassie.— Então, conte alguma coisa a seu

respeito.A mente de Cassie disparou. Ela

queriamudardeassuntoparaalgomenospesado,mastodacoisaboaeempolgantequequeriacontar,elapercebeu, tambémenvolvia oCírculo, e assim ficou calada.

Pela primeira vez desde que se mudoupara New Salem, ela entendeu por quefazer amizade com um forasteiro podiaserumdesafio.

— Bem — disse enfim Cassie —,minha mãe está ali, vendendo rifa. —Mas, quando ela apontou para a mãe,também viu Adam e Diana no canto,dividindo um sorvete de casquinha debaunilha. Riam porque Adam tinhasorvete no nariz e no queixo e, quantomais ele tentava limpar, mais espalhavasorvetepelacara.

Cassie sentiu o estômago afundar.

Mas por quê? Era só um sorvete decasquinha. Um lanche dividido entreamigosnãoeramotivoparaperturbação.Elalogosejuntariaaeles.LevouScarlettpara lá epercebeuFaye aproximando-senadireçãocontrária.

Faye estava com um vestido pretotransparente que se ajustava como umcorpete. Alguns passos atrás dela estavaMax,que,mesmocomumacamisapoloinformal, ainda parecia ter acabado desairdeumcatálogodaAbercrombie.

Adam e Diana pararam de rir erecuperaramocontroledoproblemacom

osorvetequandoperceberamCassieeosoutrosindoemsuadireção.

Faye apresentou Max e avaliouScarlett.

—Quemévocê?—perguntouela.—EstaéScarlett—disseCassie.—

Énovanacidade,assimcomovocê,Max.Max acenou para Scarlett, mas seu

fococlaramenteestavaemDiana.— Vi você na assembleia de sexta-

feira—disseele.—Vocêeraaúnicaqueprestava atenção ao discurso chato domeupai.

Dianaficouenvergonhada.

—Vocêmeviu?—perguntou,depoisacrescentou:—Nãofoichato.

— Não? Tem certeza? — Max aencaroucommalíciaatéqueelariu.

—Tudobem,talvezsóumpouco.—Obrigadopelafranqueza.—Max

segurou a mão de Diana e a apertouentre os dedos grossos. — Agorapodemosseramigos.

Diana ruborizou, e Cassie percebeuAdam se remexendodesconfortavelmente.

—Meu pai está por aqui em algumlugar — mencionou, ainda se dirigindo

apenas a Diana. — Se encontrá-lo,precisa dizer a ele o ótimo orador quevocêpensaqueeleé.

Faye trincava tanto os dentes queCassie receou que a cabeça da garotaexplodisse.

—Voufazer isso—disseDiana.—Mas,semederlicençaagora,temosqueir torcer por nossos amigos. — Elagesticulou para a corrida de ovo nacolher.

Maxdemonstroucertadecepção.—É,eeu tenhoqueencontrarmeu

pai—respondeu.

Fayeteveaintençãodesegui-lo,maseleaimpediu.

— Vejo você mais tarde.—Depoisdisso,desapareceunamultidão.

Adam, que até agora estivera numsilêncio mortal, tinha uma expressão derepulsa.

—Bem,issofoiesquisito.—Adam!—Dianaorepreendeu.—

Elesóestava tentandoseenturmar.Éoquefazemaspessoasquesãonovasnumlugar. Farão qualquer coisa paraimpressionarvocê.

Scarlettbaixouosolhos,supondoque

eraumaindiretaparaela.Cassieabriuaboca, mas, antes que qualquer palavrasaísse, Faye saiu de perto como umtrovão.

— Max não estava tentandoimpressioná-la tanto assim — disseAdam.

—Fayeestáassediandosexualmenteocaradesdeominutoemqueelepôsospés aqui— disparou Diana, elevando avoz.—Elenãoprecisatentarcomela.

Cassie desejava que Scarlett nãoestivesse testemunhando este estranhomomento de tensão. Foi constrangedor

de verdade ver que os amigos deviamparecermedíocres.

—Vamos—disse ela a Scarlett.—Elesnosalcançamdepois.

Juntas,elasatravessaramapraça.—DianaeAdamnãocostumamser

assim — explicou Cassie. — Por acasovocêpegouosdoisnumahoraesquisita.

—Euentendo.—Scarlettsorriu.—Casaistêmciúmesebrigam.

De repenteCassie sentiu náuseas denovo.

—Adam é meu namorado— disseelaemvozbaixa.—NãodeDiana.

—Ah.—Scarlettmordeuolábio.—Que idiotice a minha, eu não tinhapercebido...

—Não,estátudobem.Entendoporquevocêpensouisso.Émeiocomplicado.

Elas encontraram o resto do gruporeunidoemumaextremidadeda torcida,eCassie ficoualiviadapelaoportunidadede mudar de assunto. A competiçãoestava reduzida a Chris e Doug e umcasaldeirmãosquenãopodiatermaisde11anos.

— Eles gostammesmo de doces—disseCassieaScarlett,comosefosseuma

explicaçãológica.—Respeito isso—disseScarlett.—

Também gosto muito. Uma vez comitantos Skittles, que espirrei arco-íris portrêsdias.

Era uma piada boba, mas Cassieentendeu o que significava. Scarletttentava deixar o clima mais leve,reconfortá-la, e ela valorizou isso. Fosseounãoforasteira,Cassiegostavadaquelamenina.

Então, um grito de socorro soou doladonortedapraça,eaatençãodetodosse voltou para lá. Todos os olhos

procuraram pela origem do gritoapavorante, mas um grupo reconheceuimediatamente a voz de Melanie.Correram para a barraca de joias. AtéChris e Doug deixaram os ovos caíremparaajudar.

Cassie chegou à barraca, abriucaminho pela multidão e encontrouConstance, a tia-avó de Melanie,esparramada no chão. Melanie gritavapara alguém chamar uma ambulância.Alguns moradores com treinamentomédico estavam ajoelhados, verificandoseus sinaisvitais,pedindoa todosque se

afastassem e dessem espaço. Um delessegurava Melanie, que se debatia e oatacava antes que Diana e Laurel apegassempelosbraçoseaafastassem.

Umamulher, que pretendia comprarumcolardeConstance,falou:

— Num minuto ela estava ótima,depois fez uma cara de pânico esimplesmentedesmaiou.

Adamobservouamultidãoàprocurade alguém suspeito. Cassie investigou amassa de rostos estranhos, tentandoencontrar amãe, sem conseguir. Talveztivesseidobuscarajuda.Outalvezavisão

de Constance caindo no chão fossedemaisparaela.Emmomentosdecrise,amãetendiaadesmoronaremvezdeseerguer.NãoseriasurpresaparaCassieseelativessecorridoparacasa.

Os paramédicos chegaram, e Cassieprecisou virar o rosto enquanto faziamressuscitação cardiopulmonar no corpoinerte de Constance. O grupo abraçavaMelanie, e Adam abraçava Cassie comforça. Ela enterrou a cabeça no ombrodele.

Eraimpossívelsaberquantotemposepassou enquanto os paramédicos

tratavam de Constance. Cassie nãoparava de pensar que tinha de ser umabrincadeira. Ha ha, te peguei, Cassieimaginava Constance dizendo do chão.Constancesempretentavalembraraelesda fragilidade da vida e do delicadoequilíbrio de todas as coisas. Talvezaquela fossemais uma lição.Mas entãoos paramédicos pararam de empurrar epuxar,bombearesoprar.Nãohaviamaisgolfadas de ar a dar ou receber e nãohavia mais esperanças. Os paramédicosencarregados se levantaram, colocandoumaconclusãodefinitiva a seus esforços.

Declararam tia Constance morta.Expirou,foiapalavraqueusaram,oque,para Cassie, pareceu uma grosseriainacreditável.

— Provavelmente um aneurismacerebral — explicou o assistente, depoisexpressou suas condolências a Melanie.— Fizemos tudo que podíamos,senhorita.

Cassie nunca tinha visto Melanieperder o controle como naquelemomento. Ela sempre ficava sóbriadiante de qualquer dificuldade — emparticularquandoestavaempúblico.Mas

aquiloerasimplesmentedemais.Elacaiude joelhosegemeu.Lá se foram osnovoscomeços,pensouCassie.

–T

7

odos que se aproximam de nósmorrem — disse Cassie. — Não

importaoquefazemos.A cena não parava de se repetir em

suamente; o gritodeMelanie e a visãodeConstancenochão.Elanãoconseguiaparar de tremer. Mesmo com todas aslanternas e velas bruxuleando em volta,Cassiesentiafrionofarol.

Laurelqueriarealizarumacerimôniade fortalecimentopara ajudarMelanie apassarpelospróximosdias.Elesjuntaramas ervas e cristais necessários, mas,quando estavam prestes a começar, ogrupo descobriu que não era capaz defazer nada de forma organizada. Todosestavam perdidos em sua própria névoa,traumatizados.

Adam colocou um cobertor nosombros de Cassie, mas este tambémparecia frio e úmido. Ela não conseguiaparardetremer.

—Elaprecisade algoque a ajude a

se acalmar — disse Adam, e Dianarapidamentevasculhouaprimeiragavetada grande cômoda de peltre que elesabasteciamcomervaseraízesmedicinais.

Pegouumdiminutofrascodevidroeumconta-gotas.

—Isto é tinturade raizde valeriana— disse ela, segurando o conta-gotassobre a boca de Cassie.— Vai acalmarseusnervos.Todosnósprecisamostomarumpouco.

Faye puxou Cassie para longe antesqueasgotasalcançassemsualíngua.

— Não tente sedá-la de verdade,

Diana.—Elapassouobraçopelacinturade Cassie. — O que Cassie disse estácerto.Todomundo perto de nósmorre.E ela tem razão em se descontrolar umpoucoporcausadisso.—Fayecorreuosolhosporcadaintegrantedogrupoatéseacomodá-losemDiana.—Oqueeumeperguntoéseprecisacontinuarassim.

Dianabotouatinturanamesa.—Doquevocêestáfalando?—Acho que você sabe.—Faye foi

paraomeioda sala.—EstamoscomasChaves Mestras. Os instrumentos maispoderosos que um bruxo pode ter.

PodemostrazerConstancedevolta.Diana ficou em silêncio, mas Laurel

deuumpulodacadeira.—Fayetemrazão.Constanceestava

nos ensinando muito sobre nossospoderes, e este era só o início de nossotreinamento.Precisamosdela.

Deborahassentiu.—Deveserfáciltrazerdevoltauma

bruxaassim,tãopoderosa.OrostojápálidodeDianaficouainda

maisbranco.— Não sei — disse ela. — Quero

salvarConstance,maspode serperigoso

libertar esse tipo de magia negra. Nãosabemosquetipoderepercussãoterá.

— Mas será que vocês ficaramcompletamente loucos? — perguntouCassie. — Acreditam mesmo quepodemosressuscitarosmortos?

—Naverdade—disseAdam—,nãoé assim tão absurdo. Sei que tudo issoainda é novo para você, Cassie, mas anecromancia tem sido usada desde oséculoIII.

—Eaindaexisteumtermoparaisso?—Cassienemconseguiaacreditar.

—Vemdogrego—explicouLaurel.

— De nekos, que significa morto, emanteia,quequerdizeradivinhação.

Cassie procurou confirmação emDiana,queassentiu.

— Mas, para os gregos, anecromancia significava a descida aoHades. Era usada como forma deconsultar os mortos. Não pretendiamressuscitá-losparaaesferadosmortais.

— Só que sabemos — interferiuAdam—quefoiusadadestamaneirapornossos próprios ancestrais.Na realidade,Diana,vocênão...

Os olhos verdes de Diana faiscaram

paraqueAdamse calasse.Porém,Faye,semprevigilante,percebeu.

—Diana,vocênãooquê?Diana colocou as mãos magras na

mesa extensível diante dela. Para nãodesmaiar,Cassie imaginou.Em seguida,faloucomcautela:

—Existe um feitiço de ressuscitaçãoemmeuLivrodasSombras.Adameeuodescobrimosháalgunsanos.

Faye soltou um gemido de purasatisfação.

—Eusabia.— Vamos fazer, então — disse

Deborah.—Temosopoderetemosumfeitiço.

Suzanconcordou.—Precisamospelomenostentar.Adam ficou em silêncio, mas Cassie

percebeucertaempolgaçãotremendosobsuaexpressãoindiferente.Elequeriaisso:testar os limites do próprio poder. Esteeraum ladodeAdamde cuja existênciaCassie costumava esquecer. Por trás dafachadaincessantementeresponsável,eleera,nofundo,umaventureiro.

Diana,aindapreocupada,falou:—Suponhoquevalhaapenatentar.

Desde que tenhamos extremo cuidado.Masprecisamoscolocaremvotação.

Laurel se juntou a Faye nomeio dasala.

— Farei as honras, na ausência deMelanie—disse ela.—Levante amãoquemestiverafavordesalvarConstance.

Todos levantaram a mão, menosCassie. Laurel a olhou, surpresa pelavotaçãonãotersidounânime.

—Euquero isso—explicouCassie.— É claro que quero. Só estou... commedo.

—Não podemos fazer o feitiço sem

um Círculo completo — argumentouDiana.—Étudoounada.

A voz de Laurel assumiu um tomsuplicante.

— É da família de Melanie queestamosfalando.Suaúnicafamília.

MasDianafoifirme.— Não podemos obrigar Cassie a

realizar um feitiço desta magnitudecontrasuavontade.

Cassie sentiu a atenção da sala sevoltarparaela.

— Eu farei — declarou antes dequalquer outro dizer alguma coisa. —

Ninguémestámeobrigando.Constanceeradafamíliadetodosnós,equerofazerofeitiço.

Faye bateu palmas e de imediatocomeçouadarordens.

— Precisamos trabalhar rápido —disse ela. — E precisamos das Chaves.Voupegaraliga.

ElaapontouparaCassieeDiana.—Vocêsduas, tiremobracelete e o

diademadeondeosesconderam;Diana,nãoseesqueçadoseuLivrodasSombras.Quantoaosdemais,vãobuscarMelanie.—Elaseinterrompeu.—Eocorpo.

— O corpo? — perguntou Sean,espantado.—Querdizerqueprecisamostrazê-loparacá?

Fayelhedeuumempurrão.— Em que outro lugar você sugere

queagenteoressuscite?Agoravá!CassiefoiatéDiana,sentadaàmesa,

enquanto os outros entravamrapidamenteemação.

—Odiademaestáescondidonomeuquarto—revelouDianasolenemente.—Vamosjuntas?

Cassieassentiu.—Afinal,parecequeFayeconseguiu

oquequeria.ElaqueriausarasChaves,eaquiestamosnós.

Dianapegouabolsa.— Você ainda pode voltar atrás se

nãoestiveràvontade.—Evocêestá?—perguntouCassie.— Quero Constance viva — disse

Diana. — E depois que fizermos ofeitiço, vamos colocar cada relíquia devoltaemseuesconderijo.

— Mas você disse que pode haverrepercussões.

Dianaficouimóvelporummomento,depoisfaloucomcautela.

— Toda magia tem repercussões,Cassie. O poder sempre trazconsequências.

Então se afastou, como se adeclaração não fosse nada, e procurou achavenabolsa.

—VamospegarasChaves.Eudirijo.

A

8

cozinha parecia escura e silenciosaquandoCassie entrou.Amãe não

estavaemcasa, eela ficou felizpor isso.Nãoqueriaterdeexplicarporquetiravatijolos da lareira. Na mesma quadra,Diana recolhia o diadema e quaisqueroutros materiais necessários paracompletar o feitiço de ressuscitação.Poucomaisalém,naCrowhavenRoad,o

resto do grupo de algum jeito iaconvencer Melanie a permitir quelevassem o corpo da tia-avó ao farol.Antesdaqueleano,Cassiejamaisviraumcadáver de verdade, e agora colocaria asmãos sobre um e tentaria trazê-lo devoltaàvida.

A lareira não era um esconderijomuito criativo para o bracelete, Cassiesabia, mas funcionou muito bem portantosanos,entãoporquepensaremumlugar diferente? No fundo da boca depedra, ela encontroua caixaprateadadedocumentos, exatamente onde a tinha

deixado. Quando removeu a antigatampa, o bracelete brilhou ali dentro,como se comemorasse a luzsurpreendenteesúbita.

Cassie se permitiu admirar a belezadoobjetosóporumsegundo.Correuosdedos pelo desenho complexo dasuperfície de prata requintada e sentiu opeso nas mãos. Mas então Diana achamoudoladodefora.

—Jávou!—gritouCassie,correndoaté o segundo andar para rapidamentevestirotrajebrancocerimonial.

Depois de vestida e preparada,

encontrouDiana esperando na varanda,balançando-se com um grande saco detecido ao lado. Também tinha trocadopara o traje cerimonial, mas havia umacomposturanaaparênciadeDianaaqueCassiesópodiaaspirar.Mesmocomtodoaquele estresse, Diana permaneciacontrolada.

Cassie procurou por sua mão, naesperançadequeparteda forçapassassede Diana para ela. E, de algum modo,aquilo funcionou. Alguns momentostocandoDianaaacalmaram.

—Estamosfazendooqueécerto—

assegurou Diana. — Precisamos deConstance.

Cassie se lembrou do refúgio queConstancefoidesdeaperdadaavó.Edetodasastardesqueelapassouemsuasalade visitas, aprendendo novos feitiços eestudando antigos rituais.Constance eraaúnicaligaçãoqueoCírculotinhacomatradiçãoantiga.

— Sei que estamos — disse Cassie,no tommais corajoso que conseguiu.—Estouprontaparair.

***

— Muito bem, todos vocês, vamoscomeçar. — Diana esvaziou o saco detecidonamesaquandoelaschegaramaofarol e de imediato começou a lerinstruçõesdoseuLivrodasSombras.

Não surpreendeu aCassie que todosautomaticamente se voltassem paraDiana em momentos como aquele —momentos importantes de verdade. Elasemprefoialídermaisnaturalentreeles,independentementedequalquercoisa.

— O corpo deve ser coberto emtecido branco de duas camadas — leuDiana,emvozalta,paraAdam.—Com

acabeçaeafacenumvéudetule.—Elagesticulouparaumapilhadetecidofinoebranconamesa.

Adamassentiu.—Voucuidardisso—disseele.Nick,ChriseDougempurraramtoda

amobíliaparaaslateraisdasala.Melanieestava ajoelhada no meio, ao lado docorpo coberto.Cassie ajudouDeborah acobrirasjanelascompanopúrpura.

Diana se aproximou de Faye,carregandodoisincensóriosdourados.

—Precisamosdefumaracâmaracomincensodesálviaeolíbano—avisouela.

Fayevestiraseutrajepretocerimoniale já estava com a liga de couro verde esete fivelas prateadas. Pegou osincensórios de Diana, depois chamouSeanparacuidardatarefa.

— Onde está o diadema? —perguntouela.

DianaacenouacabeçaparaMelanie,sentada solenemente com o diadema nacabeça.

—Ela é quem deve usar as Chavesesta noite—disseDiana.—Ela fará aconjuração.Nósseremosseuapoio.

Nem Faye podia discordar que

Melaniefossealídernaquelefeitiço,masainda assim soltou a liga da perna comfúria antes de se aproximar da menina.Cassieaseguiubemdeperto,retirandoobraceletenocaminho.

Emalgunsminutos,asalahaviasidoadequadamente preparada e Dianaconvocouoiníciodoritual.

— Faye e Cassie, vocês farão ashonras de traçar o círculo, segundominhas instruções?Me desculpem se euforlenta...Émuitodifícillerestetexto...Mas farei o melhor que puder. Todosestãoprontos?

Cassie examinou a sala maliluminada. Não era a única queaparentava nervosismo, mas agoraninguém estava disposto a recuar.Melanie parecia presa em um torpormeiocego,masestavamaisbonitacomasChavesMestradoqueCassiejáavira.

Dianapigarreoue começoua ler emvozalta.

— Um círculo mágico deve serformado no chão com uma tinta defuligemevinhodoPorto.Outroentãoéformado dentro do primeiro, a 15centímetrosdesuaborda.

Juntas, Cassie e Faye criaram oscírculos em volta de Melanie eConstance, usando o cálice de tinturapreparadoporDiana.

—E,no interiordeste—continuouDiana —, tracem um triângulo cujocentro servirá de lugar de descanso dofalecidoeprincipalconjurador.

Cassie e Faye formaram o triângulodentrodoscírculos,contornandoMelanieeConstance.

— Todos devem entrar — disseDiana. — Depois fecharei o círculoexterno com as quatro camadas de

proteção.Rapidamente o grupo se organizou,

ajoelhando-se no perímetro do círculoexterno, enquanto Diana apelava aoselementos.

— Poderes do Ar, protegei-nos —exclamou Diana. — Poderes do Fogo,protegei-nos.

Cassiefechouosolhoseouviu.—PoderesdaÁgua,protegei-nos.—

Dianadeclaravacadasílabacomprecisão.— E, finalmente, apelo aos poderes daTerraporvossaproteção.

Diana então se juntou ao círculo ao

ladodeCassieecontinuoualer.—Paradarinício,oconjuradordeve

acender uma vela negra e em seguidacorrê-la pelo corpo sete vezes,pronunciando o nome do espírito a serinvocado.

Todos os olhos agora se voltaramparaMelanie. Cassie se perguntou se aamiga teria forças para isso. Mas asChavescintilarameaposturadeMelanieseendireitouenquantoelaacendiaavelae passava sobre o lençol branco,invocando: “Tia-avó Constance,ConstanceBurke,ouça-nos.”

Dianacontinuou:—Emseguida,deumcálicedeouro

com flores secas de amaranto, borrife ocorpoesuaáreacircundante.

Enquanto Melanie obedecia, Dianafalava:

—Melanie,repitacomigo:Tuqueéspranteado, vê agora a natureza destepranto.

Elarepetiu:—Tu que és pranteado, vê agora a

naturezadestepranto.Cassiesentiuosolhosseencheremde

lágrimasenquantoDianaentoava:

EntoamosesteúnicofeitiçoDecarneacarne,ossoaossoNervoanervoeveiaaveiaConstanceserámaisumavezinteira

Todos se concentraram muito,utilizando seus poderes como um só.Cassie sentia a energia se elevando dotriângulo central, fluindo para cadaintegrantedogrupo, ligandoa todosemumlabirintodeluz.

Dianaleuemvozalta:— Depois de um momento de

silêncio e concentração, revele a face do

falecido. Em seguida, chame o espíritonovamente, com afeto. Diga “bem-vindo”.

Com as mãos trêmulas, Melaniesuavemente desvelou o rosto deConstance.

—Tia-avóConstance—disseela.—Bem-vinda.

—O corpo se agitará— leuDiana.— Os olhos se abrirão, e então odespertardesejadoacontecerá.

Asala crepitavadeenergia.Cassie asentia sibilar e se torcer à sua volta emespirais,masnãotinhamaismedo.Oar

emtornodelesseaqueceu,eCassieviuavida palpitar devagar na face deConstance,comoosolnascente.

Uma forma começou a se criar.Cassie a percebeu fraca no início, umbrilhonatestadeConstance,masdepoisficou maior e mais luminosa até que sedestacoucomoumhematomairidescente.Era certamenteum símbolo, umamarcade aparência primitiva parecendo duasletrasU unidasdentrodeumhexágono.Entãotudoficouescuro.Aluzquesurgiudo rosto de Constance, o símbolo, asvelas que iluminavam a sala — tudo

desapareceu, como se ummanto pesadotivessecaídodoteto,sufocandoasalaatéamorte.

Diana acendeu a lanterna e apontouparaorostopesarosodeMelanie.Atia-avó Constance ainda estava morta. Eagoraelatevedeexperimentarsuamortemaisumavez.

— O feitiço não funcionou —declarouLaurel.

— Mas estava funcionando. — Osolhos de Diana investigaramfreneticamente o grupo.—Vocês todosnãosentiram?

—Sim,claro—respondeuAdam.—Nãoentendooquedeuerrado.

Faye ficou em silêncio, mas pareciatãoconfusaquantoosoutros.

Adamvoltouafalar.— Existe mais alguma coisa no

feitiço,Diana?Dizmaisalgumacoisaemseulivro?

Dianaestreitouosolhosparaopédapágina que estava lendo, depois virouparaapáginaseguinteeentãoàanterior.

— É praticamente ilegível — disseela.—Masháumafraseescritaaquinorodapé.—Ela segurou a lanterna perto

daspalavrasmicroscópicas.— Diz: “Nenhum efeito terá, se tal

bruxo foi verdadeiramente...” Depois seinterrompe.Oquevememseguidaficouborrado.

—Borrado?—FayetirouolivrodasmãosdeDianaparaverporsimesma.—Comoumacoisatãoimportantepodetersidoborrada?

—É um livro de 300 anos— disseAdam em defesa de Diana. — Não éassimtãodifícildeacreditar.

Cassiepensousefoiaúnicaqueviuosímbolo aparecerna testadeConstance.

Ouseráqueoimaginou?ComosecosdochorodeMelanie,elasabiaquenãoeraahora certa de perguntar. Constanceestavaperdidaparasempre.

***

Era tardequandoCassie voltouparacasa,masamãeestavaacordada,deitadanosofá,decamisola.Endireitou-seassimqueafilhaentrou.

— Está tudo bem com você? —perguntouela.

— Sim — garantiu-lhe Cassie,fechandoetrancandoaporta.

—ComoestáMelanie?—Jáestevemelhor.—Cassiepuxou

o casaco para bem junto do corpo, semquererqueamãevisseotrajebranco.

—EConstance?Cassie hesitou. Percebeu que a mãe

olhava o bracelete mestre em seu braçoesquerdo.

—Então, você sabe—disseCassie.—Dofeitiçoderessuscitação.

A mãe assentiu e gesticulou para afilhasejuntaraelanosofá.

— Eu imaginei — disse ela. —Funcionou?

No início Cassie simplesmentebalançou a cabeça e tirouo casaco.Masqueriapodercontartudoàmãe,atésobreo símboloque viu iluminando a testadeConstance. E pela primeira vez elacontou,semescondernada.

A mãe a surpreendeu, ouvindo defato, prestando atenção. Não mudou deassuntonemficoutranstornadademedoa ponto de Cassie ter que se preocuparmaiscomeladoqueconsigomesma.

Atéelamencionarosímboloqueviusurgirnatestadatia-avó.

—Osímbolo—descreveuCassie—

parecia primitivo. Como dois Us juntosdentrodeumhexágono.—Cassienotouo olhar alarmado que apareceurapidamenteno rostodamãe.—Oquefoi?

Amãemeneouacabeça.—NãosãodoisUs—corrigiuela.—

Éumaletra.UmB.Cassienãoentendeu.—B,debruxa—explicouamãe.Cassieficousemar.Amãefechouos

olhos por um instante, e, quando osreabriu, elespareciamescuros comodoispedaçosdecarvão.

—Seioquedeuerradocomofeitiço— disse ela. — Existe uma forma dematarumabruxademaneirairreversível.Massóexisteumtipodepessoaquepodefazerisso.

— Quem? — perguntou Cassie. —Quetipodepessoa?

— Um caçador de bruxas —respondeuamãe.

O

9

s caçadores são tão antigos quantoos bruxos. Assim como Cassie

descendia de uma longa linhagem deancestrais poderosos, os caçadores debruxas também tinham a próprialinhagem. Foi o que disse a mãe deCassie enquanto elas andavam pelaCrowhavenRoad,acaminhodacasadeMelanie.

Caminhavam lado a lado, a mãelevandoumacaçarolaeCassiesegurandoalgumas ervas calmantes do jardim.Cassie sentia o vento salgado do marsoprarseucabeloeoviatomarcontadasárvores. As aves que ali faziam ninhocomeçaram a cantar, e uma estranhacalmadominouCassie.

—OsímboloquevocêviunatestadeConstanceeraumaantigamarca,quesóum verdadeiro caçador pode fazer —explicou a mãe. — Algo deve tê-lostrazidoaNewSalem.

Cassie notou os brotos mínimos de

açafrãocomeçandoasurgirdosolo,juntoda calçada. A primavera ainda avança,pensouela,mesmo enquanto somos caçadosemortos.

—QueriaqueoqueostrouxeaNewSalemfosseembora—disseela.

A casa deMelanie estava tão lotadaquando elas chegaram que as duas malconseguiram passar pela porta. Pareciaque todos os que viram o colapso deConstance no festival da primaverahaviamaparecidoparaprestar respeito àidosa. O primeiro rosto conhecido queCassieviupertenciaaSallyWaltman.O

que ela estava fazendo aqui? Será queveio comPortia?E os irmãos dePortia,Jordan e Logan, também estavampresentes?

Umas mil hipóteses das pioresdispararam pela mente de Cassie. Seráque eles esperavam transformar odespertar de Constance em umacelebração? Jordan e Logan eraminimigosdoCírculohaviamuitotempo,eCassie pensava que eles seriam bemcapazes de se gabar publicamente damortedeumabruxa.Mas,quandoSallyolhounosolhosdeCassieeseaproximou

dela com as mãos estendidas, elareconheceu que Sally viera sozinha,apenascomboasintenções.

— Lamento muito por sua perda epela perda deMelanie.— Sally pareciameio nervosa por estar ali. Mexia novestido e brincava com o cabelo cor deferrugem.

— Obrigada — agradeceu Cassie,hesitante.

Sally continuou, respondendo quasediretamenteàhesitaçãodeCassie.

—Sei quemeu lugar não é aqui—declarou ela— e que seus amigos nem

gostam demim,masConstance sempremetratavacomsimpatiaquandoeuavianacidade,eeraumaboasenhora,entãoachoqueeusóqueriapassarparaprestarmeussentimentos.

Sally tomou fôlego, e Cassiegentilmentedeutapinhasemsuascostas.Eraverdade,oCírculonãogostavamuitode Sally, e ela e Cassie provavelmentejamais seriam amigas, mas, desde ooutono passado, quando superaram suasdiferenças e trabalharam juntas parasuportarofuracãodeBlackJohn,asduaschegaramaumentendimento.Sallyerao

maispróximoqueogrupotinhadeumaaliadaforasteira,enãopodiamdeixardelevarissoemconsideração.

— Foi bom você ter vindo — disseCassie.—Ésério.Éumbelogesto,eseiqueMelanieoapreciará.

IstodeixouSallyàvontade.Seucorpopequenoemagrorelaxou.

— E por falar em Melanie —começou amãedeCassie.—Achoquedevemosencontrá-la.

—Claro—respondeuSally,eCassieeamãeabriramcaminhoàscotoveladaspela multidão com a maior educação

possívelatélocalizaremMelanie.Ogrupoacercavacomoumexército

deagentessecretosvestidosdepreto.Namaioria dos dias, Cassie se esquecia decomooCírculopodiaintimidarosoutros;eles pareciam superiores se comparadosaosjovenscomunsdamesmaidade.Nãoera apenas a genética que os destacava;tambémerasuaatitude.Mas,perguntou-seCassie,seráque elesnunca se cansamdoesforço de aparentar ser tão infinitamentefortes para o mundo? Às vezes avulnerabilidade era adequada, e esta eraumadessasocasiões.

Cassie olhou nos olhos de Adam esonhou com um momento em que elespudessemfugirjuntos,paralongedetudoaquilo. Ele ainda nem mesmo sabia oquão ruim aquilo era. Ninguém doCírculo sabia. Como reagiriam quandoela contasse tudo o que soube pelamãesobreoscaçadoresdebruxas?

Cassie se aproximou de Adamprimeiro, só para respirar seu cheiro esentir seus braços fortes em volta docorpo. Depois deu as condolências e aservascalmantesàMelanie.

Diana deu um tapinha no ombro de

Cassie e a puxou para um abraçoapertado. Abraçar Diana era comoabraçar a luz do dia, igualmenteconstante.Ameninaaltaeimperiosaerasempreconfiável.

—Comovocêestá?—cochichouelanoouvidodeCassie.

Porém, antes que Cassie tivesse aoportunidade de responder, Diana sedistraiu.Suaatençãosevoltouparaoutrapessoaqueacabaradeentrar.

—Scarlettestáaqui—disseela.Foiumasurpresavê-lapassandopela

multidão,vestidadeformaconservadora,

todadepreto,comocabelorebeldepresonumrabodecavalo.

A menina costurava seu caminhopelas pessoas, e todos, Cassie notou,davam um passo para o lado a fim dedeixá-lapassar.Estranho,pensouela,masentão lhe ocorreu o motivo: todos essesestranhos deviam pensar que Scarlettpertencia ao grupo.Ela assumia o ar dequemestavaemseulugardedireitocomMelanieeorestodoCírculo,easpessoasacreditavam.

Mas, quando finalmente Scarlettalcançou Cassie e os outros, parte desta

confiançadesmoronou.— Sei que não conheço realmente

nenhumde vocês—disse ela, baixandoos olhos. — Mas queria dar meuspêsames.

Diana fitou Scarlett de cima a baixocom seus olhos verdes e afiados, depoisdissenumtomumtantoartificial:

—Foigentilezasuatervindo.— Sim, obrigada — concordou

Melanie.Como Sally, Scarlett não precisava

estarali,masfezesforçoparamostrarseuapoio a Melanie e ao grupo. Talvez,

pensou Cassie, se esta crise resultar emalgumbem,seráoiníciodemelhoresrelaçõescomosforasteiros.

Adam avançou para conversar comScarlett, dando a Cassie a oportunidadede abordar Diana e levá-la a um cantomaistranquilo.

— Reúna os outros — disse Cassieem voz baixa.—Melanie também. Seiporqueofeitiçoderessuscitaçãonãodeucerto.

Diana arregalou os olhos. Deu umpassoparatrásparaavaliaraexpressãodeCassie, e imediatamente começou a

juntarogrupo.

***

A garagem de Constance era cheia delixo equinquilhariasquepodiamounãoter sido relíquias mágicas autênticas.Duas espadas de pedra estavam emganchosnaparede,caixasdebronzeparajoias e livros de herança de famíliaempoeirados formavam pilhas altas nasprateleiras arriadas, e aves empalhadas emulticoloridas se encontravamprecariamente penduradas em aramespresos ao teto. Uma mesa com pés em

garraestavanomeiodoespaço,nafrentedeumsofáverdedeformado.

Melaniesesentounosofá,mastodosos outros permaneceram de pé entrepilhas de caixas de papelão. EsperavamemsilêncioqueCassiecomeçasse.

Curvada para a frente, Melanie aobservava,ansiosaparaouvir.Seusolhos,emgeralatentos,tinhamolheiras,etodaavidafugiradesuasfeições.Derepente,Cassie tevemedo de que a notícia fosseum fardo pesado demais para Melanienaquelemomento.

Cassiesedemorouumpoucoetentou

suavizarogolpe,explicando,aospoucos,aconversaque tevecomamãenanoiteanterior. Ela media as palavras,cuidadosamentemontandoadescriçãodosímbolo que viu na testa de Constanceantes de tudo ficar escuro durante ofeitiçoderessuscitação.

—Alguémviuisso?—perguntouela.Todosbalançaramacabeça.— Como você sabe que não foi só

umaalucinação?—perguntouFayecomcerta maldade. — Ou sua imaginaçãohiperativa?

—PorqueCassietemavisão—disse

Diana. — Conte, Cassie, como eraexatamenteosímbolo?

—Bem—Cassieolhourapidamentepara Melanie antes de falar —, penseiqueeraumhexágonocomdoisUsunidospordentro.Masminhamãemecorrigiu.

—EraumB—disseMelanie,quaseconsigomesma.—Atia-avóConstancefoimortaporumcaçadordebruxas.

Asalaestremeceu.— Isto é ruim — disse Melanie,

meneando a cabeça. — Já li sobre estesímbolo.

Adamsesentouaoladodela,nosofá.

—Acha que quer dizer que alguémnacidadeestáatrásdenós?

Melanieassentiu,entorpecidademaisparachorar.

— E não são amadores, como afamília Bainbridge. Essa gente é pravaler.Sãodescendentesdeumantigoclãdecaçadores.

O queixo deAdam enrijeceu, e seusolhos se aguçaram num azul-marinhointenso.

—Ocaçadorpodeserqualquerum.—Ouoscaçadores—rebateuDiana.

—Podehavermaisdeum.

Laurel se sentou no sofá do outroladodeMelanieesegurousuamão.

—Precisamostercuidado.— Verdade — disse Adam,

levantando-se para andar pela garagem,quase batendo a cabeça em várias avespenduradas, pisando forte de um lado aoutro.—E temosde ficar unidos.Maisdoquenunca.Entenderam?—Eleparoue olhou cada um dos integrantes dogrupo.

DepoisseuolharcaiuemFaye.Para surpresa deCassie, desta vez a

outra não tinha nenhuma observação

cretina. Simplesmente concordou com acabeça.Mas a reação atípica preocupavaCassiemaisdoqueseFayedemonstrassesuapersonalidade irritantee inadequada.SeFaye sentiamedo, eles tinham sériosproblemas.

Dianaolhouparaaporta.Aspessoasdentrodacasaficavammaisbarulhentas,e uma voz abafada perguntava porMelanie.

—Tenho que voltar para dentro—disseMelanie.

Dianaassentiu.— Émelhor.Melanie, me desculpe

por ir embora, mas vou correndo paracasa.Seiqueviumfeitiçodeproteçãoemalgum lugar doLivrodasSombras.Vouprocurareveroquepossofazer.

—Éumaboaideia—disseMelanie,agora se levantando, mas aindasegurandoamãodeLaurel.

Hesitantes, eles começarama sairdagaragem, mas Nick ficou para trás eCassie aproveitou a oportunidade paraconversarcomeleasós.Tocouseubraçoe começou a falar antes que ele pudessedizeralgumacoisa.

— Sei que você esteve evitando o

grupoporminhacausa—disseela.—Equeroqueparedefazerisso.

Nickvirouacara,maselaoobrigouaolhá-la.

— Preste atenção. Agora temos deficarpróximos.Corremossérioperigo.

Eleestreitouseusolhoscordemognoparaela comoseCassie fosseumobjetoestranho.

—Não quero ver você semachucar—disseCassiedesesperadamente.—Porfavor.

— Bem, obrigado por suapreocupação. — Ele disse isso

incisivamente, como se pretendessemachucá-la,masNick sempre respondiacom sarcasmo quando sentia algumacoisa.Significavaqueelaohaviaafetado,pelo menos um pouquinho. Porenquanto,elaaceitariaoqueconseguisse.

C

10

assie acordou com o sol entrandopelas janelas. Seu quarto reluzia,

mas estava frio, o gelado e ventoso armatinal de março sacudindo as janelas.Ela daria tudo para ficar embaixo dascobertas e passar o dia escondida, massabia quenão tinha essa opção.Emvezdisso levantou-se, enrolou-se no felpudoroupão azul e saiu para pegar o jornal.

Supôs que haveria uma nota sobreConstancenoobituário.

Não havia jornal na varanda, masCassie encontrou Adam, enroscado najaqueta, dormindo no balanço. Ela oobservou por um momento. Pareciatranquilo,masnãopodiaestaràvontade.Aspernaseosbraçoscompridosestavamencolhidos sobre o banco, metadependurada para fora. Provavelmentepassouanoitetodaali.

Essegarotomeamadeverdade,pensouCassie, olhando o corpo belamenteesculpido,emboraestivesseemboladonos

confinsdobalanço.Ele provavelmentemeamademais.

Elaestendeuobraçoeroçouapontadosdedospelamaçãdoseurosto.

Ele sorriu levemente para ela,espreguiçando-se.

—Oquevocêestáfazendoaquifora?—perguntouela.

Adam deu uma rápida olhada emvoltaeesfregouanucadolorida.

—Protegendovocê.— De caçadores de bruxas? —

perguntou Cassie. — Mas quem teprotegia enquanto você passava a noite

todaaquiforameprotegendo?— Eu estava — respondeu Adam,

depoisriu.—Masachoquecochilei.Cassie botou o rosto dele entre as

mãos.—Oquevoufazercomvocê?—Ela

deu um beijo lento e caloroso em seuslábios rachados.—Me prometa que dapróximavezpelomenosvocêvaientraredormirnosofá.

Adam retribuiu seu beijoapaixonadamente. Envolveu-a com osbraços fortes e a puxouparamais perto.Elasentiucheirodemaremsuasroupas

enasdobrasdoseupescoço.Elaobeijouali,esperandosentirgostodesal,masemvezdissoosentiufrescoefriocomogelo.

— Eu prometo — disse ele,estremecendo.

—Agora vai entrar e deixar que euesquentevocê?—perguntou,sedutora.

Elepiscouoscíliosescuroselongos,easeguiuansiosamentepelaporta.

***

—OndeestáFaye?—perguntouDiana,masninguémpareciasaber.

Dianahaviaencontradoumfeitiçode

proteção noLivro das Sombras e querialançá-lo sobre o grupo o mais rápidopossível. Mas havia mais de uma horaqueelesestavamesperandonapraia.

—Fayetemchegadoatrasadaatodareuniãoestasemana—reclamouDiana.— Isso é inaceitável. Suzan, pode ligarparaeladenovo?

— Ela não está atendendo — disseSuzan. — Ultimamente tem sido umacompletairresponsável.

Seanconcordou:—Combinamosumascoisascomela

ontemànoite,eelanosdeuumbolo.

SeestivessemfalandodeoutrapessoaenãodeFaye,Cassieficariapreocupada.Mas ela sabia que uma horaFaye apareceria. Nesse meio tempo,Cassieficavafelizporestarnapraiaenãono farol. Sentia-se segura ali, na longafaixa de areia, a repetição constante dasondas se quebrando e o céu vasto eilimitado. Queria desfrutar de cadasegundo que tinham antes de atemporada turística ocupar a areia comestranhos. Ela agora imaginava a cenacomoumpesadelo:cadeirasdobráveisatéondeavistaalcançava,pirralhostomando

banhode sol e surfistasmetidos a besta;latas de refrigerante viradas e criançasgritando, com os dedos laranja,mastigando Doritos. Ela preferia muitomaisumapraiafriaeabandonadaaoutraquenteelotada.

DepoispensouemScarlett,emcomoserialegalconvidá-laparaviràpraiaumanoite daquela semana. Talvez elaspudessem montar uma fogueira e fazermarshmallow com chocolate. Seria umjeito divertido de compensar toda essahistóriaestressantedoCírculo.

Então Faye apareceu, despertando

Cassiedeseusdevaneios.—Estouatrasada?—Quissaberela.

—Desculpe.— Onde você estava? — perguntou

Diana.— Pode acreditar, você não vai

conseguirlidarcomisso.Dianaignorouocomentário.— Precisamos começar o feitiço de

proteçãoantesdopôrdosol.Cassietentouassumiropapeldelíder

enquanto o grupo se organizava em umcírculo amplo. Diana se ajoelhou diantedo caldeirão de pedra, misturando um

preparadoescuroegorduroso.—Estecaldeirãotemáguadomare

óleodemirtilocomeucalipto—disseela.Depois olhou para Faye e Cassie. —Vocês duas, juntas, podem traçar com aadagaumcírculoemvoltademim?

Faye tirou da bainha a adagaprateada, escondida por baixo da saiapreta rodada e presa à parte interna dacoxa. Seus olhos se estreitaram, comosempre acontecia quando segurava umobjetoafiado.

— Me dê sua mão — disse ela àCassie. Faye guiou os dedos finos de

Cassie pelo punho pérola da adaga e osenvolveu com a própria mão. Juntas,comoumasó,traçaramocírculonaareia.

Cada integrante do grupo deu umpasso à frente enquanto Melaniecolocava duas velas de cada lado docaldeirãoqueDianamexia.

— Aqui coloco duas velas —anunciou Melanie de acordo com acerimônia. — Uma azul, para proteçãofísica, e uma roxa, para o poder e asabedoria.

Abaixando-se para acender as velas,ela recitou um feitiço do Livro das

SombrasdeDiana:—DivinaDeusa,DivinoDeus, se o

mal habita este local, que agora deixenosso espaço. — Depois posicionou olivronochãoaoladodeDianaeassumiuseu lugar dentro do círculo, junto deLaurel.

Diana ficou no centro, segurando ocaldeirão.

—Paraqueistodêcerto—disseela—, todos vocês precisam imaginar umaluzbrancaemvoltadenós.Deixemquealuz cerque todo seu corpo enquanto eurecitooencantamento.

Todos concordaram e fecharam osolhos. Diana ergueu o caldeirão para océuefalou:

—PelopoderdaFonte,nenhummalaquientrará.

Então Cassie também fechou osolhos e imaginou uma luz brancaenvolvendo seu corpo como um mantoquente. A voz de Diana baixou umaoitava, e o encantamento saiu da suagargantacomoumtrovão.

CaçadoressobrenaturaisdanoiteCaçadoressobrenaturaisdodia

BastadedestruirmeusfeitosBastadedestruirmeusproveitos

Seguiram-se alguns segundos desilêncio,interrompidosapenaspeloventoforteeoquebrardasondas.Emseguida,CassieouviuoecosemelhanteaodeumsinoquandoDianamexeuoconteúdodocaldeirãodepedra.

Dianacontinuou.

UntocomestapoçãooCírculoProtege-nosdevós,estamagiaaquedouvoz

Cassie abriu os olhos e viu Dianapassar um pouco damistura azul-escuronatestacomopolegar.FezomesmonatestadeFaye,Cassieedetodososoutros.

Quando terminou de ungir o grupo,Diana pediu a Cassie e Faye que sejuntassem a ela no centro. As trêspuseramasmãosnocaldeirãoenasvelas,deolhosfechados.Cassieimaginoualuzbranca cercando não apenas o própriocorpo, mas o grupo todo, como um só.Imaginouquealuzosenvolviacomoumgigantesco balão de hélio, levando-os aflutuar para a segurança do céu sem

nuvens.Dianaencerrouofeitiço.

Pelopoderdestemar,delarguraeprofundidadePelopoderdodia,danoite,datrindadeQuesejafeitaanossavontade!

Pouco a pouco, todos abriram osolhos.

— Funcionou? — perguntou Sean,levandoosdedosàmanchaazulnatesta.

—Quantotempovamosterdeandarpor aí com esse óleo no corpo? —

perguntouSuzan.—Devedaracne.— Podemos lavar no mar daqui a

pouco—disseDiana.—Entãoacabou?—perguntouFaye,

pegando a adagana areia e recolocandona bainha por baixo da saia. — Agorasomos invencíveis? Por que não fizemosissohámaistempo?

— Tem algumas condições —observouDiana.

—Quecondições?—perguntouFaye,zombando do tom sóbrio e calculado deDiana.

Diananão sedeixou incomodarpelo

escárnio de Faye, provavelmente porqueestavamuitoacostumadaaele.

— Ficaremos a salvo de danoscorporais infligidos pelos caçadores —disseela.—Masofeitiçosónosprotegena ilha de New Salem. Se dermos umpassoparafora,ficaremosvulneráveis.

— Então, ninguém sai da ilha —disse Adam. — Em circunstâncianenhuma.

Ele olhou paraNick, que costumavadesaparecer por dias de vez em quando,masesteoignorou.

Diana cavou um buraco fundo na

areia para descartar o que restava dapoção.

— Também não quer dizer que oscaçadores não possam nos encontrar.Então, todos precisam sersupercuidadosos. Temos que fazer opossívelparaquenãonosdetectem.

Ela se ergueu, limpou a areia dasmãoseolhoudiretamenteparaFaye.

— Não podemos praticar magianenhuma. Os caçadores estarãoprocurando por qualquer coisa fora docomumparadescobrirquemnóssomos.

— Como é? — Faye avançou para

Dianacomosefossederrubá-lanochão.— Nossa magia é o único poder quetemos.Como vamos derrotar essa gentesenãopodemosusá-la?

Diana aprumou os ombrosmagros eencarouFayecomigualferocidade.

—Vamosencontrá-losantesqueelesnos encontrem — declarou ela. — Éassimqueosderrotaremos.

—Faye—disseMelanie,colocando-seentreelaeDiana.—Édosassassinosdaminha tia que estamos falando.Vocêvaideixaramagiadelado,porque,senão,vaicolocaremriscotodoogrupo.Enão

podemostolerarisso.A controlada Melanie nunca

ameaçouninguémnavida,masaliestavaela, três centímetros mais alta do queFaye,prontaparaumabriga.

Adam se intrometeu entre as duasantesqueascoisaspiorassem.

— Todo mundo precisa respirarfundoeseacalmar—disseele.—Nãoéhoradebrigarmos.

— Não — argumentou Melanie,empurrando de lado a mão pacificadorade Adam. — O que não podemossuportar é Faye não seguir as regras do

Círculoquandonossavidaestáemrisco.— Por favor, Faye. — Adam

praticamente implorava a ela paracolaborar. — Sem magia. Só atédescobrirmos quem são os caçadores.Tudobem?

— Ok. Meu Deus, vocês são tãochatos. — Faye ia se afastando para omar.

—Nãoacabou—chamouDiana.—Também precisamos ficar atentos aforasteiros que estejam se aproximandodemais. E a qualquer um que seja novonacidade.

Diana lançou um olhar penetrantepara Cassie. Não mencionouespecificamente Scarlett, mas nemprecisava.DepoissevirouparaFaye.

—Então,vocêprecisalargarMax.Suzansorriucommalícia.—Como é que ela vai largar o cara

quando ele nemmesmodeixa que ela opegue?

Pareceuquetodaavontadedebrigartinha sido arrancada de Faye.Evidentemente a incomodava que Maxnãoestivessecaindosobseufeitiço,comoqualqueroutrogarotodaescola.

—Acabou?—perguntouelaaDiana.Dianaassentiu.—Porenquanto.Fayeseviroueandouapassosfirmes

para o mar, a fim de lavar a testa. Suasaiapretaeocabeloflutuavamàscostas,comoumasombraescura.

***

Na manhã seguinte, na escola, FayeparounavagadeestacionamentoaoladodeCassieeAdam.

— Diana já chegou? — perguntou,antesmesmodesairdocarro.

— Ainda não — respondeu Adam.—Qualéoproblema?

Faye perscrutou o estacionamentoansiosa, depois observou Sally e Portiareunindo seus pompons e livros, algunsjogadoresdelacrossebrincandodebolaefinalmente Suzan, sentada no capô doseuCorolla,maquiando-se.

—Nãoposso lidar comessahistóriadenãousarmagia—desabafouFaye.—Tive que esperar a água ferver estamanhã. Dá pra acreditar nisso? Oitominutos.Atéparecequenãotenhonadamelhorparafazercommeutempo.

— Concordo com Faye — disseSuzandetrásdoespelhodemão.—Eume sinto tão comum, tão simplesinha.Issoédesumano.

— Além disso, você está com umamanchanablusa—adicionouFaye.

— Eu sei. — Suzan esfregou ocolarinho. — Como é que as pessoasnormaistiramketchupdaroupa?

Diana jogou seu Volvo na vaga aolado de Faye e abriu a porta depressa.Encontrava-semenoscompostadoqueohabitual.Ocabeloestavasoltoerebelde,eseucasaco,vestidopelametade.Tinha

um copo de café numa dasmãos, e umbagel na outra, que ela meteu na bocaparapegaroslivrosnobancotraseiro.

— Estão vendo? — disse Faye. —AtéDianaestáumazona.Nãopodemosviverassim.

Atéessemomento,Cassienão tinhanotado o quanto os amigos usavam amagianavidacotidiana.

AdamajudouDianacomoslivros.—Nãoestáfácilparanenhumdenós

—disseele.—Masprecisamosaguentarfirmes.Étemporário.

Orestodogrupochegouaospoucos.

Fosse ou não puramente psicológico,Cassie notou que todos estavam meioaflitos sem a magia; a não ser porDeborah, que cortou o estacionamentocom amoto empinada emuma roda só.Carrosepessoas saíramdo seucaminhoaté que ela baixou a moto, parou,cantandopneu,edesligouomotor.

— Cadê o seu capacete? —perguntouDianadepoisqueDeborahsejuntouaorestodogrupo.

Elarevirouosolhos.—Nãovouestragarmeucabelocom

umcapacetequandosouinvencível.

—Vocêpode ser invencível—disseDiana. — Mas ainda pode atropelaralguémporacidente.

— Então talvez eles devessem usarcapacete— ironizou Faye, o que atraiuumolharafiadodeDiana.

— Por favor, não abusem do feitiçode proteção — disse Diana. — Não édesculpaparaserirresponsável.

— Você diz isso pra mim? —Deborah tirou uma das luvas de couro,depoisaoutra,eapontouparacima.—Eeles?

Cassie notou que todos no

estacionamento pararam o que faziam ese concentravam em alguma coisa noalto. Assim como Diana, ela seguiu oolhar de todos, encontrando Chris eDougnotelhadodoprédiodaescola.

Alguémgritou:—Oqueessesmalucosestãofazendo

aliemcima?—Achoqueestãoduelando—disse

outravoz.Dianatevededesviarorosto.—Porfavor,medigamqueelesnão

trouxeram espadas de verdade para aescola.

— Tecnicamente, eles não estão naescola—argumentouSean.—Estãoemcimadela.

Chris e Doug trocavam golpes,atacando-se loucamente, abaixando-se elevantando-se. A turma ofegou quandoDougfoiatingidonoombro.Elegritou,caiu no chão e o sangue falso jorrou dotelhado como um irrigador de jardim.Seus colegas de escola berraram, masDoug se levantou de um salto com umbraço escondido dentro da manga evoltoualutar.

—Elesestãosedivertidodemaiscom

isso—comentouAdam.Cassie olhou a multidão,

perguntando-se se alguém notara queChris e Doug eram imunes às lâminasafiadas das espadas. Mas, de tãoacostumadoscomasloucurasdosgêmeos,ninguémquestionavanada.

AtéMax,queaindaeraoassuntodaescola, sedivertia como teatrodosdois.Estava com os amigos do lacrosse e umgrupo de meninas bonitas, que ocircundavamotempotodo.Pelaprimeiravez, asmeninas desviaram a atenção deMaxeolharamparaotelhado.

DougcortouChrisnopeito,rasgandosua camisa em diagonal. Ela se agitavacomoumabandeiraaovento.

— Bem feito para você, irmão —exclamou Chris. — Esta camiseta erasua.

O riso percorreu a multidão comouma onda. Max balançou a cabeça,afastou-se da sua turma e veio seaproximandodeDiana.

—Alguémdevia parar esses dois—disse ele. — Antes que fiquemcompletamente pelados. — Cassieobservou que as admiradoras de Max

visivelmente suspiraram ao vê-lo falarcom Diana. Era evidente que aconsideravam uma concorrente.—Masnão sou eu quem vou parar os dois —continuou Max, curvando-se para maispertodela.—Nãopodefazerumpoucodasuamagia?

Diana ficou petrificada por umsegundo,masficouclaroparaCassiequeMax não estava falando sério.Os olhosdeleestavamfixosnosdeDiana.

— Você deve ter todos os caras daescolanapalmadamão—concluiuele.—Achoque, se existe alguém capaz de

fazê-losdescer,évocê.Diana inspirou profundamente e riu.

Constrangida, tentou ajeitar o cabelo,maselecontinuoulindamenterebelde.

—Quem dera isso fosse verdade—disseela.

— Posso tirá-los do telhado —ofereceu-seFaye,masMaxaignorou.

—Ésóque,semeupaipegarosdoislá em cima, não sei o que vai fazer —avisou Max. — Ele não é muito fã decriançastrazendoarmasparaaescola.

— O que é compreensível —respondeuDiana,assentindo.Mas,antes

quepudessevoltarsuaatençãoaChriseDoug, Nick apareceu no telhado atrásdeles.

— O show acabou — gritou ele,aproximando-se dos dois, como sepudessetorcerseuspescoços.

Chris e Doug se entreolharam elargaramasespadas.Levantaramasmãosem rendição e se afastaram de Nick,chegandocadavezmaispertodabeiradotelhado. Amultidão se calou. Devia serumaquedade6metros.

Nickcaiunotruqueeficouimóvel.—Jáchega—disseele.—Vocês já

sedivertiram.Agoradesçamcomcalma.Chris e Doug olharam para a

multidão,depoissederamasmãos.—Nunca!—gritaramepularamdo

telhado,caindonumagrandecaçambadelixo.

Aspessoastaparamabocaeviraramo rosto.AtéMax estremeceu, voltando-se sutilmente para Diana ao fazer isso.Mas a queda dos gêmeos foisincronizada. E, sem um arranhão, osdoisdesceramefizeramumamesuraparaagarota.

C

11

assie estava na cidade, resolvendoalguns assuntos, quando o aroma

delicioso da Witch’s Brew Coffee Shopencheu seus pulmões. Café, pensou ela.Que ótima ideia. A Witch’s Brew erauma artimanha simples e óbvia paraganhar dinheiro com a história dojulgamentodasbruxasdeSalem.Ànoite,exibia luzes estroboscópicas e teias de

aranha feitas de algodão, sendo o lugarfavorito para turistas que queriam umabebida cara com nome gótico. Osmoradores, especialmente os amigos deCassie, evitavam o lugar por motivosóbvios.Mas, à luzdodia, aBrewquasepodia passar por uma cafeteria comum,com as mesas recém-postas na calçada.Cassiepensouquenãofariamalsesentarali para tomar um café ao sol, e, assim,procurouporumlugarvago.

Foi quando notou o familiar cabeloruivo tingido que ela sabia pertencer aScarlett.Agarotaestavarecurvadasobre

um livro, lendo e roendo distraidamenteum lápis. O primeiro instinto de Cassiefoi se sentar com ela, mas então selembroudanovaregra.Porenquanto,osforasteiroseramproibidos.

Aquilo não era justo.OCírculo nãodevia ter o poder de ditar com quemCassietomavacafé.MasatéFayeestavadisposta a abdicar de parte da liberdadepessoalpelobemdogrupo.ECassie,dequalquermodo,precisava irao farol.Nolugar da magia, Melanie e Laurelrecorriam ao herbalismo para passar otempo.ElaspediramaCassiepara levar

flores de uma planta rara de seu jardim—agencianadePlymouth.Cassietateouosacodepapelquecontinhaasfloresemsua bolsa, como que para se lembrar daimportânciada tarefa.Ela seviravaparasairquandoScarlettaviu.

— Cassie? — A cara de Scarlett seiluminou de imediato.— É tão bom tever— afirmou ela.— Venha se sentarcomigo.

— Não posso — comentou Cassie,olhando ao redor. — Só tenho umminuto.

— Então fique só um minuto. —

Scarlettfechouolivroeodeixoudelado.Scarlett parecia tão solitária sentada

ali.Teriasidocrueldaderejeitar.—Quais são seus planos para hoje?

— perguntou Cassiedespreocupadamente.

Scarlett levantouasmãoseolhoudeumladoparaooutro.

—Isto—disseela.—Nãoégrandecoisa.

Cassieriucomeducação.—Obrigadadenovoporiràcasade

Melanie outro dia.Lamento ter perdidovocêdevista,nãoconseguimedespedir.

Os olhos escuros de Scarlettirradiavamcarinho.

—Nãotemproblema.—Elatomouum longo gole de café gelado e pareciapesar alguma coisa mentalmente outentarentenderalgo.

Cassie se sentia examinada com talprofundidade que Scarlett podia muitobem estar contando cada um de seusporos ou cílios,mas ela permitiumesmoassim.Nãosabiaporquê,masqueriaqueScarlett a conhecesse e que realmente aenxergasse.

Depois de outro instante, Scarlett

falou.—Gostodeverdadedosseusamigos.

E, como não conheço ninguém na ilha,eu tinha esperanças de causar uma boaimpressão.

CassiesabiaqueesteeraomomentoemqueelaconvidariaScarlettparasairsefosse uma garota comum sem vínculoscomoCírculo.Emvezdisso,saiu-secomum meio- -termo que lhe pareceupatético.

— Não faz muito tempo eu era agarotanovanacidade—revelouela.—Sei como pode ser terrível fazer amigos

poraqui.Os lábios vermelhos e cheios de

Scarlettseabriramemumlargosorriso.—Por isso vou te deixar culpada se

vocênãoforminhaamiga.Cassie riu. Gostava da atitude

despretensiosa de Scarlett. Ela eraexatamenteo tipodegarotaprática comquem Cassie teria feito amizade naCalifórnia.

—Por exemplo—disseScarlett—,voulembraravocêquememudeiparacácom uma única mala ridícula paraconvencê-laafazercomprascomigo.

Cassie se lembrou do comentárioirritadodeDianasobreamaladeScarlette ficou constrangida de novo. Olhou orelógio. Tinha mais duas horas parachegar ao farol.Quemal haveria visitaralgumaslojasduranteumahora?

— Para sua sorte, fazer compras éumadasminhas atividadespreferidas—confessouCassie.

—Querdizerquevocêtopa?— E por que não? — Cassie se

levantou.—Oquetenhoparafazerpodeesperar.

Scarlettselevantourapidamente.

— Isto deu mais certo do que euesperava.

***

Fazer compras com Scarlett foi adistraçãoperfeitaparatodososproblemasdeCassie.Uma vez quenão podia falarde nenhuma das questões do Círculo,baniu-as inteiramente da cabeça. Eracomopoderseroutrapessoaporalgumashoras, alguém com preocupaçõesnormais.Preocupaçõesdotipo:Quarentadólares são demais por um uma camiseta,mesmoqueelasejamuitomacia?EScarlett

eraumamestranascompras;sabiaacharomelhorartigoemumaliquidação,comuma perspicácia rápida digna daadmiração de uma bruxa. De algummodo ela convenceu Cassie a comprarbrincosdepenasturquesa.

—Fazemmaisoseuestilodoqueomeu—disseCassie,logoapósacompraporimpulso.

— Podemos compartilhar. — Osorriso de Scarlett era luminoso. — Naverdade,podemoscompartilharamaioriadessas coisas. Esta é a beleza de usar omesmotamanho.

Cassie concordou e sugeriu que elasguardassem as sacolas na mala do seucarro antes de procurar os sapatos deverãoperfeitos.ElaeScarlettconstruíamfacilmente uma amizade, e Cassie seesqueceu de que devia guardar distânciadela.Assim, a visão deDiana saindodeseu Volvo, no outro lado doestacionamento, não pareceu a Cassiemotivo imediato para alarme. O pânicosó apareceu quando seus olhos e os deDianaseencontraram—primeirocomoprazerdeumencontro surpresa, seguidoporumdesgostodolorosoetenso.Cassie

foiflagradadescumprindoumapromessafeitaaoCírculo.

Dianaseaproximoudelasaospoucos.Seu“oi”maispareceuumacríticadoqueumcumprimento.

— Vejo que as duas andaram sedivertindo muito — comentou,gesticulandoparaassacolas.

Scarlett, sentindo a frieza na voz deDiana, sorriu educadamente, mas nãodissenada.

— Encontrei Scarlett por acaso —disseCassie.

DianaolhouCassiecomironia.

— Acho que isso está acontecendomuitohoje.

Cassie mordeu os lábios, mas nãodissenada.

Scarlettseremexeu,constrangida.—Talvezsejamelhoreuirandando.—Não—cortouDiana.—Euéque

vou.—Elapassoupelasduasnadireçãoda entrada do shopping. — Conversocomvocêmaistarde,Cassie.

— Essa garota não gosta nada demim — disse Scarlett, quando Dianaficouforadealcance.

Cassie não sabia como defender o

comportamento da amiga. Scarlett nãopoderiaentender.

—Nãotemnadaavercomvocê—explicou Cassie. — Acredite em mim.Maseusintomuito.

Scarlettdeudeombros.— Vou deixar você compensar

jantandocomigo.Cassie ficou dividida. Sabia que o

certoa fazer era se separardeScarlett eimediatamente se desculpar com Diana,mas ela estava se divertido tanto, eafastar-se de Scarlett agora sómagoariaseussentimentos.

— Que tal um hambúrguer daBuffaloHouse?—perguntouScarlett.—Porminhaconta.

— Na verdade, eu não deveria. —Cassiesentiuosacocomaservasnabolsaeolhouorelógio.Masumcheeseburgerde bacon agora seria o máximo. Umagarotaprecisacomer,nãoé?

—Tudo bem— concordou por fimCassie. — Se você primeiro meacompanharpararesolverumassunto.Ésó um favor rápido para uma amiga.Depoispodemosircomer.

Scarlettficouradiante.

—Perfeito.É claro que oCírculo não aprovaria

Cassie aparecendocomScarlett,mas elafoicuidadosa.EScarlettnãofezperguntanenhuma,mesmoquandoCassie insistiuque ela ficasse no carro enquanto corriaaofarolabandonadocomosacodepapeldebaixo do braço. E como Melanie eLaurelaindanãotinhamchegado,elasóprecisou deixar o saco na mesa e irembora. Levou menos de um minutopara entrar e sair. Então ela e Scarlettestavam livres para ir até a BuffaloHouse.

***

Mais tarde, Adam foi à casa de Cassieparaumanoiteaconchegantedepipocaefilme. A mãe dela estava no segundoandar, dando privacidade a eles na sala,onderelaxaramnosofádeencostomacio.Cassie afundou na almofada com acabeçanoombrodeAdam,sentindoseucheiro. Podia se embriagar do perfumedele. Eles não estavam realmenteassistindoaofilme,oupelomenosCassienãoestava.TinhaosolhosfechadoseseconcentravanascaríciassuavesdeAdam,quedeslizavaosdedosmaciospelaparte

interna do seu braço, começando pelopulso, seguindo para o cotovelo edescendo novamente. Ela podia ficarassim a noite toda; o filme era só umruídodefundo.MasentãoAdambaixouosolhosparaverseelaestavaacordada.

—Vocêestádormindo—disseele.Cassieabriuosolhos.—Nãoestoudormindo,sócurtindo.Adam exibia uma expressão séria, e

Cassie tinha certeza de que logo ele securvaria para beijá-la. Era assim quecostumavam terminar suas sessões defilme. Porém, daquela vez, no lugar de

beijá-la, ele desligou a TV e se sentoumaisereto.

— Tem uma coisa que eu queriaconversarcomvocê—começouele.

Cassie também se endireitou eabraçou os joelhos no peito. NemimaginavaoquesairiadabocadeAdam.Mil possibilidades, uma pior do queoutra,disparavamporsuamente.

— Diana disse que viu você noshopping esta tarde — falou Adam. —ComScarlett.

Cassieenrijeceu.—Ah.

— Ela acha que sua amizade comScarlettestáficandoíntimademais.

— Bem, obrigada por me contar oqueDianapensa—retrucouCassie.

OcomentáriofezAdamelevaravoz,algo que ele nunca fazia na presença deCassie.

— Acho que não preciso dizer quevocê não está colocando só a si mesmaem perigo quando passa muito tempocomumaforasteira.Vocêestácolocandotodosnósemperigo.

—Issoéoquevocêrealmentesente,ouéaopiniãodeDiana?

Adam recuou como seCassie tivessebatidonele.

—Oquequerdizercomisso?— Por que está do lado de Diana

nessa questão? Sempre foi você quempulouemdefesadosforasteiros.

— Cassie, o que está havendo comvocê? Vem cá.—Adam tentou tocá-la,maselaseafastou.

Cassie sabia que sua reação eraexagerada—este eraAdam,o caraquepassou a noite toda na sua varanda sópara protegê-la. EAdam eDiana eramamigosdesde sempre; é claroqueDiana

o procurou para se aconselhar. Mas elaaindanãoqueriaqueeleencostassenela.

—Nãoestoudoladodeninguém—disse Adam. — Estas não sãocircunstânciasnormais.Vocêsabedisso.

MassóoqueCassieconseguiaouvireram as palavras de Diana na boca deAdam, e não pôde deixar de ficar meiomagoada.

— Sinto com todo meu ser queScarlettéinofensiva—disseCassie.

AdampareciaestarprestesatocaremCassiedenovo,maspensoumelhor.

— Eu só quero que você tenha

cuidado—disseele.—Estousempredoseulado.Vocêsabedisso.

Eleseaproximoucuidadosamente.—Desculpeporter faladomaisalto.

Masmeussentimentosemrelaçãoaissosão fortes. Não temos como saber seScarlett não é uma caçadora de bruxas.ElachegouàcidadenanoitedamortedeConstance.

— Você está sendo ridículo —rebateuCassie.

—Não,aridículaévocê.Eteimosa.Cassie respirou fundo e tentou se

acalmar.

—Vamosdeixarissopralá,tábom?MasAdamserecusou.—Sei que você gostade verdadede

Scarlett—disse ele.—E entendo isso.Ela parece legal, divertida, e é bonita.Todosnósgostamosdela,masnãoéumaboahoraparabaixaraguarda.

—Nuncaéquandosetratadeumdenós.

—Estáfalandocomosenãoquisesseser uma de nós, como se fosse umaespéciedemaldição.

— Vamos terminar de ver filme —disseCassie.

—Cassie,olheparamim.— Vou parar de andar com ela, tá

legal? — gritou Cassie. — EncontreiScarlett por acaso,mas pelo vistoDiananãocontouessaparte.

Cassie religou a TV. Olhoufixamente para a frente e se sentou omaislongedeAdamqueosofápermitia.Estavafartadeconversa.

C

12

assie dormiu até tarde no diaseguinte, o que não era comum.

Normalmente costumava levantar cedo,querquisesseounão.Masdeviaprecisardodescanso,porqueacordousesentindorenovada e com a mente mais clara doque na noite passada. A discussão queteve com Adam a deixou confusa eaborrecida,masaqueleeraumnovodia.

E um dia lindo e ensolarado, sem nemumanuvemnocéu.

Depois de vestir os jeans maisconfortáveis e o suéter azul preferido,Cassie decidiu dar uma caminhada.Ainda não estava preparada paraconversar com Adam, nem comninguém, mas, com sorte, enquantoandasse, as palavras começariam a lheocorrer, e ela voltaria para casa sabendoexatamente o que dizer para que tudovoltasse a ficar bem. Cassie precisavaentendermelhorosprópriossentimentos.Não era uma pessoa ciumenta e não

queria ser. Mas também não podiaignoraroquea incomodavaemAdameDiana. Ela devia isso aos dois e a simesma, para ser franca. Sabia que elestinham uma história juntos com a qualelanãopodiacompetir.

Cassie amarrou bem os tênis e saiupela porta dos fundos. Lutou pelolabirinto da horta da avó e atravessou omeiohectarecircundantederelvaverdeeondulante. Pisou em algumas pilhasencharcadasdefolhascaídaseseguiupelatrilha de areia e terra que levava àescarpa.

AliencontrouNickpertodabeiradaágua. Estava sem a jaqueta de couro,jogada no chão ao lado. O vento quevinha da água soprava pela camisetabranca, e era como se ele estivessevoando. O cabelo castanho-escuro eraafastado de seu rosto sério pelas lufadasde ar. Observar Nick quando ele nãoestava comasdefesas erguidasera comoouvir um segredo sem querer. Cassie sesentiu especial por testemunhar aquilo,mastambémumpouquinhoculpada.

Cassie desejara ficar sozinha, masagora só queria ficar comNick.Não no

sentido amoroso, é claro. Ela amavaAdam,masissonãosignificavaqueelaeNicknãopudessemseramigos.Entãoseaproximou dele, preparando-se o tempotodo para uma rejeição.Mas sentia queprecisava pelomenos tentar.Nick podiaser sombrio e rabugento, podia serimprevisívele,namaioriadosdias,atéserchamado de grosseiro—mas havia umcentro sólido por baixo de tudo isso queera puro, como o âmago cristalino deumarochaáspera.Cassievia isso,estavadecidida a romper essa casca dura paraalcançarocernedenovo.Sentiafaltada

amizadedele,emborasoubessequeelaoestava pressionando quando orompimentoaindaeramuitorecente.

— Oi. — Ela o chamou a algunspassosdedistância,semquererassustá-lo.

Ele se virou lentamente, semqualquer surpresa, quase como se aesperasse.

—Oi—respondeu,oquefoiconvitesuficienteparaCassieseaproximar.

— Como você está? — perguntouCassie.

—Tudobem.Evocê?—Bem.

Foi estranho, sem dúvida alguma,mas,enquantoelesinsistiamnaconversa,começaram lentamente a voltar aosvelhos hábitos. Nick a provocava,fingindo ser cruel, e Cassie ignorava,rindo alto demais. Ela desejou isso portanto tempo que não queria estragartudo,mashaviaumacoisaquenãopodiadeixarpassar.

— Posso te fazer uma pergunta?—indagouela,quandohouveumacalmarianaconversadosdois.

Nickassentiu,omaxilartensionado.—Podemeperguntarqualquercoisa,

mas isso não quer dizer que eu váresponder.

Cassiesorriu.—Vocêveioaquinaesperançademe

encontrar?— Nossa, como você é convencida.

—Nickdeuumagargalhada.—Istoéumsim?Nick parou de rir e apenas sorriu.

Andava tão reservado quanto ao seusorriso cheiodedentesqueCassiehaviase esquecido de como era bonito eluminoso.Suaescassez só tornavamaioroseuvalor.

— Talvez a ideia de você apareceraqui tenha passado rapidamente porminhacabeça—disseNick.—Eusentiafaltadissoentrenós.

Enfim. Aquele era o Nick que elaconhecia.

—Eutambém—disseCassie.— Agora eu tenho de te perguntar

umacoisa.—Nickabriurapidamenteseusorriso de bad boy. — Adam ainda tedeixalouca?

—Nick!— Deixa. Sei que ele deixa. Nem

tentenegarisso.

—Semcomentários—disseCassie,rindo. Mas acrescentou: — Acho queaindaestoumeacostumandocoma...

—Sufocação?— A generosidade dele —

repreendeu-oCassie.—Sejabonzinho.De repente Nick parecia mais leve,

maisfeliz.Talvez,parasesentirmelhor,elesóprecisasseatacarAdam.

Cassierepousouoolharnomar.— Prometo que as coisas vão voltar

aonormal—continuouela.—Paravocêeparamim.Paratodosnós.

Mas,nomomentoemqueaspalavras

saíram de sua boca, nuvens escuras seformaram no céu, rápidas demais paraserem naturais. Eram nuvens sinistras,daquelas vistas em filmes quando seaproximavaoapocalipse.Nicksegurouamão de Cassie, e eles deram algunspassos cautelosos para trás, afastando-sedomar.

— O que está acontecendo? —perguntouCassie.—É um tornado? Jáviuumdessesporaqui?

— Não sei o que é isso. — Nickexaminouoentorno,procurandoporumabrigo seguro.—Temosque sairdaqui.

Todas essas árvores. Precisamos correratéasuacasa.

Eles dispararam. Mal tinham dadoalguns passos quando raios furiososfaiscaramemvoltadeles, aparentementenacoladosdois.

—Continuecorrendo—gritouNick.—Eprotejaacabeça.

Caiu uma chuva gelada, batendonelescomoflechascompontadeagulha.Océuficoucompletamenteescuro,anãoser pelos raios que iluminavam o ventofurioso nas árvores. A areia revolta e olixo se elevaram, agitados, do chão.

Cassieseesforçavaparamanterosolhosprotegidosde sedimentos,mas abertos osuficiente para seguir a rota de fuga deNick.

—Nuncavamosconseguir—gritouCassie,semfôlego.—Precisamostentarumfeitiçoparaacabarcomisto.

— Não! — gritou Nick. — Semmagia.Continuecorrendo.

Umclarãodepoisdooutro,osraiosetrovões lembravam Cassie de fogos deartifício.

— São eles, não são? — gritouCassie.—Oscaçadores.

Por um segundo, Nick parou decorrer,eCassietambém,respirandocomdificuldade. O pescoço grosso de Nickpulsava,seupeitosubiaedescia.

— Acho que sim — disse ele. —Podeserumtruqueparanoslevarausarmagia.

Então um raio caiu em um alvoreceptivo — um dos muitos olmos porperto. A árvore estalou e faiscou com ogolpe.

Cassie protegeu os olhos com asmãos,observandooolmotremeresoltarfumaça.

— Parece que eles já sabem quesomosbruxos,nãoacha?

Em seguida, o alvo foi outra árvorebemaoladodaquelaatingida,emseguidaoutra,cadaumamaispróximadeCassieeNick. Por fim, um relâmpago ferozestourounochãobemaoladodospésdeCassie. Ela gritou, e Nick a tirou docaminho, protegendo seu corpo com odele.

Agora,osdoisestavamnochão,comelaporbaixo.OcorpomusculosoelargodeNickpesavasobreodeCassie.

—Vocêestábem?—perguntouele.

Aáguadachuvapingavadeseurostonodela.

— Sim — afirmou Cassie. Debaixodele, ela olhou as árvores atingidassucumbirem às desenfreadas chamaslaranja.Era o incêndiomais furioso queCassie viu na vida, com uma fumaçapreta subindo em ondas feito umfantasma.

Podia ter sido eu, pensou Cassie. SeNicknãoativessetiradodocaminho,elaestariamorta.

Eraumavisãoetanto,aquelesolmosantes grandiosos escurecendo e se

reduzindo a cinzas com tanta facilidade.Sua irregularcascamarromderretiacomo calor, como uma barra de chocolatedeixadanosol.

O que quer que os caçadoresquisessem provar, eles conseguiram.Claramente eram poderosos e estavamdispostosamatar.Nãoerambruxos,masessetipodecontrolesobreoselementos,para Cassie, parecia magia negra. Quecaçador de bruxos usava as mesmastáticasdebruxosmalignos?

— Eles chegaram perto demais —disseCassie.

NicktiroupartedoseupesodocorpotrêmulodeCassie.

— E estão chegando mais perto acadaminuto.

Parecia à Cassie que não haviaescapatória. Ela e Nick podiam selevantar e continuar correndo, mas osraiosetrovõesosseguiriamacadapassoatéfinalmenteosacertarem,atingindo-oscom uma bola de fogo que arderia ederreteria seus ossos como os galhosdelicados de um olmo. Ou eles podiamficardeitadosalinochão,semsemexer,agarradosumaooutro,fechandoosolhos

a tudo. Eles podiam enfrentar aquilotranquilamente, em vez de tentar lutarcontra. Morrer ao lado de Nick eramelhordoqueseratingidaporumraio.

Então foi como se tudo tivesse sidoumsonho;achuvasubitamenteparou,osraios cessaram e o céu clareou, dandolugar ao sol. O dia retornou, lindo emisterioso,àperfeita fotografiaemcoresde antes. Se as árvores ao lado dos doisainda não estivessem ardendo,enevoandooaremvoltadelescomumafumaça preta e triste, Cassie teriaacreditado que imaginou todo aquele

pesadelo.— Acho que passamos no teste —

disseNick,levantando-seeespanandoosjeans. Passou os dedos pelo cabeloensopado, depois estendeu a mão paraajudarCassieasecolocardepé.

—Comoéisso?—perguntouCassie,aceitando a ajuda de Nick. — Nãomorrendo?

—Éumótimocomeço.—NickpôsobraçoforteemvoltadosuéterensopadodeCassie.—Voutelevarparacasa.

Cassie encarou, agradecida, os olhoscor de mogno. Jamais se esqueceria de

como ele a protegeu. Sem hesitar nemporummomento,elesedispôsamorrerporela.

— Só vou para casa se você viercomigo—disseela.

—Bem,deumacoisatenhocerteza,não fico aqui fora — brincou Nick,tentandodeixarasituaçãomaisleve.

—Nick.—Cassie recusou-se a daroutro passo antes que ele a olhasse nosolhosereconhecesseoquehaviaacabadodesepassarentreosdois.

—Quefoi?—Obrigada.

Elebalançouacabeçaevirouorostodenovo.

—Nãoprecisaagradecer.—Sim,preciso.Nick começou a rir de um jeito

estranhoenervoso.Otipoderisoquesaiquando você está tentando não chorar.DepoispuxouCassieparapertoelhedeuum beijo carinhoso na testa, como fariaumirmãomaisvelho.

—Tudobem—disseele.

C

13

assie eNick ouviramos caminhõesdosbombeirosaolonge,acaminho

da casa.Estão indo apagar as árvores emchamas, imaginouCassie.Elesapertaramo passo para se livrar da suspeita deincêndio criminoso. Não havia comosaber que deturpação os caçadorescriariamparadestruí-los.

Depois que estavam seguros e

trancadosnacasadeCassie,Nickentrouemação.

— Precisamos contar aos outros —disseele.—Todoselesprecisamvirparacáagora.

Suas roupas estavam encharcadas dachuva,eocabelopingavaemseurosto.

—Espere—soltouCassie,saindodacozinhaparaasaladeestar.—Hátempopara isso.—Ela pegou duas toalhas debanho grandes no armário e jogou umaparaNick.—Vocêprecisasesecar.

Eleriu.—Achoqueestamosmeiomolhados.

—Emummovimentorápido,eletirouacamisetaeatorceunapiadacozinha.

Cassie ficou de queixo caído com otroncomusculosodeNickerapidamentevirouorosto.

— Vou trocar de roupa — avisou,correndoparaoquarto.—Voltologo.

Quando ela retornou, Nick pareciaquase seco, e sua camisa felizmenteestava de volta.Mas os sapatos tambémretornaram aos pés, e Cassie sabia queNickestavaprestesaescapar.

— Sabe de uma coisa?— disse ele,dirigindo-se à porta. — Vou para casa

tomarumbanhoquente.Depoiscontareiaosoutrosoqueaconteceu.

Por mais que quisesse manter Nickali,Cassiesabiaqueprecisavadeixá-loir.

—Umbanhoquentemeparecebom—concordouela.

Nickparou,segurandoamaçaneta.— Imagino que a parte de contar

paraAdamfiqueporsuaconta.Cassieassentiu.Mas,depoisqueNick

saiu, sóoqueelapôde fazer foi se jogarnosofá.

Elaperdeuanoçãodequantotempoficousentadaali,masfoiosuficientepara

que a mãe, ao chegar em casa, aassustasse,comosetivessedespertadodeumsonho.

—Estáumdialindoláfora—disseamãe.—Vocêdeveriaestarpertodaágua.

—Não,nãodeveria.A mãe tinha acabado de ir ao

mercado dos fazendeiros. Carregavasacos abarrotados de frutas e legumesparaabancadadacozinha,semperceberoestadodeespíritodeCassie.

—Estácomfome?—perguntouela.—Vouprepararoalmoço.

—Mãe—disseCassie,eseujeitode

falar finalmente chamou a atenção damãe.

—Quefoi?—ElasejuntouaCassienosofá.—Oquehouve?

—Sóumsusto.Mastenhocertezadequeforamoscaçadores.

Amãeempalideceu.— Então eles não vão parar em

Constance.Cassiemeneouacabeça.— Infelizmente, não. Preciso que

você me diga o que sabe sobre eles.—Cassieouviaasúplicanaprópriavoz.

Amãeficouvisivelmenteinquieta.

— Não sei muita coisa. Mas existeuma história de quando eu era muitomaisjovem.

Cassie inspirou da forma maissilenciosapossível.

—Conte.—Dequandoeuestavacomseupai.Cassie tentou ficar imóvel, semfazer

o mais leve ruído, nada que pudesseperturbar o delicado equilíbrio domomento:umahistóriasobreopaidela.

— Estávamos em uma viagem decarro—disseamãe,olhando fixamenteà frente. — Com alguns amigos. E

tivemosumencontrocomumafamíliadecaçadores. Um de nossos amigos foimarcado com o antigo símbolo docaçador.

CassiepensounosímboloqueviunatestadeConstance.

—OBdentrodohexágono—disseela.

—Sim.—Amãe engoliu em seco.—Éassimqueoscaçadoresdeterminamsuasvítimas.Depoisquevocêémarcado,é quase impossível escapar da mortedefinitiva.

Cassie não demonstrou reação.

Deixouqueamãecontinuasse.—Masseupaisalvoumeuamigo.E

todosnósescapamos.—Então ele não era assim tãomau

—disseCassie.Amãetentousorrir.— Ele era poderoso. As pessoas

tinham medo da sua intensidade, mas,quando ele se importava com algumacoisa,tinhaumalealdadefervorosaaela.— Sua voz tremeu. — E ele eraencantador.Nãoconseguiresistiraele,eeu adorava ser toda dele e ele ser todomeu.Eueraespecial aosolhosdele.Foi

como consegui que ele salvasse meuamigo dos caçadores. Ele fez tudo issopor mim. Teria feito qualquer coisa pormim.—Umaúnicalágrimaescorreuporseu rosto, como um rio sinuoso. Elarapidamente a enxugou com a ponta dodedo.—Nosúltimostempos,elecolocouosprópriosdesejosna frenteda vontadedos outros, mas havia um motivo paraqueeuficassecomele.

Este era um lado inteiramente novodo pai de Cassie, um que ela jamaisconhecera, nunca nem mesmoconsiderou. De repente, ela percebeu

umacoisa.AmãeverdadeiramenteamouJohn Blake. O verdadeiro amor. ComoCassieamavaAdam.Otipodeamorquenão passa só porque a pessoa setransformaemalgodiferentedoquevocêpensava.

Ao refletir,Cassie entendeu por queera tãodifícilparaamãe falar sobreele.Nãoéqueelaestivessesendodistanteoucheiadesegredos;elaaindasofria.

Cassieabraçouamãeeaapertoucommuitaforça.

—Obrigada porme contar— disseela.

Cassie ficou ali sentada, pensando,tentandoprocessartudooqueacabaradeouvir.Tentou imaginar como era amãequando estava feliz e apaixonada. Eimaginou como seria agora se os paisainda estivessem juntos. Mas, em seuquadro mental, ele era um homemcomum, ummarido e um pai; não umaforça domal. Era uma ilusão otimista eagoranão tinhanenhumautilidadeparaCassie.Querele tenhaumdia sidobomounão,elaprecisavalembrarasimesmadoqueopaihaviafeito.

—Euqueriasaberalgomaissobreos

caçadoresquefosseútil—disseamãe.Os olhos dela ficaram vidrados por

um momento, e Cassie supôs que aconversa estava encerrada.Mas então amãefalou:

—Podemos irembora,sabe,sevocêquiser.Nãoprecisamosficarnestacidade.

— Não posso ir embora. — Cassieficouespantada.—Evocêsabedisso.

—Antigamente eu tambémpensavaassim. Mas não é verdade. Sempre épossívelpartir.

Cassie se aproximou cautelosamentedamãe.

—Foi você que me trouxe para cá,lembra?

—Etalvezsejaeualevá-laembora.—Amãeagoraaolhavacomfirmeza.

—Nãovoufugir—garantiuCassie,avozfalhandodeemoção.

— Você não vai fugir por causa deAdam. — A mãe disse isso como umaafirmação,enãoumapergunta.Comosefosseumponto fracoqueelaconhecessemuitobem.

— Não vou fugir porque fiz umjuramento—argumentouCassie.

A mãe recomeçou a chorar, não

apenasumalágrima,masmuitas,comoseuma represa tivesse se rompido dentrodela.

— Eu jamais quis isto para você—disse ela. — Foi exatamente disso quetenteiprotegê-laminhavidainteira.

—Eusei.—Cassieseesforçavaparanão aparentar medo. — Mas a melhormaneira de você me proteger agora écontinuar conversando comigo, mecontando coisas do passado que precisosaber, mesmo que seja difícil para vocêfalar. Porque não tenho mais ninguémparamecontaressascoisas,sóvocê.

A mãe abriu os braço, e Cassie sedeixouserabraçada.

— Eu prometo, Cassie — disse amãe. — Só quero que você esteja emsegurança.

Elas choraram juntas por algumtempo,abraçadas.Pareciaqueestavamdeluto, lamentandoumamorte,etalvezdecerto modo fosse assim. A morte dosilêncio protetor entre as duas e de seussegredos e mentiras. A morte danormalidade.Amãeacariciousuascostasemcírculosedisseque ficaria tudobem,que elas estavam nisso juntas. Pela

primeiravez,Cassiesesentiuumafilha.

***

Naquelamesma noite, Cassie foi à casadeAdampara contar sobre o ataque docaçador na praia. Raras vezes os doisficavam juntosna casadele, e ela estavafeliz com a mudança de ambiente.Adoravaficarnoquartodele.Deitadanacama deAdam, ela não podia deixar deimaginá-lo dormindo, enroladonaqueleslençóis, com suas feições se abrandandoinocentemente enquanto sonhava. Elapassou os olhos ao redor e observou as

coisas dele, objetos cotidianos que nãoteriam nenhum significado para ela senão pertencessem a ele: os livros daescola empilhados na mesa, os tênisamontoadosdequalquerjeitonoarmárioe uma calça jeans jogada no chão. Elaquase podia vê-lo chegando da escola,jogando os livros na mesa, tirando ossapatos eos jeansdequalquer jeitoparavestir algo mais confortável. Sentiu umafeto por toda a cena e por cada objetoque ele tocava; por extensão, tudo erapartedele.

Adam voltou ao quarto com um

lancheebebidas.Fechouaporta.— Desculpe pela bagunça — disse

ele.—Tenteiarrumar,mas...—Estáperfeitoexatamenteassim—

disseCassie.Elesejuntouaelanacama,eCassie

teveoimpulsorepentinodeacariciarseusombros, beijar seu rosto e seu pescoço...esquecer tudo sobre a medonhatempestadenapraia.

A respiração de Adam ficou maislenta, e Cassie sentiu que pensavam omesmo. Ele passou os dedossugestivamenteporsuacoxa.

— Você está linda esta noite —elogiou ele. — Mas estive preocupadocomvocê.Oqueaconteceu?—Suamãosubiu da coxa para o quadril, que era olugarquemaisgostavadetocar.

Cassierespiroufundoeseendireitou.—Fuidarumacaminhadanapraiae

encontreiNick—contou.Elaparouparainterpretar a expressão de Adam, masestacontinuavaneutra.

— E fiquei feliz por vê-lo —continuou ela—, porque você sabe queestive tentando reatar minha amizadecom ele do jeito que posso. Estávamos

batendopapoquandoocéuficoupretoecomeçouumtemporalhorroroso.Decaraentendemos que era alguma coisasobrenatural.

—Oscaçadores—concluiuAdam.Cassieassentiu.—Nãoconseguimosfugirtãorápido.

Os raios voavam direto para nós. Umdelesteria...

Cassie se sentiu sufocar.Esforçou-separa engolir um nó que se formou nagarganta.

—Nick arriscou a própria vida parame salvar,Adam.Eu teria sido atingida

seelenãotivesseagidocomtantarapidezemetiradodocaminho.

Vincos se formaram na testa deAdam, mas ele encarava a colcha dacama.

— Ele se provou um amigo deverdade naquele momento — disseCassie.—Denósdois.Nãoacha?

Adam continuou olhandopara baixoporummomentoantesdevoltaroolharparaela.

— Sim, tem razão. — Então seremexeu,poucoàvontade.

Pelo modo como ele pressionava o

maxilar, Cassie viu que ele ficouincomodado que tenha sido Nick osalvadordela,masjamaisdiriaisso.

—Eu queria ter estado lá, mas quebomquevocêestábem.—Adampegousuas mãos e as acariciou. Trouxe-as aoslábios e as beijou.—Não sei o que euteriafeitosevocêtivessesemachucado.

ElebeijouaparteinternadopulsodeCassie e subiu por seu braço. Ela sabiaaonde isso levaria. Por mais difícil quefosse,elaseobrigouaafastarobraçodamãodele.

— Tem mais — continuou ela. —

Converseicomminhamãe.Converseideverdadecomela.

Adam voltou a se concentrar e sesentoumaisereto.

—E?—Elamefaloudomeupai.Elenão

eradetodomau,Adam.Elarealmenteoamava.

Parecia que Adam não sabia comoreagir.BlackJohnsemprefoiumassuntodelicadoentreosdois.

—Seicomoissosoa—disseCassie.— Mas procure imaginar. Estarapaixonado por alguém como nós

estamos,apaixonadodeverdade,edepoisperderessapessoaparaoladonegro.

Adambalançouacabeça.—Nãoqueroimaginarisso.— Nem eu, então pense em como

deve ter sido horrível para a coitada daminhamãe.—Cassie podia sentir suasemoções levandoamelhor, e reprimiuoimpulsodechorar.

Adamsegurousuasmãosdenovo.—Nãoconsigopensaremnadapior

— disse ele. — Mas é bom que agoravocê compreenda isto. Estou feliz quevocêtenharompidoessabarreiracomsua

mãe.Cassie deixouos olhos vagarempelo

quartodeAdam.Por algummotivo, eradifícil olhar para ele naquele momento.Emvezdisso,elaseconcentrounopôsterdeumabandadequenuncaouvira falarcoladonaparede.

— Deve ter sido fácil se apaixonarporseupai—disseAdam.—Eleeraumhomemcarismático,umlídernatural.Suamãe é inteligente... caso contrário, nãoteriaficadocomele.Nãofoiculpadelaoqueaconteceu.

Às vezes Adam sabia exatamente o

que dizer. Foi uma mudança sutil namente de Cassie, mas de súbito ela sesentia à vontade. Se Adam não culpavasua mãe, de certo modo isso significavaqueele tambémnãoculpavaCassie.Elaolhounosolhosdeleeestendeuamão.

—Oimportanteéquevocêestábem— disse Adam, se deixando relaxar nosofá.—Equeestamosjuntos.

Cassie se recostou, eAdam puxou-aparaperto.Elaoamavatantoquequasedoía.Sentiaquejamaissecansariadele.

Adam a beijou com paixão, depoisparouporummomento.

— Com tudo que está acontecendo—disseele—,euficoaliviado...

Cassie pôs o dedo em sua boca parasilenciá-lo.

— Chega de falar — disse ela, e opuxouparamaisperto.

–T

14

udobem—disseDiana.—Nãotemosmuito tempo.Há algo que

alguémqueiracontar?OCírculoalmoçavaemseupontode

encontro novo, um pequeno bosque noaltodeumadastrilhasestreitasàmargemdo terreno da escola — um esconderijoderelvaverdesobacoberturadebétulasaltasemacieirasfrondosas.Adamsugeriu

que fosse o novo local para almoço nosmesesdeclimamaisquente.

Todos os olhos se voltaram para osirmãos Henderson. Eles tiveram umamissãoaquelamanhã:armarumabombade fedor na aula de matemática doterceiro tempo. O plano era seremmandados à sala do novo diretor juntos,onde podiam se revezar à procura deprovas.TodasaspessoasnovasnacidadeestavamsobinvestigaçãodoCírculo,maso diretor era o número um na lista depossíveiscaçadores.

— Não devíamos esperar por Faye?

— perguntou Deborah, enquantodesembrulhavaseualmoço.

—Ultimamente só o que fazemos éesperarporFaye—disseMelanie.—Seelatemlugaresmelhoresaondeir,vamoscontinuarsemela.

—Euouvi—anunciouFayedoaltodatrilha.Elaandavalentamente.

— Como eu estava dizendo... —Diana elevou a voz. — Chris, Doug,descobriramalgumacoisa?

Faye percorreu o caminho bem atempo de cutucar as costelas de Dougcomabotapretaepontuda.

— Ande logo, fala. Você saiu de lásemnada.

— Nós saímos sem nada — disseChris. Doug continuava em silêncio.—Mas não porque não tentamos. O Sr.Boylanpareceumcaramuitocertinho.

—Nãoenguloessa—duvidouNick.—Ele chegana cidade e tudo viraumabagunça. É coincidência demais.Precisamos interrogá-lo, levar ainvestigaçãoadiante.

Cassie notou que Nick a olhava aodizerisso.

— Não há necessidade de ser

imprudente—disseDiana.Nickriu.—Há,sim.Adiferença era imensa entreNick e

Adam, que era sempremuito justo.Atésua busca por aventuras se baseava nadevoção;nemporummomentotomavaaformadarevolta.

Observando Adam, Cassie notou omodo como andava pelo grupo, sempreum mediador que tenta manter a pazacima de todas as coisas. A unidade doCírculosignificavamaisdoquetudoparaele.

Eraissooquepassavaporsuamentedesde que eles discutiram outra noite, oqueelanãoconseguiasituar.Mas,agoraque percebia, soou como uma verdadeincontestável: nada, para Adam, vinhaantesdoCírculo.Nemmesmoela.

ComosesuacompetiçãodiscretacomDiananãobastasse,Cassiepercebeuquetambém ficaria eternamente em conflitocomoCírculo, como se este fosse outramulher—umaquerecebiaumalealdademuitomaiordapartedeAdam.Comoépossívelqueelanãotenhapercebidoissoantes?

Diana, quemal tinha tocado em suasalada, então olhava para Adam, depoispigarreou.

— E todo mundo tem evitado osforasteiros,comoconversamos?

Cassie colocou no guardanapo seusanduíche de pasta de amendoim comgeleia.

—Não precisa ser tão vaga, Diana,todomundo sabe de que forasteira vocêestáfalando.

MelanieeLaurelolharamosprópriosalmoços.A insolência repentina epoucocaracterísticadeCassieevidentementeas

deixava constrangidas. Suzan e Sean seolharam, surpresos, e a expressão deDeborah endureceu. Mas Nick, Cassiepercebeu, sorria, achando graça em suaexplosão.

— Briga de mulher — exclamouFaye, esfregando as mãos. — Maslembrem-se, senhoras, nada de puxarcabelo.

Diana, porém, mantinha-secontrolada, como sempre, e não revelounenhuma reação defensiva em suaresposta.

—Asregrasseaplicamigualmentea

todos os forasteiros, Cassie. Não é sórelacionada com sua amizade comScarlett.

Cassie sentiu as bochechas seavermelharemeopescoçoesquentar.

— Tem que acreditar em mim —disse ela com a voz trêmula.—NãohánadadeestranhoemScarlett.Sóporqueela é uma forasteira, não quer dizer queestejacontranós.

—Não?—disseFayecomsarcasmo.— Você não pode ter certeza —

insistiu Diana. — Não sabemos nadasobreScarlett.

— Sim, eu posso. — Agora Cassiegritava. — Sei o que vejo quando olhoparaela.Econfionaminhavisão.

FoigolpebaixodeCassiemencionaravisão—umlembreteàDianadequesóCassietinhaodomdavisãoparanormal.

— Cuidado — sugeriu Faye. —Cassieestáapelandoparaarmaspesadas.

— Sua visão pode estar nublada —argumentouDianacomrigidez.

MasCassierebateurapidamente.—Nubladapeloquê?— Pelo fato de você estar obcecada

por ela desde o minuto em que a

conheceu — vociferou Diana por fim,perdendoafrieza.

— Arrá. — Faye batia palmas. —Enfim aparece a verdade. Diana temciúmedeCassieterencontradoumanovamelhoramiga!

Uma rodada de risadinhas percorreuogrupo.SuzaneDeborahassentiramemaprovação.

—Umafalhanomármoreimpecávelda nossa preciosa Diana — continuouFaye.—Adorei.

—Nãoestou comciúmes.—Dianafixou os olhos verdes diretamente em

Cassie.—Vocêestá,sim—disseCassie.Diana ficou sem fala com aquele

últimoataque,masserecusouadesviarosolhos dos de Cassie. Esta também nãovirouorosto.Todaafrustração,confusãoe raiva que sentia por Diana rejeitarScarletteficarcomAdamnassuascostasagora pareciam escorrer dela. Ejuntavam-se à decepção e ao ultraje deDiana com a audácia de Cassie emdesafiá-laeaogrupo.Eraumembatedevontades. Era a isso que tinham derecorrer? Aquele confronto

insignificante? Ninguém se mexeu nemdisse uma palavra, e, por um segundo,Cassiepensouquecontinuariaassimparasempre.

Mas então, naturalmente, Adam secolocouentreelas.

— Vamos continuar— intermediouele.—Nãotemosmuitotempo,eaindahámuitooquediscutir.Diana,Deborah,contem o que aconteceu quando vocêsseguiramMax.

Ao ouvir o nome de Max, Fayeexplodiu,furiosadeumahoraparaoutra.

—Vocêsfizeramoquê?

Dianaagoratinhaquelidarcomumanova discussão, então direcionou toda asuaenergiaparaFaye.

— Ainda nem acusamos Max dealgumacoisa.Ninguémprecisaexagerar.

— Eu tenho todos os motivos domundoparaexagerar.Vocêsagirampelasminhascostas.

—Eleéforasteiroeénovonacidade—disseDeborah.—Vocêsabiaqueeleestavananossalista.

—Enósoseguimosdiretamenteatésua casa— revelou Diana, calma comoáguaestagnada.

O choque rompeu a superfície dogrupo, criando histeria. Esta reuniãoestavasemostrandomuitomaisexplosivadoquequalquerumteriaprevisto.

— Ele foi à sua casa? — Os olhoscinzadeMelanieferveram.

— Então são duas pessoas queinfligiramaregradenãotercontatocomforasteiros— constatou Laurel com umtoque de antagonismo na voznormalmentepacífica.

Suzan falou com a boca cheia deTwinkie:

— Mas Max não queria nada com

Faye.Eleaestáevitandohásemanas.Deborahmeneouacabeça,incrédula.—Bem,algumacoisamudou.Agora

eleestáafimdela.Eleabandonouaquelaatitudesoubomdemaispara todomundoeestava andando atrás de Faye feito umcachorrinhocarente.Atématouo treinode lacrosse para ficar com ela. Quasepareciaqueestavasobumfeitiço...

Assim que Deborah pronunciou apalavrafeitiço,todossesobressaltaram.

Adam fixou os olhos azuis elétricosemFaye.

—Vocênãofez isso—disseele.—

Digaquenãofez.Mas todos sabiam. Era o que Faye

esteve aprontando aquele tempo todo, oqueafaziachegaratrasadaàsreuniõeseficar cheia de segredos. Faye fez umfeitiçodeamorparaconquistarocaradequemestavaafim.

—Vocêjurou—lembrouAdam.—Todos nós juramos não praticar magianenhuma.

Faye fez um gesto de desdém paraAdam com as unhas vermelhascompridas,comosequisessetirá-lodasuavista.

—Não foi nada.Um simples feitiçode amor nem pode ser chamado demagia.

MelaniesecolocouaoladodeAdam.EstavamaisfuriosadoqueCassiejamaisavira.

— Agora eles vão nos descobrir,sabia?Oscaçadores.

—Relaxe.—Faye riu.—Eles nãosão caçadores de cupidos. Ninguémpercebeu.Nemvaiperceber.

— Mas qualquer deslize pode nosexpor — criticou Nick. Suas mãosestavam cerradas em punhos, e a

respiração era pesada. — Não podemoscometererroalgum.

Faye girou o corpo rapidamente edisparouparaNick.

— Por que você não disse isso aCassie?

— Cassie não fez nada de errado.Você fez.—Nick cerrou aindamais ospunhos.

— Tem certeza? — Faye empurrouNickcomforçanopeito.

—Jáchega—gritouDiana.—Essadiscussão não está nos levando a lugaralgum, e precisamos voltar à escola.

Continuaremosdepois.Mascomo?,pensouCassie.Comoeles

poderiamcontinuardepoisdetodoaquelecaos? Todos pegaram suas coisaslentamente e seguiram para o prédio daescola,masFayeficouondeestava.

—Sério?Vocêstodosvãoembora?Adiversãosóestavacomeçando.

Melanie lhe deu uma cotovelada aopassar, mas Faye continuou inabalável.Divertindo-se,elagritouparaCassie:

—Gostomuitomaisdanovaversãozangada de Melanie do que daquelavelhachataeracional,evocê?

Cassieaignorou,enfiandoorestantedeseusanduíchenosacodepapel.

—AnovaversãociumentadeDianatambém não é nada má — continuouFaye.—EaversãomentirosadeCassie,bem,essaéumanovidadeetanto.

Era o que Faye queria, provocá-lapara uma briga, mas Cassie nãoconseguiu ignorar por mais tempo.Encarou-anosolhosefalou:

— Não sei do você está falando. Etambémnãomeimporto.

FayesegurouoqueixodeCassiecomosdedosfortes.

—Vocêdeviaseimportar.Cassie resistiu ao impulso de se

afastar.ApedravermelhaqueFayeusavanopescoçorefletiualuzdosolnosolhosde Cassie, fazendo-os arder, mas elasustentouoolhar.

—Nãotenhomedodevocê—disseela,contraoapertodeFaye.

— Mais um de seus muitos errosidiotas.—FayeseguroucomaindamaisforçaoqueixodeCassie.

—Ei!SolteaCassie.—EraNicknoaltodatrilha.

Rindo,Fayeasoltou.

— Cassie sabe se cuidar sozinha,Nicholas. Não precisa que você a salve.Nãoéverdade,Cassie?

Cassie andou até o lado de NickenquantoFayegritava:

—VocênuncaseráAdam,Nicholas.Pormaisquetente.

CassieolhouparaFayedooutroladoda trilha, sentindo o fogo nas entranhassubirparaagarganta.

— Faye, você é ridícula. E, bem nofundo, você é fraca,muitomais fracadoqueeu.Nãomepressioneaprovarisso.

Faye lambeu os lábios vermelho-

sangue, depois passou a línguasedutoramentepelosdentes.

—Gostomaisassim—disseela.—Me mostre mais do seu lado negro,Cassandra.Éoquequerover.

E

15

ra uma caminhada deaproximadamente dezminutos até o

farol, tempo o suficiente para Cassieacalmaro coração acelerado e encherospulmões de ar frio. Parte da tensãovivenciada na reunião anterior do grupotinha se dissipado. Cassie pensou queFaye tinha se safado com bastantefacilidade depois de fazer o feitiço de

amor,mastambémestavaaliviadaaoverquetodosseentendiamparamencionaroque pensavam. Além do mais, Cassietambém foi perdoada por andar comScarlett.

Foi Diana quem sugeriu que os 12fossemapéaofarol,juntos,emumgrupogrande,mas todos queriam fazer isso. Irde carro era legal, pensou Cassie, masnãohavianadacomoandarpelaruasobo luar com um bando de amigos maisíntimos. Fazia com que ela se sentisseinvencívelepartedealgomuitomaioremaisimportantedoqueelamesma.

A lua estava cheia, e Laurel levouuma sacola de biscoitos recém-assados.Era uma antiga receita de família queexigiafolhasesmagadasdeartemísia,quedeviasercolhidaeingeridadurantealuacheia. Laurel alegou que os biscoitosmelhoravam a adivinhação, aclarividência e os poderes paranormais,masCassieeosoutrosencheramabocaenquanto andavam porque eramdeliciosos. Todas as outras coisas eramapenasbônus.

Adam procurou pelamão deCassie,e,quandoaencontrou,elanãoseafastou.

Apesar de ter estado tensa nos últimosdias,nomomentotudopareciabemesualigação com Adam era forte. Os dedosdele envolveram os da garota,tranquilizando-a, dizendo que apesar detodos os seus temores, ela não estavasozinha e que, juntos, eles podiamsuperarqualquercoisa.

A noite era revigorante. As árvorestinham o perfume de flores doces, e ochão sob os sapatos de Cassie seencontrava úmido de orvalho.Uma raradespreocupaçãotomouosamigosdurantea caminhada. Não apenas Cassie e

Adam, mas o grupo inteiro. Elesgritavam pela rua, brincando entre si ebatendonas latasde lixo.ChrisdesafiouDoug para uma corrida pelo resto dopercurso,e todoscomeçaramacorrernafrente para julgar o vencedor. Noentanto, logo em seguida, pararamabruptamente e soltaram um ofegarcoletivo.

Pareciaimpossível.Ofaroltinhasidocompletamente queimado.Em seu lugarhaviaumapilhadefuligemecinzas.

De forma irracional, Cassie pensouqueelesestavamno lugarerrado.Como

uma estrutura tão sólida e firme, tãopermanente em sua vigilância, fundiu-sedaquele jeito?Mas a fúria nos olhos deAdamobrigouCassieaaceitaraverdademaisdifícil.Nãosóofaroltinhasumido,comoalguémodestruíradepropósito.

Melaniefoiaprimeiraafalar:—Eraummarcohistórico.Existiahá

unstrezentosanos.— É nisso que você está pensando

agora? — perguntou Nick. — E oscaçadores que sabiam exatamente ondenosencontrar?

Dianapousou amão comdelicadeza

noombrodeNick.—Espere,nãovamostirarconclusões

precipitadas. Não temos certeza de queforamoscaçadores.

Nicksedesvencilhou.—Istofoiumrecado,emaltoebom

som.Comovocêachaqueelespoderiamsermaisclaros?

Diana se virou para Melanie eLaurel.

—Vocêsduas foramasúltimasaviraqui,nãoforam?Têmcertezadequenãodeixaram nenhuma vela acesa poracidente?

OsolhosdeMelaniesearregalaram.— Você está nos acusando de ter

incendiadoofarol?— Não estou acusando. Só

perguntando.Cassie não suportava mais ouvir

nenhuma discussão. Atravessou a relvanadireçãodeonde,antigamente,ficavaaentradadochalé.

CassieouviuAdamsairemdefesadeDianacontraMelanieeLaurel.

— Seria melhor para todos nós sevocês tivessem causado o incêndio —disseele.—Assimpelomenos teríamos

certezadequefoiumacidenteenãoumatode...

— Não foi um acidente — gritouCassie para eles. Sua voz ecoou comouma onda do mar. Bem onde ficava aentrada do chalé do faroleiro, havia umsímbolo queimado em cinza no chão.OmesmosímboloqueapareceunatestadeConstance.

Adamfoioprimeiroaalcançá-la.—Osímbolodocaçador—disseele,

nomomentoemqueosoutrosformavamfila atrásdele.Agoraeles tambémviam.Nãoerapossívelquenãoenxergassem.

— O coven foi marcado — disseCassie.

— Faye, isso tudo é culpa sua —gritou Nick. — Porque você tinha quefazermagia.

Pela primeira vez, Adam concordoucomNick.

— Eles rastrearam o seu feitiço deamor.

—Eu te falei—vociferouMelanie.—Eutefaleiqueissoiaacontecer.

— Já chega! — Os olhos de Fayeardiam de cólera.— Por que têm tantacertezadequeaculpafoiminha?

Ela apontou a unha vermelha maiscompridaparaDiana.

—Você, sempre tão preocupada emnão tirar conclusões precipitadas. Pareporummomento,prendaoscachorrosepenseemquemrealmentepodeter feitoisso. — Depois virou o pescoço parafulminar Cassie com os olhos enquantomantinhaosombrosviradosparaDiana.—Acho que Scarlett seria uma suspeitalógica—observouela.—EmparticularporqueCassieatrouxeaquioutrodia.

Cassiecontinuouemsilêncio.—Euvivocês—confessouFaye.

—Nãotenteviraristocontramim—disseCassie,mas foi sóoque conseguiudizer.Nãopodianegaraquelefato.

AdameDianaencararamCassiecomidênticaincredulidade.

— Isso é verdade? — perguntouAdam.—VocêtrouxeScarlettaofarol?

Cassie olhou o horrível símboloqueimadonochão,comseuBsinuosoeohexágonodeaparênciasatânica.IstonãofoiobradeScarlett.Cassietinhacerteza.

—Cassie, como pôde fazer isso?—Diana não conseguia conter aexasperação.

A menina voltou-se suplicante paraosolhosenfurecidosdeDiana.

—ElaestavacomigoquandopasseiafimdedeixarumaservasparaMelanieeLaurel.Maseunãoadeixeientrarenãolhe contei nada. Eu juro, ela não temnadaavercomisso.

— Não era para você estar saindocomScarlett em primeiro lugar—disseMelanie. — E você ainda a trouxe aonossoespaçosagrado.

Faye desfrutava inteiramente dobanho de sangue que havia começado.Comquefacilidadeaatençãofoidesviada

do seu feitiçode amorproibido.Faye sedirigiuaogrupo.

—OqueCassiefezéimperdoável—insistiu ela com maldade. — Ela nostraiu.

—Você nos traiu também, Faye—retrucouCassie.—Ecomovocêpoderiasaber que eu trouxe Scarlett ao farol, anãoserqueestivessemeespionando?

—Aquestãonãoéessa—interferiuDiana.—Nisto eu concordo comFaye.TrazerScarlettaofarolfoiumatraição.Eagora precisamos de união mais do quenunca.Nãopodemosconfiaremnenhum

forasteiro,aconteçaoqueacontecer.Cassie perdeu o pouco controle que

lherestava.—Deixeverseeuentendidireito—

disse ela.—Sua ideiadeuniãoé apoiarFaye?

AdamrespondeuporDiana.— É para sua própria segurança,

Cassie.Scarlettnãoéumadenós.Eemcircunstância alguma ela poderia chegarpertodonossolocaldereunião.

— Talvez eu que não seja uma devocês — explodiu Cassie antes quepudesseseconter.

Estafoiagotad’águaparaDiana.Elagritou comoCassie jamais imaginou serpossível:

— É claro que você é uma de nós,Cassie. Você é mais fundamental paraeste Círculo do que qualquer um. Achaque não sabemos disso? — Depois sevirouparaFaye.—Evocê tambémnãoestálivre.Cassietemrazão,vocêtambémtraiu o grupo. Max é proibido, assimcomosuamagia.

—Ouoquê?—disseFaye.Diananempiscou.— Ou você abre mão dos seus

privilégiosdelíderdesteCírculo.Passaram-se alguns segundos antes

queAdamrompesseosilênciomortal.—Ocovenfoimarcado—disseele.

—Masoscaçadoressabemquemsomos,individualmente?

— Boa pergunta — comentouMelanie. — Seja como for, temos depensarnumjeitodecombatê-los.

— É verdade — concordou Diana.Suavozrecuperouotimbreangelical.—E eu tinha algo muito importante paracontaratodosvocêsestanoite.Antesdetodasessassurpresas.

Ela fitou Cassie e Faye,repreendendo-as individualmente com oolhar.Depois vasculhou abolsa epegouseuLivrodasSombras.

—Encontreiumfeitiço—anunciouela.—Umfeitiçoparadestruircaçadoresdebruxas.

— O quê? — perguntou Adam,mostrando-se ofendido por Diana terescondido essa descoberta dele. — Porquenãodisseantes?

—Nãotinhacertezaseeraoqueeupensava ser — disse Diana em defesaprópria. — O texto estava

majoritariamenteemlatimeprecisousertraduzido.Masagora tenhocerteza.Porissoeuqueriaareuniãodestanoite,paracontaratodosaomesmotempo.

— Vamos fazer o feitiço agoramesmo — disse Melanie, parecendoesperançosapelaprimeiravezemdias.

Dianameneouacabeça.—Primeiroprecisamostercertezade

quemsãooscaçadores.Nick disparou um olhar a Chris e

Doug.—Vamosenfeitiçarodiretor.Temos

certezaqueéele.

—Não.—OsolhosverdesdeDianafaiscaram.—Ofeitiçosófuncionarácomum verdadeiro caçador. Se o tentarmoscom alguém que não é um deles, sóestaremos expondo nossa bruxaria. Paranãofalaremmachucaruminocente.

— Nossa, que ótima notícia —ironizouFaye.—Temosum feitiçoquenãopodemosusar.

—Nósousaremos.—Adamlançouumúltimoolharaosímboloqueimadonochão. — Quando eles atacaremnovamente. A essa altura, acho quepodemoscontarcomisso.

— Mas e depois? — perguntouMelanie. — Se fizermos o feitiço. Oscaçadoresvãomorrer?

Dianahesitou.—Nãoestámuito claro.A tradução

deixa muito para a interpretação, masparecequeoefeitodofeitiçodependedocaçador.

—Então,elespodemmorrer—disseMelanie.

—Medeixedarumaolhadanisso.—Faye pegou o Livro das Sombras dasmãos de Diana e passou os olhos pelapágina. À medida que seus olhos

examinavam a antiga escrita, ela pareciaprender a respiração e se afastar daspalavras,semacreditar.

—Istonãoéumfeitiço—disseFaye.—Éumamaldição.

Dianamiroufixamenteochão.— Sim — disse ela. —

Tecnicamente,éumamaldição.De repente, Faye ficou agitada de

empolgação.—Pareceumfeitiçodedeflexãoque

volta o poder do caçador para ele, masinvocaHécate.Istopodeser...—Elanãoconseguiuencontrarapalavracerta.

— Perigoso — disse Diana. — Sóusaremoscomoúltimorecurso.

A

16

chuva caía muito fraca, e, emborafosse noite, as pessoas

perambulavamparaláeparacá.ScarletthaviaconvidadoCassieparasair.Éclaroque ela declinou, embora desejasse nãoter que fazer isso.Era justamente o queela precisava para desanuviar — vergentequenãofossebruxa.Decidiu irdecarro ao centro da cidade. Mesmo que

nãopudessesejuntaràmultidãoemsuastarefas rotineiras, podia pelo menosobservá-ladedentrodoseuVolkswagen.

Mas Cassie mal havia entrado naBridge Street quando a chuva leveaumentouparaumaguaceiro.Todosqueestavamnaruaprocuraramabrigodentrodos restaurantes e lojas; algunsaguardavam nas soleiras de portas eembaixodepassarelas.Cassieestavasecaeemsegurançadentrodocarro,epareciaestar em um domo de neve que alguémtinhasacudido, submersapelachuvaqueestremecia de todos os lados, mas

tambémintocadaporela.De repente, sentiu perder esta

segurança. Seu coração começou amartelar no peito, e ela transpirava.Sentiaqueestavasendoseguida,masnãovia nenhum carro atrás do seu.Continuouespiandopeloretrovisor,esóo que via era a escuridão molhada nopróprio vidro traseiro. Ainda assim,decidiupegarumdesvio,naesperançadeselivrardasensação.

Com um giro repentino do volante,Cassie deu uma guinada para a DodgeStreet, uma rua isolada que a levaria de

volta à via expressa. Cassie teve quereduzirparamanobrarpelasváriascurvasfechadas,mas,quandopisounofreio,seupénãosentiuresistênciaeafundouatéochão.

Ela tentou de novo e de novo, masnadaadiantou.Ofreionãofuncionava.

De repente, o carro pareceu ganharvelocidade, levando-a furiosamente emdisparada para a morte. Ela nãoconseguiapará-lo,esoltaroaceleradorsópioravaasituação.Empânico,agarrou-seaovolanteetentoujogaroveículoparaoacostamento, onde talvez a grama

reduzisse a velocidade o bastante paraCassieconseguirsaltaremsegurança.

Mas a grama nada fez paradesaceleraroautomóvel.Aúnicachancede Cassie era saltar enquanto o carrocontinuava seguindo a toda velocidade.Em pânico, ela segurou a maçaneta eabriu a porta. Mas antes que tivesse aoportunidadedepular,o carrobateuemumcarvalhogigantescodecascagrossa.

Ela desmaiou por um momento,talvez um bem longo. Quando abriu osolhos, viu que fora lançada para fora docarro através do para-brisa. Verificou

braços e pernas para ver se conseguiamexê-los, e procurou por sangue norosto. Inacreditavelmente, ela estavabem.

Mas o carro foi completamentedestruído. Observando-o através dachuvaescura,lembravaàCassieumalatade refrigerante que virou uma sanfona.Eraummilagreestarviva.

Elaselevantoudevagar,continuandoa investigar os arredores, e reconheceuque a sensação desagradável tinhapassado. A sombria presençaperseguidora havia desaparecido, mas

Cassie não conseguia se livrar dasensação de que aquilo não fora umacidente.

Então ela caiu em prantos. Não foiummilagre.Foiofeitiçodeproteçãoqueasalvou.

Cassie detestava fazer aquilo, massabiaqueprecisava.Procurounocorpoena roupa o assustador símbolo antigo.Isto a lembrou de quando procuravacarrapatosdepoisdeumdianamata, sóque as consequências neste casosignificavam a morte definitiva. Ficoualiviada por não encontrar nenhum.

Cassie quasemorreu naquela noite,maspelomenosnãofoimarcada.

Com as mãos tremendo, Cassiepegouocelularparapedirajuda.Masali,no meio do nada, não conseguia sinal.Seu pânico recomeçou. Ela estava presaali,umalvofixo.

Cassie não devia ter saído sozinha,sem contar a ninguém aonde iria. Foiingênua ao pensar que os caçadores nãoiriam atrás dela de novo na primeiraoportunidade que tivessem. Não haviacomoescapardeles.

Cassienãoconseguiaparardetremer

enquanto esperava na chuva torrencial,torcendo para que um estranho gentilpassassedecarroporali.Mascadaruídoe sombra a faziam pular com receio deoutra possibilidade, e ela enrijeceuquando um carro prata reduziu e paroudiante dela. Mas então Cassiereconheceu o rosto dentro dele. EraScarlett.

—Ah,meuDeus,vocêestábem?—ScarlettsaiudocarroecorreuatéCassie,deixando a porta aberta. — Você semachucou?

— Eu estou bem — disse Cassie,

soltandoum suspiro de alívio ao ver umrostoconhecido.

Scarlett a abraçou junto ao peito,quase tão embasbacada com a visão docarroamassadoquantoCassie.

— Você podia ter morrido! —exclamouela.—Eestáensopada!

A ruiva correu ao porta-malas docarroepegouumenormecobertordelã.Enrolou Cassie nele e esfregou seusbraçosatéqueseaquecessem.

Cassie estava apavorada demais comoacidentepararesistir.

— Está tudo bem — assegurou

Scarlett numa voz tão reconfortantequanto a lã grossa em seus ombros. —Voulevarvocêparacasa.

***

Naescola,nodiaseguinte,todosfalavamdo recente encontro de Cassie com amorte.Eracomoseoacidente lhedessepontos de popularidade de uma formadoentia e distorcida. Até PortiaBainbridge atravessou o corredorabarrotado para dar uma espiada emCassie junto do seu armário. Elaempinou o nariz fino para Cassie e

estreitouseusolhoscastanhosefrios.—Que bom que você não estragou

essasuacarinhabonitaquandovooupelopara-brisa—disseela.

Passou uma ideia pela cabeça deCassie: poderia Portia ter cortado osfreios do carro, ou um de seus irmãosestúpidos?

MasPortiatinhadeixadodesemetercom oCírculo depois do último embateentre eles no outono passado. Desdeentão,elaandavadistraídacomumnovonamoradoemalpareciapensaremoutroassunto. E os irmãos, Jordan e Logan,

cursavam a faculdade. Cassie saberia seelesestivessemdevoltaàcidade.

Nessahora,SallyWaltmanparouaoladodeCassie.MaisbaixadoquePortia,Sallyaindaassimcruzavaosbraçosfinoscomaintensidadedequemémaisaltaeforte.

— Ela já sofreu bastante, Portia —disseSally.—Nãoprecisaaindaporcimaseratormentadaporvocê.

Portiariucomescárnio.—Não se esqueça de que lado você

está,Sally.Nãovaiquerercomeçaraserconfundida com um deles, ou pode se

machucar.—Deixepralá.—SallypuxouPortia

comforçapelobraçoeinsistiuqueelaseafastasse. — Vem, vamos chegaratrasadas—disse ela, e lançou aCassieumolhardedesculpa.

Sally enfrentando Portia significavamuito,considerandoqueantigamenteelaera uma das mais odiadas inimigas doCírculo.SearelaçãodogrupocomSallypodia chegar àquele ponto, ela não viapor que eles não podiam ter maisaceitação de outros forasteiros bem-intencionados, como Scarlett. Nenhum

deleseratãocruelcomoPortia.PorqueoCírculonãoconseguiaenxergarisso?

***

No almoço, o grupo se reuniu em seulugar na mata e exigiu os detalhes deCassie.Elalhescontoudasensaçãoruimquetevepoucoantesdoacidenteequeosfreios falharam, mas guardou algunsdetalhes para si. Estava exausta, física eemocionalmente, e não conseguiria lidarcom a reação deles se contasse queScarlettapareceulogodepoisdoacidente.

— Mas havia alguma pista de que

foram os caçadores que fizeram isso?—perguntouDiana.

— Não — respondeu Cassie. —Nenhuma.

—ViPortiateinfernizandopertodoseuarmárioestamanhã—disseNick.—Ela tem estado fora de nosso radar hámuitotempo,nãoconfionisso.

Dianapareceuduvidar,mesmoassimdisse:

—NãofariamalpensaremPortiaeosirmãoscomopossíveissuspeitos.

— E Sally Waltman — adicionouSuzan.

Diananegoucomacabeça.— Sally tem sido muito correta

conosco. De todos os forasteiros, achoqueelaéamenosprováveldequerernosmachucar.

—Vocêsestãofugindodaquestão—observou Deborah. — Esses caçadoressão fortes. Quem quer que seja, sóchegou à cidade agora, ou já teríamostomadoconhecimento.

Melanieconcordou.— Aquele símbolo arcaico não veio

denenhumdosnossosantigoscolegasdeescola.

Adam esteve andando de um ladopara outro, como sempre fazia quandoestava nervoso. Ele não se acalmaradesdequesoubedoacidente.

—Eu ainda queria que você tivesseme telefonado— disse ele a Cassie.—Comoconseguiuchegaremcasa?

Cassiehesitou.Eraumaperguntasimples.Nãohavia

nenhuma necessidade de uma pausa tãolonga,etodoogrupopercebeu.

Adamenrijeceue sevirouparaNicknumtomdeacusação.

— Ela ligou para você? Foi você

quemalevouparacasa?Nick foi pego de surpresa com a

acusação de Adam, mas rapidamenteespelhouaposturaagressivadeAdam.

—Não, elanãome ligou.Masbemqueeuqueria—respondeuele.

— Parem com isso, vocês dois. —Cassie não tinha alternativa. Precisavacontar a verdade.—Não telefonei paraninguém me buscar. — Ela seinterrompeu, sem querer continuar.Olhou os próprios sapatos.Fuja, pensouela. Fuja deste momento horroroso. Masnão havia para onde correr, ela sabia.

Quase inaudível, concluiu:— Por acasoScarlettpassoudecarroporalienquantoeuestavaatolada.Elamelevouparacasa.

Adam balançou a cabeça, afastando-se de Nick, que também perdeu suabravata.Dianaseapoiouemumaárvorepróxima para se equilibrar. Eles ficaramsemfala,masFayetinhaaspalavrasbemàmãoparaanunciaroquetodoogrupopensava.

—Ah,sei—disseela.—Scarlettporacasopassoude carro, encontrandovocêno meio do nada. Que maravilhosacoincidência!

Cassie não ia suportar aquilo. Aúltima pessoa a quem devia explicaçõesera Faye. Ela se aproximou da menina,comousadia.

—Porqueelateriameajudadosefoielaquetentoumemachucar?

— Você está sendo idiota — disseDeborah,semconterumgramaquefossederepulsa.—Nãopodesercoincidência.

— Ela não está sendo idiota —retrucou Diana. — Cassie só está cega.ElaquerenxergaromelhoremScarlett.

—Exatamente.Oqueéamaispuraidiotice—insistiuDeborah.

— Não — protestou Cassie. —Scarlettéinocente,eujuro.

Diana franziu a testa para ela,solidária.

— Me desculpe, Cassie. Mas ésuspeito demais que Scarlett por acasosoubesseondevocêestavaontemànoitedepois do acidente. Parece ser a provaque estivemos procurando esse tempotodo.

— É o diretor — gritou Cassie. —Sintoissoatéosossos.

Adam respondeu suave ecautelosamente:

—Nãoconseguimosdesencavarnadadesuspeitosobreonovodiretor.Eleestálimpo,Cassie.

Destavez,nemAdamestavadispostoaapoiarCassie.Elapodiasuplicaraele,atodos eles, a tarde toda, mas era inútil;eles já haviam decidido não acreditarnela. Cassie se virou para Nick,desesperada, pensando que, se alguémpodia lhedar apoio, seria ele.MasNickestava inexpressivo, sem disposição paraserebelarcontraostatusquo.

Faye se ergueu e se posicionou nomeiodogrupo.

— Acho que devemos ir às docasdepois da escola e ter uma palavrinhacomScarlett.

— Devíamos lançar a maldição docaçador de bruxas contra ela — gritouDeborah.

DianafoiparaoladodeFaye,cruzouosbraçoseassentiu.

—Concordo.Quemestáconosco?—Ergueu-se uma série de mãos. — Mas,para isso, precisamos ter o Círculocompleto. Caso contrário, talvez nãotenhamos força suficiente. — Dianafitava Cassie. — Temos um Círculo

completo,ounão?Cassie se virou para Adam. Seus

olhos estavam cheios de desejo e amor,insistindo que ela confiasse neles, queconfiassenele.Eelaqueria,deverdade.

— Cassie — disse Nick. — SeScarlettnãoéumacaçadora,ofeitiçonãovai funcionar nela. Pode ser sua chancede provar que tem razão. — Ele sorriucom gentileza, assentindo para Diana eAdam. — E provar que eles estãoerrados.

— É verdade — disse Melanie aDiana.—Selançarmosamaldiçãosobre

Scarlett e ela não for uma caçadora, vaisaberoquenóssomos.

— Sei disso — confirmou Diana,confiante.

CassieergueuoolharparaDiana.—Você tem certeza—disse ela—

deque estádisposta a exporoCírculo auma forasteira inofensiva e bem-intencionada?

—Tenhocerteza.—DianavoltouaencararCassiesemraivaouódio,apenascomcompletaconvicção.

— Então, estou com vocês — disseCassie em voz baixa, quase para si

mesma.—Hoje vamos às docas depoisdaaula.

O

17

grupoatravessouapitorescaorladeNew Salem até as docas, onde

Scarlett trabalhava. No caminho, DianapuxouCassie de lado e a agradeceu poracompanhá-los. Disse sentir-se mal porse colocar contra os desejos de Cassie,mas insistiuqueeraparaa segurançadetodoogrupo.

Cassie se obrigou a demonstrar boa

vontade e disse que entendia. De queadiantava bater cabeça com Diananaquele momento? Além disso, comoNick falou, o encontro podia provar deuma vez por todas que Scarlett era sóuma garota comum, sem intenções deprejudicaroCírculo.EntãoCassieestarialivreparasersuaamiga.

EntreouvindoaaparentetréguaentreCassieeDiana,Adamsegurouamãodanamorada. Ainda a segurava, enquantoDianasedirigiaaogrupo.

—Todosconhecembemoplano?—perguntou. Seu cabelo louro cintilava ao

sol, e ela mostrava a segurança de umacomandantesuprema.

OsolhosdeDeborahbrilharamcomaexpectativadabatalha.

— Nós a puxamos para fora,cercamos, depois lançamos a maldiçãocontraocaçadordebruxas.

—Não—corrigiuAdam.—Nós acercamos e conseguimos todas asinformações.

—É issomesmo—disseDiana.—Precisamos obter o máximo deinformações antes de lançarmos amaldição.—Elaseinterrompeu.—Em

particular porque não temos certezaabsoluta doque acontecerá depois que alançarmos.

Cassie não conseguia nem pensarnessa parte. O único jeito de superar asituação seria continuar acreditando emScarlett.

—Lá está ela.—Laurel apontou asaídalateraldoOysterBar.—Deveestarfazendoumintervalo.

— Perfeito— esbravejou Faye. Erafácil ver que seu sangue fervia deempolgação. Ela se adiantou ao grupo,liderando.

Scarlettos viu se aproximandoquasede imediato.Qualquer um em seu juízoperfeito teria ficado alarmado ao ver aaproximação do grupo furioso de 12pessoas, mas Scarlett abriu um largosorriso e acenou para eles, agitando obraço fino de um lado a outro, como seprecisassechamaraatençãodeles.

— Ela está blefando — disse Fayeenquantoelescontinuavamaabordagem.—Nãocaiamnessa.

Mas as palavras de Faye eramdesnecessárias.Nenhumdelesvacilououreduziuopasso.AntesdeScarlettpoder

dizer“oi”,elesatinhamcercado.Finalmente ela começava a entender

que algo peculiar acontecia, que estavacomproblemas.

— O que está havendo? — Ela sevirou,rodando,tentandolocalizarCassienocírculodecorposderespiraçãopesadaaoredordela.

A cena não podia ter acontecido emum lugar mais tranquilo. EstavamposicionadosaoladodoOysterBar,ondenão havia ninguém, a não ser peloocasional ajudante de garçom checandoas caçambas de lixo. Scarlett estava

encurralada. Ninguém sequer a ouviriagritar.

Agora,sóCassiepodiasalvá-la.— Scarlett — disse ela. —

Precisamos ouvir a verdade de você, oupode semachucar.Meus amigos achamque você tem alguma relação com meuacidentedecarro.Eunãoacreditonisso.Masprecisoquevocêproveaelesqueéinocente.

Os olhos escuros e redondos deScarlettrelaxaram.

—Éporisso?Éclaroquenãotenhonadaavercomoacidente.

—Eofarol?—AvozdeDianaerasevera.Maispareciaumaameaçadoqueumapergunta.

— O que tem ele? — perguntouScarlett.

— Você o destruiu totalmente numincêndio—gritouFaye.

—Oquê?—Scarlettagoraperdiaacalma. — Por que eu faria uma coisadessas?—Seusinstintosdesobrevivênciaassumiram,eCassie sabiaqueahoradaverdadenãoestavalonge.

Adamestreitouosolhosparaela.—Comquemvocêestátrabalhando?

—NoOysterBar?—AgoraScarletttremia,comoumgatovira-lataameaçadoepreparadoparaatacar.

—Responda à pergunta—ordenouDiana. — Com quem você estátrabalhando?

—Nãoseidoquevocêsestãofalando—gritouScarlett, correndoparaCassie,embuscadeajuda.OCírculose fechou,bloqueandoqualquersaída.

Mas Faye entendeu a corrida deScarlett para Cassie como uma ameaçadireta e reagiu rapidamente. Ergueu asmãoseentoou:

— Pelo poder deste Círculo, invocoHécate!

Naquele momento, o tempo ficoumaislentoparaCassie.ElaviaochoquenorostodeScarletteafúrianosolhosdeFaye.OuviuDianagritar:Não,aindanão!

MasFayeerairrefreável.Elapareceuter tomado proporções gigantescas noinstanteemqueinvocouHécate,comoseincorporasse a forma da própria deusa.Parecia chegar a 2 metros de altura, eseusolhoscordemelescureceramcomobolas de gude. Ela lançou a primeirapartedamaldiçãocomopoderdotrovão.

QueamaldiçãocaiasobreocaçadorquemequerprejudicadoOsatosdemaldadevosretornarãotrêsvezesmultiplicado!

Océu acimadasmãos estendidas deFaye se avermelhou e espiralou numanuvem violenta e afunilada. Ela achamouparasi,puxandoemoldandoemumabola de fogo aomexer a pontadosdedos encantados. Enquanto jogava aboladeumadasmãosàoutra,oCírculoentoavaaspalavrasemlatimquetinhamdecorado — palavras sombrias e

insondáveisqueelesnemcompreendiam—atéqueFayeatirouaboladefogoemScarlett,comosefosseumapedrapesada.

Mas Scarlett chocou a todos. Comummovimentorápido,pegouofogoeoexplodiuentreaspalmas.

—Quesejadesfeito!—exclamouela,oclássicofeitiçodedefesa.

Em segundos, Faye encolheu aotamanho normal e tombou de lado nochão. A abertura no céu se fechousozinha,ealuzdodiavoltouaonormal.

— Como você conhece o feitiço dedefesa?—perguntouCassie.

Masmesmoenquantoaperguntasaíadosseuslábios,Cassiesabiaquesópodiahaver uma explicação. Scarlett não eraumacaçadoradebruxas.Eraumabruxa,comoeles.

Deborah e Suzan correram atéFayepara verificar se a amiga estava bem.Lentamente,acolocaramdepé,maselapareciatontaedesequilibrada.

Scarlett se virou para Cassie. Seusolhos escuros ainda inflamados com ofeitiço.

— Lamento que você tenhadescobertodessejeito—disseela.

Adamavançouumpasso,aturdido.—Vocêéumabruxa?Scarlett assentiu e se virou de novo

paraCassie.—Eu queria te contar nomomento

emquenosconhecemos.—Porquenãocontou?—perguntou

Diana.—Estava esperando pela hora certa

—disseScarlett.—Você é umabruxa?—perguntou

Cassie, repetindo as palavras e o tomatordoadodeAdam.

— E não sou qualquer bruxa. —

Scarlett sorriu timidamente. — Sou suameia-irmã.

— O quê? — Cassie mal podiarespirar.—Comoassim?

— Temos o mesmo pai — revelouela.—BlackJohn.

Scarlett observou o choque em cadaumdaquelesrostos.

—Vimparacátentandoescapardoscaçadores de bruxas, como vocês estãofazendo agora. Fomos descobertos naminhacidade.

Ela se virou para Diana, de certomodoentendendoque ela era a líderdo

Círculo.—Oscaçadoresmataramminhamãe

— disse ela. — Depois me marcaram.Vim para cá procurando a proteção doCírculo.

—Entãovocê sabiaanosso respeito—disseMelanie.

—Sim.—Scarlett segurou asmãosdeCassie.—Minhamãefoicriadanestacidade. A vida toda eu soube que tinhaumairmãaqui,equeriaconhecê-la.

Era quase demais para Cassiesuportar.Todoomundocomeçouagirar,eelapensouqueestavadefatosonhando,

mas Diana se manifestou, arrancando-aruidosamentedochoque.

—EntãoCassieestavacertaotempotodo—disseela,apoiandoumadasmãosesguiasnoombrodeCassieeaoutranode Scarlett. — Aceitem minhasdesculpas, por favor — pediu ela. —Nossas desculpas. A vocês duas.Deveríamostertidomaisfé.

— Eu aceito — disse Scarlett,sorrindo.

Mas a voz roucadeFaye estragouomomento sentimental. Ao que parecia,elahaviarecuperadoasforças.

— Como vamos saber se você nãoestámentindo,Scarlett?Queprova vocêtemdequalquerumadessasalegações?

Deborah respondeu por Scarlett epelogrupo.

—Quandoelafezvocêcairdecostasdesviando sua maldição — alfinetou ela—,foiprovasuficienteparamim.

—Paramimtambém—disseSuzan,rindo.

Fayesorriucommalícia.—Euquisdizersobresermeia-irmã

deCassie.— Ela está dizendo a verdade —

disseCassie.—Eusinto,bemnofundo,queaconheçoavidatoda.

DianasevirouparaFaye.— Acho que está na hora de

confiarmos em Cassie. É evidente quesuavisãonãoestavanadanublada.

Um por um, todos expressaram suasdesculpas a Scarlett. Até Melanie, quequeria tantoacreditarqueScarlett foraacaçadora responsável pela morte da tia-avó Constance, deixou de lado o desejodevingançaeapertousuamão.

— Nós a julgamos mal — disseMelanie.—Medesculpe.

Não compensava muito,considerandoqueelestinhamacabadodetentarmatá-la,maserasóoquepodiamdizer.

As desculpas foram para Cassietambém. Mas ela não precisava queninguém sedesculpasse—estava comarazão. Sabia que se sentia ligada aScarlett, simplesmente sabia! Era umalívioqueenfimaverdadefosserevelada.

Adam parecia tão aliviado quantoCassie. Aproximou-se da namorada e aabraçou.

— Eu nunca devia ter duvidado de

você—disseele.—Estátudobem—afirmouCassie.

—Podeselembrardissodapróximavez.— Ela abraçou Adam e, ao fazer isso,percebeu Nick a observando. Ele foi oúnicoqueficouaoseuladoquandotodosos outros estavam certos de que Scarletteramaligna.Ela teriaquese lembrardeagradecer a ele depois, quando tivessemuminstanteasós.

C

18

assie sempre sonhou em ter umairmã, alguém em quem confiar e

com quem trocar segredos, alguém quesempre estaria junto dela,independentemente de qualquer coisa.CassieeDianaprometeramserirmãs,asirmãsquenenhumadasduastinha.Masisso não estava dando muito certoultimamente,oupelomenosnãocomoas

duas imaginavam. Porém, agora Cassiepossuía uma irmã de verdade. Bem,meia-irmã,mas ainda assim Scarlett erade verdade. Cassie não era mais filhaúnica.

Naquela noite, Cassie convidouScarlettparadormiremsuacasa.Tinhaoimpulsodesabertudoquepudessesobrea menina o quanto antes. Não paradescobriroqueScarlettsabiasobreopaidas duas e os caçadores de bruxas,embora naturalmente isto também fosseimportante, mas para descobrir tudosobre ela. Havia muito tempo para

Scarlett contar ao Círculo sobre oscaçadores. Esta noite, porém, eramapenasasduas.Elasmereciamisso.

AmãedeCassiehaviaidovisitarunsamigos em Cape Cod, e assim asmeninas tinham a casa toda para elas.Cassie ficou aliviada, porque não sabiaaindacomoabordaroassuntodeScarlettcomamãe.Comoexatamentesecomeçaumaconversadessas?“Mãe,sabeoamordasuavida,queficoumau?Eletambémtem outra filha.” Em especial com umamãe como a de Cassie, que semprepreferia se esconder do passado e fingir

que ele não existiu. Sua mãe enfiaria acabeça na areia como um avestruz eviveria para sempre assim se pudesse.Descobrir que Cassie tinha uma meia-irmãe,piorainda,queomaridoteveumafilha com outra, podia ser demais paraela.Cassieprecisariademuitotatoafimdeprepará-laparaessechoque.

Naquela noite, porém, elas podiamser apenas irmãs. Ela se sentiu numestadoespontâneodefelicidade.ComoseScarlett e ela tentassem compensar ainfânciaquenãopuderamterjuntas.Nasprimeiras horas, fizeram todas as coisas

tradicionais de uma festinha de pijama.Pediram pizza de pepperoni e rirammuito. Pintaram as unhas uma da outracomesmalteroxocintilanteedevoraramsundaes de chocolate até ter dor debarriga.

Depoisasduasvestiramospijamas,eScarlett prendeu o cabelo de Cassie emduas tranças francesas entrelaçadas.Cassie escovou as ondas compridas docabelo vermelho de Scarlett e nãoconseguiudeixardeperguntar:

— Se você não tingisse seu cabelo,seriadamesmacordomeu?

—É—disseScarlett.—Olheparanossas sobrancelhas; têm o mesmo tomdecastanho.

— E temos o mesmo formato denariz.

— É verdade. Nós duas temos omesmonarizpequenoeperfeito.

— Você detesta ervilha? —perguntouCassie,sentindo-seridícula.

— Detesto, mas não acho que issosejagenético.

— Você não entende.—Cassie riadescontroladamente. — Eu odeio tantoervilhaquejuroqueestánomeuDNA.

Scarlettcaiunagargalhada.Ter uma festinha de pijama com

Scarlett não era nada parecido comdormir na casa de Diana. A amigasempre se comportava como uma adultaséria. Raras vezes relaxava o bastantepara ser apenas boba. Mas bobeira nãoeraproblemaparaScarlett.Emborafosseuma bruxa, ela nem sempre agia de talmaneira. E, embora tivesse sofrido umatragédia e uma perda insuportáveis, nãose afundava na melancolia. Antes detudo,Scarletteraumameninaquequeriasedivertirumpouco,eistoeraosoprode

arfrescodequeCassienecessitava.Aconversaseguiuatétardedanoite.

Omundo foi ficando calmo e sonolentoaté por fim silenciar enquanto Cassie eScarlettcontinuavamacordadas,trocandohistórias. E, à medida que as horaspassavam, a conversa vagou para águasmais profundas. Aos sussurros, ScarlettpreencheuosmuitoshiatosnahistóriadafamíliadeCassie.

—Eusempresentiqueeradiferente— disse ela. — Mesmo antes de saberqueeraumabruxa.

— Sei o que você quer dizer, pode

acreditar.—Cassie trouxeos joelhos aopeito. — Nunca me senti em casa emlugar nenhum. Sempre me sentia umaaberração.

—E os sonhos e pesadelos—disseScarlett.

Cassieconcordoucomacabeça.—Principalmenteospesadelos.— E as coisas estranhas que

acontecemsemprequeficocomraiva.—AvozdeScarlettseelevouumpouco.—Foiassimquecomeçou.

Cassieassentiucommaisintensidade.As semelhanças entre as duas eram

fantásticas.CassiequeriacontaraScarlettsobre as trevas que às vezes sentia pordentro. Não só sentimentos ruinsincitadospordeterminadaspessoas,comoonovodiretor,porexemplo,masaquelaoutra escuridão. Aquela bem no fundo,cujaexistênciaelamalconseguiaadmitira simesma.SeráqueScarlett sentia issotambém? Será que tinha medo de quealguma parte sinistra de Black Johnestivesse alojada em sua alma,contaminando-a e embaçando-a comoopulmãocancerosodeum fumante?Mas,antes que Cassie criasse coragem para

fazer a pergunta, o rosto redondo deScarlettficoumortalmentesério.

—Equandoeutoqueipelaprimeiravez a hematita — disse ela. — Asensaçãonopeitofoi...

—Eusei!—exclamouCassie.—Eutambém!

— É minha pedra de trabalho —disseScarlett.

—Aminhatambém.Scarlettsorriucomastúcia,comosejá

desconfiasse.— É uma ocorrência

verdadeiramente rara, sabia? Ter a

hematitacomosuapedradetrabalho.Cassievirouorostoporumsegundo,

envergonhada. Tinha que lembrar a simesma de que não precisava seconstranger de sua ligação com BlackJohn,pelomenosnãocomScarlett.

Scarlettaobservavacompaciência.— Está tudo bem. Sei que é muita

coisaparaprocessar.Ela sente, pensou Cassie. Scarlett

compreende a tortura do segredo maisprofundo de Cassie. Scarlett suportou amesma esmagadora escuridão latentedentrodesi.

O ar entre elas se aquietou por ummomento, e Cassie sentiu que era aoportunidadedeperguntarsobreopai.

—É por causa dele—disse ela.—Que a hematita funciona para nós duas.Nãoé?

Scarlettassentiu.—Eudiriaqueestadeveserarazão

principal.— Você o conheceu? — perguntou

Cassie, sem precisar pronunciar o nomedopai.

Scarlettmeneouacabeça.— Não. Mas minha mãe contou

histórias.Asuacontou?Cassieficouvermelha,comvergonha

dosdefeitosdaprópriamãe.—Naverdade,não.— Nossas mães foram grandes

amigas na adolescência — contouScarlett.—Sabiadisso?

Cassievasculhouamemóriaembuscadequalquerlembrançadamãefalandodevelhas amigas, mas nada lhe veio àcabeça.

— Não — respondeu ela,decepcionada.—Nãoseimuitacoisadopassadodaminhamãe.

— Bem, nossas mães eram grandesamigas—disseScarlettcategoricamente.— Até Black John se colocar entre asduas. Sua mãe o roubou dela. Por issominhamãesaiudacidade.

— Eu não sabia. — O coração deCassie doeu um pouco devido àquelanova imagem da mãe, mas tambémporque subitamente pensou emDiana eNick, e em como Adam e ela secolocaram entre os dois. Será que ascoisas voltariam a ser como antes entreeles, ou estariam ligados pelo mesmodestino?

Scarlett notou uma alteração noestadodeespíritodeCassie.

—Eu te aborreci?—perguntou.—Talvez eu esteja falandomuito... e cedodemais.

—Não,deixedeserboba.—Cassieseobrigouarelaxare,porenquanto,tirarAdam e os outros da mente. — Querosaberdetudo.Nãomeescondanada,porfavor.

Scarlett franziu os lábios e olhouCassie,incrédula.

—Temosavida inteirapara colocartudoemdia,sabia?Nãoprecisamosfazer

tudonumanoitesó.Era uma ideia incrivelmente

reconfortante.Avidainteira.Elaspodiamvoltar a rir e brincar, e continuar aconversa séria no dia seguinte. MasCassie esperou aquela oportunidade portempo demais para deixar escapar maisum minuto que fosse. Precisava saber averdade,sobretudo.

—Porfavor,mecontemais—disseela.—Euaguento.

— Então, tá. — Scarlett segurou amãodeCassieeaapertou,e,quandofezisso, Cassie olhou para baixo, para os

dedos entrelaçados das duas. Quaseparecia ser possível ver um cordãoenvolvendo asmãos, ligando-as.Como aligaçãoentremimeAdam,pensouCassie.Ela e Scarlett estavam ligadas. Erampredestinadas. Isso explicava tudo o queela sentiu no momento em que pôs osolhos nela, o fato de estar disposta acontrariaroCírculointeiroparadefendê-laeprotegê-la.

Se Scarlett também viu, nãomencionou. Continuou falando comosempre,acariciandoamãodeCassie.

—Nuncavoumeesquecerdodiaem

que minha mãe me disse que eu tinhaumairmã.Issomudoutudoparamim.Eusabiaqueumdiaiateencontrar.E,olhasó, eu tinha razão. — Ela esperou uminstante para ver a expressão deCassie.—Nãoentendoporqueasuamãenuncatecontou.

De repente,Cassie se sentiu em umnovoníveldeconsciência.Afastouamão.

— Espere um minuto. Minha mãesabiadevocê?

—Éclaroqueelasabia.—AvozdeScarlett continha uma leve sugestão deescândalo.—Todosaindamoravamem

NewSalemquandonascemos.Cassie pensou na conversa que teve

recentemente com amãe.Em como elaolhou fundo em seus olhos e jurou tercontado à filha toda a verdade sobre opai.Euadoravaser todadele equeele fossetodo meu, disse ela, mas era mentira.Sabiaqueeleestavacomoutra.

—Comominhamãenãomecontouque eu tinha uma irmã? — indagou-seCassieemvozalta.

Estaeraumanovafronteiraquetinhabrotado entre ela e a mãe, e, nomomento, parecia intransponível. Toda

sua infância e adolescência foramcorroídas por mentiras — a verdade sóveio à luzquandoelas semudaramparaNew Salem e Cassie descobriu que eraumabruxa.Elaconseguiraentendertodoo segredo que a mãe havia mantido naesperança de protegê-la. Mas agora lheocorria que mesmo suas conversas maisrecentes foram envenenadas pelafalsidade. Naquele exato momento, amãeaindamentiaparaela.Cassienuncase sentiu mais distante da mãe quantoagora.

—Ela devia ter te contado— disse

Scarlett. — Que outras coisas estariaescondendodevocê?

Cassie percebeu que Scarlett tinhacompleta razão. Se a mãe podia mentirsobre a existência de uma irmã, podiamentirarespeitodetudo.E,seelaaindaia guardar segredos, Cassie tambémguardaria. Decidiu, então, não contarnadaàmãesobreterconhecidoScarlett.Ela nãomerecia sua sinceridade.Não ahaviaconquistado.

Felizmente, agora Cassie tinha umairmã,e tudoseriadiferente.Tudoficariamelhor. Se tivesse que ser só as duas

contra o resto do mundo, assim seria.Elascontinuariaminseparáveis,eestaeraa única coisa de que Cassie se sentiaseguraagora.

— Scarlett — disse ela, sentindo ocoração transbordar de amor e carinho—,agoraquevocêestá aqui, finalmenteeumesintoemcasa.

—Eu também.—Os olhos escurosdeScarlettbrilharam.—Eununcaestivetão certade coisa alguma.Este éomeulugar.

–V

19

ocê quer um latte ou umcappuccino? — perguntou Adam

nafrentedafiladobalcãodacafeteria.—Mesurpreenda—disseCassie, e

oviufalarcomobalconista,fazendoseupedidoecontandoodinheiro.

Cassiefingiunãooconhecerporummomento, e imaginou que ele era umestranho que ela via pela primeira vez.

Observouseumaxilareosombroslargos,aqueles cachos castanhos avermelhados.Sim, pensou.Seria amor à primeira vistamaisumavez.

As questões entre Cassie e Adamtinhamfechadoumcírculocompleto.Osúltimos dias desde o confronto comScarlett nas docas foram românticos eexcitantes, como os primeiros dias dorelacionamento. Quando ele a beijava,ela estremecia com aquele prazer eexcitação familiares; amava-ocompletamente,de todo corpo e alma, esabiaqueelesentiaomesmo.

Desde que veio à tona a verdadesobreScarlett,AdamvoltouaserAdam,eCassieeradenovoCassie,porémmaisfelizemaisconfiante.

Adamretornouàmesadosdois,ondecolocou ummocha gelado com creme eumgigantescocookiedechocolate.

—Vocêdisseparafazerumasurpresa—disseele.

— Você está tentando me deixardoidonadeaçúcar.

—Écomoeumaisgostodevocê.—Ele mergulhou o dedo no creme paraprovar.

Cassie espiou a porta, mas a garotaqueentravanãoeraScarlett.

Adamriu.— Ela só está alguns minutos

atrasada,relaxe.— Eu sei. — Cassie quebrou um

pedaçodocookieepôsnabocaenquantoAdamtiravaoutraporçãodocreme.Eladesviou o olhar, sem querer ser pegaobservando-olamberocremedosdedos.

—Será que devodeixar você emeumochaasós?—perguntouela.

Adam ficou vermelho e empurrou abebidaparamaispertodeCassie,forado

seu alcance. Depois limpou a boca comumguardanapoetentouficarsério.

—Estoumuitofelizporvocê—disseele. — Scarlett é incrível. Dá para vertotalmentequevocêsduassãoparentes.

— Eu tentei te dizer — respondeuela.

—Eusei.Enuncafiqueitãofelizemadmitirqueestavaerrado.

—Bem,podedizerissopessoalmenteaScarlettseelaapareceraqui.—Cassieolhouaportamaisumavezetomouumgole da bebida. — Estou começando ame preocupar por ela ainda não ter

aparecido.Vouligar.MasScarlettnãoatendiaaotelefone,

eCassieficouaindamaispreocupada.— Estou com um mau

pressentimento.—ElasabiaqueAdamalevaria a sério se ela colocasse destaforma.

—Entãoprecisamosiràpousadaverseelaestá lá.—Adamse levantou,semperdertempo.

Era exatamente o que Cassie queriasugerir. Às vezes a previsibilidade era oqueelamaisgostavaemAdam.

A pousada onde Scarlett estavahospedadaeraumaconstruçãogeorgianapertodaOldTownSquare.EraumadaspousadashistóricasmaisbonitasdeNewSalem, de propriedade de um velho queCassie conhecia de vista. Ela seacostumou a vê-lo passeando com seustrês lulus da Pomerânia pela cidade.Algumasvezes,elaseabaixavaparafazercarinhoemumdoscachorros,masnuncaconversou muito com o velho. Foi elequem atendeu a porta quando eleschegaram,oscachorroslatindoepulandoemvoltadosseuspés.

Cassie apresentou a si e a Adamenquanto o homem mandava os cãesfazerem silêncio. Depois de entrar, elagaguejouumpoucoantesdedizer:

— Desculpe incomodar o senhor,masminhairmã,Scarlett,estáhospedadaaqui.Queríamossaberseelaestá.

Era a primeira vez que Cassie diziaaquelas palavras, minha irmã. Eraextasiante,mastambémpareciaestranho,comoseestivessementindo.

O homem assentiu e coçou a barbagrisalhaporfazer.

—Sim,sim,Scarlett,docabelolouco

—disseele.— Então, ela está? — Por um

momento,Cassieficoualiviada.— Não — respondeu ele. — Não

aparecedesdeontem.Adam notou o pânico nos olhos de

Cassieebuscoumaisinformações.—Temcerteza?Elanãovoltoupara

cáontemànoite,nemparadormir?— Não, não voltou — disse o

homem, aprumando a postura. — Masistonãoédasuaconta.Umagarotatemdireito à privacidade. — Seus olhoscorreramentreAdameCassie,depoisele

ergueu as sobrancelhas brancas. — Medesculpem,mastereiquepedirparavocêssaírem.Nãopossodarinformaçõessobremeus hóspedes a dois estranhos, jovensounão.

— É claro — disse Adam. — Nósentendemos.Obrigadopelaajuda.—Eledeixou um número telefônico para quefossemprocurados casoScarlett voltasse,ouseelesoubessedoseuparadeiro.

Nocarro,Cassiesevirouparaele.— Agora estou morrendo de

preocupação.Oquevamosfazer?Adamestavaconcentradonadireção.

— Acho que devemos esperar umpouco mais — disse ele com calma. —Nãosabemosseelaestácomproblemas.Elapodeestarsimplesmentecuidandodaprópriavida.

— Cuidando da própria vida? —Cassie se exasperou. — Se fosse assim,ela teria aparecido na cafeteria na horamarcada,oupelomenosteriaatendidoaotelefone.

— Cassie. — Adam escolheu aspalavras com cuidado. — Procure selembrardequenãosabemosmuitosobreScarlett.Elapodeteridovisitaramigose

seesquecidodeligarparavocê.— Então você acha que ela

simplesmente deixou a nova irmã namão?

—Nãoéissoqueestoudizendo.— Você acha que ela é instável —

disseCassie.—Sóporqueelanãoé tãotravadacomotodosvocês.

—Todosvocês?—Adam,segurandoo volante com força, parou o carro. —Querdizernós,oCírculo?Porquevocêinsiste em se separar de nós? Eu nãoentendo,Cassie.

Cassiesentiacoisasdemaisaomesmo

tempo para conseguir compreendê-las.Mas ali estavam eles de novo, tendo amesma briga que pareciam ter sempre.Ela estava cansada de Adam sempretentando racionalizar os sentimentos deCassie.

— Não estou me separando —retrucouela.—Masnão seioquemaisvocê precisa para aceitar totalmenteScarlett.Elaéminhairmã,Adam.

— Eu sei — disse ele, continuandopela Crowhaven Road até a casa deCassie. — Eu não quis dizer nadaquando sugeri que talvez ela não esteja

com problemas. Vê a rapidez com quevocêchegaaessaconclusão?

Cassie não queria admitir, mas eraverdade. Ficou em silêncio até eleschegaremàsuacasa.

—Achoquesóestouabalada—disseelaporfim.

—Vamosdaranoitecomoencerrada— disse Adam. — Se você ainda nãotiver notícias dela, prometo quereuniremosogrupoparaprocurarporelapelamanhã.

—Tudobem.—Cassiedeuumbeijono rosto deAdam,mas não o convidou

paraentrar.

***

Naquelanoite, ela teveumsonho.Numminuto estava em uma praia,bronzeando-se ao sol de verão, com obarulhodomaredasgaivotasenchendoseus ouvidos, e no seguinte ouvia umgrito. Era um pedido de socorrohorripilante,muito parecido como gritodeMelanie na noite em queConstancefoi morta no festival. No sonho, Cassieabriuosolhosedescobriuquenãoestavamais em uma praia ensolarada, mas em

umcampooucampina,ànoite.Eocéutinhaescurecido,parecendoáguapoluída.

O grito de socorro se tornou maisalto. Cassie pensou que vinha de umacasa escura ao longe. Erainconfundivelmente a voz de Scarlett,masCassienãoconseguiaalcançá-la.Narealidade,nãoconseguiasemexer.

Scarlett!, gritou Cassie, ainda nosonho.Estouteouvindo!

Parecia tudo tão nítido que, paraCassie,erareal.

A ligação funcionou, respondeuScarlett,aliviada,porémaindaapavorada.

Ondevocêestá?,perguntouCassie.Não sei! Os caçadores me mantêm em

cativeiro. Estão me torturando, estudandomeuspoderes.Meajude,porfavor!

Procureficarcalma,disseCassie.Pensebem,háalgumapistadeondevocêestá?

Me ajude, Cassie. Por favor, rápido.Achoqueelesvãomematarlogo.

Não! Cassie a estava perdendo. Aligação ficava mais fraca. Scarlett, aindaconsegue me ouvir? Prometo que vou teencontrar, de algum jeito. Scarlett? Oi?Aguente.Vamossalvarvocê!

Cassie se sentou na cama, assustada.

Agora estava inteiramente desperta, emseuquarto,sozinha.Osmóveisdemognoa encaravam. Pelo corredor, ela ouvia amãe ressonar. Tudo estava como deviaser.

Eram3horasdamanhã.Adamdisseparadar anoite comoencerrada.Mas eseScarlett não tivesse até amanhã?Elaprecisavaligarparaele.

Tremendo, discou o número deAdam e, no momento em que eleatendeu,Cassiefalou:

—Scarlettfoiraptada.Adamsoavagrogueeconfuso.

—Oquê?—Eusonhei.Masnãofoiumsonho.

Ela procurou por mim, Adam.Nós noscomunicamos.

—Temcerteza?—Nuncativecertezamaiornavida.

Sãooscaçadores.Elesapegaram.—Tudobem.—Adampigarreou.—

Vou ligar para os outros. Onde nosencontramos?

—Atrás daminha casa, na escarpa.Não podemos correr o risco de acordarminhamãe.

—OK.Jáchegoaí.

—Adam,maisumacoisa.—Cassiemal conseguia expressar como estavaagradecida por tê-lo numa hora dessas.—Euteamo.

Elaquaseoouviusorrir.—Eutambémteamo—disseele.

F

20

aye, Deborah e Suzan foram asúltimas a chegar. Cambalearam na

direção dos outros, de olhos baços,desgrenhadasemuitopoucovestidasparaofriodocrepúsculo.

— Estavam curtindo a noite —constatouAdamquandoasviuchegando.—Parecequeaindaestão.

—Eaí,qualéagrandeemergência?

—disseFayenumtomaltodemais.—Émelhorquesejaboa.Sabequehorassão?

— Qual é o seu problema? —perguntouMelanie.

FayeriuedeuumtapinhanoombrodeMelanie.

— Você e Laurel não são as únicasinteressadasemherbalismo.—Elatirouum conta-gotas do bolso. — Querprovar?Étotalmentenatural.

AexpressãodeMelanieendureceu.— Não é hora para isso — criticou

ela.—OscaçadorespegaramScarlett.Fayedevolveuoconta-gotasaobolso.

—Achoqueissoéumnão.CassiedecidiuignorarFaye,Deborah

e Suzan, e só se dirigiu aos que eramcapazesdeprestaratenção.

—Scarlettnão sabeondeamantém—contouela.—Masestácommedodequeamatem.

Ela então descreveu seu sonho emdetalhes, que os caçadores mantinhamScarlett em cativeiro, torturando-a eestudando seus poderes, e que elaimplorouaCassieparasalvá-la.

— O que vamos fazer? — Adamdirigiu a pergunta a Diana, mas foi

Cassiequemrespondeu.— Precisamos descobrir onde os

caçadoresaestãomantendo—disseela.—Podemosusaro feitiçode localizaçãoqueConstancenosensinou.

— Isso! — disse Faye, olhandofixamentea lua,comoseocorpocelestefalasse com ela.—Vamos voltar a usarmagia!

—Nãotão rápido.—Diana franziuoslábios.—Temosquetratardissocommuitocuidado.

—Desmancha-prazeres—reclamouFaye.

—Oque fizemosnasdocas foiumaexceção—disseDiana com firmeza.—O uso da magia ainda nos coloca emperigo. E se este for um truque paraajudar os caçadores a descobrir quemsomos?

— Não dou a mínima para isso —soltouCassie.

Todos viraram a cabeça na direçãodela,assombradoscomsuaresposta.

— Minha irmã está em perigo —continuou Cassie, recusando-se adesanimar.—Oriscovaleapena.

Deborah foi a primeira a romper o

silênciocomumagargalhada.—Adecisãonãoésua,princesinha.Cassie teve o impulso de gritar de

novo, mas se conteve e dissesimplesmente:

—ComoumadaslíderesdoCírculo,partedadecisãoéminha.

—Quandoéquevocêvai entender?—gritouFaye.—Nãopodecolocarsuasnecessidades insignificantes acima doCírculo.

— Esta não é uma necessidadeinsignificante, Faye — replicou Cassie.— Scarlett está sendo torturada.

Provavelmenteirãomatá-la.—Mas está tudo bem para você se

todosnósformosmortostentandosalvá-la.—FayedeuascostasparaCassiecomdesprezo, jogando o cabelo preto comobreunadireçãodela.—Vocêestásendoegoísta.

—Olhaquemfala—rebateuCassie.—Quemémaisegoístadoquevocê?

— Tudo bem. Já chega. — Dianaelevou sua voz clara e dominadora emandouquesecalassem.

Adam tentou acalmar Cassiecolocandoamãoemsuascostas.

— Deve haver um jeito de fazer ofeitiço de localização sem que oscaçadoresorastreiem.

Todos ficaram em silêncio por ummomento, refletindo, mas Cassie nãoconseguiaentendertodaessadeliberação.Umasensaçãodecaloradominava,vindonãodefora—aescarpaaindaestavafriae ventava —, mas de suas entranhas,ondeborbulhavaumafúriafervente.

Não tem jeito, ela pensou. Teria queencontrarScarlettsozinha.

Então Adam se levantou do troncoemqueestavasentado.

—Podemos fazer isso em um lugarlotado — propôs ele. Ninguémrespondeu, mas Adam exibia umaexpressão de prazer, e sua respiraçãoestavaacelerada.—Nãoentenderam?Sefizermos isto numa multidão, oscaçadoresvãoterdificuldadeparadecifraraorigemdamagia.

—Essa,meuamigo,foibrilhante—aprovou Chris, trocando um high fivecomAdam.

Os olhos cinza de Melanie searregalaram.

— Isso pode dar totalmente certo.

Podemosusarumeventodaescolacomodistração.

— Embaixo das arquibancadas —exclamou Laurel. — Durante as provasdeatletismo,depoisdaauladehoje.

CassieseatirouemAdamepassouosbraçoscomforçaemvoltadele.

—Éporissoqueteamo—disseela.—Vocêsempretemasmelhoresideias.

Os olhos de Adam irradiaram umaluzazulencantadora.

— É por isso?— Ele riu.— Tudobem,entãotemosumplano.Vamosfazerofeitiçodelocalizaçãoestatarde.

— Ainda temos que colocar emvotação — interrompeu Dianabruscamente.

Fayesorriucommalícia.— Boa forma de estragar um

momentoespecial,D.— É justo que todos tenham uma

palavra nesta questão — insistiu Diana.— E todos devemos ter em mente quelocalizarScarlettésómetadedasolução.— Ela parou e olhou para Cassie. —Decidir oque vamos fazer apartirdaí éoutravotaçãocompletamentediferente.

Cassieexplodiu,incapazdeseconter.

— Você não entende que eles irãomatá-la? Ela é parte da minha família.Issonãosignificanadaparavocê?

OslábiosdeDianasesepararam,maselanãoemitiusomalgum.InvestigavaosolhosdeCassie comoseprocurassealgoquetinhaperdido.

A raiva de Cassie não era dirigidaunicamente a Diana, mas podia muitobem ser. Ela gritou quase na cara dela.Isso não era um comportamentoadequado, mas, até onde Cassie sabia,estanãoerahoraparaumaanálisesériaeumaestratégiameticulosa.Nãoquandoa

vidadeScarlettcorriaperigo.Diana olhou para Cassie em outro

momentodeespantomudo,depoisvirouorosto.

— Estamos nos precipitando —avisouela.—Nãohágarantiasdequeofeitiçodelocalizaçãováfuncionar.

AdamsecolocouaoladodeCassieeaabraçou.

— Mas vamos tentar. Todosconcordam?

Houve gestos afirmativos de cabeçadapartedetodos.

Adam era muito bom para ela, e já

eraalgumacoisaogrupoestardispostoaexperimentar o feitiço, mas ainda nãobastava para consolar Cassie. Toda estavotação e planejamento era umdesperdício excessivo de tempo. Nesseritmo,elesnuncasalvariamScarlett.

C

21

assie foi para casa na hora doalmoço a fim de repassar todas as

anotações sobre o feitiço de localizaçãoque Constance havia lhes ensinado.Comonuncahaviafeitoaquelefeitiço,osdetalhes do seu funcionamento estavamobscuros em suamemória.As anotaçõesocupavam algumas páginas, mas, peloqueCassievia,aquiloserviaparalocalizar

objetos perdidos. Em nenhum lugar elaescreveusobreusá-loparaencontrarumapessoa.

Nesse momento, houve uma batidanaportadafrente.EraAdam;eladeveriateradivinhado.

— Imaginei que encontraria vocêaqui— disse ele, seguindoCassie até oquarto.

— Não estou evitando o Círculo.Queriapesquisarumpouco.

— Eu sei. De qualquer modo, vocêestá fora de perigo... Todos foram emcasapegarcoisasparaofeitiço.—Elese

jogounacamadeCassie,acenandoparaelasejuntaraele.

Será que ele realmente pensava queesta era uma boa hora para namorar?Cassie se sentou ao seu lado, segurandoasanotaçõesentreosdois.

— Esse feitiço de localização servepara pessoas?— perguntou ela.—Nãotinhapercebidoque,naverdade,foifeitoparaencontrarachavedocarro.

Adam pegou as anotações das mãosde Cassie e as colocou na mesa decabeceira.

—Talveznão funcione—disse ele.

—Masépossívelquesim.Essesfeitiçospodem ser usados para encontrar genteperdida se essas pessoas realmentequeremserencontradas.

Cassie sentiu os ombros relaxaremum pouco. Não havia dúvida de queScarlettqueriaserencontrada.

— Mas e se os caçadores nãoquiserem que ela seja encontrada? —perguntouela.

Adam franziu a testa emsolidariedade.

— Isto pode ser um problema.Masacho que os caçadores querem ser

encontrados,porqueelesqueremquenósos procuremos.—Depois seus olhos seencheramderemorso.—Háummotivopara que eles mantenham Scarlett viva,Cassie. Caso contrário, eles já a teriammatado.Vamosencontrá-la.Euprometo.

Cassie sabia que Adam tinha razão.Deu-lheumbeijosuavenorosto.

—Nãoseicomoeupassariaportudoissosemvocê.

— Para sua sorte, não precisa saber—disse ele enquanto avançavaparaumbeijo. Só por um momento, o mundopareceucertodenovo.

***

Naquela tarde, depois da escola, oCírculo se reuniu embaixo dasarquibancadas,poucoantesdo iníciodasfinaisdeatletismo.Faye,noentanto,nãoestava em lugar algum.Aoprocurar nasarquibancadas por ela, Cassie e Laurelnão ficaram surpresas ao descobrir quenãoestavasozinha.

Uma multidão lotava asarquibancadas ao redor de Faye eMax,mas eles nempercebiam.Maxbeijava opescoçodeFaye,quecorriaasunhasporseutroncoepuxavaseusjeans,comoum

animalfaminto.— Ela não largou Max, era tudo

papo— disse Laurel.—Mas acho quedepoisquesefazumfeitiçodeamor,estáfeito.

Cassieassentiu.— Só que Faye não está sob feitiço

nenhum,entãoqualéadesculpadela?—ElaéFaye—explicouLaurel.Cassie notou Portia andando na

direção delas, ou, mais exatamente,marchandoparaelas,vestindoumablusadegolaaltadomesmotomdocabelocordepalha.

— Lá vem problema — avisouCassie.

— Vocês vão dizer à sua amiganojentaparairparaummotel?—gritouPortia.—Istoéumaprovadeatletismo,nãoumfilmepornô.

Laurelriu.— Portia tem razão. Acho que eles

devem estar assustando as crianças. —Ela se virou para Cassie: — Você jogaáguageladaneles,oueujogo?

Portiaabriuummeiosorriso.— Obrigada, Laurel. Eu sempre

soubequevocêeraamaisracionaldasua

panelinha. — Depois, olhando paraCassie, acrescentou:—Masonível temestadobembaixo.

—Voucuidardisso—disseCassie,jáse afastando. Ela aceitava qualquerdesculpaparaescapardePortia.

Laurel e Portia continuaramconversando por alguns minutosenquanto Cassie fazia o possível parasepararFayedeMax.

—Não—gemeuMax.—Paraondevocêvailevá-la?

Todaaltiveztinhasidosugadadele.— Diga tchau, Max — insistiu

Cassie.—AgoraFayeprecisair.Faye lutou por um último carinho

deleantesdeser levada.Roçouosdedospelorostoperfeitodogaroto.

— Seja bonzinho e fique aqui —disse ela. — Mais tarde serárecompensado.

As feições fortes de Max seabrandaramcomumprazerjuvenil.

—Promete?Fayerespondeusoprandoumbeijo,e

Cassieaarrastouarquibancadaabaixo.Depois de alcançarem uma distância

segura,Cassiebalançouacabeça.

—NemacreditoqueesteéomesmoMax.

Fayesorriu.— Você acreditaria se o visse sem

camisa.

***

Embaixo da arquibancada, o Círculoquase tinha terminado de preparar ofeitiço de localização. Suzan e Seanprenderamvelasnochão:umaaonorte,outraaosul,umaaolesteeoutraaoeste.NickacendeuospavioscomseuZippodebronze.

Melanie deu um tapinha no ombrodeCassie.

— Com licença — disse ela,empurrando-a para o lado. — Tenhoincensosaacender.

— Eles não vão sentir cheiro doincenso?—perguntouCassie,referindo-seàmultidãonaarquibancada.

— Não — respondeu Melanie,enquanto limpava a energiado chão.—Ésójasmim.Nomáximo,vãopensarquetemalguémfumandoalgumacoisa.

— Está todo mundo pronto paracomeçar? — chamou Diana, olhando

paraCassie.Ela puxou Cassie de lado depois da

aula de química para discutir o queaconteceria na reunião da manhã.Tentou explicar sua posição: ela queriasalvar Scarlett tanto quanto Cassie, masprecisava equilibrar esse desejo com suaresponsabilidadeparacomoCírculo.Nãoé pessoal, disse ela. Cassie garantiu àDianaqueentendia.Maserapessoal.Eraisso que ninguém reconhecia. ParaCassie,tudoissoeramuitopessoal.

O barulho dos colegas de escolatorcendo acima deles indicava o começo

dasprovas.— Estamos prontos, como sempre

estaremos—disseLaurel.Ogruposesentouaoredordasvelas,

como Diana os havia instruído a fazer.Em seguida, ela colocou um cálice deáguadentrodocírculo.

—Todosdevem invocar o elementodaágua—explicouela.

Cassie olhou o cálice, imaginandoquecontinhatodoooceano,tãoazul,frioe profundo que, se tentasse afundar osdedos ali para chegar ao fundo, jamaisconseguiria.

— Poder da água, eu vos rogo —invocouDiana.

Então, coletivamente, o Círculorepetiu em voz baixa o encantamentoquatrovezes:

AbruxaperdidaseráencontradaagoraEsconderijos,revelem-seanóssemdemora

Eles miravam fixamente o cáliceenquantoDianafaziaainvocação.

— Que a água mostre a localizaçãodeScarlett.

No início nada aconteceu, só águacomum em uma taça elegante. Amultidão acima de suas cabeças gritou ese levantou,eo líquidoseagitou.Levoualguns segundos para se aquietar, mas,quando aconteceu, Cassie notou opróprio reflexo se tornando maispronunciado.Oformatodoseurosto,osolhos redondos e lábios protuberantes,aguçadosaumaclarezaimaculada.Comoparecia assustada, como pareciadesesperada. Mas logo essa imagemdesapareceu e uma nova surgiu, comigualclareza.Eraumacasaarruinada—

a que apareceu em seu sonho, só queagora Cassie realmente conseguia vê-la,nãoapenassentir.

Eraumfrágilchalédepraia,emqueCassie reconhecia o estilo clássico deCape Cod. Situava-se perto do final deumafaixadeareialongaedesolada,comuma única faixa de água de um lado, eumpântanoformadopelamarédooutro.

Conheçoestelugar,pensouCassie,masno instante seguinte a imagem setransformouemoutracoisa.

Oqueera?A imagem se formava devagar, mas

ela podia jurar que era um pão. Depoisele se separou em fatias. Talvez ela sóestivesse com fome, porque, com amesma rapidez com que se formou, aimagemseremodelouemoutracoisa:eraorostodeumhomemquepareciaserdosanos1800.Tinhasobrancelhasgrossaseumbigodebasto,eusavagolaalta.Cassietinha certeza de que reconhecia essehomemtambém,masdeonde?

Depois,aimagemmudoupelaúltimavez—para umnúmero. Faiscou só porum segundo, quase rápido demais paraver, mas era 48. Pareceu a Cassie uma

bola branca numerada de um bingo.Depoisaáguaescureceueficouimóvel.

— Acho que Scarlett está em CapeCod — disse Cassie, procurandoconfirmaçãonosoutros.

— Sim— concordouAdam.—Nacidade de Sandwich. Fica no cantonoroestedoCape.

Cassie riu consigo mesma. É claro.Porquenãodeduziuisso?

—Masquemeraaquelehomem?—perguntouela.

—Eujáoviantes—disseDiana.EntãofoiavezdeMelanierir.

—EuacabeidelerAletraescarlate—explicou ela. — Este era NathanielHawthorne.

—Deve ser uma pista para o nomedarua—sugeriuLaurel.—Muitasruasdelátêmnomesdeescritoresdopassado.

— Quarenta e oito — disse Adam,digitandoemseu celular.—HawthorneStreet,48,éláqueelaestá.

—Bem,eoqueestamosesperando?—disseNick.—Vamosbuscá-la.

—Nãopodemos—disseDianacomfirmeza. — Cape Cod fica fora dodomínio do feitiço de proteção. É

perigosodemais.Melanie, sentindo que Cassie estava

prestesaexplodir,apoiouDiana.— Vamos precisar de todo o poder

possível sequisermos teruma chancedederrotar os caçadores — disse ela. —Precisamos esperar e entrar em batalhacom eles aqui, em New Salem, sob aguardadofeitiçodeproteção.

— Estou cheia de esperar — disseCassie.—Não podemos confiar que oscaçadores vão poupar Scarlett por tantotempo.

Antes que alguém tivesse a

oportunidade de responder, ouviu-se umgritodearrepiarvindodasarquibancadas.Imediatamente,percebeu-sequenãoeraotipodegritoqueseouveemumaprovade atletismo. Era medonho, de dor,choque e horror ao mesmo tempo.Pareciaamorte.

Cassieeosoutroscorreramparaver,mas estava um caos completo quandochegaram. Eles se esforçaram paraenxergar por cima da multidãoenlouquecidadeestudantes,professoresepaistranstornadostomadospelopânico.

— Tem um aluno caído na

arquibancada—disseAdam.Cassieconseguiuverumacabeçacor

de palha, e de imediato soube a quempertencia. Era Portia Bainbridge. Eestava deitada bem acima de onde oCírculofizeraofeitiço.

—Ela desmaiou—disse alguémdaequipedecorrida.

Laurel passou pela multidão àscotoveladas para ver se Portia aindaestava viva. Ajoelhou-se ao lado dela,chamouseunomeeverificouapulsação.Inutilmente.

Portia estava morta — tão rígida e

sem vida quantoConstance na noite dofestival de primavera. E o pior, o queCassiedesejavamaisdoquetudonãotervisto:haviao fracobrilhodosímbolodocaçadornablusadePortia,sobreolugarondeseucoraçãodeveriaestarbatendo.

Desta vez, Cassie não precisouperguntar aos outros se eles tambémconseguiram enxergar. Ela sabia, pelasexpressõesapavoradas,quesim.

— Precisamos sair daqui — disseMelanie,parecendoumfantasma.

— Agora — ordenou Diana. —Todosparaaminhacasa.

***

Na sala de estar de Diana, o Círculotentou se reagrupar, mas todos estavamtotalmente perturbados pela mortechocante de Portia, e por terem elesmesmosescapadoporpouco.

Adam descrevia um oito pelo tapeteartesanal,roendoasunhas.

— Não entendem o que issosignifica? — disse ele. — Os caçadoresmataram uma humana pensando ser aorigem da magia. Então eles ainda nãosabemquemsãoosbruxos.

—Eles ainda não sabemque somos

nós — concordou Faye, refestelada nosofá.—Depois de todo esse tempo.Eufalei para vocês. — Havia certo triunfoemsuavoz.

Laurel se encolheu com ainsensibilidadedeFaye.

— Mas o preço para descobrirmosisso foi muito alto, não acha? Portiamorreu.

—Ah,sim,maissanguedeforasteiroemnossasmãos—disseFayeemtomdezombaria.

Suzan desembrulhou um Twinkieque tinha no fundo da bolsa e deu uma

mordidaávida.Debocacheia,elamurmurou:—Euestavafinalmentecomeçandoa

não odiar Portia. E lá fomos nós econseguimoscomquefossemorta.

— Não foi nossa culpa — disseDeborah. — Não tinha como a gentesaberoqueiaacontecer.

Melaniediscordou.—Sabíamosquefazerumfeitiçotão

poderoso tinha um risco, e nosdispusemos a assumi-lo. Portia aindaestariavivasenãootivéssemosfeito.

Até agora, Cassie continuava em

silêncio.Claro, ela se sentia responsávelpeloquehouvecomPortia,masnãoerahora de remoer o fato. Ela assumiu ocontrole, na esperança de canalizar omedoearaivadogrupo,eatésuaculpa,paraatarefaquetinhamdecumprir.

— Estou tão abalada quanto todosvocês— anunciouCassie.— Isto provaque os caçadores são fortes e estãochegando mais perto. Enquantoconversamosaqui,Scarlettaindaérefémdeles, sendo torturada em uma cabanaem Cape Cod. Temos que agir rápido,antesqueela tenhaomesmodestinode

Portia.Diana começou a balançar a cabeça

antesmesmodeCassieterminarafrase.— Sinto muito, Cassie, mas não

podemos simplesmente correr esse risco.Vamospensaremoutramaneira.

MelanieseapressouaajudarDianaarejeitaraideiadeCassie.

— Não podemos mexer com essescaçadores.Vejadoqueelessãocapazes.

Fayepareciaestarapreciandotudo.Oqueadeixavatãoinebriada?Eraaperdabrutaldeumavidahumana,adivisãodogrupo, ou o fato de todos estarem se

voltandocontraCassie?Ela se sentou com a coluna ereta,

abandonando sua posição largada nosofá.

— Você devia saber que jamaisiríamos direto para as mãos doscaçadores. — Ela estreitou os olhos deserpente para Cassie. — Não com essegrupodecovardes,pelomenos.

Nickselevantoudacadeira.— Não devíamos colocar isto em

votação?— Não. — Faye riu. — Chama-se

poderdeveto.Nãoé,D?

Diana olhou para as próprias mãosfinas.

—Chama-sedecisãoexecutiva.— Não podemos ir atrás dos

caçadoresemCapeCod—disseAdam.—Masesetentarmostrazê-losparacá,paraNewSalem?

—Nãohátempoparaisso!—Cassieperdiaapaciência.

Chris Henderson se levantou e secolocouaoladodeNick.

— Precisamos votar. Como semprefazemos.

—Concordo.—Doug se juntou ao

irmão e a Nick em sua pequenainsurreição.—Desdequandovocêstodosviraramfascistas?NóstemosqueresgatarScarlett. — Depois, diretamente paraCassie:—Seioqueéperderuma irmã.Vocênãoprecisapassarporisso.

—E eu confio na capacidade críticadeCassie—exclamouNick.Seumaxilarestavarígido,masosolhosseenchiamdeemoção. — Estou disposto a assumir orisco.

O coração de Cassie estava confuso.Como podia sua alma gêmea nãoentendê-la como Nick às vezes fazia?

Adam, parado ali, teimoso eexageradamente protetor, balançava acabeçaemnegativaenquantoNickestavadisposto a fazer o que fosse necessárioparaapoiarCassieeresgatarScarlett.

— Não vai acontecer, meninos —disseFayecommalícia.

— Temos o direito de votar —insistiuNick,comChriseDoug ficandovisivelmentemaisindóceisaoseulado.

Mas,mesmoseelesvotassem,estavaclaroquemvenceria.Depoisdetudoquepassaram, Scarlett ainda era umaforasteira para eles. Tomariam qualquer

providência para salvar a tia-avó deMelanie, mas quando a irmã de Cassieestavacomproblemaseelestinhamumamaneiradesalvá-la,recusavam-seaagir.

— Tudo bem. — Diana estavaaturdida e um tanto irritada com aquelemotim.—Vamosvotar.Masadecisãoédefinitiva para o Círculo. E querolembraravocêsque...

— Poupem sua energia. — CassieinterrompeuDiana.—Não preciso dosseus votos. Não preciso de nenhum devocês. — Ela se afastou, deixando umarupturanoCírculo.

C

22

assie ficou acordada na cama, oolhar fixo no dossel que caía em

cascata da sua cama de baldaquino.Observouosolserefletindonoscastiçaisde peltre sobre a lareira e no relógio deporcelanadaparedeoposta.Àsvezes,elaainda se sentia uma estranha naquelequarto,comoseestivesseemumagrandefestadepijamanacasadeoutragarota.

Como Cassie não saiu da cama emseu horário de costume, a mãe bateusuavementenaporta.

—Vai chegar atrasada na escola—avisou, entrandonoquarto cheiode luz.Cassie não se deu ao trabalho de dizerque não se sentia bem. Nem se deu aotrabalho de falar. Na realidade, estavaquase catatônica em seu silêncio imóvel.— Você não me parece muito bem —disse a mãe, estreitando os olhos depreocupação.—Estádoente?

Cassieaesteveevitandodesdeanoiteem que descobriu a existência da irmã.

Ela sabia que, se a confrontasse sobreessa questão, a mãe só tentaria seexplicar, como fazia com todo o resto.Assim, em vez disso, Cassie trancou osegredo no peito, como uma armaescondida.

Amãe sentiu a temperatura em suatesta.Apreensiva,examinouosolhoseorubornapeledeCassie.

—Nãoachoqueestejacomfebre—constatouela.

Seucabelopretoecomprido,afastadodo rosto, deixava-a aindamais branca emagradoquede costume, eCassie teve

medo de que fosse a mãe que não sesentissebem.

Porém,pormais queCassie quisessese abrir e contar tudo o que estavaacontecendo, não podia. Ainda nãoestavapreparadaparaperdoá-la.

—Hojenãovouàescola—afirmouasperamente,deixandoclaroquedejeitoalgum ia pedir permissão para ficar emcasa.

Masamãenãodiscutiu.— Vou preparar uma xícara de chá

quenteparavocê—disseela.—Nãoquerochánenhum.

—Tudobem,então,nadadechá.—Elapegouumcobertoramaisnaarcademognonocanto,sacudiuecobriuCassiecomcarinho.—Está tudobem,Cassie?Estáchateadacomigoporalgumacoisa?

Cassieseviroudelado,afastando-se.— Não estou chateada — replicou

ela, virada para a janela. — Estoucansada. Pode fechar a porta depois desair?

A mãe ficou em silêncio por algunssegundos, mas Cassie sentia que elaponderava se devia pressionar a filha afalar, sabendoquehavia algo errado, ou

deixar para lá e dar o espaço que elapedia.

— Por favor — disse Cassie paraajudá-la a se decidir.—Pode sair emedeixardescansar?

Amãepuxouoaresoltouumlongosuspiro.Eraosomdaresignação.

—Tudobem.Medigaseprecisardealguma coisa. Mais tarde vou prepararuma sopaparao almoço.—E saiu semdizermaisnada.

Cassie não poderia se sentir maissozinhadepois que aporta se fechou.Amãeeraumaestranhapara ela, e, como

senãobastasse,Adamsecolocoucontraela na última reunião e Diana maispareciauma inimigadoqueumaamiga.Cassienãotinhaparaquemapelar.

Elasaiudacamaefoiatéajanela.Avistadaáguaazulsempreatranquilizava,masnaquelediapareciafriaesolitária.

PrecisoacharumjeitodesalvarScarlett,pensouCassie.Não importa o quanto issocuste.

De que adiantava ser uma bruxa senãopodiausarseuspoderes?Etambém,quantamagiaseráquetinhaCassiesemoCírculocompletoparaapoiá-la?

Um tremor correu por sua colunaenquanto ela mirava o mar, masnenhuma resposta lheveio.Distinguiuaextensão imensurável da água e de suasondas,mas seu ritmo internonãoestavaem sincronia com o mar, comocostumava acontecer. Pela primeira vez,não lhe parecia que o céu e o maresperavam,observando,ouvindo-a.

Ela começou a se sentir febril,doloridaepegajosa.Vocênãoestádoentedeverdade, disse Cassie a si mesma, masainda assim voltou para a cama e seenterrou nos cobertores. Passaram-se

minutos, talvez uma hora, mas ela nãoconseguiadescansar.Semprequecaíaemum sono leve e entorpecente, acordavaassustada. Como podia se permitirdescansarnumahoradessas?

Seu Livro das Sombras estava aoalcance,nagavetadamesadecabeceira.Ela o pegou e folheou, procurando poralgumapista.Nofundo,porém,sabiaquenãohavianenhumatalhomágico.TeriadeiraCapeCodeenfrentarsozinhaoscaçadores. Era o único jeito. Podiamorrer tentando, sabia disso, mas nãoconseguia pensar num motivo melhor

paramorrer.Seus pensamentos foram

interrompidos por outra batida na portadoquarto,daquelavezmaisaltaemenosdelicada.

—Mãe,estoudormindo—disseelaemvozalta.

—ÉoAdam—anunciouavozatrásdaporta.

Cassie não deu permissão, mas elegirouamaçanetaeabriuaportamesmoassim.

— Sua mãe me falou que você nãoestava se sentindo bem — falou ele,

fechandoaportaaoentrar.Cassieoolhoucomindiferença.—Estoubem—garantiuela.Ele tirou os sapatos e se sentou na

camaaoseulado.Algobrilhounosolhosdele,eCassiepercebeuqueeletentariaabajulaçãocomela.

—Nãome lembro de te dizer paraficaràvontade—disseela.

Elenemseincomodou.— Já entendi, Cassie, você está

chateada comigo. Mas, por favor, meescute.

Cassienãorespondeu.

Adam tomou isto como sua deixaparacontinuar.

— Sabe que estou sempre do seulado.EquerosalvarScarletttantoquantovocê.Todosnósqueremos.

— Então, não deve haver problemanenhum — argumentou Cassie. —Todosqueremosamesmacoisa.

Adamfranziuatesta.—Aindanãoterminei.Querosalvar

Scarlett, mas estou preocupado com odesenrolar disto. E não quero que você,nemnenhumdenós,semachuque.

—Issoestácomeçandoaparecerum

discoarranhado,Adam.Todomundosódiz que tudo é perigoso, que nãopodemos fazer magia, não podemos iratrás dos caçadores. Estou começando apensarqueFayetemrazão.EsteCírculoéformadoporumbandodecovardes.

Adam se inclinou um pouco para afrente, como se Cassie tivesse lhe dadoumsoconabarriga.

—Nãosoucovarde—afirmouele.Prove,elaqueriadizer,massentiuum

espasmo de autocensura. Agredir Adamnão a levaria a lugar algum. Nem oconvenceria a entender seu lado da

história.—Nãosoucovarde—repetiuAdam

rigidamente, e por ummomentoCassieviu nele algo que achou assustador.Umpoder dominador que sempre estevelatente dentrodele. SeCassie aomenospudesseusartalpoderafavordela,enãocontra.

No fundo da sua alma, Cassie sabiacomo o Círculo era de fato poderosoquando trabalhava unido. Nãoprecisavam depender de um feitiço deproteção para se manter em segurança.Por que Adam não conseguia enxergar

isso?—Não dá para falar sobre isso com

vocêagora—disseCassie.—Precisodealgumtempoparamim.Parapensar.

Adam se levantou. Seus olhos seescureceram, como o céu numatempestade.

—Eu te amo— disse ele.—E sevocêtiverqueficarchateadacomigoparaprovar esse amor, tudo bem. Mas nãoestoudispostoaperdervocê.

Ele pôs as mãos nos quadris. O solque brilhava pela janela trouxe à tonatodas as cores em seu cabelo, as ondas

reluzentes de vermelho se misturandocomocastanhoeodourado.

— Se é tempo que você quer, tudobem — declarou ele. — Estarei aquiquando estiver pronta. Mas tenho umpedidoafazer.

Ele parou para ter certeza de queCassieoouviacomatenção.

—Qual?—Elaaindanãooencaravanosolhos.

— Não faça nada imprudente semfalarcomoCírculoprimeiro.

Cassiedeixouosombroscaírem.Estenãoeraláumpedidomuitojusto.

—Prometa—insistiuele.Elacometeuoerrodeolharnosolhos

amorososeimaculadosdeAdam.Elenãoera um covarde. Era uma boa almacorajosa, que sempre queria o melhorparatodos.

— Por favor — disse ele. — Nãocometanenhumaloucura.

A raiva queCassie sentia dele agoranão era menor do que quando elechegou,maselatambémoamavadetodocoração. E estava impotente contra oimpulsodetranquilizaramenteaflitadonamorado.

—Euprometo—disseela.Masela sabiaqueeraumapromessa

que provavelmente não conseguiriacumprir.

E

23

scuridão por quilômetros. Era só oqueCassie conseguia enxergar, uma

escuridãoavermelhadacomoointeriordesuas próprias pálpebras. Seus olhos,contudo,estavambemabertos.Elasentiua casa em ruínasde longe, escondidananoiteenegrecida.Chamou:Scarlett!

Ela não veio até Cassie naquelesonho—Cassie foi até ela. Forçou seu

caminhoporumanoitenegrafeitobreu,comoquecegaelouca,gritandoonomeda irmã. Era como viajar pelo espaçosideralemumuniversosemestrelas,mas,compersistência,Cassieencontrouoqueprocurava.A casa.E, pela porta bamba,descobriuScarlett.Estavaamarradapelospulsos e tornozelos a um poste demadeiralascadoegritava.

Eles a açoitavam. Quem quer quefossem.Cassietentoudistinguirosrostosdos caçadores, mas não conseguiu. Nãotinham rosto; eram entidades escuras eamorfas como fantasmas. Ela só

conseguiasentirquesuasalmassombriastremiamequeelesestavamassustadosaopontodabrutalidade.Eraomedoqueosimpelia, medo do desconhecido, dosobrenatural,dabruxaria.Comosoldadosda Guerra Santa, sua fé na própriasuperioridade era inabalável, e suacapacidade para agredir os inimigos,extrema.Davam chibatadas em Scarlett,sem misericórdia, sem parar, sem sedeixarafetarporseusgritos.

Cassie se perguntou por que oscaçadoresnãocobriramabocadeScarlettcom fita adesiva para que ela se calasse.

Depois teveumaideia,comoumaluzseacendendo. Os caçadores queriam queScarlettfalasse,quedesseinformações—não só os segredos da sua magia,percebeu Cassie, mas os segredos doCírculo, quem eles eram e ondeencontrá-los. Scarlett chorava, gritava ecuspia nos caçadores sem forma, masnenhuma palavra escapava de sua bocaferida. Estaria ela suportando toda essador para proteger o Círculo? E paraprotegerCassie?

Seucorpoespancadopendiadopostedemadeira, flácidoemurchocomouma

flor moribunda. O rosto era umaconfusão de sangue e sujeira, e um dosolhos se fechara completamente, de tãoinchado. O cabelo vermelho molhadopingava como sangue nos ombrosossudos. Ela foi quase completamentedespida; seu tronco e as pernas estavamcobertos de marcas de chicote ehematomas roxos. Quanto tempo maiselasuportariatantosmaus-tratos?

Como no último sonho que teve,Cassienãoconseguiasemexer.Seuspésficaramparalisadosnasoleiradaporta—deondepodiaverScarlett,masnãosabia

se a irmã conseguia avistá-la. Ela achamoudali.

Scarlett, sei ondevocê está,disseela.Echegareiembreve.Euprometo.

Com isso, ela acordou numsobressalto.

Minhairmã,pensouCassie,coitadadaminha querida irmã. Ela preferia queScarlett desse aos caçadores o que elesqueriam, que contasse toda a verdadesobre o Círculo, se isso significava queelesasoltariamviva.Eramelhordoquevê-la morrer para protegê-los. Scarlettfora para New Salem em busca da

segurançadoCírculo, enãoo contrário.Comoasituaçãochegouatalponto?

Mas Scarlett ainda estava viva, dissoCassie tinha certeza. E como aindaestava viva, ainda havia tempo deresgatá-la. Talvez, se o CírculocompreendessequeScarletteratorturadapara protegê-los, considerariam seuresgatecomumpoucomaisdeseriedade.Talvez finalmente a aceitariam comopartedogrupo.

Então houve um barulho alto epenetrante no ouvido de Cassie. Elaolhouamesadecabeceiraepercebeuque

seu telefone tocava, mas quem estariatelefonandoàquelahoradanoite?

— Alô? — Cassie atendeu comcautela, quase acreditando que do outrolado da linha estaria um dos antigoscaçadoresdebruxasdoseusonho.Masavozásperaquesedesculpouporacordá-lapertenciaaDeborah.

—Oqueaconteceu?—Cassiesabiaque, se Deborah estava telefonando nomeio da noite, era porque alguém tinhase ferido ou pior, possivelmente as duascoisas.

— Alguém botou fogo no gramado

de Laurel — respondeu Deborah. —Queimaram a forma do símbolo docaçador.

Se Cassie não tivesse acabado deacordar de um pesadelo, juraria terentradoemoutro.

—Laurelfoimarcada—acrescentouDeborah, caso Cassie não tivessecompreendido toda a magnitude dasituação.

Cassie de repente se sentiu sufocar,como se um dos caçadores do pesadelotivesse agarrado seu pescoço, apertando-o,earrancadoseufôlego.

— Cassie? — chamou Deborah. —Vocêestábem?

Cassie tossiu. Laurel. De todas aspessoasamarcar,elesescolheramadocee amante da paz Laurel. Como aquilopodiaestaracontecendo?

— Só estou em choque — disseCassie.—Podefalar.

Deborahvoltouaseusussurrograve.—Então,vamosterumareuniãodo

Círculoamanhãcedo,antesdaaula.Paradecidiroquefazer.

—Éclaro.Estareilá.— Vamos nos reunir na casa de

Diana.Àsseisemeiadamanhã.— Tudo bem. — Cassie se sentia

trêmula e esquisita. Sua voz não pareciadela. Aquelas mãos invisíveis aindaapertavam seu pescoço, fechando agarganta e dificultando a respiração. —Laurelestábem?—conseguiuperguntar.

Mas o telefone estalou. Deborah jáhavia desligado. Pareceu estranho aCassie que fosse Deborah, de todos osintegrantes do Círculo que podiam tertelefonadoparaelacomestanotícia.NãoAdamouDiana.

Comcuidadoparanãoacordaramãe,

Cassie saiu da cama, calçou os tênis evestiu o casaco. Depois destrancou aporta da frente e escapuliu para amargemdoterreno.Dotopodaescarpa,tinhaumaamplavistade todaaquadra,de cada casa velha na curva daCrowhaven Road— tanto aquelas bemconservadas quanto as que passavam aimpressão de que desmoronariam comumventoforte.

Cassie forçou a vista para enxergarmais adiante. Primeiro, viu que o fogohaviasidoextinto,masaindasentianoarocheirodafumaçaedagramaqueimada.

Depois percebeu duas figuras rondandopelo escuro, nos arredores do gramado.Era difícil distinguir quem podiam seratravés da fumaça persistente. Cassiesemicerrouosolhos,inutilmente.Pensouemandaratélá.TinhaqueseralguémdoCírculo.EntãoasfigurasseaproximarameCassieosreconheceu.AdameDiana.

Ocabelo louroecompridodeDianabrilhavasobasluzesdaruaenquantoela,cautelosamente e bem perto de Adam,caminhavaparaacasadeCassie.

Cassie sentiu uma onda deressentimento. Os dois estavam

acordados e juntos, na rua. E nenhumdelestevetempoparatelefonar.

Comofoiqueela sedistanciou tantodasduaspessoasmaisimportantesdasuavida?

Cassie se virou e foi para casa comum vazio no estômago.Passou pela salapé ante pé, voltou ao quarto e fechousuavemente a porta. Depois tirou ossapatosesubiunacama, lamentandotersaídodali.

Elapodiaadivinharoqueelesfaziam.Estavam planejando, formandoestratégias, tramando a reunião que

aconteceriadaliaalgumashoras.Issoeraapenas quem eles eram e como sempreseriam. O bravo cavaleiro e a sumo-sacerdotisa, semprevigilantes.Eleserama eminência parda por trás do grupo,independentemente de quem fossechamadodelíderouusasseasChaves.

Adam podia ser a alma gêmea deCassie, mas o Círculo sempre estariapresente. E o Círculo, se fosserepresentado por uma pessoa, seriaDiana. Nem por um segundo Cassiesuspeitou de que Adam a traísse comDiana.Elenãoprecisariadisso.Oqueele

partilhavacomDianaeraalgoqueestavaacimaealémdatraição.

Cassie olhou fixamente o teto, semsono.Eles que criassem suas estratégias.Cassie estava farta de esperar, ansiosa.ResgatariaScarlettsozinhaedestruiriaoscaçadoresantesqueelesmarcassemmaisalguém — e antes que tivessem aoportunidadedematarLaurel.

Mas Cassie sabia que, se ia lutarsozinhacontraoscaçadores,precisavadeduascoisas:odiademaealigadeDianaeFaye.

N

24

amanhãseguinte,Cassiechegouàcasa deDiana com café e muffins

frescos. Diana parecia meio indecisa aoaceitarosbolinhosdeCassie,semsaberoquefazercomagentileza.Desdeaúltimadivergência e da saída intempestiva deCassie da reunião do Círculo, elas seevitavam. Assim, era justo que Dianaficasse meio desconfiada de uma

mudança de intenções tão repentina edrástica.

— Pode sentar comigo à mesa dacozinhaporuminstante,antesdosoutroschegarem?—perguntouDiana.

Cassiesesentou,puxouumdoscoposdecaféparamaispertoeouviu.

Diana mordiscou a ponta de ummuffindemilho.

— Fiquei acordada a noite todapesquisandofeitiçosparareverteramarca—disseela.—ParasalvarLaurel.

—E?—Nãohánadaaindaperfeito,masé

promissor. Tenho esperanças deencontrar um jeito de combinar umfeitiço de descruzamento com outro decura.

Cassie só conseguia pensar nodiadema,masseobrigouadarumacenodeencorajamentoparaDiana.

— Me diga se houver alguma coisaqueeupossafazerparaajudar.—CassiesabiaqueprecisavadarmaisaDianapararecuperarsuaconfiança.—Seiqueestiveagindo de forma meio intempestivaultimamente.Eeunãodeviatersaídodaúltima reunião daquele jeito, quando é

tãoimportanteparanósficarmosunidos.As sobrancelhas de Diana se

ergueram, e Cassie sentia o coração daamigaseenchendodeesperança.

—Quero ajudar amanter oCírculounido, no auge da sua força — disseCassie. — Acredito sinceramente quejuntos somos fortes o bastante paraderrotaroscaçadores.

Diana apontou com o queixo paraCassie assim que Adam apareceu naportalateral.

Aoveranamorada,seurostotensoevigilante relaxou. Depois, seus olhos

encontraram brevemente os de Diana eum lampejo de compreensão foitransmitidoentreosdois.

— Espero não estar interrompendo— disse Adam. — Mas preciso admitirqueébomvervocêsduasconversando.

Diana sorriu para Adam,inteiramenteconvencidadequeascoisasentreelaeCassieestavamresolvidas.EladesistiudoseumuffinepegouamãodeCassie.

— Estou muito feliz por você tercompreendido — disse ela. — Vamosatrás desses caçadores aqui, em nosso

próprio território. — Seus olhosesmeraldaseencheramdelágrimas.—Eassim posso ter certeza de que aminhairmãvaificarasalvo.

Adam se juntou a elas na mesa,pegando um café, sem querer ficar deforadaconversa.

— E lembre-se, Cassie — disse ele—,Scarlettéumabruxapoderosa, tantoquanto você. Talvez até mais. — Elemexeuocafé.—Vocêprecisaconfiarqueelapodecuidardesimesma.

Logo o resto do grupo chegou.Deborah estava com Melanie e uma

Laurelempânico.Nick,comumabelezaglacial,entrouatrásdela.ForamseguidosporChriseDoug,eporumSeanesquivoesonolento.Porfim,FayeapareceucomSuzan, que quase a derrubou na pressaparaalcançaratravessademuffins.

Poralgunsminutos,todosseagitarampela mesa da cozinha, bebendo ecomendo.Aconversadogrupotinhaumtom diferente do normal. Cassie sentiauma tensão partindo deles, uma novaespéciedemedo.Esentiaumaescuridãoemseuinterior,comose,comestaúltimaameaça,tivessesidomaisempurradapara

a periferia do grupo de uma formadefinitiva.

Foi fácil paraCassie escapar sem sernotada. Rapidamente pegou sua bolsa efoi ao banheiro, sem que ninguémestranhasse. Depois continuou andando.Sabiaqueodiademaestavaescondidonoquarto deDiana, só precisava encontrá-lo. E a porta do quarto estava aberta,praticamenteconvidando-aaentrar.

Elaestacounovãodaporta.Umavezalidentro,nãohaviacomodesfazer seusatos. Ela precisava ter certeza de queestavadisposta a sofrer as consequências

mais tarde. Porém, lembrar-se dospesadelos e dos gritos de Scarlett bastoupara convencê-la a dar o passofundamentaleatravessaraporta.

Cassiehaviaseacostumadodemaisàelegância doquarto deDiana.Em certaépoca, parecia-lhe um quartoestranhamente adulto para umaadolescente,mas agora era perfeito paraela.

Se ela fosse Diana, onde teriaescondidoodiadema?

Cassie deixou que o olhar vagueassepeloquartoepassasseporcadamóvelde

aparênciaantiga.Olhouobancoàjanelaeosmuitosprismaspenduradosnafrentedela. O sol da manhã os acertava emcheio, refletindo arco-íris mínimos dooutro lado do quarto. Explosões de luzmulticolorida se balançavam pelasestampas de deusas acima da cama deDiana.

Cassiesorriu.Asestampasdasdeusas.ElaconheciamuitobemDiana,suairmãjurada; nemmesmo precisava recorrer àmagiaparasaberexatamenteondeestavaescondidoodiadema.

Eram seis estampas no total. Cinco

eramparecidas,empretoebrancoeumtantoantiquadas.EramAfrodite,adeusado amor; Ártemis, a caçadora; Hera, arainha dos deuses; Atena, a deusa dasabedoria; e Perséfone, a deusa de tudoquesecultiva.Masaúltimaestampaeradiferentedasoutras.Eraemcores,maioremaismoderna.Eraumajovemsobumcéu estrelado, com um crescente lunarbrilhando em seu cabelo comprido eondeante.EraadeusaDiana.Eusavaamesma roupa branca que Diana vestianas reuniões do Círculo, assim como aliganacoxaeumbraceleteprateado.E,

maisimportante,nacabeçatinhaumarofino com um crescente lunar de pontasparacima.Odiadema.

É claro, pensou Cassie. Era quaseóbviodemais.

Cassie segurou a estampa egentilmente a afastou da parede. Comosuspeitava,oespaçoatrásdamolduraeraoco,ealiestava.Colocadodentrodeumvão secreto de reboco quebrado, haviaumacaixaprateadaparadocumentos.

Cassie apegouansiosamente e abriua tampa. E ali, acomodadotranquilamentenofundodacaixa,estava

odiadema,reluzindoemtodasuaglória.Rapidamente, Cassie o enfiou na

bolsa e recolocou a caixa firmementenaparede. Então pendurou a estampa nolugar,cobrindooburacoedeixandotudocomoencontrou.

Todo o ato sórdido duroumenos decinco minutos. Os móveis antigos aindaestavam no lugar, e os prismas aindalançavam arco-íris coloridos pelo quarto.Tudoparecia estar comosempre.Masodiademaemsuabolsapareciatermudado— parecia vivo. Ela sentia seu poderemanando.

Cassie voltou inocentemente aogrupo, colocando a bolsa numa dascadeiras da cozinha e empurrando-adepoisparabaixodamesa.Ogrupotinhasedeslocadoparaasaladeestar,ondeseespalhavapelosofáepelochão,cercandoa mesa de centro. Todos agora fitavamCassieemumsilênciopeculiar.

Ela prendeu a respiração. Talveztenhademoradomaisdoquepensava.

— O que aconteceu, desmaiou? —perguntou Doug Henderson, e todosriram.

— Desculpe. — Aliviada, Cassie

soltou o ar. — Estava retocando amaquiagem.

Adam olhou feio para Doug econvidouCassiea se sentarao ladodeleno sofá. A reunião estava prestes acomeçar.

Cassie sorriu inofensivamente e seaproximou de Adam. Segurou sua mãoforte e quente, e esperou que Diana selevantasseecomeçasseafalar.Nãosentiunemumgramadeculpapeloqueacabaradefazer.Issoeratãopoucocaracterísticodela, mas Cassie sabia que, se estivesseem perigo, Scarlett faria o mesmo. O

grupo compreenderia quando tudoacabasse, depois que ela, sozinha,resgatasse Scarlett e derrotasse oscaçadores com o poder das ChavesMestras a seu comando. Depois, elesentenderiamqueelaestavacertaotempotodo, e que até mesmo ter roubado asChaves Mestras de suas companheiraslíderes foi um mal necessário. Um malnecessário; esse era um conceito em queCassiejamaispensourealmente,masqueseaplicavaatudoaquilo.

Elaolhoudeladoabolsanacozinhaepodia jurarqueumaenergiaacercava,

uma força de pura potência e vigor.Torceu para que ninguémmais notasse.SóprecisavaagorapegaraligadeFaye.

A

25

lguns diriam que andar demansinho pela casa de Faye

Chamberlain no meio da noite erasuicídio, e estariam corretos. Porém,Cassienãochegaraatéalisópararecuar,e tinha idopreparada.Passouodia todoestudando seu Livro das Sombras,decorando o máximo de feitiços que aajudassemapassarporsuamissãosecreta

semserdetectada.Faye se divertia demais com feitiços,

assim era impossível que a liga estivessedesprotegida. Mesmo arriscando serrastreada, era só pela magia que Cassiepoderia colocar as mãos na liga. Masprimeirotinhaqueencontrá-la.

Cassie sabia como invadir a casa deFaye pelo porão. Só precisava soltar atrava da porta de madeira no quintal edeslizarparaopisodecimentoabaixo—sabia que era assim que Faye entrava esaía furtivamente a qualquer hora danoite.

Depois de entrar, Cassie olhou oentorno. O porão era escuro e mofado,atulhado de engradados empoeirados ecaixas de papelão úmidas. Passou pelacabeça de Cassie que, se Faye tivessesaídoestanoiteevoltassepeloporão,elaseriaapanhada.EserapanhadaporFayeequivaliaaserdestruídaporFaye.Cassieolhou para trás, para a porta fechada,depois passou os olhos cautelosamentepelo ambiente úmido. Precisavacontinuar; agora não havia como voltaratrás, qualquer que fosse o risco. Antesque ela permitisse que omedo levasse a

melhor, decidiu experimentar um feitiçodeinvocaçãoparaaliga.

Segurandoopingentedequartzorosaquetinhanopescoço,CassiesussurrouoencantamentoquedecoroudoLivrodasSombras, modificando-o para seupropósitoatual.

AgoraperdidaLogoencontradaLigaantiga,sejarevelada

No início nada aconteceu, mas elaesperoucompaciência,andoupeloporão

erepetiuaspalavras.Não teve sorte nenhuma. E não

sentiunada.Entãodecidiu experimentaralgomais forte.Também era um feitiçode invocação, mas o Livro dizia queaquele podia localizar a energia de umobjeto, e não simplesmente o objetofísico.

Para isso, Cassie precisava deconcentração extra. Fechou os olhos erespiroufundoatéestarcentradaemumestadomeditativo.Levoualgunsminutos,mas logo sua respiraçãoassumiuo ritmodeumbatimentocardíaco.Elasedeixou

mergulhar nesse ritmo até ser tomadapela sensação de que o dominava, comoseapulsaçãodaprópriavidaestivessesobseucontrole.Quandoaspalavrassaíram,vieramdofundodasuabarriga.

EspíritosGuias,peçovossacaridadeEmprestaivossofocoeclaridadeLigaantiga,euvosconjuroDopretoaobranco,àluzdoescuroMostrai-mevossapreciosaintensidade

Cassie abriu os olhos e encontrouuma luz verde-azulada cintilante diante

desi.Elapairou,esperandoqueCassieavisse, depois disparou pelo ar, deixandoumrastrocomoacaudadeumcometa.

Ora, era isto que Cassie sempreimaginouqueseriaamagia.Elaseguiuorastro verde-azulado pelo porão, sendolevadaaumespaçodebaixodaescadaqueserviadedepósito.

Cassieficouexultante.Tinhaqueserali.

Entãoelaouviualgo—passosacimada sua cabeça. Perdeu o fôlego e sentiutodo o corpo enrijecer. Ficouinteiramente imóvel, procurando

possíveis esconderijos nos cantos doporão. Ouviu de novo o barulho epercebeu que era só o vento do lado defora, soprandonaportademadeira.Eraalarme falso, graças a Deus, mas foi obastante para romper sua concentração.Aluzverde-azuladabruxuleou.

O espaço embaixo da escada erabaixo,estreitoerepletodecaixas.Cassiepassou asmãos pela superfície úmida dealgumas delas para ver se sentia algumavibração. Com o cuidado de não fazermuitobarulho,vasculhou-asatéperceberuma caixa com um desenho gasto na

lateral— um redemoinho parecido comum nó celta. Apressadamente, abriu atampaeolhouseuinterior.Aliencontrououtra caixa. Uma feita de aço paradocumentos. Em sua empolgação, elaestendeu amão sempensar.Uma faíscairrompeu com seu toque, queimando apeledosdedos.

É claro que Faye a protegeu.Cassiepegou no bolso um cristal de obsidianaquetrouxeradecasa.Pretocomoanoitee com bordas afiadas, a pedra era dotamanho da sua mão e podiatranquilamente ser usada como arma.

Mas Cassie a trouxe devido à suacapacidade de purificar matéria escura.Elapassouocristalváriasvezespelacaixade aço para desativar o feitiço de Fayeenquanto sussurrava as palavrasmemorizadas:

— Vão-se as trevas, não há maisdefesa,entraesaidesimpedidaapureza.

E deu certo.QuandoCassie tocou acaixacomapontadodedopelasegundavez,paraversegerariaumafaísca,estavafria e calma ao toque. Agora confiante,elaabriuatampametálica.

Masnãoencontroua ligaalidentro.

Em vez disso, achou um bilhete escritoem tinta vermelha que dizia: Valeu atentativa.

Cassie bateu a tampa da caixa,furiosa. Era típico de Faye. Cassie teriade usar a astúcia para resolver aqueleproblema.Precisavapensarcomoela.

Faye era... o quê? Faye era...possessiva, para dizer o mínimo. Sóconfiaria em simesma como sistema deproteção da liga. Deve guardar pertodela. Na verdade, provavelmente jamaisdeveperdê-ladevista.

De repente Cassie entendeu, sem

nenhuma sombra de dúvida, o queprecisavafazer.TinhaqueiraoquartodeFaye, onde ela estava dormindo, eencontrar a liga ali. Era o único lugaronde poderia estar, onde Faye aprotegeriamesmoduranteosono.

AgoraCassiedesejouqueFayetivessesaído de casa, deixando o quarto vazio.Porém,ela sabiaqueerahoradeagir, enão de pensar. Um feitiço de silêncioajudariacomasubidadaescada.

— Do queixo aos dedos dos pés,silenciosaagoraés.

Cassie passou os dedos pela boca,

descendo pelo tronco, por braços epernas, até os pés, sentindo cadacentímetro de si ficar silencioso sob seutoque. Quando avançou, a sensação dosapato tocando o chão era a mesma,porém não acompanhava a menorsugestão de ruído. Mesmo quando elapulava, nenhum barulho escapava. Erasombrio,masincrível.

Comoumladrãofurtivonanoite,elasubiuaescadaprincipal,passoupelasaladeestaropulentaefoiaoquartodeFaye.Girou a maçaneta e abriu a porta comsegurança.

O quarto estava como Cassie selembrava, porém mais escuro. A luz dalua entrava por uma janela ampla, masainda era difícil enxergar, e Cassie nãopodia se arriscar a acordar Faye com ofachodesualanterna.Haviamuitasvelasvermelhas espalhadas por ali, masnaturalmente estavam todas apagadas.Cassie esperou alguns segundos até suavisão se adaptar, depois lhe vierampalavrasqueelanemsabiaqueconhecia.

Pelopoderdosol,atrevaemluztornaráEvisãotereiparaànoiteenxergar

Subitamente, Cassie conseguiaenxergar no escuro como se tivessecolocado óculos de visão noturna. E aliestavaFaye,dormindo,ressonandomuitosuavemente.Porumafraçãodesegundo,Cassie sentiu ternura por ela— era, delonge, o estado mais tranquilo em queCassie já havia visto a garota. Quaseparecia uma criança, serenamenteenroscadaemsuacamaenorme,cercadade almofadas macias e travesseirosbordados. O cabelo preto embaraçadocaía em cachos longos e grossos,emoldurandoo rostode talmaneiraque

Cassiemal conseguia se lembrar de queeraissoquedeixavaFayetãoassustadoraemsuashorasdevigília.

MasCassie se sacudiu para se livrarda ideia. Sabia que estava em um lugarperigosoequeFayeeracomoumdragãoadormecido protegendo uma joia. UmmovimentoemfalsoeCassiepoderia...

Antesmesmoquepudessecompletaro pensamento, os babados da cama semexerameapareceuacabeçadeumgatolaranja,seguidaporoutra,deumcinza.

Cassie se esquecera completamentedos gatinhos sanguessugas de Faye.

Agora eram adultos. Sem dúvida comdentes e garras mais afiados do que daúltima vezqueCassieos encontrou.Elaficou completamente imóvel e observouas criaturas saírem de baixo da cama.Podiaestarsilenciosa,masosgatosaindaaenxergavamesentiamseucheiro.Elesfarejaram os dedos de seus pés,ronronando. O gato laranja escalou suaperna até o joelho e rosnou. Depois ocinza arranhou seu pé e deu um golpecruelnapeledotornozelo.

Deolho emFaye, ela chutouo gatocinzaparalongedopédireito,fazendo-o

tombarpelocarpete.Masissosópareceuenfurecer ainda mais o laranja. Do seupoleiro, com as duas patas no joelhoesquerdo de Cassie, ele saltou para seurosto, passando as garras afiadas pelabochecha.

Não!,gritouCassie,masnãoproduziusom nenhum. Com um movimentorápido de defesa, ela pegou o gato pelanuca.Elecortouseupulsocomasgarrasemordeu a pele da suamão.O sanguepingavadosseusdedosparaochão.

Elajogouogatolaranjaparaforadoquarto, fechandoaportaemseufocinho

antes que ele pudesse atacá-la de novo.Enquantoisso,ogatocinzatinhapuladona cama, afofando o pescoço de Faye,tentandoacordá-la.

—Ai!—exclamouFaye.Velozcomoosgatos,Cassiedisparou

para o armário de Faye, fechando-se alisem fazer ruído algum antes que Fayepudessedetectá-la.

—Ai...Oquedeuemvocê?—Faye,agoratotalmenteacordada,repreendeuogatocinza.

Por hábito, Cassie prendeu arespiração e fechou os olhos dentro do

armário.Faye voltou a ficar em silêncio, mas

Cassie ouvia o farfalhar dos lençóis.Tinha certeza de que Faye sentiu quehavia algo errado. Explicações edesculpasdispararamporsuacabeça.Elabem queria saber o feitiço para ficarinvisível.Sóissopoderiasalvá-laseFayeabrisseaportadoarmário.

Mas então a menina riudistraidamente.

—Assimestámelhor—disseela.—Agora deixe a mamãe ter seu sono debeleza.Hoje você pode dormir aqui em

cima comigo se prometer que serábonzinho.

Cassie expirou. Essa foi por pouco.Mas, quando voltou a abrir os olhos, oarmário parecia diferente. Uma luzverde-azuladaincomumirradiavadeumapeçaderoupapenduradaali.

O feitiço de localização ainda estavafuncionando. A luz pairava dentro dajaqueta de couro preferida de Faye,aquela que ela usava todo dia, emqualquer clima. Cassie passou os dedospelo couro macio e pelo suave cetimvermelhodoforro.

É claro. Faye costurou a liga pordentro do forro da jaqueta. Fazia totalsentido.

Cassiepassouasunhaspelocetimatéromper a superfície e abrir um rasgo. Ealiestava,colocadaemumleitodecetimvermelhomacio—aligadecouroverde.Cassie estava prestes a estender a mãoparaotecidoafimdesoltá-laquandoselembrou das faíscas que queimaram seusdedos. Pegou o cristal de obsidiana nobolsomaisumavezeopassouporcimaeem volta da liga a fim de desativarqualquerfeitiçoqueFayetivessecolocado

ali. Então estava livre para pegá-la.Enfim.

Aligapareciapesadaetriunfanteemsua mão. Ela a segurou com força,admirando as fivelas brilhantes, semacreditar. Ela conseguiu mesmo! Masnãohaviatempoparacomemorar.Cassieouvia o gato laranja arranhando a portadoquartodeFaye,eprecisavafugirantesqueestaacordassedenovo.

Sem ruído nenhum, ela tentoucolocar o forro no lugar, mas sem umaagulha e linha, ou um feitiço adequado,seria impossível. Faye descobriria seu

desaparecimentopelamanhã— isso erainevitável. Mas não importava. A essaaltura,CassieestariaemCapeCod,comopoderdetodasasChavesMestras.Eladeixou a jaqueta pendurada como umtúmulo saqueado, saiu de fininho doarmário e atravessou o quarto. Noinstante em que abriu a porta, o gatolaranja pulou para dentro, mas emsegundos Cassie desceu a escada e saiuporondeentrou.

Foi só então, finalmente, que eladeixou a realidade dominá-la. Agorapossuía todas as Chaves Mestras e o

poder que precisava para salvar Scarlett,mesmosemaajudadoCírculo.

C

26

assie acordou às 5 horas em pontona manhã seguinte, sem o

despertador. Era como se seu corpoestivessetãosintonizadocomamissãododia que as tecnologias de conveniênciafeitaspelohomem,comorelógios,fossemdesnecessárias. Ela se sentia completacom os elementos, e não mais à suamercê.

Levantou-se da cama e se vestiu deforma cerimonial, como um guerreiroespartano preparando-se para a batalha.Enrolou-senomantobrancoqueDianatinhalhedadoeprendeuorgulhosamenteobraceletedepratanapartesuperiordobraço, a liga de couro na coxa e odiadema faiscante na cabeça. Estavaprontaparasalvarairmã.

Cassie desceu até a cozinha. Tinhaque pegar o carro da mãe emprestado,masnãopodia contarqueprecisavadelepara entrar em uma batalha comcaçadoresdebruxasesalvarairmãsobre

aqual elanuncacontou.Assim, teriadelevarocarrosempedir.Estepareciaserotema de toda a missão: pegue onecessário para fazer o trabalho eexpliquedepois.Eelapegaria.Tudoseriareveladomaistarde,àsuamãe,aDiana,a Faye, a Adam, todos. Por enquanto,Cassienãopermitiriaquenenhumaculpaainvadisseouadistraísse—tinhaqueseconcentrarunicamenteemchegaraCapeCod.

Porém, à medida que Cassie seafastavadaCrowhavenRoadedepoisdeNew Salem, uma náusea começou a se

formar em seu íntimo. Nervosismo,deduziuela,edisseasimesmaquetinhatodoodireitodeficarnervosa;aqueleeraumatoperigoso.Os caçadores tinhamamagianegraaseulado.

As Chaves Mestras não medecepcionarão em meu momento denecessidade, pensou Cassie. E isso alembrou da calcedônia rosa queesconderadentrodobolso.

Era um amuleto da sorte queAdamlhe deramuito tempo atrás, para o casode ela ter problemas— ela o levava sópor precaução. Depois de tudo por que

eles passaram e todas as desavenças dasúltimassemanas,CassieaindaacreditavaemAdametinhafénovínculodosdois.Será que eles precisavam do cristal raroparaconectá-losaessaalturadarelação?Não, claro que não. Talvez Cassie sólevasseacalcedôniaporsuperstição,mas,mesmo assim, a acalmava passar a mãoem sua superfície irregular. A pedraparecia viva ao seu toque, comoaconteceuquandoAdam lhedeu.Segurecom força,ele tinhadito,e pense emmim.Ela fez isso agora e sentiu sua coragemaumentar.

Ao atravessar o limite do condadopara a cidade de Sandwich, o medo deCassieseelevouaumnovonível.Aplacadecadente alertando que ela haviachegado dizia fundada em 1639,lembrando a Cassie da história de umlugarcomprofundasraízes,amaisantigacidade de Cape Cod. As Chaves em sipareciam reagir sozinhas ao ambiente.Cassiepodiajurarqueassentiacadavezmais quentes contra o corpo enquantoavançavarumoaHawthorneStreet.

Ela devia ter um plano de ataque,percebeu, para quando encontrasse os

caçadores.Sabiadecoramaldiçãocontracaçadores de bruxas, e as Chavescertamente viriam em seu auxílio, masagora, na realidade da situação, dúvidascomeçaram a se formar em sua mente.Ela não sabia quantos caçadores haverialá. Será que existia um limite paraquantos poderia derrubar com uma sómaldição? E se Scarlett estivesse aindapiorquandochegassedoquenosonhodeCassie? No fundo, havia um medo àespreitadequea irmã talvez já estivessemorta.

Mais uma vez, Cassie tocou a

calcedônia rosa. Mas mesmo com oconforto do cristal, ao avistar a casa denúmero48daHawthorneStreet,todooseu ser foi inundado de medo. EraexatamentecomoCassieaimaginounospesadelos,idênticaàimagemquelheveiodurante o feitiço de localização. Era ochalédepraiaemruínas,comparedesdemadeira cinza, perto da ponta de umafaixadeareialongaedesolada,comumagrandemassadeáguadeumlado,eumpântanoformadopormarédooutro.Nãohaviaoutracasaàvista.

A terrível sensaçãonas entranhasde

Cassie aumentou. O ácido do estômagosubiu à garganta, enchendo a boca comumgostonauseante.Cadacentímetrodoseucorpogritavaparaeladaravoltaeirpara casa.Mas ela sabia que não podiadeixarqueomedolevasseamelhor.Nãoquandotinhachegadoatéali.

Com determinação, saiu do carro eandou pela relva alta até a casa, mas,depois de alguns passos, foi imobilizada.Tentou continuar, mas não conseguiu.Havia uma espécie de barreira mágicaprotegendo o entorno da casa, parecidacomaquelaproteçãodeFayeparaa liga

escondida. Mas esta seria fácil depenetrar, pois Cassie usava as Chaves.Ela tocou cada uma das relíquias,ajeitando-as, e em silêncio apelou a seupoder coletivo. Não foi sua imaginação;as Chaves ficaram quentes ao toque,Cassietinhacerteza.

— Dissolva-se agora, escudopoderoso! — Sua voz saiu, profunda egrave,dagarganta,eelaenvioutodasuaenergia para a casa.Concentrou-se beme repetiu as palavras, daquela vezpressionando com a mente até sentir opoderdasChavesdispararemdela como

umcalorcausticante.O feitiço pareceu funcionar de

imediato. A nuvem escura que pairavaacimadacasaclareou,eaforçaprotetorano entorno do terreno desapareceu. Asrelíquias estãomesmo funcionando, pensouCassie.Scarlettestavapraticamentesalva.

Semdemora,elaavançou.Praticandomentalmenteamaldiçãocontracaçadoresde bruxa, ela andou com lentidão ecautela, num estado de profundameditação,atéacasa.

Quando estava a centímetros dedistância da porta de entrada, ela pôde

ver que esta fora atingida pelo vento edanificada pela água, apodrecendo atéchegaraumaconsistêncianadaadequadaàmadeira.Asfundaçõesdacasarangiame chocalhavam ao vento, como se elapudesse desmoronar a qualquermomento.OcorreuaCassietentaralgumfeitiço de proteção para si mesma antesde entrar, ou talvez outro de silêncio.Mas então pensou melhor. Entrariaexatamente como estava, sem truquescovardes,semartifícios.AsChaveseramoúnicopoderdequeprecisava.

Cassie ficou atenta a vozes,masnão

escutounenhuma.Nosilênciosinistro,omedodeScarlett jáestarmortadisparoupor sua cabeça. Uma imagem do seucadáver pendurado do teto, balançando-se, como o ponteiro de um relógio —tique-taque tique-taque — assombrouCassie. Mas ela não podia passar poraquela porta nem com a menor dasdistrações.Tinhasegundospara lançaramaldição,narealidademenosdoqueisso.Lanceamaldição,resgateScarlett,depoisdêofora.Eraesseoplano.

Com cautela, Cassie pôs a mão namaciez podre da porta. Surpreendeu-a

que estivesse destrancada. Na verdade,nem mesmo parecia inteiramentefechada. Ela empurrou gentilmente asuperfícieúmidacomapalmadamão,eaporta se abriu facilmente. Já entoavaemvoz baixa a maldição, preparada paraqualquer coisa que surgisse; porém,quandodeuumpassoparadentro,acenanão era nada parecida com a visão dossonhos.

A sala principal era grande earrumada. Suas paredes eram pintadasem azul-marinho e tinham acabamentode sanca branca e brilhante. O piso de

tábua corrida fora enceradorecentemente, e o ar dentro da sala eraquenteecheiravaacedrocomocalordeumalareiraacesa.

Scarlett estava ali, sozinha, recostadaem um sofá desbotado na frente dalareira.Ocabelotingidodevermelhocaíaem ondas saudáveis pelos ombros,emoldurando seu rosto sorridente erosado.

—Finalmente—disseela.—Eujáestavaficandomortadetédio,esperandoporvocê.

De imediato Cassie entendeu o

terrível erro cometido. Era tudo umaarmadilha.

–V

27

enha se sentar perto do fogo.—Scarlett sorria de um jeito

malicioso.Cassietentoucorrerportaafora,mas

descobriu os pés mais uma vezfirmemente plantados, como ficaram noentornodoterreno.

—Oqueestáhavendo?—perguntouela.

—Você pode chegar mais perto, sónão pode ir embora. — O sorriso deScarlettseiluminou.

— Onde estão os caçadores? —perguntouCassie.

Scarlettdeudeombros.—Nãosei.—Elespelomenosexistem?— Ah, os caçadores existem de

verdade.Elesmataramminhamãeemeseguiram até aqui. Só que jamais mepegaram.

Ela deuum tapinhano espaço vazionosofáaseulado,indicandoaCassieque

sesentasse.—SeuCírculonem imaginanoque

está semetendo com os caçadores.Maseles proporcionaram o cenário perfeitoenquanto eu praticava meus feitiços deinvasãomental.

Então, esse tempo todo que Cassiepensou ter visões, comunicando-se peloespaço e o tempo com a irmã, era tudoum truque. O Círculo estava certo otempo todo.Cassie não raciocinara comclareza.

Ela não podia se virar e fugir, masainda tinha as Chaves, e elas

estremeciam de energia. Ela podia seproteger.

Tocou cada relíquia e invocou seupoder. De imediato, as Chavesesquentaram — no entanto, ficaramquentes demais. Queimaram sua pelecomo se estivessem se voltando contraela.

— Sente queimar? — perguntouScarlett.

De algummodo, ela conseguiu comque as Chaves se voltassem contraCassie. Elas se tornaram coléricas eimpacientes,chiandodetormento.

— Vou tirá-las de você — disseScarlett.

Tranquilamente, com um estalar dededos, asChavesMestras obedeceramaseu chamado. Como metal a um ímã,desprenderam-se do corpo de Cassie evoaram para as mãos estendidas deScarlett.

Mas como? Como Scarlett tinhatantainfluênciasobreasChavesapontode conseguir chamá-las? Ela devia serumabruxamais poderosa doqueCassiejamaisteriaimaginado.

— É mesmo uma pena que você

nunca tenha se interessado pelas artesnegras — disse Scarlett, sentindo oassombro de Cassie diante de suahabilidade.

DerepenteCassiesesentiucomfrioe despida, sem nada além do mantobranco. Impotente e chocada, elaestremecia.

—Quemévocê?—perguntouela.— Sou filha de Black John. Não é

evidente?— Scarlett gesticulava para asChavesMestras.

—Então,somosmesmoirmãs.—Ah,sim.Estaparteéverdade.

Scarlett, agora usando as ChavesMestrasporcimadacamisetaedosjeanspretos, pegou um atiçador na lareira.Cassie enrijeceu, mas relaxou quandoScarlettsecurvousobreoladodosofáatéum saco aberto de marshmallows.Perfurou um deles com o atiçador demetalpretoeosegurousobreofogo.

—EssasChavesdeveriamserminhas— disse Scarlett. — Toda sua vidadeveriaserminha.

—Não acredito em você.—Cassietentava ao máximo demonstrar força econtrole. — Não tenho motivos para

acreditaremnadadoquevocêdiz.Scarlettriu.— Você tem todos os motivos para

isso. — Ela observou o marshmallowdourarrelutantementenachama.Pareciadesfrutar de como ele lutava parapreservar seu exterior antes de sucumbiraocalor.

— Era eu que ele pretendia colocarnoCírculocomosoutros—contouela.—Nasciemnovembro,comoosoutros.Não você. Tudo de que você desfrutoudesde que chegou aNewSalem...Tudoissopertenceamim,pordireito.

— Não — protestou Cassie. Nãopodiaserverdade.

—Sim.Você era apenas secundária,umplanodeapoio.

Cassie ficou enjoada. E o cheiroaçucarado de marshmallow queimandonãoestavaajudando.

Scarlett rolou o atiçador na mão,comoumespetodechurrasco.

—E agora estou aqui para reclamarmeu lugar de direito no Círculo. Mastereiquematá-lapara conseguir.—Elavoltou os olhos negros e faiscantes paraCassie.—Issonãoéfrustrante,mana?

Scarlett pegou o atiçador de metalcom as duas mãos, e Cassie percebeu operigoquecorria.Scarlettparecialoucaobastante para matá-la. Ela precisavatentardissuadi-la.

— Por que me matar — perguntouCassie —, quando podemos liderar oCírculojuntas?

Scarlettarregalouosolhos.—Sério?—Suavozsaiuinfantil.—

Vocêestariadispostaaisso?Cassieassentiucomvigor.—Claro— disse ela, tentando soar

crível.—Agenteexpulsariaalguémpara

dar espaço a você comodécima segundaintegrante. Acredite, os elos fracos sãomuitos.

Os lábios vermelho-escuros deScarlettseabriramemumsorrisocruel,eelagargalhoucomtodoocorpo.

— Como você é ridícula. Não sabemuitacoisa,masatévocêdeveternoçãodequenãoéassimquefunciona.

Ela tirou o atiçador das chamas. Omarshmallow derretido e queimado emsua ponta agora estava em chamas,vermelhocomoumcarvãoembrasa.

— Alguém precisa morrer para

romper o vínculo do Círculo — disseScarlett.—E o integrante quemorre éimediatamentesubstituídoporalguémdasuapróprialinhagemsanguínea.

Ela brandiu a ponta em brasa doatiçadorembaixodonarizdeCassie.

—Não sabia disso? Ou você e seusamiguinhosnãoaprenderamessaliçãonaescoladebruxos?Vocême saiuumalvofácil — continuou Scarlett. — Até queaquelefeitiçodeproteçãomeimpediudematá-laemNewSalem.

—Foivocêquemcortoumeusfreios— disse Cassie. Finalmente tudo

começavaafazersentido.Scarlettignorouaacusação.—Masagoravocêestávulnerável—

disse ela.— Sem feitiço de proteção. EsemseupreciosoCírculoparasalvá-la.

Cassie tentou pensar em um feitiço,qualquer um, que a ajudasse a sairdaquela situação, mas não lhe veionenhum.Eracomoseseucérebrotivessesido zerado a uma página em branco.Scarlett de algum modo a deixoucompletamenteimpotente.

— E como você trouxe as ChavesMestrasdiretamenteamim,deveserfácil

matar você. — Scarlett colocou, acentímetrosdorostodeCassie,oatiçadorcomapontadefogo.

Ela vai me queimar, pensou Cassie.Elavaiatearfogoemmim.

— Não desperdice sua energiatentando fazer um feitiço — disseScarlett. — Nesta casa, só magia negrafunciona.

Magianegra.Issoexplicavatudo.Podiam faltar a Cassie as palavras

parainvocaroelementodaágua,maselaprecisava tomar uma providência. Semter outra opção, ela deu um golpe no

atiçador, sabendo muito bem quequeimaria a mão, mas deu certo.Arrancou a arma da mão de Scarlett,fazendo-a voar pela sala e cair com umbaquenotapetegrosso.

Cassiesentiucertoorgulhodesi,masScarlett não parecia nem um poucoabalada por ela ter arrancado o atiçadorquentedasuamão.

—Bomtrabalho—disseScarlett.—Eunãoteriafeitomelhor.—Elavoltouaatenção de Cassie para a fumaça quesubia do tapete, onde caíra o atiçador.Depoisafumaçadeulugaraumachama

pequenaerecém-criada.Os olhos escuros de Scarlett

faiscaram,refletindoapratadodiadema,do bracelete e das fivelas da liga. Comumacenodasmãos,elalançouopequenofogo por todo o piso e pelas quatroparedes do chalé, cercando Cassie emumatendasufocantedecalorechamas.

Sou uma idiota, pensou Cassie, umaidiotaporconfiartanto.

Cassie se encolheu à visão do fogo.Nãohaviacomoescapardeumincêndiodaquelamagnitude.

— Você foi longe demais — gritou

Cassie. — Vai queimar aqui dentrocomigo.

Scarlett se levantou e rapidamenteatravessou as chamas para pegar seuspertences.

—Outracoisaquevocênãosabe.—Ela pegou as roupas no armário e ascolocouemumagrandebolsadeviagem.—O feitiço de proteção contra o fogo.Eraumdospreferidosdepapai.

A fumaça enchia a sala. Entrou porsuagargantaelheprovocoulágrimasnosolhos, mas Scarlett se mantinhainabalável.

—Não!—gritouCassie,arrastando-se pelo chão até Scarlett, mas sóconseguia se mover alguns centímetrospara qualquer lado. O fogo bloqueavatodas as saídas. Em minutos aconsumiria.—Porfavor,Scarlett,somosirmãs.Porfavor,nãofaçaisso!

Scarlett estava parada, com as bolsasna mão. Chamas furiosas dançavam ecrepitavamaoredor,eumafumaçapretacercava seu corpo, como um tornadonefasto.

— Pelo menos morra com algumadignidade,Cassie.

Ela baixou as bolsas e se aproximouem alguns passos decididos. Curvou-seum pouco, como uma serpente, paraolharnosolhosdeCassie.

— Nosso pai pediu misericórdia aosgritos quando vocês omataram, Cassie?Apostoquenão.

Scarlett tinha os olhos dele, Cassiepercebeu. Aquelas bolas de gude pretas,frias como a morte, como as de BlackJohn. Ela era mais filha dele do queCassie. Como pôde se deixar enganartantoporela?

EntãoCassieselembroudaspalavras

da mãe sobre Black John. Ele não éinteiramentemau,haviaditoela.

— Você não precisa fazer isso —exclamou Cassie, tentando abrandar oolhar duro e frio de Scarlett com opróprio.—Existeobemdentrodevocê,mesmo agora. Você pode escolher nãoserigualaele.

—Eu sei.—Scarlett deu um chutecomocalcanhardabotapretaemCassie.—Masquegraçateria?

A

28

s chamas rugiam e estalavam comuma intenção maligna, como se

tivessem vontade própria. Seu calorabrasadorpôsCassiedejoelhoseacobriude bolhas. Ela tossiu e não conseguiaprenderarespiração, logoseentregandocompletamente a seu poder absoluto.Scarlettaolhouumaúltimavez.

— Adeus, Cassie. Foi um prazer

conhecê-la.O rosto deCassie ardia com o calor

sufocante. O inferno devia ser assim,pensou ela, esta tortura interminável pelofogo. Isolada da mãe, dos amigos e deAdam, Cassie morria sozinha. E aquiestavaScarlett,a filhamais forte,a irmãperversaeoúltimorostovivoqueCassieveriaantesdemorrer.

Maselanãopodiadesistir.Obrigou-seaficardepéeseaproximardeScarlettomáximoque as chamas permitiam.AsChaves tinham escurecido a um cintilarsinistro no corpo de Scarlett.Black John

estánela,pensouCassie.Mastambémestáemmim.Scarlettdeuaimpressãodenotaruma

mudança nos olhos de Cassie. Foi osuficienteparafazê-larecuar.

—Eleestáemmim—disseCassie,destavezemvozalta,eistodeupoderaalgum recesso secretodentrodela, comoumgeradordeemergênciaqueéativadoemumblecaute.

Scarlett ainda recuava, através daschamas, para a saída. O feitiço deproteção contra o fogo ainda funcionavaparaela,masderepenteameninasentiu

medo.O poder do fogo, pensou Cassie. O

poderdofogoestáemmim.Entãoalgoseabriubemnofundodo

peitodeCassie,aqueleespaçoescuroqueelanuncaacessouantes.Istoaassustou,aexplosãodeenergiaquesentiuenquantoapalavradeixavaseuslábios.

—Queime!—ordenouCassie.E Scarlett queimou. Nas chamas, a

meiocaminhodaporta,elagritoucomabrutalidade que Cassie havia ouvido emseu pesadelo.Não estavamais protegidado fogo, não podia mais sair com

segurança da casa em chamas para o arfriodoladodefora.

Scarlett pulou da porta, batendofuriosamente as chamas nas roupas.DepoissevirouparaCassie.

—Penseiquevocêfosseboa—disseela.

Cassieseerguia,alta,comumanovaenergia.

—Digoomesmo.Cassie sentia algo se agitando no

fundo das entranhas. Subiu à garganta,comoumabilenegra,eescapoudaboca,como um grito que fez a torneira da

cozinhaseromperemumgêiser.Depoisas paredes se sacudiram, e cada canodentrodelasexplodiu, jorrandoágua friapela sala em torrentes diagonais. Oincêndiofoiapagadoemsegundos.

Scarlett se afastou, em choque comaquelaguinadanos acontecimentos,mastinhaseusprópriosfeitiços,assimcomoasChaves Mestras para aumentar seupoder.

—Fragilis!—gritouela,lançandoaspalmasabertasparaCassie.

Era um feitiço em latim que Cassienão entendeu, mas a fez cair no chão

como se toda a energia fosse retiradadela. Seu corpo parecia pesado, e a salacomeçou a girar. Ela nem mesmoconseguialevantaracabeça.

—Sentis infirma. — Scarlett dirigiuos dedos carregados para a cabeça deCassie,depoisaseucoração.

Cassie ficou muito fraca e cansada,tonta, quase desmaiando, e teve certezadequeiamorrer.

Acabou,pensouCassie.Scarlett é fortedemais.Elaestavaperdida.

EladesejoupoderverAdamnaquelemomento, que o rosto dele fosse sua

últimavisãoantesdeseguirparaamorte.Lembrou-seda rosa calcedônianobolsoe a procurou, desajeitada. Precisou detoda a energia que lhe restava parasegurá-lanamão.Apertou-acomaforçaque os dedos permitiam, e imaginou orosto forte e amoroso deAdam com talconcentraçãoquejurouqueelerealmenteapareceu. A fumaça clareou, e o cabeloruivo escuro de Adam lhe parecia tãopróximo e real que ela acreditou poderver cadamecha.Morrer deve ser assim.Cassie estava fraca demais para sorrir,mas ficou agradecida por seu último

desejoserealizar.Cassie precisou de um segundo para

perceberqueAdamestavadeverdadenacasa,aoseulado.Eradefatoele.Pegouseu rostonasmãose chamouseunome.Ela se sentiu entrando e saindo daconsciência. Como em seus pesadelos evisões, sua vista estava aomesmo tempoenevoada e nítida, uma confusãodistorcida e desconcertante. Mas aligação entre ela e Adam em seumomento mais elevado era intensa. Ocordãoprateadoquezumbiaentreelessematerializou, mais brilhante e

pronunciado do que Cassie jamais vira.Parecia tão vivo que ela jurou poderestenderamãoetocá-locomapontadosdedos. Seu peito se encheu de amorenquanto ela seguia o caminho docordão,docoraçãodeAdamparaodela.Mas então, ao olhar commais atenção,notou algo estranho.Haviadois cordõesprateados.UmseestendiadeAdamaela,ooutroseestendiadeAdamàScarlett.

Num lampejo, os dois cordõessumiram.Comonumestalo.CassienemtinhacertezadequeAdamosviu.

Deve ter sido um erro, uma

alucinação.Eraimpossíveldecifraroqueera real e o que pertencia à suaimaginação.

—Cassie.—Adam ainda tinha seurostonasmãos.—Fiquecomigo,Cassie.Fiqueacordada.

Elapiscouparase livrardas lágrimasqueenchiamseusolhos,esevirou,vendotodos eles ali — Diana e o resto doCírculo.ElescercavamScarlett.

— Entregue as Chaves Mestras —disse Diana. — E não precisaremosmachucarvocê.

—Querovervocêtentar.—Scarlett

riu.Diana ficou imóvel. Demorou um

momento para perceber que não podiafazer magia, mas, quando percebeu,Scarlettlançouasmãosparaela.

—Praestrangulo—disse.De imediato,Diana pôs asmãos no

pescoço e caiu de joelhos, lutando pararespirar.

— Ela está sufocando! — Adam secolocoudepénumsalto,eCassiegritou,mas ainda estava fraca demais paraimpedi-lo. Ele partiu para Scarlett,entoando:—Terrameucorpo,águameu

sangue.Fayeeosoutrosforamaoseuauxílio.— Terra meu corpo, água meu

sangue, arminha respiração e fogomeuespírito!

Cassiegritou:— Não vai funcionar! — Mas

nenhum deles ouviria, ou talvez seusgritos tivessem a intensidade de umsussurro.Elanãosabiadizer.

—Caecitas!—Scarlettagitouasmãosparaogrupo.

Adamfoioprimeiroagritar.— Não enxergo nada — disse ele.

Depois,umporum,cadaumdelesgritou,cobrindoosolhos.Scarlettcegaraatodos.

Dianasecontorcianochão,tossindo,apeleazulando.Cassienãotinhaforças,mas precisava fazer alguma coisa. Astrevasestavamdentrodela;nãopodiatermedo de alcançá-las. Ainda que amatasse, era o único jeito de salvar osamigos.

Precisoude todooseupoderpara selevantarcomdificuldade.

Scarlett, vendo-a de pé, pegou asbolsasecorreuparaaporta.

Cassie pressionou mentalmente e

soltouumgritodebilitante.—Scarlett!Ela procurou pelas palavras em sua

alma, o feitiço debilitante mais sombrioemquepodiapensar,masScarlett tinhasaído pela porta e desaparecido emsegundos.

***

— Magicae negrae conversam — disseCassie, debilmente. Aquelas eram aspalavrasquelhevieramdepoisdeScarlettterfugido.

Diana ofegou e inspirou o ar.Adam

piscou,comavisãodevolta.Lentamente,todos recuperaram seus sentidos. AsforçasdeCassieretornaram,eelafoiatéAdameoabraçou.Haviaarranhõesnaspálpebras.

—VocêdesfezosfeitiçosdeScarlett?—perguntouele.

Cassie assentiu, depois olhou osrostos suados e sujos de fuligem dosamigosquearriscaramavidaparasalvá-la.Comopoderia umdia se desculpar osuficiente pelo que eles acabaram depassar?

— Eu estava errada a respeito de

Scarlett—disseela.—Masachoqueaessaalturavocêsjádeduziramisso.

O tom da asfixia ainda não tinhadeixadoplenamenteorostodeDiana.

—Oqueaconteceu?—indagouela.—Scarletteraintocável.

— Você tinha razão, ela é má —disseCassie,mal conseguindo olhar nosolhosdaamiga.—Estavafazendomagianegra. Ela disse que era a única magiaquefuncionariaaqui.Porissonenhumdevocêspodialançarfeitiços.

— Mas então, como você...? —Diana se interrompeu no meio da

pergunta,quandoarespostalheocorreu.Cassie baixou os olhos. Ouviu Faye

andarnumcírculopelasalaqueimada,asbotas ecoando no piso arruinado a cadapasso.

— Eu sabia o tempo todo — disseFaye. — Cassie tem a magia negradentrodela.

Era verdade. Não adiantaria negar,pormaisqueCassiequisesse.

ElaperscrutouareaçãodeAdamemseu rosto, morta de medo do queencontraria.

Mas seus olhos estavam cheios de

lágrimas, e ele puxou Cassie para seupeito.

—Estoutãofelizporvocêestarbem—disseele.

Cassie se sentia indigna desseconfortoetentousairdosseusbraços.

Adamapertoucommaisforça.— Você acaba de salvar a vida de

todosnós—disseele.— Eu quase acabei com a vida de

vocês — desabafou Cassie, agora nãomaiscapazdeconterochoro.—Foitudominha culpa. Tudo isso. Eu peçodesculpas.

DianapôsamãonascostasdeCassie.— Estamos todos juntos nisso —

disseela.—Eestamostodosbem.Éissoqueimporta.

CassiecomeçouasoluçarnopeitodeAdam.

—Maseuqueroserboa.— Você é boa. — Diana abraçou

Cassieportrás,espremendo-aentreelaeAdam.—Não pode começar a duvidardisso.

—AmáéScarlett—falouAdam.—Nãovocê.

Cassie valorizou o apoio deles. Eles

tinham boas intenções, ela sabia, mas averdade eraquenenhumdelespodia tercerteza do que significava para Cassie acapacidadedefazermagianegra.

Faye sorriu para ela com a novadescoberta.

—Qualéasensação?—perguntou.— Eu só quero ir para casa —

desconversouCassie.

T

29

odos se recuperarammilagrosamente bem da batalha.

Umpoucodesopa,águaeumatrocaderoupas, e cada um deles estavapraticamente de volta à sua antigaidentidade.

Diana preparou um chá de ervas nacozinhaevoltouàsalacomumabandeja.

— Faye ainda não chegou? —

perguntou.O Círculo estava desesperado para

saber o que acontecera em Cape Codantes da sua chegada e preencher osespaçosvazios.

—Vamos começar sem ela— disseSusan,mexendonacutículadasunhas.

DianalançouumolharpreocupadoaAdameperguntouaSusan:

—Ondeelaestá?—Sabemosexatamenteondeelaestá

—disseLaurel.—EstácomMax.—Nãofuieuquemtecontouisso—

falouSuzan.

—Talvezagentedevacomeçarsemela — disse Cassie. Ela sabia da sorteinacreditável de nenhum deles ter seferidogravemente, e estava ansiosaparasedesculparmaisumavezporseuserros.—Quero ter certeza de que jamais voucolocar nenhum de vocês em perigo denovo.Assim,tenhomuitooquecontar.

Justamente nessa hora Faye passoupela porta. Seus olhos carregavam umaenergia palpável. As bochechas estavamcoradas, e os lábios vermelhos e grossosquasepareciaminchadosdesangue.

—Desculpepeloatraso—disseela.

—VocêprecisaterminarcomMaxjá— declarou Adam. — Quantas vezestemos que lhe dizer? Não sabemos sepodemosconfiarnele.

Faye tateou um pingente pretopendurado em seu pescoço, e Cassienotoualgoincomumemseusolhos.

— Já pedi desculpas. — Fayecontinuouabrincarcomopingente.Elasempre usava um colar com um rubiestrela vermelho, mas o pingente eranovo.Brilhavacomoopalanegra.

— Max te deu isso? — indagouCassie.

De imediato, Faye soltou o colar elançou um olhar ameaçador à menina,que notou, porém, um rubor em seurosto.Imediatamente,Cassieentendeuaverdade:ossentimentosdeFayeporMaxeramgenuínos.

Melaniesuspirouruidosamente.— Não temos coisas mais

importantes sobre o que falar do que avidaamorosadeFaye?

— Sim, temos — disse Diana. —Cassie, por que não conta o queperdemos?

Elafoiparaomeiodasala.

— Primeiro, quero me desculparformalmentecomtodosvocês.Eununcadeviatê-lostraídocomofiz.Emespecialminhas companheiras de liderança,DianaeFaye.

— Não é necessário pedir desculpas—disseNick,sentadonocanto.

Todosassentiram.Fayezomboudela.—Nemacreditoqueasbichinhasvão

deixar que ela escape assim tão fácil. Seeu tivesse roubado asChavesMestras eperdidotodas...

— O Círculo a perdoa, Cassie —

disse Diana, interrompendo Faye. —Mas,nofuturo, lembre-sedequesomossuafamíliatambém.

—Agoraseidisso—afirmouCassie.— Eu sabia antes, mas acho que meesqueci. — O coração de Cassiemartelavanopeito.—Vocêfoiumairmãpara mim desde que cheguei aqui —declarouparaDiana.—Evocêéaúnicairmãdequejamaisprecisarei.

OsolhosdeDianaseturvaram.—Obrigada—disseela.Melaniepigarreou.— Detesto interromper este

momentosentimental,mastalvezCassiepossa nos contar o que ela descobriu arespeito de Scarlett, assim vamos sabercontraoquelutamos.

— Claro — concordou Cassie. ElaexplicoucomoScarlettatinhaenganado,fazendo-a se afastar do feitiço deproteção,econtouqueScarletteraafilhaque Black John pretendia colocar noCírculo.

Nick se aproximou de Cassie comseriedade.

—Então,Scarlettquertematar.— Sim.Assim, ela pode tomarmeu

lugar no Círculo, porque somos damesmalinhagemdesangue.

— E os caçadores? — perguntouMelanie. — Quem matou a tia-avóConstanceePortia?

— E quem queimou o símbolo nogramado da minha casa? — perguntouLaurel,avozagudademedo.

Cassierespiroufundo.— Os caçadores existem e estão aí

fora. Mas Scarlett não tem nada a vercom eles. Ela só aproveitou aoportunidade para usar nosso medocontranós.

—Estamosferrados—disseFaye,eCassie notou que ela tocava o pingentede novo. Havia algo nele que atraíaCassie,ojeitocomocaptavaaluz.

— Posso ver isso mais de perto?—perguntouela,estendendoamão.AntesqueFayepudesse resistir,Cassie tinha apedra em sua mão e examinava asuperfície. Era um pouco transparente,nãointeiramentepreta,masummistodeverde, azul e vermelho. Enquanto abalançava, notou que difratava a luz emumadançacontínuadecorescambiantes.

NomomentoemqueCassieviu,seu

sangue ficou gelado. Camuflada dentrodasuperfíciefascinantedaopala,estavaosímbolo do caçador, brilhandoiridescente.

—Ah,meuDeus—disseCassie.—Faye,vocêfoimarcada.

Orestodogrupoofegou.—Nãoépossível—Fayebaixouos

olhosparaocolar.—Não!—gritouela,reconhecendode imediatoo símbolo.—Elenãopodeterfeitoisso!

Por alguns minutos, ninguém falou.Cassieolhouparacadaumdosamigosnasala.Comquerapidezaenergiadolugar

tinha mudado. A poderosa Faye haviacaído.

Ela parecia outra pessoa.Os ombroslargossecurvaramparaafrente,etodaacorsumiudoseurosto.Elasesentounosofá, chorando. Era uma visão quenenhumdelesconseguiacompreender.

— Como? — perguntou ela. Seusolhosestavamvermelhos,eamaquiagempreta escorria pelo rosto.Era a primeiravez que Cassie a via chorar. —Simplesmente não entendo como issopodeteracontecido.

—Max é um caçador de bruxas—

afirmouMelaniecomfirmeza.—Foielequemdeuissoavocê.

— E isso significa que o diretorprovavelmentetambéméumcaçador.—Adam olhou para Cassieexpressivamente. — Como vocêsuspeitava.

Melanieassentiu.—Talpai,talfilho.Cassie não conseguia se sentir bem

por ter razão a respeito do diretor, emparticularnumahoradessas.Preferiaquetudoserevelasseumaparanoiaboba.

Diana se sentou ao lado de Faye e

seguroudelicadamentesuamão.— Sei que ainda está em choque,

Faye, mas precisamos saber tudo quedisseaMax.

Faye levantou a cabeça. As lágrimasescorriam dos cílios escuros, e suaexpressãoestavaalémdochoque.

—Eunemmelembro.Elaabriuofechodocolareodeixou

cairsobreamesa.—Penseiqueelerealmentegostasse

de mim — disse ela baixinho, quaseconsigomesma.—Eunãoqueriacontar,mas desfiz o feitiço de amor um tempo

atrás. Para ver se os sentimentos deleeram...—Elanemconseguiafalar.

Diana pôs os braços em torno deFaye, e, inacreditavelmente, ela deixou.Cassietevedevirarorosto.VerFayedecoração partido era quase tão brutalquantovê-lamarcada.

—Maselepareciatãodominadopelofeitiço—argumentouLaurel.

— Pode ser que o tempo todo eletenha resistido àmagia dela,mas estavafingindo para chegar mais perto de nós—sugeriuAdam.

CassielançouaAdamumolharpara

que se calasse. Ele e Laurel podiamencaixar as peças necessárias, mas emoutro ambiente, onde Faye não osescutasse. Eles não estavam conscientesdoefeitodesuaspalavrassobreagarota,que agora chorava ainda mais. Cassie,porém, compreendia. Quando FayedesfezofeitiçodeamoreMaxaindaagiacomosenãopudesseviversemela,Fayeconfundiuissocomamorverdadeiro.

Melaniebalançouacabeça,incrédula.—Entãooscaçadoressabemdedois

denós—disseela.—E,semasChavesMestras, não temos força para lutar

contraeles.—EScarlettaindaquermatarCassie

—adicionouNick.DianaaindaabraçavaFaye.—Não é hora de entrar em pânico

—disse,mas suavoz tremia.—Éhoradeunião,dedarapoioeprotegerunsaosoutros.

Ela focalizou os olhos diretamenteemCassie.

— Vamos pensar numa saída —afirmouela.—Semprepensamos.

D

30

a varanda da frente, Cassie via oazul bruxuleante da televisão

faiscando como uma luz estroboscópicaem uma casa mal-assombrada. A mãedeviaestaresperandoacordada.

— Preciso entrar — disse Cassie,segurando a maçaneta. — Ela estáacordada.

—Aindanão.—Adamprocurousua

mãoe a apertou.—Com tudoque estáacontecendoetudoquehouve,queroquevocêsaiba:vamossuperartudoisso.

—Eusei—disseCassie.— Tem certeza? — Ele se curvou

paraumbeijo,masparoubempertodosseuslábios.

Cassiesentiaarespiraçãodeleemsuapeleeocalordoseucorpotãopróximoaela. Sustentou o olhar, e seu coraçãomarteloupesadonopeito.

— Tenho certeza. — Ela o puxou,encontrando a boca macia de Adam.Comumaentregaaimpulsosesquecidos,

elaeAdamsefundiramemumsó,eelasedeixouserlevada.

Eles se beijaram até que ambosficassem vermelhos e com calor. Cassiepermitiuque sua respiração se acalmasseeocoraçãoseaquietasse.Depoisoolhounosolhosporummomento,cativadacomofluxodavidaquepulsavaentreosdois.Ocordãoprateado,pensouela,ovínculomisteriosoqueahaviaunidoaeledesdeoinício, e sempre uniria. Agora era maisforte do que nunca. Depois da mesclalouca de emoções que Cassie viveu nasúltimas semanas, uma coisa lhe parecia

firmeeclara.Elapercebeu,sobumnovoaspecto,asortedeterAdamaseulado.

—Euteamo—declarouela.Eleabriuumsorrisoluminoso.—Eeuteamo.Ela o beijou mais uma vez, com

ternura,erespiroufundoocheirodele.—Euteamodeverdade—disseela.Os olhos azuis dele faiscaram, e

Adamriualto.—Podemos ficar nesse jogo a noite

toda.— Ou toda a nossa vida — disse

Cassie, sorrindo radiante para ele.

Descobriu que não conseguia desgrudarosolhosdele.Atraíam-nacadavezmaisparaperto.

—Talvezatépormaistempodoqueisso.

***

Quando finalmente entrou em casa,Cassie fechou a porta e parou. A mãequase parecia um fantasma e estavaassustadacomosetivessevistoum.Cassiese sentia péssima por lhe causar tantapreocupação.Amãetinhatodoodireitodeficarzangadacomela.

—Mãe.Medesculpe.Como a mãe não respondeu, ela

acrescentou:— Eu precisava ir a Cape Cod; era

umaemergência.Edepois...— Deixe o carro pra lá —

interrompeuamãe.—Vocêestábem?Cassie assentiu e deixou a bolsa cair

no chão. Quando buscou os braços damãe, olhou-a, na esperança de ver umsinal de censura em seus olhos.Em vezdisso,umaexpressãoentristecida tomavaseu rosto, como uma enorme onda dedor.

— Mãe? — perguntou Cassie, semsaberoquedizer.

Os olhos pretos e grandes da mãe,escurecidosporolheiras,encheram-sedelágrimas.

—Penseique você tivesse fugido—confessou ela. — Depois pensei queestivesse morta. Juro que pude sentir asuador.

Elafalavanumavozbaixaepesarosa,e Cassie percebeu que a mãeprovavelmente sabia quando ela sentiador.Elas estavam ligadas, e ela eraumabruxa,afinal.

—Parecequevocêestá seafastandode mim, justo quando pensei queficávamos mais próximas — continuou.— Foi algo que eu fiz ou disse que teaborreceu?Podemefalar.

QuandoCassie descobriu que amãeescondiaaexistênciadeScarlett,pareceu-lheumatraição,comoopiorsegredodomundoescondidodelaavidainteira.Masagora,olhandoo rosto frágilepenitentedamãe,Cassienotouqueelao fezparaprotegê-la. Ela devia saber que Scarletteramá.

—Ah,mãe.Eunãoestavazangada,

só confusa.Eu estava confusa a respeitodemuitacoisa.

Depois de tudo o que aconteceu,Cassie percebeu que era hora definalmentefalaraverdade.

— Tenho muito o que contar —revelouela.

Cassie nem mesmo sabia por ondecomeçar, mas fez o possível para falarcom tranquilidade e não deixar nada defora. Cravou as unhas nas palmas dasmãos e continuou, sem se interromper,pelo que pareceu uma eternidade. Nofinal, a mãe puxou o ar suavemente e

fechou os olhos. Cassie sabia que erahoradesecalaredeixá-lafalar.

— A mãe de Scarlett também nãotevemedodo ladonegro deBlack John— disse ela. — Foi banida do nossoCírculo por fazer magia negra. Mas eutinha esperança de que esses diasestivessem para trás. Por isso nuncamencioneiScarlett.

Cassie assentiu, e a mãe pegou seurostonasmãos.

— Eu nunca teria escondido isso sepensassequevocêestavaemperigo.

—Não é sua culpa— disse Cassie.

—Eudeviatercontadoquandodescobrisobreela.

— Não é culpa de ninguém. Aindaassim, chegou a este ponto. — Elarespirou fundo e se ergueu.—Há umacoisaqueeuestavaesperandoparatedaratéquefossenecessário.—Amãefalouenigmaticamente. — Agora parece quechegouahora.

Seutomdevozeraperturbador.—Oqueé?—Voltologo.Ela saiu da sala e demoroumais do

queCassieesperava.Justoquandoestava

prestesairatrásdela,suamãevoltoucomum livro nas mãos. Era um diário comcapa de couro desbotada e páginas debordas douradas. Parecia à Cassie umaBíbliaantiga.

—Este era oLivro das Sombras doseupai—explicouamãe,estendendo-oparaafilhacomasduasmãos.

Cassie parou, petrificada, e sentiu osangue sumir do rosto. O Livro dasSombrasdeBlackJohn—sóaideiadeleafaziatremer.Elaachavamelhordeixaramagianegrainexplorada.

Amãeaindalheestendiaolivro.

— Está tudo bem — disse ela. —Podepegar.

Cassieotiroudamãecomrelutância.Olivropareciacruelefrioemsuasmãos;quasevivo.

— Como conseguiu isto? —perguntouCassie.

Amãevoltouasesentaraseulado.—Éumalongahistória.Masesteve

escondido aqui por muito tempo. Vocêprecisa entender que este livro pode serextremamenteperigosonasmãoserradas.

Como as Chaves Mestras, pensouCassie.

—Evocêquerqueeufiquecomele?Orostodamãeerasevero.—Vai precisar se quiser ter alguma

chancedederrotarScarlett.O livro era mais pesado do que

aparentava, como se seu conteúdo fossemaior do que a soma das páginas. Eraimpossível compreender os feitiços esegredos sombrios que encerrava. Ocouro preto da capa, notou Cassie, nãoera completamente liso. Era levementegravado com um símbolo que lembravaCassie das inscrições no bracelete e nodiadema de prata. Também tinha

arranhões e marcas, como se unhastivessem marcado sua superfície. E seucantosuperiordireitoestavagasto,quasecompletamente cinza, como um selodeterioradoemformaoval.

A digital de Black John, percebeuCassie.

Ela desviou os olhos da manchacinzenta, e seu estômago se sacudiu.Ficouintrigada,mastambémperturbada.

Cassie voltou a se concentrar nosímbologravado,tentandoselembrardeonde mais havia visto aquele desenho.Então lembrou: era idêntico à inscrição

no anel de magnetita de Black John,aquele usado para identificá-lo comoJohn Blake, e mais tarde como JohnBrunswick.

Ter este livro nas mãos era o maispróximo de ter Black John ali, na salacomela.Pareciaquetodaaescuridãodomundo podia ser despejada de suaspáginasaqualquerinstante.

A mãe de Cassie a observavamanusearolivrocomapreensão.

—Sei que parece vivo para você—disse ela. — Mas é só um livro, eugaranto. E você é forte o bastante para

lidar com ele. — Havia uma franquezaemseusolhosjamaisvistaporCassie.

O livro estremecia em suas mãosenquanto ela tentava se acalmar.Era sópapel epalavras, só isso.E suaspalavrascontinhamachaveparaderrotarScarlett,salvar o Círculo e recuperar as ChavesMestras.Elanãopodia sedaro luxodefingir que o livro não existia, por maismalignoeassustadorqueparecesse.Nãopodia simplesmente recolocá-lo em seuesconderijo.Erasuaresponsabilidadeler,estudar e absorver seus segredos até quefizessem parte do seu ser. Só então ela

seriafortecontraScarlett.Amãeobservavaemsilênciosualuta

mentalepareciasaberexatamenteoqueelaestavapensando.

— Lembre-se, Cassie. Há muitabondadeemvocê.Hámuitomaisluzemsuaalmadoquetrevas.Entendeisso?

Cassieconcordou.—Achoquesim.—Masexistemcoisasnestelivroque

não serão fáceis para você ler.Compreendeoquequerodizer?

—Sim.— Se você o abrir— avisou a mãe

—,nãohaverávolta.

Estee-bookfoidesenvolvidoemformatoePubpelaDistribuidoraRecorddeServiçosdeImprensaS.

A.

Aruptura|Círculosecreto-Vol.4

Wikipédiadaautorahttps://en.wikipedia.org/wiki/L._J._Smith_(author)

Skoobdaautorahttp://www.skoob.com.br/autor/72-l-j-smith

Sumário

CapaObrasdaautoraRostoCréditos12345

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