cruz de fogo - perse - publique-se - publicar seu livro agora ......pessoa para torna-se uma força...
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Luiz Cézar
Cruz de Fogo
- Rio de Janeiro -
Edição do autor
2010
2
Copyright© by Luiz Cézar da Silva
http://acruzdefogo.blogspot.com/
1º Edição
3
***
“Nenhuma pessoa pode ir tão longe que não consiga
retornar. Mesmo que tenha caminhado para dentro do
fogo.”
***
4
1
Queda na torre vermelha
O fogo se espalhou por todo o cômodo, as chamas
pareciam ter vida própria e consumiam toda aquela sala
localizada na torre mais alta do castelo conhecido como
casa das labaredas, ou “labaredariuns” pelos membros da
Ordem; mestre e aluno frente a frente em uma batalha da
qual somente um poderia sair vitorioso; depois de tantas
tarefas, tantas batalhas e tantas missões, juntos, agora era
como se houvesse um abismo de distância entre os dois.
Donovam ergueu uma das mãos na direção de seu melhor
discípulo, mas era hora de acabar com ele, pois não ouvia
mais seus conselhos e queria tomar suas decisões sem a
permissão do mentor.
O calor chegou à beira do insuportável, e parte da
sala ameaçava desabar; Alam estava suando pela primeira
vez em quase dez anos e suas roupas estavam por
incendiar-se, além do mais ele já sabia que não tinha poder
suficiente para vencer seu mestre; as chamas lambiam de
forma áspera todo o corpo do jovem rapaz como nunca
antes; era como se o fogo estivesse rejeitando-o depois de
tanto tempo juntos, passaram muito tempo como amantes,
o fogo e ele; depois que aprendera a domar a vontade
natural do elemento, Alam nunca tinha perdido um
confronto sequer.
Havia entrado muito cedo em um universo
dominado por velhos encharcados de um conhecimento
mortal capaz de incinerar pessoas e fazer absolutamente
tudo por mais e mais poder, era a única coisa que
verdadeiramente importava para o círculo interno, e ele
durante muito tempo tinha se dobrado à vontade do círculo
menor, a “vontade dos antigos”, como eles costumavam
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chamar. O poder costuma cegar as pessoas e a magia
costumava queimar todos os que não tivessem força
suficiente para retê-la em suas mãos.
Estava muito quente, e o aprendiz não conseguia
mais se concentrar, pensou estar desmaiando, e para não
morrer ali tentou invocar algum ritual que o defendesse,
mas era muito tarde. Donovam parecia um fantasma
dançando no meio das chamas, ora estava à esquerda e ora
na direita, sabia que seu mestre era um dos melhores do
continente e que só não fazia parte da elite dos vermelhos
porque não gostava da burocracia que regrava a elite dos
magos do fogo.
Com um movimento sutil das mãos o professor
convocou o fogo a lutar por ele, e uma grande explosão foi
vista nos arredores do castelo. Os estilhaços voaram para
todas as partes e o jovem foi jogado ao chão quente, agora
era definitivo; a chama interior de seu mestre havia
sobrepujado a sua e com isso domado os elementais que
estavam ali; dos olhos de Alam emanavam como que
pequenas labaredas, mas na verdade era o reflexo das
chamas ao redor, isso ocorria sempre que a fúria dentro
dele tinha excedido sua racionalidade, agora não era mais
sua mente e sim o espírito do fogo dentro dele que
comandaria as ações.
Era tudo que Donovam queria, porque derrotar seu
discípulo seria muito fácil, mas lutar contra o instinto do
espírito das chamas que existia dentro dele seria muito
mais interessante; era seu projeto particular; quando
escolheu disciplinar aquele jovem, tudo já fazia parte de
um plano para conseguir trazer para dentro do corpo do
então menino uma criatura que só havia sido vista pelos
membros mais antigos da Ordem e habitava na
imaginação e nos livros de estudo mágico para os mais
jovens. Um espírito do fogo.
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Do lado de fora do prédio o corpo de bombeiros
chegou em tempo recorde, como costumava ser, era um
castelo magnífico construído com um único propósito de
ocultar a Ordem dos magos vermelhos, que há décadas
estava agindo na cidade; o Canadá era um dos muitos
lugares do mundo onde a Ordem achou condições
totalmente favoráveis para seu desenvolvimento e
instalação das escolas de magia. O Labaredáriun no
princípio foi um projeto muito ambicioso de um então, à
época, discípulo chamado Donovam Draek, jovem
brasileiro de ascendência canadense, estudante de
engenharia que mais tarde viria a ter dupla nacionalidade e
seria um dos maiores empresários do ramo da engenharia
e arquitetura na província de Ontário, e, dedicado ao
estudo da metafísica do fogo desde muito cedo, como
poucos naquele país; os antigos o consideravam um
notável, porque tinha concebido sozinho um projeto de
proporções titânicas; que previa a construção do castelo
com tudo o que se tinha direito, câmaras secretas, salas de
estudos especiais reservadas às artes mágicas, bibliotecas,
escritórios, laboratórios, salões de conferência e uma
infinidade de outros ambientes. Havia estudado por dois
anos inteiros as plantas de vários castelos em vários países
da Europa, mas em sua cabeça o prédio que abrigaria
todos os membros do fogo na cidade de Ottawa deveria
ser algo que chamasse muita atenção, principalmente de
quem não conhecesse a real função do lugar; deveria ser
visto quase como uma atração turística da localidade.
Depois de concebido o projeto inicial que foi
finalizado com base no Castelo de Schwerin, na
Alemanha, Donovam o levou ao conhecimento de seu
mestre, que por sua vez levou ao conhecimento da
assembléia dos mais antigos; as reações foram das mais
variadas, alguns concordaram e outros relutaram, teve de
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ser convocada uma reunião com membros de outros
países, até que finalmente por uma margem pequena em
uma votação batizada de “O conclave do templo”, ficou
estabelecido que se faria a construção de tal estrutura.
Todo este processo de edificação durou cerca de cinco
anos e custou por volta de noventa e oito milhões de
dólares, mas rendeu a Donovam um lugar de destaque
entre aqueles que antes pensavam que ele nunca passaria
pela “prova de fogo”, o desafio inicial para os
principiantes nas artes da magia, mas Donovam tinha
aprendido muito com seu, então, influente tutor que
respondia pelo nome de Vesúvio, uma espécie de
pseudônimo místico obviamente inspirado no vulcão
europeu que destruiu as cidades romanas de Pompéia e
Herculano em 79 d.C. Uma das exigências características
dos mestres do círculo menor era o fato de que todos os
seus integrantes adotavam e passavam a responder por
nomes de vulcões.
As chamas aqueceram-se ainda mais com o
comando verbal de Alam, e seu mestre chegou a se
desconcentrar por um momento, mas foi passageiro, era
quase que uma competição para ver quem seria incinerado
primeiro, mas com a passagem do tempo o professor
adquirira novas técnicas que poucos possuíam; uma delas
era a grande resistência física ao calor e as chamas; o
corpo do professor alcançou um grau de resistência tão
elevado que era considerado pelos demais membros como
sendo um elemental; assim são conhecidos todos os
membros da Ordem com grande resistência às chamas.
Alam nunca tinha visto aquilo, e pasmo, presenciou o
momento exato em que seu mestre deixou de ser uma
pessoa para torna-se uma força da natureza.
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__ Sinta as Chamas, Alam! – gritou com uma voz
de trovão. _ Você não pode me desobedecer, não há como
vencer.
Alam estava perdendo as forças, pois antes do
combate tinha sido levado ao limite em uma missão
intelectual, mente e corpo não se comunicavam como
deveriam e embora tivesse preparado para situações
extremas ainda estava apenas no terceiro círculo de
estudo, como, pois, poderia vencer aquele que lhe ensinou
tudo o que sabia.
Durante o tempo em que ficou sob o comando da
Ordem na cidade de Ottawa, Alam tinha ocupado um
cargo de destaque numa grande empresa local, empresa
essa com ramificações políticas, econômicas e até
culturais sobre toda a cidade; com isso ele era uma voz a
ser ouvida em todas as decisões que fossem tomadas
nessas áreas; por ter uma habilidade muito afiada em
persuasão geralmente conseguia desvirtuar as coisas de
modo que atendesse aos interesses dos magos vermelhos,
rapidamente o “aluno de Donovam” ganhava prestígio a
cada dia. Era como a continuação de uma linhagem, o
mestre que fora um grande aluno havia escolhido um
excelente aluno para ser um grande mestre.
Alam foi o responsável por viabilizar a união das
diferentes casas de magia do fogo existentes na cidade
formando a segunda mesa de poder; uma assembléia com
os líderes das diferentes escolas do fogo que se reportaria
primeiramente ao conselho dos anciões e em seguida aos
seus superiores diretos. Isso serviu para consolidar a
superioridade e supremacia dos mestres das chamas em
relação aos outros grupos de magia que sorrateiramente
foram caçados e quase totalmente extintos na cidade;
pouco a pouco os aprendizes das magias que enveredavam
pelos caminhos da Terra, Água, Ar, Luz e Mente, foram
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perseguidos, aprisionados ou assassinados, poucos
continuaram a residir em Ottawa e estes se tornaram
fugitivos, escondendo-se sempre do crescente número de
jovem magos vermelhos que vasculhavam a cidade. Em
pouco tempo Alam tornou-se um herói entre os mais
novos e uma espécie de exemplo para os que desejavam
ganhar fortuna.
“Onde estava sua espada?” _ Ele pensava em meio
àquela tempestade flamejante; Donovam tinha poderes
superiores aos seus, mas talvez em um confronto corpo a
corpo pudesse tirar vantagem, sempre costumava andar
com uma espada japonesa; uma Katâna, aonde quer que
fosse sempre levava a arma, pois também era um exímio
manejador. Havia desenvolvido um estilo peculiar, ou
seja, um caminho próprio para ele, durante anos
juntamente com o estudo da magia primordial do fogo,
Alam dedicou-se também ao aprendizado das artes
japonesas voltadas para as guerras com uso das armas
brancas, e até mesmo um pouco de técnicas de defesa
pessoal das quais preferia o Krav magá que aprendeu
quando viajou a Israel como parte de seu aprendizado
histórico e em missão para seu mestre, permanecendo dois
anos lá. Suas habilidades marciais eram invejadas pelos
membros das casas de magia rivais; seu nome passou a ser
respeitado por alguns magos, embora fosse ainda muito
jovem; com apenas trinta e um anos.
Os bombeiros começaram a entrar no prédio, mas
as explosões estavam acontecendo em uma das torres mais
altas do castelo. Alam usava suas habilidades de forma
poderosa e surpreendia de certa forma ao seu tutor, fogo
contra fogo, eles se enfrentavam conjurando magias, mas
o jovem mago estava exausto; afinal, materializar forças
da natureza impondo sua vontade sobre as leis físicas que
regem nosso mundo é algo que pouquíssimas pessoas
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conseguem fazer, e somente com muito estudo, dedicação
total e completa, além é claro de ser de um desgaste brutal,
porque utilizava as forças do próprio corpo para fazer com
que as energias passassem pela barreira que protege nossa
esfera física, isso leva as pessoas que praticam as artes
mágicas a um estado de extremo cansaço; e era
exatamente isso que vinha ocorrendo com Alam naquele
momento.
Donovam sabia naquela noite que travaria um
combate violentíssimo contra seu pupilo, mas de antemão
já tinha preparado tudo, como costumava fazer sempre, e
enviou seu sucessor em uma caçada forjada, sabia que ele
se empenharia ao máximo para realizar a tarefa e ficaria
fraco e debilitado para o confronto final. Outro dos muitos
dons admirados em Donovam Draek por todos que o
conheciam era sua capacidade de criar situações que o
favorecessem e até mesmo de tornar situações
aparentemente adversas em cenas de seu interesse, sempre
tinha sido um exímio estrategista, mas nunca rejeitava os
combates nem contra os membros das outras casas do
fogo, nem contra os das outras casas de magia nem contra
seus comandantes ou comandados. Ele era o líder que
todos os novatos gostariam de ter, alguns até dariam suas
vidas por ele, e ele daria a vida por sua causa, mas o
escolhido para aprender e partilhar do conhecimento havia
sido Alam que por algum forte motivo estava se rebelando
contra seu mestre.
Jogado pelas chamas Alam chocou-se contra uma
grande porta que se abriu dando passagem para um salão
onde uns poucos alunos estavam de forma organizada nas
duas laterais do grandioso cômodo preparando-se para
deixar o prédio; todos eles se assustaram quando Alam
passou, com o corpo em chamas chocando-se com a
parede do outro lado. Alguns deles começaram a gritar
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pelo nome do jovem para que se levantasse, mas quando
viram Donovam saindo pela porta de onde o outro também
surgira, todos ficaram quietos em respeito ao mestre;
nenhum deles queria ser rotulado como traidor por
manifestar simpatia pelo mais novo inimigo da Ordem.
Alam ergueu-se devagar e viu os aprendizes
olhando-o de forma bastante apreensiva, e com um pouco
de força de vontade sintetizou seus pensamentos em um
único fluxo, ordenando mentalmente que o fogo rompesse
a barreira do mundo físico e surgisse para defendê-lo; mas
antes de começar a materialização, ele foi atingido por
outra rajada incandescente de seu tutor enfurecido e
repentinamente perdeu os sentidos caindo de forma inerte
no chão, açoitado pelas chamas.
***
Algum tempo depois, seus olhos se abriram; estava
se afogando, ainda muito sem forças começou a se debater
de forma desesperada para tentar manter-se vivo;
enxergou ao longe algo que parecia ser a margem do
riacho onde seu corpo estava; e lutando ainda mais nadou
para lá, sabia onde estava, mas não exatamente. Atrás do
castelo Labaredárium passava um rio que levava para as
florestas longe da cidade e desembocando no Rio Ottawa
que seguia para fora da província de Ontário. Era o rio
Rideau, e estava furioso com suas águas revoltas e
geladas, quanto mais ele adentrava nas florestas mais
violento ficava a força das águas, seu corpo era jogado de
um lado para o outro e se chocava constantemente contra
as pedras, enquanto isso ele lutava para não se deixar
afundar, mas a fúria do rio era muito superior às pequenas
forças de seu corpo mortal e gravemente ferido.
Depois de quase meia hora lutando Alam foi
arremessado para as pedras perto da margem e conseguiu
segurar-se a um galho de árvore que estava para dentro do
12
riacho, juntando o resquício de forças físicas que ainda lhe
sobraram ele se arrastou para fora das águas até a cintura
desmaiando exausto em seguida.
***
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2
O despertar do Mago
Abri os olhos muito devagar, a claridade estava
incomodando-me, aos poucos recordei o que tinha
acontecido. Meu corpo estava todo enfaixado, braços e
pernas, eu ainda sentia a ardência dos cortes em minha
face. Fui colocado em um quarto, pequeno, porém
aconchegante e sobre uma cama macia com lençóis que
continham um cheiro de flores do campo.
De repente um homem entrou pela porta do lado
direito, parecia ter por volta de cinqüenta anos, com seus
cabelos grisalhos e pele morena. Poucas pessoas no
Canadá possuíam aquela tonalidade de pele. Ele pareceu
assustado quando me viu acordado, mas no minuto
seguinte mostrou-se feliz. Tentei falar, minha voz saiu
rouca e inaudível, mais como um ruído qualquer.
_ Como você está?_ ele me perguntou.
Eu estava muito confuso, lembrava-me de ter saído
das correntes impetuosas do rio Rideau e agora estava
acordando naquele lugar, forcei minha voz novamente.
_Quem é você? Onde estou? Como cheguei aqui?
Aquele homem me surpreendeu quando sorriu
afetuosamente com minha torrente de perguntas.
_ Não esquente a cabeça meu rapaz, você está em
boas mãos. Achamos você na margem do rio, muito ferido
três dias atrás e o trouxemos para cá.
Três dias! Eu havia dormido por três dias inteiros!
_ Me desculpe_ eu disse_ Como o senhor se
chama?
_ Perdão_ respondeu ele_ onde estão meus modos?
Meu nome é Adalberto Ramos, mas pode me chamar só de
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Ramos, se quiser, é assim que todos os meus amigos e
conhecidos me chamam.
Ele sorriu novamente, e chamou por outra pessoa.
Em pouco tempo uma jovem senhora entrou no quarto
com uma bandeja repleta de guloseimas, algumas daquelas
espantaram-me porque havia muito tempo que não
conhecia alguém capaz de fazê-las.
_ Esta é minha esposa, Joana Maria Ramos_ ele
recomeçou_ fique à vontade tome esse café que ela
preparou, coma um pouco e recupere as forças, mas não
tenha pressa para sair, você está muito debilitado. Nós
estaremos por perto; qualquer insatisfação pode nos
chamar ou se preferi podemos levá-lo ao hospital.
Joana colocou a bandeja de alumínio reluzente
sobre a cama onde eu estava e, felizes, ambos deixaram o
quarto, fechando a porta atrás de si.
Na bandeja estavam um pedaço generoso de broa
de milho, eu nunca tinha conhecido alguém em todo o
Canadá que fizesse tal iguaria, mas não era só isso. Havia
também bolo de chocolate, tapioca e café com leite. Eu
estava meio confuso, mas comi assim mesmo, depois
coloquei a bandeja na pequena mesinha ao lado da cama e
me recostei para descansar, minha cabeça estava latejando
e eu ainda sentia o peso da materialização da magia no
meu corpo.
Devo ter dormido mais um tempo e quando abri os
olhos sentia-me um pouco melhor, levantei da cama
mesmo contra a vontade de meus músculos e andei até a
porta, abri e do outro lado se revelava um corredor com
duas portas de cada lado e uma outra ao final, percebi que
não estava mais com minhas roupas e sim com uma
espécie de pijama, provavelmente era do Sr. Ramos, pois
ficava largo em mim. Sai do quarto e avancei lentamente,
passei a mão na maçaneta da primeira porta, forcei-a um
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pouco e a porta se abriu, tratava-se de um banheiro,
pequeno, mas em ordem, fechei a porta e prossegui, a
segunda porta estava trancada, a terceira estava aberta e
aparentemente era o quarto do casal. Possuía uma cama
grande, era recoberto com tapetes e cortinas; todos os
móveis estavam dispostos de uma forma bastante
harmônica, guarda-roupas, criado-mudo ao lado da cama,
aliás, nos dois lados da cama que estava forrada e com
almofadas adornando. Obviamente o senhor e a senhora
Ramos gostavam de ler, pois sobre cada criado-mudo
havia um livro, não resisti, entrei no quarto e fui até o
livro do lado direito.
O livro estava aberto e com um marcador de
páginas bem no centro, sentei-me sobre a cama e tomei o
livro; de todos os livros do mundo que eu gostaria que
estivessem naquele quarto, o que estava era justamente o
único que eu pensava não poder me ajudar. A bíblia.
Havia um texto marcado em que estava escrito:
“Não temas porque Eu sou contigo; não te
assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço e te
ajudo e te sustento com a minha mão direita fiel”.
Durante a maior parte da minha vida eu estudei
aquele elemento; o fogo. Estudei sobre seu poder de
destruição, sobre a forma etérea de sua composição e por
fim fui iniciado nos círculos que cuidam da magia
propriamente dita. Não foi nada fácil no princípio, as
primeiras etapas da preparação tem como intuito levar o
iniciado ao limite de suas forças físicas e mentais,
felizmente meu aprendizado não havia sido ministrado por
qualquer um, não, ele era o melhor e eu o venerava até três
dias atrás, Donovam Draek, o grande, como ele mesmo
costumava se intitular, aquele que usaria o poder das casas
unificadas da magia do fogo para reduzir a pó todos os
seus opositores, principalmente nossos principais inimigos
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os dominadores das águas, os servos dos mares, que
expandiam seus domínios em todo o Canadá, por ser um
país repleto de grandes lagos, mas não em Ottawa, aqui
nessa cidade éramos nós que mandávamos e eu fui usado
pela Ordem como o anjo arauto da unificação, fui
investido de poder político para derrubar dogmas dos
mestres das chamas e legislar sobre novas regras que em
sua maioria me eram passadas pelo próprio Donovam,
pois ele queria moldar a Ordem segundo sua imagem e
vontade. Cacei um a um os marginais da nova lei
instituída pela Ordem, desde os membros renegados até os
inimigos declarados; comandei os exércitos do fogo nas
incursões em outros países a fim de erguermos postos
avançados, desafiei mestres conhecidos e desconhecidos
de várias outras ordens e até mesmo da segunda vertente
da minha própria Ordem; não questionei, não retrocedi,
nunca mostrei deslealdade ou desrespeito. Por anos foi
assim e meu tutor ganhava prestígio a cada dia, tal qual eu,
que passei a ser chamado de Arauto ou discípulo de
Donovam.
O sentimento de vingança estava queimando
dentro do meu coração, não ficaria dessa forma, muito
embora eu soubesse como terminaria, provavelmente a
Ordem pensasse que eu estava morto, afinal já há três dias
que estava desaparecido sendo cuidado por uma família de
“bons samaritanos”. Eu não estava certo do que fazer, mas
ouvia alto e claro na minha mente a voz da vingança
dizendo: “Seu mestre matou você, a essa hora ele já
envenenou todas as pessoas de dentro dos círculos com
quem você podia contar e vai pedir outro discípulo,
Vingue-se! Vingue-se! VINGUE-SE!”. Minhas mãos
formigavam e começaram a se aquecer, tive medo de
causar mal à casa daquelas pessoas e coloquei a bíblia
17
sobre o local onde ela estava inicialmente, em seguida saí
do quarto e continuei pelo corredor.
Caminhei pelos cômodos restantes, mas parecia
não haver ninguém então fui para o quintal após passar
pela cozinha; estava acostumado com as paisagens
magníficas que Ottawa possui e até mesmo já vi as
grandes paisagens do mundo, construídas pelas mãos do
homem ou pelas mãos da natureza, as pirâmides do Egito
e o vale dos príncipes, Stonerenge ou a Ilha de Páscoa, a
grande muralha da China e a praça da paz celestial, o
Corcovado e o Cristo Redentor, o lago Ness e vários
castelos do norte da Escócia, o mont Blanc na Suíça, o
Partenom, as chamas eternas da montanha Yanar dag no
Azerbaijão e do Monte Quimera, na Antália, sul da
Turquia; os templos de fogo do Zoroastrismo em Teerã,
Irã; e tantas outras maravilhas da natureza, mas por algum
motivo quando sai daquela casa e olhei para o grande lago
claro e gelado cercado por belas e altas árvores e por um
campo verde que se estendia para o horizonte onde tocava
o céu com algumas nuvens que reluziam ao toque da luz
solar daquela manhã, algo dentro de mim se partiu, as
palavras que tinha lido há poucos instantes retornaram
para minha mente e não saíram mais, “Não temas porque
eu sou contigo nem te assombres porque sou o teu Deus;
eu te fortaleço...”.
Essas palavras vinham de encontro aos meus
pensamentos mais profundos, pois meu grande medo era
saber que depois de não aceitar mais ser a foice da Ordem
Vermelha eu teria de enfrentar meu antigo mestre; talvez o
maior mago dos dias atuais. Mas as palavras diziam para
que eu não temesse e juntamente com aquela paisagem
diferenciada estavam transmitindo-me uma serenidade que
poucas vezes experimentei.
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Por um curto espaço de tempo o espírito da
vingança calou sua profana boca dentro do meu ser, e eu
soube que aquele era o começo da maior batalha da minha
vida.
***
19
3
O Carrasco
Com passos firmes Donovam avançava; seu ar
altivo de sempre, sua postura ereta, nobre, roupas
sofisticadas e extremamente bem alinhadas; era um
homem que fez fortuna e fama durante a vida por seus
próprios méritos e também com a ajuda da Ordem, trazia
na mão direita dois dos seus maiores orgulhos, o anel de
ferro, símbolo dos engenheiros no Canadá e o anel do
círculo menor de estudo da casa de Prometeu, colocado
em seu dedo mínimo; o anel de ouro maciço possuía a
insígnia da chama mística roubada pelo titã do monte
Olímpo segundo a mitologia dos filósofos que criaram tal
casa de magia. Há três anos Donovam subjugou os
membros dessa irmandade condenando-os a prisão e se
apossando dos antigos escritos da biblioteca localizada
atualmente na ilha de Creta; lembrava-se da batalha
triunfal que fulminou com os líderes da casa que agora lhe
pertencia, seu arauto desafiando o poder dos magos gregos
e o desespero deles quando o viram juntamente com seu
aluno dominar as chamas antes que estas os consumissem.
Entrando pela grande porta encontrou do outro
lado colocados em forma de semicírculo os três tronos e
assentados estavam alguns dos grandes mestres; nenhum
outro mestre das esferas intermediárias tinha essa honra de
reunir-se pessoalmente com os grandes, exceto em caso de
condecoração ou punição; o que não era o caso ali.
_ Sente-se Don_ iniciou Vesúvio, seu ex-professor.
Donovam não costumava reverenciar ninguém,
mas logo que entrou fez uma cordial saudação com as
mãos espalmadas junto ao peito e em seguida tomou
assento frente a frente com seu antigo tutor.
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_ Preciso de permissão para tutelar outro discípulo.
_Começou afiado como uma navalha.
Todos os que estavam presente se surpreenderam
com a forma que ele havia falado, fria e duramente.
Donovam não queria outro aluno, desejava apenas
comunicar formalmente o seu rompimento com o arauto.
_ Mas onde está o Arauto? Ele está realmente
morto? _ Perguntou Vesúvio; sua voz ecoou pelo grande
salão com paredes de mármore vermelho e retornou ainda
mais potente quase como um trovão.
Os outros professores limitavam-se a observar,
todos os olhares estavam dirigidos a Don e ele não
deixava por menos retribuía a todos com arrogância e
força nas palavras. Ele sem dúvida era a melhor cria que
os magos do fogo conseguiram através de sua história
recente, mas era tão incontrolável e volátil quanto
brilhante.
_ Alam não morreu, mas deve ser punido pelo que
fez. Ele coloca nossa integridade em perigo ao se recusar a
proceder da forma que eu ordeno; quero as sombras atrás
dele e um novo pupilo.
O mestre que estava sentado à esquerda de
Vesúvio levantou-se, seu nome, Santorini “o doutrinador
grego”; e Donovam pôde ver que este segurava a katâna
de seu ex-discípulo.
_ Donovam Draek!_ iniciou indignado_ Como
você pode de uma hora para outra querer exterminar seu
melhor aluno, e quanto a todo o tempo que você dedicou
ao aprendizado dele? E quanto a todo o investimento da
Ordem em tempo e dinheiro despendido? Santorini
detestava o antigo aluno de Vesúvio; considerava-o um
fascista megalomaníaco.
Donovam passou levemente o dedo mínimo sobre
a testa e todos viram o anel de prometeu, em seguida antes
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