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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO stricto sensu – MESTRADO EM DIREITO
MANOEL RÉGIS BERIGO DE ANDRADE NETO
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA E O MÍNIMO EXISTENCIAL DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
CURITIBA
2016
MANOEL RÉGIS BERIGO DE ANDRADE NETO
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA E O MÍNIMO EXISTENCIAL DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de mestre. Curso de
Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania –
Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão
e Cidadania. Centro Universitário Curitiba.
Faculdade de Direito de Curitiba. Orientador
professor doutor Demetrius Nichele Macei
CURITIBA 2016
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA E O MÍNIMO EXISTENCIAL DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre no Curso de
Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania – Atividade Empresarial e
Constituição: Inclusão e Cidadania. Centro Universitário Curitiba, pela Comissão
formada pelos professores:
_______________________________________________ Professor Doutor Demetrius Nichele Macei Orientador _______________________________________________ Professora Doutora Mara Vidigal Darcanchy (membro externo) _______________________________________________ Professor Doutor Clayton Reis (membro interno)
Curitiba, 28 de junho de 2016.
“Se o homem é tão livre no estado de natureza como se tem dito, se ele é o senhor absoluto de sua própria pessoa e de seus bens, igual aos maiores e súdito de ninguém, por que renunciaria a sua liberdade, a este império, para sujeitar-se à dominação e ao controle de qualquer outro poder? A resposta é evidente: ainda que no estado de natureza ele tenha tantos direitos, o gozo deles é muito precário e constantemente exposto às invasões de outros. Todos são tão reis quanto ele, todos são iguais, mas a maior parte não respeita estritamente, nem a igualdade nem a justiça, o que torna o gozo da propriedade que ele possui neste estado muito perigoso e muito inseguro.” Segundo Tratado Sobre o Governo Civil Capítulo IX Dos Fins da Sociedade Política e do Governo. John Locke “Numa democracia que se organiza, tudo deve atender a elevar cada cidadão acima das primeiras necessidades, pelo trabalho, se for sadio; pela educação, se for criança; e pelo auxílio, se for inválido ou idoso.” (Relatório Barrère, França, 11 de maio de 1794) “O poder de tributar envolve também o poder de destruir” (John Marshall, Suprema Corte americana, 1819, Mc Culloch v. Maryland) “Era, em suma, necessário aprender de novo a viver e escrever; errar de uma nova maneira.” (Ferreira Gullar, Uma Luz no Chão).
Para minha filha Giovanna, luz dos meus olhos, amor que enche de alegria nossas vidas com seu sorriso e alegria.
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus Jeová, origem, medida e fundamento de tudo, que nos permite ter saúde, fé, força e coragem para poder usufruir da maravilhosa experiência da vida. • Aos meus pais, Waldomiro e Darci, por terem me dado, com sacrifício, a oportunidade do mundo universitário, transformador de mentes e de corações pelo conhecimento. • • A toda minha família, minha filha Giovanna, a minha amada Sandra e a minha querida Rosane, suporte e apoio em tudo que faço na vida, e alicerce de tudo e sem a qual viver seria apenas existir. • Ao eterno mestre e amigo Demetrius Nichele Macei, o jurista que sabe saber, que com sua humildade e rigor científico me faz não ter dúvidas sobre o modelo de jurista que se deve ser. Por acreditar na minha capacidade. • À minha mestra Viviane Séllos Knoerr que na difícil e árdua missão de coordenar o curso de mestrado soube entender e colaborar no momento mais sensível da minha vida. Professora Viviane, jamais esquecerei seus conselhos e suas palavras sempre edificantes. A minha amiga Graziela Silva pelo apoio e troca de ideias, que foram essenciais para o desenvolvimento deste trabalho. Para Sandra, pelo seu suporte indispensável, pela paciência, pela bondade e por seu amor a mim dispensado, meu especial agradecimento. • Para Giovanna, minha filha querida, amor da minha vida, por ser a fonte inspiradora de meus estudos, por ser o maior presente divino que ganhei em vida. Agradeço a você filha por haver suportado com atenção, paciência e carinho minha ausência, mesmo que a seu lado, em consequência das pesquisas e estudos.
“O Milagre da Vida Há duas formas para viver a vida: Uma é acreditar que não existe milagre. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre”.
Albert Einstein
RESUMO
O crescente aumento da despesa pública é real, e para garantir apoio ao gasto Estatal e
a prestação de serviços públicos, os governantes utilizam-se principalmente da
tributação, aumentando a carga tributária, comprometendo o desenvolvimento
socioeconômico. O presente trabalho pretende contribuir para a construção de uma teoria
sobre justiça tributária e o mínimo existencial das microempresas e empresas de
pequeno porte no Brasil, mediante estudo detalhado, investigando fundamentos, limites e
possibilidades, por tratar-se de uma categoria jurídica muito importante no direito
brasileiro, auxiliar tanto com a disseminação do seu estudo como com a sua aplicação,
uma vez que o influenciar exercitado é consequência contínua do conhecimento.
Pretende-se a princípio abordar a visão filosófica de justiça, da justiça para o direito, o
princípio da justiça social e tributária baseando-se na capacidade contributiva do
contribuinte face ao seu mínimo existencial, relacionando-os com as espécies tributárias
no Brasil, sempre sob o entendimento da Constituição em vigor e observando suas
características específicas, abordando ainda o Princípio da Igualdade. No capítulo final,
relacionaremos o tratamento tributário dispensado às microempresas e empresas de
pequeno porte, dando uma abordagem jurídica, civil e empresarial relacionando-as com o
mínimo indispensável. Com efeito, a aplicação do mínimo vital, em que pese o status
constitucional das suas limitações sua força vinculante, com relação aos Poderes de
Estado, não tem se mostrado eficaz. Evidencia-se que não adianta privilegiar a
arrecadação seja qual for o preço, pois, na relação-jurídica tributária, ambos os sujeitos,
Estado e cidadão, merecem importância. Procurou-se examinar parâmetros oferecidos
na Constituição de 1988, para vincular à aplicação do mínimo material no direito nacional.
A síntese conclusiva admite a aplicação do mínimo existencial, pois, todas as espécies
tributárias são conformadas e contidas pelo princípio da capacidade contributiva.
Necessita-se, com urgência, do planejamento na ação de governo, em termos técnicos e
um forte controle das políticas e gastanças públicas. Somente assim, seriam atenuados
os níveis de incidência tributária, tendo os contribuintes assegurados pelo Estado um
mínimo existencial que lhes dê condições para desenvolverem seus negócios, permitindo
microempresas e empresas de pequeno porte, ganharem relevo, oferecendo aos seus
colaboradores dignidade por meio de inclusão social em condições de igualdade,
corroborando para também garantir seus direitos fundamentais que não se esgotam no
art. 5º da Constituição de 1988. É necessária uma correção de rumo para se promover a
justiça fiscal que deve ser obtida pelo ajuste do tributo ao potencial de riqueza de cada
contribuinte para alcançar a justiça social onde a marca é a natureza da distribuição da
renda por meio do emprego ajustado das riquezas oriundas da tributação.
Palavras-chave: mínimo existencial; capacidade contributiva; justiça social e
tributária.
ABSTRACT
The increasing public spending is undeniable, and to ensure support to the State
expenditure and the provision of public services, governments use mainly taxation,
reflecting increased tax burden, affecting the socio-economic development. This
paper aims to contribute to the construction of a theory of tax justice and the
existential minimum of micro and small businesses in Brazil, through its in-depth
study, investigating the reasons, limits and possibilities, because it is a very important
legal category in Brazilian law, in order that with his study, can help both with
application of their study as to its implementation, since that the influence exercised
is continuous consequence of knowledge, which is the mediate goal. It is intended to
first address the philosophical vision of justice, justice for the law, the principle of
social justice and tax based on the ability to pay the face contributor to their
existential minimum, relating them to the tax species in Brazil, always in
understanding the Constitution in force and observing its specific characteristics, still
addressing the Principle of Equality. In the final chapter, will relate the tax treatment
given to micro and small businesses, giving a legal approach, civil and business
relating them to the minimum indispensável.Com effect, the application of the
minimum subsistence in spite of the constitutional status of its limitations its binding
force with respect to State powers has not been proven effective. it is clear that there
is no point to give priority to raising whatever the price, because the tax-legal
relationship, both subjects, state and citizens deserve importance. We sought to
examine parameters offered in the 1988 Constitution, to link the application of
minimum material in national law. The concluding synthesis allows the application of
existential minimum, therefore, all the tax species are shaped and contained the
principle of ability to pay. urgently if need-planning in government action, in technical
terms and a strong control of public policies and splurges. Only then, would be
mitigated tax incidence levels, and taxpayers guaranteed by the state an existential
minimum to give them conditions to develop their businesses, allowing micro and
small businesses, to gain relief by offering its employees dignity through social
inclusion on equal terms corroborating also ensure their fundamental rights are not
exhausted in the art. 5 of the 1988 Constitution as a course correction is needed to
promote fiscal justice which must be obtained by Tribute adjustment to the wealth
potential of each contributor to achieving social justice where the brand is the nature
of income distribution through adjusted employment of wealth arising from the
taxation.
Key words: existential minimum; ability to pay; social and tax justice .
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................... CAPÍTULO 1 – JUSTIÇA TRIBUTÁRIA...................................................
1.1. A VISÃO FILOSÓFICA DE JUSTIÇA............................................. 1.2. A JUSTIÇA PARA O DIREITO....................................................... 1.3. O DIREITO E A MORAL................................................................ 1.4. A JUSTIÇA .................................................................................... 1.5. O DIREITO E A JUSTIÇA PARA JOHN LOCKE.............................. 1.6. O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL............................................. 1.7. JUSTIÇA TRIBUTÁRIA................................................................
CAPÍTULO 2 – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O MÍNIMO EXISTENCIAL.......................................................................................
2.1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O MÍNIMO EXISTENCIAL....... 2.2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E IGUALDADE ..........................
2.3 MÍNIMO EXISTENCIAL E A CONSTITUCÃO................................ 2.4. A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ............................................... 2.5. IMPOSTO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.............................. 2.6. TAXA E A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ................................. 2.7. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO RESULTADO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E SUA APLICAÇÃO ÀS TAXAS............................................................................................. 2.8. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ................................................................................
CAPÍTULO 3 – O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS.......................................................................................
3.1. O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS TAXAS ..................................... 3.2. O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS CONTRIBUIÇÕES DE MELHORIA ........................................................................................ 3.3. O MÍNIMO EXISTENCIAL E OS IMPOSTOS...............................
CAPÍTULO 4 – TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DISPENSADO ÀS MICRO EMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE - ABORDAGEM JURÍDICA - CIVIL E EMPRESARIAL .............................
4.1.TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988... 4.2.MICRO E PEQUENA EMPRESA: DEFINIÇÃO DE TRATAMENTO DIFERENCIADO, FAVORECIDO E SIMPLIFICADO.. 4.3. FUNÇÃO SOCIAL DA MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE .............................................................................. 4.4. O SIMPLES NACIONAL COMO POLÍTICA PÚBLICA.................. 4.5. O SUPER SIMPLES....................................................................... 4.6 ESTATUTO NACIONAL MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE............................................................................... 4.7 DEFINIÇÃO DE MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE..................................................................................................
12 14 14 26 37 39 41 44 51
56 56 58 79 84 87 88
91
94
97 97
99
103
106
111
113
114 116 121
123
124
CAPÍTULO 5 – DECISÕES SOBRE O MÍNIMO EXISTENCIAL, CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E NÃO CONFISCO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE JUSTIÇA..................................................................... 6.CONCLUSÕES...................................................................................... 7.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................
127 136 141
12
1 - INTRODUÇÃO
Tem-se debatido bastante sobre a necessidade de mudanças no sistema
tributário brasileiro. Assim, é de grande relevância estudar os princípios da isonomia
e da capacidade contributiva, bem como da ideia de justiça fiscal, instrumentos que
são capazes de auxiliar na efetivação de uma nova estrutura de tributação mais
justa e igualitária.
Este trabalho se propõe a fazer uma abordagem, sem pretensão de ser
acabada, dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da justiça fiscal e
social, através de uma análise do conceito dos referidos institutos, valendo-se, para
tanto, do nome de autores doutrinadores respeitáveis, na busca de edificar um
assentimento mais envolvente, avaliado e consciente dos mesmos.
Em verdade, tais institutos estão intimamente relacionados, de modo que é
essencial estudá-Ios em conjunto. Isso porque, em última instância, a justiça fiscal
nada mais é do que uma sobrecarga equitativa dos contribuintes, na proporção de
sua capacidade contributiva. Em outras palavras, é a materialização do princípio da
igualdade em matéria de arrecadação tributária, visando prover as necessidades do
Estado sem sobrecarregar a população. Assim, a aplicação da capacidade
contributiva é um eficiente meio de promover a justiça fiscal, o que, por sua vez, tem
como consequência a justiça social, reduzindo desigualdades sociais, em benefício
ao princípio da igualdade.
É conveniente salientar que independentemente do raciocínio de cada um, os
componentes de uma sociedade creem e protegem a criação e a manutenção do
Estado, assim como a instituição de um Contrato Social. Manter o Estado tem um
custo, que deve ser exigido de todos com igualdade e justiça respeitando sempre a
capacidade contributiva de cada contribuinte, para que através da justiça fiscal se
realize a justiça social.
Assim, o presente artigo tem como objetivo, também, analisar e investigar a
justiça fiscal, a capacidade contributiva em face do princípio da justiça social e os
seus fundamentos como ordem social e a sua concepção.
Dessa forma, é importante observar que a justiça social está estreitamente
ligada à noção de justiça a qual, ao lado da igualdade, representa um dos pilares da
13
democracia e condição primordial para que os tributos alcancem o objetivo
desejado, respeitando-se sempre a garantia do mínimo existencial, que é uma
porção da renda que as pessoas devem destinar às suas necessidades vitais para a
manutenção de uma existência digna, seja ela uma pessoa física ou jurídica, sob
pena de caracterizar confisco, o que a Constituição de 1988 no art. 150, inc. IV, não
admite.
A justificativa para esta investigação científica concentra-se na necessidade
de explorar o tema no contexto atual, trazendo a discussão assunto de relevante
interesse para toda a sociedade.
O entendimento buscado nesse trabalho é analisar se justiça fiscal constitui
um meio apto à promoção da almejada justiça social levando-se em conta o princípio
da capacidade contributiva dos cidadãos.
A investigação da temática centra-se apenas no plano teórico-normativo. Por
opção metodológica, o presente estudo jurídico alicerçou-se na Constituição da
República Federativa do Brasil, que fixa os alicerces de todo o sistema jurídico.
Afinal, a justiça fiscal e a justiça social são apenas objeto de oratória ou
presentam-se como um direito estabelecido pelo ordenamento jurídico brasileiro?
Investigar qual é a contribuição da justiça fiscal para a realização da justiça social se
constitui no objetivo principal deste trabalho.
14
CAPÍTULO 1 – JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
1.1 - A VISÃO FILOSÓFICA DE JUSTIÇA
Conceituar a justiça, dentro de um universo de uma doutrina filosófica, não
considera as circunstâncias em que se desenvolveu ou as influências e as
disposições que sobre ela age, seria o mesmo que arrancá-la de sua própria razão.
A inovação trazida pelo pensamento grego após a condenação de Sócrates que o
levou a morte em Atenas no ano de 399 AC foi um acontecimento histórico que
demarcou a filosofia ocidental e estabeleceu um precedente para a formação de
seguidores doutrinados por um conjunto de princípios que deram base ao
pensamento socrático. O conflito entre o filósofo que criou e desenvolveu o método
socrático que conduzia reflexões em praça pública buscando a verdade, levou
Platão à separação dos conceitos de justiça, direito e moral, com o modo de vida
fundado na ação política educativa, partindo para o ideal duvidoso e incerto de
argumento filosófico, trazendo uma reorientação moral com o acontecimento deste
evento como fato significativo na revolução da ordem definida.
A Justiça é o motivo principal de todas as organizações de uma sociedade.
Tornando-se às vezes muito difícil separar o conceito de direito e a ideia de justiça,
pois, acredita-se que a corrente ideológica do Direito Positivo tem o aspecto de
justiça. Mas ao diferenciar o direito e a justiça de formas diferentes, não
relacionadas, este mostrará que nem sempre a justiça prevalecerá quando aplicada.
A justiça não é uma virtude como as outras, ela é o horizonte de todas e a lei
de sua coexistência, virtude completa, dizia Aristóteles.1
De modo diferente de seu mestre idealista Platão, Aristóteles foi
ideologicamente muito conservador, dando maior destaque às condições reais de
vida do homem e de suas instituições, divergindo sobre teoria das formas e ideias de
Platão, por que as mesmas eram dispensáveis para a ciência política e jurídica
existentes nas relações sociais, à época.
1 COMTE-SPONVILLE, André. Tratado das Grandes Virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 70.
15
Para Aristóteles a excelência moral precisa ser exercida com regularidade,
pois, o absoluto e pleno bem da excelência moral é a justiça, e o sentimento de
justiça é a mais nobre, sublime e superior forma de excelência moral.2
Platão assevera em sua doutrina acerca da justiça que é a sociedade política
que a legitima e justifica sua realização. Em dado momento Platão e Sócrates,
refletem na doutrina de Aristóteles, a estoica e a cristã, trazendo a perspectiva
platônica como ponto histórico relevante na criação do ideal de justiça.
Percebe-se uma grande dificuldade em conceituar Direito e Justiça, pois, ao
refletir a respeito, algumas considerações devem ser feitas quanto à mutabilidade
que existe a essa conceituação e sabe-se que nem os mais nobres pensadores
conseguiram de forma eficaz definir.
Hugo de Brito Machado dispõe que (...) não devemos nos iludir com a
possibilidade de definições. Definir é algo geralmente muito difícil. Por isto mesmo,
tudo que vamos dizer sobre o Direito há de ser entendido como simples enunciados
provisórios, sujeitos a contestações.3
Especialmente no Direito, onde as coisas se alteram muito, é deveras penoso
atribuir conceitos e definições aos institutos jurídicos.
No imperativo Grego o homem deveria sujeitar-se a ordem natural e social
sem discutir. Nessa circunstância os acontecimentos eram consequências do divino,
pois, tudo o que ocorria era dado pelo desígnio e capricho dos deuses. Acontece
que, em determinado instante ocorre uma fragmentação deste ideal, onde "o homem
é medida de todas as coisas", na célebre frase de Protágoras. Neste instante, a
fragmentação dessa ordem inevitável se faz pela declaração racional da
subjetividade e pela particularidade do indivíduo pura e simplesmente. Platão
acreditava que a justiça era a medida imposta ao homem, pois, naquela cultura, ir de
encontro com a justiça faria o homem ser merecedor dos castigos divino. No
pensamento platônico acerca da justiça, a ideia de justiça reflete como igualdade,
ponto inicial e determinante dos princípios basilares do seu pensamento filosófico.
A máxima "dar a cada um o que lhe é devido" é interpretada por Platão como
"o que convém", não estando somente no plano das relações particulares, mas
dentro da estrutura do Estado. Dentro da doutrina platônica, o conjunto concebido
2 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral e razão. 1. ed. Curitiba: Juruá. 2004. p. 56-57. 3 MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
16
por Platão dá a natureza do caráter da utilidade segundo as vocações de cada
membro tal qual como ocorre com a alma humana, em sua conceituação. Dessa
forma, aquilo que se deve aparece na medida das necessidades e capacidades de
cada pessoa, onde suas funções e aptidões, quando desempenhadas na presença
de terceiros (no Estado). Esses atributos, chamados de virtudes, definem a natureza
de cada indivíduo, sua colocação dentro do Estado segundo a sabedoria, coragem,
temperança. Assim, para Platão, quem tem coragem terá a função de defender o
Estado; aquele que detêm a temperança gerará a riqueza da polis, e, o possuidor da
sabedoria os guiará. A justiça surge como uma virtude de todos. Que a todos
pertence, onde cada indivíduo se põe em seu lugar, contribuindo para a salvação do
povo. A justiça é a virtude que une as demais, produzindo harmonia aos grupos
sociais, elaborando uma hierarquia lógica entre as classes, onde cada um conhece
seu papel de comandante ou comandado.
A justiça para Platão caminha junto à política. Sua maior preocupação é a
função política do justo e injusto. A justiça é um vocábulo mundial que dá a
conformação da ordem. Muito mais do que só receber, a justiça requer um
desprendimento do ser em doar, dar de si próprio, onde cidadão e Estado assumem
igual retorno por conta do dever com a comunidade.
Joaquim Carlos Salgado assevera que no pensamento de Platão a justiça é o
início para uma consideração a respeito da ideia de justiça como igualdade.4
Platão exibe dois entendimentos de sua concepção de justiça na obra A
República: uma é a justiça como ideia e a outra a justiça como virtude ou ato
individual. Em suas obras, Platão mostra o conceito de justiça unido com a ideia de
virtude do indivíduo ou daquele que pratica a filosofia e tem amor a sabedoria. Ao
comparar o livro VII, da República, que relata a Alegoria da Caverna em conjunto
com sua teoria da reminiscência, é possível compreender que o que assinalou na
Carta VII, que, “só conhece a justiça àquele que é justo”, ou seja, só conhece a
justiça àquele que a assimila na visão divina, pelo conhecimento do espírito e não
dos sentidos. O conhecimento verdadeiro é dado pela discussão do método mais
4 SALGADO. Joaquim Carlos. A Ideia de Justiça em Kant. Seu fundamento na liberdade e na igualdade.
Belo Horizonte: UFMG, 1995. p. 24-29.
17
eficaz de aproximação entre as ideias particulares e as ideias mundiais
desenvolvidas pela educação.5
Platão destaca o agir justo na medida em que considera o outro como
possuidor dos mesmos direitos. O outro torna visível uma dimensão exterior e o
compromisso, o acordo, o trato do homem com a sua polis. Tanto na República
quanto no Górgias, Platão destaca através de seu personagem, Sócrates, que
efetuar a justiça é melhor que recebê-la, e sofrer a injustiça é melhor que praticá-la.
Em seu livro A República, explana que a melhor maneira de viver é o viver
exercendo a justiça, estabelecendo relação entre atos justos com espírito sadio. A
justiça é uma virtude que respalda e fortalece a alma. O âmago da ideia de justiça
platônica não está limitado a esse entendimento. Na República, livro I, Platão
exprime a dispersa ideia de justiça em uma definição precisa a partir da percepção
do poeta Simônides, que afirmava a ideia de justiça como dar a cada um o que lhe é
devido.6 Platão estende essa ideia para além da simples relação entre particulares e
a relaciona diretamente com a estrutura da Polis.
No dizer de Salgado:
Dar a cada um o que lhe pertence, o que lhe é adequado, explicita-se na estrutura do Estado Platônico, dividido em planos, segundo as aptidões de cada um de seus participantes, de modo semelhante ao que ocorre com a alma humana, na sua concepção. O que é devido a cada um, o que lhe pertence por natureza é o posto que corresponde às suas aptidões e a função que cada um, por força dessas mesmas aptidões, pode desempenhar no Estado.7
Platão compreende a justiça como uma preocupação política que assenta na
ideia de igualdade; uma igualdade geométrica, na medida em que garante a cada
um o que lhe é devido, segundo seus talentos. O seu conceito de justiça assume
também um caráter universal, pois, se une à ideia de representação da harmonia do
cosmos. A justiça é um acordo, um contrato do cidadão com a Cidade, onde cada
cidadão se dedica ao melhoramento do bom funcionamento da vida em comunidade
a partir dos talentos naturais de cada indivíduo. Platão constrói duas linhas do
5 PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2004. Livro VII. 6 PLATÃO. A República. LISBOA. 1993. Livro I. 332c, 433a , 433e. 7 SALGADO. Joaquim Carlos. A Ideia de Justiça em Kant. Seu fundamento na liberdade e na igualdade.
Belo Horizonte: UFMG, 1995. p. 27 e Platão. A República. LISBOA, 1993. 433ª.
18
conceito de justiça: a justiça como ideia orientadora do direito e da lei, e a justiça
como virtude orientadora e determinada pela lei.
Em A República, Platão desenvolve um conceito de justiça retributiva e
transcendente. O mito discorre sobre a história de um guerreiro de nome Er que
experimenta a experiência da justiça como prêmio, galardão no além-túmulo,
observou que as almas dos injustos atravessaram uma longa experiência
vivenciando dez vezes mais todo o mal que causaram. Para Platão este é o sentido
retributivo da justiça. As almas dos justos pronunciavam em felicidade e alegria,
prêmios de uma vida virtuosa.
As almas que voltaram dos subterrâneos, após pagarem, remirem todo o mal
que praticaram, experimentaram as aflições do arrependimento, eram levadas ao
trono das Parcas: Láquesis, Átropo e Cloto para aceitarem novas vidas como
mortais. Após realizarem suas novas escolhas, tomavam da água do rio do
esquecimento, de maneira que esquecessem todas as recordações de sua vida
anterior, para renascer em uma vida nova. Muitas continuavam a praticar os
mesmos erros. Assim, verifica-se que a justiça para Platão não é deste mundo, mas
se configura como a recompensa para aquele que escolhe a vida moral e conforme
ao direito.8
Se para Platão a justiça não é deste mundo, Aristóteles trazia em seu
conceito a eudaimonia como atividade e não estado. Eudaimonia consistia na
felicidade, assim como no cultivo da inteligência, sendo consideradas as virtudes
ensinadas diferentes das éticas exercitadas.
Para o estudioso Joaquim Carlos Salgado, “o conceito de felicidade norteia
toda a ética de Aristóteles; está, porém, muito distante do hedonismo defendido por
alguns filósofos gregos como Eudóxio e Epicuro. Se ela se realiza no que há de
mais interior da alma (principalmente quando se realiza na sua plenitude, na esfera
intelectual), o prazer não tem qualquer função na determinação da ideia de
eudaimonia, visto que exterior.”9
Para Aristóteles, o bom tem bondade; o vivo tem vivacidade. O conceito
aristotélico de “supremo bem” está pautado na racionalidade, que é a inteligência
(deus).
8 PLATÃO. A República. LISBOA, 1993. Livro X. 9 Ibid., p. 30.
19
A ética de Aristóteles tem como finalidade a busca do bem, esse mesmo bem
supremo é propósito do Estado: o bem comum. É com este objetivo que o ser
constrói sua felicidade no meio social, em acordo com o interesse da sociedade.
Para o estagirita a igualdade é a união entre a esfera interna e externa da
norma, no qual o conceito aristotélico é trabalhado na definição da justiça.
No pensamento Aristotélico, a filosofia é fundamentalmente teórica e deve
decodificar o quebra-cabeça do universo, em face do qual a atitude inicial do espírito
é o espanto do enigmático. O seu desafio principal é o problema do ser, não o
problema da vida. O objeto próprio da filosofia, em que está a solução do seu
problema, são as essências imutáveis e a razão última das coisas, isto é, o universal
e o necessário, as formas e suas relações.
O mundo é imaginado por Aristóteles de forma finalista, onde cada coisa tem
uma atividade determinada por seu fim. O bem é a integridade, é a inteireza da
essência, aquilo a que todas as coisas tendem, seja na ciência ou na arte. Assim, o
fim da medicina é a saúde, e o fim da estratégia é a vitória. Entretanto este bem é a
felicidade, compreendida não como um estado, mas como um processo, uma
atividade através da qual o ser humano alarga, acrescenta da melhor maneira
possível suas virtudes, discutidas por Aristóteles na obra Ética a Nicômaco. As
virtudes são um arranjo de caráter cuja finalidade é a promoção da perfeição do
homem, enquanto ser racional. A virtude consiste em um meio-termo entre dois
extremos, entre dois atos viciosos, um caracterizado pelo excesso e outro pela falta,
pela escassez.
Seu mestre Platão dá um alicerce posicionando a justiça como uma virtude
universal com características psicológicas, políticas, éticas e jurídicas. É a justiça
que garante a unidade do todo e que permite e sistematiza toda a harmonia e
hierarquia do todo social que é a comunidade. O ponto de vista deste filósofo grego
conjuga-se com várias outras virtudes morais, tais como, a temperança, fortaleza e
prudência, para o indivíduo e para a sociedade. Traduz-se nas virtudes morais.
A justiça é uma virtude e cabe aqui defini-la no que se baseia a virtude. No
livro II de Ética a Nicômaco, Aristóteles a coloca como um hábito, não sendo esse
algo natural ao ser humano, nato. “Não é, portanto, nem por natureza nem
contrariamente a natureza que as virtudes se geram no indivíduo; a natureza dá ao
ser a capacidade de recebê-las, e tal capacidade melhora com o hábito”. É fato que
o ser humano tem uma aptidão natural (a nível de capacidade) para adquiri-la, mas
20
não existe uma exigência da natureza. Semelhante à técnica, o exercício é requisito
sem o qual pára o desenvolvimento de toda a virtude. “Além disso, toda virtude é
gerada e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios, do mesmo modo
como acontece com toda a arte: tocando a lira é que se formam os bons e os maus
músicos. Isso se aplica rigorosamente aos arquitetos e a todos os demais;
construindo bem, tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus”. 10
Para Aristóteles o Direito Natural é o conjunto de princípios que detém a
mesma autoridade em todas as partes não importando a dificuldade. Como Direito
legal deriva-se de acordo entre as partes ou numa declaração legislativa. Provindo
de uma convenção, o estabelecido nem sempre corresponde ao conceito de justo
nos princípios da lex naturalis , as supremas virtudes derivadas da ética em sua
essência.
O homem, em seu estado de natureza, dotado de liberdade necessária e
total, procurou, na medida do que lhe era condição possível, determinar seus valores
e destes construiu uma tábua de valores caros a todos os seres humanos em
sociedade, cujo amparo reside no entendimento de sua aprovação dos líderes.
Deste conjunto de valores, que escrevem o regramento, que visam assegurar as
condições de conservação, organização e desenvolvimento do grupo, intitula-se o
direito.
O direito natural abrange um sistema de normas de conduta entre sujeito e
sujeito ou entre sujeito e objeto distinto do sistema constituído pelas normas do
direito positivo. Ele tem validade em si, é anterior e superior ao direito positivo e, em
caso de discórdia ou contenda, deve predominar.
As normas que o concebem, no decorrer da história, procuraram
esclarecimento em três fontes diferentes: a) a de uma lei definida por vontade divina
e por esta divindade revelada aos homens; b) a de uma lei proveniente da natureza,
comum a todos os seres vivos, através do instinto; c) a de uma lei inspirada pela
razão, exclusiva do homem, que a localiza de maneira independente dentro de si.
São explicações bastante diferentes, mas que se encontra em um ponto. Todas
compartilham da ideia de que o direito natural é um sistema de normas anteriores e
superiores à do Estado, a cujo poder fixam um limite invencível. As normas jurídicas
10 ARISTÓTELES. A Política. [Tradução: Torrieri Guimarães]. São Paulo, Martin Claret, 2002. p. 40- 41.
21
e ações políticas dos Estados, sociedades ou indivíduos que se oponham ao direito
natural, são consideradas ilegítimas, podendo ser discutidas pelos cidadãos.
Por conseguinte a Justiça distributiva na cosmovisão de Aristóteles se dá pela
partilha dos bens e recursos comuns.
Para a justiça era um justo meio, e para atingi-lo entre o excesso e a falta, ser
justo era não exceder às coisas e nem faltar. A justiça para Aristóteles pode ser
adquirida pela virtude.11
Deve se observar uma igualdade proporcional levando em consideração a
situação das pessoas, dividindo os benefícios de acordo com o seu mérito, e os
encargos de forma proporcional à sua capacidade. O resultado deve ter por base o
critério individual, assim como na estipulação do salário a ser pago ao trabalhador.
O homem sendo um "animal político" por natureza formou primeiramente a
família, base da polis, e em seguida inserido no direito natural vem também à
propriedade, que é de grande relevância, um elemento inerente à agregação do
homem. Assim a degradação inerente da sociedade aliada com a evidência cria um
ambiente propício para a desigualdade material onde novamente a quantidade faz a
diferença entre os elementos residentes em um mesmo ambiente. Divide-se aos
seus membros aquilo que pertence a todos, assegurando-lhes participação
igualitária no bem comum, de acordo com o merecimento e capacidade individual de
cada um.
Justiça é semelhante ao estado de espírito que nos torna capazes de praticar
atos justos, e aquele que não respeita a lei comete o inesperado, o injusto, que é
apoderar-se da coisa de outrem.
O meio termo inerente a justiça é a sua própria essência, justiça enquanto
virtude. 12
O homem de interesse do direito não é o homem natural, mas aquele que vive
em sociedade. Importa ao direito à realidade social que é diferente e dinâmica. O
resultado disso é uma desproporção, uma oposição entre a regra e as necessidades
do indivíduo em sociedade, revelando-se as normas rigorosas demais para um caso
específico.
11 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco Livro II. Trad. Pietro Nasseti. São Paulo: ed. Martin Claret,
2007.1106a20. p. 47. 12 Ibid., 1107a. p. 49.
22
A principal função da equidade é atenuar, e mesmo eliminar esta oposição.
Trata-se, na verdade, de “humanizar” o direito positivo e de flexibilizar a rigidez
exterior das regras jurídicas.
Aristóteles comparava a equidade à “Régua de Lesbos”, régua especial da
qual se serviam os operários para mensurar certos blocos de granito; elaborada por
metal flexível, ajustava-se às irregularidades do objeto; “a régua adapta-se à forma
da pedra e não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos”. Assim
como a régua de Lesbos é flexível, a equidade não mede apenas aquilo que é
normal, mas também as variações e curvaturas inevitáveis da experiência humana.13
As demonstrações de desenvolvimento das capacidades vividas na essência
e cultivadas pela sociedade grega antiga procuram um argumento do equilíbrio, da
simetria, da harmonia, dentro de um pluralismo. A filosofia é vista como a procura do
modo de ser do próprio existente humano, a oratória de lado a lado dos retóricos, e
por fim o teatro em suas mais variadas formas de representação trágicas.
O resultado desta interação trouxe um desenvolvimento ao homem enquanto
ser pensante, que se ampliou para responder. Pode-se afirmar que o direito grego
foi retirado da rotina da prática derivada da experiência comum, uma vez que a
realidade da prática forense fundava-se na aplicação dos preceitos políticos criados
em seu sentido mais amplo, através da criação legislativa e dos costumes. Este
olhar coordenado do todo teve uma enorme contribuição no plano teórico, uma vez
que o ideal grego que visava à formação geral e integral do homem social fundiu a
cultura e consolidou normas e princípios que consideram a política e a moral em
acordo com aquilo já estabelecido em matéria filosófica.
A filosofia foi marcante no pensamento grego no que diz respeito ao direito,
com a introdução do sentido de justiça na ordem social, achando apoio na
aprovação do cidadão, onde o direito e justiça são termos utilizados com a mesma
finalidade.
O pensamento aristotélico sobre justiça deve ser estudado sob três ângulos:
sob o ângulo do historiador que situa o autor em um contexto preciso; em segundo,
sob o ângulo do sociólogo, que vislumbra o condicionamento cultural e o intercâmbio
entre sociedade e homem; no final, sob o ângulo do filósofo, que manipula os
13 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo. Nova Cultural: 1996. p. 213.
23
instrumentos da razão para a adequada interpretação em consonância com a teoria
e os princípios gerais elaborados pelo pensador.
Aristóteles escreve sobre justiça nos livros V a VII, de sua “Ética à Nicômaco”.
Referindo-se à justiça e à injustiça, deve-se perguntar com qual natureza de ações se
refere, entre quais limites o ato justo é a mediania, a ponderação. O filósofo grego
define a justiça como sendo “aquela disposição de caráter que torna as pessoas
propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo; e
de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e
a desejar o que é injusto”.14
O pontapé inicial são as interpretações em que se diz que um homem é
injusto. Para ele tanto o homem que desrespeita a lei como o homem que tudo
deseja a qualquer custo e o desonesto, ambos são injustos, de maneira que, tanto
aquele que cumpre a lei, como o homem honesto obviamente serão justos. O justo,
portanto, é aquele que obedece e respeita a lei e é íntegro, e o injusto é o homem
sem lei e desonesto. [...] Desse modo, como o homem sem lei é injusto e o
cumpridor da lei é justo, evidentemente todos os atos de acordo com a lei são atos
justos em certo sentido, pois, os atos prescritos pela arte do legislador são conforme
a lei, e se diz que cada um deles é justo.15
Por isso, Aristóteles considera que somente a justiça, entre todas as virtudes,
é o “bem de um outro”, pois, se envolve com o próximo, realizando o que é
proveitoso ao outro, quer seja um governante, ou um membro da comunidade.16
O homem excessivamente ruim é aquele que pratica a sua deficiência moral
tanto em relação a si mesmo, quanto em relação aos seus amigos; e o melhor dos
homens é aquele que não exerce a sua virtude em relação a si.
Em Aristóteles verifica-se que justiça não pode ser neutra, mas que suas
discussões sejam “debates sobre a honra, a virtude e a natureza de uma vida boa”.
Para ele, “justiça é dar às pessoas o que elas merecem, dando a cada um o que lhe
é devido”, envolvendo “as coisas e as pessoas a quem elas são destinadas”. Por
exemplo, distribuir flautas aos melhores flautistas, pois devem ser tocadas e
produzirá sons agradáveis aos ouvidos.17
14 Ibid., p.103 15 Ibid., p.104. 16 Ibid., p.105. 17 SANDEL, Michael. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. p.234.
24
Aristóteles escreveu a respeito da justiça distributiva, que é o elo do primeiro
termo de uma relação de uma coisa com outra ou com um todo, e do segundo com o
quarto, e o justo neste sentido é a mediania, e o injusto é o que infringe a proporção,
pois, o proporcional é o intermediário, e o justo é o proporcional. [...] Não é uma
proporção que não pára, visto que o segundo e o terceiro termo tem
correspondência com alguém que aceita parte de algo e à participação na coisa, e
não podemos adquirir um termo fim que represente uma pessoa e uma coisa.
Escreveu também sobre a justiça corretiva que ocorre em transações
voluntárias e involuntárias. A justiça que ocorre em transações entre pessoas
constitui espécie de igualdade, enquanto a injustiça nessas relações é uma espécie
de desigualdade, de acordo com uma proporção aritmética.18
Aristóteles mostra que o termo “ganho aplica-se geralmente a tais casos,
embora não seja apropriado a algum deles [...] e perda se aplica à vítima.19 Assim,
uma vez apreciado o dano, um é chamado perda e o outro, ganho”. Aristóteles
mostra o meio termo entre os dois é [...] o igual, que chamamos justo; portanto, a
justiça corretiva será o meio termo entre perda e ganho.20 [...] Portanto, o maior
excede o meio termo somente em uma parte, e o meio-termo excede aquele do qual
foi subtraída a parte em somente uma parte. Isso nos demonstra que devemos tanto
subtrair daquele que tem mais como acrescentar àquele que tem menos; e a este
último devemos adicionar a quantidade pela qual o meio-termo ultrapassa o limite, e
subtrair do maior o seu excesso em relação ao meio-termo. Assim, a justiça é uma
espécie de meio-termo, por se relacionar com “quantidade intermediária, ao passo
que a injustiça se relaciona com os extremos”. Justiça é o que o homem justo
pratica, por escolha própria, ao distribuir, entre si mesmo e outras pessoas, não mais
do que lhe convém e nem menos do que convém ou não ao seu próximo. É aquele
homem que distribui igual e proporcionalmente, entre outras pessoas. Por outro
lado, a injustiça guarda uma relação semelhante para com o injusto, excesso e
deficiência, contrários ao útil ou prejudicial. Por causa disso, a injustiça é “excesso e
falta, que conduz ao excesso e à falta [...]. Na ação injusta, ter muito pouco é ser
vítima de injustiça, e ter demais é agir injustamente.”21
18 Ibid., p.109. 19 Ibid., p.110. 20 Ibid., p. 111. 21 Ibid., p. 115.
25
Os atos justos acontecem na relação de pessoas que participam de coisas
boas em si mesmas e podem tê-las em excesso ou de menos. Por conseguinte, a
justiça é algo essencialmente humano.22 Para Aristóteles, a justiça é uma questão
de adequação, ideia imediata e intuitiva não muito aceita pelas teorias políticas
modernas.
Michael Sandel escreveu sobre três abordagens da justiça. Uma delas diz que
justiça significa dar o valor mais alto, a maior importância à utilidade ou ao bem-
estar, ou seja, dar a máxima felicidade para o maior número de pessoas. A segunda
delas relata que justiça significa ter respeito e consideração à liberdade de escolha,
tanto as escolhas reais que as pessoas fazem em um livre mercado, quanto às
escolhas que se fundamentam em suposições que as pessoas acham possíveis,
mas não certas, mas que deveriam fazer na posição original de equidade. A terceira
diz que justiça compreende o efeito de cultivar da virtude e a preocupação com um
conjunto de boas ações da comunidade. O autor é a favor de uma versão da terceira
abordagem. A abordagem utilitária contêm imperfeições, vícios, por fazer da justiça
e dos direitos uma pergunta de cálculo em vez de princípio, sem julgar diferenças
qualitativas.23
O utilitarismo se soluciona com as teorias baseadas na liberdade, já o
libertarismo, não. Ainda que tenham entre si uma opinião quanto às quais direitos
devem ter maior peso do que as considerações utilitárias, concordam que certos
direitos são essenciais e devem ser referenciados.
De acordo com essas teorias, o valor moral dos alvos perseguidos, o sentido
e importância da vida, a qualidade e o caráter da vida comum que compartilhamos
estão localizados fora do controle da justiça. Para Michael Sandel essa percepção é
errada, pois, não se pode alcançar uma sociedade justa simplesmente maximizando
a utilidade ou garantindo a liberdade de escolha. Para Sandel, “alcançar um
sociedade justa, precisa que todos pensem juntos sobre o real significado da vida
boa e criem uma cultura pública que aceite as divergências que inevitavelmente
ocorrerão”. 24
Interrogações sobre justiça não se separam de variadas concepções de honra
e virtude, orgulho e reconhecimento. Justiça é a forma correta de repartir e também
22 Ibid., p. 124. 23 Ibid., p. 321. 24 Ibid., p. 322.
26
de verificar a aquisição de competências e habilidades das coisas. Se uma
sociedade justa exige um raciocínio conjunto sobre a vida boa, resta questionar que
tipo de discurso político nos levaria nessa direção. Sandel admoesta algumas
sugestões ilustrativas.25
Sugere o que chama de política do bem comum: se uma sociedade justa
procura sentimento de comunidade, precisa descobrir uma forma de granjear nos
cidadãos uma preocupação e dedicação ao todo, ao bem comum. Não pode haver
indiferença “aos hábitos do coração que os cidadãos levam para a vida pública, mas
precisa encontrar meios de se afastar das noções da boa vida puramente egoístas e
cultivar a virtude cívica”.26
1.2. A JUSTIÇA PARA O DIREITO
A Introdução ao Estudo do Direito conceitua que Direito é uma espécie das
normas que regulam a conduta e as relações humanas entre os indivíduos de uma
sociedade ou, entre estes e o Estado. O Direito é, na sociedade moderna, uma
espécie de imposição de normas de conduta social essencial ao bem comum e a
pacificação das lutas sociais. São normas que sistematizam as normas para haver
equilíbrio nas relações Estado-cidadãos. Estas normas podem ser impostas
coercitivamente pelo Poder Público. Elas disciplinam e protegem os interesses ou
regulam as relações jurídicas.
Deocleciano Guimarães ressalva que:
o Direito se presta a sistematizar as normas criadas no sentido de regular as relações humanas, prestando-se num primeiro momento a regular a relação humana para com o Estado e posteriormente a regular as relações humanas consideradas entre si. Contudo, nesse primeiro sentido, percebe-se que existe uma confusão entre moral e direito, haja vista que tanto um quanto o outro instituto visam regrar as relações humanas numa perspectiva de convívio.27
Outra expressão que aparece e, com efeito, se faz evidente no ordenamento
jurídico brasileiro é relativo a chamada liberdade negativa que, para Hobbes, é a
25 Ibid., p. 323. 26 Ibid., p. 325. 27 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 13. ed. São Paulo: Rideel, 2010. p. 282.
27
liberdade que as pessoas possuem de fazer tudo àquilo que não está prescrito em
Lei, ou seja, para que uma conduta seja vedada ou ilegal necessita estar tipificada
em lei de forma a intimidar o agente mediante punição no caso de desobediência.
O Direito aparece em consonância com a visão de Hobbes a respeito do
homem e da sociedade. Todas as coisas serão construídas a partir dos indivíduos.
O estado de natureza é o estado no qual todos os homens estariam
separados e isentos de qualquer vínculo social. E é nessa condição dos indivíduos
que se construirá a ordem, ou seja, a partir de um contrato social. No estado de
natureza de Hobbes o direito válido, é o que estaria atrelado à condição de natureza
do indivíduo.
Na sua construção sobre o estado de natureza, não existe, nesse estágio,
nenhuma lei que regulasse as relações entre os indivíduos da qual pudesse originar
o direito. Para Hobbes, a lei natural, não é senão uma lei intestina de cada indivíduo,
a qual está presente em sua própria consciência e que o leva a portar-se segundo
sua razão. A fonte do direito, portanto, é subjetiva, por estar dentro de cada
indivíduo natural e assim sendo esse direito é infinito. É o direito sobre todas as
coisas, onde o homem é guiado por seus desejos. Para o autor, o Direito num
primeiro momento, então, relaciona-se à noção direta de poder e liberdade, só
depois sendo positivado pelo Leviatã. Mas a principal questão que se coloca no
estado de natureza é que, como nesse imenso mar de direitos, o corpo do outro
indivíduo pode ser a minha vontade, consequentemente nenhum homem poderia
viver seguramente.
Em Hobbes todo o direito é construído, por graus sucessivos, a partir do
direito subjetivo. E é para garanti-lo que o soberano encontra legitimidade. É por isso
que Hobbes é interpretado como precursor do positivismo jurídico que atribui às leis
o sentido de ordenação e segurança social, e a fonte e origem da justiça.
A partir desse momento, romper o pacto passa a representar um ato de
violência, de injustiça e romper o pacto é injusto porque o Leviatã representa a
consolidação de todas as células do corpo social composto pelos indivíduos. A
justiça emerge das relações sociais regradas e só passa a ter existência em
sociedade, e assim sendo cabe ao soberano dar o seu significado. O direito para
Hobbes não é mais a ciência da justiça, é sim uma ciência da promoção do justo
ideal ou da garantia de meio-termo. Para ele a justiça é resultado do cumprimento
das leis postas pelo poder soberano, contrariando Aristóteles para quem a justiça
28
era o princípio a partir do qual o direito surgiria com a função de garanti-la.
Diferencia-se também em relação a Platão, para quem a justiça estava presente no
mundo das ideias, e seria encontrada pelos filósofos. Nada mais estranho em
Hobbes do que a ideia de justiça social, de justiça distributiva, de partes justamente
distribuídas entre membros de um grupo social.
Para Hobbes o homem é mau, nasceu mau e por causa do seu egoísmo e
ganância não é confiável, é conforme a célebre frase Hobbes: “o homem é o lobo do
homem”, vivendo no estado de natureza, não tem qualquer segurança sobre seus
bens ou sua vida, vive sob constante ameaça, pois cada um faz o que bem entende
sem respeitar os anseios e as necessidades do outro.
Os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade, por causa da luta de
todos contra todos não são respeitados, não há leis nem qualquer poder superior
que venha a garantir e salvaguardar estes direitos. O medo e a insegurança são
constantes, o que existe é o estado de guerra de todos contra todos, que agem de
forma preventiva, buscando tomar aquilo que considera seu antes que os outros
façam o mesmo.
Por causa desta insegurança e do racionalismo humano, os homens se unem
para a criação do Estado, que irá garantir os direitos naturais, principalmente a
segurança através de um contrato social, transferem para um único indivíduo ou
instituição toda autoridade para agir e centralizar a toda a força. Sendo, portanto,
Hobbes, um defensor do absolutismo, que considerava que o Estado seria
estritamente racional, livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo.
O Estado, criado pelos homens, que abrem mão de sua autonomia ou
soberania e liberdade, em prol da segurança tão almejada, é representado por
Hobbes em seu livro Leviatã, onde o “grande Leviatã” seria um homem artificial, de
maior estatura e força do que o homem natural, e foi criado justamente para proteger
o homem natural. O Leviatã surgiu do acordo voluntário entre os homens e a melhor
forma de governo seria a monarquia, sem a presença de um parlamento, pois este
iria dividir o poder e seria um atrapalho para o Leviatã e levaria a sociedade ao caos.
No ano de 1690, Locke publica uma obra intitulada “Segundo Tratado do
Governo Civil” discordando de Hobbes de que os homens viviam em guerra
contínua. Dizia ele que Deus criou o homem como um ser sociável para viver
naturalmente em paz e colaborando uns com os outros.
29
Para Locke, ainda que houvesse uma perfeita liberdade no Estado de
Natureza, não imperava a permissividade como afirmava Hobbes, pois, o homem é
dotado de razão e a consonância com a lei natural fazia com que vivessem
harmonicamente. Desfrutavam de liberdade plena para dispor de si próprios, e de
seus bens e não tinham o direito de matar outra pessoa, exceto para se defender ou
defender outro e sua propriedade. Não tomavam os bens uns dos outros.28
Em vista disso, Locke é um poderoso aliado do libertário. Primeiro ele acredita
como os libertários de hoje acreditam que existem certos direitos naturais
fundamentais que são tão importantes que nenhum governo, nem mesmo um
governo representativo, democraticamente eleito pode anulá-los. Além disso, Locke
acredita que esses direitos fundamentais incluem um direito natural à vida, à
liberdade e à propriedade. E mais, ele alega que o direito à propriedade não é
meramente uma criação do governo ou da lei, e sim, um direito natural no sentido de
que é pré-político. É um direito que se vincula aos indivíduos como seres humanos
antes mesmo de o governo entrar em cena, antes mesmo de os parlamentos e
legislaturas criarem leis para definir e garantir direitos. Locke diz que para pensar o
que significa ter um direito natural tem-se de imaginar como as coisas são antes do
governo, antes da lei.
Para Locke, o estado de natureza é um estado de liberdade, onde os seres
humanos são livres e iguais. Não existe hierarquia natural, são todos livres e iguais
e, mesmo assim, ele levanta a questão de que há uma diferença entre um Estado de
Liberdade e um Estado de Permissão.29 E a razão é que mesmo no Estado de
Natureza, há algum tipo de lei a essa lei limita os ações, não permitindo que um
tome o que é do outro. Sob a Lei da Natureza, ninguém é livre para tirar a vida, a
liberdade ou a propriedade de outra pessoa não é livre sequer para tirar a própria
vida, liberdade ou propriedade. Não se é livre para violar a Lei da Natureza,
escravizando outros ou dando a terceiro poder absoluto sobre si. Essa restrição
natural vem do entendimento de que “os homens, sendo todos a obra de um Criador
onipotente e infinitamente sábio, chamado Deus, são propriedade dele, como obra
dele, são feitos para durar por sua vontade e a de mais ninguém”. Dessa forma,
ninguém pode abandonar seu direito natural de vida, liberdade e propriedade.
28 LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. Tradução brasileira por Magda Lopes e Marisa
Lobato Costa, 4. ed. São Paulo: Editora Vozes, 2006. p. 7. 29 Ibid., p. 7.
30
Sendo que o direito à propriedade, para Locke, é o mais importante, pois
mesmo vivendo sob o Estado de Natureza e sob as Leis de Deus, esta propriedade
já é reconhecida e respeitada por todos, e ninguém ultrapassa os limites do outro.
Existe, ainda, outro direito importante para Locke, que é o direito natural de
punir, portanto, vivendo sob o Estado de Natureza os homens são bons, respeitam a
propriedade uns dos outros, mas caso esse direito não seja respeitado, terá o seu
proprietário o direito de punir de forma proporcional, ou seja, gerando na
propriedade do outro o mesmo dano sofrido.
Locke justifica a necessidade de criação do Estado e do Contrato Social em
três elementos, que faltam no Estado de Natureza: a) Leis estabelecidas, recebidas,
conhecidas e aprovadas pelo próprio ser humano, pois o mesmo não é livre uma vez
que está submetido às leis da natureza e às leis de Deus; b) Juiz imparcial para
julgar os eventuais conflitos; c) Poder coercitivo, a força física que vai por em prática
o que foi julgado, fazer com que a punição seja concretizada.
O Estado vai surgir para garantir a boa vida que o indivíduo já tem no Estado
de Liberdade e tem como base o consentimento. Os direitos naturais são cedidos ao
Estado que irá agir em nome dos indivíduos que permanecem titulares desse direito.
Locke é precursor da ideia da separação dos poderes, pois o poder não pode
ficar concentrado nas mãos de um único indivíduo ou grupo, pois o Estado apenas
representa o indivíduo que permanece titular do direito e cedem seus direitos por
meio das eleições e para Locke, o Estado deve ser mínimo e não intervencionista,
irá agir apenas quando houver conflitos entre os indivíduos.
John Locke, certamente, foi o arauto do liberalismo, não apenas por exigir a
liberdade política, mas por ter sido o primeiro codificador, no seu período cultural.
Pois da teoria de Estado por ele proposta resta a garantia obtida para os direitos
naturais pela Sociedade política, distinta do governo, donde se conclui que o
consentimento do povo que é dado a um governo é sempre condicionado à boa
conduta da autoridade a quem o poder é concedido e limitado pelos direitos
inalienáveis à vida, à liberdade e à propriedade, donde deve haver uma harmonia
natural e espontânea entre as exigências do interesse individual e as do interesse
geral preconizadas pelo Estado que representa o pensamento liberal.
Locke dá enorme atenção à propriedade, e desenvolve a sua notória teoria
para explicar a origem e o valor da mesma. Para muitos uma apologia da moral dos
ricos e da burguesia capitalista. A “Propriedade”, para Locke, em sentido amplo e
31
geral, implica “vida, liberdade e terra” e, num sentido mais fechado, bens, o direito à
herança, e a capacidade de ajuntar riquezas.
Levemos em consideração que, de acordo com as leis inglesas vigentes a
época, os homens apenados por um delito maior deviam entregar suas posses ao
Estado e muitas famílias ricas foram à ruína em consequência da condenação de
algum de seus membros. No sentido de eliminar qualquer intromissão dos
governantes na propriedade privada, Locke afirmava que esta precede o
estabelecimento da sociedade política ou governo, e seu empenho foi no sentido de
demonstrar que os homens podem se tornar proprietários “daquilo que Deus deu em
comum à humanidade, e isso sem nenhum pacto expresso por parte de todos os
membros da comunidade”. Dessa forma, a propriedade privada já existia no estado
de natureza, antes da organização da sociedade, e nenhum poder supremo “pode
tomar de homem algum nenhuma parte de sua propriedade sem o seu próprio
consentimento”, já que os “homens entram em sociedade para preservar sua
propriedade”.
Para Locke o direito de propriedade tem um caráter absoluto e não podendo
ser renunciado: existe no estado de natureza e, uma vez constituída a sociedade
civil, o fim do governo será a preservação da propriedade. Um sargento pode obrigar
um soldado a marchar até a boca do canhão e um general pode condená-lo a morte,
mas nenhum dos dois pode dispor de sua fazenda, arrebatar parte dos seus bens ou
tirar um só centavo de seu bolso. Locke proclama também um direito natural à
herança. Em consequência, todo homem tem direito a terras que nunca trabalhou a
bens que nunca comprou, e a sociedade política, portanto, está obrigada a proteger
seus direitos sobre o trabalho de outros.
Os homens só entraram em sociedade para preservar sua propriedade, ou
seja, à sua vida, à sua liberdade, e os seus bens; porém, o que acontece se esse
propósito não é cumprido? Para Locke, “sempre que tais legisladores tentarem violar
ou destruir a propriedade do povo ou reduzi-lo à escravidão sob um poder arbitrário
colocar-se-ão em estado de guerra com o povo, que fica, a partir de então
desobrigado de toda obediência”. Se um governo ou um particular fizer uso da força
sem ter o direito de fazê-lo, “como todos aqueles que o fazem na sociedade contra a
lei, coloca-se em estado de guerra com aqueles contra os quais a usar”.
32
A maior das revoluções não é, então, causada pela ignorância dos povos ou pela vontade de eliminar seus governantes, ela nasce dos governantes ao obter e exercer o poder arbitrariamente sobre o povo, e, “todo aquele que, governante ou súdito, pela força empreende invadir os direitos do príncipe ou do povo e lança as bases para a derrubada da constituição e da estrutura de qualquer governo justo, é culpado do maior crime, penso eu, que um homem é capaz de cometer”. Para Hobbes o mal maior não esta na anarquia e sim no despotismo, na opressão e, sobretudo, numa péssima conduta do soberano. Os homens renunciam à sua liberdade natural para terem segurança e viverem em paz, tendo protegido seus direitos fundamentais à vida, à liberdade e à propriedade. (vida, liberdade e bens).30
Os revolucionários americanos da época de 1770 citavam com constância um
parágrafo do Segundo tratado de Locke, onde este negava a justificação do governo
em fixar impostos sem a vontade da maioria de seus representados, pois isso,
segundo Locke era um ataque à propriedade individual e assim diz o texto: “o poder
supremo não pode tomar de homem algum nenhuma parte de sua propriedade sem
o seu consentimento”.31
Locke, então, inaugura em sua obra, o liberalismo, delineando seus contornos
essenciais até o presente e mostrando a maioria dos temas tratados posteriormente:
direitos naturais (humanos), liberdades individuais e civis, governo representativo,
mínimo e constitucional, separação de poderes, executivo subordinado ao
legislativo, santidade da propriedade, laicismo e tolerância religiosa. Entre as
contradições, ambiguidades e pontos negros em sua obra, seu pensamento político
continua sendo uma das bases fundamentais do Estado liberal democrático
contemporâneo.
Observando a obra de Locke, quando ele atribui ao Estado a
responsabilidade pela vida dos súditos ele inclui não somente a sua condição de
vida, mas, as coisas que se referem à vida, tais como a liberdade, a saúde física, a
libertação da dor, a segurança, e poderíamos acrescentar essas obrigações do
Estado para com os súditos de acordo com a necessidade de cada contexto
histórico-social, como, por exemplo, o direito à educação, ao trabalho e ao lazer.
No pensamento dele a estrutura social se inicia com a colocação do indivíduo
como ponto inicial na feitura de uma doutrina política, moral e do direito, planejando
uma sociedade civil em acordo com as necessidades e interesses daqueles que a
30 LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. Tradução brasileira por Magda Lopes e Marisa
Lobato Costa. 4. ed. São Paulo: Editora Vozes, 2006. p. 73. 31 Ibid., p. 73.
33
constituem, seus cidadãos. Assim Locke e a doutrina jus naturalista pressupõem
que, a condição mínima para que a ordem civil garanta direitos básicos aos cidadãos
é que a mesma seja consequência do consenso dos cidadãos que a compõe.
Somente homens livres e iguais legitimarão esta ordem social e política, cujos
interesses e necessidades insiram-se nas leis vigentes. Desta forma, John Locke
entende que o governante deve agir tendo em vista o bem do povo para que possa
existir a mútua confiança entre as partes32 a obediência e o envolvimento dos
cidadãos nos assuntos que diz respeito a todos.
Norberto Bobbio ressalta que Locke “o principal inspirador dos primeiros
legisladores dos direitos do homem”.33 Contudo, suas teorias são consideradas uma
secularização da ética cristã, representando em todo o contexto político da época o
começo de um pensamento que enxerga o indivíduo como dono de direitos
imprescritíveis, significando, de acordo com Bobbio, “a passagem do dever do súdito
para o direito do cidadão”.
Nas diversas concepções existentes na teoria lockeana, se destaca a ideia de
um poder não centralizado, que garanta propriedade (vida, liberdade e bens),
permitindo a participação cidadã nos assuntos políticos. Defendendo esta teoria
Locke surge como o principal representante do liberalismo. Assim, a importância de
Locke na luta pelos direitos do homem se dá pela sua reivindicação de
reconhecimento e garantia do direito natural dos indivíduos por meio das estruturas
da sociedade civil, e na sua insistência na tentativa de consolidar uma exigência
moral.
Ao utilizar o argumento da liberdade, Locke busca clarear, deixar claro o
conceito de liberdade dentro de uma ordem civil, para que não haja uma
generalização e consequentemente um esvaziamento do termo liberdade
transformando-o em apenas uma licença, de modo que a liberdade de cada
indivíduo se torne um cativeiro para todos. Para Locke a liberdade na sociedade civil
está em desfrutar da segurança das leis baseadas na prudência, no consenso, e no
consentimento do povo, não se subjugando a vontade de outro individuo. Ser livre é
32 Todo remédio que se pode conseguir é quando o príncipe faz do bem do povo a medida de suas injunções, e o
povo, sem examinar as razões, presta rápida e integral obediência, fundando as duas coisas na mútua confiança
de um para com [o] outro, que é a maior segurança e felicidade de qualquer povo, e uma benção a se aguardar
agora, senão sempre a se encontrar em meios aos inúmeros milagres que nos restaram (e esperamos que
mantenha)” (LOCKE, 2007, p.7) 33 LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo. Nova Cultural. 1978. p. 70.
34
determinar a si mesmo, é entender a liberdade fundamentada na razão aliada ao
consenso coletivo dentro dos limites do âmbito político. Locke preocupava-se em
não violar a justiça como preceito que deve nortear as ações dos homens, tanto na
política, quanto nas relações sociais mais distintas. Locke tinha a convicção que a
justiça deve ser a primeira virtude do homem em uma sociedade, e, por manter esta
convicção, o filósofo inglês preocupa-se em não legitimar, ou, institucionalizar novos
modos de agressão à vida dos cidadãos.
De acordo com Locke:
Sempre que se emprega a violência e se faz injustiça, embora pelas mãos escolhidas para administrar a justiça, ainda assim se trata de violência e dano, embora acobertada pelo nome, pretensões ou formas da lei, sendo objetivo em mira proteger e desagravar o inocente mediante a aplicação imparcial a todos quantos sob elas estão: sempre que tal não se da sinceramente, faz-se a guerra contra todos os sofredores, que, não tendo para quem apelar na terra para desagravá-los, ficam abandonados ao único remédio em casos tais – um apelo aos céus.34
Agredir a lei de razão é “declarar guerra contra toda a humanidade” 35 deste
modo, Locke mostra o caráter universal da lei de razão que é o liame entre todos os
homens. Sendo assim, se alguém, ou determinado grupo de pessoas sofre violência
injusta, não é o homem quem sofre, mas sim toda a humanidade é quem sofre na
sua pessoa, pelo reconhecimento da existência de igualdade mútua entre os
cidadãos, e o agressor dessa agressão torna-se, segundo Locke degenerado, e
abandona os princípios da natureza humana (igualdade, caridade, benevolência
etc.). Estes são os problemas que é preciso inibir com o ordenamento jurídico que
advém das estruturas sociais e políticas, porém, é preciso evitar a violência, para
que estes órgãos não se tornem violadores dos direitos do homem.
Mudar estados de miséria transformando-as em condições dignas de
sobrevivência para assegurar a dignidade humana não é questão filantrópica
governamental, mas um direito dos cidadãos e por isso, ninguém que governe deve
barganhar direitos pertencentes aos cidadãos, e os cidadãos não devem vincular o
sentimento de caridade junto às ações do governante, porém, isso não exclui que os
34 LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo. Nova Cultural. 1978. p. 41. (Coleção
Pensadores). 35 Ibid., p. 38.
35
cidadãos pratiquem a caridade em toda sociedade. Segundo Locke, no âmbito
político “A maior caridade consiste em preservar as leis e os direitos da nação à qual
pertencemos. O bom homem, o homem caridoso, deve dar a cada um o que lhe é
devido. Do rei no trono ao mendigo da rua.”36
O maior interesse de Locke é que o homem incline-se sempre rumo à lei de
consciência, para que esteja engajado nas questões políticas e sociais não somente
por temor ao castigo previsto pelas leis positivas como acontece em regimes
despóticos, mas, por consciência política e interesse comum, pois assim haverá
questões em que, “mesmo quando o magistrado silencia, a consciência obriga”.37
A teoria lockeana busca a princípio delimitar os espaços de atuação dos
vários membros da sociedade “cidadão, governante, professor e aluno”, cobrando
que cada um procure desenvolver da melhor maneira possível o seu papel e sua
parte dentro do conjunto, contudo, isso não significa separá-las, visto que elas se
interligam por interesses e necessidades.
A fundamentação político-filosófica do estado liberal era a de teóricos
modernos como Hobbes, Locke e Rousseau. Suas ideias ampliaram o movimento
prol derrocada do absolutismo, colaborando para o declínio deste e para a ascensão
de um novo modelo de Estado, fundado no individualismo econômico político.38
Para John Locke o Direito deve cuidar do bem estar material dos cidadãos
sem tomar partido em questões de matéria religiosa e certamente a justiça é o
melhor exemplo de algo que é valioso para o Direito e que, portanto, deve-ser.
Na estrutura de poder, dentro de certos limites, o estado tem o poder de fazer
leis e obrigar que sejam cumpridas.
Locke divide o poder do governo em três poderes, cada um dos quais origina
um ramo de governo: o poder legislativo (que é o fundamental), o executivo (no qual
é incluído o judiciário) e o federativo (que é o poder de declarar guerra) 39.
36 LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil; Ensaio acerca do entendimento humano. São
Paulo. Nova Cultural. 1978. p. 280. (Coleção Pensadores). .
_________Ensaios Políticos; org. Mark Goldie; tradução Eunice Ostrensky. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.
p. 280. (clássicos Cambridge de filosofia política). 37 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo; Ensaio acerca do
entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 86 (coleção os pensadores)
_________Ensaios Políticos. org. Mark Goldie; tradução Eunice Ostrensky. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.
p. 86.(clássicos Cambridge de filosofia política). 38 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo. LTr, 2006. p. 45. 39 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Tradução brasileira por Magda Lopes e Marisa
Lobato Costa, 4. ed. São Paulo: Editora Vozes, 2006. p. 74, 75, 76.
36
A forma básica da legitimidade do poder na visão de John Locke é diferente
da de Hobbes, pois para aquele o estado de guerra não se confunde com o estado
de natureza. O estado de natureza passou a existir como um estado de perfeita
liberdade e de igualdade governado unicamente pela lei da natureza. Quando os
indivíduos, por livre e espontânea vontade, resolvem fundar o poder político, visam à
segurança e proteção de seus direitos individuais e à legitimação dos preceitos de
direito natural.
Para John Locke de uma forma mais ampla, a propriedade vai além dos bens
do indivíduo, abarcando a vida e a liberdade, consideradas extensão da
personalidade do sujeito, pois tudo aquilo que o homem constrói ou extrai da
natureza por meio do seu trabalho passa a fazer parte de sua propriedade.
Paulo Bonavides40 explica que “em Locke, o poder se limita pelo
consentimento, pelo direito natural, pela virtude dos governantes, de maneira mais
ou menos utópica”, porém critica a ingenuidade do pensador em não considerar “o
princípio sábio da experiência universal, referido por Montesquieu, segundo o qual
todo poder tende a corromper-se e todos os que o possuem são levados, mais cedo
ou mais tarde, a abusar de seu emprego”.
Nas ideias de Locke se arrima, ainda que de forma embrionária, a ideia da
separação dos poderes, ao conferir ao monarca a prerrogativa. Esta era concedida
em nome do bem comum e medida pelo interesse público.
Todos têm direito à propriedade comum estabelecido na lei natural; já o que
faculta o título da propriedade privada se dá convencionalmente, o que obscurece
para o próprio Locke a ideia de justiça e injustiça, uma vez que, se a fundamentação
de um conceito tão caro à constituição de uma moral se dá por meio de uma
convenção, como acontece com a noção de justiça, o mural de valores morais de
John Locke se põe em questão.
Quando se vende moral como concessão em favor de benesses é deveras
frágil, e nem o próprio Locke no centro de seu pensamento a concebe. Fica claro, ao
longo do pensamento de John Locke, a proposta de vínculos de interesse em lugar
de valores de elevada estirpe, convenções no lugar de princípios, individualismo
mascarado de bem da sociedade.
40 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 12.
37
O melhor Estado ou Direito na visão de John Locke seria o Estado civil e o
Direito positivado, porém, existem alguns direitos naturais por ele considerados
inalienáveis: à vida, à liberdade e à propriedade.
Em cada Estado há uma filosofia do mundo que predomina – durante algum
tempo – sobre as demais filosofias. Essa filosofia predominante sobre as outras,
quando se refere à finalidade da vida social, determina o conteúdo do Bem Comum
específico ao respectivo Estado. O conteúdo desse bem comum é um complexo de
direitos e deveres originariamente naturais e posteriormente jurídicos.41
Locke fez uma distinção entre o direito de livre uso de um determinado bem e
de outro lado, o direito como regra de ação obrigatória. Não se pode separar o
direito a um determinado bem, da obrigação como regra de agir.
Locke inverteu o argumento de Hobbes ao dizer que, se o governante
contrariasse o direito natural e deixasse de proteger à vida, à liberdade e à
propriedade, as pessoas teriam justificativa para derrubar o regime.
Em 1690, John Locke publica Two Treatises on Civil Government, a carta
magna do liberalismo contratualista. O autor é categórico em afirmar que quando as
leis não respeitam os direitos de cada cidadão o Estado excede os limites de suas
funções e torna-se injusto. Para Locke, a verdadeira justiça erigia-se em um contrato
social que obrigatoriamente emanava do exercício da liberdade individual. Segundo
o pensamento liberal, há uma concepção minimalista do Estado que teria
simplesmente a missão de permitir o exercício dos direitos naturais de cada cidadão:
o direito à vida, à saúde, à liberdade e à propriedade. Estabelecia-se a prevalência
dos direitos individuais sobre o poder do Estado; a plena liberdade do contrato
substituía o velho ajuste natural.
1.3. O DIREITO E A MORAL
Hobbes afirma que todos os indivíduos têm direito à vida, e nessa afirmação
ele dá uma interpretação liberal da lei, qual seja, ninguém é obrigado a fazer o que
não está prescrito em lei. Em outros termos, cria o conceito de liberdade negativa,
41 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2. ed. São Paulo: Lejus, 2004. p. 94.
38
que permite aos cidadãos serem livres para decidir o que melhor lhes convém,
desde que, certamente, isso não for proibido pelas leis civis.42
Assim, necessário se faz realizar uma investigação sobre a ideia de moral
para a compreensão do Direito num ponto de vista mais amplo, observando a
constituição das normas de conduta social a qual o Direito busca legitimar, verificar-
se a existência da moral como uma das fontes elementares das normas jurídicas.
Dentro de uma abrangência maior se pode dizer que o Direito organiza as normas
jurídicas em consonância com a moral vigente, com os costumes da sociedade e
com o predomínio do bem comum.
A grande dificuldade recai na individualidade desses conceitos que rompem o
ordenamento e, algumas vezes, apenso a abrandar o interesse particular em
detrimento do interesse coletivo. Por causa da individualidade da moral e dos
costumes que surge o pressuposto para transformação do Direito no espaço e no
tempo.
Groppali ensina citando43 Kant e Spencer, que o direito é “o conjunto das
condições que permitem a coexistência entre os indivíduos, segundo uma lei
universal de razão”, limitando desta maneira a função do direito.
Da ideia de Kant, nascem inúmeras concepções contemporâneas para a
definição do Direito como instrumento da ordem social.
O Direito como um valor global da ideia de Justiça é, nos dias de hoje, um
conceito adequado. O Direito é sim um produto das normas sociais, dos costumes,
da moral e da cultura de um povo, entretanto, o único ponto comum que firma a
legitimação do Estado para pôr em ação o Poder Jurisdicional, isto é, de dizer o
direito, é a supremacia do interesse comum chamado de interesse público que, na
sua essência, é o que justifica e valida a existência de um Direito imposto.
No mesmo sentido, não obstante ser de extremada importância para a
sociedade, o Direito não deve se prestar a resolver todos os conflitos privados de
uma dada sociedade, primeiro porque sua teleologia essencial é o interesse público
e segundo porque essa é uma tarefa impossível de se voltar atrás. O Poder
Jurisdicional deve dar limites às questões de ordem pública, isto é, deve ser
exercido somente quando exaurir todos os outros meios de pacificação dos conflitos
42 HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. Rosina
D’Angina; consultor jurídico Thélio de Magalhães. 3. ed. São Paulo: Editora Ícone, 2014. p. 108-135. 43 GROPPALI, Alexandre. Filosofia do Direito. Campinas-São Paulo: LZN Editora, 2003. p.176.
39
sociais. Ainda que inclua também o Direito Privado, há que se tomar consciência do
fato de existir uma questão que zela fundamentalmente de interesse público que
certifica o Direito impositivo.
Nesta linha de pensamento, segundo os ensinamentos de Hugo de Brito
Machado, “a definição do Direito certamente fica a depender da postura filosófica
que adotarmos. E com certeza não será possível uma definição razoavelmente
satisfatória se não levarmos em conta o fim a que o Direito se destina. Para o qual
existe”.44 Verifica-se, portanto, que qualquer tentativa de conceituar o Direito deve
levar em apreço o fim ao qual ele se destina, isto é, qual a sua finalidade; e a
apresentação filosófica de quem o descreve, especialmente em relação à paixão e
as circunstâncias que agregam aspectos culturais e sociais num mesmo grupo,
numa mesma realidade, que este indivíduo está inserido.
Então, no âmbito da conceituação do Direito em prejuízo da visão jus
filosófica contemporânea, pode-se definir o Direito como sendo um conjunto de
normas jurídicas providas de forças, pressões e imposições impostas pelo Estado
aos particulares em defesa do interesse comum que visa regrar a relação entre os
particulares e a relação entre o particular e o Estado. De maneira geral, esse é o
conceito aqui usado, que se pode dizer ajustado nos hodiernamente para aclarar o
que é o Direito.
Direito, em seu aspecto lato sensu, é um conjunto normativo como um todo
da ciência jurídica. Porém, ao mencionar a palavra direito, tem-se o objetivo de falar
de uma prerrogativa stricto sensu, isto é, de uma faculdade conferida a um indivíduo
ou grupo de pessoas, sendo esta proveniente de entendimento normativo. Vale
ressaltar que esse entendimento refere-se a um acordo que autoriza um
questionamento mais acertado e ágil quando da criação de um estudo que tenha por
motivo as ciências jurídicas e os privilégios dela resultantes.
1.4. A JUSTIÇA
44 MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 21.
40
O conceito de Justiça surge como um desafio maior. Qual é a melhor
definição do termo justiça? A esse respeito, enquanto para outras definições é
possível conceituar de forma objetiva, a justiça, quanto sua natureza e a sua
existência abstrata, é mais difícil definir. Tratando-se, portanto, de um conceito
subjetivo e de um termo abstrato.
Nesta pesquisa, trazer a baila um conceito que seja aceito pacificamente no
consenso comum é algo, para não se dizer impossível, muito difícil. É preciso ter
cuidado e cautela ao se formar um conceito, sobretudo, em relação a um termo de
existência abstrata compreendido pela maioria dos estudiosos como uma virtude.
Para Ulpiano apud Guimarães, justiça pode ser definida como: conformidade
com o direito, o preceito legal. Equilíbrio perfeito que estabelecem a moral e a razão
entre o direito e o dever. Poder de julgar, de aplicar os dispositivos legais. A
definição consagrada é de Ulpiano: “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar
a cada um o que é seu”.45
Para Groppali o conceito de Justiça trazido por Ulpiano é uma ideia que
predomina no sistema normativo até nos dias de hoje, correlacionando-se com a
teoria de Spencer que defendia que “a justiça é determinada pela liberdade que
cada um tem de fazer aquilo que quer, logo que não ofenda a liberdade igual dos
outros”.46
A par das dificuldades e implicações elementares a respeito da justiça, é
necessário aprofundar um pouco mais a pesquisa em relação ao conceito de justiça.
Contudo, desde já se esclarece que em vista da limitação e da cautela que deve
permear a definição dos termos de existência abstrata - que são extremadamente
difíceis de serem conceituados como mencionado anteriormente – o termo “justiça”
será trabalhado não como possível de definição, mas como a ideia abstrata que é.
Assim, no desenvolvimento deste trabalho não se conceituará a justiça de forma
terminal, mas será trabalhada a teoria de justiça segundo a perspectiva dos mais
importantes pesquisadores.
A justiça é determinada pela liberdade que cada um tem de fazer aquilo que
quer desde que não fira a liberdade igual dos outros, fundando assim também na
45 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 13. ed. São Paulo: Rideel, 2010. p. 409. 46 GROPPALI, Alexandre. Filosofia do Direito. Campinas, São Paulo: LZN Editora, 2003. p. 176.
41
coexistência pura e simples dos indivíduos, o dever de não lesar a outrem, que
estabelece a mola suprema da justiça.
1.5. O DIREITO E A JUSTIÇA PARA JOHN LOCKE.
Para Locke os direitos naturais são inalienáveis, não podem ser transferidos,
negociados ou vendidos, principalmente no que se refere à vida, à liberdade e à
propriedade. Direitos que são tão essencialmente do indivíduo que nem ele mesmo
pode abandoná-los, negociá-los.47
A lei num Estado democrático de direito deve ser fruto da vontade soberana
do povo e não dos governantes do Estado, uma vez que esta se origina da
soberania do povo.
Para John Locke, como tarefa principal, o Estado deve assegurar a liberdade
do direito de propriedade, portanto, o poder de tributar deve ser limitado, caso
contrário esvazia o direito fundamental. Assim, John Locke apresentou um norte que
consagrou o princípio do consentimento popular como base de regulação do poder
de tributar do Estado. Não é a vontade do titular, do governante, do soberano, que
daria legitimidade ao tributo e sim a vontade, o produto de uma deliberação dos
contribuintes que pagam o tributo.
No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, John Locke escreve ser “justo
que todo aquele que desfruta de uma parcela de proteção do Estado contribua para
a sua manutenção com uma parte correspondente de seus bens”. O contribuinte
deve “dar seu consentimento” através de uma “manifestação direta ou pela
intermediação de representantes de sua escolha” com a tributação.48
Assevera ainda John Locke49 que:
Mas, embora os homens ao entrarem na sociedade renunciem à igualdade, à liberdade e ao poder executivo que possuíam no estado de natureza, que é então depositado nas mãos da sociedade, para que o legislativo deles disponha na medida em que o bem da sociedade assim o requeira, cada um age dessa forma apenas com o objetivo melhor proteger sua liberdade e
47 LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. Tradução brasileira por Magda Lopes e Marisa
Lobato Costa, 4. ed. São Paulo: Editora Vozes, 2006. p. 41. 48 Ibid., p. 74. 49 Ibid., p. 70.
42
sua propriedade (pois não se pode supor que nenhuma criatura racional mude suas condições de vida para ficar pior), e não se pode jamais presumir que o poder da sociedade, ou poder legislativo por ela instituído, se estenda além do bem comum; ele tem a obrigação de garantir a cada um sua propriedade, remediando aqueles três defeitos acima mencionados que tornam o estado de natureza tão inseguro e inquietante. Seja quem for que detenha o poder legislativo, ou poder supremo, de uma comunidade civil, deve governar através de leis estabelecidas e permanentes promulgadas e conhecidas do povo, e não por meio de decretos improvisados; por juízes imparciais e íntegros, que irão decidir as controvérsias conforme estas leis; e só devem empregar a força da comunidade em seu interior, para assegurar a aplicação destas leis, e, no exterior para prevenir ou reparar as agressões do estrangeiro, pondo a comunidade ao abrigo das usurpações e da invasão. E tudo isso não deve visar outro objetivo senão a paz, a segurança e o bem público do povo.
Pelo princípio do consentimento popular, o poder não é do Estado e sim das
competências asseguradas na Constituição. Segundo tal princípio, o Estado de
Direito deve estar afixado na Constituição e seus poderes, portanto, emanados da
mesma, eis que se derivam da vontade soberana dos indivíduos, de forma que o
poder emanado da vontade popular seria feito através das competências, a qual tem
o poder de executar as leis.
John Locke ressalva para a indelegabilidade do poder legislativo, afirmando
que “O Legislativo não deve, nem pode transferir para outros o poder de legislar e
nem também depositá-lo em outras mãos que não aquelas a que povo confiou” 50,
afirmando que as leis devem ser aplicadas de forma igualitária e que o governo, via
de regra, não as deveria modificar em casos particulares, afim de que haja uma
única regra para ricos e pobres, para o favorito da corte e o camponês que conduz o
arado.
Atualmente, autores como Heleno Taveira Torres, na mesma linha de John
Locke, entendem que: “A soberania, tomada como expressão política de um povo
justifica a formação de um poder constituinte como decorrência da vontade popular
soberana e, por isso mesmo, condicionante de todo o processo de
institucionalização daquele poder (antes sociológico, político, histórico), para
potência da constituição e do Estado no mundo jurídico. A soberania enquanto poder
integralmente exercido pelo poder constituinte converte-se, assim, em poder
positivo, funcionalmente repartido segundo as competências dos órgãos do Estado.
O Estado democrático de direito não há soberania como medida de poder político e
50 Ibid., p.74.
43
fático que se exerça sobre particulares. Neste modelo de Estado o poder é
‘Constituído’ conforme a distribuição das funções entre os poderes do estado, como
parcela de competências constitucionais, ou seja, com atribuição funcional e relativa
da ‘soberania’ aos órgãos de Estado” 51.
Para John Locke o direito não deve admitir a existência de um poder, e sim,
competências, que se exercem dentro de critérios postos pelo sistema jurídico.
No caso da vida e da liberdade, não ser minha própria, não posso me vender
como escravo tanto quanto não posso tirar a vida de alguém ou escravizar alguém
pela força.52
Locke se opõe a Hobbes politicamente, ao apresentar uma teoria liberal,
contrária ao estado absoluto de Leviatã. O estado é dirigido pelo soberano através
de mandato popular. Assim que um conflito nasce, a vontade da nacional deve
prevalecer. O homem é um ser livre, agregado em sociedade para obter defesa de
seus direitos, bem como segurança pessoal.
Fé e religião não devem servir de base para o estado, segundo Locke. É
necessário para um governo assegurar a validade do pacto social, ser legitimado
não pela religião, mas pelo povo. O governo não obtém poder absoluto e não deve
se afastar das leis como afirmado por Hobbes. O povo tem o direito de resistir
quando o governo falha, e pode com legitimidade, partir para a revolução para fazer
a substituição do governante.
Para Locke, a lei civil, deriva da lei natural, moral, racional e por isso os
homens são livres e iguais, tendo direito à propriedade privada e direito à vida. Ele
diz existir um estado de natureza que precedeu ao estado civil, não como afirmado
por Hobbes, no sentido de guerra constante, mas num sentido moral, no qual cada
indivíduo tem o dever racional de respeitar nos demais a mesma pessoa que nele se
encontra.
Para Locke a falta de um juiz imparcial para julgar as divergências que
surgem entre os indivíduos constantes de uma sociedade é o maior dos
inconvenientes do estado de natureza. O pensamento de Locke foi o precursor da
teoria da divisão dos poderes fundamentais, que anos depois foi desenvolvida por
Montesquieu.
51TORRES, Heleno Tavares. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica - Metódica da Segurança
Jurídica do Sistema Constitucional Tributário, 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 308. 52 Ibid., p. 41.
44
Foi o precursor do Liberalismo na Inglaterra e afirmava que só existiria direito
se a justiça garantisse o direito à vida, à liberdade e à propriedade como o alicerce
de todos os direitos inerentes à personalidade humana, precedentes ao Estado, que
sendo preservados estes direitos, a justiça estaria em harmonia em toda sua
plenitude com o direito.
O que o homem entrega pelo contrato social é a liberdade natural e um direito
ilimitado a tudo quanto necessita e pode alcançar. Ganhando a liberdade civil e a
propriedade de todas as suas posses. No que diz respeito à propriedade privada,
esta, afirma John Locke, tem seu fundamento no direito natural e o Estado não cria a
propriedade, mas seja quem for que governe deve reconhecer e protegê-la.
1.6. O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL
São Tomás de Aquino apregoava que razão e fé não podem ser contrárias,
opostas, assim, nasce com seus seguidores no século XIX, o conceito de justiça
social. Para ele, em uma sociedade que adotasse a democracia, todos os indivíduos
devem gozar de dignidade e igual grau de importância, tendo direitos e deveres
igualitários não só no sentido econômico, mas, inerentes à saúde, educação,
trabalho, justiça e manifestação de cunho cultural.
No século passado, com o acirramento das disputas, desigualdades e
injustiças sociais, o aumento do lamento e queixa dos pobres, das forças políticas e
espirituais com eles identificadas levaram ao Estado de Bem - Estar Social, que se
estabeleceu primeiramente com as constituições mexicana de 1917 e alemã, de
Weimar, em 1919.
O desenvolvimento não se resume a crescimento econômico, para a justiça
social envolve justiça distributiva, as liberdades políticas e os direitos civis, as
oportunidades sociais, a transparência na vida publica e privada, a proteção à
saúde, a educação, ao crédito, aos bens públicos, a proteção social e uma boa
qualidade de vida em uma sociedade moderna, desenvolvida e democrática. No
Brasil, a justiça social é fundamento da Constituição de 1988.
Primeiramente, antes de ensaiar fixar os esboços jurídicos da justiça social,
faz-se necessária investigar o sistema normativo brasileiro pelo entendimento da
45
moderna teoria constitucional contemporânea.
Em contrapartida, a existência de regras e princípios é que permite a
compreensão da Constituição como um sistema aberto, dinâmico, suscetível de uma
constante mudança em consonância com as eventualidades da realidade e os
valores emergentes em cada época.53 Isso só é possível em razão da alta
desatenção e carga de alto conceito de valores dos princípios. Primeiro porque os
princípios executam uma função geradora de normas metódicas e ordenadas, uma
vez que, em face da sua alusão aos valores, se põem como fundamento das regras
e, assim, espalham-se e atraem todo o sistema jurídico, atribuindo uma relação
lógica e unidade ao ordenamento. Em segundo porque o texto constitucional deduz
que a sua execução prática se dê por meio de processos jurisdicionais,
procedimentos legislativos e administrativos e iniciativas dos cidadãos.54
Resumidamente, princípios são condições de regras jurídicas desprovidas de
penalidade, do qual os preceitos são depositários de alto grau de distração e
bagagem de valores, podendo evoluir de acordo com as circunstâncias e os fatos
jurídicos, passíveis de uma melhoria de acordo com as condições fáticas e jurídicas.
Mas, a justiça social é um princípio jurídico? No Preâmbulo da Constituição
brasileira está escrito que a justiça é um dos valores superiores da sociedade, ao
lado da harmonia social e a liberdade. O Preâmbulo serve de orientação
interpretativa do texto constitucional. Dai emana a importância do valor justiça. O
valor justiça, quando expresso em algum artigo da Constituição, soa estar ligado à
ideia de justiça social. Na verdade, o primeiro inciso do art. 3º da Constituição
estabelece que para construir uma sociedade que seja justa, esse deverá ser o
objetivo, a meta primordial da República Federativa do Brasil. A promoção da justiça
social na sociedade é um fim do Estado brasileiro.
A justiça social consta como preceito jurídico no artigo 170, que dispõe dos
princípios gerais da atividade econômica e no artigo 193 da Constituição, que trata
das disposições gerais da ordem social. Assim, embora o ordenamento jurídico
brasileiro não traga explicitamente o conteúdo jurídico da justiça social, tal pode ser
conseguido pela interpretação dos próprios dispositivos da Constituição
mencionados. Além de que, a ideia de justiça social tem o seu significado jurídico
53 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53, 56-57. 54 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra
(portugal): Almedina, 2000. p. l127.
46
indicado no art. 3º da Constituição.
Bandeira de Mello explica que na Constituição anterior, o conteúdo jurídico da
justiça social era identificado com os princípios previstos no referido art. 160.55 A
Constituição vigente também firma a justiça social como alvo, tanto da ordem tanto
da ordem econômica quanto da ordem social, e alia a sua conquista a alguns
princípios. Por isso, recorrer-se-á ao mesmo juízo e pensamento utilizado por
Bandeira de Mello, de que o seu conteúdo jurídico pode ser mais denso a partir dos
princípios que lhe mantêm de algum modo conformidade.
Primeiramente é factível ressaltar e separar do caput do art. 170 da
Constituição de 1988 as seguintes expressões: ordem econômica, valorização do
trabalho humano, livre iniciativa, existência digna, justiça social e princípios.
Pesquisando-as do ponto de vista do sentido em que são aplicados, observa-se que
a vocábulo justiça social influencia a ordem econômica, a valorização do trabalho
humano, a livre iniciativa, e essas devem ser desenvolvidas para realizar a justiça
social, em consonância com os seus preceitos. É a justiça social que acomoda o fim
da ordem econômica de proporcionar existência digna a todos."56 Para que a justiça
social possa atingir sua meta, é importante observar alguns princípios previstos nos
nove incisos do art. 170, que estão ligados à realização da Justiça social.
Sem observá-Ios não é possível, na ordem econômica, realizar a justiça
social, pois, o cumprimento do teor daqueles princípios especificados no caput e nos
nove incisos do art. 170 da Constituição, integra os componentes ou elementos da
justiça social aplicáveis à ordem econômica.
A ordem econômica determina a preferência do trabalho humano sobre o
capital e os demais valores da economia de mercado. Disso resulta que a atividade
estatal deve ser orientada à proteção de tal prioridade e à promoção, em um sentido
amplo, dos valores sociais do trabalho."57 Também é fundamento da própria
República Federativa do Brasil, conforme o art. 1°, IV, da Constituição, onde a
valorização do trabalho humano constitui pressuposto necessário também à
55 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social: In Anais da
IX Conferência Nacional dos Advogados. Tema: Justiça social. Florianópolis, 02.05.1982. p. 192-193. 56 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 240. 57 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual.. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 766.
47
promoção da dignidade humana e à geração de oportunidades de emprego.58
A livre iniciativa representa a liberdade do indivíduo em suas iniciativas
econômicas, sem qualquer interferência do Estado e não deve mirar apenas ao
lucro. Para ser legítima, a livre iniciativa deve ser realizada em benefício da
realização da justiça social, proporcionando uma existência digna para todos."59 A
liberdade de iniciativa corrobora para o desenvolvimento e a expansão da atividade
empresarial e está de acordo com o fim da justiça social, pois, favorece o
crescimento econômico e a geração de riqueza, sem o que não se poderiam reduzir
a miséria e as desigualdades sociais e regionais, constante do art. 1°, IV, e do art.
3°, I, da Constituição.
A ordem econômica deve assegurar a todos a disposição dos meios materiais
suficientes para viver de uma maneira digna. O imperativo de existência digna a
todos, de que resulta a igualdade das pessoas em dignidade, pode ser ainda
percebido a partir do princípio criador do Estado brasileiro, previsto no art. 1°, 111,
da Constituição, e dos direitos fundamentais individuais e sociais, conforme arts. 5°,
caput, 6°, 7° e 14°.60 Ter soberania nacional significa que a ordem econômica é
marcada por um modelo de desenvolvimento nacional, autônomo, sem ingerências
externas, que visa por em equilíbrio a posição de inferioridade das pessoas menos
favorecidas econômica e socialmente."61
A propriedade privada é um dos fundamentos da ordem econômica. Funda-se
no direito subjetivo conferido a uma pessoa de possuir com exclusividade um bem e
de defender contra outrem queira a ela se opor. A propriedade privada tem sua
função social e exige-se que a sua utilização seja voltada ao bem-estar geral da
sociedade, nos termos dos arts. 182, § 2°, e 186 da Constituição.
Observar o princípio da livre concorrência do art. 173, § 4°, que limita o poder
econômico para que não seja exercido de modo descomedido, assegurando a todos
a liberdade de concorrer no mercado econômico com seus serviços ou produtos, e a
necessidade de respeitar e defender o consumidor protegendo-o em uma relação de
consumo evitando toda sorte de abusos. Para isso, o Estado deve interferir nas
58 Constituição da República Federativa do Brasil de1988. 59 Ibid., p. 766. 60 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 61 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2001. p. 767.
48
relações de consumo, a fim de equilibrar essa relação. A defesa do consumidor é
um dos fundamentos do equilíbrio da ordem econômica conforme consta do art. 5°,
XXXII, da Constituição.
Defender o meio ambiente também é um fator condicionante da atividade
econômica, uma vez que dele depende a própria sobrevivência humana, pois,
protegendo e prevenindo a degradação ambiental se trará reflexos positivos à
qualidade de vida de todos. A atividade econômica deve aumentar de modo
sustentável e racional para conservar o equilíbrio do meio ambiente, de acordo com
o art. 225, caput e § 1°, da Constituição.
O desenvolvimento econômico não é um fim em si mesmo. Ele é apenas um
instrumento, um veículo para se alavancar o bem-estar da sociedade. Esse
desenvolvimento deve ser racionalmente medido e estudado a fim de reduzir as
desigualdades regionais e sociais do país, assim como estabelece o art. 3°, 111, da
Constituição, e nos arts. 23, X; 43; 165, § 10, e 174, § 1°, da Constituição.
Buscar o pleno emprego é um princípio comando da ordem econômica que
se contrapõe às políticas recessivas. Estabelece que ela deva dar oportunidade para
o maior daqueles que estejam habilitados e capazes a realizar ações produtivas,
respeitando suas respectivas competências e habilidades. A busca do pleno
emprego de uma forma ou de outra obriga a ordem econômica a criar postos de
trabalho para todos tirarem seu sustento, conforme art. o caput do art. 170 da
Constituição.
O tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob
as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país necessitam de um
tratamento constitucional favorecido, pois, sua sobrevivência no cenário empresarial
é extremamente difícil, tendo que competir com empresas multinacionais de capital
transnacional com representação quase que a nível planetário. Tal tratamento
constitucional favorecido representa instrumento de equilíbrio necessário à ordem
econômica.
Ao favorecer a proteção da livre iniciativa, do trabalho e do pleno emprego, a
determinação da lei maior relativa à justiça social, expressa no art. 170 da
Constituição, procura igual possibilidade de melhora. Isso porque para que um
cidadão possa encontrar trabalho ou possa ser um empreendedor, é necessário que
novas oportunidades surjam nesse sentido, tanto para trabalhar como para iniciar
um novo desafio empresarial, amarrando a execução motivadora do Estado nesse
49
sentido.
Usando-se o mesmo modo de interpretação utilizado por Bandeira de Mello
em relação à Constituição anterior, tem-se que todos os princípios que estão
enquadrados nos incisos e no caput do art. 170 da Constituição incorporam o
conteúdo jurídico da justiça social.62
O art. 193 da Constituição é o que liga a justiça social à ordem social. Ao
tratar desta, a Constituição conciliou os seus princípios aos da ordem econômica. A
justiça social estabeleceu normas como um fim da ordem social. O predomínio do
trabalho, por outro lado, constitui-se em parte indispensável à sua realização. Por
isso, criam o tema jurídico da justiça social. A manifestação superior do trabalho
junta-se com os princípios da valorização do trabalho e de uma vida digna ao ser
humano, que estabelecem a ordem econômica. A justiça social é um Direito
outorgado à sociedade frente ao Estado nos arts. 3°, 170 e 193 da Constituição.
A resposta à pergunta feita no início deste trabalho é sim, a justiça social é
sim um princípio constitucional a partir da reunião dos textos constantes nos arts. 3°,
170, e 193 da Constituição e do estudo feito a partir dos princípios deles extraídos.
A justiça social pode ser analisada em grupos de mandamentos relacionados
preponderantemente à garantia e à promoção da dignidade em favor de todos os
indivíduos; à garantia e à promoção do valor liberdade a todos os membros da
sociedade; à garantia e à promoção do equilíbrio de oportunidades a todos; à
garantia e à promoção da redução dos desequilíbrios sociais em favor dos membros
ou setores mais diminuídos da comunidade política.
Os preceitos, para os fins propostos dessa classificação, referem-se, via de
regra àquelas expressões destacadas e decompostas a partir dos arts. 3°, 170 e
193, da Constituição. Da união desses mandamentos tem-se que a justiça social,
sob o modo de ver da Ciência Jurídica, consiste em um Direito que a sociedade
possui de exigir do Estado que este aja de forma a garantir e promover,
continuamente, e ao mesmo tempo, a diminuição dos desequilíbrios sociais e a
igualdade de todos os seus membros no que se refere à vida, à liberdade, à
62 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social: In Anais
da IX Conferência Nacional dos Advogados. Tema: Justiça social. Florianópolis, 02.05.1982. p. 192-193.
50
propriedade,63 à sua dignidade e oportunidades.
Resta saber em que espécie normativa se integra o direito da sociedade de
requerer do Estado à realização da justiça social. É o Princípio da Justiça social, que
confere o Direito à sociedade de requerer do Estado uma atuação vinculada à
diminuição dos desequilíbrios sociais e compromissada ao mesmo tempo com a
garantia e a promoção da igualdade de todos os seus integrantes, no que se refere à
liberdade, à dignidade e às oportunidades.
O Direito que a sociedade tem de exigir do Estado uma justiça social, além
de mandamento constitucional, se funda na justiça fiscal, pois, se a sociedade
tem o dever de contribuir com tributos para a manutenção do Estado, este tem o
dever essencial e constitucional de distribuir de forma justa, igualitária e austera
receitas necessárias para realizar todos os seus deveres em favor de toda a
sociedade.
A justiça fiscal se faz pela distribuição da carga tributária de um ente
tributante com igualdade e na medida necessária para o funcionamento ajustado
da máquina estatal, fundado na eficiente prestação de serviços públicos e na
menor intervenção possível na atuação dos agentes econômicos para a realização
da Justiça Social que emana da ideia de Justiça e constitui uma de suas espécies.
A justiça fiscal desenvolvida pelo Estado trará garantias para a realização da
justiça social garantindo um mínimo de proteção social nas relações de trabalho,
voltadas para a habitação, moradia, educação, lazer, previdência social.
A justiça social busca garantir ao trabalhador os direitos a educação, a saúde,
ao trabalho, a moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância e a assistência aos desprovidos de amparo.
Bandeira de Mello assevera que as normas constitucionais exibem uma base
que deriva de princípios que exprimem o conteúdo jurídico da justiça social eficaz e
de imediata aplicação.64
O Princípio da justiça social requer, impõe e reclama que o Estado tenha seu
comportamento baseado na realização da Justiça Social. Seu não cumprimento
pelas entidades públicas seja por ação ou omissão, representa uma violação às
63 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos: ensaio sobre a origem, os limites
e os fins verdadeiros do governo civil. 3. ed. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis:
Editora Vozes, 2001. p. 139. 64 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. In: Anais
da IX Conferência Nacional dos Advogados. Tema: Justiça Social. Florianópolis, 02 de março de 1982. p. 190-191.
51
normas constitucionais.65 Ao lado da justiça social, a justiça fiscal deve ser o valor
supremo de um Estado Democrático de Direito, que depende de impostos para se
manter, e também do conjunto de contribuintes que o integra.66
1.7. JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
A definição e a amplitude da justiça fiscal não são pacificadas pela doutrina. A
própria noção de justiça, por si só, tem causado inúmeras discussões,
principalmente de caráter filosófico, desde os primórdios. Daí porque, não se pode
falar sobre a justiça fiscal sem antes considerar sobre o conceito de justiça em
sentido amplo. É tema que demanda, devido a sua difícil compreensão, uma análise
muito mais demorada e profunda, mas, não sendo esse o propósito desse trabalho,
o que se deseja é tão somente aclarar os aspectos necessários para um melhor
entendimento da noção de justiça fiscal.
Platão faz uma conexão do conceito de justiça ao comportamento do homem,
de forma que sua ideia de justiça assume uma tendência antropológica, analisando
qual seria o comportamento do homem justo e do homem injusto. Além disso,
virtude, verdade e felicidade, para Platão, são vizinhos à ideia de justiça. A respeito
do tema, explicativa é a seguinte passagem, num de seus diálogos: "Os homens afirmam que é bom cometer a injustiça e mal sofrê-la, mas que há mais mal em sofrê-la do que bem em cometê-la. Por isso, quando mutuamente a cometem e a sofrem e experimentam as duas situações, os que não podem evitar um nem escolher o outro julgam útil entender-se para não voltarem a cometer nem sofrer a injustiça. Daí se originou as leis e as convenções e considerou-se legítimo e justo o que prescrevia a lei. É esta a origem e a essência da justiça: situam-se entre o maior bem - cometer impunemente a injustiça - e o maior mal - sofrê-la quando se é capaz de vingança. Entre esses dois extremos, a justiça é apreciada não como um bem em si mesmo, mas porque a impotência para cometer a injustiça lhe dá valor.” 67
Aristóteles dizia que o princípio de justiça baseia-se na igualdade, e que a
65 Ibid., p. 192. 66 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo:
Malheiros Editores, 2002. p.18. 67 PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 43.
52
justiça da igualdade procura apoio na virtude moral, uma vez que ela iguala seres
humanos e não coisas. Para Aristóteles a excelência moral precisa ser exercida com
regularidade, pois, o absoluto e pleno bem da excelência moral é a justiça, e o
sentimento de justiça é a mais nobre, sublime e superior forma de excelência
moral.68
Portanto, a justiça, seja qual for, acima de tudo, é uma obrigação social que
se realiza ao responder às ações da mesma forma que as recebe.69
O assunto justiça fiscal tem fundamentos no exame do poder de tributar.
Realmente, o direito tributário pode ser entendido segundo Caliendo, como
expressão de poder, próprio do pensamento conceitual, como sistema jurídico,
relacionado ao pensamento normativo e como sistema de direito, conciliado com o
pensamento sistemático e fundado em uma ética material.70
Para Caliendo, o tributo é considerado a verbalização da soberania, fazendo
com que a tributação se baseie exclusivamente em uma transferência de recursos
de particulares para a fazenda pública, ligada à percepção de poder-dever e não de
crédito e débito do Direito Privado.
Apesar disso, tal visão, limitada à ideia de explicar a realidade através de
conceitos, carece, igualmente, das vulnerabilidades inerentes ao próprio conceito de
soberania, que muito têm se discutido.71
Klaus Tipke esclarece que "a justiça fiscal em sentido jurídico é a realização
metodicamente resultante da igualdade tributária e dos princípios que concretizam o
princípio da igualdade".72
Estudando a justiça fiscal, Tipke assevera que o dever de pagar impostos
pode ser invocado como um dever essencial. O tributo não pode ser compreendido
apenas como um sofrimento exigido do contribuinte, mas também como uma
contribuição indispensável para que o Estado tributante tenha receitas em nível
necessário para realizar seus deveres em prol de toda a sociedade.73
68 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral e razão. 1. ed. Curitiba: Juruá. 2004. p. 56-57. 69 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília Editora Universidade de
Brasília. c 1985, 1992. 1131-b. 70 CALIENDO, Paulo. Da justiça fiscal: conceito e aplicação. Interesse Público. Porto Alegre, n. 29, 2005b. p. 170. 71 Ibid., p. 171. 72 LANG, Joachim; TIPKE, Klaus. Direito tributário (Steuerrecht). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2008. Tradução 18. ed. alemã, totalmente refeita, de Luiz Doria Furquim, 1 v. p. 394. 73 TIPKE, KIaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 15-16.
53
A justiça fiscal se faz pela distribuição da carga tributária de um ente
tributante (União, Estado, Distrito Federal ou Município) com igualdade (critério
qualitativo) e na medida rigorosamente necessária (critério quantitativo) para o
funcionamento ajustado da máquina estatal, fundado na eficiente prestação de
serviços públicos e no menor nível de intervenção possível na atuação dos agentes
econômicos.
Pelo modo qualitativo, justiça fiscal significa que o ente tributante tem o dever
de não gerar discriminações nem privilégios, distribuindo a carga tributária de modo
igualitário, proporcional, de maneira justa, e em seu poder de tributar, não deve
gerar injustiças.
No critério quantitativo, a carga tributária deve ser a mínima necessária para
que a máquina pública funcione adequadamente. Constata-se aqui presente o
princípio da proporcionalidade trazendo consigo o conceito de valor da ideia de
equilíbrio, prudência e proibição de excesso.
Resumindo a justiça fiscal manifesta-se como a relação igualitária e
eficientemente exata na distribuição de recursos e encargos entre o poder público, o
cidadão e a sociedade.
Klaus Tipke, expoente do estudo da justiça fiscal, destaca que o dever de
pagar impostos é um dever fundamental. Para ele o imposto não é apenas um
sacrifício exigido do contribuinte, mas, uma contribuição necessária para que o
Estado tenha recursos suficientes para realizar suas tarefas em proveito do convívio
de todos os cidadãos.74
Para Sarlet, ainda que dado o Estado fiscal em que se vive, no qual todos os
direitos são suportados por meios financeiros públicos, são os tributos o principal
sustento financeiro do Estado, elemento de promoção dos direitos fundamentais e
de respeito à dignidade da pessoa humana.75 Os impostos atuais são o preço que
cada cidadão, na qualidade de integrante de uma certa comunidade organizada, são
chamados a pagar, por aproveitar de uma sociedade fundada na liberdade e em um
mínimo de solidariedade. Trata-se, no entanto, de um dever - direito, pois, atribui
também o direito de vindicar do Estado, que todos sejam, de fato, submetidos ao
74 Ibid., p. 15-16. 75 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal
de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 62.
54
cumprimento desse dever, respeitando-se, assim, um fundamento de igualdade.76
Num Estado de Direito, o Direito tributário não é simples técnica jurídica,
esgotado de qualquer conteúdo, mas um ramo do Direito entranhado em valores,
não apenas à relação do cidadão com o Estado, mas também dos cidadãos uns
com os outros. Assim, há a obrigatoriedade de criação, não só de um direito justo,
mas de um direito tributário justo. Isso porque a meta de um Estado de Direito não
pode se esgotar em seu aspecto formal, que é a garantia de segurança jurídica aos
cidadãos, mas impõe-se, também, a formulação de leis materiais justas.77
Na verdade, a direção de justiça pode mudar facilmente observando a época
e a sociedade, mas haverá um mínimo de direção própria à noção de justiça fiscal. A
justiça poderá assumir inúmeras direções, mas não todas ou quaisquer direções. Da
mesma forma e em qualquer compreensão, a direção da justiça fiscal não está
limitada a uma só resposta certa. Existem limites, pois, se não houver, pode incorrer-
se em pura discricionariedade. O conceito, conteúdo e alcance da justiça deverão
estar alicerçados nos valores da sociedade, procurando-se sempre um equilíbrio
dinâmico de conexão no sistema jurídico.78
Tipke salienta, que a justiça material cobra orientação por princípios e
qualquer violação de princípios justos exige explicação especial por outro princípio
de igual ou superior valor, pois, violações não justificadas arrastam a privilégios ou
discriminações.79
Para desenvolver sua atividade financeira o Estado necessita de recursos,
recursos esse que advém dos tributos. Para cumprir sua missão constitucional, o
Estado cobra tributos do cidadão que augura uma tributação mais justa, ao mesmo
tempo em que, exige do Estado uma qualificação dos gastos públicos.80
É nesta perspectiva que surge forte o conceito de justiça tributária. A virtude
da Justiça Tributária é uma mediania ética entre o Direito Tributário e o Excesso
Tributário. Uma mediania ética entre os deveres do Estado e os deveres dos
cidadãos contribuintes. É certo que vários outros princípios jurídicos buscam a
implantação de virtudes em nossa vida social tributária, tais como, solidariedade,
76 NABAIS, José Casalta. Constituição Européia e fiscalidade. Interesse Público. Porto Alegre, n. 31, 2005. p. 39. 77 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo:
Malheiros, 2002.p. 15-16. 78 CALIENDO, Paulo. Da justiça fiscal: conceito e aplicação. Interesse Público. Porto Alegre, u. 29, 2005b. p. 174. 79 Ibid., p. 20. 80 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Direito Financeiro e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2004. p. 111.
55
transparência fiscal, intributabilidade do mínimo existencial, capacidade contributiva,
justo gasto dos tributos afetados etc.; mas o ápice de todos estes princípios, é o
princípio da justiça tributária.81
A justiça não é uma virtude como a outra já esclareceu André Comte-
Sponville, ela é o horizonte de todas e a lei de sua coexistência, Virtude completa,
dizia Aristóteles, pois, todo valor a supõe e toda a humanidade a requer.82
Ética é justiça e a justiça está no centro de qualquer discussão ética. Viver
eticamente é viver conforme a justiça. Tributar e gastar de forma ética é tributar e
gastar conforme a justiça tributária. O princípio da justiça tributária encontra vida,
alma e impulso na virtude da justiça.83
Prontamente, o método de igualdade de direitos, como corolário da justiça,
exige um modo ajustado de confrontação, orientado na justiça. Todavia, não existe
um modo uniforme para todo o Direito, razão pela qual Tipke refere à expressão
justiça ajustada à matéria, destacando que o Direito tributário segue o princípio da
capacidade contributiva. Desse modo, o conceito indeterminado de justiça é
efetivado por meio de um tratamento justo, segundo um critério ajustado à matéria,
que somente pode aceitar diante de um princípio de igual valor.84
81 Ibid., p. 111. 82 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. São Paulo: Martins Fontes. 1996. p. 70. 83 PEGORARO, Olinto A. Ética e Justiça. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 2001. 84 Ibid., p. 21-22.
56
CAPÍTULO 2 – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O MÍNIMO EXISTENCIAL
2.1. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O MÍNIMO EXISTENCIAL
A teoria do mínimo existencial floresceu em 1873 na Alemanha quando se
propagou a necessidade do instituto para preservar e proteger da tributação um
valor mínimo essencial e necessário à subsistência do contribuinte. Essa doutrina
acabou influenciando outros países. Após a segunda guerra foi que a primazia do
mínimo existencial concretizou-se, passando a constar nas principais Constituições
da época.
Porém, a justiça relativa à tributação e, por consequência, a ideia de
capacidade contributiva reporta a tempos muito antigos.
A discussão fiscal para acertar a carga tributária de maneira igual entre os
indivíduos permanece desde o antigo Egito e de acordo com José Marcos Domingues
de Oliveira, o anseio pela justiça na decretação e liquidação dos impostos deriva do
tronco filosófico da justiça distributiva que deita raízes na Grécia antiga passando por
Roma, Inglaterra, até as civilizações modernas e suas concepções contemporâneas,
que constata que justiça tributária e a adequação dos impostos ao princípio da
capacidade contributiva não se diferenciam.85
Com a promulgação da Carta Magna na Inglaterra em 1215 pelo Rei João
Sem Terra, fundamentaram-se algumas garantias aos cidadãos, pois, trazia que “as
prestações coercitivas deveriam ser moderadamente fixadas”.86
Foi Adam Smith que, 1776 em sua obra The Wealth of Nations, concretizou
os mandamentos de certeza, comodidade, economia e justiça.
Estes modelos apresentavam respeito ao princípio da capacidade contributiva
afirmando: “Todos devem contribuir para as despesas públicas na razão dos seus
haveres” expressando ainda que é “na observância ou não desta máxima que consiste
85 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva: Conteúdo e Eficácia. 1. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 21. 86 Ibid., p. 22.
57
o que se denomina equidade ou falta de equidade da tributação”.87 No final do
liberalismo surge então a percepção de Estado Social, em substituição ao Estado
Mínimo.
Nesta sintonia, Paulo Bonavides escreve:
O Estado Social, por sua própria natureza, é um Estado (…) que requer sempre a presença militante do Poder Político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que se acha, perante fatores alheios a sua vontade, de prover certas necessidades existenciais mínimas”, de modo que o tributo passa ter, além do caráter meramente fiscal, caráter social ao se utilizar do princípio da capacidade contributiva na distribuição da carga tributária.88
A Constituição Brasileira de 1946, influenciada pela alemã, introduziu em seu
artigo 15, parágrafo 1º, a regra de que “são isentos do imposto de consumo os
artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável à habitação, vestuário,
alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita atividade econômica”.89
A proteção do mínimo existencial pode ser perfeitamente retirada da
Constituição Federal, pois, ainda assim, estará protegida pelo princípio da dignidade
da pessoa humana e pelos mandamentos recomendados pelo Estado Social.
Assim, frente a essa compreensão principiológica, assenta-se o desejo
protegido por Klaus Tipke de que o Estado não pode ao tributar, cobrar, retirar o
que, como Estado Social, tem o dever de devolver.90
A relação entre o princípio da capacidade contributiva e o mínimo existencial
se desenvolve na medida em que a capacidade contributiva protege o mínimo
existencial. Existe entre os princípios uma ligação indissociável que delimita o poder
que o Estado tem de tributar, pois, a capacidade contributiva é um limite ao poder de
tributar.
O Direito Tributário baseado na proteção dos direitos fundamentais do
contribuinte deve preservar e proteger da tributação o mínimo existencial, não
podendo penetrar nesse universo, sob pena de inconstitucionalidade. A grande
precaução da tributação hoje não se restringe à função de arrecadar, mas de
87 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações, 1998. p. 100 apud Godoi, Marciano de Seabra. Justiça, igualdade e
direito tributário. São Paulo: Dialética, 1999. p. 188. 88 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 200. 89 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. 90 Ibid., p. 34.
58
promover uma real justiça social fiscal capacitada a distribuir riquezas e assegurar o
desenvolvimento econômico da sociedade.
Luciano Amaro expõe com precisão que o princípio da capacidade
contributiva influencia-se no ordenamento natural das coisas, pois onde não houver
riqueza de nada adianta instituir imposto, pois, não se poderá pagá-lo. Porém, na
formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de
incidência, quer-se preservar o contribuinte, evitando uma tributação excessiva não
condizente com sua capacidade contributiva comprometendo os seus recursos para
sobreviver, ou para o livre exercício da profissão, ou a livre exploração de sua
empresa, ou o exercício dos seus direitos fundamentais.91
Em relação à definição do montante a ser considerado como mínimo para
uma existência digna, não é razoável conceber um quantum fixo. O valor varia
conforme as necessidades da população em determinada época, local e conjuntura
econômica. É um conceito elástico, a ser definido no caso concreto.
Não existe capacidade contributiva quando apenas existe o mínimo
existencial para sobreviver, ela existirá apenas depois que esse limite ao mínimo
existencial for ultrapassado.
Para Carrazza os impostos quando corretos, afinados com a capacidade
contributiva dão aos cidadãos a possibilidade de cumprirem, junto a sua
comunidade, seus deveres de solidariedade política, econômica e social.92
Para Hugo de Brito Machado, a capacidade contributiva é um fundamento de
valoração do princípio da igualdade, e um modo capaz, de realizar o princípio da
Justiça.93
2.2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E IGUALDADE
Sendo a capacidade contributiva um limite ao poder de tributar, para proteger
o mínimo existencial essencial digno do cidadão, no Estado Democrático de Direito o
91 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 138. 92 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed. São Paulo, Malheiros,
2013, p. 99. 93 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1989. p. 46.
59
cidadão é o centro da proteção constitucional, pois, dispõe acerca dos direitos e
garantias fundamentais, sendo que o Estado existe em função do cidadão, sendo
este a finalidade mútua e não o meio da ação.
Ainda que o legislador tenha total liberdade de atuação entre os limites
estabelecidos pela capacidade contributiva e que esses limites não venham pré-
fixados, não é coerente elevar a tributação a patamares máximos, pois, segundo
Klaus Tipke, isso seria trabalhar de modo insensato, tanto na visão econômica,
como social.94
Klaus Tipke, já registrava essa relação entre capacidade contributiva, mínimo
existencial e confisco, nos seguintes termos:
O princípio da capacidade contributiva atinge apenas a renda disponível para o pagamento dos impostos. A base de cálculo deve ser reduzida também por aquilo que o cidadão forçosamente tiver que gastar para fins privados. Nenhum imposto pode entrar no mínimo existencial. A capacidade contributiva termina, de todo o modo, onde começa o confisco que leva à destruição da capacidade contributiva.95
Pode-se afirmar, em concordância com Klaus Tipke, que a experiência trás
ensinamentos de que com o aumento da carga tributária aumenta também a
resistência aos tributos por meio da estruturação fática redutora de tributos, por meio
de elisão fiscal, por meio de sonegação fiscal e mediante a transferência de recursos
tributários para o exterior.
Para Demetrius Nichele Macei seja qual for o tributo em questão, seja qual for
o atendimento dado por ele à capacidade econômica do contribuinte, fato
incontroverso é o seu caráter compulsório. Para o sistema tributário pouco importa a
vontade do contribuinte, pois a obrigação de pagar tributo decorre diretamente da lei.
Contudo, aprofundando um pouco mais o estudo do fenômeno da tributação,
vê-se que, ao contrário do que possa parecer, sua compulsoriedade não é o
elemento essencial para o pagamento dos tributos por parte dos cidadãos. A história
da civilização mostra um sem número de situações em que a tributação considerada
94 Ressalta o referido autor que “a experiência ensina que com a elevação da carga tributária cresce a resistência
aos tributos – por meio da estruturação fática redutora de tributos, mediante a exploração de lacunas legais, por
meio de elisão fiscal, por meio de sonegação fiscal e mediante a transferência de fontes tributárias para o
Exterior”. (YAMASHITA, Douglas; TIPKE, Klaus. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva.
São Paulo: Malheiros, 2002, p. 48). 95 SHOUERI, Luís Eduardo e ZILVETI, Fernando Aurélio. Direito Tributário – Estudos em homenagem a
Brandão Machado, São Paulo: Dialética, 1998. p. 68.
60
“muito elevada” causou revoluções e o rompimento da estrutura existente. É preciso
que a sociedade esteja conformada, que aceite ou ao menos que suporte a
cobrança. Ou seja: a sociedade precisa aceitar pacificamente tal cobrança e quanto
mais justa lhe pareça, mais conformada estará.96
Demetrius Nichele Macei citando o jurista alemão Klaus Tipke aponta que a
atitude dos contribuintes é reflexo do exemplo da conduta estatal. Se o Estado
institui e cobra tributos com justiça e aplica adequadamente os recursos daí
provenientes, o contribuinte também se obriga a fazer sua parte. A recíproca
também é verdadeira. É o mau exemplo do Estado, segundo o autor, que faz com
que o contribuinte se comporte mal. Para ele : “La mayoria de los ciudadanos se
comportam con un asombroso respecto a la ley, aunque carezcan de conocimientos
legales, si las leyes son claras y el interessado está habituado a ellas.”97
O exercício do poder de tributar do Estado, portanto, deve considerar
aspectos como o motivo e a finalidade da tributação, o caráter social do tributo, e
também deve ser observado sob a ótica da Justiça Tributária. Nesse contexto, a
legalidade estrita cede espaço a investigações no campo da ética e da política, que
permitam a emissão de juízos sobre como o Direito Tributário deve ser.
A legitimidade do poder fiscal, no Estado Democrático de Direito, é obtida por
meio do parlamento reunido em assembleias baseadas no princípio do
consentimento. O indivíduo, por seu turno, tem deveres para com a comunidade,
fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão
às limitações estabelecidas pela lei com vistas exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de
satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa
sociedade democrática. Esta dicção é extraída do art. 29 da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, plenamente aplicável em matéria de Justiça Fiscal.98
96 MACEI, Demetrius Nichele. Universitas e Direito, 2012. p. 75,76.
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/universitas?dd1=7482&dd99=view&dd98=pb 97 MACEI, Demetrius Nichele. Universitas e Direito, 2012. p. 75. Citando TIPKE, Klaus. Moral Tributária
del estado y de los contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002. p. 121.
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/universitas?dd1=7482&dd99=view&dd98=pb 98 MACEI, Demetrius Nichele. Universitas e Direito, 2012. p. 75, 76.
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/universitas?dd1=7482&dd99=view&dd98=pb
61
O princípio da capacidade contributiva é de suma importância para o
equilíbrio da tributação e instrumento da promoção da justiça social fiscal.
A justiça fiscal tem por objetivo livrar contribuintes, que não possuem
condições aceitáveis e necessárias para assumir o pagamento de tributo, mas que
pelo princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, em defesa de um
país justo e solidário, deve ter um tratamento desigual, em relação àquelas pessoas
que têm mais recursos. Essa isenção leva em consideração a justiça social fiscal,
para que pessoas carentes tenham acesso a bens, serviços e obras públicas
realizadas pelo Estado.
Pagar tributos é uma imposição consolidada, no entanto, embora a tributação
seja uma obrigação advinda de lei e da Constituição Federal, não significa que seja
justa.
Normas já existem, resta, todavia, que sejam bem aplicadas, pois, como já
dizia Ruy Barbosa o povo deve ser julgado não pela Constituição que tem, mas pelo
modo como a pratica.99
O princípio da igualdade, no direito tributário, é investigado através do
princípio da capacidade contributiva. Os dois se alternam em suas aplicações, de
conformidade com cada tributo. Aplica-se o princípio da capacidade contributiva nos
impostos sobre a renda ou sobre o patrimônio. Nos tributos em geral, nos
vinculados, aplica-se o princípio da justiça fiscal no intuito de desonerar contribuintes
baixa renda dos pagamentos das taxas e contribuições de melhoria, cobrando das
pessoas que tenham melhores condições de riqueza para pagar pelos serviços e
obras executadas pelo Estado.
O uso dos princípios citados acima tem o objetivo maior de buscar a
igualdade entre as pessoas. Essa busca pela igualdade das pessoas físicas e
jurídicas é um objetivo amplo e importante para o acervo constitucional pátrio.
Roque Carrazza explica que alguns impostos, por sua natureza, não
permitem que o princípio da capacidade contributiva seja observado, citando o ICMS
como um deles, pois qualquer pessoa que adquirir uma mesma mercadoria
contribuirá com o mesmo valor de imposto, pois, esse tributo é pago consumidor
final, e não pelo fabricante, indústria ou um comércio. Ressalta que a carga tributária
99 Pensamento trazido por Betina Treiger Grupenmacher in GRUPENMACHER, Betina Treiger. A reforma
tributária e a afronta aos direitos fundamentais. Revista Fórum de Direito Tributário: RFDT, v.5, set./out.
2003.
62
é igual para todos os consumidores finais, pobres ou ricos. Ele exemplifica dizendo
que se um milionário ou um mendigo comprarem cada um para si, um maço de
cigarros, ambos, igualmente, pagou o mesmo valor de imposto.100
Os princípios da capacidade contributiva no direito tributário e da igualdade
devem ter a incumbência de um princípio maior, que é o da justiça social, pela busca
da justiça fiscal.
O Professor Luciano Amaro cita Geraldo Ataliba dizendo que, o princípio da
capacidade contributiva é parte natural das coisas, pois, onde não houver riqueza de
nada adianta criar imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta cavar
poço à busca de água.101
Se der a um menino duas balas de caramelo, certamente ele rirá de alegria.
No entanto, se em seguida seu irmão receber quatro, será o bastante para que o
irmão fique em lágrimas. Esse menino que não entende de justiça fiscal, não
entende de capacidade contributiva, aos prantos esbravejará que não é justo que
tenha recebido duas balas de caramelo e seu irmão quatro. E a dor da injustiça
superará e dominará por completo o prazer das duas balas de caramelo.
Certamente que a noção de igualdade está presente em sua reclamação e
descontentamento.
Existem autores que estudam a igualdade apenas pelo aspecto negativo onde
é proibido ao legislador fazer distinções. Mas a igualdade, em relação ao Direito
Tributário, deve ser formulada de maneira positiva. A capacidade contributiva no
direito tributário é consequência do lado positivo do princípio da igualdade, sendo
dever do legislador diferenciar desigualdades. Assim, o lado positivo da igualdade
impõe que o tributo seja quantificado segundo a capacidade contributiva de cada
um, que é variada, e o lado negativo do princípio, que é o dever de não discriminar,
constrangendo o legislador ordinário a criar os mesmos deveres tributários para os
contribuintes com igual capacidade contributiva.102
No campo tributário realizar essa distinção se torna mais difícil, pois, na lição
de Celso Antonio Bandeira de Mello a lei não deve ser fonte de privilégios ou
100 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo-SP:
Malheiros, 2013. p. 111. 101 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2004. p. 137. 102 Derzi, Misabel de Abreu. Do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, em co-autoria
com Sacha Calmon. Editora Saraiva, 1982, referida por Sacha Calmon Navarro Coelho, em seu Curso de
Direito Tributário Brasileiro.
63
perseguições, mas mecanismo regulador da vida social que necessita tratar
igualmente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo
princípio da igualdade e capacitado pela Constituição, ou de todo modo comparado
pelos conjuntos normativos em vigor. Assim, não resta dúvida que, ao se cumprir
uma lei, todos os protegidos por ela hão de receber tratamento igualitário, sendo
certo, ainda, que ao próprio preceito legal é vedado conceder disciplinas diversas
para situações equivalentes.103
Demais disso, para desate do problema é insuficiente recorrer à notória
afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetida, segundo cujos termos a
igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.104
Mas, quem são os iguais e quem são os desiguais?
O que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a rubrica
de desiguais? Em suma: qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à
isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para
fins de tratamentos jurídicos diversos?
Para Celso Antonio Bandeira de Mello só respondendo a estas indagações
poder-se-á lograr adensamento do preceito, de sorte a emprestar-lhe cunho
operativo seguro, capaz de converter sua teórica proclamação em guia de uma
práxis efetiva, reclamada pelo próprio ditame constitucional.105
Ademais a lei não pode tomar tempo ou data como fator de discriminação
entre pessoas a fim de lhes dar tratamento díspares, sem com isto pelejar à arca
partida com o princípio da igualdade.106
O princípio da isonomia impõe que sejam tratadas igualmente as posições
iguais e desigualmente as desiguais. Não há como desigualar pessoas e situações
quando nelas não se encontrem fatores desigualantes.
Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que não se podem interpretar como
desigualdades legalmente certas situações, quando a lei não haja “assumido” o fator
tido como desequiparador. Se a lei se propôs distinguir pessoas, situações, grupos,
e se tais diferenciações se compatibilizam com os princípios expostos, não há como
negar os discrímens. Contudo, se a distinção não procede diretamente da lei que
103 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. Ed. São Paulo:
Malheiros, 2014. p. 10. 104 Ibid., p.10. 105 Ibid., p. 11. 106 Ibid., p. 33.
64
instituiu o benefício ou exonerou de encargo, não tem sentido prestigiar
interpretação que favoreça a contradição de um dos mais solenes princípios
constitucionais.107
O saudoso Hugo de Brito Machado ensina que seria verdadeiramente
absurdo pretender-se que todos recolhessem o mesmo tributo. Assim, no campo da
tributação o princípio da igualdade confunde-se com o princípio da capacidade
contributiva. É necessário que o legislador ao editar determinada lei investigue as
condições efetivas dos contribuintes que estarão subordinados ao tributo, não sendo
possível tratá-los desigualmente se estiverem presentes as mesmas condições, não
existindo elemento relevante que permita a diferenciação.108
Preceitua o §1º do art. 145 da Constituição Federal que o princípio da
capacidade contributiva no direito tributário, ao menos a título dos impostos, deve
levar em conta a capacidade econômica do contribuinte, assim, paga mais quem
possuir maior riqueza econômica.
Regina Helena Costa conceitua capacidade contributiva como uma aptidão,
da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário, numa obrigação cujo
objeto é o pagamento de imposto, para sustentar a carga tributária, sem
perecimento da riqueza propagadora da tributação.109
Existem desigualdades, mas, pelo princípio da igualdade, os ricos devem
contribuir mais com impostos que os pobres. Muitos acham justo todos pagarem os
impostos igualitariamente, ainda que pouco. No entanto, para haver no direito
tributário, a concretização da justiça, quem tem pouca capacidade contributiva, deve
pagar menos impostos, mas aquele que ganha igual ou abaixo do mínimo
existencial, não deve pagar nada, porque não pode.
Esta é à exceção do princípio da igualdade que legitima o princípio da
capacidade contributiva no direito tributário.
O princípio da capacidade contributiva se deu na Alemanha, contudo, foi na
Espanha que se começou a discutir sobre mínimo existencial, fator que fortaleceu o
princípio da capacidade contributiva, disposto no art. 145, parágrafo 1º da
Constituição do Brasil de 1988, sendo uma espécie de limitação ao poder de tributar
por parte do Estado, o qual deverá respeitar a capacidade contributiva individual de
107 Ibid., p.45. 108 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 187. 109 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 101.
65
cada cidadão, não podendo oprimi-lo de forma a alcançar o mínimo existencial
necessário à sua sobrevivência. Definido no ideal de justiça fiscal, o estudo do
princípio da capacidade contributiva é de vital importância, sobretudo por ser uma
forma de executar e materializar o princípio da igualdade dentro do Direito Tributário.
O princípio da capacidade contributiva, que tem como origem, a igualdade e a
justiça, nasce para estabelecer limites à vontade de arrecadar do Estado, impedindo,
assim, que este abuse na cobrança de tributos.
Cabe demonstrar uma relação com os demais princípios constitucionais com
o propósito de examinar sua utilização no sistema tributário brasileiro, sobretudo no
que diz respeito aos limites mínimos e máximos possíveis para uma tributação justa
e acertada.
Na Constituição do Império de 1824, o Brasil, sob influência dos ideais
liberais, no artigo 179, inciso XV, continuou a usar a norma de que “ninguém será
isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres”.110
Na Constituição de 1946 estabeleceu-se constitucionalmente no artigo 202 a
delimitação que “os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e
serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”.111
Apesar de muito importante, em 1965 a Emenda Constitucional nº 18 anulou o
artigo 202 da Constituição de 1946, apagando a capacidade contributiva da Carta
Magna, a qual se manteve na Carta de 1967 e na Emenda Constitucional nº 01 de
1969. Essas omissões nos textos constitucionais acabaram por atrasar o sistema
tributário nacional.
Defendido por Baleeiro, o princípio da capacidade contributiva volta a ser
considerada pelo constituinte na Constituição Cidadã de 1988, no artigo 145,
parágrafo 1º, ressaltando que, “sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...). A
justiça tributária deve repousar na personalidade e na graduação dos tributos,
segundo a capacidade econômica do contribuinte pessoa física ou jurídica. de
Tributar”.112
110 DERZI, Misabel in BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p.722. 111 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. 112 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. e comp. à luz da
Constituição de 1998 até a Emenda Constitucional n. 10/1996. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 687.
66
O art.145, parágrafo 1º da Constituição trás novamente o teor do texto da
Constituição de 1946, Art. 202 que diz: “Os tributos terão caráter pessoal, sempre
que possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”.
Ao analisar esses dois dispositivos verifica-se uma alteração de local da
expressão “sempre que possível”, que hoje se encontra na parte inicial do texto. Tal
alteração da norma criou algumas discussões a respeito do verdadeiro objetivo do
constituinte com essa direção constitucional.
Dessa forma verifica-se que as normas dispostas na Constituição de 1988
são carentes de sentido, e, é necessário se fazer uma análise do verdadeiro alcance
da expressão “sempre que possível”.
Na Constituição de 1946, tal expressão encaminhava-se de forma eficaz à
pessoalidade dos tributos, uma vez que está seguidamente posterior a essa regra.
Na Constituição de 1988 tal expressão inicia o comando constitucional,
tornando-se aplicável também à capacidade econômica do contribuinte.
Ocorre que uma breve análise pontual dessa expressão poderá dar o
entendimento de que tanto a natureza pessoal, quanto a graduação em acordo com
a capacidade econômica do contribuinte seria uma regra de aplicação facultativa.113
No entanto, tal entendimento distancia esta faculdade de aplicação,
protegendo que a expressão “sempre que possível”, longe de se relacionar à
discricionariedade do legislador, seria o de tornar obrigatória a aplicação desse
controle constitucional, pois, esse comando é vinculativo e obrigatório, a menos que
sua aplicação seja impossível à pessoalidade e a graduação dos impostos.
A pessoalidade sempre que possível, a que se refere a art. 145, § 1º, não é
regra que permite, nem concede poder discricionário ao legislador. Existe sim, uma
obrigatoriedade no artigo 145, parágrafo 1º, uma ordem que apenas poderá ser
desatendida quando existir concreta impossibilidade prática na sua aplicação.
Ricardo Lobo Torres busca colocar exceção em juízo a aplicação do
comando constitucional quando não houver possibilidade jurídica na sua incidência
(impossibilidade de mensurar a capacidade contributiva do contribuinte), dada as
particularidades (natureza e técnica de incidência). O segundo tem o objetivo de
tornar o artigo 145, parágrafo 1º, adequado às atividades extrafiscais do Estado,
113 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. rev. E atual. São Paulo: Malheiros,
2003, p.91.
67
permitindo-o agir na busca de outros ideais que refogem à simples arrecadação de
tributos.114
O princípio da capacidade contributiva, longe de ser considerado uma regra
programática, deverá ser aplicado sempre que isto for possível. Assim, se faz
necessária uma posição atuante do legislador para fazer jus o comando
constitucional e assim possa assegurar que as exigências tributárias brotem
considerando as características de cada contribuinte, acatamento fundamental para
a realização de uma tributação mais justa e adequada.
Um indivíduo pode ter condições econômicas para comprar bens necessários
a sua existência mínima, todavia, pode não ter capacidade contributiva, para pagar
tributos, pois, gasta toda a sua renda com o mínimo existencial.115
Para a exata compreensão do conteúdo e conceito do princípio da
capacidade contributiva, um dos principais pontos a ser analisado é a sua relação
com o princípio da igualdade.
Mesmo havendo discordância entre os mestres do Direito sobre a relação
destes dois princípios, uma grande parte dos que estudam acabam admitindo que o
princípio da igualdade aparece e se materializa no campo do direito tributário, por
meio do princípio da capacidade contributiva.
O princípio da igualdade como um dever pleno pode ser aplicado em qualquer
ramo do direito, pois, trata-se de um direito fundamental da pessoa humana.
Apesar desse ponto de vista, a doutrina buscou examinar esse entendimento
de maneira a precisar a identificação do vínculo que existe entre capacidade
contributiva e o princípio da igualdade.116
Se todos perante a lei são iguais, todos pela lei devem pagar seus impostos e
essa igualdade deve ser a capacidade de recurso que cada contribuinte possui, uma
vez que o tributo tem por objetivo alcançar recursos econômicos dos contribuintes
para a manutenção do Estado. Todo cidadão que possui riqueza deverá pagar
tributos igualitariamente, sendo tributados de forma igual na medida da igualdade
das riquezas que demonstradas.
114 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 13. ed. rev. E atual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p.96. 115 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 34-36 116 Ibid., p. 40.
68
Ao tributar o Estado deve levar em consideração o mínimo necessário digno,
para que o contribuinte possua se manter, e, no caso da empresa o mínimo
indispensável para que ela prossiga gerando riquezas.
A tributação não pode muito alta ou expropriatória, ou seja, a tributação, em
comparação com diversos princípios e garantias constitucionais, como o direito ao
trabalho, à livre iniciativa, proteção à propriedade, deve facilitar e até mesmo
auxiliar o exercício de atividade profissional ou empresarial lícita, não retirando do
contribuinte parcela substancial de propriedade em acordo com o princípio da
capacidade contributiva, pois, são proporção de graduação e limite da tributação.
Como princípio inteligente e dinâmico, a igualdade trabalha em diversos
campos, sendo que no tributário ela se desenvolve em variados sentidos. A
capacidade contributiva é apenas uma das peculiaridades que atuam com o intuito
de realizar o ideal de justiça fiscal, tratando todos de igual forma.
Todavia, a doutrina o vê como princípio livre, resultado lógico da igualdade, e
demonstra que o vacilo não é um embaraço para a sua aplicação.
Klaus Tipke afirma que todo o princípio geral é dono de maior ou menor
determinação, e que o conteúdo do princípio da capacidade contributiva é
imprevisível, mas não indefinível.117
No sentido, objetivo ou absoluto, capacidade contributiva é a existência de
uma riqueza capaz de ser tributada e no segundo sentido, o subjetivo ou relativo,
constitui-se na parte dessa riqueza que será motivo da tributação em face de
condições individuais, da capacidade contributiva como regra de graduação e limite
do tributo.
Verifica-se que pelo ponto de vista do preceito da capacidade contributiva
revelam-se determinados mandamentos que deverão ser realizados para que se
viabilize o emprego justo da tributação. A princípio essas regras são destinadas ao
legislador que deverá respeitá-las na elaboração da norma tributária sob o risco de
torná-la inconstitucional.
O ponto de partida da tributação é a necessidade de que o fato a ser tributado
seja revelador de riqueza no sentido objetivo ou absoluto, pois, se o fato não
demonstrar riqueza, não poderá o legislador incidir-lhe norma tributária.
117 Ibid., p. 31-32.
69
O montante a ser tributado tem que levar em conta as especificidades do
contribuinte, não podendo tocar na parcela destinada à sua manutenção, não
podendo ser confiscatório.
Para Regina Helena Costa o conceito de capacidade contributiva, ainda que o
termo que a expressa padeça da ambiguidade e da imprecisão características da
linguagem do direito positivo pode ser singelamente definido como a aptidão da
pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário para suportar a carga
tributária, numa obrigação cujo objeto é o pagamento de imposto, sem o
perecimento da riqueza garantida da tributação.118
Carrazza apresenta a ligação do princípio da capacidade contributiva com o
princípio da igualdade. Em termos econômicos, quem tem maior riqueza deve,
proporcionalmente, contribuir mais para a manutenção da coisa pública, pagando
mais imposto do que aquele que tem menor riqueza. Paga mais, quem mais tem, do
que aquele que tem menos.119
Carrazza afirma que a capacidade contributiva é objetiva, porque se refere
não às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente
considerado, mas às suas manifestações objetivas de riqueza, referindo-se à
atividade de eleição do legislador de eventos que demonstrem aptidão para
concorrer às despesas públicas, denominados por Carrazza como fatos-signos
presuntivos de riqueza.
Assim, ao criar-se um imposto, deve haver um conjunto de alíquotas variáveis
e progressivas, aumentadas à medida que se aumenta a riqueza de cada um.
Se um contribuinte ganha 20 e paga 2 e outro ganha 200 e paga 20, os dois
estão pagando de forma proporcional o mesmo tributo, no entanto, o sacrifício do
primeiro contribuinte é incontestavelmente maior que o do segundo. Para Carrazza o
princípio da capacidade contributiva só será atendido se o imposto for progressivo,
um contribuinte ganha 20 e paga 2, e outro que ganha 200 pague 25.
O princípio da capacidade contributiva pode ser definido como a capacidade
que o contribuinte tem para pagar tributos. É a possibilidade de ser sujeito passivo
118 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 107. 119 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed. São Paulo, Malheiros,
2013. p. 97.
70
dos tributos, sem que isso se caracterize abuso ao seu mínimo existencial ou tenha
efeito confiscatório.120
Regina Helena Costa ensina que a classificação da capacidade contributiva
pode ser absoluta ou objetiva, e, funciona como pressuposto ou fundamento jurídico
do tributo, ao condicionar a atividade de eleição, pelo legislador, dos fatos que
ensejarão o nascimento de obrigações tributárias. Representa sensível restrição à
discrição legislativa, na medida em que não autoriza como pressuposto de impostos,
a escolha de fatos que não sejam reveladores de alguma riqueza.121 No que tange
ao aspecto subjetivo, entende a jurista que, por ser utilizado como critério de
graduação de impostos, atua como limite da tributação, preservando o “mínimo
existencial” e impedindo que a progressividade leve ao confisco ou a restrição de
outros direitos constitucionais.122
Ao desenhar um paralelo entre o princípio da igualdade que justifique o
princípio da capacidade contributiva e termos uma melhor compreensão do
mandamento constitucional do artigo 145, parágrafo 1º, Ricardo Lobo Torres traçou
um objetivo que busca excepcionar a aplicação do comando constitucional quando
não houver viabilidade jurídica na sua incidência, ou seja, quando houver
impossibilidade de medir a capacidade contributiva do contribuinte, dada às
particularidades da exação, e um segundo objetivo visando dar adequação ao artigo
145 às ações extrafiscais do Estado, permitindo-o atuar na busca de outros ideais
que fogem ao simples recolhimento de tributos.123
Os parâmetros de limitação da tributação devem pautar-se pelo respeito à
dignidade da pessoa humana, protegendo da tributação o mínimo existencial para a
sobrevivência do indivíduo e a manutenção da empresa, protegendo-os do confisco.
Este é o ideal da justiça fiscal que se busca, garantindo uma tributação que
satisfaça as despesas públicas, diminuindo as desigualdades sociais e promovendo
o progresso econômico do país.
Observando as lições de J.J. Gomes Canotilho, a igualdade na lei deve
procurar justiça pessoal, exigência de igualdade material através da lei e igualdade
120 Ibid., p. 100. 121 Ibid., p. 28. 122 Ibid., p. 28-31. 123 Ibid., p. 96.
71
justa. Ela deve antecipar efeitos jurídicos similares para todos os indivíduos que
possuam características semelhantes.124
Bem sintetiza Hugo de Brito Machado ao dizer que a verdadeira igualdade
reside na proporcionalidade, que nada mais é que aplicar critérios racionais e lógicos
aos casos concretos, em detrimento de parâmetros subjetivos. "125
É manifesto que o Estado para realizar a atividade estatal precisa de
recursos, e uma das substanciais preocupações do Estado é conseguir valores
monetários através de receitas públicas para ter subsídios financeiros capaz de
financiar sua atuação. Os tributos, sem dúvida representam a principal nascente
desses recursos, para a realização de políticas públicas e buscar a tão sonhada
justiça social.
Pontes de Miranda declara em seu livro Democracia, liberdade, igualdade: os
três caminhos que "o ponto nevrálgico da história é o problema da igualdade" ao
admitir valores próprios do direito natural reconhecendo a forma ideal de justiça pelo
jusnaturalismo."126
Para o autor a igualdade não é presente para todos os povos civilizados como
deveria ser após a revolução industrial, se entendermos por "estar dentro dela",
terem eles chegado à época das grandes indústrias.
O autor relata que os problemas presentes de igualdade já expuseram carne
e sangue na Europa e ameaçam a civilização euro-americana."127
A igualdade perante a lei consiste na obrigação de aplicar as normas jurídicas
gerais aos casos concretos, em consonância com o que elas estabelecem, ainda
que dela resulte uma discriminação, caracterizando a igualdade puramente formal,
enquanto a igualdade na lei exige que, nas normas jurídicas, não exista distinções
que não sejam autorizadas pela Constituição.
A igualdade formal sempre que é chamada, refere-se ao Estado visto sob sua
natureza formal e resulta da concepção política do Estado de Direito, que é baseado
na lei igual para todos.
É importante saber quem surge como destinatário do princípio jurídico da
124 CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Almedina. Coimbra.
2000. p. 417- 419. 125 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação da Constituição de 1988. 3. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 56. 126 MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1979.p. 521. 127 Ibid., p. 521.
72
igualdade formal. Se o legislador, que ao criar a norma não abalará o acordo de
igualdade conferindo exigências presentes em uma dada coletividade e tratando
vagamente de maneira igual a todos, ou, é o aplicador que deverá aplicar a lei sem
distinção a todas as partes, e, ainda, se o princípio é aplicável a ambos.
De outro lado a igualdade material consiste em perceber a realidade prática e
investigar as diferenças existentes entre as pessoas menos favorecidas por algum
aspecto social, econômico ou político, para então criar leis de conteúdo essencial
que os favoreçam, e, desta forma alcançar o nível de igualdade das classes sociais
e econômicas enaltecidas pelo sistema."128
A igualdade material é aquela que assegura o tratamento igualitário de todos
os homens, resultando em igualdade real e comprovada de todos, na presença dos
bens e recursos da vida.
É vital ressaltar que essas regras que autorizam diferenciar as pessoas,
situações ou grupos, por alguma circunstância social ou econômica, devem ser
exercidas reunindo a razoabilidade para evitar quebra da isonomia e dos próprios
valores inseridos na Constituição.
Na presença de desigualdades sociais deve-se buscar a igualdade real para
pôr em prática a nivelação das posições desiguais, senão, em vez de gerar o Direito
e igualdades, gera mais desigualdades."129
Pontes de Miranda discorre que Keynes nos alerta que o homem tem por fito
o lucro e só o lucro, porém, esse homem no seu negócio é dirigido pelo fito de lucro
e o fito de lucro consiste em egoísmo, poupança do trabalho próprio e exigência de
trabalho aos outros."130
Esse propósito não entra nas atividades psicológicas superiores e o domínio
das tendências pitiáticas (cura pela persuasão) torna o indivíduo obstinado nos seus
apetites, nas suas crenças, no que deseja, na sua teimosia violenta. E,
desgraçadamente é dentre esses pitiáticos que se escolhem os líderes das
indústrias e da política, o que perfaz os diferentes graus que vão da plutarquia
democrática, onde o que manda é o dinheiro, à regressividade sistemática,
metódico. Esses indivíduos se caracterizam pela paixão, pelo egoísmo, pela
128 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 180. 129 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001. p. 140. 130 Ibid., p. 523.
73
preguiça, e pela mentira que decorre naturalmente da reflexão quando esta não é
ultrapassada."131
Assim, da abrangência do princípio da igualdade brotam diversos outros
previstos nos dispositivos constitucionais. Para exemplificar citamos o Art. 7°, XXX,
que veta a diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; o Art.
5°, XLII, que proíbe o racismo e art. 150, II que prevê o princípio da igualdade
tributária.
Diante da extrema relevância que o princípio da igualdade possui no sistema
tributário, mesmo que previsto de forma geral no caput do art. 5°, o legislador
constituinte originário resolveu por bem reiterá-Io no art. 150, II que inaugura a
seção das limitações ao poder de tributar. Assim, fica claro e evidente que não há
dois princípios distintos, mas somente um reforço, uma repetição legislativa no que
diz respeito ao princípio da igualdade no Direito tributário.
O que é ser desigual em matéria tributária? A medida é a capacidade
contributiva. Essa é a conclusão da doutrina. Quando que eu posso tratar
desigualmente o contribuinte? Quando o contribuinte tiver maior capacidade
contributiva. Isso é igualitário, isso é aplicar essa igualdade, e é a única regra de
discriminação que está disposta na Constituição.
Na verdade, somos seguros na asserção que mesmo que não houvesse a
previsão do Art. 150, II da CF/88, o caput do art. 5° bastaria para que o princípio da
igualdade tivesse força impositiva em matéria tributária, devendo orientar a
interpretação de todas as normas do sistema jurídico e não apenas áreas
específicas.
Carrazza pontua que não significa por claro, que as leis tributárias devem
tratar todas as pessoas da mesma maneira, mas tão somente que precisam conferir
o mesmo tratamento jurídico as que se encontram em igual situação.132
Aqueles com igual capacidade contributiva serão tratados com igualdade, e
com desigualdade os que revelem riquezas diferentes e, portanto, diferentes
capacidades de contribuir.133
Da mesma forma Carrazza entende que o princípio da igualdade está
131 Ibid., p. 523-524. 132 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed. São Paulo, Malheiros,
2013. p. 477. 133 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. São Paulo, Saraiva, 2006. p. 135-136.
74
umbilicalmente relacionado com o da capacidade contributiva, uma vez que tributar
os que apresentam maior riqueza significa colocar em prática a procura da igualdade
material. Nesse sentido, o autor salienta que o princípio da capacidade contributiva
alberga-se nas pregas do princípio da igualdade ajudando no campo tributário a
realização dos ideais republicanos, pois, é de justiça que quem economicamente
tem muito, pague proporcionalmente mais impostos do que aquele que tem menos.
Quem tem mais contribui mais para a manutenção do Estado. As pessoas físicas e
jurídicas devem pagar impostos de acordo com seus inventários de riqueza."134
Duas condições são necessárias: a maior igualdade, porque produz e resulta
por si só de maior mercado interno, de política de maior capacidade aquisitiva e a
maior "moralidade" dos indivíduos."135 A desigualdade existe entre os homens,
como existe a igualdade. O que é preciso é que aquela não invada, não devore o
domínio dessa; nem essa o daquela."136
Assim, verifica-se que o princípio da capacidade contributiva também está
ligado ao princípio da igualdade tributária na sua essência positiva no sentido de que
o legislador está forçado a atribuir uma maior carga de tributos para aqueles
detentores de maior capacidade de contribuir com as despesas para manutenção da
coisa pública.
O princípio da capacidade contributiva somente pode ser entendido como
manifestação exata da igualdade quanto aos tributos com finalidade eminentemente
fiscal. Isto porque, quanto aos tributos com fins extra fiscais, a observância deste
princípio é mitigada - e não completamente excluída, já que o "mínimo vital" sempre
deverá ser preservado - diante da necessidade de perseguir outros objetivos.137
O sacrifício econômico suportado pelo contribuinte pessoa física ou jurídica
deve ser igual para todos os que se encontram na mesma situação jurídica.138
Para Carrazza é pelo modo de diferenciação que o legislador realiza a igualdade
tributária material, chegando-se ao resultado da igualdade e da capacidade
contributiva, que é precisamente a garantia de uma tributação justa.
Porém, essa posição permite que qualquer razão que não seja absolutamente
134 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28. ed. São Paulo, Malheiros, 2012.
p. 96-97. 135 Ibid., p. 528. 136 Ibid., p. 549. 137 Ibid., p. 73. 138 Ibid., p. 87.
75
inadequada dê origem a uma diferenciação. Assim, Tipke, analisando decisões do
Tribunal Constitucional Alemão, entende que não é suficiente qualquer motivo
objetivo, para ele deve acontecer uma observação de valores entre o princípio que
serve de modo de comparação e o princípio que fundamenta a norma, a qual não
observa o modo de comparação e, consequentemente, determina o tratamento
desigual."139 O autor lembra que não é bastante que as leis façam uma divisão
igualitária da carga tributária. É preciso também que o legislador estabeleça
mecanismos procedimentais que tornem exequíveis à aplicação do direito material.
Humberto Ávila, ao analisar decisões do Supremo Tribunal Federal, ressalta
que o princípio da igualdade não estará sendo violado quando: (a) a norma tratar de
forma igual os contribuintes que se encontram na mesma situação; b) o tratamento
diferenciado não violar nenhum direito fundamental; c) nenhuma pretensão
decorreria do igual tratamento; (d) o tratamento diferenciado possui uma base
constitucional justificadora.140 A justiça fiscal pode ser concebida como um critério de
tratamento que percebe modos igualitários, respeitando a diferença e
restabelecendo uma exata ligação entre cidadão e Estado.
Sobre o papel da justiça no Direito tributário, Tipke assevera que a justiça
fiscal é o valor supremo do Estado de Direito dependente de impostos e, ao mesmo
tempo, o valor supremo da comunidade.
Para ele o Direito Tributário encontra as desigualdades econômicas
existentes numa economia de mercado e o princípio da igualdade requer que a
carga tributária total seja igualmente distribuída entre os cidadãos. A parte social da
justiça exige que ricos paguem proporcionalmente mais tributos que os mais
pobres."141
De verdade, é através de preceitos de justiça fiscal que se pode perceber a
melhor forma de contribuição do indivíduo para a manutenção de uma esfera pública
livre e igual. Atendida a justiça fiscal, a tributação deixa de ser uma mera entrega de
recursos ao Estado para custeio de suas despesas. A tributação passa a incorporar-
se no próprio núcleo central da cidadania, através do qual o próprio cidadão adquire
esta condição, na medida em que contribui livre e igualitariamente para a
139 TIPKE, KIaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São
Paulo: Malheiros, 2002. p. 24. 140 Recurso Extraordinário n° 203954, ReI. Ministro limar Galvão, D.J.07.02.97 e Recurso Extraordinário nº
236931, Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJ 10.08.99. 141 Ibid., p.18.
76
preservação e conservação de sua liberdade e igualdade. Assim, o princípio da
justiça fiscal ressalta o sentido público da tributação e de seus valores
essenciais."142
Tipke ressalta que a justa divisão da carga tributária total entre os indivíduos é
dever ético para todo Estado de Direito. Efetivamente, é possível apontar-se três
bens tributáveis, três grandezas indicadoras de riqueza econômica de alguém,
através dos quais é possível a contribuição para o custeio do Estado: a renda, o
patrimônio e o consumo."143 Daí, a importância do princípio da capacidade
contributiva, pois, o princípio da igualdade exige um modo ajustado de avaliação. No
caso do Direito tributário, o melhor critério é o princípio da capacidade contributiva.
Deveras, Victor Uckmar conecta a capacidade contributiva com o sentido
econômico de igualdade, na medida em que a carga tributária deve ser repartida em
função da capacidade contributiva do cidadão, frente ao dever tributário de suprir as
necessidades da coletividade."144
Contudo, na ideia de capacidade contributiva, deve-se levar em conta "[...] A
noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados
preceitos constitucionais (CF, art. 1°, III e art. 3°, III), que garante condições
adequadas de existência digna, assegurando, à pessoa, acesso efetivo à educação,
à saúde, à assistência social, à moradia, à alimentação e à segurança."145
Hugo de Brito Machado ressalta que a dificuldade maior da igualdade fiscal
aparece quando as leis estabelecem discriminações."146 Ele relata que elas sempre
as discriminarão, mas não devem negligenciar da utilização de preceitos plausíveis e
coerentes para não violar esse princípio básico da justiça fiscal e,
consequentemente, do Direito tributário.
A justiça fiscal e a justiça social não são apenas objeto de oratória, é sim, um
direito estabelecido pelo ordenamento jurídico brasileiro.
142 CALIENDO, Paulo. Da justiça fiscal: conceito e aplicação. Interesse Público, Porto Alegre, n. 29, 2005b. p. 297. 143 TIPKE, KIaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o principio da capacidade contributiva. São
Paulo: Malheiros, 2002. p. 109. 144 UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. 2. ed. São Paulo:
Malheiros,1999. p. 84. 145 Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). [ ... ]. (SlF - AG. REG. NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE 639337 SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO,
Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-l77 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC
15-09- 2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)''. 146 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros,
2008.
77
Demetrius Nichele Macei relata que ciência do direito tributário tem se
preocupado com o estudo do conjunto de regras e princípios relativos à matéria de
tributos, seja sob o aspecto da sua instituição pelo Poder Legislativo, seja por sua
cobrança exercida pelo Poder Executivo (Administração Pública).
Para o citado autor a Constituição Federal – da qual decorrem, expressa ou
implicitamente, todas essas regras e princípios – revela no seu Sistema Tributário
um delimitado conjunto de normas dirigido especialmente ao Poder Legislativo
enquanto instituidor de tributos. Tais normas são chamadas de “Limites ao Poder de
Tributar” do Estado. Essa postura constitucional deixa evidenciado o resultado de
importante evolução histórica relativa à arrecadação de tributos dos cidadãos, qual
seja: O Poder Soberano, inicialmente representado pelo conquistador de terras e
mantenedor de exércitos, e modernamente representado pelo patrimônio público
gerido por um representante eleito pelo povo (res publica), sempre teve a
prerrogativa de requisitar parte da propriedade dos particulares para os seus
domínios.
Por mais que a instituição e a cobrança de tributos tenha se aprimorado com
o passar dos séculos, trazendo importantes garantias aos contribuintes e também ao
Estado, para a satisfação do seu crédito, a doutrina ainda diverge quanto ao papel
do tributo na sociedade.
Demetrius Nichele Macei cita Ives Gandra da Silva Martins que define o
tributo como sendo norma de rejeição social, com destinação maior à manutenção
dos detentores do poder, e grande instrumento de exercício do poder por parte
destes, com alguns efeitos colaterais positivos a favor do povo, quando há algum
retorno de serviços públicos.147
O Professor Demetrius Nichele Macei salienta que em lado oposto, Ricardo
Lobo Torres define pagamento do tributo como dever fundamental do cidadão,
norteado pelo princípio da solidariedade do grupo, pela capacidade contributiva e
pela finalidade de obtenção de receitas para as necessidades públicas.148
No Brasil, vez que adotado o chamado princípio da Capacidade Contributiva,
147 MACEI, Demetrius Nichele. Universitas e Direito, 2012. p. 68. Cita MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma
teoria do tributo. In: O Tributo: Reflexão multidisciplinar sobre sua natureza. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p. 06. http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/universitas?dd1=7482&dd99=view&dd98=pb 148 MACEI, Demetrius Nichele. Universitas e Direito, 2012. p. 68. Cita TORRES, Ricardo Lobo. Curso de
Direito financeiro e tributário. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. P.321.
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/universitas?dd1=7482&dd99=view&dd98=pb
78
aquele que revela mais riqueza deve contribuir mais para com o Estado e aquele
com menos capacidade econômica, por outro lado, contribui menos ou até deixa de
contribuir com o pagamento de alguns tributos.
Tal capacidade contributiva visa atender, em primeiro plano, o Princípio
Constitucional da Igualdade Tributária, decorrente do Princípio da Igualdade geral,
consistente em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata
medida da sua desigualdade. Esta “medida da desigualdade‟, em termos tributários,
é justamente a Capacidade Contributiva. A única forma admitida pela Constituição
para que o legislador discrimine uma pessoa de outra, ao cobrar tributos, é de
acordo com a capacidade econômica de cada um.
É por isso que no Brasil não temos um “Imposto dos Bancos” ou um “Imposto
das Fábricas de Chapéus”, por exemplo. Há um senso comum de que os Bancos
têm lucratividade acima da média, e que qualquer negócio relacionado ao comércio
de chapéus, numa época em que não se usa mais vestuário como esse, estaria
fadado à quebra.
Ocorre que há bancos que também dão prejuízo. Basta uma rápida consulta
àquelas instituições financeiras sujeitas a intervenção do Banco Central
regularmente. Um pouco mais raro, mas presente é o fato de que algumas fábricas
de chapéus são altamente lucrativas. Basta consultar a lista de fornecedores de
grandes marcas de vestuário francês ou italiano de moda feminina, por exemplo.
Simplesmente pelo fato de não ser possível afirmar que os bancos são
sempre lucrativos e as fábricas de chapéus, sempre deficitárias, é que a tributação
se dá sobre a renda de cada uma delas, independentemente de sua atividade
empresarial, por meio da cobrança do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica
(IRPJ). Se não há renda, não há capacidade contributiva. E para o caso da renda,
do acréscimo patrimonial, para atender ainda melhor ao Princípio da Capacidade
Econômica, o legislador está também autorizado a tributar de forma progressiva, isto
é, eleva ainda mais as alíquotas naqueles casos em que a renda é ainda maior.
A tributação, porém, não provém apenas da renda. Usualmente incide sobre o
consumo, dificultando o atendimento ao princípio da capacidade contributiva. Tal
qual ocorre com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Capacidade Contributiva do cidadão
é teoricamente irrelevante para a cobrança do tributo. A forma encontrada pelo
legislador para atender tal princípio foi a adoção da chamada técnica da seletividade
79
da mercadoria ou produto em razão da sua essencialidade. Mediante tal regra, ou
princípio para alguns, a tributação é mais gravosa sobre os itens considerados
supérfluos e supostamente consumidos por pessoas de maior capacidade
econômica que aqueles itens essenciais, supostamente consumidos por toda a
população.
Existem outros tantos tributos que, sempre que possível, devem atender ao
citado princípio da Capacidade Contributiva. O seu desrespeito, em todo o caso,
prejudica, anula ou até mesmo conduz a efeito inverso ao da geração de renda pelo
contribuinte, gerando pobreza. Isso é prejudicial quando a tributação é elevada a
ponto de proporcionar um crescimento patrimonial pífio, e, portanto instável, da
pessoa física ou jurídica. O limite máximo da capacidade contributiva é atingido
quando não só resta anulada a riqueza com o ônus tributário excessivo, mas
também o contribuinte tenha que se desfazer de parte de seu patrimônio-base para
arcar com as dívidas tributárias decorrentes de sua atividade. Neste momento fala-
se em efeito confiscatório dos tributos, igualmente vedado pela Constituição Federal.
De maneira elementar, o não atendimento a capacidade contributiva torna a
tributação insustentável, pois, ao anular a riqueza do cidadão, o Estado não terá
alternativa senão interromper a cobrança de tributo e sustentar-se de outras formas
(emissão de moeda, emissão de títulos da dívida pública etc.) que, cedo ou tarde,
esgotaria sua própria capacidade de sobrevivência.149
2.3. MÍNIMO EXISTENCIAL E A CONSTITUÇÃO
Com a queda dos sistemas arbitrários e autoritários do pós-segunda Guerra
Mundial e a carência que se constatou com essa experiência histórica, a ideia de
delimitar de fato e de direito o poder estatal e dos governantes, as teorias jus
naturalistas ganharam estímulo, que acabaram por incentivar o desenvolvimento do
constitucionalismo e na construção do arcabouço de novas Constituições pelo
149 MACEI, Demetrius Nichele. Universitas e Direito, 2012. p. 69, 70.
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/universitas?dd1=7482&dd99=view&dd98=pb
80
mundo. Houve a necessidade de inserir nesses documentos políticos vastas
declarações de direitos individuais e sociais, adicionando a eles a criação de
controles de validade e legalidade das leis. Em 1948 a Organização das Nações
Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, criando dispositivos
de proteção internacional dos direitos do cidadão em face do Estado. O mesmo
ocorreu no Direito Brasileiro depois da promulgação da Constituição de 1946 –
encoberta, no entanto, pelo sombrio período que se seguiu ao golpe militar de 1964
com a Carta outorgada de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 – teve, na
promulgação da Constituição cidadã, em 05 de outubro de 1988, o ressurgimento do
Estado de Direito dotado de grande personalidade, inclusive inserindo em seu texto
um capítulo completo sobre direitos e garantias fundamentais do homem.150
No meio desses direitos, abalizados pela corrente jus naturalista como junção
dos direitos naturais à Constituição, encontra-se também o direito de proteção ao
mínimo existencial que decorre do desdobramento de outros princípios,
notadamente da capacidade contributiva, bem como se encontra em algumas
passagens do texto constitucional à frente tratadas. Esse princípio é digno de
implementação e a mais vasta efetividade, a ser alcançada especialmente pelo
desempenho interpretativo dos operadores do Direito.
J. J. GOMES CANOTILHO assevera que:
Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas, é hoje, sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).151
Essa acepção da doutrina do Direito Constitucional e a existência real dos
valores constitucionais, especialmente em relação à realização dos Direitos
Humanos são fortalecidas ainda pela visão jus filosófica do direito, que trata
pontualmente do estudo e do desenvolvimento de dispositivos voltados a dar
efetividade aos valores constitucionais, principalmente aos direitos fundamentais.
150 “Constituição cidadã”: Expressão utilizada por ULISSES GUIMARÃES, presidente do Congresso Nacional,
ao promulgá-la, em 5 de outubro de 1988. 151 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995. P.227.
81
Através da formação dos Estados constitucionais de Direito foram absorvidos
pelo Direito positivo os conteúdos ou valores de justiça efetuada pelo jusnaturalismo
racionalista e iluminada. O valor do ser humano, a igualdade, os direitos civis e
políticos, bem como as garantias processuais de liberdade e certeza. A estes
princípios ou valores, certificados na forma de Direitos naturais, foram aprovados
nas constituições modernas como Direitos fundamentais que contêm limitações ou
imperativos negativos, ou também positivos, como aqueles expressados pelos
Diretos sociais.
É através da vista desses horizontes que o estudo do mínimo existencial se
deve dar, como espécie jurídica que procura uma aproximação dessa natureza, no
sentido de desenvolver e efetivar valores organizados na Constituição, claramente
dos direitos e garantias fundamentais, eis que, embora não tenha obtido previsão
literal no texto constitucional, brota aos olhos de uma simples leitura de princípios
fundamentais nela inseridos e também de especificações precisas feitas no seu
texto que aclamam essa proteção da existência das pessoas e da dignidade de todo
cidadão. A preocupação em efetivar essa classe de proteção vital se aplica a todos
os tributos e a todas as pessoas, sob pena de não ter o efeito satisfatório do
comando constitucional, que estaria incontestavelmente comprometido com o
exercício da competência onde esta lhe falte.
Conceituar patrimônio é de difícil verificação, de modo que nos ensinamentos
do professor Fachin, vê-se que pode ser perfeitamente harmonizado com o conceito
de capacidade contributiva em sentido absoluto, suposição não suficiente para
permitir a tributação do Estado, já que o fato de existir patrimônio, se inferior ao
mínimo, não é causa da ocorrência por parte do fisco: “A noção de patrimônio,
embora sua definição não esteja pacificada, diz respeito a um conjunto de direitos,
relações ou bens que sejam aferíveis em pecúnia, ou seja, tenham valor de troca.”152
Fachin explicita que: “A semântica conceitual explode o monismo das definições.
Seguramente, a noção de patrimônio não é unívoca. Trata-se de um conceito
complexo e com diversos sentidos legítimos, ligados ou não à percepção
econômica. No âmbito desta tarefa, sem prejuízo desses elementos culturais, o
152 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 43.
82
patrimônio informa uma base de bens materiais, suscetíveis de valoração, inclusive
(e especialmente) pecuniária.”153
A proteção vital como conceito lógico-jurídico ultrapassa ao direito tributário,
quando se trata da proteção vital, pois, contempla a proteção sobre um patrimônio
mínimo, que consente, autoriza a toda pessoa uma parcela material elementar de
bens voltados para a realização de suas necessidades essenciais. Essa ideia vai
além do limite apertado do direito tributário, do direito civil, do direito do trabalho154
ou de qualquer outro isoladamente. É um conceito universal - não apenas de todos
os ramos didaticamente autônomos do direito155, mas que ultrapassa as fronteiras
dos países, como conceito lógico-jurídico, próprio da condição da existência humana
e que deve ser aplicado e protegido em todos os ramos de sua atividade.
Ricardo Lobo Torres escreve que é preciso amenizar essa ideia com as
adequações necessárias às peculiaridades e contingências de cada país. Para ele
os direitos fundamentais e o mínimo existencial, especialmente nos países em
desenvolvimento, têm uma extensão maior do que nas nações ricas, pela
necessidade da proteção estatal dos bens essenciais à sobrevivência das
populações miseráveis.156
Ricardo Lobo Torres grande partidário da ideia da amplitude de fundamentos
para a proteção existencial informa que não apenas a liberdade, mas também a
igualdade, o devido processo legal e a livre iniciativa podem ser suporte para essa
proteção, que de tão polivalente, recebe dele a característica que:
Não tendo o mínimo existencial dicção constitucional própria, deve-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, nos direitos humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão. Carece o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originariamente não fundamental (direito à saúde, à alimentação, etc.), considerado em sua dimensão essencial e inalienável. Não é mensurável, por envolver mais os aspectos de qualidade que de quantidade, o que torna difícil estremá-lo, em sua região periférica, do máximo de utilidade (maximum welfare, Nutzenmaximierung), que é princípio ligado à ideia de justiça e de redistribuição da riqueza social.
153 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimômino mínimo – À luz do novo Código Civil brasileiro
e da Constituição Federal. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 271. 154 Ibid., p. 274. 155 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 14-15. 156 TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação: imunidades e isonomia. 2. ed. Rio de
Janeiro : Renovar, 1989. P. 158. (Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol III)
83
Certamente esse mínimo existencial, ‘se o quisermos determinar precisamente, é uma incógnita muito variável’.157
Ricardo Torres aborda esse tema tanto em artigos e especialmente na obra
Os Direitos Humanos e a Tributação, apontou como fundamento dessa gravura
jurídica, o princípio da liberdade, arredando prontamente a capacidade
contributiva que nas palavras dele, é apenas um delimitador dessa categoria,
nunca seu fundamento. Teorizando sobre a liberdade, listou características que
são próprias dessa ideia, como ser direito público de todo cidadão, ser válido
universalmente, ser pré-constitucional e ter cunho marcadamente jus naturalista,
características que também atribui, por consequência, ao mínimo existencial. Ele
em suas palavras escreve que “o mínimo existencial constitui direito público
subjetivo do cidadão, não sendo outorgado pela ordem jurídica, mas
condicionando a; e que não se esgota no art. 5º da Constituição”.158
Adiante Ricardo Lobo Torres aclara sua ideia de que a liberdade não é
propriamente o seu fundamento, já que o mínimo existencial garante à liberdade
meios para se desenvolver, de modo que seu fundamento seria a possibilidade
de fornecer condições de confirmação da liberdade, para que a liberdade não
seja apenas jurídica e retórica, mas que se desenvolva efetivamente. A liberdade
garantida juridicamente só se poderá tornar liberdade verdadeira, real, com o
abastecimento de condições materiais mínimas, incorrendo no castigo de tornar-
se apenas discurso vazio de argumento.
Logo, pode-se afirmar que o mínimo existencial é indispensável não
apenas dentro das fronteiras dos países, mas fora de nossas fronteiras, tendo em
vista sua notória universalidade, que acaba por fornecer-lhe a condição de
conceito lógico-jurídico, tendo apenas aparência jurídico-positivas - mas também
em relação aos ramos do direito, desde que sendo esse conceito um valor a ser
protegido e garantido por todo o ordenamento jurídico, impõe-se sua integral
proteção mediante todos os instrumentos disponíveis no arsenal jurídico de um
país.
157 Ibid., p. 144-145. 158 Ibid., p.151.
84
2.4. A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O Princípio da capacidade contributiva está abrigado no art.145, § 1º da
Constituição Federal de 1988 e tem por conceito a possibilidade econômica de
pagar tributos, consagrando a supremacia do ser humano e de suas organizações
em face do poder de tributar do Estado e a realização do valor justiça através do
valor igualdade, que no campo tributário, só pode ser efetivado pela prática da
capacidade contributiva.
Neste capítulo que trata do princípio da capacidade contributiva observa-se
que ele é respeitado pela quase totalidade da doutrina como expressão da igualdade
em matéria tributária, de modo tal que, por ele, se proíbem tributações ilegais e
injustas, incoerentes e sem lógica, ou segregativas. Aplicam-se, em virtude dessa
identificação com a igualdade, os mesmos passos e meios a ela aplicáveis,
conforme lições expostas de Celso Antonio Bandeira de Mello, como a eleição de
um fator de discrímen, o estabelecimento de um tratamento diferenciado em
consonância com o discrímen, e que o resultado disso esteja em sintonia com os
valores constitucionais.159
A capacidade contributiva, por princípio possui um aspecto muito importante
para o sistema tributário, que é o de atribuir a ele um instrumento norteador
natural, um papel que lhe é próprio, de realizador de justiça tributária. Pode-se
afirmar que esse princípio confere um conteúdo material à tributação, oferecendo-lhe
um elemento valorativo de transformação social.
Para que esse princípio se torne um transformador social, necessário se faz
observar que não se pode consentir uma tributação que não aprecie a aparência
absoluta da capacidade contributiva, de forma que apenas os fatos que sejam
efetivamente expressão de alguma riqueza é que poderão ser escolhidos pelo
legislador como fatos que buscam uma solução de um conflito jurídico pela esfera
extrajudicial para suportar a incidência tributária; é imprescindível, pois, nos dias
de hoje, que aja sempre, como causa de justificação do tributo, a existência de fato
verídico presumível de riqueza.
159 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2014. p. 9.
85
De outra ponta deve-se levar em conta a presença alusiva da capacidade
contributiva, que autoriza instrumentalizar sua aplicação aos tributos,
estabelecendo que as pessoas que aparentem diferentes condições financeiras,
sejam tratadas de maneira desigual, na mesma proporção da diferença revelada.
Daí porque se pode atribuir maiores ou menores ônus tributário na relação
diretamente proporcional à capacidade da pessoa de suportá-lo.
Luciano Amaro afirma que o princípio da capacidade contributiva inspira-se
na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto.
Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a
eficácia da lei de incidência, quer se preservar o contribuinte.160
O aspecto instrumental do princípio deve ser um catalizador de justiça
tributária, já que o resultado que deve estar a ele vinculado é sempre o de
implementar uma graduação equilibrada da carga tributária, daí porque ser, dentre
os instrumentos tributários, o que originalmente é o esteio fundamental do
ordenamento tributário, e o prontamente chamado para realizações de alteração e
de justiça tributária.
Regina Helena Costa afirma que capacidade contributiva significa que um
sujeito é titular de direitos e obrigações com fundamento na legislação tributária
vigente que é quem vai definir aquela capacidade e seu âmbito. Para ela
capacidade contributiva é a aptidão econômica do sujeito para suportar ou ser
destinatário de impostos.161
Quando se encontra no seu extremo a proteção do mínimo material, do
patrimônio essencial, também se observa muito do aspecto de justiça tributária, já
que conforma a competência tributária até onde ela pode ser exercida
legitimamente, elevando outros valores constitucionalmente consagrados, como a
preservação da existência, ao patamar de mais importantes do que a mera
arrecadação.
Do mesmo modo, quando é marcado pelo impedimento de exagero, com a
exibição de que a autoridade tributária excede à sua presença, também se verifica
notoriamente o interesse em efetuar a justiça tributária.
160 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 138. 161 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 26.
86
Nesse contexto, a capacidade contributiva é cristalino meio de
implementação de justiça tributária, e, dentro do universo jurídico tributário, é o
princípio que tem a maior propensão para a busca desse propósito de justiça, tanto
que guia e esculpe a competência tributária, com a limitação da proteção do
mínimo existencial e com a proibição do confisco.
Sendo a capacidade contributiva resultado da igualdade em matéria
tributária, e que, por isso mesmo, recebe também os atributos da igualdade no
âmbito da cobrança de tributos, e considerando que os requisitos para aplicação
da igualdade também devem ser exigidos para a capacidade contributiva, deve-se,
sempre que eles se encontrem presentes, aplicar necessariamente esse princípio,
não importando de qual espécie tributária se trate, suavizando-se, sua aplicação,
com as características próprias e inegociáveis de cada cobrança.
O Princípio da capacidade contributiva é orientação fundamental do Estado
Democrático de Direito, e imprescindível para o exercício da igualdade no direito
tributário brasileiro.
É sabido que a carga tributária dos brasileiros é excessivamente alta, acima
dos limites suportados pelos contribuintes. O pior é que a maior parte do dinheiro
arrecadado não se reveste em serviços, melhorias e benefícios à população,
tornando a arrecadação ainda mais injusta.
Embora seja o objeto deste estudo uma orientação altamente teórica,
tornou-se importante ressaltar a importância da aplicação deste princípio na prática
jurídica, bem como a possibilidade, ainda que em tese, de promover a sua
aplicação em todos os níveis de tributação.
Para Baleeiro, a capacidade contributiva é princípio que serve de critério ou
de instrumento à concretização dos direitos fundamentais individuais, quais sejam,
a igualdade e o direito de propriedade ou vedação do confisco.162
O princípio da capacidade contributiva é uma concretização do principio
geral da igualdade, no âmbito da tributação nacional, impondo ao legislador a
observância da referida orientação, e ao Poder Judiciário, através de métodos
diretos e indiretos, o dever de rechaçar práticas abusivas dos entes federados
162 BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao Poder de Tributar. 7. ed. Ver. e compl. À luz da Constituição de 1988
até a EC nº10/96. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 669.
87
competentes para instituir a referida tributação, enquanto poder de controle de
constitucionalidade das leis e da legalidade dos atos administrativos.
2.5. IMPOSTO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O princípio da capacidade contributiva é tido como a razão, causa, motivo e
justificativa da existência dos impostos. No artigo 16 do CTN o imposto é definido
como o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de
qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, ou seja, é um tributo
cuja incidência não está vinculada a nenhuma atividade por parte do Estado conexo
ao contribuinte; o Estado está autorizado a impô-lo sem ter que dar qualquer
contrapartida ao contribuinte, e seu fundamento é a demonstração de um fato
presumível de riqueza pelo contribuinte.
Praticar qualquer ato que demonstre capacidade para contribuir é o bastante
para o Estado tributá-lo, nascendo daí uma obrigação tributária. A simples
demonstração pelo contribuinte que presuma capacidade contributiva para o
sustento e a manutenção do Estado é o motivo para que esse fato seja previsto na
hipótese normativa da regra-matriz da exação.
O fundamento de qualquer imposto é a revelação de capacidade contributiva
manifestada nos fatos praticados pelos contribuintes.
A execução dessa atividade pelo Estado, no entanto, é limitada
constitucionalmente, sendo essa limitação do exercício do poder de tributar, uma
proteção ao contribuinte, e uma proibição ao seu abuso por parte do Estado, para
evitar o efeito confiscatório do tributo.
Deve ainda o Estado, no exercício dessa competência, onde não houver
ainda capacidade para contribuir, propiciar uma proteção material mínima ao mínimo
existencial. O exercício dessa competência é limitado pela proibição do confisco e
pelo mínimo existencial, havendo entre esses limites, uma área conhecida e
chamada de capacidade contributiva.
Humberto Ávila, afirma que:
“quando se faz referência às normas com finalidade fiscal ou às normas distributivas de encargo, o poder de tributar é limitado pelo princípio da
88
capacidade contributiva. Sua finalidade, obtenção de receita, não é idônea para estruturar sua interpretação. Mas a capacidade contributiva, enquanto capacidade de contribuir com a comunidade mediante pagamento de tributo inicia somente acima do limite das necessidades para manutenção da vida. Por isso fala-se em zona de capacidade contributiva. Os outros direitos fundamentais, que são, direta ou indiretamente, influenciados pela tributação, possuem uma função específica: eles não podem ser violados no seu núcleo essencial. Nesse campo, a proibição de excesso exerce um importante papel.”163
Não existem maiores diferenças doutrinárias sobre a enorme identificação
entre capacidade contributiva e impostos, bem como, quanto ao ser ela seu
fundamento direto e necessário, de modo que desnecessárias maiores
considerações a respeito do tema.
2.6. TAXA E A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
As taxas estão previstas no artigo 77 do CTN. Nota-se que a capacidade
contributiva não é respeitada na doutrina e nem chamada por ela para elucidar ou
para esclarecer a existência dessas arrecadações, que são tidas como vinculadas,
pois, estão conexas a uma atuação do Estado, seja realizando um serviço público
específico e divisível ou exercendo atividade de polícia aos seus administrados.
No caso das taxas, o princípio da retributividade é o chamamento para
mostrar a razão dessa cobrança pelo Estado ao cidadão, no sentido de que deve
haver uma vinculação direta entre o valor fixado para a cobrança da taxa e os custos
derivados deste serviço público prestado ou disponibilizado, ou da atividade do
poder de polícia estatal. Este valor a ser cobrado, não pode ser maior do que essa
equivalência. Essa área da capacidade contributiva, determinada no seu limite
inferior pelo mínimo existencial e no superior pela proibição de confisco, é uma
concordância entre o valor da cobrança e os custos da atuação estatal. Autorizar
uma cobrança maior seria alterar o caráter dessa cobrança e transformando-a em
um imposto, uma vez que esses valores não estariam sendo arrecadados em razão
163 ÁVILA, Humberto Bergmann. Estatuto do Contribuinte: conteúdo e alcance, Revista da Associação
Brasileira de Direito Tributários. n. 7, Belo Horizonte: Del Rey, set/dez de 2000. p. 73.
89
de uma atuação estatal, que é o legitima essa exação. Além do que, seria
inconstitucional e confiscatória essa cobrança, num claro abuso de poder no
exercício da potestade tributária estatal. Não se pode cobrar mais do que o valor
determinado pelo princípio da retributividade nas taxas.
É exigência constitucional, que também nas taxas se distribua de forma
isonômica e igualitária o ônus tributário.
Embora aparente que o texto do § 1º do art. 145 da Constituição queira limitar
a aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos, percebe-se que
mediante a aplicação do princípio da capacidade contributiva o legislador está
dotado de autoridade para conceder isenções ou outras medidas de desoneração
em relação a cidadãos sem condições de arcar com tributos.
Sendo a taxa espécie de tributo em a sua hipótese de incidência configura
uma atuação estatal relativa ao contribuinte, a sua base de cálculo somente pode
mensurar estas atuações, sendo excluída qualquer circunstância referente à pessoa
do obrigado ou aos seus bens, circunstâncias estas que traduzem capacidade
contributiva.164
No entanto, é possível que aquele que tenha capacidade contributiva plena,
possa suportar integralmente o valor da taxa, e aqueles que não mostrem essa
capacidade, devem suportar a carga tributária em partes menores, até o limite do
mínimo existencial, que é quando se revela patente a completa incapacidade da
pessoa para suportar esse ônus tributário. Desse modo, a conformação e
determinação dos valores a serem cobrados a título de taxas no Brasil advêm da
justaposição entre o princípio da capacidade contributiva, da retributividade (limite do
confisco) e da proteção ao mínimo existencial.
A capacidade contributiva é aplicável também a essa exação, exatamente no
seu aspecto negativo, de enumeração e distribuição do encargo tributário inferior da
demarcação da retributividade, até o limite da proteção material mínima, que o
Estado não está autorizado a ultrapassar.
Em se tratando de tributo vinculado, relacionado à atividade estatal, as taxas
devem guardar equivalência com a atuação estatal que justifica sua instituição e
cobrança. Deve haver razoabilidade entre o valor tributado e o serviço realizado
164 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 34.
90
decorrente do exercício do poder de polícia ou do serviço prestado ou posto à
disposição.165
Hugo de Brito Machado observa a restrição imposta pelo constituinte e
escreveu que em relação às taxas o princípio da capacidade contributiva há de ter
um tratamento específico, distinto do que há de ter no que pertine aos impostos.166
O fato gerador das taxas, como tributos vinculados que são, decorrem de uma
atuação estatal específica e direcionada ao contribuinte, seja através da prestação
de serviços ou do exercício do poder de polícia, sendo coerente que a dimensão do
fato imponível seja a do valor gasto.
A base de cálculo da taxa tem que ser específica, própria do pressuposto que
lhe dá origem, vinculada, pois, ao fato gerador da obrigação tributária. Destaca-se a
disposição contida no § 2º do art. 145 da Constituição, a qual estabelece que “as
taxas não poderão ter base de cálculo própria de imposto”.167
A taxa não deve ser dimensionada de acordo com a capacidade contributiva
de quem deve pagar. A norma constitucional deverá ser sempre observada,
contudo, a aplicação do princípio ficou a depender do bom senso do ente tributante
capaz para cobrar a revelada exação.
Desobrigado de previsão constitucional, o Princípio da Capacidade
contributiva pode ser aceito com relação a estes tributos vinculados. Ainda que não
seja uma imposição, o mesmo pode ser aplicado como uma orientação, atuando
como um princípio de justiça fiscal.
José Maurício Conti observa que o princípio da capacidade contributiva é
aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é
aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributos vinculados, é
aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão os
contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição
tributária que tenha efeitos confiscatórios.168
165 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24. ed. Revista, atualizada e ampliada. São
Paulo: Malheiros, 2004. p. 402-403. 166 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 4. ed. São
Paulo: Dialética, 2001. p. 68. 167 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado Federal, Subsecretaria
de Edições Técnicas, 2009. p. 50. 168 Conti, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário – Interpretado pelos tribunais. São Paulo: Oliveira
Mendes, 1998. p. 26.
91
2.7. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO RESULTADO DO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE E SUA APLICAÇÃO ÀS TAXAS
A aplicação do princípio da capacidade contributiva aos tributos vinculados é
vista com reservas por grande parte da doutrina nacional, conforme ressalta Regina
Helena Costa.169
A autora retrata o posicionamento da doutrina, afirmando que a aplicação da
capacidade contributiva às taxas é incompatível, tendo em vista a natureza
vinculada dessa cobrança, retrata uma contraprestação pela atuação do Estado, que
está diretamente referida ao contribuinte. A autora assim se pronuncia:
Sustentar a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva às taxas é não atentar para a natureza dessas imposições tributárias. Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público, diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir, nas taxas, como critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia a essa atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma e não à capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da taxa [...] A igualdade, no tocante aos impostos, traduz-se, entre outras manifestações, no respeito ao postulado da capacidade contributiva, enquanto nas taxas a mesma revela-se no princípio da retributividade.170
De outro lado, existem estudiosos do Direito que defendem a posição que
ainda se mantém como excepcional pelo conjunto de tributaristas brasileiros.
Sem embargo o destaque dado ao princípio da retributividade, sua aplicação,
está revigorada com a aplicação sobreposta ao princípio da capacidade contributiva.
A aplicação deste princípio não se dá para essa espécie tributária de forma plena e
sim de maneira própria, determinada por horizontes variados dos que normalmente
lhe são dispensados.
Assim, pela aplicação do princípio da retributividade obter-se-ia o maior limite
que poderia ser cobrado em virtude de uma atuação estatal, dado que nos
169 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 2. ed. São Paulo : Malheiros, 1996. p. 55. 170 Ibid., p. 55-56.
92
forneceria aquela equivalência aceitável buscada pela doutrina e aceita pela
jurisprudência.171
Um valor aceitável é bem recebido pela doutrina e jurisprudência, em virtude
da impossibilidade real de estabelecer com precisão o valor do custo do serviço.
Esse problema estabelece-se, especialmente, tanto pela dificuldade evidente de
composição exata desses custos, em face das muitas variáveis que podem
influenciar nesse desejo objetivo, como pela elevada inflação que assolava o país,
fazendo com que os custos dos serviços se elevassem durante o ano, o que,
entretanto, a toda evidência, não era acompanhada pelo valor da taxa, porquanto
deveria permanecer o mesmo durante um ano, em face da observância do princípio
da anterioridade.172 Assim, afirma que “...não sendo lícito supor que a norma exija o
impossível, haverão os contribuintes de se contentar com estimativas a
aproximações razoáveis que, embora excedentes no cômputo final aos custo do
serviço, não determinarão a conversão da taxa em imposto porventura vedado.”173
Ao se determinar o valor limite a ser cobrado por uma atuação estatal,
encontra se o limite pecuniário máximo que se pode atribuir a certa taxa.
A aplicação do princípio da capacidade contributiva não se dá em toda sua
plenitude, tendo por causa o valor determinado pela retributividade. A aplicação do
princípio dar-se-ia para identificar dentre os contribuintes, aqueles que não podem
pagar e, dessa forma, desobrigados estão dessa cobrança, ou poderiam até pagar,
desde que dentro de uma faixa social, ou ainda, em relação àqueles que não
extrapolaram a barreira de patrimônio que garante o mínimo indispensável ao
desenvolvimento de suas atividades vitais ("mínimo existencial"), nos termos do
pensamento de Becker e Ricardo Lobo Torres, entre outros, já apontados
anteriormente.174
Também nesse sentido se posiciona José Marcos Domingues de Oliveira, que
sai em defesa da capacidade contributiva para todos os tributos, atentando inclusive
para a proteção do "mínimo de existência digna" em relação às taxas. Assevera que
a capacidade contributiva é expressão do princípio da isonomia e que, portanto, a
171 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito Tributário – Capacidade Contributiva. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 51 e 71. 172 Ibid., p. 63. 173 Vide artigo 150, III da Constituição Federal, onde se lê: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ...III – cobrar tributos: (...) b)
no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;” 174 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997. p.165-166.
93
graduação da cobrança das taxas dever-se-ia dar em virtude das condições reais
indicadoras de riqueza do contribuinte. Colacionou inclusive, em defesa de sua
posição, decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional taxa
judiciária com valor excessivo no Estado do Rio de Janeiro.
Assim, nessa linha de raciocínio a capacidade contributiva, seria aplicada
apenas em seu aspecto negativo, ou seja, como princípio da (in)capacidade
contributiva, conforme defende Sacha Calmon Navarro Coelho, cujo pensamento ora
se descreve:
O fato gerador das taxas, vimos, radica em manifestações estatais (atuações concretas do Estado) e não na capacidade do contribuinte (renda, trabalho, patrimônio, etc.). Portanto, não há que se falar, por esse ângulo, em aplicação do princípio da capacidade contributiva, cujo campo predileto seria os tributos não vinculados (impostos)... Não obstante, o princípio da capacidade contributiva, não se liga tão-somente à técnica da progressividade, cujo objetivo é tributar mais quem tem mais, senão que fomenta institutos tributários de variada índole. Cabe exemplificar com as isenções subjetivas em matéria das taxas. As leis, com frequência, isentam os pobres em relação a inúmeras taxas, reconhecendo, assim, a incapacidade contributiva dos mesmos. [...] O fundamento de todas as isenções, por isso, legítimas nas taxas, é justamente a incapacidade contributiva (formulação negativa do princípio).175
O princípio da capacidade contributiva absoluta informa a hipótese da norma
tributária, e, o princípio da capacidade contributiva relativa age sobre o mandamento
da norma tributária, agindo na sua parte quantitativa e pessoal, uma vez que
seleciona os sujeitos passivos demonstradores de capacidade ou de incapacidade
contributiva, bem como estabelece valores como tarifas sociais ou não, a serem
pagos por eles.
Assim, com essa certeza deve-se defender a aplicação do princípio da
capacidade contributiva também às taxas, na medida de sua carga negativa, tendo
em vista a observância obrigatória do limite estabelecido pelo princípio da
retributividade, estando os mesmos em harmonia, sob pena de vermos
desrespeitados os perímetros constitucionais intrínsecos dessa cobrança e sua
consequente deturpação.
175 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 86.
94
2.8. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
A doutrina sobre a contribuição de melhoria no Brasil ainda não é muito vasta,
para preencher essa dificuldade, mudando apenas o que tem de ser mudado, será
utilizada a mesma coerência aplicada às taxas, em razão de que, como espécie
tributária vinculada a uma atuação estatal, ela também está sujeita a verificar um
marco de incidência pertinente com a atividade estatal para restituir o
correspondente padrão a ela aplicado, em objeção à breve inexistência de qualquer
indício de isonomia que geralmente o legislador exime a essa exação.
Aqui, o objeto que demarca o limite superior trata do máximo de valorização
atribuída ao imóvel em virtude de realização de obra pública, e não ao efetivo custo
da obra, que pode até mesmo não ser reposto, se a capacidade de valorização dos
imóveis próximos à obra não se mostrar robusto o bastante.
Em resumo, é o máximo que o Estado pode retirar do contribuinte que teve
seu imóvel valorizado, em virtude de obra pública, é o valor que ao imóvel foi
agregado, nada mais, o que pode ou não reembolsar o custo da obra, dependendo
da grandeza da obra para aumentar o valor venal desses imóveis. É bom lembrar
que, se o custo da obra for inferior à soma da valorização imobiliária dos imóveis
favorecidos com a realização da obra pelo aparato do Estado, o valor máximo a ser
cobrado não é mais a totalidade da capacidade contributiva mostrada, e sim o valor
global da obra, uma vez que se trata de tributo que tem por objeto a simples
restituição dos custos para a realização da obra pública, por conseguinte esse
benefício deve ser repartido de forma igual por todos que se beneficiaram desta
obra.
Deve-se levar em conta de que é possível, é obrigatório que se cobre o valor
total do tributo sobre o valor integral da valorização do contribuinte que mostre ter
plena capacidade contributiva, e que se distribua, de modo ordenado e equilibrado o
ônus tributário àqueles que não possuam capacidade para o pagamento da
contribuição de melhoria.
Na contribuição de melhoria deve ser observada a delimitação contida na
Constituição para o exercício correto da competência tributária, que, nessa exação,
é o valor total da valorização imobiliária. Se cobrado valor a maior, caracteriza-se o
confisco e nesse caso o contribuinte deve valer-se do Estado que detêm o poder-
95
dever de distribuir o valor arrecadado, respeitando as desigualdades apuradas na
sua distribuição.
Assim, o princípio da capacidade contributiva também comunica e aceita o
exercício da competência tributária das esferas tributantes quando vão exigir
contribuição de melhoria, de modo que, é adequado reconhecer nessa figura
tributária, a possibilidade da proteção existencial, que é fundada exatamente na
carência da capacidade contributiva do cidadão, aplicando de forma igual aos
tributos vinculados.
A respeito da contribuição de melhoria, existe um entendimento
preponderante de que não cabe a aplicação do princípio da capacidade contributiva
na cobrança deste tributo. O constituinte, no § 1º do artigo 145 da Constituição
Federal, estabeleceu a aplicação deste princípio apenas para os impostos, e não
para os demais tributos, entre os quais se encontram a contribuição de melhoria e as
taxas. A Constituição Federal, em seu inciso III do art. 145, determinou que as
diversas esferas de governo possam instituir “contribuição de melhoria, decorrente
de obras públicas”. A forma e o valor da cobrança da “contribuição de melhoria”
estão disciplinados nos artigos 81 e 82 do Código Tributário Nacional. A lei firmou
dois limites para a cobrança deste tributo: o total e o individual. O limite total é o
custo da obra pública, sendo o limite individual o acréscimo de valor que a obra
resultar para cada imóvel beneficiado.
Regina Costa176 assevera que na cobrança da “contribuição de melhoria” é
essencial que haja valorização dos imóveis alcançados pela obra pública, caso
contrário não haverá como cobrar tal tributo. Mesmo que a atual Constituição tenha
mudado o conteúdo do dispositivo que possibilita ao poder público instituir esse
tributo, alertamos que existem normas infraconstitucionais que regulam a cobrança
da contribuição de melhoria, as quais nos constam art. 81 e 82 do Código Tributário
Nacional.
Segundo Regina Costa177 “é a mais-valia imobiliária por ela provocada que
legitima a absorção desta pelo Poder Público.” Diz, ainda, a autora que: “Tentam,
alguns, ver nessa mais-valia imobiliária causada pelo Estado um índice de
capacidade contributiva. Aparentemente, a assertiva é sedutora: a valorização do
176 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 2. ed. São Paulo-SP: Malheiros, 1996. p. 57. 177 Ibid., p. 57.
96
imóvel representa riqueza, à qual se associa, necessariamente, a ideia de
capacidade contributiva. Ocorre, porém, que a aludida riqueza foi proporcionada
pelo Poder Público, sendo alheia à capacidade contributiva do sujeito, do mesmo
modo como se verifica nas taxas.”. O fato de a obra pública valorizar o imóvel das
pessoas por ela beneficiada, não significa aumento de riqueza, ainda mais se
levarmos em conta o pagamento do referido tributo. A contribuição de melhoria tem
sua cobrança individual limitada à valorização proporcionada a cada imóvel
abrangido pela obra pública, e como limite geral o valor total da obra executada.
Então, não há que se aplicar o princípio da capacidade contributiva para a cobrança
da “contribuição de melhoria”, pois essa não é a vontade do legislador constitucional
e infraconstitucional.
97
CAPÍTULO 3 - O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
3.1. O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS TAXAS
Dois pontos de vista devem ser observados a respeito do mínimo existencial
no que diz respeito as taxas no direito positivo brasileiro. Em primeiro lugar salientar
que as hipóteses classificadas na Constituição e estabelecidas como imunidades
tributárias, no sentido de que certos serviços públicos realizados não podem ser
instrumentos da sua incidência, mostrando na sua fundamentação legal uma
proteção existencial fácil de ser vista na Constituição. Em contrapartida, para os
outros casos de prestação de serviço público ou exercício de atividade polícia
tributáveis por essa exação, se reconhece que sua indicação ficará sob a
responsabilidade do legislador infraconstitucional, que a introduzirá ao determinar os
critérios quantitativos desse tributo, fixando sua base de cálculo e suas alíquotas.
De fato, tendo em vista que se trata da prestação de serviço público
específico e divisível e do exercício da atividade de polícia, é essencial observar,
como limite máximo de sua tributação, o valor do mesmo tamanho de conformidade
entre o custo da atividade estatal específica e divisível orientada ao contribuinte e o
valor máximo a ser exacionado pela taxa, valor esse que brota do princípio da
retributividade. Não se pode esquecer, entretanto, que, da defesa da aplicação do
princípio da capacidade contributiva também às taxas.
Roque Antônio Carrazza salienta que a taxa é o tipo de tributo que
seguramente mais divergências suscitam entre os estudiosos. Tanto isto procede
que não há consenso quanto à sua definição, nem seu exato enquadramento entre
as espécies tributárias.178
Levando em conta que o maior valor a ser cobrado deve se aludir ao custo do
serviço ou da fiscalização, e, este deve estar ligado à atividade do poder de polícia,
178 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 608.
98
desde que mostrem plenamente capacitados, do ponto de vista de sua riqueza, é
que deverão pagar de maneira integral o valor da cobrança.
Para os demais, como dever de igualdade de tratamento, haverá uma
diminuição gradual descrita na lei, com alíquotas tributárias definidas abaixo do
maior valor determinado pelo princípio da retributividade, de maneira a determinar os
diversos níveis de capacidade contributiva daqueles que usam o serviço ou dos
provocadores do exercício da atividade de polícia; capacidade essa que se vai
esmorecendo até sumir por completo, deparando-se diante de uma situação de total
falta de capacidade, instante em que se deixa o espaço de extensão da competência
tributária do Estado adentrando no campo daquela riqueza que não evidencia
qualquer capacidade contributiva, mas simples capacidade econômica. Trata-se da
supremacia do mínimo existencial, que mostra incapacidade contributiva e riqueza
abaixo da possibilidade de cooperar com as necessidades financeiras do Estado,
que não dá acesso à sua competência tributária e resguardado pelos valores
encontrados na Constituição, especialmente pelo princípio da capacidade
contributiva, examinada a partir do seu aspecto negativo.
Carrazza afirma que as taxas são tributos que tem por hipótese de incidência
uma atuação estatal diretamente referida ao contribuinte, consoante art.145, II, da
CF, que traça a regra-matriz das taxas, que pode consistir ou num serviço público,
ou num ato de polícia.179
Ao verificar o parâmetro quantitativo da decorrência da sua norma de
incidência a partir dessa concepção, essencial que se esclareça a medida da
capacidade/incapacidade contributiva dos destinatários do serviço ou da atividade
de polícia, de modo tal que se estabeleçam graus de capacidade cada vez mais
reduzidos, até obter a incapacidade absoluta, que tem seu emblema concretizado no
mínimo existencial.
Ciente dessa sobreposição entre a capacidade contributiva e as taxas, não se
pode esquecer que, em relação a elas, existe, no texto constitucional, expressões
conhecidas de casos de proteção existencial publicitado mediante imunização, como
relata Ricardo Lobo Torres a respeito do assunto, no espaço em que dá conta de
inúmeras passagens de proteção vital na Constituição Federal referente às taxas:
179 Ibid., p. 609.
99
Para o autor, as imunidades do mínimo existencial explícitas seriam aquelas descritas no artigo 5º da Constituição, nos incisos XXXIV (que assegura para a defesa de direitos independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição dirigida aos poderes públicos e a obtenção de certidões), LXXII e LXXIII (preveem a gratuidade da ação popular, do habeas-corpus e dos habeas-data), LXXIV (que garante a justiça gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos), LXXVI (garante, na forma da lei, o registro civil de nascimento e a certidão de óbito), (...) e o artigo 5º, incisos XXXV, LII e LV, que tratam do acesso à justiça (vedam tributos excessivos que desestimulem ou impeçam o acesso livre ao judiciário).180
Essas considerações a respeito da matéria, que sem dúvida não são
terminantes, garante que o mínimo existencial será amparado quanto às taxas e ao
mesmo tempo terá sua natureza intrínseca mantida, se a ela se infligir o princípio da
capacidade contributiva no seu aspecto negativo, de maneira que se alcance uma
leitura mais humana dessa cobrança, acolhendo os valores constitucionais.
3.2. O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS CONTRIBUIÇÕES DE MELHORIA
Roque Antônio Carrazza citando o Mestre Geraldo Ataliba escreve que a
contribuição de melhoria é um tipo de tributo que tem por hipótese de incidência uma
atuação estatal indiretamente referida ao contribuinte.181
A contribuição de melhoria é um tributo vinculado que tem sua natureza
relacionada com a presença de uma atuação estatal, no sentido da realização de
obra pública da qual aconteça uma valorização imobiliária, permitindo assim ao
Estado que a realizou cobrar contribuição de melhoria, evitando enriquecimento
indevido dos contribuintes que tiveram seu imóvel valorizado em decorrência da
obra pública.
Com a valorização de seus imóveis, os contribuintes proprietários de imóveis,
objeto dos efeitos da valorização, e que demonstrem plena capacidade contributiva,
deverão arcar com a integralidade do tributo e pagar a contribuição de melhoria para
ressarcir aos cofres públicos os valores agregados aos seus imóveis, para que esse
180 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 61. 181 Ibid., p. 635.
100
valor arrecadado possa ser usufruído por todos, dado o caráter solidário e justo
desse tributo.
O maior valor a ser cobrado a título de contribuição de melhoria, como limite
global, é o valor do custo total da obra, que é limitado ao montante geral e o total da
valorização imobiliária acrescida ao imóvel de cada contribuinte, como limite
individual, de forma que nem sempre é possível ao Estado arrecadar o valor total
dos gastos realizados com a obra pública, pois, deve levar em conta o limite de
cobrança que pode ser suportado pelo contribuinte, equivalente à valorização que
teve no seu imóvel, daí porque nem sempre alcançará abater a totalidade dos custos
que teve com a realização da obra pública, através dessa cobrança.
Sabendo da existência desses limites, a previsão contida no artigo 81 do
Código Tributário Nacional, relata que só poderá ser cobrado o montante total da
valorização de cada imóvel quando o total arrecadado não for superior ao valor total
do custo da obra. Se o valor total da valorização imobiliária a ser arrecadada de
todos os contribuintes que a obtiveram, quando somado, for superior ao valor do
custo total da obra, deverá haver uma diminuição proporcional para cada
contribuinte, tendo em vista que o limite global de arrecadação seja também
respeitado. Salienta mais, a contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos
Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, na área de suas respectivas
atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra
valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite
individual o acréscimo do valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.182
Assim, a fachada quantitativa dessa exação será sempre conformada pelos limites
indicados e também pelo princípio da retributividade, que firmarão o maior limite a
ser cobrado de cada contribuinte que mostre capacidade contributiva plena para
aguentar integralmente esse ônus.
Entretanto, abaixo dos valores máximos fixados para cada beneficiário das
consequências da valorização da obra pública realizada, deve o legislador ainda
identificar níveis de capacidades que devem ser ponderados, e aos quais devem ser
atribuídos ônus tributários equivalentes, medidos por instrumentos prenunciados na
própria lei, com base em dados estatísticos, permitindo-se a comparação de
diferentes graus de capacidade contributiva e implementando o comando da
182 Ibid., p. 641- 642.
101
igualdade no campo tributário. Essa capacidade, porém, vai gradativamente
enfraquecendo até achar seu limite inferior absoluto no mínimo existencial, onde não
mais será verificado qualquer sinal de capacidade contributiva, mas de simples
capacidade econômica.
As taxas possuem expressas disposições que as resguardam no texto
constitucional, já as contribuições de melhoria não contam com qualquer citação de
imunidade. No entanto, entendemos que o mínimo existencial pode ser ajustado e
configurado por outras divisas de proteção, que podem servir de modelo para
determinar a direção da proteção essencial nessa exação. Com efeito, dado que a
natureza da contribuição de melhoria está diretamente relacionada com dois outros
impostos essencialmente vinculados a essa exação, porquanto referentes aos
imóveis urbanos e rurais, como são o IPTU e o ITR, compreende-se que, por
questões de ordem lógica e conexa, o mínimo vital desses impostos seja também
medidas para sua proteção. Nessa linha, se existe proteção ao mínimo
indispensável para o IPTU e para o ITR, que levam em conta valores dos imóveis
para precisar o limite da não incidência, brota dessa premissa que qualquer outra
previsão existencial que leve em conta o valor do imóvel para incidência tributária
também deve respeitar os mesmos modelos determinados para a proteção vital
nesses impostos. Assim, devem ser utilizados, para determinar o mínimo existencial,
os mesmos fundamentos empregados para os impostos que incidem sobre o imóvel,
ou seja, sendo imóvel urbano, o mínimo existencial do IPTU, e sendo imóvel rural, o
mínimo vital do ITR.
Para o Imposto Territorial Rural, a Constituição já previu a expressão do
mínimo essencial no artigo 153, parágrafo 4º, II, quando determina, no texto
atualizado pela Emenda Constitucional n. 42/2003, que essa cobrança “não incidirá
sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que
não possua outro imóvel.”
Apesar da concisão da atual Constituição sobre o assunto – já que ela apenas
acentuou que a contribuição de melhoria deve decorrer de obras públicas, Carrazza
entende que, sem a valorização dos imóveis circunvizinhos, seus proprietários não
podem sofrer validamente este gravame.
Do contrário, bastaria que houvesse uma obra pública para que os
proprietários dos imóveis a ela adjacentes fossem compelidos a pagar tributo, que
revestiria assim a natureza de um adicional do IPTU ou do ITR, conforme
102
estivessem localizados respectivamente, na zona urbana ou na zona rural. Sua base
de cálculo seria, simplesmente, o valor do imóvel urbano ou do imóvel rural.183
Importante ressaltar, que, em quaisquer dos casos, tanto no ITR quanto no
IPTU, não haveria racionalidade em proteger determinado contribuinte pelo mínimo
existencial do IPTU e do ITR, porém, não protegê-lo quanto à contribuição de
melhoria, destinada a incidir também sobre aspectos diretamente possíveis de
aferição do bem imóvel, rural ou urbano. É razoável que o valor do mínimo vital para
tais impostos sejam os mesmos a refutar a incidência da contribuição de melhoria,
pois, em nenhum caso, teríamos a incidência sobre o bem ou em virtude de
diversidades a ele relacionadas, sob pena de tornar um tanto inocente e apenas
parcial a proteção existencial sobre essa riqueza.
Quando a valorização do imóvel em decorrência de obra pública atingiu
imóvel com características idênticas daquelas previstas na Constituição no que diz
respeito à proteção vital do ITR, ou ao valor, tamanho do imóvel coincide com o
previsto pelo município para o IPTU, como mínimo vital, seu possuidor, via de regra,
não poderá sofrer a incidência dessa exação, uma vez que em nenhum dos casos,
teria alcançado o valor mínimo que demonstra o início da capacidade contributiva.
Cabe neste ponto a implementação da proteção do mínimo vital da
contribuição de melhoria, principalmente se observarmos que o proprietário do
imóvel não usufrui, pelo menos durante o período em que permanece titular do
imóvel valorizado, dos eventuais ganhos advindos da valorização, o que só ocorrerá,
de fato, quando o imóvel for vendido, momento em que, se mantida a valorização, a
incidência será do imposto de renda sobre o ganho de capital verificado. O
agravante é que, de acordo com a legislação em vigor, essa tributação deverá
ocorrer mediante a questionável técnica da tributação exclusiva, que, ainda assim,
também não estaria ileso da obrigatoriedade de proteger os bens vitais mínimos.184
Importante salientar que não se pode exigir de uma pessoa que não mostra
qualquer capacidade contributiva, o pagamento de uma exação em função de um
hipotético “lucro imobiliário”, que talvez nem se concretize verdadeiramente, de
maneira que dele efetivamente seu proprietário irá disfrutar.
183 Ibid., p. 636. 184 CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos). São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 297- 298.
103
É questão de ordem, de coerência; de unidade e de consistência do sistema
jurídico, que se proíba que o mínimo vital da contribuição de melhoria seja inferior ao de
outros setores do ordenamento jurídico, de maneira que a configuração do mínimo vital
do IPTU e do ITR, deve ser igual a utilizada para a contribuição de melhoria, uma vez
que ambos vão cair sobre o mesmo bem, de forma que o que for, considerado mínimo
existencial numa situação, não poderia deixar de ser considerado como tal em outro
tributo que tenha esse mesmo bem como fator determinante de seu valor, incorrendo na
pena de tornar inócua e apenas parcialmente eficaz a proteção vital. 185.
Não se quer aqui afirmar que o mínimo indispensável tem igual valor em
qualquer situação e para todos os tributos.
A contribuição de melhoria pode acarretar uma supervalorização que pode
acabar por remover o bem da faixa de proteção existencial dos impostos
imobiliários, mas isso não anularia a proteção do mínimo cabível no momento em
que se projetou a imposição tributária, único momento, que, pelo critério temporal, a
ter valor para fins de verificação da proteção vital.
Logo, por tudo exposto, verifica-se a necessidade de implementação da
proteção existencial à contribuição de melhoria, obedecendo sempre os padrões
estáveis da Constituição atual, e/ou, na sua falta, tendo em vista padrões achados
anteriormente em outros impostos no que diz ao bem, como o IPTU e o ITR, pois,
essa proteção mínima se encontra baseada em aspectos particulares do bem
imóvel, comparados a partir de elementos estatísticos e que, pela sua continuidade,
permitem configurar, por obrigação de conexão e unidade metódica, organizada,
outros tributos que sejam criados depois e sempre levando em atenção o mesmo
bem para fins de sua proteção.
3.3. O MÍNIMO EXISTENCIAL E OS IMPOSTOS.
Roque Carrazza registra, a exemplo de ampla doutrina nesse sentido, que
essa exação encontra limites na capacidade contributiva:
185 TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária. In SHOUERI, Luís Eduardo e ZILVETI,
Fernando Aurélio (coord.). Direito Tributário - Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo:
Dialética, 1998. p. 60-70.
104
...os impostos caracterizam-se não só pela fonte de legitimação – a posição de supremacia da pessoa política em relação ao contribuinte – como, também, por encontrarem limites no princípio da capacidade contributiva, que exige venham levados em conta índices diretos ou indiretos de riqueza, economicamente apreciáveis.186
Em consonância à dificuldade de empregar a proteção vital aos tributos
vinculados, os impostos são certamente chamados para essa proteção, pois, são
orientados para a tributação mirada na existência de riqueza, na evidência de
capacidade contributiva plena, assim que, para eles, são mais ressaltados os limites
da capacidade contributiva, de maneira que se torna mais fácil a aplicação desse
princípio aos impostos e, também, mais fácil a verificação da área de proteção
existencial para as exações dessa esfera.
Dado o universo de impostos que existe e a riqueza de suas características, e
com intuito de tornar possível a execução de um estudo metódico sobre o assunto,
opta-se por utilizar, como instrumento didático neste trabalho uma classificação mais
abrangente, mas também recorrente dos impostos, e que permita diferenciar os
impostos reais sobre o patrimônio, em geral, dos impostos reais sobre o consumo,
classificação mais proveitosa, para esse fim, do que apenas a sua divisão em reais e
pessoais, de modo a simplificar a evidência de algumas qualidades próprias da
aplicação do mínimo vital aos bens submetidos ao consumo, que não se encontram
necessariamente nos outros impostos reais.
Observa-se três categorias de impostos: sobre a renda; sobre o patrimônio; e
sobre o consumo. É a classificação que parece adotar, ainda que tacitamente, e com
alguma mudança ou dúvida, a própria Constituição federal.
Assim, pode-se comprovar que, no Brasil, os tributos também reflitiriam sobre
a renda, o patrimônio ou consumo. Quanto à renda, por exemplo, menciona-se, além
do próprio imposto de renda, a CSLL. Os impostos sobre o patrimônio, como o geral
IGF e os específicos: ITCMD, IPTU, ITR, ITBI, IPVA etc.
E os impostos sobre o consumo, como o ICMS, o IPI e o ISS, que gravam os
objetos, os bens e serviços consumidos no Brasil.
Necessário procurar critérios no texto constitucional, para precisar de que
modo a proteção existencial se aplicaria aos impostos enumerados na Constituição,
186 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 607.
105
de maneira que, para aqueles que não se encontrar algum parâmetro, continua o
dever dado ao legislador de consolidar essa proteção. Sem embargo, com liberdade
o legislador deve antever uma proteção mínima que não perca de vista, os
acontecimentos do mundo concreto, colhidos por estatísticas, que assegurarão uma
ligação dessa proteção à realidade social alvo dessa norma, exatamente a realidade
na qual tenciona ela intervir para defender e guardar a riqueza mínima voltada para
a existência da pessoa.
106
CAPÍTULO 4 – TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DISPENSADO ÀS MICRO
EMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE-ABORDAGEM JURÍDICA,
CIVIL E EMPRESARIAL
A Constituição de 1988 de forma inconteste contribuiu realmente na
edificação do sistema jurídico empresarial atual. Assim, é mister refletir e ponderar
sobre os avanços alcançados e esperados na seara dos direitos direcionados à
microempresa e empresas de pequeno porte.
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu art.146 que Cabe à lei
complementar:
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e
para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no
caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e
§§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
Demetrius Nichele Macei relata que nos comentários ao art. 146, inc. III, “c”
da Constituição de 1988, Ives Gandra da Silva Martins e Celso Ribeiro Bastos, foi
afirmado que há verdadeira “reticencia constitucional” na expressão, a ser
esclarecida pela referida Lei Complementar. De indústria, afasta a ocorrência de
regra de incompetência tributária, pois, “as imunidades são manifestas, objetivam
casos expressos de interesse nacional em que as entidades ou os atos beneficiados
complementam as atividades estatais ou assim o são para que a liberdade
democrática não tenha entraves”.187 Afasta também a imperiosidade de concessão
de situação fiscal mais benéfica às cooperativas. Conclui dizendo que o dispositivo
trata na verdade de “compromisso entre parlamentares e contribuintes, que já
colocaram o dispositivo sem outro referencial, com o que poderia transformar-se em
dispositivo inócuo. Segundo tais autores, a palavra “adequado” é aplicável a
qualquer matéria jurisdicizável. A lei pode ser inadequada, mas a intenção do
187 MACEI, Demetrius Nichele. Ato Cooperativo e Tributação. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 82 - 83.
107
legislador seria sempre fazê-la adequada aos princípios de justiça e de eficácia da
relação regrada.
Demetrius Nichele Macei reconhece que não é apenas o legislador
complementar que está obrigado a dispensar o tratamento adequado. Assim, a “boa
vontade” do legislador ordinário também está vinculada ao preceito constitucional
aludido. Extrai-se essa afirmação do próprio pensamento dos autores, segundo o
qual não se pode admitir que a Constituição contenha dispositivos inócuos. Por outro
lado, não parece inexistir “outro referencial”, afinal, há outros dispositivos
constitucionais que fazem referência a essa espécie societária e poderiam orientar o
legislador infraconstitucional na hermenêutica do mesmo.188
Existe unanimidade da doutrina para que deva existir para às cooperativas
tratamento diferenciado, e que a interpretação do dispositivo do art. 146 deva ser
sistemática, notadamente quanto ao art. 174 da CF/88.
Segundo Demetrius Nichele Macei a questão é saber se este “tratamento
diferenciado” deveria ser sob o ponto de vista tributário – necessariamente mais
benéfico ou não. Dos autores citados extrai-se que tal tratamento deverá ser mais
benéfico, seja reconhecendo a regra como de imunidade, seja reconhecendo o
comando legal para a concessão de benefícios fiscais.
Marco Aurélio Greco, ao proferir palestra no I Simpósio Brasileiro sobre a
Tributação de Cooperativas, concluiu que:
Dar tratamento tributário adequado é reconhecer que, em última análise, existe uma atividade realizada pelos agentes econômicos através de uma cooperativa. Ela não é uma pessoa jurídica comum, igual às outras, e, não sendo uma pessoa jurídica igual às outras, adequar a tributação a esse perfil, significa que, pelo simples fato de se reunir em cooperativa, isto não deve ser razão determinante de uma incidência maior ou de uma duplicidade de incidências. (Omissis) Isto, a meu ver, é dar o adequado tratamento tributário. Não é imunizar ninguém, não é isentar ninguém: é simplesmente enxergar que na cooperativa existe uma unidade complexa, e não duas unidades, associado de um lado e cooperativa de outro lado.189
Demetrius Nichele Macei identifica que a doutrina assumiu três posturas
distintas ao interpretar o conteúdo do art. 146, inc. III, “c”: alguns entendem que o
188 Ibid., p. 83 189 Ibid., p. 85, 86.
108
artigo corresponde à imunidade tributária: outros entendem que, mesmo não se
tratando de imunidade, deve existir tratamento mais benéfico às cooperativas
através de isenções, e outros ainda entendem que deve haver tratamento
diferenciado, mas não mais benéfico sob o ponto de vista fiscal.190
As sociedades cooperativas são um tipo societário sui generis, seja pelos
princípios do cooperativismo a que estão submetidos, seja pela legislação específica
em vigor.
O constituinte de 1988 reconhecendo a importância do cooperativismo elevou
o ao status constitucional, ordenando ao Poder Legislativo que o apoie e estimule
dispensando adequado tratamento no âmbito tributário.
Por fim, tal tratamento não é apenas obrigação do legislador complementar,
mas também do legislador ordinário de maneira geral, em razão de interpretação
sistemática do texto constitucional.
O tratamento adequado ao ato cooperativo é aquele que reconhece as suas
características específicas, ademais, o art. 146, já é suficiente para indicar o real
sentido e alcance. A simples interpretação literal seria o suficiente para dizer ao
legislador que o mesmo deve atender às peculiaridades das cooperativas no âmbito
tributário. Mesmo que não houvesse o art. 146, inc. III, “c”, a conduta do legislador
deveria ser a mesma, pois, o Art. 110 do CTN estabelece que:
A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Reconhecer que a solução dos problemas socioeconômicos está no
ordenamento jurídico no nível constitucional, possibilita identificar o direito subjetivo
dos destinatários das normas e o dever jurídico do Estado de intervir na ordem
econômica, por intermédio da interpretação sistemática dos artigos 179, 170, IV, IX,
parágrafo único e 146, “d”, que preveem o princípio da livre iniciativa e o tratamento
diferenciado para micro e pequenas empresas, são algumas das ideias que se
estruturou esse artigo.
190 Ibid., p. 86.
109
Nesse mesmo sentido parece ter caminhado o legislador constituinte derivado
ao incluir a alínea “d” ao mesmo inc. III do art. 146, quando previu tratamento
“diferenciado e favorecido” (e não “adequado”) às micro empresas e empresas de
pequeno porte.191
Para Canotilho não se pode olvidar que os princípios constitucionais que
regem o direito tributário brasileiro são pilares da ordem tributária e o Estado tem o
dever de aplicá-los e efetivá-los, pois nos ensinamentos de Canotilho, transgredir um
princípio é transgredir o próprio ordenamento jurídico no qual esse se insere.192
É na Constituição que se busca melhor regular a vida em sociedade e até
mesmo com propostas de mudanças sociais.
O Estatuto do Simples Nacional foi normatizado pela Lei Complementar
Federal nº 123/2006 e tornou-se consistente com auxílio de política pública de
diminuição e remoção de entraves em matéria tributária, trabalhista, previdenciária,
creditícia e processual, voltada à Microempresa e à Empresa de Pequeno Porte.
Possui respaldo constitucional no art. 146, III, “d”, e parágrafo único, bem assim nos
arts. 170, IX e 179, todos da Constituição. Seus institutos legais propagam
ingerência por vários ramos do Direito, especialmente, no Direito Trabalhista,
Empresarial, Administrativo, Econômico, Tributário e Constitucional.
De início, o Simples Federal (Lei nº 9.317/1996) tinha a responsabilidade de
efetivar sentido e direção constitucional consoante aos tributos da União, dos
Estados-membros, como repercussão de sua competência legislativa tributária e
buscando resguardar suas autonomias político-administrativo-financeiras, criando
projetos de simplificação e redução da carga tributária na esfera de seu ambiente
territorial.
Em que pese a União e os Estados-membros terem empenhado esforços
para criarem sistemas simplificados e favorecidos de tributação voltados as micro
empresas e empresas de pequeno porte, as disposições foram abaixo das
expectativas ansiosamente aguardadas pela sociedade brasileira, para desenvolver
uma política pública que observasse os verdadeiros anseios da classe empresarial
menos favorecida nas últimas décadas pelos planos socioeconômicos dos governos
federal, estadual e municipal, com vista a implementar uma política normativa-
191 Ibid., p. 89. 192 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina,
1991. p.162.
110
constitucional para fomentar à microempresa e à empresa de pequeno porte, dando
segurança a esses micros e pequenos empresários o perfeito e justo acesso à livre-
concorrência e à livre iniciativa.
Para sua implementação, muitas ações foram impetradas junto ao Supremo
Tribunal Federal levantando no meio jurídico o questionamento da sistemática de
tributação do Simples Nacional negligenciando em princípios da igualdade, da
isonomia tributária, da regra da não cumulatividade, no princípio da estrita
legalidade, da seletividade e no que mais polêmica suscitou no meio jurídico, o
princípio federativo.
Assim, pesquisando sobre o tema da microempresa, empresa de pequeno
porte e o sistema de tributação dessas empresas, no caso o Simples Nacional esta
pesquisa objetiva analisar e discutir o que micro e pequena empresa e o tratamento
tributário dado a essas empresas pelos princípios constitucionais através da
promoção de uma política pública que dispensasse às micros e pequenas empresas
tratamento jurídico diferenciado e favorecido na seara administrativa, tributária,
previdenciária e creditícia. aplicável às Microempresas (ME) e às Empresas de
Pequeno Porte (EPP), estabelecida pela Lei Complementar nº 123, de 14 de
dezembro de 2006 (LC nº 123/06), com vigência a partir de 1º de julho de 2007.
Dessa forma, nesta introdução, a preocupação primordial foi precisar onde encontrar
esse conhecimento. Para tanto, fez-se brevíssima análise do conhecimento jurídico,
posto que esse trabalho utilizar-se-á de tais referenciais teórico-metodológicos para
dar coerência às teses sustentadas e cravará seu amparo conclusivo nas
proposições ali encontradas. No primeiro capítulo será abordado o SIMPLES
Nacional como política de Estado no fomento as microempresas e empresas de
pequeno porte, suas definições e características. No segundo capítulo, a matéria
que norteou o estudo limitou em demonstrar a origem constitucional das políticas
públicas de fomento às microempresas e empresas de pequeno porte,
demonstrando a sua resultante dos direitos de segunda dimensão. Buscando com
os estudos realizados, resultados acadêmicos para melhor compreender o modelo
tributário do Simples Nacional.
111
4.1 – TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS
DE PEQUENO PORTE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição Federal, originalmente dispunha um único dispositivo prevendo
o tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte,
que se encontrava inserido no art.179, Título VII, que versa sobre Ordem Econômica
e Financeira, onde prescreve que: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim
definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela
simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e
creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”
Através da Emenda Constitucional nº 6, de 1995, foi acrescentado o inciso IX
ao art. 170, elevando o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
ao status de princípio geral da atividade econômica. Assim diz: “A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: IX - tratamento favorecido para as empresas de
pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País.”
Apesar de o dispositivo mencionar somente as empresas de pequeno porte
de forma expressa, são extensivas também às microempresas. Outra observação
importante é que não basta ser enquadrada como micro ou pequena empresa para
gozar de tratamento favorecido. Para a aquisição do direito à simplificação das
obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, a sede e
administração no país são imprescindíveis.
José Afonso da Silva alerta que as microempresas e empresas de pequeno
porte devem ter um tratamento especial porque, em regra, são criadas mesmo por
pessoas físicas domiciliadas no país; não raro são de um só proprietário ou são
sociedades de capital limitado. Por conseguinte, a regra é que preencham os
requisitos de empresas brasileiras de capital nacional: constituídas de acordo com a
lei brasileira, com sua sede e administração no país com o controle efetivo – quer
112
quanto ao capital, quer quanto ao exercício de atividade decisória – pertencente a
pessoas físicas domiciliadas no Brasil.193
Em 2003, por meio da Emenda Constitucional nº 42, foi introduzida ao art.
146, inciso III da Constituição Federal a alínea “d” e também seu parágrafo único.
Estas novas prescrições deram à lei complementar o poder para determinar normas
gerais referentes à criação de regimes especiais ou simplificados de obrigações e de
tributação no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Abrindo-se
assim a possibilidade constitucional de ser instituído regime unificado e centralizado
de arrecadação dos impostos e contribuições das três esferas de governo, com a
partilha imediata dos recursos recebidos, proibindo qualquer retenção ou
condicionamento. Foi criada também a possibilidade de ser adotado cadastro
nacional unificado de contribuintes, com o compartilhamento pelos entes federados
das competências de arrecadar, fiscalizar e cobrar o cumprimento das obrigações
referentes ao novo sistema.
No ano de 2006 foi instituído pela Lei Complementar 123/2006 dentro do
ordenamento brasileiro, o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de
Pequeno porte que veio para realizar os valores republicanos e democráticos
positivados por meio dos princípios e regras dos artigos 170, IX; 179 e art. 146, d, da
Constituição Federal. Foi através desses dispositivos constitucionais, que se
encontrou o modo para se promover a igualdade de condições entre todos os
agentes econômicos.
De acordo com o art. 146: “Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...) d)
definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as
empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do
imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e
13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único. A lei
complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único
de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, observado que: I - será opcional para o contribuinte; II -
poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de
193 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 732.
113
recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada
qualquer retenção ou condicionamento; IV - a arrecadação, a fiscalização e a
cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro
nacional único de contribuintes.
O critério para definir uma microempresa e uma empresa de pequeno porte
está relacionado ao seu faturamento. As empresas com margem de faturamento
dentro desses limites trazidos pela LC 123/2006, devem ser abrangidas por esse
regime jurídico de tratamento favorecido, passando a ser auxiliadas por
consequência pelo SUPER SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de
Impostos e Contribuições Federais, Estaduais e Municipais das Microempresas e
Empresas de Pequeno Porte. Esse critério de tratamento fiscal diferenciado está em
conformidade com os fundamentos constitucionais, já que possuem a mesma
capacidade contributiva.
4.2- MICRO E PEQUENA EMPRESA: DEFINIÇÃO DE TRATAMENTO
DIFERENCIADO, FAVORECIDO E SIMPLIFICADO
Os Estados se apreendem de fato com o desenvolvimento das micro e
pequenas empresas, devido a sua enorme relevância socioeconômica.
Foi na Alemanha que surgiu dar aos pequenos empreendedores tratamento
jurídico diferenciado, em seu Código Comercial de 1897. Porém, foi o direito italiano,
com a pequena empresa, que se saiu melhor em sistematizar e legislar sobre a
pequena empresa, terminando por diferencia-la, não só quantitativa, mas também
qualitativa, os pequenos negócios frente às outras empresas.
Para os italianos, a valorização do micro e do pequeno empreendedor não se
limitava à identificação das atividades que precisavam ser protegidas. Expandia-se a
uma soma de ações governamentais nos campos político, econômico e fiscal, de
maneira a diminuir a burocracia e os custos para abertura, manutenção e
encerramento dos pequenos negócios.
Com o término da II Guerra Mundial, em 1946, a microempresa apareceu
como uma possibilidade, uma opção para absorver toda a mão de obra vinda da
disputa de mercados. Em 1973, com crise do petróleo e em 1989 com a queda do
114
Muro de Berlim, igualmente, contribuíram para o enorme crescimento das micro e
pequenas empresas.194
A preocupação do legislador em garantir um tratamento diferenciado ao micro
e pequeno empresário no Brasil, foi observada na edição de leis visando estimular o
crescimento e o desenvolvimento do setor.
Constata-se que, desde 1964, já existiam diplomas legais concedendo
incentivos fiscais aos micros empreendimentos. Exemplos disso são as Leis nº
4.506/1964 e nº 4.357/1964, que davam isenção do Imposto sobre a Renda das
Pessoas Jurídicas (IRPJ) para empresas cuja receita bruta não ultrapassava
determinado valor.
A definição legal de “microempresa” somente apareceu em 1984, com a
desburocratização promovida pelo último governo militar. A Lei nº 7.256/84 conferiu
tratamento especial para as microempresas enquadradas como de reduzida receita
bruta. O conceito de “empresa de pequeno porte” surgiu na mesma época, com o
Decreto nº 90.414/84.
Embora houvesse regras que demonstravam a preocupação do legislador
com a micro e pequena empresa, somente com a promulgação da Constituição
Cidadã, em 1988, que o conteúdo começou a ser tratado com maior afinco e
detalhe.
Nascido das legislações alemãs e italianas o conceito e os traços
característicos da micro e da pequena empresa no Brasil são recentes e tomaram
forma na Constituição de 1988.
4.3- FUNÇÃO SOCIAL DA MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE
Juridicamente função significa o “dever de agir, atribuído ou conferido por lei a
uma pessoa, ou a várias, a fim de assegurar a vida da administração pública ou o
preenchimento de sua missão, segundo os princípios instituídos pela própria lei”.195
194 QUEIROZ, Mary Elbe. Microempresas e empresas de pequeno porte: definição de tratamento
diferenciado, favorecido e simplificado. A busca da isonomia e justiça fiscal. A exegese do art. 146, III, “d”
da Constituição Federal. Revista de Direito Tributário, São Paulo, 2005. n. 92, p. 134. 195 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 1963. p. 722.
115
E o significado do termo social como “pertencente à sociedade humana considerada
como entidade dividida em classes graduadas, segundo a posição na escala
convencional: Posição social, condição social, classe social”.196 Juntando as duas
palavras, seria definir um objetivo a ser alcançado em benefício da sociedade.
O ideal buscado pelo legislador não é dar a microempresa e empresa de
pequeno porte um tratamento jurídico diferenciado, favorecido e simplificado, mas a
elaboração de normas que as tornem competitivas devido a sua enorme importância
socioeconômica. As microempresas e empresas de pequeno porte são responsáveis
pela inclusão de milhões de pessoas no mercado de trabalho, em grande parte, por
sua enorme capacidade de distribuir renda e gerar novos empregos. Elas em
conjunto representam um fator de equilíbrio e estabilidade de um país, pois,
absorvem pessoas que estariam sem emprego ou atuando na informalidade,
causando inúmeros e sérios problemas sociais.
Para demonstrar a enorme importância delas para a economia nacional, basta
averiguar dados de recentes pesquisas realizadas por órgãos nacionais e mundiais
sobre empreendedorismo, emprego e sobrevivência da micro e da pequena
empresa. Estas pesquisas traçam o perfil dos pequenos negócios, e mostram o
importante papel ocupado por estas empresas na atual conjuntura econômica.
A função social da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte é orientar,
conduzir a forma de pensar, de refletir, de possuir, de mercantilizar, de produzir, de
dar ensinamento, de promover o impulso necessário para extrair um povo de uma
nação da inércia, para que estes produzam resultados vantajosos para si e para a
sociedade.
Para Fabio Konder Comparato, a função social da empresa é exatamente
buscar a finalidade capitalista do lucro, sem, contudo se esquecer das
responsabilidades que farão com que a sua existência resulte em desenvolvimento
social, cultural e econômico. A empresa tem por objetivo, lucrar, mas para consegui-
lo a empresa promoveu vários fatos jurídicos que trouxeram vantagens e benefícios
para a comunidade que a rodeia.197
A empresa não visa somente o lucro. Ela é uma instituição social, de relevada
importância, pois, do seu desenvolvimento e ação dependem toda uma população.
196 MICHAELIS. Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 1971. 197 COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 79.
116
Ela não é apenas uma simples produtora ou transformadora de bens que dispõe no
mercado, ela é um poder que exerce uma força socioeconômico-financeira
desencadeadora de ações de grande potencial de emprego e desenvolvimento.
Fábio Konder Comparato (1986) definiu a função social como o poder-dever
de associar a coisa a um objetivo determinado pelo interesse coletivo.198
Para Humberto Theodoro Júnior: A ordem constitucional de nossos tempos,
evita o intervencionismo gerencial público no processo econômico; deixa de atribuir
ao Estado à exploração direta dos empreendimentos de ordem econômica; mas
também não permite que em nome da liberdade negocial a força econômica privada
seja desviada para empreendimentos abusivos, incompatíveis com o bem estar
social e com valores éticos cultivados pela comunidade.199
Assim, surge o termo função social da empresa. A função social, como termo,
surgiu inicialmente, sob a forma de função social da propriedade disciplinado na
Constituição, como nos arts. 5º, XXIII, 170, III, 173, § 1º, I, 182, § 2º, 184, caput e
185, parágrafo único.
4.4 - O SIMPLES NACIONAL COMO POLÍTICA PÚBLICA
O que é o SIMPLES Nacional? O SIMPLES Nacional é um regime especial e
unificado de tributação e arrecadação de impostos e contribuições federais,
estaduais e municipais, idealizado pelo art. 146, III, “d” e parágrafo único da
Constituição Federal e efetivado pela Lei Complementar no 123/2006, norma geral
de Direito Tributário.
Por ter caráter facultativo e irretratável, uma vez feita a opção, deve a pessoa
jurídica enquadrada na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte
seguir as regras impostas no Estatuto e nos regulamentos editados pelo Comitê
Gestor, não podendo alterar sua forma de tributação durante todo o ano-calendário.
James Marins conceitua analiticamente o SIMPLES Nacional como um
“regime especial de tributação por estimação objetiva, constituído em microssistema
198 COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da Propriedade dos Bens de Produção. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 63, p. 75. 1986. 199 THEODORO JÚNIOR. Humberto. O Contrato e sua Função Social. Forense, Rio de Janeiro, 2004. p. 34.
117
tributário, material, formal e processual, que unifica a fiscalização, o lançamento e a
arrecadação de determinados impostos e contribuições de competência da União,
Estados, Municípios e Distrito Federal, aplicável opcionalmente às Microempresas e
Empresas de Pequeno Porte, com o propósito de conferir a estes contribuintes um
tratamento fiscal diferenciado e favorecido, em caráter parcialmente substitutivo ao
regime geral e compulsório.200
A Lei do SIMPLES, ao escolher a receita bruta como medida objetiva para
pagamento de inúmeros tributos com bases de cálculo completamente diferentes,
ofereceu o sistema de estimação objetiva, por utilizar uma base de cálculo estimada
para a cobrança de realidades tributárias distintas, fazendo uso de alíquotas
condensadas por faixas de receita.
Forma um microssistema próprio, que substitui as normas gerais de direito
tributário por uma incidência diferenciada e favorecida, com relação aos tributos e
contribuições contemplados. Não substitui a totalidade do sistema geral, sendo
aplicável somente aos impostos e contribuições taxativamente previstos: IRPJ,
CSLL, PIS/PASEP, COFINS, IPI, ICMS, ISS e a contribuição previdenciária patronal
incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos dos segurados obrigatórios
do Regime Geral da Previdência Social (CPP). O Simples Nacional abrange a esfera
tributária federal, estadual e municipal.
Frente ao sistema de compartilhamento da fiscalização, do lançamento e do
produto da arrecadação, qualquer dos entes tributantes pode movimentar seu
aparelho administrativo, com relação à totalidade do tributo devido pelo optante.
Ao unificar e simplificar o recolhimento dos tributos, o Simples Nacional previu
isenção para as exportações, permitindo o desconto dos tributos pagos
antecipadamente por substituição tributária e do ISS retido na fonte, além de reduzir
obrigações fiscais acessórias exigidas das empresas de pequeno porte e das
microempresas. As vantagens expandem-se a outras regulamentações e exigências
empresariais, indo além das questões tributárias, facilitando o acesso a linhas
especiais de crédito e a novas tecnologias, incentivos especiais para fomento das
exportações e tratamento diferenciado nas licitações para fornecimento de bens e
200 MARINS, James; BERTOLDI, Marcelo M. Simples Nacional: Estatuto da microempresa e da empresa de
pequeno porte comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 68.
118
serviços aos órgãos públicos.201 O ingresso no SIMPLES não é automático,
demandando o cumprimento de certas condições: (1) enquadrar-se na definição de
microempresa ou de empresa de pequeno porte; (2) cumprir os requisitos previstos
na legislação; e (3) formalizar a opção na Secretaria da Receita Federal.
Como o principal objetivo é simplificar as obrigações e reduzir a pesada carga
tributária para as micro e pequenas empresas, o SIMPLES Nacional determina o
pagamento unificado de oito tributos, que incidem sobre a receita bruta auferida no
mês pelo contribuinte. As alíquotas serão diferentes conforme o faturamento e a
atividade que a pessoa jurídica desenvolve e o recolhimento é feito por documento
único. O produto da arrecadação é repassado a cada um dos entes federativos, de
acordo com a parcela que lhes é devida.
Um sistema tão completo de tributação e arrecadação, trás na doutrina alguns
questionamentos sobre sua constitucionalidade. A incidência de diferentes impostos
e contribuições sobre um único fato gerador e a sua arrecadação unificada
supostamente violariam o pacto federativo.
Porém, o SIMPLES Nacional consolida o pagamento de diversos impostos e
contribuições de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
resumindo suas bases de cálculo à receita bruta auferida no mês pelo contribuinte. A
unificação destes tributos não criou um imposto único. Apenas modificou dois
critérios de incidência tributária: base de cálculo e alíquotas.
A receita bruta, base de cálculo adotada pelo Simples Nacional está em total
sintonia com a Constituição e com as leis que regulamentam os tributos unificados.
O IRPJ e a CSLL têm como base de cálculo a receita bruta quando calculados pelo
lucro presumido. O PIS e a COFINS, independentemente do sistema de apuração
escolhido pelo contribuinte, incidem sobre o faturamento ou receita bruta da pessoa
jurídica, nos moldes do art. 195, I, b da CR/88.
Os instrumentos inseridos pela EC nº 42/2003, no art. 146 da CF/88
ampliaram o escopo das matérias a serem tratadas por lei complementar,
viabilizando assim, uma efetivação do tratamento diferenciado e favorecido às
microempresas e empresas de pequeno porte, dando liberdade inclusive à
201 CAMPOS, Mário Hermes Soares. O simples nacional como imposto único incidente sobre a renda e
consumo das microempresas e das empresas de pequeno porte no Brasil. Dissertação (Mestrado). Nova
Lima: Faculdade de Direito Milton Campos, 2009. p. 69.
119
instituição de regime unificado de arrecadação de tributos federais, estaduais e
municipais (art. 146, III, d e parágrafo único).
Para Demetrius Nichele Macei, mesmo depois de duas décadas da
promulgação da Constituição atual, a doutrina nacional – especialmente os
estudiosos do direito tributário – não examinou com profundidade a Súmula da
doutrina do “adequado tratamento tributário”. E segundo o autor existe uma
explicação lógica para isso, pois, até a década de 90, a legislação atinente à
imposição tributária das cooperativas, bem ou mal, vinha dispensando tratamento
diferenciado, pois, em geral, desonerou-as do pagamento de diversos tributos.
Todavia, em 1996, com a Lei Complementar 84, a União pretendeu cobrar
Contribuição Previdenciária das cooperativas, equiparando os cooperados a
empregados e a cooperativa aos seus empregadores. Milhares de cooperativas
insurgiram-se contra tal imposição. Em 1997, a Lei Federal alterou a legislação
tributária elevando a incidência tributária das cooperativas de consumo e finalmente
a Medida Provisória 1.858-6/99 revogou a isenção relativa ao COFINS de todas as
cooperativas brasileiras. Ressalta que o art.146, inc. III, “c” não tem correspondência
nas Constituições anteriores.202
Ademais, segundo Demetrius Nichele Macei não é apenas o legislador
complementar que está obrigado a dispensar o tratamento adequado. Assim, a “boa
vontade” do legislador ordinário também está vinculada ao preceito constitucional
aludido.203
Vê-se aqui o trabalho desenvolvido pelo legislador trabalhando como
constituinte derivado, em auxílio dos interesses da Federação; e também a atuação
da União, representando o Estado Federado, cumprindo sua função niveladora e
redistributiva. Todos desenvolvendo esforços para cumprir à missão constitucional
de redução das desigualdades espaciais e sociais, dentro dos fundamentos da
República Federativa do Brasil estabelecidos no art. 1º da Constituição pátria, aos
objetivos fundamentais previstos no art. 3º, aos princípios constitucionais espalhados
em todo o texto da Constitucional e, mais especificamente, aos previstos no arts.
170 e 179.
202 MACEI, Demetrius Nichele. Ato Cooperativo e Tributação. 2. ed. Curitiba: Juruá. 2014. p. 80. 203 Ibid., p. 83.
120
As mudanças e transformações realizadas na Constituição alteraram
inquestionavelmente o incentivo dado às micro e pequenas empresas como critério
legítimo para o estabelecimento de tratamento diferenciado em matéria tributária,
não implicando violação à isonomia.204
Humberto Ávila afirma que a LC 123/2003 tem por objeto servir à necessidade
de aparelhar o Estado com instrumentos jurídicos capazes de atender a dois
objetivos; em primeiro lugar, implementar a justiça tributária por meio da
consideração da capacidade contributiva, presumidamente menor quando se trata
de microempresa e empresa de pequeno porte. Em segundo lugar, implementar
finalidades extrafiscais de desenvolvimento de setores e atividades não devidamente
desenvolvidas”.205
Analisando superficialmente os anexos à LC123 se percebe o acolhimento de
princípios constitucionais como os da isonomia, da capacidade contributiva, da
progressividade e da proporcionalidade. A LC 123 (Anexo II) nas primeiras faixas do
anexo I verifica-se que quando o faturamento da empresa aumenta a alíquota a ser
aplicada aumenta, ou seja, paga mais proporcionalmente quem tem maior
capacidade contributiva, não só em virtude do aumento da base de cálculo, mas
como em virtude dos progressivos aumentos que as alíquotas têm.
O SIMPLES é uma alternativa de tributação, uma opção às microempresas e
empresas de pequeno porte de escolher por esse tipo de pagamento de tributos
simplificado de recolhimento de seus impostos e contribuições, diminuindo a
papelada.
Regina Helena Costa diz que a LC 123/2006 aperfeiçoa a simplificação
adotada anteriormente – Simples Federal – mantendo algumas de suas
características, tais como ser opcional ao contribuinte que atenda às condições
estabelecidas, consigna alguma renúncia ao gravame da capacidade contributiva
efetiva, que seria auferida mediante manifestações individualmente consideradas,
dispensando o pagamento de certas contribuições. Ainda institui o pagamento único
204 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: ESMAFE, 2010. p. 88. 205 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 143.
121
mensal e reduz a quantidade de deveres instrumentais tributários que lhes seriam
exigidos pelo sistema padrão.206
Diz ainda, que dentre os instrumentos facilitadores para o contribuinte, a
diminuição das obrigações acessórias por meio do recolhimento mensal, mediante
documento único de arrecadação, de impostos e contribuições de competência da
União, Estados e Municípios, argumentando também que o Simples Nacional um
“exemplo de adequado emprego da praticabilidade tributária, a significar as
situações nas quais tal diretriz foi devidamente aplicada, uma vez que refletem o
respeito aos direitos do contribuinte”.
Para evitar e solucionar possíveis demandas sobre a sistemática de
tributação estabelecida pela LC 123/2006 o legislador alterou, e utilizou como um
dos principais mecanismos desse instituto jurídico-administrativo como um alívio da
competência legislativa dos entes da federação, no que diz respeito aos oito tributos
alcançados pela organização do regime simplificado e arrecadados das empresas
optantes. Contudo, a inovação não pode ser encarada como um alívio de
competência, isso mostra na verdade uma reacomodação do pacto federativo
nacional, que traz alterações no delineamento dos limites de competência dos entes
da federação.207
4.5 - O SUPER SIMPLES
O Super SIMPLES ou SIMPLES Nacional é uma Lei Complementar que
institui a partir de 01/07/2007 o Estatuto Nacional das Microempresas e das
Empresas de Pequeno Porte. Isso possibilita às empresas referidas, a opção pelo
Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições.
Consideram-se microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP) a
sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art.
966 da Lei nº 10.406, de janeiro de 2002.
206 COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária – Exequibilidade de lei tributária e direitos
do contribuinte. São Paulo – Malheiros Editores, 2007. p 264 265. 207 Ibid., p. 377- 411.
122
No caso das ME a receita bruta anual não poderá ser superior a R$
360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais).
No caso das EPP, a receita bruta anual terá de ser superior a R$ 360.000,00
(trezentos e sessenta mil reais) e inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e
seiscentos mil reais).
O Super SIMPLES unifica vários impostos, até então recolhidos
separadamente por essas empresas e os reduz sobremaneira na maioria dos casos.
Foram unificados os seguintes impostos e contribuições: IRPJ, IPI, CSLL,
COFINS, PIS/PASEP, INSS, ICMS e ISS.
As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples
Nacional ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela
União, inclusive as contribuições para as entidades privadas de serviço social e de
formação profissional vinculada ao sistema sindical, de que trata o art. 240 da
Constituição Federal e demais entidades de serviço social.
Desde 2015, optar pelo Simples Nacional passou a ser permitida para mais
140 novas atividades, como médicos, advogados, engenheiros e representantes
comerciais. Ajudando uma gama elevada de profissionais a saírem da informalidade
dando a eles a oportunidade para abrirem novas micro e pequenas empresas com
mais facilidades pela eliminação da burocracia adotando um cadastro único por
CNPJ.
E mais, a regra para poder optar passa a ser o faturamento das empresas,
com o limite máximo de R$ 3,6 milhões por ano. As alíquotas de recolhimento
também têm como base o faturamento e, atualmente, estão estipuladas em seis
tabelas da Lei Complementar 147/2014.
Os atrativos deste regime são a aparente simplicidade do Simples Nacional e
suas alíquotas relativamente baixas. No entanto, cabe ressaltar que há questões
que exigem análise detalhada com auxílio de um profissional de contabilidade, como
a ausência de créditos do IPI e sublimites estaduais para recolhimento do ICMS.
Outro detalhe do Simples Nacional é que as alíquotas são progressivas, podendo
ser, nas faixas superiores de receita, especialmente para empresas de serviços,
mais onerosas do que os regimes de Lucro Real ou Presumido. Para o pagamento
dos oito impostos federais sim, porém para o recolhimento de ICMS (estadual) e ISS
(municipal) os tetos de faturamento bruto anual variam de acordo com a participação
de cada Estado no PIB brasileiro.
123
- No Amapá e Roraima – R$ 1,26 milhão por ano;
- No Acre, Alagoas, Pará, Piauí, Rondônia, Sergipe e Tocantins – R$ 1,8 milhão por
ano;
- Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso – R$ 2,52 milhões por ano.
- Todos os demais Estados e o Distrito Federal – R$ 3,6 milhões por ano.
Para aderir ao SIMPLES Nacional a solicitação deve ser feita somente pela
internet, pelo Portal do SIMPLES Nacional e será irrevogável até o fim do ano-
calendário. É necessário informar os números de Inscrição Municipal e Inscrição
Estadual (para contribuintes de ICMS) e, como a análise é feita em conjunto por
União, estados e municípios, o deferimento depende da total ausência de
pendências cadastrais e fiscais em nome da empresa.
As empresas em atividade têm até o dia 30 de janeiro para comunicar a
opção e, caso haja deferimento, os efeitos da opção retroagem para 1º de janeiro. Já
os empreendimentos recém-criados devem solicitar a adesão ao Simples até 30 dias
após a obtenção do CNPJ. Neste caso, os efeitos terão início a partir do início do
Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Em caso de indeferimento do pedido, o
contribuinte pode contestar o indeferimento por meio de documento enviado à
administração tributária que apontou as irregularidades.
4.6 - ESTATUTO NACIONAL MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO
PORTE
O primeiro estatuto aprovado após a Constituição de 1988 foi a Lei no
8.864/1994, que prenunciou a caracterização das microempresas de acordo com a
receita bruta anual, uma escrituração simplificada e a dispensa de algumas
obrigações trabalhistas e previdenciárias. Entre os incentivos estava a possibilidade
de recolhimento do percentual mínimo para o Seguro Acidente do Trabalho (SAT).
Em 1996, foi publicada a Lei nº 9.317, que criou o sistema integrado de
pagamento de impostos e contribuições devidos pelas microempresas e empresas
de pequeno porte, denominado SIMPLES. Este sistema ampliou a relação dos
impostos e contribuições incluídos no benefício de arrecadação única. Além de
124
aumentar a arrecadação do Estado, demonstrou ser um importante instrumento
destinado à formalização de empresas e criação de vínculos empregatícios.
Após a publicação da Emenda Constitucional nº 42/2003, o tratamento
diferenciado às microempresas foi promovido a princípio geral do sistema tributário.
“Foi também delegada à lei complementar a instituição de um regime único de
arrecadação dos impostos e contribuições federais, estaduais e municipais,
denominado SIMPLES Nacional.”
A Lei Complementar nº 123/2006, que instituiu o atual estatuto nacional das
microempresas e empresas de pequeno porte, ao contrário dos antigos estatutos,
sobressaiu-se pelas normas de natureza tributária, não apenas pela sua extensão
quantitativa, mas pelo enorme corte que operou no sistema jurídico de impostos e
contribuições. O Simples Nacional desempenhou a maior e mais expressiva
iniciativa de caráter tributário no Brasil, desde a promulgação da Constituição de
1988, pois abrangeu significativa base de contribuintes, promovendo inclusão social
e incentivando a formalização dos pequenos negócios.208
A Lei Complementar nº 123/2006 tem natureza nacional: alcança e obriga
todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O regime
tributário por ela instituído é único e de âmbito nacional, substituindo os
individualmente concedidos (art. 94 do ADCT).
Esse modelo concretiza uma abrangente reforma do sistema tributário aplicável às
empresas instaladas nos níveis mais baixos de faturamento, justamente onde se
concentra o maior número de empreendedores. Sua principal finalidade é a simplificação
e a desoneração tributária das microempresas e empresas de pequeno porte, assim
definidas como aquelas cujo faturamento anual é inferior aos limites estabelecidos na lei.
4.7 - DEFINIÇÃO DE MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE
O legislador, na Lei Complementar no 123/2006, utilizou dois critérios de
classificação. O primeiro critério é o objetivo, determinado pelo faturamento ou
208 MARINS, James; BERTOLDI, Marcelo M. Simples Nacional: Estatuto da microempresa e da empresa de
pequeno porte comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 23, 24.
125
receita bruta anual do empreendimento e o segundo subjetivo, demarcado pelas
características pessoais do favorecido.
O tratamento diferenciado conferido às micro e pequenas empresas foi
concedido objetivamente com base em seu porte O porte da empresa pode ser
medido de vários modos: pela receita bruta, pelo número de empregados, pelo
número de estabelecimentos, e assim sucessivamente. O legislador brasileiro,
dentre as possibilidades existentes, elegeu o faturamento ou receita bruta como
elemento indicativo do porte das empresas. Assim, pelo critério objetivo, as
sociedades serão enquadradas como micros, pequenas ou grandes e terão direito
ao tratamento diferenciado, conforme o valor de seu faturamento anual.
Pelo critério subjetivo, são consideradas microempresas e empresas de
pequeno porte as sociedades empresárias, as sociedades simples, as empresas
individuais de responsabilidade limitada e os empresários a que se refere o art. 966
do Código Civil, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no
Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
A Sociedade Empresária é a pessoa jurídica de direito privado não estatal,
que explora empresarialmente seu objeto social ou a forma de sociedade por
ações.209 Resulta de acordo entre duas ou mais pessoas que se comprometem a
reunir capitais e trabalho para a realização de atividade econômica organizada com
fim lucrativo. Registrado seu ato constitutivo (contrato ou estatuto), a sociedade
adquire personalidade jurídica, separando-se das pessoas que a constituíram.
O conceito de Sociedade Simples se dá por exclusão: é aquela sociedade
que não tem como objeto o exercício de atividade própria de empresário. O Código
Civil considera simples as sociedades que exercem trabalho intelectual (art. 966, p.
único) e as cooperativas (art. 982, p. único). A sociedade rural (artigos 970 e 971) e
o pequeno empresário (art. 970) serão simples se depositarem seus atos
constitutivos no registro civil de pessoas jurídicas. Estas sociedades, embora não
empresárias, podem classificar-se como micro e pequena por equiparação legal.
O empresário a que se refere o art. 966 do Código Civil é a pessoa física,
registrada na Junta Comercial, que exerce a empresa em seu próprio nome,
assumindo todo o risco da atividade.
209 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 111.
126
A empresa individual de responsabilidade limitada, introduzida pelo art. 3º da
Lei nº 12.441/2011, é nova espécie de pessoa jurídica, de titularidade unipessoal,
com responsabilidade limitada ao patrimônio constituído. Assim, para os estritos
efeitos da LC no 123/2006, poder-se-á enquadrar como microempresa ou empresa
de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa
individual de responsabilidade limitada e o empresário individual que aufiram
determinada receita bruta anual.
Percebe-se que a finalidade eleita (tratamento favorecido) guarda uma correlação
lógica com a medida de comparação escolhida (porte da empresa), mensurada por meio
de um elemento indicativo (receita bruta anual). O legislador, neste ponto, diferenciou as
empresas dentro dos limites impostos pelo princípio da igualdade.
Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou
desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiares de uma categoria
de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o
regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada.210
O ideal buscado pelo legislador não é dar a microempresa e empresa de
pequeno porte um tratamento jurídico diferenciado, favorecido e simplificado, mas a
elaboração de normas que as tornem competitivas devido a sua enorme importância
socioeconômica. As microempresas e empresas de pequeno porte são responsáveis
pela inclusão de milhões de pessoas no mercado de trabalho, em grande parte, por
sua enorme capacidade de distribuir renda e gerar novos empregos. Elas em
conjunto representam um fator de equilíbrio e estabilidade de um país, pois,
absorvem pessoas que estariam sem emprego ou atuando na informalidade,
causando inúmeros e sérios problemas sociais.
Para demonstrar a enorme importância delas para a economia nacional, basta
averiguar dados de recentes pesquisas realizadas por órgãos nacionais e mundiais
sobre empreendedorismo, emprego e sobrevivência da micro e da pequena
empresa. Estas pesquisas traçam o perfil dos pequenos negócios, e mostram o
importante papel ocupado por estas empresas na atual conjuntura econômica.
210 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 39.
127
5- DECISÕES SOBRE O MÍNIMO EXISTENCIAL, CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
E NÃO CONFISCO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE JUSTIÇA
Neste tópico se mostrará decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o
mínimo existencial, capacidade contributiva e não confisco justificando na prática da
justiça o uso dos princípios constitucionais descritos nos capítulos anteriores desta
pesquisa.
A determinação judicial para a adoção de medidas visando a atender
elementos da dignidade humana é verificada, especialmente, no âmbito da saúde
pública. Neste sentido, colaciona-se trecho de ementa retirada do Agravo
Regimental apresentado no Recurso Especial nº 1.107.511 no Superior Tribunal de
Justiça, com publicação em 06/12/2013:
“Ementa: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde(SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005).” Grifo nosso
O Ministro Luiz Fux relata que o imposto de renda não incide sobre a
indenização recebida por adesão a Programa de Demissão Voluntária. O conceito
de renda tributável é assente na doutrina: "Estamos notando, assim, que para o
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Direito, os conceitos de renda e proventos não coincidem com os da Economia, que
considera qualquer acréscimo patrimonial passível de sofrer a tributação em pauta.
Tributar a verba paga por adesão ao PDV representa avançar sobre o mínimo vital
garantido ao trabalhador desempregado, situação que fere o princípio da capacidade
contributiva. A doutrina da capacidade contributiva, sob esse espeque, destaca: "O
conceito de renda, a nosso ver, é simultaneamente jurídico e econômico. A
disponibilidade é jurídico-econômica por significar disponibilidade para o consumo,
que se corporifica após a reserva do mínimo existencial, que é indisponível para o
consumo e para a tributação.” (Torres, Ricardo Lobo, in" Aspectos Constitucionais
do Fato Gerador do Imposto de Renda", publicado no livro "Dimensão Jurídica do
Tributo: Homenagem ao Professor Dejalma de Campos", São Paulo: Meio Jurídico,
2003, p. 585).
Processo: AgRg no REsp 1058483 RJ 2008/0106947-0 Relator(a): Ministro LUIZ FUX Julgamento: 20/05/2010 Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA Publicação: DJe 15/06/2010 Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. INCIDÊNCIA SOBRE O MONTANTE DECORRENTE DA ADESÃO DE EMPREGADO EM PROGRAMA DE APOSENTADORIA INCENTIVADA. SIMILARIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA ADESÃO À PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA - PDV. EMPRESA SUBMETIDA AO REGIME DE DIREITO PRIVADO. LIBERALIDADE DO EMPREGADOR. NÃO VERIFICADA. INEXISTE LIBERALIDADE EM ACORDO DE VONTADES NO QUAL UMA DAS PARTES RENUNCIA AO CARGO E A OUTRA A INDENIZA, FUNDAMENTADA NO TEMPO DE TRABALHO. RECURSO PAGO PARA GARANTIR O MÍNIMO EXISTENCIAL DO ADERENTE. A VERBA INDENIZATÓRIA DECORRENTE DO PDV NÃO TEM NATUREZA JURÍDICA DE RENDA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 153 , III E § 2º , I E 145 , § 1º DA CF C/C 43 DO CTN . PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. 1. O imposto de renda não incide sobre a indenização recebida por adesão a Programa de Demissão Voluntária (PDV), quer se trate de servidor público ou de empregado do setor privado (Precedente da Primeira Seção : REsp 940.759/SP , Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 25.03.2009). 2. É que os Programas de Demissão Voluntária - PDV consubstanciam uma oferta pública para a realização de um negócio jurídico, qual seja, a resilição ou distrato do contrato de trabalho no caso das relações regidas pela CLT , ou a exoneração, no caso dos servidores estatutários. O núcleo das condutas jurídicas relevantes aponta para a existência de um acordo de vontades para pôr fim à relação empregatícia, razão pela qual inexiste margem para o exercício de liberalidades por parte do empregador. 3. A verba paga a título de adesão ao PDV tem natureza jurídica de indenização, porque se destina à manutenção do mínimo vital do ex-empregado, que terá de aderir ao sistema de seguridade social. 4. A natureza jurídica do PDV é assim descortinada pela doutrina: "De salário não se trata, pois, muito embora corresponda à importância fornecida diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, referido valor não é pago de forma continuada (habitual...
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No STF, destacam-se as decisões proferidas pelo Ministro Celso de Mello,
que atuou em importantes casos em que foi aventado o mínimo existencial. Refere-
se ao tema do acesso a creches e pré-escolas. No Agravo de Instrumento nº
677.274/SP, julgado em 18 de setembro de 2008, restou assegurado, pelo disposto
no artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal, o direito fundamental de toda
criança de até cinco anos de idade ao atendimento em creche e pré-escola:
Agravo de Instrumento nº 677274/SP, julgado em 18/09/08 pelo Ministro Celso de Mello, do STF. DJE de 01/10/08. No mesmo sentido: Recurso Extraordinário nº 472707/SP, julgado em 14/03/06, DJ de 04/04/06, p. 110. Recurso Extraordinário nº 467255/SP, julgado em 22/02/06, DJ de 14/03/06, p. 53. Recurso Extraordinário nº 410715/SP, julgado em 27/10/05 , DJ de 08/11/05, p. 56. Recurso Extraordinário nº 436996/SP, julgado em 26/10/05, DJ de 07/11/05, p. 37. Todas essas decisões foram proferidas pelo Ministro Celso de Mello, do STF.
Decisão do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino declarando que os
descontos em contrato de empréstimo, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta
por cento) da remuneração percebida pelo devedor, para preservação do mínimo
existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana.
STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1206956 RS 2010/0151668-9 (STJ) Data de publicação: 22/10/2012 Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RETENÇÃO. POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO. CRÉDITO CONSIGNADO. CONTRATODE MÚTUO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃODA MARGEM DE CONSIGNAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Possibilidade de afastamento da regra do art. 542, § 3º, do CPC,apenas se demonstrada a viabilidade do recurso especial ("fumus boni iuris") e o perigo de que, com a sua retenção, sobrevenha dano irreparável ou de difícil reparação ao recorrente ("periculum in mora"). 2. Validade da cláusula autorizadora do desconto em folha de pagamento das prestações do contrato de empréstimo, não configurando ofensa ao art. 649 do Código de Processo Civil, 3. Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração percebida pelo devedor. 4. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. 5. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ. 6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.(grifo nosso)
130
Decisão do Ministro Mauro Campbell Marques sobre matéria previdenciária
sobre o recebimento de pensão por morte de filho soldado da Aeronáutica falecido
reconhecendo o direito à pensão militar por morte, em observância à cultura
brasileira de ajuda aos pais idosos, à garantia do mínimo existencial e do princípio
da dignidade da pessoa humana.
Processo: REsp 1302237 RJ 2011/0313872-9 Relator(a): Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES Julgamento: 17/09/2013 Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA Publicação: DJe 25/09/2013 Ementa PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO POR MORTE. MÃE CASADA. ART. 7º, II, DA LEI 3.765/1960. REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 2.215-10/2001. POSSIBILIDADE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA EVIDENCIADA NOS AUTOS. GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Recorrente na condição de mãe de soldado da Aeronáutica falecido, casada com o pai do de cujus, que era solteiro e não tinha filhos, nem companheira, busca percepção de pensão por morte com base no art. 7º da Lei 3.765/1960 com a redação dada pela Medida Provisória 2.215-10/2001. 2. Para fazer jus à pensão militar em comento, além do respeito à ordem de prioridade, estabelecida em lei, os pais deverão comprovar a real dependência econômica. 3. A pretensão recursal não esbarra na condição de casada da recorrente. Do estado civil de casada, por si só, não se pode afastar a dependência econômica em relação ao instituidor da pensão. 4. Mesmo no caso dos autos, em que o marido da recorrente é segurado do INSS, recebendo benefício correspondente a um salário-mínimo, deve ser reconhecido o direito à pensão militar por morte, em observância à cultura brasileira de ajuda aos pais idosos, à garantia do mínimo existencial e do princípio da dignidade da pessoa humana. 5. Os instrumentos de hermenêutica devem estar atentos à premissa de que "a previdência social é componente dos mais relevantes do direito social, que impõe ao magistrado verdadeira revolução de pensamento, pois este deixará de ser mero aplicador do Direito, e terá de voltar sua atenção para os escopos jurídicos, sociais e políticos, a fim de que haja perfeita integração entre a pretensão deduzida em juízo e o direito material." (Doutrina de Fábio Zambitte Ibrahim em que o autor reforça que o Estado deve estar à frente de uma perfeita materialização do abrigo social, mantendo-se, assim, a dignidade da pessoa humana). 6. Recurso especial provido.(grifo nosso)
Decisão do Ministro Mauro Campbell Marques relatando que por força do
princípio da capacidade contributiva não se pode onerar o substituto com tributo que
é devido pelo substituído, quando não é possível o repasse do encargo relativo ao
tributo, mitiga-se a regra contida na Súmula 405 /STF.
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Processo: REsp 1229308 GO 2010/0212418-5 Relator(a): Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES Julgamento: 22/02/2011 Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA Publicação: DJe 04/03/2011 Data de publicação: 04/03/2011 Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. DECISÃO JUDICIAL FAVORÁVEL AO SUBSTITUÍDO. REFORMA POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE SE EXIGIR O TRIBUTO DO SUBSTITUTO, EM RELAÇÃO AO PERÍODO EM QUE VIGORAVA A DECISÃO REFERIDA. PRECEDENTES. 1. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, no regime de substituição tributária, não se pode exigir do substituto o ICMS (ou eventuais diferenças) não recolhido durante o período em que o substituído foi beneficiado por decisão judicial que autorizou o recolhimento do tributo fora do regime mencionado. Por força do princípio da capacidade contributiva— não se pode onerar o substituto com tributo que é devido pelo substituído, quando não é possível o repasse do encargo relativo ao tributo —, mitiga-se a regra contida na Súmula 405 /STF. Nesse sentido: REsp 887.585/RS , 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 13.3.2009; REsp 1.028.716/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 3.5.2010; AgRg no REsp 1.036.368/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 6.8.2010. 2. Recurso especial não provido. (grifo nosso)
Decisão do Ministro Benedito Gonçalves entendendo que em atenção ao
Princípio da Capacidade Contributiva, o substituto tributário, ainda que seja o
responsável pelo recolhimento do tributo (no caso, o ICMS no regime antecipado),
deve ter a possibilidade de repassar o seu ônus ao verdadeiro contribuinte, mediante
a inclusão do valor do imposto no preço das mercadorias.
Processo: REsp1028716 RS 2006/0216264-4 Relator: Ministro Benedito Gonçalves Julgamento: 20/04/2010 Órgão Julgador: T1 – Primeira turma Publicação: DJe 03/05/2010
Ementa: impedida de realizar o recolhimento do ICMS na qualidade de
substituta tributária, o que configura a irreversibilidade da situação. 5. Em
atenção ao Princípio da Capacidade Contributiva, o substituto tributário,
ainda que seja o responsável pelo recolhimento do tributo (no caso, o ICMS
no regime antecipado), deve ter a possibilidade de repassar o seu ônus ao
verdadeiro contribuinte, mediante a inclusão do valor do imposto no preço
das mercadorias. Por tal motivo, o substituto apenas poderá ser cobrado
pelo Fisco se, por culpa ou dolo, deixar de proceder ao recolhimento do
tributo, ocasião em que passará a figurar na posição de devedor principal,
por desrespeito à determinação legal de proceder ao recolhimento de
acordo com a sistemática da substituição. 6. Não havendo dolo ou culpa do
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substituto tributário, considerando que o comando legal que determinava o
recolhimento do tributo pelo regime da substituição tributária foi substituído
pela determinação judicial que autorizou o recolhimento pelo próprio
contribuinte, não há como responsabilizá-lo pelo inadimplemento do tributo,
sob pena de locupletamento do contribuinte substituído. 7. Nessas
hipóteses "exigir o ICMS do substituto, como pretende o fisco, é subverter o
princípio da capacidade contributiva, exonerando o contribuinte do
imposto por ele devido e onerando exclusivamente o responsável"(REsp
887585/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em
18/12/2008, DJe 13/3/2009). 8. Recurso especial parcialmente conhecido e,
nessa parte, provido.
Outra decisão do Ministro Benedito Gonçalves, desta vez, entre outros
princípios se utilizou do princípio do não confisco, que encerra direito fundamental
do contribuinte, negando seguimento ao recurso especial proposto pelo Procurador
do Distrito Federal – DF.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.384.281 - DF (2013/0151643-9) RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES RECORRENTE : DISTRITO FEDERAL PROCURADOR : MÁRCIO WANDERLEY DE AZEVEDO E OUTRO (S) RECORRIDO : TECHNOGYM EQUIPAMENTOS DE GINÁSTICA E SOLUÇÃO PARA BEM ESTAR LTDA ADVOGADOS : GILBERTO FRAGA ILAN MACHTYNGIER RODRIGO DA SILVA SANTOS E OUTRO (S) TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. PROTOCOLO 21/2011 DO CONFAZ. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF. PRETENSÃO PREJUDICADA. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto pelo DISTRITO FEDERAL contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, cuja ementa é a seguinte: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. PROTOCOLO 21/2011 (CONFAZ) E DECRETO DISTRITAL 32.933/2011. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS NA MODALIDADE E-COMMERCE. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS. Alega-se violação dos artigos 1º e 7º da Lei n. 12.016/2009, do art. 8º, inciso I, alínea 'c', da Lei n. 11.697/2008 e dos artigos 1º e 2º da LC n. 24/1975. Contrarrazões às fls. 252 e seguintes. Parecer do MPF pelo não conhecimento do recurso. É o relatório necessário. Decido. O acórdão atacado se apóia em fundamentação constitucional, não passível de revisão em sede de recurso especial, conforme art. 105, inciso III, da Constituição Federal. Entendimento que é reforçado pelo fato de o STF ter reconhecido a repercussão geral do tema no RE 680089 RG/SE. De outro lado, tendo o Supremo Tribunal Federal, na ADI 4628, declarado a inconstitucionalidade do Protocolo 21/2011 do CONFAZ, a pretensão recursal resta prejudicada, porquanto a concessão da segurança se apóia na inconstitucionalidade das regras por ele instituídas. Esta, a ementa do referido julgado: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL (ICMS).
133
PRELIMINAR. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. PRESENÇA DE RELAÇÃO LÓGICA ENTRE OS FINS INSTITUCIONAIS DAS REQUERENTES E A QUESTÃO DE FUNDO VERSADA NOS AUTOS. PROTOCOLO ICMS Nº 21/2011. ATO NORMATIVO DOTADO DE GENERALIDADE, ABSTRAÇÃO E AUTONOMIA. MÉRITO. COBRANÇA NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS PELO ESTADO DE DESTINO NAS HIPÓTESES EM QUE OS CONSUMIDORES FINAIS NÃO SE AFIGUREM COMO CONTRIBUINTES DO TRIBUTO. INCONSTITUCIONALIDADE. HIPÓTESE DE BITRIBUTAÇÃO (CRFB/88, ART. 155, § 2º, VII, B). OFENSA AO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO (CRFB/88, ART. 150, IV). ULTRAJE À LIBERDADE DE TRÁFEGO DE BENS E PESSOAS (CRFB/88, ART. 150, V). VEDAÇÃO À COGNOMINADA GUERRA FISCAL (CRFB/88, ART. 155, § 2º, VI). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS A PARTIR DO DEFERIMENTO DA CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR, RESSALVADAS AS AÇÕES JÁ AJUIZADAS. 1. A Confederação Nacional do Comércio - CNC e a Confederação Nacional da Indústria - CNI, à luz dos seus fins institucionais, são partes legítimas para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade que impugna o Protocolo ICMS nº 21, ex vi do art. 103, IX, da Lei Fundamental de 1988, posto representarem, em âmbito nacional, os direitos e interesses de seus associados. 2. A modificação da sistemática jurídico-constitucional relativa ao ICMS, inaugurando novo regime incidente sobre a esfera jurídica dos integrantes das classes representadas nacionalmente pelas entidades arguentes, faz exsurgir a relação lógica entre os fins institucionais a que se destinam a CNC/CNI e a questão de fundo versada no Protocolo adversado e a fortiori a denominada pertinência temática (Precedentes: ADI 4.364/SC, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, DJ.: 16.05.2011; ADI 4.033/DF, Plenário, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ.: 07.02.2011; ADI 1.918/ES-MC, Plenário, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ.: 19.02.1999; ADI 1.003-DF, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, DJ.: 10.09.1999; ADI-MC 1.332/RJ, Plenário, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ.: 06.12.1995). 3. O Protocolo ICMS nº 21/2011 revela-se apto para figurar como objeto do controle concentrado de constitucionalidade, porquanto dotado de generalidade, abstração e autonomia (Precedentes da Corte: ADI 3.691, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ.: 09.05.2008; ADI 2.321, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, DJ.: 10.06.2005; ADI 1.372, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, DJ.: 03.04.2009). 4. Os Protocolos são adotados para regulamentar a prestação de assistência mútua no campo da fiscalização de tributos e permuta de informações, na forma do artigo 199 do Código Tributário Nacional, e explicitado pelo artigo 38 do Regimento Interno do CONFAZ (Convênio nº 138/1997). Aos Convênios atribuiu-se competência para delimitar hipóteses de concessões de isenções, benefícios e incentivos fiscais, nos moldes do artigo 155, § 2º, XII, g, da CRFB/1988 e da Lei Complementar nº 21/1975, hipóteses inaplicáveis in casu. 5. O ICMS incidente na aquisição decorrente de operação interestadual e por meio não presencial (internet, telemarketing, showroom) por consumidor final não contribuinte do tributo não pode ter regime jurídico fixado por Estados-membros não favorecidos, sob pena de contrariar o arquétipo constitucional delineado pelos arts. 155, § 2º, inciso VII, b, e 150, IV e V, da CRFB/88. 6. A alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte do ICMS, é devida à unidade federada de origem, e não à destinatária, máxime porque regime tributário diverso enseja odiosa hipótese de bitributação, em que os signatários do protocolo invadem competência própria daquelas unidades federadas (de origem da mercadoria ou bem) que constitucionalmente têm o direito de constar como sujeitos ativos da relação tributária quando da venda de bens ou serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outra unidade da Federação. 7. O princípio do não confisco, que encerra direito fundamental do contribuinte, resta violado em seu núcleo essencial em face da sistemática adotada no cognominado Protocolo ICMS nº 21/2011, que
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legitima a aplicação da alíquota interna do ICMS na unidade federada de origem da mercadoria ou bem, procedimento correto e apropriado, bem como a exigência de novo percentual, a diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna, a título também de ICMS, na unidade destinatária, quando o destinatário final não for contribuinte do respectivo tributo. 8. O tráfego de pessoas e bens, consagrado como princípio constitucional tributário (CRFB/88, art. 150, V), subjaz infringido pelo ônus tributário inaugurado pelo Protocolo ICMS nº 21/2011 nas denominadas operações não presenciais e interestaduais. 9. A substituição tributária, em geral, e, especificamente para frente, somente pode ser veiculada por meio de Lei Complementar, a teor do art. 155, § 2º, XII, alínea b, da CRFB/88. In casu, o protocolo hostilizado, ao determinar que o estabelecimento remetente é o responsável pela retenção e recolhimento do ICMS em favor da unidade federada destinatária vulnera a exigência de lei em sentido formal (CRFB/88, art. 150, § 7º) para instituir uma nova modalidade de substituição. 10. Os Estados membros, diante de um cenário que lhes seja desfavorável, não detém competência constitucional para instituir novas regras de cobrança de ICMS, em confronto com a repartição constitucional estabelecida. 11. A engenharia tributária do ICMS foi chancelada por esta Suprema Corte na ADI 4565/PI-MC, da qual foi relator o Ministro Joaquim Barbosa, assim sintetizada: a) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final contribuinte do imposto: o estado de origem aplica a alíquota interestadual, e o estado de destino aplica a diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual, propiciando, portanto, tributação concomitante, ou partilha simultânea do tributo; Vale dizer: ambos os Estados cobram o tributo, nas proporções já indicadas; b) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final não-contribuinte: apenas o estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interna; c) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a quem não é consumidor final: apenas o estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interestadual; d) Operação envolvendo combustíveis e lubrificantes, há inversão: a competência para cobrança é do estado de destino da mercadoria, e não do estado de origem. 12. A Constituição, diversamente do que fora estabelecido no Protocolo ICMS nº 21/2011, dispõe categoricamente que a aplicação da alíquota interestadual só tem lugar quando o consumidor final localizado em outro Estado for contribuinte do imposto, a teor do art. 155, § 2º, inciso VII, alínea g, da CRFB/88. É dizer: outorga-se ao Estado de origem, via de regra, a cobrança da exação nas operações interestaduais, excetuando os casos em que as operações envolverem combustíveis e lubrificantes que ficarão a cargo do Estado de destino. 13. Os imperativos constitucionais relativos ao ICMS se impõem como instrumentos de preservação da higidez do pacto federativo, et pour cause, o fato de tratar-se de imposto estadual não confere aos Estados membros a prerrogativa de instituir, sponte sua, novas regras para a cobrança do imposto, desconsiderando o altiplano constitucional. 14. O Pacto Federativo e a Separação de Poderes, erigidos como limites materiais pelo constituinte originário, restam ultrajados pelo Protocolo nº 21/2011, tanto sob o ângulo formal quanto material, ao criar um cenário de guerra fiscal difícil de ser equacionado, impondo ao Plenário desta Suprema Corte o dever de expungi-lo do ordenamento jurídico pátrio. 15. Ação direta de inconstitucionalidade julgada PROCEDENTE. Modulação dos efeitos a partir do deferimento da concessão da medida liminar, ressalvadas as ações já ajuizadas. (ADI 4628, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230). Ante o exposto, com base no art. 557, caput, do CPC, nego seguimento ao recurso especial. Publique-se. Intime-se. Brasília (DF), 11 de dezembro de 2014. Ministro BENEDITO GONÇALVES Relator
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Assim, pelas decisões acima citadas, verifica-se que os Tribunais Superiores
utilizam com frequência os princípios da capacidade contributiva, do mínimo
existencial e do não-confisco.
As Cortes Superiores brasileiras vigiam e observam em suas decisões a
estrita obediência de todos ao respeito ao mínimo existencial do contribuinte, seja
ele pessoa física ou jurídica, devendo a tributação ser arrazoada e dentro das limites
legais, permitindo assim que a receita pública buscada pelo fisco seja alcançada,
para garantia de direitos básicos (saúde, educação e segurança), evitando também
uma tributação exacerbada, que viola os direitos constitucionais dos contribuintes,
observando o princípio da vedação ao confisco, esculpido no artigo 150, inciso IV,
da CF, onde resta claro que é vedado aos entes instituírem tributos com efeito de
confisco e respeitando se o princípio da capacidade contributiva contido no o Art.
145, § 1º , da Constituição Federal pelo qual cada pessoa deve contribuir de acordo
com a sua capacidade contributiva. Esses princípios além de amplamente utilizado
por decisões judiciais, é orientação fundamental do Estado Democrático de Direito, e
imprescindível para o exercício da igualdade no Direito Tributário pátrio.
136
6- CONCLUSÃO
Através dos tributos é que o Estado recolhe os recursos para prestar serviços
públicos de qualidade à população. Assim, é dever da sociedade manter
financeiramente o Estado, contudo, possui da mesma forma o direito de ser
destinatária dos recursos arrecadados pelo Estado e de controlar a aplicação dos
recursos públicos dentro de um contexto que melhor represente a justiça social.
Sendo um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro nos termos do art.
3°, inciso 11 da Constituição Federal de 1988, é necessário que os tributos sejam
cobrados de modo a não comprometer o desenvolvimento econômico e social,
através do desenvolvimento de políticas públicas fiscais que promovam este
crescimento.
Assim, no desenvolvimento dessa pesquisa no primeiro capítulo buscou-se
discorrer sobre a difícil tarefa de definir justiça, justiça tributária, a justiça social,
enfatizando a justiça para o Direito e a moral utilizando-se da colocação de diversos
autores filosóficos como Platão e Aristóteles. Para Aristóteles virtudes são um
arranjo de caráter cuja finalidade é a promoção da perfeição do homem, enquanto
ser racional. E na cosmovisão de Platão a justiça surge como uma virtude de todos
Por isto mesmo, tudo que foi escrito sobre o Direito e justiça há de ser entendido
como enunciados provisórios, sujeitos a discussões. Platão faz uma conexão do
conceito de justiça ao comportamento do homem, de forma que sua ideia de justiça
assume uma tendência antropológica, analisando qual seria o comportamento do
homem justo e do homem injusto. Aristóteles dizia que o princípio de justiça baseia-
se na igualdade, e que a justiça da igualdade procura apoio na virtude moral, uma
vez que ela iguala seres humanos e não coisas.
Na sequência da pesquisa verifica-se que no pensamento de John Locke, o
estado de natureza é um estado de liberdade, onde os seres humanos são livres e
iguais. Não existe hierarquia natural, são todos livres e iguais. Todos tem direito à
vida, à propriedade e à liberdade. Para ele o homem é bom, opondo-se ao
pensamento de Hobbes que afirma que o homem é mal, que o homem é o lobo do
homem. Locke acredita na criação do Estado e do Contrato Social pautados em
elementos, que faltam no Estado de Natureza, através de leis estabelecidas,
recebidas, conhecidas e aprovadas pelo próprio ser humano, pois, o mesmo não é
137
livre uma vez que está submetido às leis da natureza e às leis de Deus, por isso
precisa de um Juiz imparcial para julgá-lo em possíveis conflitos e de um poder
coercitivo, que vai por em prática o que foi julgado.
O Estado vai surgir para garantir a boa vida que o indivíduo já tem no Estado
de Liberdade e tem como base o consentimento. Os direitos naturais são cedidos ao
Estado que irá agir em nome dos indivíduos que permanecem titulares desse direito.
O segundo capítulo discorreu a relação existente entre capacidade
contributiva, mínimo existencial e igualdade, desde o nascimento e desenvolvimento
do mínimo existencial até as civilizações modernas e suas concepções
contemporâneas, passando por Adam Smith que, concretizou os mandamentos de
certeza, comodidade, economia e justiça. Discorreu também a respeito da relação
existente entre o princípio da capacidade contributiva e o mínimo existencial, o qual
se desenvolve na medida em que a capacidade contributiva protege o mínimo
existencial, sendo que a capacidade contributiva no direito tributário é consequência
do lado positivo do princípio da igualdade.
Desigualdades existem, porém, para o princípio da igualdade, os pobres
devem pagar menos impostos do que os ricos, para que assim, haja no direito
tributário, a concretização da justiça, aquele que tem pouca capacidade contributiva,
deve pagar pouco, mas aquele que ganha igual ou abaixo do mínimo existencial,
não deve pagar nada. Esta é à exceção do princípio da igualdade que justifica o
princípio da capacidade contributiva no direito tributário.
A capacidade contributiva é aplicável a todos os tributos. Para os tributos
vinculados taxas e contribuição de melhoria ela atua agregada ao princípio da
retributividade, para identificar o seu valor maior, passíveis de ser cobrado por meio
dessas exações, proibindo cobrar valor maior do que o custo da atividade estatal,
custo do serviço, do exercício da atividade de polícia ou do valor total da obra
pública, sujeitas a alterar tanto as contribuições de melhoria quanto as taxas, que
passariam a ter o perfil de impostos, o que seria inconstitucional e ilegal. Nos
impostos, sua aplicação é plena e desvinculada de qualquer outro referencial que
não o efeito confiscatório do imposto, como limite máximo, de modo que a
competência estatal pode ser exercida tendo em vista a integral implementação da
capacidade contributiva, que encontra como limite máximo o abuso desse direito, o
exagero exacional, que resultaria em efeito confiscatório absolutamente vedado pela
constituição federal.
138
Seguindo, no capítulo terceiro, a pesquisa abordou a relação existente entre o
mínimo existencial e as taxas, contribuição de melhoria e impostos
O mínimo existencial aliado com a proibição de confisco, têm o condão
limitador tributário estatal mantendo-o dentro dos limites constitucionais. O mínimo
existencial constitui um conjunto de bens concretos que, por sua natureza volta-se
para proteger e conservar a existência da pessoa física e sua família, assim como
da pessoa jurídica, que não podem ser tributados pelo Estado porque são
expressões de simples capacidade econômica e não de capacidade contributiva. O
Estado só pode atuar onde exista capacidade contributiva, observando as divisas
que conformam esse direito, que são o mínimo existencial e a proibição de confisco.
Ainda neste capítulo abordou-se a respeito da combinação existente entre a
capacidade contributiva frente aos impostos, taxas e contribuição de melhoria. Nos
impostos pessoais, a proteção é facilitada por estar diretamente relacionada com as
características do contribuinte, torna-se possível precisar melhor os valores
existenciais protegidos, de acordo com as características dos contribuintes desses
impostos e a sua maior aptidão para atender ao comando da capacidade
contributiva. No que tange as contribuições de melhoria, onde sua materialidade
está vinculada a valorização imobiliária, deve-se observar a mesma proteção vital
estabelecida para o respectivo imposto imobiliário - IPTU ou ITR -, mantendo as
pessoas titulares de imóveis que representem, por seu valor e pelas suas
características, a proteção do seu mínimo existencial, a salvo da incidência desse
tributo vinculado. No que diz respeito às taxas, devem ser identificados os
destinatários da atuação estatal que não possuem capacidade contributiva para
suportar os custos dessa exação, pois, em todas as outras taxas, deve ser
observados destinatários que não possuem capacidade para pagar o tributo. Sendo
o serviço específico e divisível essencial, tal serviço deverá contar com a proteção
vital para uma faixa de pessoas que não possuem nenhuma capacidade
contributiva. De forma que não haverá incidência tributária onde está presente o
mínimo existencial, ou seja, só haverá exação onde estiver presente capacidade
contributiva.
Ao ler o capítulo quatro do presente estudo verifica-se que a pesquisa voltou-
se para a identificação do tratamento dispensado no Brasil às microempresas e
empresas de pequeno porte na Constituição de 1988, discorrendo a respeito da
diferença entre tratamento diferenciado, favorecido, simplificado e tratamento
139
adequado, sua função social, seu Estatuto e suas definições.
Relatou também a respeito da simplificação das obrigações tributárias
principais e acessórias, presentes no programa do Supersimples, elegendo-a como
um ponto de partida histórico na sistemática de tributação do país, o qual poderá ser
considerado uma iniciativa experimental que contribuirá para a promoção da tão
esperada reforma tributária.
Abordou as deficiências e dificuldades que precisam ser resolvidas por
instrumentos que possibilitem efetivamente maior representação dos Estados-
Membros, dos Municípios e de representantes das microempresas e empresas de
pequeno porte no Comitê Gestor do Simples Nacional, com intuito de reduzir a
histórica insatisfação centralizadora da União acalmando sua fome tributária.
As microempresas e as empresas de pequeno porte ocupam relevante
espaço no universo empresarial brasileiro, contribuindo, sobremaneira, para o
desenvolvimento econômico do país. Como propriedade privada que são e por sua
importância no contexto nacional, receberam do constituinte um tratamento
diferenciado, através da instituição das disposições constitucionais, com a finalidade
de adotar medidas que os viabilizem.
O estudo demonstra que as microempresas atuam de forma positiva na
efetivação dos princípios da valorização do trabalho humano, da livre iniciativa, da
redução de desigualdades regionais e sociais, do pleno emprego e da função social,
e da proteção ao meio ambiente. Possuem um comprometimento com a consciência
e a educação ambiental, adotando medidas que protegem ao meio ambiente natural,
artificial, cultural e do trabalho.
Os fundamentos e princípios do art. 170 da CF, garante a segurança jurídica
e tratamento favorecido para as microempresas e as empresas de pequeno porte. O
Estado, sob o argumento de cumprir com a sustentabilidade social, não pode
beneficiar uns poucos em prejuízo do restante dos membros de toda a sociedade. A
modalidade empresarial caracterizada pelas microempresas e empresas de
pequeno porte ainda carece de aperfeiçoamento, necessitando muito de atividades
de orientação e capacitação em gestão e promoção comercial.
No capítulo cinco do presente estudo foram trazidos diversos acórdãos e
decisões proferidas por Ministros de Tribunais Superiores a respeito dos princípios
do mínimo existencial, da capacidade contributiva e do não confisco.
Assim, quando o Estado retira parte da riqueza individual das pessoas através
140
dos tributos, tem o dever de oferecer aos seus cidadãos condições de vida digna,
pois, é um dos objetivos da Constituição Federal a justiça social.
A justiça fiscal deve ser nada mais do à utilização da política tributária como
instrumento de diminuição das desigualdades sociais, por meio da adequada
distribuição da carga tributária entre os contribuintes.
Pagar tributos é dever fundamental de toda a sociedade e entes privados,
mas a capacidade contributiva que cada um tem para suportar a carga tributária
imposta pelo Estado é diferente. Respeitando essa diferença poderemos um dia
obter a tão sonhada justiça social estabelecida no manto constitucional.
Em um Estado Democrático de Direito, não basta à igualdade diante da lei, é
preciso diminuir as desigualdades reais, e o tributo, mais do que uma fonte de
receitas para o Estado é um instrumento de justiça social fiscal.
É possível falar de igualdade quando a lei respeita o princípio da capacidade
contributiva das pessoas físicas e jurídicas. O princípio da capacidade contributiva é
compatível com o princípio da igualdade no direito tributário quando essa mesma lei
estabelece tratamento diferenciado ao cidadão atendendo sua capacidade
contributiva, ao observar seu mínimo existencial, necessário a sua sobrevivência
digna, e o mínimo necessário suficiente para que a empresa possa ser ativa,
operante, gerando e distribuindo riquezas pagas na forma de tributos, à sociedade.
O princípio da igualdade, do mínimo existencial, da proibição do confisco e da justiça
social fiscal não são apenas princípios do Estado de Direito, mas, princípios
constitucionais amplos de um Estado Social; sendo impositivos em todos os lugares,
constituindo-se em princípios jurídicos informadores de toda a ordem constitucional.
A razão de existir de tais princípios é fornecer condições para buscar certa
igualdade nas condições desiguais, trazendo alternativas para a implementação de
uma verdadeira igualdade entre os cidadãos.
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7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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