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O DEBATEDOURO é um veículo de circulação quinzenal, produzido por estudiosos de Relações Internacionais. Trata-se de produção autônoma, indeperesponsabilidade de seus autores. Não se vincula, portanto, a qualquer entidade.

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Imagens não faltariam para ilustrar esteeditorial sobre a relação – complexa e conturbada –entre a política e o esporte. A rala memória desteautor, no entanto, inviabilizaria a acuidade e aabundância de exemplos. Consciente eresignado, eis que me ponho a examinar osprincípios de uma coexistência – nemsempre pacífica – entre duas atividades – apolítica e o esporte – que, a julgar pelasformas assumidas contemporaneamente,não guardariam muita herança comum.

Da assertiva acima, discordaria, depronto, o britânico Bertrand Russell. ParaRussell, o homem é naturalmente afetadopor toda sorte de impulsos destrutivos - etambém criativos. Cita, como pretensacomprovação para a sua hipótese, o casodos caçadores de cabeça (headhunters) dePapua Nova Guiné. Após ser colonizadopelo homem ocidental, branco e“civilizado”, o aborígine de Papua ficouprivado de exercer a caça de cabeçashumanas – o seu “esporte” favorito.Doravante, narra-se, esse aborígine, impedido deescoar os seus impulsos mais viscerais, perdeu ogosto pela vida. Tornou-se alma penada, morto-vivo,desinteressado por todo o resto. As inocentes opçõesque lhe foram franqueadas em substituição à caça decabeças – o futebol e as lutas – não eram nem umpouco adequadas. Estavam longe de alcançar oconteúdo simbólico das épicas decepagens de outrora.

Não teríamos, cada um de nós, um pouco decaçador guineense? Esse é o argumento de Russell.Segundo o filósofo, o homem, desde os primórdios, jáse enredava em algum tipo de competição. Ascompetições mais destrutivas foram, e continuam aser, as guerras. Daí, portanto, a dificuldade em nos

livrarmos delas, de uma vez porRussell – a mais cristaliagressividade humana. Mas hencarnações outras de no

inerente. O espo“constitucional” – apolítica institucionalizrivalidades artísticconstituem modos deboa competição – oudos impulsos destrugênero humano. Russell, essas formguerra ou à caçaborígines, “do veryoffer a fairly adeqcombative instincts”.constatação advêm aceitação social de ta

A política concebidos como canagressividade e da crse tocariam lo

Corresponderiam à dose sociairracionalidade a que todo homeMais do que isso: esporte subprodutos do instinto humtrariam consigo uma “essênciadivergentes quanto aos perfilhariam um mesmo princípicompetição. Há, nesse aspecto,do que a que se poderia pcategorias. Russell provavelmeesporte e política são solidáriodesencadeados por um mesm

1 RUSSELL, B. (1949). Authority and the IndivUnwind Ltd..

DAWISSON BELÉM LOPES editor-chefe

[email protected]

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todas: são – segundona encarnação daá, muito certamente,ssa competitividaderte e a política versão liberal da

ada –, assim como asas ou literárias, expressão da velha e, num outro diapasão,tivos e criativos doConforme ressalvaas, comparadas à

a de cabeças dos little harm and yetuate outlet for our Provavelmente dessaa popularidade e ais práticas.1

e o esporte, seais para o deságüe daiatividade do homem,

“Admitidas asprováveisconexões

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destrutivos. Nada menos surpreendente, portanto, doque a porosidade recíproca, entre um e outro. Nadamais natural do que as trocas que se processam porestas duas vias.

Roland Barthes, lingüista francês, emboracompartilhando de algumas das opiniões de Russell,desenvolve o seu estudo das relações político-desportivas por outros caminhos. Reconhece nohomem certas “forças, alegrias, conflitos e angústias”que o esporte “exprime, libera, exacerba, sempermitir que se tornem destrutivas”. Para Barthes, oesporte corresponderia a uma encenação fatal davida, que é distanciada da morbidez pela sua aura deespetáculo. O esporte-espetáculo ficaria, por assimdizer, reduzido a sua forma, e isento de seus perigose vergonhas. O esporte-espetáculo perde o seu poderdaninho, embora conserve o seu brilho, o seu sentido.Escreve Roland Barthes:

“Em certas épocas, em certas sociedades, oteatro teve uma grande função social: reuniatoda a cidade numa experiência comum – oconhecimento das suas próprias paixões.Hoje em dia, é o esporte que, à sua maneira,detém essa função. Mas a cidade cresceu,agora ela é um país e, muitas vezes, porassim dizer, o mundo inteiro: o esporte éuma grande instituição moderna vertida nasformas ancestrais do espetáculo. (...) Todonosso esporte moderno está contido nesseespetáculo de uma outra era, herdeiro dosantigos sacrifícios religiosos.”2

Qual seria o sentido do esporte, segundoBarthes? “O esporte responde com uma novapergunta: quem é o melhor?” Ora: também emBarthes, o esporte é o móvel para a realização dosimpulsos competitivos do homem. Não é merarecreação. Não há de sê-lo. Porém, existe aqui umadiferença fundamental em relação a Russell: naconcepção barthesiana, o esporte busca conferir umnovo sentido aos antigos duelos entre os homens. Noesporte moderno, um homem não enfrentadiretamente o outro. Há, e sempre haverá, umintermediário entre eles: seja um árbitro, seja umamáquina, seja uma bola. A excelência humana semede em relação às coisas – ao tempo mensuradopor um relógio, à capacidade de colocar uma bolaatravés de um cesto, à condição de um competidor deconvencer o árbitro de sua superioridade.

Alegadamente, o esporte moderno não nasceda sublimação da violência de homens contra homens(como supôs Russell), mas, sim, da estilização dasdisputas míticas que eles, homens, travavam contraos inimigos comuns: o animal (tourada), o tempo(corridas de carro), a natureza (iatismo). ParaBarthes, a guerra e o esporte não podem situar-se emum mesmo espectro. Há uma descontinuidade

2 BARTHES, R. (1961). Le sport et les hommes. Originalmente, um documentáriode Hubert Aquin.

marcada. O esporte gera o desencaixe, amediatização, o distanciamento espaço-temporal –mínimo e quase imperceptível que seja – nosconfrontamentos entre humanos. O esporte, emBarthes, é representação cênica. Assim como apolítica – outro espetáculo representativo dacompetitividade humana, ainda que pleno de sentidopróprio. Constantemente confundem-se, porquepoderosos receptores e transmissores de mensagens,de significado, de “humanidade”. No marcobarthesiano, política e esporte solidarizam-seenquanto poderosos meios de comunicação.

Hannah Arendt, pensadora alemã, presta-nosa sua contribuição para um melhor entendimento dopainel aqui proposto. Em reflexão sobre A CondiçãoHumana, Arendt lança mão da sua famosa tríptica:labor, trabalho e ação. Cada qual, condizente a umadiferente esfera do comportamento humano. Embreves linhas, o (i) labor é a atividade correspondenteao processo biológico do corpo humano, cujocrescimento, metabolismo e decadência final acham-se vinculados às necessidades vitais. O animallaborans, praticante do labor, encontra-se aprisionadopela noção de tempo cíclico e pela fugacidade eprecariedade de suas relações humanas – reduzidas,as mais das vezes, à mera sobrevivência animal. Por(ii) trabalho, pretende-se o caráter não-natural daatividade humana, a partir do que se produz ummundo “artificial” de coisas, marcadamentediferenciado do mundo natural. O homo faber,praticante do trabalho, fabrica objetos que tenham acapacidade de durar e, conseqüentemente, deconstituir um mundo artificial. Trata-se, por exemplo,do artesão ou do artista que domina uma technéestabelecida. Por fim, a (iii) ação, a única atividade adar-se diretamente entre os homens, sem a mediaçãodas coisas ou da matéria, reporta-se à condiçãohumana da pluralidade. O zoon politikon, praticanteda ação (praxis) e da fala (lexis), por contraste com ohomo faber (fabricante), é responsável porcaracterizar a esfera do político e desenvolver umdomínio público. A ação arendtiana, “na medida emque tem a ver com a fundação e a preservação decorpos políticos, cria condições para a lembrança, istoé, para a História”.3

Adiante, na mesma obra, Arendt tratará dediferençar os domínios do público e do privado. Atemática, por si, não interessa aos propósitos desteensaio. Mas ali reside uma certa caracterizaçãopreciosa, que não deverá passar despercebida por nósoutros: a da esfera pública como o espaço para aperseguição da excelência (novamente, implícita aidéia de competição). Segundo a filósofa alemã –neste quesito, em franca convergência com Russell eBarthes –, todo homem busca realizar-se peranteseus pares. Agora e sempre, por todos os séculos eséculos.

3 ARENDT, H. (1958). The Human Condition. The University of Chicago Press.

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A essa altura, desnecessário, talvez, fosseperguntar: em que campos da atividade humana temo homem moderno, das sociedades capitalistas edemocráticas, buscado atingir a sua excelência, senãona política ou no esporte? Ora, pois: a política e oesporte são, hoje, dois loci privilegiados da “ação”arendtiana – tanto a praxis; como também a lexis.Conformam espaços imprescindíveis para amanifestação da pluralidade. Para mais, o esporte e apolítica – entendidos como potencializadores da“ação” arendtiana – tornam-se os próprios motores daHistória, ao confrontarem os valores humanos e, apartir desse contato, gerarem sentido, razão,consenso.

Quer se conceba o esporte como um canalpara escoamento de impulsos agressivos ou criativos,negativos ou positivos (Russell; Barthes), quer seconceba o esporte como a arena do espetáculo, dacomunicação e da pluralidade (Barthes; Arendt), difícilserá negar a sua “afinidade eletiva”4 com a política –o que, cumpre lembrar, contraria a nossa impressãoinicial. Admitidas as prováveis conexões entre apolítica e o esporte, fique bem entendido que, nemsempre, profícuos e proveitosos serão os câmbiosentre as duas categorias. Se, até o presentemomento, as relações político-desportivas têmaparentado harmoniosas e complementares – meamaxima culpa, pois assim as tenho relatado –,caberia, doravante, investigar algumas distorções eassimetrias possíveis – e freqüentemente observáveis– nesse mesmo relacionamento. Para tanto,selecionamos três imagens, oriundas de ummanancial inesgotável de casos: as olimpíadas da eramoderna. Observaremos, bem de perto, trêsepisódios – um deles, ainda fresco na memória – emque a política, repleta de ardis e ciosa de auto-afirmação, buscou colonizar um evento esportivo deproporções mundiais. A referida colonização, aquidenunciada, tem-se dado sob, pelo menos, trêsformas distintas, que se mesclam ao longo daHistória, a saber: (1) a ideologia, (2) a expiação e (3)o ilusionismo. Chegada é a hora de descortinarmos –como o subtítulo deste editorial sugere – as vezes emque a política internacional (quase) enganou oesporte.

Berlim-1936: O esporte como ideologia

Vigorava no mundo, nas primeiras décadasdo século XX, um ideário racista praticamenteirresistível. Cria-se, ainda, na superioridade intrínsecade alguns povos em relação a outros – um clarolegado do positivismo comteano e do evolucionismospenceriano. As teorias de inspiração darwinistatentavam dar respaldo “científico” às causas dapolítica. Não por acaso, no período, navegavamsoberanos, no mainstream da teoria política, nomes

4 Aqui repito uma expressão de Max Weber, que nos ensinou a pensar asafinidades existentes entre a lógica protestante e o espírito do capitalismo. Refiro-me, portanto, às imbricações possíveis e prováveis entre as duas categorias, esportee política, que poderão, em um dado momento, formar um entretecido consistente.

como os de Thomas Carlyle e Carl Schmitt. O Brasil,sociedade prismática que era (e ainda é!), receptora erecicladora de idéias de alhures, tinha em GustavoCapanema – então ministro da educação de Vargas –um entusiasta de práticas tais como a eugenia. Ocirco estava armado.

Em meados de 1936, o nazismo seguiaconquistando corações e mentes na Europa Ocidentalpré-II Guerra. A olímpiada daquele ano, a serrealizada justo na capital alemã, Berlim, era percebidapor Hitler como a oportunidade dourada da fazerressoar a ideologia da superioridade da raça ariana.Adolf, contudo, não contava com a astúcia de umcerto homem. Jesse Owens, esse era o seu nome.Negro, americano, 22 de anos de idade, indiferente àdoutrinação política hitleriana. Owens encantava omundo com as suas performances. Um ano antes, em1935, havia sido responsável pela quebra de 3recordes mundiais no atletismo. Hitler, como era dese supor, via os afro-americanos como etnicamenteinferiores, chegando a conceder-lhes o epíteto de“não-humanos”. A controvérsia estava lançada.

No estádio olímpico, as suásticas emvermelho e preto dominavam a decoração. JesseOwens, contra tudo e todos, permaneceu inabalável.Inacreditavelmente, amealhou 4 medalhas de ouronaquela edição dos jogos: 100 metros rasos, 200metros com barreira, salto em distância erevezamento 4X100m. Um prodígio do esportemoderno. Hitler, embaraçado diante da espetacularjornada do afro-americano, retirou-se do estádio.Enquanto os oficiais alemães tratavam de maldizerOwens, uma multidão de fãs, nas ruas, o tratavacomo herói. Comprovando que o mundo dá voltas, aívai uma curiosidade: em 1984, Jesse Owens passou aser o nome de uma das principais ruas do centro deBerlim.

Moscou-1980 e Los Angeles-1984: o esportecomo expiação

Durante toda a Guerra Fria, as olimpíadas –bem como outros eventos esportivos – tornaram-seimportantes plataformas para um país projetar, porintermédio de seus atletas, a superioridade política eeconômica de sua estrutura institucional. Emboraconcebidos para o estreitamento das relaçõeshumanas, logo os jogos se fizeram foco explícito detensões. Isso foi bastante evidente durante as suasedições de 1980 e 1984, respectivamente realizadasem Moscou e Los Angeles.

Em 1980, o presidente Jimmy Carter usariaas Olimpíadas como instrumento de barganha política,numa reação direta à movimentação de tanquessoviéticos em terras afegãs, iniciada em dezembro de1979. Em janeiro de 1980, Carter declararia àcomunidade internacional que, em retaliação àinvasão soviética, os Estados Unidos da América nãoparticipariam dos jogos de Moscou, programados parajulho daquele mesmo ano. Carter chegou a solicitar,

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junto ao COI, a mudança da sede daquela olimpíada.Não foi bem-sucedido. Não satisfeito, pressionou, pormeios que nos são insondáveis, os seus aliadosocidentais a desertarem. Nesse intento, logrou algumêxito: cerca de 60 países, dentre os quais AlemanhaOcidental, Japão e Reino Unido, não enviaramdelegações oficiais aos jogos olímpicos.5 Aindainsatisfeito, o presidente Carter ameaçou cassar ospassaportes de todos os atletas americanos que,porventura, ousassem inscrever-se na competiçãomoscovita.

Quatro anos depois, a competição aportavaem Los Angeles. E o troco seria dado. Um analista, àépoca, notava que, de tão politizados, aqueles jogoshaviam atraído mais jornalistas políticos do quecronistas esportivos. Nos jornais da época, as seçõesde política e de esporte se fundiam. Ocorre que, em1983, os soviéticos abateram um aeroplano sul-coreano que sobrevoava o território soviético deKamchatka, o que despertara novamente a iraianque. Ainda que o boicote soviético à olimpíada deLos Angeles fosse aguardado desde 1980, os eventosde véspera injetaram naquela edição dos jogos umaenorme carga de dramaticidade. Catorze paísesaliados da União Soviética adeririam ao boicote.6

Muito significativamente, tanto um pólo como o outrotrataram de organizar versões “alternativas” aosjogos olímpicos, nos anos de boicote. Os capitalistasorganizaram, em 1980, o Liberty Bell Classic (Jogosda Liberdade); ao passo que os socialistas, emcontrapartida, realizaram, em 1984, o Druzhba (Jogosda Amizade). Exemplares típicos de um mundobipolar!

Renascia, com os boicotes, a já cambaleanteGuerra Fria? Decerto, não. Um ano após a expiaçãode Los Angeles, Gorbatchev ascenderia ao poder noKremlin e, com ele, renovada a possibilidade dediálogo entre as potências.7 Em 1988, os soviéticosdeixariam o Afeganistão; em 1989, a Guerra Fria teriaum fim derradeiro; em 1991, cessava de existir aUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Atenas-2004: o esporte como ilusionismo

Os tempos presentes são de terrorismo. Sãotambém tempos de cosmovisões planificadas, depensamento único, de liberalismo incrustado, de “fimda história”. Solo fértil para a disseminação dademocracia formalista mundo afora – perceberá osociólogo português Boaventura de Sousa Santos.David Held comenta que, no pós-II Guerra, uma novaconcepção do direito internacional passou a dar maislegitimidade às formas democráticas de governo.Todavia, chega a ser incômodo o apelo moral e

5 França, Itália e Suécia estavam entre os aliados estadunidenses que ignoraram aspressões de Carter e participaram dos jogos.6 Dentre os assinantes do Pacto de Varsóvia, apenas a Romênia participaria dosjogos.7 Na segunda metade dos anos 1980, uma pesquisa de opinião pública dava contade que Gorbatchev gozava de maior prestígio entre os cidadãos americanos do queo próprio presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan.

ideológico das formas democráticas de nosso mundo“globalizado”: travam-se guerras e intervençõesmilitares pela deposição de tiranos, cujos países sãoagrupados em um arbitrário “eixo do mal”. Associam-se regimes não-democráticos, não raro, àmegalomania bonapartista, ao culto ao terrorismo, àganância nuclear ou à ineficiência econômica.Impõem-se embargos e sanções de toda sorte àsnações conduzidas por líderes (considerados)autoritários. Ante o exposto, como não ser democrataem um mundo regido por “leis morais” liberal-democráticas? Não há de ser tarefa fácil – que odigam os cubanos, para ficarmos em um bomexemplo latino-americano. Nada parece ter tantoapelo como o “democratismo” nos dias de hoje.

Pois que, em Atenas, não foi diferente. Emuma estratégia escancaradamente eleitoreira, GeorgeW. Bush tentou associar – como demonstram algumaspropagandas televisivas veiculadas em seu país – obom desempenho da seleção nacional de futeboliraquiana às benesses advindas da democracia formalali instalada, manu militari, pelos estadunidenses.8 A(quase) vitória iraquiana – assim como a participaçãoafegã nos jogos – seriam os frutos precoces dasintervenções salvadoras. Atentar para o fato de que,após Atenas, Bush Jr. não hesitou em ir mais longe,propondo, perante a audiência de líderes de todo omundo,9 a constituição de um fundo mundial para ainstauração de democracias em Estados não-democráticos – isto é, a ajuda financeira (e, por quenão?, “técnica”) para a constituição de um sistemapolítico com partidos, sindicatos, eleições regulares,liberdades civis e políticas. A “cruzada dodemocratismo”, para a atual gestão da Casa Branca,desconsidera os princípios canônicos da soberanianacional e da não-ingerência em assuntosinternacionais.

Em ensaio denominado “The Possibility ofRational Politics”, de 1991, Jon Elster proporá oseguinte exercício mental – definido, por ele mesmo,como “um pouco mais profundo”: é possível pensar-se a implementação de uma reforma constitucionalsem que, para tanto, haja um compromissonormativo, de governo e população, para com oprincípio da legalidade e dos direitos individuais?Dificilmente, ele comenta. Elster sugere que, porexemplo, “For freedom to be instrumentally valuableit must be known to have a non-instrumental base,because otherwise it will not induce the security andpeace of mind by which its good consequences

8 A seleção iraquiana atingiu o quarto lugar na competição de futebol masculinoem Atenas, 2004.9 Trecho do discurso de George W. Bush, na Assembléia Geral da ONU, em 21 desetembro de 2004: “Because I believe the advance of liberty is the path to both asafer and better world, today I propose establishing a Democracy Fund within theUnited Nations. This is a great calling for this great organization. The Fund wouldhelp countries lay the foundations of democracy by instituting the rule of law,independent courts, a free press, political parties, and trade unions. Money fromthe fund would also help set up voter precincts and polling places, and support thework of election monitors. To show our commitment to the new Democracy Fund,the United States will make na initial contribution, and I urge other nations tocontribute as well.”

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arise”.10 Se a liberdade é concedida por meramotivação instrumental, ela está destituída, de saída,de toda a sua potencial eficácia. O motivo? Umcidadão nunca confiará em um governo que, se equando necessário for, em nome de valores outros,poderá lançar mão de artifícios autoritários para“garantir” (ou cercear) a própria liberdade – outrorajustificadora da reforma. Ou seja: no contextohipotético em tela, a liberdade se terá tornado umvalor secundário.

Se entendemos que uma relação normativaprecede qualquer instrumentalidade possível,poderemos desdobrar, então, o questionamentooriginal de Elster: qualquer reforma política, é elaorientada instrumentalmente? “I do not believe thatthe main political reforms of the last century havebeen supported mainly by instrumentalconsiderations” – afirma o autor.11 O ponto de Elster écortante, e diz muito respeito ao debate em tela. Asgrandes reformas políticas dos últimos cem anos – osufrágio universal e o estado de bem-estar social –não podem ser concebidos como os produtos de umaracionalidade meramente instrumental. Antes, essasreformas políticas partiram de suas bases não-instrumentais – mesmo porque, do ponto de vistainstrumental, elas não interessavam às elitesdirigentes. Assim sendo, é automática a interpretaçãode que o desarranjo governativo experimentado noIraque de hoje constitua, em larguíssima medida, oque Elster entende como uma reforma políticameramente instrumental – logo, de fôlego curto. Oedifício democrático iraquiano, além da poucaestatura, tem um alicerce frágil, prestes a rebentar.

Ironia das ironias, em matéria recentementepublicada pela inglesa The Economist, a democraciaamericana é reportada como uma “democraciatravesti”, ou seja, um regime apenas aparentementedemocrático. Falta-lhe, segundo o artigo da revista, oque de mais caro deve ser a uma genuínademocracia: a competitividade política. Haja vistaque, nas próximas eleições, dos 435 assentos adisputar para a House of Representatives (espécie deCâmara dos Deputados dos EUA), estima-se queapenas 30 deles (ou seja, 7%) sejam, de fato,competitivos.12 Para reforçar a tese, bastariamencionar os problemas de contagem de votos nasúltimas eleições presidenciais, alçando à presidênciaum candidato menos votado do que o seu oponente;ou, ainda, o dado de que as declarações patrimoniaisdos quatro principais candidatos às Casa Branca, naseleições de 2004 (Kerry/Edwards; Bush/Cheney),totalizam uma cifra em torno de US$ 700 milhões –consagrando, na acepção mais substantiva do termo,uma plutocracia ianque. Sem ilusões de ótica, esse éo democratismo de que tanto se vangloria opresidente Bush.

10 ELSTER, J. “The Possibility of Rational Politics” in: HELD, D. (editor).Political Theory Today. 1991, p. 133.11 Idem, p. 134.12 Cf. “Pyongyang on the Potomac?” e “No Way to Run a Democracy” in: TheEconomist, 16/09/2004.

Para não dizer que não falei das flores, citopassagem de Shakespeare, que bem define a moraldo pensamento neocon: “Adote uma virtude, se nãotiver nenhuma...”13

No apagar das luzes, uma provocação...

OOss qquuee iiddeennttiiffiiccaamm,, nnaa CChhiinnaa,, uummaa ffoorrççaassuubbvveerrssiivvaa ddaa oorrddeemm mmuunnddiiaall,, ddeevveemm ((aaiinnddaa)) eessttaarrbbooqquuiiaabbeerrttooss ccoomm aa ttrrooccaa ddee ggeennttiilleezzaass ooccoorrrriiddaa aaooffiinnaall aa CCeerriimmôônniiaa ddee EEnncceerrrraammeennttoo ddaass OOlliimmppííaaddaass ddeeAAtteennaass,, ee aa ppaassssaaggeemm ssiimmbbóólliiccaa ddaa ttoocchhaa oollíímmppiiccaa ddeeAAtteennaass ppaarraa PPeeqquuiimm.. OOnnddee ffooii ppaarraarr,, aaffiinnaall,, oo tteemmiiddoorreevviissiioonniissmmoo cchhiinnêêss,, oo ““ppeerriiggoo aammaarreelloo””,, ttããoorreeccoorrrreenntteemmeennttee aallaarrddeeaaddoo ppoorr nnoossssooss tteeóórriiccooss??

13 Hamlet, dirigindo-a à sua mãe (1602).

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O DEBAT

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EDOURO é um veículo de circulação semanal, produzido por estudantes de Relações Internacionais. Trata-se de produção autônoma, independente, de inteira e absolutaresponsabilidade de seus autores. Não se vincula, portanto, a qualquer entidade.

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iras polêmicas

ntos de leve discordância, de caráter mais histórico. Fico a me questionar se o exercício de comparação entre osdemocráticos de 2004 e 1958 é realmente válido. Por dois motivos, basicamente:

, porque, àquela época, o ‘democratismo’ ainda não assumia as feições de ‘imperativo moral’ - como o é, hoje. Basta o Estado cubano para constatar: como é difícil não ser democrático hoje em dia! No sentido de Fukuyama, ainda nãochegado, em 1958, ao ‘fim da história’;, porque, para muitos estudiosos, a qualidade da democracia brasileira durante o interregno 1945-64 era precaríssima aos patamares de hoje. Haja vista que, nos últimos anos desse interregno, Jânio Quadros e João Goulart, populistas, assumiriam a presidência. A democracia não era, propriamente, ‘democrática’ (assim como não o é hoje, mas porstintos).”

Belém Lopes, editor

e Lula, a questão do Brasil Global Player e o Brasil Global Trader, na minha opinião, tomam contornos diferentes.possível considerar que FHC via dois ‘modos de vida’ nessas duas expressões, enquanto Lula suborna essa àquela? Emavras, não haveria uma agressividade maior por parte do governo no sentido de criar a imagem de Brasil Global Playerassociado, à de Global Trader? Em FHC, não haveria dois ‘brasis’ e, em Lula, um Brasil ‘jogador’ que causa um efeitoo Brasil ‘negociante’?”

ellozo Jr., editor

, vista pelos liberais

az a distinção entre diferentes tipos de ‘liberalismo’ (ou em alguns casos pseudoliberalismo). Creio que esse é umanço para o tratamento da questão, uma vez que a intelligentsia vermelha tende a rotular a maioria de seus como ‘liberais’, chegando-se ao absurdo de se colocar Keynes dentro desse grupo.”

ssi Freire, leitor e colaborador

tra Rússia possível?

, interessante a sua prosa. Muito criativa, para ser justo. Quando se relata uma eventual expansão russa até os Alemanha, fiquei a lembrar da lição de Garrincha: ‘faltou apenas combinar com os russos’...”

Belém Lopes, editor

ue você foi bastante honesto quanto ao exercício de futurologia a que se aventura. Pareceram-me claros os limites data e, portanto, a despeito da distância intergaláctica entre a realidade sensível e alguns dos silogismos, o artigo é, no

álido e interessante. Sobretudo porque o desenho de cenários é uma atividade altamente complexa e você o faz cometência. Seria interessante tomar contato com mais exercícios dessa natureza n'O Debatedouro. Temo [contudo] quecomo ferramenta aqui possa ser mais venda do que binóculos. O sentimento de constante medo pela extensão ede contato de suas fronteiras somado ao messianismo pan-eslavo parecem ser efetivamente ‘forças profundas’ da internacional russa. Entretanto, bastaria eliminar a presença militar norte-americana fora dos Estados Unidos parasos estejam preparados/dispostos para surfar na contra-mão das contingências da história recente?”

ser, editor

DA EDITORIA

ores,

douro tem satisfação de apresentar os dois novos membros de sua equipe: Nico estará responsável pelase humor político da seção R.I.sadas - que não coincidentemente também faz sua estréia nesta edição;

lermo Villavicencio, que é diretor do curso de Relações Internacionais do ITESM (Monterrey, México),os presenteando com suas colunas. Sejam bem-vindos!

RES

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CARLOS FREDERICO GAMA colunista

[email protected]

O DEBATEDOURO é um veículo de circulação semanal, produzido por estudantes de Relações Internacionais. Trata-se de produção autônoma, independeresponsabilidade de seus autores. Não se vincula, portanto, a qualquer entidade.

A Escola de Copenhaguede Washing

OO CCoonnssttrruuttiivviissmmoo::uummaa aalltteerrnnaattiivvaa aaoo mmaaiinnssttrreeddaass RReellaaççõõeess IInntteerrnnaacciioonnaaiiss

Por décadas a fio, a disciplina das RelaçõesInternacionais (doravante, RI) ensejou uma mesma“visão do mundo”. Um mundo de Estados racionaisque buscam maximizar seus interesses vis-à-visoutros Estados, num contexto anárquico – ausênciade instâncias de autoridade capazes deregular as relações entre Estados, paraalém do “voluntarismo” destes. Um mundode continuidades - perene desenrolar deconflitos entre Estados e iniciativaspontuais de cooperação.

Tal “matriz disciplinar” caracterizaas RI como produto da Modernidade,herdeiras, pela ordem, da “celebração daRazão” iluminista do século XVIII,caudatárias da separação entre Ciência eFilosofia nos séculos XVIII e XIX (relegandoa última aos “devaneios” da Metafísica),herdeiras do Positivismo do século XIX(com seu naturalismo e empirismo),derivadas da progressiva“compartimentalização” das “ciênciassociais” nos séculos XIX e XX. As RI,inicialmente domínio de diplomatas ejuristas e só posteriormente uma “ciência”em busca da “verdade”, mantiveraminalterados seus postulados ao longo dostempos.

Mesmo se tal “imagem de mundo” foi acuradaem algum momento do século XX (quando surgem asRI), não caberia questionamento quanto ao escopo eprofundidade das mudanças ocorridas no planointernacional a partir da segunda metade do século,aceleradas após o fim da Guerra Fria. Ampliou-se adisparidade entre as RI e os fenômenos com os quaisa disciplina se propôs a lidar. Tornou-se manifesto opouco volume de “conhecimento acumulado” nas RI.

A dinâmica social ensejourevisão teórica nas RI. Questõontológicas e éticas, desprezvieram à tona. Os elementos mamainstream – teorias de origem

da escolha racionaCiência Social cNatureza”, o estatopor regularidades pelas questões cooperação econômtornaram-se alvAbriram-se brechmonolítico” das RI,gerações de estudiouma “matriz discipNicholas Onuf, “parNo centro do embat

O primeiro“debate interparad70 (pluralistas, glo– não traria resConsolidou-se a idétrariam visões dimesmo mundo diferentes. Remetenparadigmas income

A superação da incomentarefa abraçada pelo mainstreaconvergência de correntes plurali“síntese neo-neo” – dando orRacionalismo,14 buscando refdisciplinar” canônica em sua capaOutra leva de autores – críticos

14 KATZENSTEIN, P.J., KEOHANE, R.O., KRAOrganization and the Study of World Politics”. p.670

e os praticantesRIO DE JANEIRO

ton

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momento para umaes epistemológicas,adas solenemente,is característicos doeconomicista (teorial, teoria da firma),omo “espelho dacentrismo, a busca

empíricas, o pendorde segurança eica “liberal” etc. –os preferenciais.as no “edifício

fruto do esforço desos para criação delinar” (no dizer deadigma operativo”).e, as RI do futuro.

sinal de fratura – oigmático” dos anosbalistas e realistas)postas conclusivas.ia de que estes nãoferentes sobre um– mas mundosdo a Thomas Kuhn,

nsuráveis.

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Internacionais,propondo-se

empreendimentotransdisciplinar,

nem almeja atingir‘a verdade’ sobre

‘o mundo’, mas umleque de

‘verdades’ numapluralidade de

mundos”

nte, de inteira e absoluta

8

surabilidade não foim (este assistiu àstas e realistas – aigem ao chamadoorçar a “matrizcidade explicativa). do mainstream –

SNER, S. (1998). “InternationalInternational Organization 52(4):

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abraçaria tal tarefa. A Teoria Crítica, de matrizfrankfurtiana, de autores como Robert Cox, AndrewLinklater e Mark Neufeld, nos anos 80.

A Teoria Crítica objetivou “resgatar” as RI,adequando-as ao “telos” da “emancipação humana”via substituição do tipo de teoria empregado. Acontestação focou-se não nas RI per se, mas no tipode teoria adotado como modelar. Remontando aHorkheimer15, procedeu-se à crítica das teorias“problem-solving” do mainstream. Linklater apontou a“pobreza moral” do mainstream; Neufeld e Coxapontaram o caráter filo-positivista deste, os muitosproblemas resultantes e os obstáculos impostos aofito da “emancipação humana”.

A Teoria Crítica não superou aincomensurabilidade, nem minou por completo omainstream, sendo progressivamente relegada “àmargem” do debate, provavelmente, no dizer de ChrisReus-Smith16, graças aos “desafios analíticos de umaordem global cambiante”. A alternativa aomainstream apresentada pouco teve a dizer sobre asmudanças no plano internacional, nem se dispôs aenfrentar o “desafio empírico” colocado pelomainstream (criação de um “programa de pesquisaalternativo” 17 afirmada por Robert Keohane18).

Seguindo-se à “investida” da Teoria Crítica,novos autores críticos do mainstream surgiriam,cientes das mudanças radicais de então e passando aconsiderar, dentre outras, questões de ontologia eepistemologia. Duas correntes principais – Pós-Modernos e Construtivistas – passariam a confrontaro mainstream no que foi chamado “terceiro debate”.Tendo abordado previamente19 as contribuições dosautores ditos “pós-modernos” (autores como CynthiaWeber, David Campbell e Robert Walker, trabalhandona esteira de nomes como Michael Foucault, JeanBaudrillard e Jacques Derrida), considerarei nesteartigo a contribuição dos autores ditos“construtivistas”, suas diferenças e sobreposições,bem como o resultado de seu embate com omainstream, referente às RI.

O construtivismo

O Construtivismo afirma que o mundo não é“natural” – é um artefato, construção social doshomens. Agentes e estruturas sociais sãomutuamente constitutivos – nenhum destes precede

15 HORKHEIMER, Max (1983), Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: OsPensadores. São Paulo, Abril, p.12916 REUS-SMITH, Chris (1996). The Constructivist Turn: Critical Theory After TheCold War. Canberra, Department of International Relations – Australian NationalUniversity (working paper), p.417 LAKATOS, Imre. “O Falseamento e a Metodologia dos Programas de PesquisaCientífica”. In: LAKATOS, Imre & MUSGRAVE, Alan (eds.). A Crítica e oDesenvolvimento Científico. São Paulo: Editora Cultrix/Editora da USP, 197918 KEOHANE, Robert O. “International Institutions: Two Approaches”. InternationalStudies Quarterly 32(4): 379-38619 GAMA, Carlos Frederico. “A Soberania, essa estranha – refletindo sobre osalicerces da análise em Relações Internacionais (Parte II)” em O DEBATEDOURO38, 23/11/2003.

ontologicamente o outro. A estrutura profunda dasociedade é constituída por idéias, mais do que forçasmateriais. Friedrich Kratochwil20 vai buscar emAristóteles o Homem como “ser social” e deriva dos“atos discursivos” a construção do mundo, emoposição à “voz” animal. A matéria adquire significadoquando sobre ela incidem idéias coletivamenteerigidas. O Construtivismo não é puramente“ideacional”, abrigando um “materialismo residual”(Kratochwil recorre ao renovado papel da“consciência” na Biologia; Alexander Wendt adota aFilosofia da Ciência conhecida como RealismoCientífico; Nicholas Onuf afirma que os “mundossociais” erguem-se conferindo sentido a uma basematerial pré-existente – bricolage).

Vendulka Kubálková, Nicholas Onuf e PaulKowert21 reconstituem a história das RIs, apontando oConstrutivismo como linguagem comum capaz de pôrfim à “Torre de Babel” da incomensurabilidadeparadigmática. Nunca teria havido consenso sobre ostatus das RI (disciplina? empreendimentointerdisciplinar? subdivisão da Ciência Política?). Ashodiernas “mudanças drásticas no mundo” tornariamirrelevantes tais elucubrações, visto que“preocupações globais” nunca foram privilégio das RI.No entanto, houve parco intercâmbio entre RI eoutras disciplinas, mantidas estanques (a“compartimentalização do conhecimento” se mostrouindesejável). As “fronteiras” entre disciplinas, porém,são socialmente construídas – podem mudar. O“mundo dos estudiosos” inventa novos conceitos eatribui novos sentidos aos existentes.

Os autores, pois, apresentam oConstrutivismo como forma particular de pensar asrelações sociais em geral e as relações internacionaisem particular22 – uma linguagem comum, atribuindonovos sentidos a conceitos já existentes, e criandonovos conceitos. O Construtivismo não seria adeptoda “prática pós-moderna da desconstrução”,tampouco seria “veículo para a emancipação” (nãoseria, pois, uma nova Teoria Crítica) ou indiferente àpesquisa empírica e à Ciência “positivista”. Entendidocomo um “framework”, o Construtivismo daria vazãoa uma pluralidade de epistemologias e metodologias.Ao “deixar a epistemologia para os filósofos edirecionar a ‘virada lingüística’ das Ciências Sociaispara a ontologia”,23 o Construtivismo seria o “ovo deColombo” capaz de pôr fim à incomensurabilidadeparadigmática. Dada tal diversidade, somente

20 Kratochwil, Friedrich V. (2001) Constructivism as an Approach to InterdisciplinaryStudy. Constructing International Relations: the next generation. K.M.Fierke and K.E.Jorgensen. Londres, M.E.Sharpe, 13-3521 KUBÁLKOVÁ, Vendulka, ONUf, Nicholas G & KOWERT, Paul (eds) 1998International Relations in a Constructed World. Armonk, Nova York, M.E. Sharpe,cap.122 KUBÁLKOVÁ, Vendulka, ONUf, Nicholas G & KOWERT, Paul (eds) 1998International Relations in a Constructed World. Armonk, Nova York, M.E. Sharpe,cap.1, p.423 ONUF, Nicholas G. (1989). World of Our Making: Rules and Rule in Social Theoryand International Relations. Columbia, South Carolina, University of South CarolinaPress, p.36-43

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abordaremos nesse artigo algumas contribuições – asde Nicholas Onuf e Alexander Wendt.

Onuf inicia sua argumentação abordando aproblemática dos “pontos de partida”: “Todos têm decomeçar por algum lugar. Talvez não haja começo efiquemos andando em círculos. A maioria dos teóricosde RI não começaram propriamente ou, mudando ametáfora, não foram fundo o bastante para nos dizeralgo a respeito”.24

Abordando a pedra fundamental doConstrutivismo – a suposição da paridade ontológicaentre “as coisas e suas relações” – Onuf nos afirmaque a ontologia se refere ao mundo como sepudéssemos nos assegurar de sua existência, masnão como se pudéssemos nos certificar sobre suaspropriedades. A ontologia, pois, é uma soluçãoprovisória, um “falso começo”. Remetendo a Goethe,Onuf afirma que “no início era o Pacto”.25 Mas isso jáseria um avanço frente ao mainstream das RI, quetoma o mundo “como dado”.

Não havendo precedência nem dos agentestampouco das estruturas sociais, “a sociedade é o queela faz”. A dinâmica social – centrada em práticas – éprocesso perene de mútua constituição. Onuf seremete às obras tardias de Wittgenstein, lançandomão do uso pragmático da Linguagem (esta não é“espelho da Natureza”, nem o mundo derivadiretamente dela - a Linguagem tem uma funçãoconstitutiva). A Linguagem é o veículo da construçãosocial, base para a conduta normativa (todaconstrução social é normativa). Através de atosdiscursivos (regras e policies), os homenstransformam coletivamente as capacidades materiaisem recursos, gerando assimetrias em termos deoportunidade de controle e distribuição de benefícios.Regras (rules) geram instâncias de domínio (rule) -encontradas em qualquer sociedade, inclusive nasRIs. Os “mundos sociais” são construídos a partir dosrecursos materiais disponíveis (bricolage).26 Analistase observadores apenas provisoriamente podem sedistanciar dos “mundos sociais” que analisam. O“mundo dos Estados” é apenas um dentre muitos, noseio dos quais não há precedência – a escolha poranalisar um mundo em particular é normativa.

Tais considerações chocam-se com ospostulados do Positivismo (busca da “verdadeobjetiva” sobre o mundo). As ciências não contribuemcom as demais, agindo dessa forma. Os estudiososdas RI, separando o “mundo dos estados” dos demaismundos sociais, empobrecem a empreitada doconhecimento. Onuf aponta o Construtivismo comosolução para a incomensurabilidade – frameworkcapaz de abrigar múltiplas epistemologias emetodologias, “via média” entre Positivismo e Pós-

24 Idem, p.3525 Idem, p.126 ONUF, Nicholas G. (2001) The Strange Career of Constructivism in InternationalRelations. Center of International Studies, University of Southern Carolina(workingpaper), p.10

Modernismo, distante da complacência epistemológicado primeiro e do desprezo pela metodologia dosegundo. Quanto ao Positivismo, Onuf faz a seguinteressalva: o Construtivismo não pode advogar primaziapara determinado conjunto de atividades acadêmicascomo representando o que acontece no mundo (emqualquer mundo), tampouco tomar fatos como sendohomogêneos, o conhecimento como sendocumulativo, ou defender uma ordem leibnitziana oucomteana para qualquer um dos diversos “mundos”.27

Somente em caráter provisório o Construtivismopoderia abrigar considerações como a separaçãoentre fato e valor e a independência entreconhecimento e linguagem. Quanto ao Pós-Modernismo, o Construtivismo não compartilha de suadescrença quanto à possibilidade do conhecimentoobjetivo sobre o mundo em que vivemos. OConstrutivismo trata tal conhecimento COMO SE estefosse independente da linguagem (em caráterprovisório).

Alexandre Wendt adota, além da mútuaconstituição agentes-estruturas, uma “teoria socialidealista” – idéias compartilhadas constituem aestrutura profunda da sociedade (forças materiais têm“significação residual”)28 e delas derivam asidentidades. Não obstante seu “idealismo”, Wendt sepropõe a “desenvolver ciência”, recorrendo aoRealismo Científico (o mundo independente da mentee linguagem; teorias científicas maduras referem-se aesse mundo, mesmo quando este não é diretamenteobservável).29 O Realismo Científico – derivando averdade (entendida como correspondência) a partir deuma teoria causal,30 seria via média entre oEmpirismo e Pós-Modernismo, questionando aprimazia epistemológica destes em prol da ontologia.Aplicar o Realismo Científico às Ciências Sociais seriapossível – os “tipos sociais” têm algumafundamentação material, são auto-organizadosinternamente e são independentes em sua formaçãodas mentes e discursos que tentam explicá-los.

Wendt almeja re-estruturar o “projeto dosistema de Estados” característico das RI, criticando otrabalho de Kenneth Waltz.31 Wendt vê os Estadoscomo agentes corporativos (“atores organizacionaisque estão internamente relacionados com a sociedadeque governa por meio de uma estrutura de autoridadepolítica”.32 Estados são agentes unitários, buscamobjetivamente seus interesses, “constroem o mundo”.Não obstante sejam constituídos socialmente(“internamente” e pelo sistema de Estados), asidentidades e interesses do Estado são parcialmente“exógenas” (individualidade é dada fora do sistema;

27 Idem, p.1128 WENDT, Alexander (1999). Social Theory of International Politics. Cambridge,Cambridge University Press, p.2529 Idem, p. 51.30 Idem, p. 53-60.31 WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. Reading, Massachusets:Addison-Wesley, 198332 Idem, p.201

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seu significado, no sistema) e buscam se reproduzir(Estados são “formas culturais”).

Wendt trata a anarquia como “cultura”(haveria diferentes “culturas da anarquia” –hobbesiana, lockeana e kantiana – e seus papéiscaracterísticos - respectivamente: o inimigo, o rival eo amigo) e os interesses estatais como socialmenteconstruídos. A distribuição de interesses (idéiascompartilhadas) determina a “vida internacional”. Aestrutura do sistema é articulada na interação deelementos materiais, interesses e idéias.33 Haveriadois “níveis” estruturais: micro (interação dosEstados, lócus do “conhecimento comum”); macro(“culturas da anarquia” ou conhecimento coletivo). Àestrutura estão associados efeitos causais econstitutivos sobre os agentes (e ela deriva dainteração destes).

O relacionamento entre agentes e estruturasé fundado em práticas34 que os “instancializam”(práticas essas que derivam de estruturas e agentes“pré-existentes” 35). O “self” e o “outro” são produtosda interação.36 As identidades e interesses perduramno tempo – no “mundo social” a “seleção natural”cede primazia à “seleção cultural”,37 via imitação(adoção pelos agentes das auto-interpretações alheias“bem-sucedidas”38) e aprendizado (o “self” seinterpreta especularmente por via da imagem que eleimagina que “outros significantes” dele fazem – outer-casting39, negociando interpretações dentro dasinterações). Daí a cultura ser entendida como“profecia auto-realizável” com “tendênciashomeostáticas”40 - o conhecimento coletivo sereproduz e torna as interações relativamenteprevisíveis. Wendt afirma ser equivocado considerar oConstrutivismo mais propício à mudança que outrasabordagens. A mudança sistêmica (rara) ocorreriaquando “múltiplas realizações” da micro-estrutura,superando o chamado “tipping point”, se refletem namacro-estrutura. Em seguida, ocorre superveniênciada macro-estrutura sobre a micro-estrutura. Osagentes buscam “segurança ontológica”, se opondo auma constante fluidez de seus selves.

Construtivismo X mainstream: as RI são olimite?

O Construtivismo centra fogo na solução daincomensurabilidade e na problemática daconstituição do “mundo social” (ou dos vários“mundos” sociais). Eventos como o fim da GuerraFria, desacreditando as análises do mainstream,abrem caminho para que o Construtivismo seapresente como “via média” capaz de solucionar o

33 Idem, p.13934 “Estruturas e agência são ambos efeitos do que as pessoas fazem” - Idem, p.31335 Ibidem36 Ibidem37 Ibidem38 Idem, p.32539 Idem, p.32740 Idem, p.331

entrave crucial da incomensurabilidade paradigmática,através do “ovo de Colombo” ontológico. Ao contrárioda Teoria Crítica pregressa, o fato de a construçãosocial do(s) mundo(s) relevar assimetrias de acesso arecursos, derivado da transmutação de rules em rule,não revela qualquer interesse do Construtivismo emser uma perspectiva crítica ou “emancipadora”.41 OConstrutivismo é agnóstico a respeito.

Não obstante, uma vez proposto comolinguagem comum, “esperanto” da “Torre de Babel”das Ciências Sociais, o Construtivismo, ao contráriodo Positivismo, não se limita às estreitas fronteiras dadisciplina, propondo-se empreendimentotransdisciplinar, nem almeja atingir “a verdade” sobre“o mundo”, mas um leque de “verdades” numapluralidade de mundos. Ao contrário da crítica pós-moderna, não postula a inviabilidade da existência defronteiras disciplinares, nem tampouco questiona apossibilidade do conhecimento objetivo sobre “osmundos”. O Construtivismo, em analogia com seu“materialismo residual”, confere novo sentido aos“recursos de conhecimento” pré-existentes (conceitosfamiliares como o Estado, a Soberania e a Identidadesão reelaborados). O Construtivismo, framework, nãose limita às RI, mas tampouco as dispensa porcompleto. A disciplina é tomada, seletivamente(escolha sumamente normativa), como “plataforma”de análise para a empreitada de criar um “chãocomum” para o intercâmbio das ciências sociais:42

“O Construtivismo é uma forma particular depensar as relações sociais em geral e as relaçõesinternacionais, em particular.”43

“Com base no Construtivismo, tentarei construiruma teoria do sistema de Estados crítica da deWaltz.”44

Seria difícil exigir do Construtivismo, auto-intitulado framework, um caráter unívoco. Onuf porexemplo critica duramente o debate em RI do pós-Guerra Fria, que ele vê como consistindo em“Racionalismo neo-neo” versus “Construtivismo light”de Wendt e outros. Wendt é chamado de“Construtivismo light” por subestimar o papel dalinguagem,45 além de afirmar que as estruturasmateriais são socialmente constituídas, mas ocontrário não ocorre,46 abraçando um “idealismo” pordemais abstrato que não deriva para a formação de

41 ONUF, Nicholas G. (1989). World of Our Making: Rules and Rule in Social Theoryand International Relations. Columbia, South Carolina, University of South CarolinaPress, p.3042 Se contrapondo ao relativo “pessimismo” expresso por Steve Smith quanto àpossibilidade de superação das diferenças (epistemológicas) entre os paradigmas –vide SMITH, Steve (1996) Positivism and Beyond. International Theory: Positivismand Beyond. K.B.M.Z. Steve Smith. Cambridge, Cambridge University Press p.11-4443 KUBÁLKOVÁ, Vendulka, ONUf, Nicholas G & KOWERT, Paul (eds) 1998International Relations in a Constructed World. Armonk, Nova York, M.E. Sharpe,cap.1, p.444 WENDT, Alexander (1999). Social Theory of International Politics. Cambridge,Cambridge University Press, p.845 ONUF, Nicholas G. (2001) The Strange Career of Constructivism in InternationalRelations. Center of International Studies, University of Southern Carolina(workingpaper) p.12.46 Idem, p.15

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regras e, pois, de domínio. Onuf critica a idéia da“superveniência” da macro-estrutura sobre a micro-estrutura em Wendt, que oblitera a mútuaconstituição e despreza assimetrias derivadas dautilização das regras (originando domínio),produzindo uma abordagem estática. OConstrutivismo light e o mainstream seriam“herdeiros do Liberalismo”.

Não obstante suas “fricções internas”, oConstrutivismo articula-se como alternativa explícitaao mainstream nas RI, com sua flexibilidademetodológica e epistemológica não avessa à empiria –

mas sem reservar um status privilegiado para adisciplina (RI são apenas “um dentre muitos” mundossociais). O Construtivismo, ao contrário domainstream, propõe a rearticulação das RI com outrasciências sociais (reforço do intercâmbiointerdisciplinar) – trabalhando também, pois, paraalém das RI. Os construtivistas indicam a insuficiênciada disciplina, propondo-se a reconstruir seu “edifícioanalítico” sobre novos alicerces ontológicos, mas semdesprezar o “material de construção” disponível e,mais importante, reconectando o “edifício” resultantecom os demais (mundos sociais), utilizando as RIcomo “ponto de partida”.

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OO pprroobblleemmaa aaggeenntteess--eessttrruueemm RReellaaççõõeess IInntteerrnnaacciioonnaaii A interação entre os EUA e o Conselho de Segurança nIraque de 2002/2003 – parte II

Na primeira parte deste artigo, vimos que oproblema agente-estrutura, em Relações Internacionais,consiste em “estabelecer, por um lado, ograu de influência que a livre atuação dosagentes [Estados e outros atoresinternacionais] exerce sobre os processosimportantes da realidade internacional, e,por outro lado, em que medida a liberdadede ação dos agentes sofre limitações dasestruturas [instituições internacionais,sejam estas abstratas como o balanço depoder, sejam palpáveis como organismosinternacionais], tanto materiais quantonormativas e axiomáticas”.47

Defendemos, por meio de umaexposição da teoria do estruturacionismo,que tanto agentes quanto estruturas secriam, se modificam e se influenciammutuamente, em uma relação dialética decausalidade. Nesta parte do artigo,adotaremos este entendimento comopremissa básica para examinarmos ainteração entre EUA e o Conselho deSegurança no episódio da crise do Iraquede 2002/2003.

Os EUA e a adaptação do Conselho deSegurança para o pós-Guerra Fria

O fim da II Guerra Mundial demandou aconstrução de um novo modelo de segurançainternacional, que foi então concebido aos moldes deum sistema de segurança coletiva – sistema em que aintegridade e independência de cada Estado devem serdefendidas por todos os outros Estados, de acordo comum entendimento prévio – e foi materializado no

47 ROCHA, Antonio Jorge Ramalho da. Relações Internacionais: teorias e agendas.Brasília: IBRI, 2002, p 220. Inserção de chaves nossa.

Conselho de Segurança das NaçõAntônio Patriota comenta que “Ro

Stalin foram convergidéia de um orgparticipação geral, node potências deteria decisões de seguRoosevelt concebia o um sistema de seguidéia dos “quresponsáveis por coercitivas em situaruptura da paz e amese então à fórmula dnão-processuais se deaquiescência, ou abstenção, dos permanentes do CSNU

No entanto, opós-II Guerra Mundiaa uma importânciresolução das gransegurança neste perquando se tratava dvitais das duas sarranjos – ou aucunhados por EUA e

deliberações do CSNU. Os policiais dnão poderiam zelar pela segurandisputa entre dois deles é ainstabilidade.

Finda a Guerra Fria, abrearticulação de um novo papel paSegurança. Antônio Patriota ressalta

48 PATRIOTA, A.A. O Conselho de Segurança aarticulação de um novo paradigma de segurança coBranco; Fundação Alexandre de Gusmão; Centro de Es49 Os membros permanentes do CSNU, número depois e

DANILO LIMOEIRO colunista

[email protected]

“Crucial tambémpara o respeito aeste conjunto de

normas queestruturam as

relaçõesinternacionais é a

percepção queestes atorespossuem da

importância de seseguir ou não as‘regras do jogo’,

bem como daaceitação dos

valores dos quaisestas normas

estão revestidas.”

BRASÍLIA

de inteira e absoluta

13

ttuurraassssa crise do

es Unidas (CSNU).osevelt, Churchill eindo em torno daanismo aberto à qual um diretórioo controle sobre asrança coletiva”.48

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atro policiais”,49

utilizar medidasções de agressão,aças à paz. Chega-e que em decisõesveria contar com apelo menos acinco membros.

contexto bipolar dol relegou o Conselhoa secundária nades questões deíodo, prevalecendo,os ditos interessesuperpotências, ossência destes – URSS, e não ase uma comunidade

ça local quando a maior fonte de

-se espaço para ara o Conselho de que, especialmente

pós a Guerra do Golfo: aletiva. Brasília: Instituto Rio

tudos Estratégicos, 1998.stendido para cinco.

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após a I Guerra do Golfo (1992), este órgão passagradualmente a utilizar medidas coercitivas, utilizando-se da força (contempladas pelo Capítulo VII da Carta daONU) para lidar com situações como violações maciçasdos direitos humanos e emergência humanitária,combate à subversão da ordem democrática e aproliferação de armas de destruição em massa (ADMs).No entanto, o diplomata brasileiro nos lembra que asações do Conselho de Segurança em países alvos desanções, como Somália, a ex-Iugoslava, Ruanda e Haitidemonstram que a articulação deste novo paradigma desegurança coletiva ainda não está cristalizada quanto asuas finalidades, bem como aos seus meios.50 Mesmonão estando cristalizadas, há uma alteração nas ‘regrasdo jogo’ do sistema de segurança coletiva no pós-Guerra Fria, agora mais permissivo paraintervencionismos e uso da força em situações onde osproblemas acima elencados estão em questão.

A postura dos EUA diante desta mudança nas‘regras do jogo’ evoluiu de forma ambígua. Por um lado,o governo americano via na postura mais ativa destaorganização uma oportunidade de diluir entre outrospaíses os custos para manter o sistema de segurançacoletiva, agora com escopo maior e, conseqüentemente,custos, materiais e políticos, também maiores. Por outrolado, os Estados Unidos tinham este mesmo sistemacomo um possível óbice aos seus interesses e suasnecessidades de assegurar não só a sua integridade,mas também a de seus aliados mais vulneráveis. Suaatitude quanto à utilidade ou mesmo a funcionalidadedo órgão era de ceticismo e até desconfiança,prevalecendo a ênfase na OTAN quando se tratava desegurança coletiva, principalmente quando a ocasiãodemandava o uso da força em circunstânciaspoliticamente complexas, como nos Bálcãs em 1998,situação em que a Rússia provavelmente vetariaqualquer resolução no CSNU que contemplasse o uso daforça contra seus aliados sérvios, tal qual o fez a OTANem suas incursões pela ex-Iugoslávia.

Os EUA e a crise do Iraque de 2002

A atitude de descrédito dos EUA para com oConselho de Segurança atinge seu ápice na crise doIraque em 2002. O governo de George Bush expõe seuplano de invadir o Iraque alegando que este paíspossuía armas de destruição em massa (ADMs) queameaçavam a segurança dos Estados Unidos, de seusaliados e a estabilidade daquela região do globo, alémde abrigar células terroristas em seu território.Ademais, George Bush argumentava, mais paraconsumo político doméstico do que para justificar seucasu belli, que era um imperativo moral da comunidadeinternacional derrubar Hussein devido às violaçõessistemáticas dos direitos humanos levadas a cabo peloseu regime.

Na época, surgiram por todo o globomanifestações públicas e protestos oficiais de outrosgovernos contra o ataque ao Iraque. Mais importante,

50 PATRIOTA, Op. Cit., p.155

pelo menos politicamente para os EUA, Washington sóconsegue angariar, dentre os países detentores dopoder de veto, o apoio da Inglaterra, seu aliado quaseincondicional e, diriam os mais cínicos, fiel escudeiro.Rússia e França se coordenam em uma oposição umtanto quanto ferina, principalmente por parte daqueleúltimo país, contra a invasão do Iraque naquelemomento. China também manifesta sua oposição,embora revestida do low profile chinês característico.

Os EUA percebem a alta possibilidade de vetocontra uma resolução no Conselho de Segurança quecontemplasse a invasão do Iraque. Caso uma resoluçãocomo esta fosse, por exemplo, vetada pela França, ogoverno americano se veria em uma sinuca de bico: oudeveriam arcar com os custos políticos de desrespeitar,explicitamente e quase ostensivamente, uma decisão damais alta instância decisória internacional, pondo emprática uma ação que haveria sido vetada pelo CSNU,ou o governo Bush deveria recuar e ver suas ameaçascontra o Iraque, e indiretamente contra gruposterroristas de todo o mundo, passar para a históriacomo retórica vazia de um governo sem coragem paracolocar em prática suas intimidações.

Assim, os EUA decidem invadir o Iraque semsubmeter nova resolução ao CSNU e utilizam como basejurídica da invasão, base esta totalmente discutível, odispositivo da resolução 1441, também do Conselho deSegurança, que previa ‘graves conseqüências’ contra oIraque caso ele não provasse que não possuía as ADMs.

A decisão dos EUA de invadir o Iraque sem aautorização minimamente legítima do Conselho deSegurança levou os analistas mais afoitos avislumbrarem o fim das Nações Unidas, ou pelo menosde seu sistema de segurança coletiva. Clima de cortejofúnebre no ar. Os EUA eram tidos como, ao mesmotempo, o magistrado que sentencia a ONU ao seu fim ealgoz que executa a sentença, bombardeando aquelepaís do Oriente Médio. Chirac, e mesmo Putin, viveramseus dias de glória como defensores domultilateralismo. Até Saddam Hussein teve direito aexacerbações de mártir, mesmo dentre os ocidentais.

Para entendermos melhor a decisão dos EUA delevar a cabo a invasão do Iraque sem autorização doCSNU, é necessário traçarmos um breve quadro sobre apolítica externa americana depois do 11/09, bem comodo status que os EUA ocupavam no sistemainternacional de então.

Os EUA e o mundo após o 11/09

O então Embaixador do Brasil nos EUA, RubensBarbosa, afirma que o 11/09, ataque direto ao próprio“ser” americano, trouxe elementos que legitimavamuma ação imediata e unilateral. Segundo o ex-Embaixador, a partir da fatídica data, os EUA deixariam“transparecer uma tendência crescentemente unilateral,temperada pela busca de entendimentos e aliançaspontuais (à la carte)”. Desta forma, continua o RubensBarbosa, “O 11 de setembro acentuou uma tendência

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que já era visível na relação do governo Bush comvários organismos e acordos internacionais, marcadapela preocupação com a preeminência do interessenacional norte-americano e a aversão em aceitarconstrangimentos em áreas consideradas comosensíveis do ponto de vista de Washington”.51 Ainda, ohistoriador Boris Fausto faz eco às asserções de RubensBarbosa. Levando em conta a concepção gramisciana deque toda hegemonia integra em si os elementos de‘consenso’ (legitimidade e aceitação por parte dosdominados) e ‘coerção’ (a imposição pela força esuperioridade repressiva), após o 11/09, a doutrina desegurança nacional norte-americana faz com que abalança entre consenso e coerção penda para esteúltimo elemento, ocasionando a ênfase nounilateralismo e proporcionando a derrubada do DireitoInternacional e das entidades multilaterais quando estesvão de encontro aos interesses norte-americanos, jáque a ‘coerção’ sobrepuja o ‘consenso’.52

Vejamos agora qual seria o locus ocupado pelosEUA na distribuição internacional de poder. Joseph Nye,em uma sua útil análise ‘multidimensional’ da divisãointernacional do poder – ou seja, levando emconsideração planos diferentes de poder, como acapacidade militar, econômica, etc. – defende que oarsenal bélico norte-americano situa os EUA em umaposição de potência isolada no plano militar. Noentanto, no plano econômico, a situação é demultipolaridade, já que os EUA dividem a liderança naeconomia internacional com a União Européia, o Japãoe, talvez, daqui a algum tempo, com a China. Assim, nadivisão internacional de poder, os EUA são umasuperpotência hegemônica quanto ao poderio militar,mas dividem esta hegemonia quando se trata depoderia econômico.53

A aplicação do pensamento estruturacionista

Tendo discorrido brevemente sobre o agente(os Estados Unidos) e a estrutura (o Conselho deSegurança e o sistema de segurança coletiva por trásdele) que pretendemos analisar, nos cabe agora aplicara concepção da teoria estruturacionista sobre oproblema agentes-estruturas para abordar a relaçãoentre esses dois.

Como visto, para os estruturacionistas ainteração entre agentes e estruturas é feita por meio deuma síntese dialética, em que cada um é causa econseqüência do outro, ambos se influenciam e semodificam. Esta concepção da interação agente-estrutura implica, por um lado, analisar como a ação doagente em questão modificou a estrutura e, por outro,como a estrutura constrangeu a capacidade de ação doagente. Nos cabe agora, portanto, perguntar 1) em quemedida o Conselho de Segurança constrangeu a ação

51 BARBOSA, Rubens, IN Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45,nº1/2002, pp75 e 79.52 FAUSTO, Boris, IN Política Externa, vol. 11, nº 3, 2002/2003, pp 45-49.53 NYE, Joseph. O PARADOXO DO PODER AMERICANO. POR QUE A ÚNICASUPERPOTÊNCIA DO MUNDO NÃO PODE SEGUIR ISOLADA. Editora Unesp,São Paulo, 2002.

dos EUA quando da crise do Iraque? e 2) quemodificações nas ‘regras do jogo’ no sistema desegurança coletiva, materializado no Conselho deSegurança, os EUA promoveram, invadindo o Iraque adespeito da ausência de autorização das Nações Unidas?

Vejamos o primeiro ponto. Consideremos queos EUA possuem supremacia militar, como vimos acima,e suponhamos que seria extremamente improvável aformação de uma coalizão anti-Estados Unidos, porparte das outras potências, com o intuito de proteger oregime de Saddam Hussein de uma invasão norte-americana. Lembremos então que o objetivo principalde um sistema de segurança coletiva é manter aestabilidade do sistema, dissuadindo um potencialagressor com a ameaça ou o uso efetivo da força. Ora,o constrangimento em última instância que um sistemade segurança coletiva possui sobre um possível ‘infrator’de sua ordem, ou seja, a ameaça ou o uso efetivo daforça, é inócuo quando este ‘infrator’ é o país maispoderoso no sistema e os outros países, que juntospoderiam medir força com a potência hegemônica, nãoestão inclinados a retaliar uma infração por parte destasuperpotência.

Isso significa dizer que o Conselho deSegurança não pôde infligir qualquer constrangimentosobre os EUA? Caso a resposta a esta questão fosseafirmativa, teríamos visto os EUA levarem a cabo ainvasão do Iraque sem as tentativas de aprovar umaresolução nas Nações Unidas, o que não foi o caso.Descartados os cerceamentos à ação dos EUA pelaameaça ou efetivo uso da força, podemos conceber osconstrangimentos sofridos pelo EUA em dois eixos: oprimeiro, material; o segundo, axiomático.

Quanto ao eixo material, os EUA vislumbravamna aprovação de uma resolução do Conselho deSegurança um meio para diluir os custos materiais dainvasão e da seguinte reconstrução do país. Umaresolução viria revestida de uma grande expectativa deque outros países contribuiriam para a missão dederrubar Hussein e posteriormente reconstruir o país,enviando tropas, recursos militares, expedientesfinanceiros, capital humano, etc. O constrangimentomaterial que os EUA sofriam era, portanto, a grandepossibilidade de não contar com estas contribuições porparte de outros países.

No eixo axiomático, a invasão do Iraquesustentada em uma resolução do Conselho deSegurança conferiria um estimável grau de legitimidadee aceitabilidade à ação. Caso o EUA não respeitassem anormativa do Conselho, seriam presenteados com areputação de potência imperialista que só respeita oDireito Internacional quando é de seu interesse. Suacapacidade de espalhar os valores americanos pelomundo, de ganhar os corações de outros povos, defazer com que os outros tenham os mesmos objetivosque os EUA, estaria comprometida. Enfim, oconstrangimento que o Conselho impunha aos EUA naocasião sob estudo é que, caso a suas normas nãofossem respeitadas, o soft power norte-americano, para

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utilizar a feliz expressão de Joseph Nye, estariasolapado.

Os EUA modificando a estrutura

Tendo a seta da causalidade na relaçãoagentes-estruturas duplo sentido, cabe então examinarcomo a decisão dos EUA de invadir o Iraque semautorização do CSNU modifica as ‘regras do jogo’ nosistema de segurança coletiva. Como já vimos, AntônioPatriota argumenta que após a I Guerra do Golfo(1992), o Conselho de Segurança é parte de umprocesso de articulação de um novo paradigma para osistema de segurança coletiva. No âmbito desta novaarticulação, a opção pelo unilateralismo, por parte dosEUA, é de importância capital. Não se trata de anunciar“a morte das Nações Unidas”, como o fizeram osanalistas mais afoitos e ainda sob influência do golpepsicológico que foi a decisão norte-americana em 2003.

No entanto, a ação norte-americana lança umprecedente que reforça e ajuda a cristalizar a idéia deque o Conselho de Segurança possui grandes limitaçõesquando se trata de afirmar sua autoridade em situaçõesonde estão envolvidos interesses considerados vitaispela superpotência. Este tipo de precedente é crucialpara a formação dos entendimentos intersubjetivossobre como funcionam as ‘regras do jogo’ e,conseqüentemente, o próprio funcionamento doConselho de Segurança. Assim, a modificação que ounilateralismo norte-americano impôs ao Conselho foireforçar a idéia de que este órgão possui grandeslimitações quando necessita afirmar sua autoridade etolher as vontades do país hegemônico.

Esta restrição das capacidades do órgão,convém ressaltar, também existia no período da GuerraFria, época em que o Conselho se encontravaengessado quando o que estava em jogo eram osinteresses mais sensíveis das duas superpotências. Maso que torna oportuno constatar esta limitação nopresente momento é a sua contextualização dentro deum processo de formação de um novo paradigma desegurança coletiva pós-Guerra Fria, permeado pelosdesejos de conferir ao órgão maior caráter multilateral.Há que se lembrar também que esta adaptação doConselho para o período pós-Guerra Fria possui comoum de seus tema centrais o reforço dos mecanismos doórgão que lidam com situações como violações maciçasdos direitos humanos, emergência humanitária,operações de paz, reconstrução de Estados falidos, etc.Avivar as limitações que o Conselho possui em infligirconstrangimentos aos EUA não descredita a importância

do órgão para tratar de novos temas e escopo de açãoque cada vez mais surgem em sua agenda.

Porém, não pretendemos aqui defender que aslimitações do CSNU em cercear a capacidade de açãodos EUA é estática, uma característica imutável. Énecessário entender que esta característica estáenquadrada em um contexto social mais amplo. Paravisualizar melhor este ponto, voltemos aos dois tipos deconstrangimentos que o CSNU pode infligir aos EUA,sobre os quais dissertamos acima. Quanto aosconstrangimentos materiais, eles estão intimamenteligados à distribuição de poder entre os países, que porsua vez é um tanto quanto estática. Portanto, sendopossível afirmar que o esquema multidimensional dedistribuição de poder proposto por Nye (vide acima)ainda continue por alguns bons anos, não sevislumbram também grandes mudanças quanto aosconstrangimentos materiais que o Conselho deSegurança pode infligir aos EUA.

Mas a situação é diferente quando discutimos ooutro eixo de constrangimento, o axiomático. Apercepção dos atores sobre sua identidade no sistemainternacional e, principalmente, os valores que estesatores incorporam (e. g., valorizar as instituiçõesmultilaterais em detrimento do unilateralismo) são umtanto quanto dinâmicos e, no caso específico daformulação da política externa americana, estãodiretamente relacionados com o grupo políticoresponsável por esta formulação. Ilustrativo deste pontofoi a guinada para o unilateralismo que testemunhamosnos EUA quando da subida para o poder dos quadrosneoconservadores. Desta forma, parece-nos lícitoafirmar que o Conselho de Segurança tende a ter maiorcapacidade de constrangimento sobre os EUA casosubam ao poder dirigentes que possuam maiorespreocupações acerca da legitimidade e aceitaçãointernacional das ações do país. Ou seja: que busquempreservar e reforçar o soft power americano.

À guisa de conclusão, a partir deste breveestudo de caso, nos parece lúcido extrair a conclusão deque o cumprimento, por parte dos agentes, do conjuntode normas que formam estruturas no sistemainternacional está diretamente relacionado a um certograu de harmonia entre, por um lado, estas regras, poroutro, a distribuição de capacidade entre os atores. Noentanto, crucial também para o respeito a este conjuntode normas que estruturam as relações internacionais éa percepção que estes atores possuem da importânciade se seguir ou não as ‘regras do jogo’, bem como daaceitação dos valores que informam estas normas.

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GOIÂNIA &BRASÍLIA

LINDOLPHO & FELIPPE CADEMARTORI CADEMARTORI colunista convidado

[email protected]

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PPaaccttoo ddee VVaarrssóóvviiaaAA úúllttiimmaa ggrraannddee aammeeaaççaa eeuurrooppééiiaa

Introdução

A bibliografia em língua portuguesarelacionada à análise dos trinta e cinco anos deexistência do Pacto de Varsóvia (1955-1990) é, bemsabe-se, escassa: com freqüência os estudiosos doassunto vêem-se na contingência debuscar informações em trabalhosestrangeiros, manuais genéricos,tratados de história militar, obrasvinculadas ao pensamento estratégicovigente à época da Guerra Fria ou fontesque pecam pela superficialidade e pelasincursões no senso comum. Os trabalhosfundamentais na respectiva seara estãodisponíveis, em sua maioria, nos idiomasinglês, francês e alemão; curiosamente,acadêmicos e funcionáriosgovernamentais dos países da extintaCortina de Ferro ainda se ocupammajoritariamente da análise dosdocumentos oficiais da Organização, cujaíntegra ainda não foi devidamenteexplorada. Nesse sentido, faz-se mister adívida do presente ensaio para com asobras de Rottmann (Warsaw Pact GroundForces), Simon (Warsaw Pact forces:problems of command and control),Remington (The Warsaw Pact: Casestudies in Communist conflict resolution),Jones (Soviet Influence in EasternEurope: Political autonomy and theWarsaw Pact), Meissner (Der Warschauer Pakt)Gumpel (Comecon und Warschauer Pakt), enoutros. Procurou-se restringir a gama bibliográfica obras que tivessem como cerne o próprio Pacto Varsóvia, mercê do que se prescindiu de obras qtrabalharam o pensamento estratégico soviético forma geral e deliberada; tampouco nos dedicamosanálise dos detalhes de natureza técnico-militar que trabalhassem, isoladamente, as políticas exterou doméstica dos Estados-membro da organizaç(exceção parcial feita à União Soviética). Em virtuda brevidade do ensaio, priorizamos os aspect

gerais e as observações político-estratégicas emconjunto, assim como suas conseqüências norelativo equilíbrio de poder entre as forças do Pactode Varsóvia e as da Organização do Tratado doAtlântico Norte (OTAN).

Como fonte bibliográficaprimária – e, dir-se-á, indispensável-, utilizamos os arquivos do ParallelHistory Project on NATO and theWarsaw Pact,54 projeto salutardesenvolvido pelo InternationalSecurity Network (ISN), vinculado aoCentro de Estudos sobre Segurançada Eidgenössische TechnischeHöchschule Zürich. O projeto,coordenado pelo Prof. VojtechMastny, tem como escopo umaanálise comparada e evolutiva dasestruturas operacionais e daformulação do pensamentoestratégico do Pacto de Varsóvia e daOTAN. Conseqüentemente, esteensaio terá orientaçãoeminentemente acadêmica,concentrando-se na desconstruçãodireta de algumas acepçõescomuns/vulgares a respeito daaliança militar comunista, priorizandoas circunstâncias que levaram à

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“Diante dasolescência doado nacional naropa pós-1945, soviéticos não

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sobre oapitalismo.”

tes de Relações Internacionais. Trata-se de produção autônoma, independente, de inteira e absolutaes. Não se vincula, portanto, a qualquer entidade.

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etreàsdeuede àounaãodeos

formação da organização, a análisede seu tratado constitutivo, sua

extensão estratégica ativa, sua estruturainstitucional e operacional, sua posição na ordeminternacional e seu desaparecimento decorrente daderrocada do bloco socialista no Leste Europeu. Nãonegligenciaremos, sem embargo, abordagenscomparativas entre os postulados doutrinais do Pactode Varsóvia e da OTAN, o semi-monopólio exercidopela U.R.S.S. no âmbito deliberativo da aliança e os

54 Todos os arquivos do projeto, desenvolvido por acadêmicos e funcionários dosEstados envolvidos, estão disponíveis no website do Parallel History Project onNATO and the Warsaw Pact: http://www.isn.ethz.ch/php/index.htm

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princípios que teriam orientado os países da aliançacomunista em caso de guerra contra as potências daOTAN em solo europeu, entre outros tópicos.

Leitmotiv: Remilitarização da AlemanhaOcidental ou expressão positiva do projetoexpansionista soviético?

A sabedoria convencional sustenta, via deregra, duas razões – em certa medida excludentes –que foram decisivas para a formação do Pacto deVarsóvia: o surgimento da OTAN, em abril de 1949,e a decisão ocidental (precipuamente anglo-americana, deve-se frisar) de proceder com aremilitarização e integração à aliança ocidental daRepública Federal da Alemanha (AlemanhaOcidental). Ambos os argumentos são facilmentedesconstruídos: se a União Soviética pretendiaombrear as forças ocidentais formalizadas na OTANatravés do Pacto de Varsóvia, porque o intervalo deseis anos para que se constituísse a aliança militarcomunista? Quanto à premissa da remilitarizaçãoalemã, resta pacífico que a mesma foi articuladacomo uma resposta ao aumento do build-up militarsoviético na República Democrática Alemã(Alemanha Oriental). Contemplemos os entremeios eas razões pouco sugeridas.

A criação da OTAN não despertou em Stálino ensejo de formar com os países-satélites daU.R.S.S. uma contraparte formal à aliança ocidental.A índole prática do ditador soviético, quase umfetichismo político por concertações ad hoc, opreveniram de tal iniciativa; ademais, os acordosbilaterais com a Polônia, a Hungria e aTchecoslováquia, somados ao inexpressivodesenvolvimento militar desses países após 1945 e àabsoluta preponderância da máquina de guerrasoviética sobre as capacidades militares dos demaispaíses do bloco comunista, também operavam nosentido de afastá-lo de tal iniciativa. Se a OTANsurgiu como uma resposta enfática do Ocidente àinflexibilidade soviética demonstrada no Bloqueio deBerlim Ocidental, a divisão formal da Alemanha emdois Estados e a eclosão do conflito na penínsulacoreana deveriam ter apresentado razões suficientespara, havendo interesse – ainda que hesitante – porparte de Stálin, a formalização de uma aliançamilitar comunista. Moscou, com efeito, não “tomou”o conflito coreano, digamos, como uma “ofensapessoal”, donde deriva que Stálin preferiu (como umtertius gaudens55) assistir ao embate de chineses enorte-americanos, ao passo que supria comarmamentos as forças maoístas e se aproveitava danegligência dos E.U.A. na Europa através dadissimulação, falseando uma suposta “indignaçãosoviética” perante a exclusão da República Popularda China da ONU (nomeadamente do Conselho deSegurança) e consolidando seu poder absoluto sobre

55 ARON, Raymond. A República Imperial: Os Estados Unidos no mundo dopós-guerra. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 99.

os satélites soviéticos no Leste Europeu. É imperiosoreconhecer que, no referido âmbito, os soviéticosagiram com maestria: utilizaram o boicote ao CSNUcomo uma “isca” para captar a atenção do Ocidentee fingiram-se extremamente preocupados com oconflito na península coreana, enquanto o Ocidenterelaxava os esforços políticos na Europa Oriental e ossoviéticos estabeleciam seu poder inconteste até oOder. A guerra que se desenrolava nas adjacênciasdo paralelo 38 sempre foi secundária para o Kremlin,mas quando os governos ocidentais se inteiraramdas circunstâncias, as divisões soviéticas já haviamadentrado Berlim Oriental para lembrar aos rebeldesalemães orientais a “solidaridade socialista” queestes pareciam haver esquecido.

A revolta popular ocorrida em BerlimOriental – pioneira na contestação das ditadurassocialistas e no enfrentamento à hegemoniasoviética -, que atingiu seu ápice em 17 de junho de1953,56 pôs termo à distração ocidental. A supressãodo movimento por forças soviéticas e alemãsrepresentou, simultaneamente, a consolidação dopoder do Kremlin sobre a Alemanha Oriental e oespanto das potências ocidentais. A difusão, noOcidente, de fotos do levante alemão, motivoupronunciamentos enérgicos por parte de Eisenhowere Churchill; Moscou, ainda no esteio do vácuo depoder gerado pela morte de Stálin, evitou a retóricae concentrou suas ações no escopo prático. Comoforma de arrefecer o retorno das atenções da OTANpara o “problema alemão”, a diplomacia soviéticaretomou a ardilosa proposta de Stálin que sugeria a“neutralização” da Alemanha (a exemplo do queocorreria com a Áustria, pelo State Treaty de 1955,cuja neutralidade o Pacto de Vasóvia jamais cogitourespeitar em caso de guerra com o Ocidente) comoinstrumento da reunificação. O reavivar da idéia,contudo, afigorou-se não só breve como retórico, vezque conquanto preconizava a neutralização daAlemanha, os soviéticos prosseguiram a passoslargos com o aumento de suas forças militares naEuropa Oriental, superando oitenta divisõesterrestres por volta de 1955.

Nesse mesmo ano, Moscou abandonoudefinitivamente a possibilidade de uma Alemanhaneutra. Reagindo ao vigoroso aumento da máquinade guerra soviética no Leste Europeu, as potênciasocidentais concluíram os Tratados de Paris edeliberaram, junto à Alemanha de Konrad Adenauer,pela integração da República Federal à OTAN.Reemulando o (farsesco) temor de Stálin em relaçãoa uma “renazificação” da Alemanha, os soviéticosfizeram uso de sua propaganda para qualificar orearmamento da Alemanha Ocidental como uma“renazificação” (ou “remilitarização”, ou ainda“reprussificação”) patrocinada pelas potências

56 Cf., a respeito: HOPE, Millard Harrison. Driving the Soviets Up the Wall:Soviet East German Relations (Princeton University Press, 2003).

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capitalistas. Conceberam, para tanto, a criação deum blefe, em um dos mais bem-sucedidos embustesda diplomacia soviética: o Pacto de Varsóvia.

O Kremlin necessitava de uma blindagem: amorte de Stálin e o lento expurgo das barbáriesstalinistas por parte do PCUS estavam começando aazedar as relações sino-soviéticas; a perspectiva deque as potências ocidentais não entregariam aÁustria ao bel-prazer soviético; a praticamenteassegurada neutralidade finlandesa; a indisfarçáveldescoordenação política decorrente da morte deStálin; o retorno das atenções ocidentais à Europa –todos esses fatores agravavam a posição soviética. Aremilitarização da Alemanha Ocidental, longe derepresentar uma ameaça, oferecia um trunfo aossoviéticos: uma justificativa para amalgamar setepaíses sob seu comando militar direto, através deuma aliança formal cuja única divisão atributiva sereferia aos prejuízos de uma eventual guerra. Nessesentido, as palavras de Vojtech Mastny pareceminvestidas de razão: a criação do Pacto de Varsóviafoi menos uma decisão militarmente motivada doque uma manobra política.57 Intermediariamenteimportante, poder-se-ia imprimir mais disciplina ecoesão estratégica às forças militares dos países daCortina de Ferro, e, mais importante, dividir-se-iamos prejuízos políticos, econômicos e militares de umaguerra contra o Ocidente: ao invés de Moscou, SãoPetersburgo, Kiev e Volgogrado, as nações“imperialistas” poupariam as duas últimas paralançar suas bombas sobre, digamos, Budapeste eVarsóvia.

O fundamento político, bem entendido, restana intenção soviética de se “igualar” – quiçájuridicamente, ou na aspiração de erigir uma aliançaformal e institucionalizada - às potências ocidentaispor meio de uma estrutura institucional semelhanteà da OTAN. Ainda que os ganhos militares de talaliança fossem inicialmente ínfimos, daria a Moscouo controle prático direto sobre as forças militares dospaíses da aliança, através dos célebres “acordos decooperação militar”, e, por fim, resultaria naexpressão positiva do projeto expansionistasoviético, através do estabelecimento do poderinconteste e do rechaçar incondicional de qualqueringerência ocidental nos países do bloco socialista.

Não é de todo insensato, portanto, aconclusão – tão mais realista quando se procede coma análise dos declassified documents da aliança – deque o Pacto de Varsóvia representou um blefepolítico tão exitoso quanto as engenhosidadesretóricas e diplomáticas utilizadas por Frederico, OGrande, na Guerra dos Sete Anos. Com a ressalvadistintiva de que, em 1955, os soviéticos detinham a

57MASTNY, Vojtech. The Soviet Union and the Origins of the Warsaw Pact in1955. Disponível em:http://www.isn.ethz.ch/php/documents/collection_3/PCC_texts/introduction_55.htm . Acesso: 12/06/2004.

upper hand militar, o que apenas contribui paracaracterizar a aliança como um ardil políticoinstrumentalizado como um display positivo doexpansionismo soviético no Leste Europeu. Em 1956,ter-se-ia a prova de fogo, e a entrada dos blindadosrussos em Budapeste, combinada à pouco expressivareação ocidental à repressão soviética à revoltahúngara, legitimou inexoravelmente a hegemoniavermelha a leste do Oder.

Tanques, mentiras e lágrimas de crocodilo

Laconismos à parte, os soviéticos, nacondição de esmerados propagandistas, eraminigualáveis na arte da retórica hilária e nodiletantismo pedante. Souberam, pois, comotransplantar suas habilidades para o texto doTratado de Amizade, Cooperação e AssistênciaMútua,58 ata constitutiva do Pacto de Varsóvia. Emum texto legal prolixo que esclarece pouco – se nãonada - sobre a aliança, a diplomacia soviética desfioupetardos alarmistas, reafirmou seu “compromissocom a paz”, fez referências diretas à remilitarizaçãoda Alemanha Ocidental, definiu-se e a seus satélitescomo “peace-loving states”, condenou a aliançaatlântica e, deslocando-se com intimidade nopalavrório de bravatas, disse estar o “Tratado deAmizade, Cooperação e Assistência Mútua” aberto àadesão de todos os países que assim o desejassem,“independentemente de seus sistemas sociais” (Art.9), e, em uma conclamação, chamava as nações“amantes da paz” a se juntarem à “família”socialista.

A relação do Estado soviético com apropaganda é originária. E.H. Carr, brilhantehistoriador britânico conhecido por suas embasadascríticas aos liberais e por sua tímida simpatia pelomarxismo, afirma que “A iniciativa de introduzir apropaganda como um instrumento normal dasrelações internacionais deve ser creditada ao governosoviético.”59 Em seguida, Carr diz que as causas dissoforam parcialmente acidentais, o que é de poucaimportância para o presente ensaio. O governosoviético fez uso sistemático da propaganda nasrelações internacionais porque carecia de força militare econômica no plano internacional; para equilibrarema situação, precisavam de domínio sobre a opiniãopública. As críticas das nações democráticas aogoverno soviético são, nesse sentido, imaturas ehipócritas: não só a propaganda pode ser consideradauma “arma branca” nas relações internacionais, comotambém o Ocidente, após a difusão do panfletarismopropagandístico nas relações internacionais, a utilizouabundantemente. O que de fato perfaz um demérito

58 Treaty of Friendship, Cooperation and Mutual Assistance, May 14, 1955. a.k.a“Warsaw Pact Treaty”, ou Tratado do Pacto de Varsóvia. Disponível em:http://www.isn.ethz.ch/php/documents/collection_3/PCC_docs/1955/Treaty550514.htm . Acesso: 10/06/2004.59 CARR, E. H. Vinte anos de crise: 1919-1939. 2 ed. Brasília: Edunb, IPRI,2001 p. 178.

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para os soviéticos é o fato de terem lançado mão dapropaganda em um tratado internacional, apelandopara a vulgaridade em um espectro em que oformalismo é não apenas instrumento, como tambémessência. A segunda cláusula preambulatória doTratado de Amizade afirma, ipsis litteris, que alavratura dos Tratados de Paris e a integração daAlemanha Ocidental à OTAN “aumentam o risco deuma nova guerra e ameaçam a segurança nacionaldas nações amantes da paz”; no retromencionado Art.9 do Tratado, há uma convocação velada para quetodos os países, “independentemente de seussistemas políticos”, integrem a aliança; o Art. 11prevê o fim da vigência do Tratado quando a lavraturade um tal “Tratado Geral Europeu” tiver sido atingida.A exemplo da arregimentação dos terceiro-mundistasnos fóruns multilaterais após a Conferência deBandung, a diplomacia soviética se empenhou embradar a exploração do “imperialismo” e em denunciaros “crimes” das potências capitalistas ao invés deapresentar razões fáticas que justificassem aformação de uma aliança militar para conter a“iminente invasão” da aliança atlântica, que, diga-se,não foi considerada antes da década de 1960. Oposterior fascínio que o paternalismo estratégicosoviético exerceu no emergente Terceiro Mundo e nos

nacionalismos afro-asiáticos nascentes foi contrastadocom a compreensão límpida que as potênciasocidentais tinham a respeito do Pacto de Varsóvia: aaliança era, tout court, um expediente dissuasivo deque os soviéticos haviam se valido para escamotear aconsolidação definitiva de seu projeto expansionistano Leste Europeu. A fragilidade sintética de seutratado constitutivo, as fundamentações legaisextremamente tradicionalistas inspiradas no Art. 51da Carta das Nações Unidas e a insignifância inicial doauxílio militar dos países da Cortina de Ferrocorroboram com tal argumentação. As lágrimas deindignação vertidas por Moscou ante a remilitarizaçãoda Alemanha Ocidental foram, acima de tudo, opranto de um crocodilo imperialista que concatenouas manobras políticas para tal desidério com umsenso prático que, embora estrategicamente brihante,passa ao largo das razões (defensivamenteplausíveis) sobre as quais se formou a aliança militarocidental.

O CONVIDADO: Felippe Cademartori ébacharelando em Relações Internacionais pelaUniversidade de Brasília (UnB).

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Y

LUIS GUILLERMO VILLAVICENCIO colunista

[email protected]

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LLaass RReellaacciioonneess IInntteerrnnaacciioonnaallddeessppuuééss ddeell 1111 ddee SSeeppttiieemmbbrrLa reafirmación de la unilateralidad en el Orden Internade la post-guerra fria

El orden internacional durante la guerra fríasuponía un balance de poder caracterizado por unadinámica de disuasión nuclear en donde cualquiera de lasdos potencias enfrentadas (Estados Unidos y la UniónSoviética, con sus respectivas zonas de seguridad y deinfluencia) que utilizara armas nucleares en contra de laotra, automáticamente aseguraría su destrucción mutuapor lo devastador que puede ser un ataque nuclear.

De esta forma, el balance de poder se hacía sentiren diversos aspectos: en la carrera armamentista y delespacio, en el juego tras bambalinas de las dos potenciasen sus zonas de seguridad e influencia (recordemosGuatemala, Nicaragua o Vietnam y Corea), entre otros.Lejos de apartarse de este balance de poder, laOrganización para las Naciones Unidas también era"rehén" de las potencias al tener ambas poder de veto enel Consejo de Seguridad, órgano decisivo y fundamentalpara entender las relaciones internacionales después dela Segunda Guerra Mundial. Por lo tanto, la ONUmantuvo durante la guerra fría un perfil bajo frente a laacumulación y utilización del poder por parte de EstadosUnidos y la Unión Soviética. Sin embargo, en 1989 con lacaída del Muro de Berlín y la desintegración de la UniónSoviética, la ONU surgía como el medio más eficaz paradirigir, o por lo menos mediar, las relaciones entre lospaíses del mundo. Justo cuando esta esperanza derevitalización de la ONU estaba surgiendo ocimentándose, los Estados Unidos y su ideologíaeconómica capitalista -como triunfadores de la llamadaGuerra Fría- toman el papel de líderes mundiales quealguna vez ya se había adjudicado para la región deAmérica Latina. De esta forma, el unilateralismo dabainicio.

El objetivo de este trabajo es analizar lasrelaciones internacionales después de los atentadosterroristas en Estados Unidos del 11 de Septiembre (11

S), sin embargo el autor desea advesuceso no marcó un giro hacia la unde los Estados Unidos -ésta ya venGuerra del Golfo contra Irak en 199que provocó fue que se reafirmarestadounidense y se intensificara b"la lucha contra el terrorismo" y "nosotros (los Estados Unidos), esta e

El Mundo antes del 11 de Septiem

Los años noventa suponen unadel drama ideológico, político y mi“guerra fría” y los momentos actua1991, la Unión Soviética había cestaba desacreditado, y la invasSaddam Hussein había sido rechazainternacional, con Rusia y Estadosprimera vez desde la Segunda Guerforma, al término de la Guerra del Gprocuró imponer en Oriente Medamericana”.60 No parecía extraño visionaria de Woodrow Wilson y habpresidente George W. Bush, demundial.61 Estados Unidos, comoemergía como el ganador de la necesario imponer la ideología impAsí, el centro de este nuevo ordcapitalismo global. Todo el mundo ppara tener éxito las sociedades teníadirección de la economía occidentalpolítica occidental. En esos años “globalización” vino a encuadrar en

60 Cfr. Varea, Carlos. Iraq, asedio y asalto final. Ed. Hiru, E61 Cfr. Zakaria, Fareed. El regreso de la historia. en Hog¿Por qué sucedió? El terrorismo y la nueva guerra. Ed. P2002 p. 325

MONTERRE

inteira e absoluta

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eesseecional

rtir al lector que ésteilateralidad por parteía dándose desde la1- sino que lo únicoa esa unilateralidadajo las banderas deel que no este conn nuestra contra".

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breve pausa dentrolitar que significó lales. En diciembre deaído, el comunismoión de Kuwait porda por una coalición Unidos juntos porra Mundial. De estaolfo, Estados Unidosio la llamada “pax

evocar la retóricalar, como lo hizo el un nuevo orden hemos comentado,“guerra fría” y eraerante del ganador.en mundial era el

arecía reconocer quen que moverse en la, y quizás incluso lanoventa, el término una sola palabra la

spaña, 2002 p. 7e James y Gideon Rose.

aídos, Barcelona, España.

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dura realidad: aumento en los niveles de pobreza demuchos países, crisis macroeconómicas en diversospaíses emergentes –con sus secuelas para sus paísesvecinos e incluso de su continente-, aumento aceleradoen las comunicaciones y tecnología, boom del Internetcomo medio de información, comunicación y negocios,entre otras nuevas dinámicas. Como afirma Zakaria, “enlos años noventa, después de la caída del comunismo, laeconomía de mercado se convirtió en la ideologíadominante en el mundo”.62

Sin embargo, ante tal imperio de la ideologíadominante, me gustaría repasar lo sucedido al puebloiraquí precisamente en esa década de los años noventapara demostrar que el unilateralismo estadounidense nosolo se da en el plano económico con la imposición de laeconomía de mercado neoliberal, sino también con elaseguramiento de recursos naturales vitales, como elpetróleo. A diferencia de otros Estados árabes, Iraq es unpaís poblado (23 millones de habitantes),extremadamente rico en recursos energéticos63 y, pese aser dependiente para su desarrollo de su rentapetrolífera, antes de 1990 había alcanzado cuotasapreciables de diversificación económica y desarrollosociolaboral, con grandes capas medias de funcionariosde una Administración que compaginaba un ostensiblepresupuesto militar con inversiones en salud, educación,vivienda, servicios infraestructura, investigación, etc.64

Primero con la devastación de la guerra y, trasella, con el mantenimiento de las sanciones económicasuna vez liberado Kuwait (resolución 687/1991 C.S.), lassucesivas Administraciones estadounidenses –la de Bushpadre, las dos de Clinton y la actual de Bush hijo- hanprocurado destructurar estratégicamente a Iraq y, pormedio de la imposición del pago de indemnizaciones deguerra y el programa “petróleo por alimentos”, el controlde la renta petrolífera de Iraq. Es importante enfatizarque hay una lógica comprensible en este asedio y, ahora(previsto para la segunda quincena de Enero del año2003), asalto final contra Iraq por una parte de EstadosUnidos, que hace coherente la política intervenciónestadounidense contra este país durante más de unadécada, y que cabe explicar en claves regional einternacional, antes que en peripecias y anécdotas de sussucesivos presidentes. De igual manera, el hecho de quela Administración Bush aproveche los sucesos del 11 deSeptiembre de 2001 no significa de modo alguno que ladecisión de atacar de nuevo Iraq e imponer un régimenen Bagdad no estuviera tomada mucho antes.65

62 Idem, p. 32763 “Las reservas probadas de Iraq, calculadas en 112,000 millones de barriles depetróleo, son las segundas del globo detrás de las de Arabia Saudita. Dado quenadie ha realizado prospecciones geológicas en Iraq durante décadas, la cifra realpodría ser aún más elevada, 250,000 millones de barriles”. Al-Kadiri, R. MiddleEast Report, núm. 220, otoño de 2001. Traducido con el título de “La fiebre del oronegro iraquí”64 Cfr. Varea, Carlos. Iraq, asedio y asalto final. Ed. Hiru, España, 2002 p. 965 “Madeleine Albright, siendo secretaria de Estado en el segundo mandato deClinton, lo explicitó meridianamente en fecha tan temprana como marzo de 1997,cuando asumió su puesto, tras haber representado a su país en las Naciones Unidas:producido el cambio de régimen en Bagdad, Estados Unidos sólo promovería lapaulatina reinserción internacional de Iraq, la anulación de la deuda de la guerra y la

La satanización estadounidense de SaddamHussein permite olvidar a la comunidad internacional queIraq sigue padeciendo un régimen de sanciones inéditoen la Historia contemporánea y que está teniendo undirecto y terrible impacto sobre su población. En estos 12años de sanciones, Iraq, ha pasado de situarse entre losde desarrollo medio al puesto 42 de los 77 más pobresdel mundo. El PIB se ha reducido al nivel de 1949. Larenta per capita era en 1989 de 3,508 dólares; hoy elprograma humanitario de Naciones Unidas concede acada iraquí apenas 200 dólares al año. El 60% de lasfábricas ha cerrado; el resto funciona a una capacidaddel 10%. En 1990 un dinar iraquí correspondía a 3dólares; hoy 1 dólar son 1,800 dinares. La inflación, queha llegado a alcanzar cuatro dígitos, fue del 140% en1999, y del 100% en 2000. Más de la mitad de lapoblación vive por debajo del nivel de la pobreza (menosde 9 dólares al mes por familia), más de 4 millones ymedio de personas en la extrema pobreza.66

Dos son las causas de tan notorio deterioro. Laprimera, es la combinación de los efectos de las propiassanciones económicas aprobadas en agosto de 1990 trasla invasión por Iraq del emirato de Kuwait con ladestrucción de la infraestructura civil del país ocasionadapor la coalición internacional durante los 42 días debombardeo de enero-febrero de 1991, que segúnestimaciones de las propias Naciones Unidas cabe cifraren 22 mil millones de dólares.67 La segunda razón deldeterioro de la situación humanitaria en Iraq es elfracaso de las medidas paliativas que el Consejo deSeguridad ha aprobado en estos años –la última de ellas,la resolución 1408, de mayo de 2002- para hacer frenteal deterioro de las condiciones de vida de los 23 millonesde iraquíes.

La factura por la destrucción de la calidad de vidade los iraquíes tendrá que ser pasada, en algúnmomento, a los Estados Unidos, lo cual traerá masencono a la difícil relación entre Occidente y el mundoárabe.

Los hechos del 11 de septiembre y susconsecuencias: reafirmar la unilateralidad

No deseo hacer un monumento a los trágicoshechos del 11 de septiembre, los cuales condenototalmente, porque estaría cayendo en el juego que hancaído numerosos académicos de Occidente que utilizanestos acontecimientos para justificar sus conviccionesmás profundas respecto a la supremacía militar yeconómica estadounidense. Los Estados Unidos son lavíctima del 11-S, correcto. Pero también son víctimas los

derogación de la batería de resoluciones aprobadas desde 1990 por el Consejo deSeguridad, si sus nuevos gobernantes se comprometían a satisfacer plenamente unacompleta serie de cuestiones económicas y de seguridad que preocupan a EstadosUnidos” Varea, Carlos. Iraq, asedio y asalto final. Ed. Hiru, España, 2002 p. 1366 Datos tomados de Varea, Carlos. Iraq, asedio y asalto final. Ed. Hiru, España,2002, p. 1767 Informe especial al secretario de las Naciones Unidas sobre las necesidadeshumanitarias en Iraq, redactado por Aga Khan, documento S/22799 del 15 de 1991

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musulmanes, asiáticos y los hispanos que murieron en elfuego de las Torres Gemelas. Son víctimas los palestinos,iraquíes y afganos que murieron y morirán comoconsecuencia de la “guerra contra el terrorismo”. Anteactos de violencia como esos, todos somos víctimas. Esoqueda más que claro.

Es posible dividir la política exteriorestadounidense de 2001 en dos partes claramentediferenciadas: antes y después del 11 septiembre. Peroal identificar esos períodos como diferentes, es necesarioser muy cuidadosos al separar la sustancia de laapariencia, la esencia de la retórica. No es verdad que“todo haya cambiado” después de los atentadosterroristas en Nueva York y Washington. El núcleo de lapolítica estadounidense –nacional y exterior- permaneceinalterado. Es “la política del imperio: la gestión deldominio mundial y la consolidación de un controlestratégico incuestionable”.68 Los hechos del 11 deseptiembre vienen a sacar del marasmo en que seencontraba la sociedad estadounidense embelezada conlos “beneficios” de la globalización y la hegemonía de laeconomía neoliberal. Antes de los hechos del 11 deseptiembre, la mayoría de los estadounidenses prestabamuy poca atención a lo que sucedía fuera de su país. Nisiquiera les interesaban las acciones y políticas deEstados Unidos en el mundo. Pocos acontecimientosinternacionales ocupaban un lugar destacado entre lostemas de interés general. Sin duda esto fue aprovechadopor Bush hijo y su equipo de “halcones” republicanos,catalogados dentro del sector más cercano a laultraderecha republicana (Rumsfeld, Cheney yWolfowitz), y comenzaron a mover la política exterior deEstados Unidos del “multilateralismo clintoniano” alunilateralismo.69 Los ejemplos bastan y sobran: elrechazo a apoyar o adherirse al Protocolo de Kyoto sobrecalentamiento global; la terminación del importantísimotratado de Misiles Antibalísticos (ABM) –que sirviódurante los años de la guerra fría como el marco jurídicopara el balance de poder imperante- con Rusia; rechazoratificar el ingreso de Estados Unidos al Tribunal PenalInternacional y busco desviar los recursos y esfuerzospara su constitución.

Así, la política exterior estadounidense cambió. Launilateralidad se había instalado en la Casa Blanca y erael momento de aprovechar el desentendimiento de laopinión pública estadounidense antes del 11-S y lallamada a la “lucha contra el terrorismo”. A finales denoviembre del 2001, cuando debía renovarse de nuevolas sanciones y el programa humanitario para Iraq,Estados Unidos estaban en plena campaña contraAfganistán –no obstante que en esta nueva guerra elenemigo no tiene rostro y constituía un actor armado noestatal pero asumiendo que Afganistán era el lugar paraexplotar toda la ira post 11-S y lanzar decenas debombas que cuestan miles de dólares y que obviamente

68 Cfr. Bennis, Phyllis. Antes y Después: política exterior estadounidense en 2001.en De Nueva York a Kabul. Anuario CIP 2002. Editorial, Icaria. Barcelona, España,2002. p. 7069 Idem, p. 73

benefician a la industria militar estadounidense-,materializando su presencia militar en un área muysensible para Moscú (sin embargo Moscú recibió supremio de consolación: el envio de mensajes por partede oficiales estadounidenses en el sentido de que seaflojaría la presión sobre Moscú en relación al respeto alos derechos humanos y principalmente en relación alconflicto en Chechenia. Claramente, meses más tarde,un comando chechenio secuestró a más de un centenarde personas en un céntrico teatro de Moscú. El resultadono fue sino el aniquilamiento, al viejo estilo dictatorial,de los rebeldes chechenios y de un gran número deinocentes cuya única culpa había sido el haber asistido alteatro esa noche). Por ello, el Consejo de Seguridadsimplemente renovó entonces el programa humanitariopara Iraq, sin que Estados Unidos pretendiera de nuevoenfrentarse a Rusia –como había ocurrido en mayo, en laanterior renovación semestral de las sanciones- a fin deimponer en el Consejo las “sanciones inteligentes”: lalógica predominante tras el 11-S de “guerra global contrael terrorismo” arrumbó la idea de Powell de recurrir alConsejo de Seguridad para reforzar el control de Iraq yfortalecer a los sectores más belicistas (los llamados“halcones”) de la Administración Bush.70

Ante este imperio de la unilateralidad, las NacionesUnidas dieron algunos visos de poder jugar un papel másactivo y de balance frente a los Estados Unidos.71 La ONUcomenzó a ganar credibilidad –y, más adelante, unpremio Nóbel de la Paz- a comienzos de 2001. Lavoluntad de los Estados de que la ONU fuera uninstrumento independiente para desafiar, más queacceder, a la dominación estadounidense, parecía cadavez más fuerte. A comienzos de mayo, Estados de todoel mundo votaron para excluir a Estados Unidos de laComisión de Derechos Humanos. Esa votación reflejó lafrustración de muchos países, especialmente de EuropaOccidental, ante los continuos rechazos por parte deEstados Unidos de los compromisos de Naciones Unidas yotros tratados internacionales, incluyendo los dederechos humanos. Los Estados del mundo reclamaban alos Estados Unidos la falta de compromiso multilateral, elrespeto al derecho internacional y el desdén de losnorteamericanos a las Naciones Unidas. En pocaspalabras, era un reclamo a esa unilateralidad. Sinembargo, después del 11-S las perspectivas de que laONU se independizara –por no hablar de la posibilidad deque se perfilara como eje de un nuevo desafíointernacionalista a la “ley del imperio” de EstadosUnidos- se desvanecieron rápidamente. Aunque lavotación del Consejo de Seguridad, ocurrida durante lasprimeras 24 horas después de los ataques al WTC, noautorizaba el uso de la fuerza, ni el secretario general niningún diplomático de la ONU alzaron su voz paracuestionar la reivindicación estadounidense de que suguerra en Afganistán estaba, de alguna manera,autorizada según la Carta de Naciones Unidas y de que

70 Cfr. Varea, Carlos. Iraq, asedio y asalto final. Ed. Hiru, España, 2002 p. 4871 Cfr. Bennis, Phyllis. Antes y Después: política exterior estadounidense en 2001.en De Nueva York a Kabul. Anuario CIP 2002. Editorial, Icaria. Barcelona, España,2002. p. 82

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no era necesaria la autoridad del Consejo. El Gobierno deBush sostenía que el artículo 51 de la Carta, que permitea una nación utilizar la fuerza militar en defensa propia,legitimaba su guerra unilateral en Afganistán. Pero elartículo 51 es bastante limitado y autoriza que unanación atacada utilice la fuerza militar sólo “hasta que elConsejo de Seguridad haya tomado las medidaspertinentes” para resolver el problema.72 Lo demás eshistoria, Estados Unidos atacó sin muchos miramientos aAfganistán sin lograr su objetivo máximo supuesto:capturar y, más seguramente, aniquilar a Osama BinLaden y desarticular la red terrorista Al-Qaeda. El terrorde Al-Qaeda sigue vivo como se pudo observar mesesdespués en el atentado a turistas extranjeros en unresort de Bali.

¿Hacia un unilateralismo inteligente?

El Reino Unido asumió un papel militar durante lacrisis posterior al 11-S, poniendo fuerzas especiales detierra junto a las unidades estadounidenses, se coordinómilitarmente y se subordinó a las órdenes deWashington. Esto puso de manifiesto que la defensaeuropea, en situaciones de crisis, continúa bajo el mandoestratégico de Estados Unidos.73 Quizá en el primermomento, la creación de la coalición se vio como unaoportunidad de moderar la tendencia unilateral, pero conel paso del tiempo se vio claro que los aliados ofrecíansus medios y Estados Unidos tomaba de cada unoaquello que necesitaba. El Pentágono rechazó muchosmedios militares puestos a su disposición para mantenerel control absoluto sobre las operaciones. Según DavidMalone, ex-embajador de Canadá ante la ONU ypresidente de la Academia Internacional de Paz de NuevaYork, Washington no operó multilateralmente sinopracticando un “unilateralismo inteligente”.74

Conclusiones

El 11 de Septiembre y los acontecimientosposteriores han puesto de manifiesto la fuerza delalineamiento de la mayor parte de los actores de laregión con Estados Unidos. La condena de los atentadosfue unánime. En cuanto a la campaña militar contraAfganistán las respuestas fueron más matizadas pero, engeneral, no hubo una posición de condena, aunque si deadvertencia de que no se trasladara la intervenciónmilitar a ningún país árabe (en clara alusión a un posibleataque a Irak). Sin embargo, el unilateralismoestadounidense imperante busca su siguiente víctima yla ha encontrado en un viejo y acérrimo enemigo de losBush: el régimen de Saddam Hussein. Al día de hoy, ydespués de haber permitido la entrada de los inspectoresde la UNSCOM y UNMOVIC y prácticamente no haberencontrado nada, Estados Unidos moviliza ya a los

72 Bennis, Phyllis. Antes y Después: política exterior estadounidense en 2001. en DeNueva York a Kabul. Anuario CIP 2002. Editorial, Icaria. Barcelona, España, 2002.p. 8473 González Bustelo, Mabel. Europa: ¿aliada o ayudante de campo?. en De NuevaYork a Kabul. Anuario CIP 2002. Editorial Icaria. Barcelona, España, 2002. p. 9574 Citado en Peter Ford, “Coalition allies lament: It´s still America first”, TheChristian Science Monitor, 22 de Octubre de 2001.

reservistas de su ejército y sus fuerzas armadasestacionadas en sus bases navales de Alemania, Turquíay el Golfo Pérsico. El objetivo es derrocar a Saddam einstaurar un gobierno títere, encabezado por el CongresoNacional Iraquí, una organización que reúne a losopositores de Saddam, con sede en Londres y apoyadoseconómicamente por Washington. Se busca atacarBagdad desde dos frentes y así provocar la caída de laguardia personal de Saddam. Los tambores de guerrasuenan y probablemente no paren hasta mediados deeste año. Es así como las relaciones internacionales hanpasado de un bilateralismo durante la guerra fría y unmultilateralismo moderado clintoniano, al actualunilateralismo estadounidense. Habrá que buscar paraque las Naciones Unidas y el Derecho Internacionalvuelvan a escena y el diálogo y la cooperacióninternacional sean los pilares del nuevo ordeninternacional.

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SSeeiiss ddiiffeerreenntteess vviissõõeess ssoobbrree aa Um exercício de economia política à luz da Área de LivComércio das Américas – parte II

A ALCA segundo a Teoria da EstabilidadeHegemônica (Charles Kindleberger75)

A análise da posição brasileira emrelação à ALCA segundo a Teoria daEstabilidade Hegemônica de CharlesKindleberger se mostra interessante àmedida que propicia uma defesa não-liberalda adesão do país à Área de Livre Comérciodas Américas.

Segundo este autor, o SistemaInternacional é instável na ausência deuma liderança que, a partir de açõesanticíclicas, assegure a sua estabilidade.Assim, Robert Keohane76 denominou estatese de Teoria de Estabilidade Hegemônica.

Kindleberger explica a GrandeDepressão que se iniciou em 1929 combase neste argumento: segundo ele, aInglaterra não mais teria condições deexercer a liderança necessária àestabilidade do sistema internacional, papelque coube a ela na era do padrão-ouroclássico do século XVIII. Os EstadosUnidos, potência que emergia em condiçõesde exercê-lo, não se mostravam dispostosa arcar com o ônus do papel de líder nosistema internacional. A sua postura emrelação ao Tratado de Versalhes e à Ligadas Nações demonstra que, a despeito daproeminência angariada pelo país, ele continuava amanter uma conduta isolacionista.

O Brasil, com vistas a estreitar os laços com apotência que detém o poder de servir de líder dosistema internacional, poderia beneficiar a si próprio

75 Ver Kindleberger, Charles. The World Depression, 1929-1939, Berkeley,University of California Press, 1973.76 Ver Keohane, Robert. Instituiciones Internacionales y Poder Estatal, BuenosAires, Grupo Editor Latinoamericano, 1993.

reduzindo a sua exposição à iausência de liderança. Assim, a adComércio das Américas traria ao

de contar com da potência hegde crise no país.

Esta consistiria contracíclicos poUnidos. Tais mcontracíclicos poracionalidade imnegócios. As Unidos, neste careprováveis do ciência econômmaximizadores.

Entretanpara estas ainteresse políticestabilidade da Tais movimentoser decompostomanter o mercade um paísdificuldades, empréstimos aprazo e desconpaís em crise.

Assim, na eventualidade duma crise, estando ele inseridmaiores as possibilidades de queabertura dos mercados norte-ammercado para as exportaçõesescoamento de seus produtoprodutos aos Estados Unidos, osarrecadar mais dólares, amenizdemanda pela moeda norte-amcausar pressão para depreciação dcrises cambiais.

IGOR ABDALLA MEDINA DE SOUZA convidado

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RIO DE JANEIRO

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25

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Ordinariamente, períodos críticos em termos

econômicos significam retração nos empréstimosconcedidos ao país em dificuldade. Em um contexto demaior compromisso dos Estados Unidos com aestabilidade da economia brasileira, mais viável com aÁrea de Livre Comércio das Américas, o Brasil teriamais chances de se sair beneficiado com a concessão,pelos norte-americanos, de empréstimos de longoprazo para a reativação e, se for o caso, areestruturação da economia brasileira.

Finalmente, os norte-americanos poderiamdescontar títulos da dívida brasileira em tempos dedesconfiança quanto à capacidade de o país saldar osseus débitos; o aumento no risco-país faz com que osinvestidores evitem a compra de um título, devido aotemor de não-pagamento do estipulado. Entretanto, aALCA poderia trazer ao Brasil a possibilidade de ter osseus títulos comprados de forma anticíclica pelosnorte-americanos, que estariam mais dispostos amanter a estabilidade na economia de um parceiroespecial do que com o retorno de curto prazo de seusinvestimentos.

Enfim, pode-se pensar a estabilidade do SistemaInternacional como um bem público: os indivíduosagindo racionalmente com vistas à satisfação de seupróprio interesse acabam por levar a um provimentoineficiente deste bem público. Apesar de todos ospaíses estarem em situação pior em um ambiente demaior instabilidade internacional, falam mais alto osincentivos que os países têm no sentido de atuar comofree-riders, buscando a maximização de seu própriointeresse, descartando a implementação de políticasanticíclicas e esperando que outros países asimplementem. Assim, o líder atuaria de forma agarantir um provimento efetivo deste bem público,arcando com o ônus das políticas anticíclicas.

A grande instabilidade que caracteriza economiaspouco diversificadas como o Brasil poderia ser sanadacom o estreitamento das relações com a potência que,atualmente, teria mais condições de exercer um papelde liderança no mundo, assumindo maiorresponsabilidade em termos de políticas anticíclicaspara o Brasil. Neste sentido, a ALCA seria muitoconveniente aos brasileiros, de acordo com a Teoria daEstabilidade Hegemônica.

AA AALLCCAA sseegguunnddoo oo mmooddeelloo hhaammiillttoonniiaannoo7777

Na posição de Secretário do Tesouro dos EstadosUnidos da América, então recém-independente,Alexander Hamilton elabora o “Relatório sobre asManufaturas”, a ser apresentado ao Congressoamericano. Ele profere incisiva defesa da promoçãodas manufaturas, a despeito dos interesses dos

77 Ver Hamilton, Alexander. Relatório sobre as Manufaturas, Rio de Janeiro,Solidariedade ibero-americana, 1995.

agricultores, muito proeminentes nos Estados Unidos àépoca.

Após discorrer sobre os benefícios da manufaturae certas formas de promoção da mesma em âmbitointerno (o autor dedica grande importância ao fomentodo mercado interno), ele aponta uma série demedidas, em termos de política comercial, quedeveriam ser adotadas pelos Estados Unidos para odesenvolvimento de suas indústrias.

Tais políticas consistiam na implementação detarifas alfandegárias protecionistas sobre produtosestrangeiros “rivais” dos produtos nacionais, proibiçãodos mesmos ou elevação da tarifa a níveis proibitivos,veto à exportação de matérias-primas que servemcomo insumos às manufaturas, subsídios adeterminados produtos e isenção tarifária para asmatérias-primas das manufaturas. Esta seria a receitade Hamilton para o desenvolvimento industrial dosEstados Unidos.

Neste sentido, segundo a ótica hamiltoniana, umpaís que deseje desenvolver as suas manufaturas deveempregar uma série de medidas não-liberais. Nestesentido, o Brasil, almejando a sua ascensão aopatamar de potência industrial no sistemainternacional, incorreria em grave equívoco casoacabasse por aderir à Área de Livre Comércio dasAméricas.

Renunciando ao direito de estabelecer tarifasalfandegárias em relação a uma potência do porte dosEstados Unidos, o Brasil ficaria impossibilitado deimplementar o conjunto de medidas necessárias para odesenvolvimento de suas indústrias. O resultado daadesão à ALCA seria, nesta perspectiva, o fracasso deum projeto de desenvolvimento industrial devido àconcorrência externa que abortaria a evolução daprodução brasileira.

A abordagem de Alexander Hamilton exerceu forteinfluência sobre uma série de pensadores, entre eles,particularmente, Friedrich List. É a matriz teórica datentativa de desenvolvimento baseada na substituiçãodas importações, implementada em diversos países,entre os quais o Brasil.

No jargão das discussões de política comercial,trata-se do argumento da indústria nascente. Um paíspode, em virtude do caráter mais rústico de suasindústrias, produzir um bem de forma mais ineficientedo que outro país. A exposição dos bens do primeiro àconcorrência fatalmente levaria à falência uma série deindústrias no país. Entretanto, arcando com os custosmais altos de produção no curto prazo e buscando“fechar” a economia à concorrência, à medida que aprodução deste país se desenvolvesse, ele poderiapassar a produzir, a partir de um certo momento, deforma mais eficiente do que o rival, o que o levaria aobter mercados exportadores e alavancar o seudesenvolvimento em longo prazo.

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Paul Krugman78 faz uma interessante articulaçãoentre este argumento e a teoria ricardeana dasvantagens comparativas: os países emdesenvolvimento teriam vantagem comparativapotencial na produção de certos bens. Entretanto, asnovas indústrias dos países em desenvolvimento nãopodem concorrer com as indústrias já estabelecidasdos países desenvolvidos. Assim, uma estratégiabenéfica ao país em desenvolvimento em longo prazoseria a proteção de sua economia no curto prazo.

Da mesma forma, a adesão do Brasil à ALCArepresentaria o desperdício de uma série de vantagenscomparativas potenciais, que poderiam levar o país aobter ganhos consideráveis em longo prazo. Assim,muito citada pelos opositores da Área de LivreComércio das Américas é a eventualidade de ocorrerum grande número de falências no país, em virtude daexposição das indústrias “novas” do Brasil àconcorrência em relação a indústrias “já estabelecidas”nos Estados Unidos.

Em perspectiva histórica, o fato de Alemanha,Japão e Estados Unidos, três das maiores potênciasindustriais do sistema internacional nos dias de hoje,terem se desenvolvido com base na proteção de suasindústrias é um fator que confere credibilidade aoargumento.

Nestes termos, o Brasil, segundo a perspectivahamiltoniana, não deveria aderir à ALCA se desejassese desenvolver industrialmente. A evolução de suasindústrias seria abortada pelas indústrias “jáestabelecidas”, principalmente dos Estados Unidos. Oreceituário para o desenvolvimento é o caminhoinverso: imposição de tarifas, promoção de subsídios,entre outros instrumentos de política comercial, com oobjetivo de frear a concorrência dos produtos “rivais”dos países mais desenvolvidos.

A ALCA segundo o liberalismo hayekiano79

Friedrich Hayek, escrevendo em 1944,80 culpa oabandono da agenda liberal como a principal causa dasturbulências do período, em especial da adoção deregimes como o nacional-socialismo na Alemanha.

Segundo este autor, sob a égide do liberalismo, ohomem se tornou capaz de satisfazer o seu crescentenúmero de desejos. Todas as classes, em últimainstância, teriam sido beneficiadas pelas práticasliberais. Hayek cita o nível de vida dos trabalhadoresno início do século XX para corroborar a sua tese.

78 Krugman, Paul. Economia Internacional, p.263.79 Ver Hayek, Friedrich. O Caminho da Servidão, Rio de Janeiro, Instituto Liberal,1990.80 Refere-se à obra supracitada. Nota de curiosidade: Karl Polanyi, outroproeminente autor austríaco, escreve, no mesmo ano e no mesmo lugar (Londres), oseu célebre A Grande Transformação, um ataque incisivo ao liberalismo queencontrava em Hayek um expoente ímpar.

Assim, a submissão às forças impessoais domercado seria responsável pelo progresso observadona sociedade ocidental. O conjunto de forças queatuam em âmbito econômico não é captado pelocérebro humano que, dessa forma, torna os sereshumanos incapazes de compreender a sua lógica. Daíresulta a conclusão de ser a intervenção um entrave aoprogresso econômico, uma vez que não existe umaconsciência capaz de sistematizar os acontecimentoseconômicos e planejá-los com vistas à obtenção de umobjetivo específico.

Neste sentido, não há que se falar em intervençãoque seja benéfica aos indivíduos. Quando esta ocorre,se dá em virtude da instrumentalização do poderpúblico para a satisfação de interesses privados,quando se constata que, aos olhos de Hayek, arepresentação possui um aspecto negativo de formasimilar àquele observado na filosofia de Rousseau. Oprocesso de gradual planejamento da economiarepresentaria uma usurpação do caráter impessoal eanônimo do processo econômico.

O comércio estaria ligado intimamente àconcepção de liberdade dos indivíduos e faria parte dosistema que propiciaria a estes a possibilidade detentar dirigir as suas vidas, escolhendo diferentesformas de existência.

Nestes termos, as barreiras ao comércioacabariam por representar uma usurpação da agendaliberal que garantiu aos indivíduos a prosperidadealcançada pela sociedade ocidental. Áreas de livre-comércio, sob a perspectiva de Hayek, deveriam serincentivadas como forma de eliminar as tentativas deformação de economias planejadas centralmente, que,pelo caráter arbitrário das intervenções no ambienteeconômico, são danosas ao bem-estar dos indivíduos.

Assim, aos brasileiros seria benéfica a adesão àALCA, pelo fato de ser possível remover as barreirasque são colocadas ao comércio, possibilitando oprogresso e maiores perspectivas de níveis melhoresde vida sob a égide do mecanismo impessoal eanônimo do mercado.

Um seguinte exemplo de política comercialesclarece o papel que a intervenção exerce:81 omercado de açúcar norte-americano é notoriamenteprotegido. Estima-se que cada família que consomeaçúcar acabe por gastar mais 25 dólares por ano emvirtude da alta nos preços do produto ocasionada pelaproteção. Os produtores de açúcar dos Estados Unidos,entretanto, perderiam milhões de dólares no caso de omercado ser liberalizado. Por isso, eles têm maisincentivos para exercer pressão sobre o governo, naforma dos célebres lobbies.

81 Krugman, Paul. Economia Internacional, p. 209.

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Eles se organizaram e conseguiram do governouma alta tarifa para o produto, motivo pelo qualganharam o mercado interno, a despeito de osconsumidores estarem em pior situação. Os 25 dólaresde cada família acabam por formar um montante maiordo que aquele arrecadado pelos produtores com aproteção, ou seja, o país como um todo está em piorsituação com a proteção. Apesar disso, a tarifacontinua a ser implementada. Este exemplo demonstracomo as políticas que deveriam buscar o bem públicoacabam sendo instrumentalizadas por interessesprivados.

O caso dos carros no Brasil antes do governoCollor também é um bom exemplo. Antes da aberturacomercial promovida por este presidente, os carrosproduzidos no país eram caros e de péssima qualidade,motivo que levou o então candidato Fernando Collor,em pleno debate presidencial de 1989, a declarar queo brasileiro iria parar de comprar “carroças”, o quecausou temor entre os empresários da indústriaautomobilística, que conseguiram manter um alto nívelde tarifas até aquela ocasião, em virtude de sua

proeminência junto ao governo federal. Os indivíduos,em virtude da intervenção governamental via tarifa,estavam em pior situação em termos de nível de vida,pagando um alto preço por péssimos carros.

Assim, seja pelo fato de não haver umaconsciência que consiga sistematizar todos os eventosque acontecem no processo do mercado, seja pelo fatode as intervenções acabarem por servir a interessesprivados, os indivíduos estariam em uma melhorsituação com a implementação de uma área de livre-comércio como a ALCA, onde todas as barreiras aofuncionamento do mecanismo impessoal e anônimo domercado seriam removidas e reinaria a liberdade.

O CONVIDADO: Igor Abdalla Medina de Souzaé mestrando em Relações Internacionais peloIRI/PUC-Rio, bacharel em Economia pela PUC-Rio ebacharelando em Direito pela Universidade FederalFluminense (UFF).

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aammeerriiccaannaa nnoo HHaaiittii ((11999944))Por Joelson Vellozo Jr.

“Pour le Drapeau, pour la PatrieMourir est beau, mourir est beau!

Notre passé nous crie:Ayez l'âme aguerrie!”

La Dessalinienne, hino nacional do Haiti

11999944..No dia 19 de setembro, aproximadamente 2.000 soldados norte-americanos desembarcam em Port-au-

Prince para tentar reverter uma situação de caos político, social e econômico já extremados. Ao planejar o retornodo presidente Jean-Bertrand Aristide ao comando do país, a força multinacional composta por 28 países e lideradapelos EUA entrava para a história como mais um capítulo da intervenção internacional em um país nuncaconstruído.

aanntteecceeddeenntteess..O Haiti foi a segunda nação no hemisfério ocidental a obter sua independência, em 1804. Desde então, o

país revisitou a todo o momento elementos comuns de uma história de decadência: intervenção, pobreza,convulsão social, erosão política. Em seu período pós-independência, uma estrutura social decadente na origemmarcou os anos porvir. Elitismo e desagregação foram os elementos que deram vida a uma história de extremaviolência pelo poder e por recursos. Já no início do século XX, o Haiti preludiaria sua própria história de ruína coma presença estrangeira a determinar planos e ações de assistência. A seqüência dos anos apenas provou serimpossível construir qualquer desenvolvimento sustentável a partir de uma base social e política pouco consensuale coesa. Os planos adotados nos anos 70 e 80 confirmaram a necessidade de uma estratégia de engajamentoentre Estado e sociedade. Mais do que isso, ficou evidente a incapacidade da comunidade internacional em lidarcom o problema essencialmente democrático vivido naquele país. As chances foram perdidas sucessivamente. Noinício dos anos 90, novas tentativas. Eleições livres em 1990 colocaram Jean-Bertrand Aristide no poder. Poucodepois, mais um golpe de estado. Em setembro de 1991, Aristide foi substituído por um governo militar lideradopelo General Raoul Cedras. OEA e ONU estiveram juntas na tentativa de trazer de volta as esperanças de um Haitidemocrático. Foram três anos de embargos, negociações e missões civis de monitoramento. Em 1994, a situaçãovoltou a complicar-se. Todos os meios diplomáticos foram considerados insuficientes para dar trato à desordempolítica instalada no país. Foi quando a força da comunidade internacional teve que ser posta à prova. Emsetembro de 1994 entrou em campo a UNMIH – United Nations Mission in Haiti –, responsável por garantir arecondução de Aristide ao poder.

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ddeessddoobbrraammeennttooss..Apesar de um sem-número de críticas às iniciativas da ONU/OEA para conter a situação no país, as

operações de paz e monitoramento subseqüentes à intervenção de 1994 cumpriram com razoável sucesso suasmissões. O governo democrático no Haiti foi restaurado e a criação de uma força policial civil em lugar de umexército absurdamente repressivo nutriram esperança nas mentes e nos corações daqueles envolvidos com acatástrofe nacional. Entretanto, o retorno de Aristide ao poder e as conquistas da comunidade internacional emsolo haitiano foram vitórias apenas parciais. Se o erro não foi essencialmente na execução das atividades deoperação de paz, pode-se afirmar com certa segurança que faltou, no cômputo geral, um melhor entendimentosobre o impasse político-social daquele país. O diálogo político permaneceu interrompido e a economia não tinhafôlego para vislumbrar qualquer perspectiva positiva. As novas linhas escritas na história do Haiti dão conta deuma realidade nada distinta daquela vivida há séculos no centro das Américas. A deposição de Aristide em 2004 eo retorno dos esforços intervencionistas no país inauguram um novo ciclo, que de novo não tem nada. “[...] Mourirest beau, mourir est beau! Notre passé nous crie: Ayez l'âme aguerrie!”

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AARRSSFFRRAAGGMMEENNTTOOSS

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Por Lucas Grassi Freire e Pedro Gazzinelli

No filme O Terminal, dirigido por Steven SpHanks) chega a Nova Iorque e é proibido de deixar a aguerra civil havia se instaurado em sua terra natal, asoberania daquele território. Navorski passa a ser citerminal até que sua situação se resolva. A situação scomeçar pela perda de seus cupons que lhe davam dmais grave, o inglês de Navorski se resume a frases Nesse momento do filme, o personagem se encontra ctransitava constantemente pelo aeroporto. A partir dade contratempos, dada a dificuldade de comunicação dà sua pessoa – e o caráter afobado e aparentemente su

Em linhas gerais, essa é a história de Viktonenhum. Baseia-se em uma idéia atual, pitoresca, erecebem freqüentemente pessoas com histórias semeobra que abre as portas à reflexão - mesmo que fragmprincipalmente, à vida na sociedade contemporânea.

A burocracia responsável pela segurança dos aa diversos atentados terroristas envolvendo seqüestrocorrentes. Aos representantes de uma delas lhes paremais o poder do Estado centralizado hodierno, em especificamente.82

Isso porque há uma crença generalizada nessprovedora de segurança para os vários indivíduos que

82 Devemos boa parte do que se segue neste fragmento a uma conversa pessoal

Cena do filme “Terminal”(2004), de Steven Spielberg

ões Internacionais. Trata-se de produção autônoma, independente, de inteira e absolutaincula, portanto, a qualquer entidade.

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Colares

ielberg, consta um enredo curioso: Viktor Navorski (Tomla internacional do aeroporto, pois durante sua viagem uma Krakozhia, e a comunidade internacional não reconhecia adadão de lugar nenhum, e é instruído a perambular peloe prolonga, e o krakozhiano enfrenta várias dificuldades, aireito a alimentação grátis nos restaurantes do local. Aindacurtas decoradas, impossibilitando uma comunicação clara.om Amelia (Catherina Zeta-Jones), comissária de bordo queí, indica-se que ambos iniciarão um relacionamento repletoe Navorski – que gera vários desentendimentos em relaçãoperficial de Amelia.

r Navorski, pessoa simples e humilde, cidadão-de-lugar- não muito fictícia, dado que os aeroportos internacionaislhantes, os “refugiados dos terminais”. É, sobretudo, umaentada e efêmera - acerca de temas diversos, relacionados,

***

eroportos, tornando-se crescente, em grande parte devidos de aviões, já divide os debatedores do tema em diversasce que os atentados terroristas só vêm a alimentar aindatermos gerais, e dos Estados Unidos da América, mais

a espécie de organização política como a Grande Empresase chamam “cidadãos”. Entrementes, o que se sabe acerca

com o prof. Pereira da Gama.

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do Estado é que ele monopoliza o uso legítimo da violência física dentro dos limites de determinado território. Emoutras palavras, o Estado – tal como o conhecemos hoje – é o aparelho social de coerção e de compulsão.83

Sobre monopólios podem-se inferir duas deduções no mínimo. A primeira é que haverá uma provisãodeficiente do bem ou serviço prestado (chame-se ele de “bem público” ou não). E, em segundo lugar, o preçocobrado pelo bem ou serviço é alto. Obviamente ambas as inferências estabelecem uma comparação geral entreuma situação de monopólio e quaisquer outras formas de configuração de mercado (adote-se o critério “estruturasde mercado” ou não).

Analogamente, o Estado hodierno provê o bem “segurança” com uma qualidade discutível e a preços (i.e., impostos) cada vez mais altos, e a produção privada da defesa (em pequena escala) já se mostra como opçãopara que se corrija essa “falha de Estado”.

No caso da segurança nos aeroportos norte-americanos, as regras burocráticas restringiam fortementevárias medidas que eram consideradas como preventivas, como, por exemplo, o porte de armas por um oficial datripulação dos aviões comerciais, dificultando às companhias aéreas a proteção de suas propriedades, asaeronaves. Bastasse que se permitisse a iniciativa dessas empresas de tentar prevenir problemas de segurançanos aviões através dessa medida, e vários seqüestros de aeronaves feitos com talheres plásticos dos lanchesdistribuídos no ar dificilmente ocorreriam. Nesse exemplo, a produção privada de defesa corrigiria a “falha deEstado” que havia proibido proteção em tal nível.84

Assim, quando se fala em medidas estatais e estatistas contra o terrorismo, buscando o “bem geral” (ouexpressões abstratamente similares), fala-se na verdade em aumento do orçamento para a segurança,representando em algum momento a escalada da carga tributária e inflação, centralizando crescentemente ogoverno e aumentando, com isso, ainda mais a espoliação do Estado sobre os “cidadãos”.

Com tanto dinheiro sendo transferido da sociedade para o governo, espera-se um esquema praticamenteinviolável de segurança? Não parece ser o caso. Se por um lado o Estado aumenta sua “riqueza” e seu “controle”sobre os cidadãos com essa centralização crescente, por outro, o terrorismo continua como problema,desenvolvendo seus métodos e agravando ainda mais os atentados.

Nesse ponto, deve-se enunciar pelo menos uma conexão entre terrorismo e Estado: parece que umalimenta o outro. Parece, ainda, que o terrorismo não incide propriamente sobre a sociedade ou sobre o Estado,isoladamente. Antes, conforme o prof. Santos Filho, impacta a relação entre ambos.

De fato, bodes expiatórios abstratos tais como “terrorismo” e “violência nas ruas”, longe de denunciaremas “falhas de Estado”, têm servido como alimento para o Leviatã. Com esses fatores, e com a mentalidade atual, épraticamente certo que se busquem soluções estatistas, que aumentam a transferência da riqueza dos cidadãospara essa organização “impessoal” que é o governo, e que gerarão ainda mais “falhas de Estado”... ao contrário dese apresentarem soluções, alimenta-se ainda mais o que é considerado problema.

***

O novo responsável pela segurança do aeroporto é um burocrata que segue - à risca e sem concessões –todas as regras de seu ofício. Deseja ardentemente se ver livre de Navorski: passá-lo a outra jurisdição, etc. Paramostrar que é um bom oficial, o sujeito inicia uma fase de inexorabilidade na gestão daquele aeroporto.

A rigidez das regras burocráticas passa a se aliar com a insuficiência de informação estrutural quecaracteriza as burocracias, dada a distorção no sistema de preços, de modo a tornar extremamente ineficiente agestão relacionada aos assuntos públicos. Embora a segunda condição não seja explícita no filme, a primeira sefaz ressaltar.

Navorski é observado diariamente pela burocracia do aeroporto. Passa, em seu cotidiano, por diversosprocessos burocráticos à procura de seu caminho de entrada para Nova Iorque, mas... “New York is closed”. Àprocura da porta de entrada – tão perto, mas tão distante – ele vive no ritmo frenético e sem vínculos com oambiente, até que ele crie de uma forma ou de outra esses vínculos. “Você já teve a sensação de morar numaeroporto?” – alguém lhe pergunta, ao se barbear no banheiro do terminal.

83 Max Weber. Ciência e Política: duas vocações. 1.ed. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.60.84 Ver Hans-Hermann Hoppe. Introduction. In: Hans-Hermann Hoppe (ed.) The Myth of National Defense: essays on the theory and history of securityproduction (Auburn, AL: The Ludwig von Mises Institute, 2003), p.1-18.

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O pano de fundo de O Terminal não poderia ser mais apropriado, dados os acontecimentos recentes deligados às várias tentativas secessionistas por grupos atuantes em diversas porções da Federação Russa. Mesmoantes do marco histórico da derrota da tirania soviética, a questão já se colocava, tendo crescido em intensidade asua ligação com um estilo peculiar de terrorismo ao longo dos últimos anos. A Krakozhia é um estereótipo dessas“repúblicas”, tomada por um golpe de Estado realizado por um desses grupos.85

***

A peculiar situação por que passa Viktor Navorski desde sua chegada ao terminal do aeroporto em NovaIorque e ao longo de todo o filme consiste, de certo modo, em uma radicalização de um fenômeno que vem sendoabordado pelos antropólogos recentemente, e que seria fruto, em maior ou menor grau, do modo de vidainstituído a partir das últimas fases da revolução industrial e da modernidade: o fenômeno dos não-lugares.

De acordo com Marc Augé, os não-lugares se apresentam como aqueles espaços em que o indivíduo não écapaz de estabelecer quaisquer vínculos identitários, sejam eles históricos, relacionais, ou mesmo pessoais.86 Elesseriam ainda produtos da supermodernidade, embora, como indicado pelo autor, representem um extremo de umespectro que vai do não-lugar ao lugar, sem que nenhum dos dois exista de forma plena e absoluta. Tal concepçãode não-lugar se relaciona de certo modo com a noção de diversos antropólogos que discutem a noção deidentidade, entre os quais figura Hall. Esse autor discute a mudança nas formas de identificação dos indivíduos,desde a Idade Média, passando pela Modernidade, e agora pela pós-Modernidade, em que, segundo ele, aidentificação não se dá a priori, desde o nascimento ou devido a fatores determinísticos como nacionalidade, raçaou religião, nem tampouco se constrói de forma unitária ou sistemática. “O sujeito assume identidades diferentesem diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente”.87

Da mesma maneira, os lugares só assumem significados para os indivíduos, à medida que estesestabelecem vínculos com eles, seja por força da evocação de uma memória que aquele local traz à mente, sejadevido às pessoas ou às relações com as quais aquele lugar está associado, seja mesmo devido à história queaquele lugar evoca ou representa. Os não-lugares trazem, ainda, um senso de impessoalidade, e, portanto, umsentimento de solidão perturbadora, ao relacionar, sempre, indivíduos com textos ou mensagens que seassemelham a “manuais de instrução”, ou a “códigos de conduta”, emitindo comandos imperativos aos “usuários”daquele não-lugar, nos quais as pessoas estão sempre em trânsito. “Assim, são instaladas as condições decirculação em espaços onde se supõe que os indivíduos só interajam com textos, sem outros enunciantes que nãopessoas morais ou instituições”.88 Com efeito, shopping centers e supermercados são alguns dos exemplosclássicos deste fenômeno, no qual um indivíduo, ao mesmo tempo em que se encontra rodeado de pessoas, écompletamente ignorado por todas elas, e está absolutamente solitário, sem estabelecer quaisquer tipos devínculos mesmo ao se dirigir ao caixa, no qual a pessoa que lá está apenas emite códigos, prontamenterespondidos pelo consumidor: “São R$23,00, senhor!”, ao que um cartão de crédito é estendido, números sãodigitados, a transferência é feita, e o comprador sai como se estivesse, poucos minutos antes, diante de umamáquina, sem nem mesmo se lembrar do rosto do vendedor.

É nesta condição que se encontra Viktor Navorski quando de sua chegada ao lounge internacional doaeroporto em Nova Iorque. Sozinho em um aeroporto, Viktor Navorski é recebido por um burocrata que emmomento algum se solidariza com a sua situação, e é abandonado em um espaço no qual sua identidade éabandonada completamente, no qual ele se torna “uma falha no sistema”, um “nada”. A cena em que Viktor sedesespera por notícias da crise em seu país, enquanto a câmera se afasta para mostrar um aeroporto repleto deindivíduos sem rosto, é bastante característica. A situação de Viktor é ainda um estereótipo radical do não-lugar,devido, não apenas à sua dificuldade com a língua, mas à situação de guerra civil que se origina em seu país, eque traz à tona a questão de como, ainda hoje, a questão da identidade relaciona-se com o poder estatal.

A percepção dominante ainda hoje no campo jurídico apresenta uma forte vinculação entre os direitos dohomem e a noção de cidadania, que remete diretamente à percepção de uma pátria e de um Estado. A despeito dedeclarações universais dos direitos humanos como aquela promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas

85 Ver Luiz Feldman. A soberania cancerosa russa. O Debatedouro, a.III, n.52, Belo Horizonte, 16 set. 2004, p.21-23.86 Marc Augé. Não lugares. Introdução a Uma Antropologia da Supermodernidade (Campinas: Papirus, 1994).87 Stuart Hall. Identidade na Pós-modernidade (Rio de Janeiro: DP&A, 1997), p.13.88 Augé, p.89.

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em 1948, a questão vivida por Navorski deixa claro como o vínculo entre cidadania, e, por conseguinte, Estado edireitos fundamentais, está arraigada nas práticas dos Estados. Como explica o burocrata do serviço de imigraçãonorte-americano, a partir do momento em que um golpe de Estado e uma situação de guerra civil se estabelecemem Krakozhia, fazendo com que o Estado krakozhiano venha a ruir, Viktor se torna imediatamente um não-cidadão, e, dessa forma, não mais é reconhecido pelo governo dos EUA como um indivíduo com o direito deadentrar o país, tendo seu visto, passaporte e documentações recolhidos imediatamente. Tampouco se identificaViktor como refugiado, exilado ou perseguido político, sendo negado a ele também o direito a asilo ou quaisqueroutras proteções. Em suma, toda a humanidade é-lhe extraída, o seu reconhecimento enquanto pessoa deixa deexistir, ele se torna “inaceitável”, um problema técnico, não mais uma pessoa. Obviamente tal situação pitorescatraz à tona reflexões das mais profundas, já que o reconhecimento de que os direitos de um indivíduo só se fazempresentes e reconhecidos na medida em que o seu pertencimento a este ou àquele Estado se concretiza, fazemergir a noção perturbadora de que só somos seres humanos a partir do momento em que um Estado sedisponibiliza a nos garantir e defender, como se dependêssemos de sua generosidade e aceitação.

***

O Terminal reserva inúmeras surpresas, a começar pela excelente atuação do elenco distinto. A trilhasonora, embora simples, é bastante simbólica. Certamente houve dificuldade em se qualificar o filme: comédia,romance, drama, ou o quê? Sobre o quê? Imigração? Segurança? Não obstante o caráter fragmentário do filme aoabranger várias dessas facetas, ele é, antes de tudo, um convite à reflexão.

OS CONVIDADOS: Lucas Grassi Freire é bacharelando em Relações Internacionais (PUC-MG) e CiênciasEconômicas (UFMG) & Pedro Gazzinelli Colares é bacharelando em Relações Internacionais (PUC-MG) eDireito (UFMG).

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RREELLeeiittuurraassAA ppoollííttiiccaa eexxtteerrnnaa bbrraassiilleeiirraa ppoorrâânngguullooss ppoouuccoouussuuaaiisspor Dawisson Belém Lopes

Em cacos – Assim estava o Paraguai em 1º de janeiro de 1869. Assunção: deserta, ocupada e saqueada por brasileiros.A guerra contra a Tríplice Aliança levou à destruição do Estado existente e à perda de territórios disputados com seusvizinhos. A derrota significou, para muito além, a ruptura definitiva de um modelo de crescimento econômico.Romperam-se as bases para uma formidável expansão capitalista do sistema produtivo nacional. A reorganização do paíslevaria décadas e, em termos comparativos com os países vizinhos, o Paraguai não conseguiria atingir o mesmo nível dedesenvolvimento econômico de antes da guerra. O país receberia apenas de forma modesta os impactos positivos dasmigrações internacionais na consolidação de sua economia agroexportadora, diferentemente de Uruguai e Argentina. Emtempo: alega-se que o Paraguai possa ter perdido até 70% de sua população nos cinco anos de combate (1865-70) – oualgo em torno de 450 mil pessoas (considerando, evidentemente, que a maior parte das baixas dava-se não em funçãoda luta propriamente dita, senão em virtude da fome, do frio e da exaustão a que se expunham os soldados no campode batalha). O Brasil enviou cerca de 140 mil homens à guerra, dos quais uns 50 mil morreram. Ensina-nos o professorFrancisco Doratioto, especialista em Guerra do Paraguai, à qual concede o justo epíteto de “maldita”.

Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém – A idéia de “balança de poder”, instituição dosistema vestefaliano de Estados, tomou conta das terras quentes do Sul da América por volta de 1860. Os estrategistasmilitares julgavam a noção imprescindível para o equacionamento das disputas de poder que começavam a ganharmonta no continente. Na década seguinte, a de 1870, conformava-se um verdadeiro caleidoscópio de alianças por aqui.As fronteiras entre Chile, Argentina e Bolívia eram contestadas. O Império brasileiro e a Argentina viviam em crescentetensão. Ao norte, surgia a possibilidade de uma confederação envolvendo Colômbia, Venezuela, América Central eEquador. Chile, Brasil e Argentina temiam a formação de alianças ofensivas contra eles próprios. Enquanto isso, Peru eBolívia firmavam acordo secreto contra o Chile. As desconfianças entre Chile e Argentina escalavam. Forjou-se um “mito”da aliança secreta entre Brasil e Chile – o que, a bem da realidade, nunca existiu. Os subsistemas do Prata e do Pacíficoencontravam-se em polvorosa, embora permanecessem mantidas as fronteiras (físicas e “psicológicas”) entre um eoutro.

Conforme sustenta o diplomata e historiador Luís Carlos Villafañe Santos, a pertinência da utilização do conceitode “balança de poder” para o contexto sul-americano do século XIX é bastante discutível. A idéia da busca de umaequilíbrio continental esteve presente nos discursos oficiais de nossos diplomatas, mas não se verificou faticamente.Embora muitos possíveis arranjos de cooperação fossem sondados entre os países do subcontinente, as únicas aliançasmilitares não dirigidas contra potências extracontinentais levadas a efeito foram a da Tríplice Aliança contra o Paraguai eaquela entre Bolívia e Peru contra o Chile. Em suma, nossos estrategistas militares estiveram sempre muito mais ativoscom suas elucubrações de gabinete do que, propriamente, envolvidos com as táticas do campo de batalha.

Quando um rio vira oceano – Alberto da Costa e Silva, celebrado como o maior africanólogo vivo no mundo, temnotas interessantes sobre as relações Brasil-África no período histórico em exame. Percebe o autor que, embora noimediato pós-independência nacional desfrutássemos, os brasileiros, de muito prestígio com os irmãos africanos, a partirda segunda metade do século XIX esses laços privilegiados começam a se desfazer. Cabe lembrar que, por volta de1825, chegou-se a temer uma união entre o recém-liberto Império do Brasil e Angola, a nossa maior fornecedora demão-de-obra escrava. Portugal de tudo fez para impedir o enlace.

Decidido o Brasil, em 1850, a extinguir o tráfico negreiro, logo atrofiaram-se as relações comerciais com a ÁfricaAtlântica. Os chefes das cidades costeiras dobravam, um após o outro, diante das demonstrações de força dos ingleses,

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franceses e alemães. De uma perspectiva brasileira, a tomada de Lagos pelos ingleses, em 1851, e a sua transformaçãoem colônia, dez anos mais tarde, marcam o início da corrida desenfreada entre as nações européias pelo controle efetivoda África. Na passagem do século XIX para o século XX, a ocupação estava consumada. Do prisma das relações Brasil-África, o que era apenas “um rio chamado Atlântico” acabou ganhando, com o tempo, o distanciamento de umverdadeiro oceano.

Sobre intervencionistas e liberais – Dando um nada didático salto de mais de um século, reproduzo aqui algumasidéias colhidas no saboroso relato de Elio Gaspari sobre “o início do fim” do regime ditatorial brasileiro. O jornalistaconsegue identificar um significativo cavalo-de-pau na orientação da política (interna e externa) nacional – momento emque os militares deixam de lado a vocação intervencionista do Estado bismarckiano brasileiro para abraçar umaconcepção mais privatista. Narra Gaspari que, entre 1974 e 1975, época de refluxo mundial do conservadorismo,surgiram os primeiros sinais da revolução liberal que varreria o mundo no fim do século XX. Em Estocolmo, umimportante indício foi fornecido: a repartição do prêmio Nobel da Economia entre o austríaco Friedrich von Hayek e osueco Gunnar Myrdal. Este último, socialista, um dos pais da teoria do desenvolvimento econômico, teve a sua obraeditada pelo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) – um órgão governamental – em 1963. Em 1967,curiosamente, o Itamaraty desaconselhara a sua presença no Brasil, para uma singela série de conferências.

Hayek considerava o planejamento econômico um “caminho para a servidão”. Julgava-se subestimado pelacomunidade econômica do pós-guerra. Vivia em Salzburgo, num casebre que adquirira com os trocados reunidos davenda de sua biblioteca. Myrdal, por seu turno, era economista já muito afamado. Seu nome era fava contada para aláurea da Academia. Surpreendia a todos, então, a divisão do prêmio Nobel entre dois homens com concepçõeseconômicas praticamente antagônicas. Surpreendia, mas não deixava de captar o movimento de placas tectônicas:segundo o reorganizador da oposição conservadora na Inglaterra, sir Keith Joseph, já haviam se passado os “trinta anosde moda socialista”. A “revolução” se aproximava. A reboque do Norte, acabamos sentindo os efeitos desse tremor deterra, sobrevindo o arrefecimento do nacionalismo insuflado pelos militares.

Um refresco – Em dias de Assembléia Geral das Nações Unidas, discursos inflamados, críticas ao unilateralismo,condenações da globalização, macartismo e democratismo, um refresco:

pocalypse NowO megacowboy, vestindo armadura de carapaças de armadillo à prova de tiro, divide o mundo em adeptos do mal ecruzados do bem.Revestindo uma couraça de raios lazer à prova de bazucas, não ouve o clamor dos pais da pátria, ignora a biblioteca deJefferson, ele próprio, arquiteto de sua mansão numa época em que se chegou a pensar em adotar o grego clássico, emvez do inglês, como idioma da nova república que antecipou a revolução francesa, que inspirou os libertadores dahispano-américa e os inconfidentes de Minas.O megamacrosuperherói do bem não está interessado em ouvir mais nada. Nem repara quando Martin Luther Kingapresenta afro-condolências a uma afro-americana condoleezza verde-hiraferrúgeo-parda como a estátua da liberdade vista de perto.O supermacromegacowboy vestido de "mariner" chegou ao limite. Seus olhos azuis são um frio risco de aço: basta deônus onerosas e inoperosas!Basta de franceses amolecidos e decadentes e de alemães desleais!Vênias dadas ao trêfego blair e aos dois porta-vozes de eurodireita: o asinino Aznar, ostentando as medalhas dogeneralíssimo, e o mafioso Berlusconi, com bufos esgares de Mussolini.Os dois olhos azuis são agora um único risco de aço.O dedo no comando está prestes a apertar o botão. O ar tem um ataque cardíaco.A primeira bomba, como um ovo de assombro, tomba lá onde foi o Zigurat de Babel, ali onde a rainha Semíramispassava tardes amenas e odorantes em seus jardins suspensos.(Haroldo de Campos)

AAss OOBBRRAAss:: COSTA E SILVA, A. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira; Editora da UFRJ, 2003. DORATIOTO, F. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das

Letras, 2002. GASPARI, E. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. SANTOS, L. C. V. O Império e as repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com Chile, Bolívia,

Equador, Peru e Colômbia (1822-1889). Curitiba: Editora da UFPR, 2002.

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!! por Carlos Frederico Gama

QQQuuuiiizzz!

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Teste aqui seus conhecimentos !

1) Quantas operações de paz foram criadas, naONU, entre 1992 e 2000?

a) 10;b) 15;c) 27;d) 32;e) 69.

2) As Conferências de Paz de Haia (1899 e1907) foram criação:

a) do Czar da Rússia;b) do Grão-Duque de Bocaiúva;c) do Príncipe das Astúrias;d) do Xá da Pérsia;e) do Rei da Suécia.

3) A Batalha de Alcácer-Quibir (1578)representou:

a) o início do Império Otomano;b) o ocaso do Império Português;c) o apogeu do Império Chinês;d) uma derrota para o Império dos Medos;e) o declínio do Sacro Império Romano-Germânico.

4) Dom Henrique, o criador do Reino dePortugal, era originário:

a) da Tunísia;b) da Borgonha;c) da Catalunha;d) da Calábria;e) da Cachemira.

5) Em 410, Roma:

a) rendeu-se ao poder de Savanarola;b) foi conquistada pelos lombardos de Ludovico;c) foi saqueada pelos visigodos de Genserico;d) foi desprezada por Átila, o Huno;e) sobreviveu à passagem de Conan, o Cimério.

6) “O Homem é uma corda estendida entreDeus e o animal. Uma corda estendidasobre o desfiladeiro”. Esta frase pertencea:

a) Barão de Itararé;b) Hermes Trimegisto;c) Nietzsche;d) Protágoras;e) Assurbanipal.

7) Quem foi “o Rei de Roma”?

a) Nero;b) Petrônio;c) Paulo Roberto Falcão;d) Odoacro, o ostrogodo;e) O segundo filho de Napoleão Bonaparte.

8) A sentença “Não sou marxista!” foiproferida por:

a) José Dirceu;b) Che Guevara;c) Karl Marx;d) Von Mises;e) Althusser.

9) “A Arte da Guerra” é uma das obras:

a) de Maquiavel;b) da Duquesa Del Toboso;c) de Bramante;d) de Montesquieu;e) de Martin Wight.

10) Durante a Guerra do Peloponeso,Epaminondas era um dos líderes:

a) dos persas;b) dos mélios;c) dos atenienses;d) dos espartanos;e) dos tebanos.

Nota: a chave do Quiz encontra-se ao final da última página.

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EXP

EDI

Dawdawissonlopes@

EDITORE

Filifilipenasser@

Joelso joelsonvellozo

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Carlos Fcarlosgama@

Dani danilolimoeiro

Fabfabianalima@

Guilheguilhermecasaroe

Leonardleonardoramos

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Luis Guillelvillavicencio@

Luiluizfeldman@

nico@ode

Nunnunoferreira@

Rodcintra@re

CONVIDA

Felippe CademartorInternacionais pela U

Igor Abdalla MedinaRelações Internacionais

Economia pela PUC-Ripela Universidade F

Lucas Grassi Freire éInternacionais (PUC-M

(

Pedro Gazzinelli CoRelações Internacionais

nnoossssooss ppaarrcceeiirrooss

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Tela acima: L’EtChave do Quiz:

6-C; 7-E

EDIENTE:

TOR-CHEFE

isson Lopesodebatedouro.com.br

S-EXECUTIVOS

pe Nasserodebatedouro.com.br

n Vellozo [email protected]

LUNISTAS

rederico Gamaodebatedouro.com.br

lo [email protected]

iana Limaodebatedouro.com.br

rme Casarõ[email protected]

o César [email protected]

o Cademartoriodebatedouro.com.br

rmo Villavicencioodebatedouro.com.br

z Feldmanodebatedouro.com.br

Nicobatedouro.com.br

o Ferreiraodebatedouro.com.br

rigo Cintravistaautor.com.br

DOS DA EDIÇÃO:

i é bacharelando em Relaçõesniversidade de Brasília (UnB).

de Souza é mestrando empelo IRI/PUC-Rio, bacharel emo e bacharelando em Direitoederal Fluminense (UFF).

bacharelando em RelaçõesG) e Ciências Econômicas

UFMG)

lares é bacharelando em (PUC-MG) e Direito (UFMG).

***

ate. Giuseppe Arcimboldo1-D; 2-A; 3-B; 4-B; 5-C;;8-C;9-A;10-E.

RR..II..ssaaddaassOO hhuummoorr ppoollííttiiccoo ddee NNiiccoo

ependente, de inteira e absoluta

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