camila barbosa. análise geoambiental como instrumento para subsidiar
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BARBOSA, C. & CARVALHO, P. F. de
Análise geoambiental como instrumento para subsidiar a ação crítica na interação sociedade-natureza
1° SIMPGEO/SP, Rio Claro, 2008
ISBN: 978-85-88454-15-6 850
ANÁLISE GEOAMBIENTAL COMO INSTRUMENTO PARA
SUBSIDIAR A AÇÃO CRÍTICA NA INTERAÇÃO SOCIEDADE-
NATUREZA
Camila Barbosa1
Pompeu Figueiredo de Carvalho1
RESUMO
Um dos grandes problemas enfrentados pela ciência geográfica consiste na sua especialização em subáreas - geografia física e geografia humana. Enquanto os geógrafos físicos relutam em entenderem os princípios da estruturação da sociedade, os cientistas humanos relutam em se familiarizarem com os princípios básicos dos sistemas naturais. O estudo das interações sociedade-natureza como uma totalidade são representativos da necessidade de superação deste problema, uma vez que se procura entender o movimento da totalidade através das contradições do movimento de suas partes, com suas leis e ritmos próprios e que perfazem o espaço total. Desta forma, o objetivo deste trabalho é avançar na discussão quanto à complementaridade da abordagem Materialista Histórica com a análise geossistêmica nos estudos geográficos de previsão de impacto ambiental.
Introdução – O problema metodológico da ciência geográfica
A geografia tem como objetivo a análise da relação entre sociedade e natureza
apreendida através do conceito de espaço. As inúmeras particularidades dos dois
componentes da totalidade (sociedade e natureza) acabaram por orientar os geógrafos a
desenvolverem visões distintas e seguir posturas metodológicas diferentes. O fato da
evolução da natureza e da sociedade se dar de forma completamente diferente permite-
nos compreender a dificuldade de trabalhar a evolução destes dois componentes dentro
de uma única abordagem. As leis que os regem são completamente diferentes. As leis
naturais de formação, desenvolvimento e reprodução são as mesmas desde suas origens
enquanto para a sociedade não existem leis gerais, há uma constante transformação. A
diferenciação entre as leis naturais e sociais exige metodologias diferentes
(MENDONÇA, 1991) e nos leva ao questionamento de como trabalhar a interação
sociedade-natureza sob a ótica de uma única ciência.
1 Universidade Estadual Paulista – UNESP – Rio Claro
BARBOSA, C. & CARVALHO, P. F. de
Análise geoambiental como instrumento para subsidiar a ação crítica na interação sociedade-natureza
1° SIMPGEO/SP, Rio Claro, 2008
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Este tem sido o grande desafio da geografia e explica, porém não justifica, a
ruptura entre a geografia física e humana e os erros cometidos pelos geógrafos,
prejudicando esta ciência ao desfocar seu objetivo. Coelho (2000 p. 19) afirma que “... a
geografia humana permanece alheia a dinâmica da natureza tanto quanto a geografia
física à dinâmica da sociedade”.
Os trabalhos de investigação do quadro natural atualmente tem como alicerce
metodológico a abordagem denominada neo-positivista, influenciada pela Nova
Geografia ou Geografia Teorética (Sistêmica, Quantitativa, Modelística) que ganhou
força no final do século XX. Já a geografia humana atualmente explora, entre outras, a
abordagem materialista histórica, base da denominada Geografia Crítica, que se
consolidou no final do século passado contrapondo-se à Nova Geografia.
Contribuindo para a superação desta ruptura Ab’Saber (1998) aponta a
necessidade de visualizar o espaço em sua integração plena – o espaço total - ou seja,
considerando a acoplagem entre diferentes sistemas (ecossistemas naturais,
agroecossistemas e ecossistemas urbanos) e os elementos das relações humanas e fluxos
de riquezas.
O espaço total é o arranjo e o perfil adquiridos por uma determinada área em função da organização que lhe foi imposta ao longo dos tempos. Neste sentido pressupõe um entendimento – na conjuntura do presente – de todas as implantações cumulativas realizadas por ações, construções e atividades antrópicas. A gênese do espaço – considerado de um modo total – envolve uma análise da estrutura espacial realizada por ações humanas sobre atributos remanescentes de um espaço herdado da natureza. (AB’SABER , 1998 p. 30)
Para o autor é imprescindível conhecer os fluxos naturais e toda a história e
formas de ocupação dos espaços criados pelos homens. Desta forma, propõe-se aqui a
fusão de abordagem materialista histórica com a análise geossistêmica, que embora
tenham se desenvolvimento em correntes geográficas antagônicas, atualmente tem se
revelado perceptivelmente complementares na compreensão do espaço em sua
integração plena – o espaço total.
A Teoria geossistêmica e o Materialismo Histórico
Sotchava, em 1962 introduziu o termo geossistema na literatura soviética com a
preocupação de estabelecer uma tipologia aplicável aos fenômenos geográficos,
enfocando aspectos integrados dos elementos naturais numa entidade espacial em
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substituição aos aspectos da dinâmica biológica dos ecossistemas. O geossistema
resultaria da combinação de um potencial ecológico (geomorfologia, clima, hidrologia)
uma exploração biológica (vegetação, solo, fauna) e uma ação antrópica, não
apresentando, necessariamente, homogeneidade fisionômica e sim um complexo
essencialmente dinâmico (CHRISTOFOLETI, 1999). Poderia ser definido como:
(...) uma organização espacial resultante da interação dos elementos e componentes físicos da natureza (clima, topografia, rochas, água, vegetação, animais, solo) possuindo expressão espacial na superfície terrestre e representando uma organização (sistema) composta por elementos, funcionando através de fluxos de energia e matéria, dominante numa interação areal. (CHRISTOFOLETI, 1999 p. 42)
Desde a introdução da teoria geossistêmica, muito se tem avançado no sentido
de permitir uma análise da relação sociedade-natureza.
Mesmo Soctchava (1977) já apontava que na concepção de geossistema haveria
uma conexão da natureza com a sociedade, pois embora os sistemas sejam fenômenos
naturais, todos os fatores econômicos e sociais influenciando sua estrutura são levados
em consideração durante sua análise.
Alguns autores como Monteiro (1978 apud CHRISTOFOLETTI, 1999)
consideram que os sistemas socioeconômicos estão incluídos no funcionamento do
geossistema. Para ele os produtos dos sistemas socioeconômicos entram como imputs e
interferem nos processos e fluxos de matéria e energia. Neste mesmo sentido, para
Soctchava (1997) os aspectos antropogênicos do ambiente são ligações diretas, feed-
backs com o sistema natural e as paisagens antropogênicas são consideradas apenas
como estados variáveis de primitivos geossistemas.
É fato que o elemento humano pode ser considerado no quadro teórico do
geossistema, seja como componente biótico (diretamente), seja como componente
antrópico (indiretamente). No entanto não basta uma explicação geossistêmica da
sociedade por não existir nela uma explicação ecológica estrito senso.
(BEROUTCHACHVLLI & BERTRAND,1978)
Desta forma os trabalhos que se vinculam a análise geossistêmica, embora
demonstrem certo esforço no sentido de incluir a análise social no seu escopo, não têm
produzido resultados satisfatórios, contentando-se em incluir elementos humanos e
econômicos em suas interpretações.
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Por outra perspectiva, com ênfase nos estudos da sociedade, Marx elaborou
como crítica à economia clássica a teoria denominada “materialismo histórico” ou
“dialética materialista”. De acordo com tal teoria é através da transformação da
primeira natureza em segunda natureza que o homem produz os recursos
indispensáveis para sua existência. Para ele a natureza separada da sociedade não tem
significado. A dialética de Marx descreve a produção como um processo pelo qual a
natureza é alterada, considerada um depósito inesgotável de trabalho para o homem. Tal
teoria desvinculou o homem do mundo animal, como fenômeno sociobiológico, e
determinou que sua população é, em primeiro lugar, uma formação social. (CASSETI
1991). Desta forma, na abordagem dialética de Marx o homem é o sujeito das interações
sociais, e a natureza, objeto dessas relações, mediadora das relações do homem.
É evidente que tal abordagem privilegia uma importante aproximação entre o
social e o natural, enriquecendo as análises geográficas. No entanto enfatiza a
interpretação das relações sociais e a apropriação da natureza (natureza enquanto
recurso indispensável à vida humana) em detrimento da interpretação das leis naturais.
Portanto, sob esta abordagem é constante o desenvolvimento de trabalhos que enfatizam
o processo de criação de valor da natureza (transformação da primeira natureza em
segunda natureza) e as relações sociais envolvidas neste processo.
A premissa desta teoria de que o modo como os homens se relacionam entre si
determinam o modo como os homens relacionam-se com a natureza (CASSETI, 1991)
insere uma grande contribuição à análise geográfica. No entanto, a natureza aparece
como algo passível de ser dominado pela sociedade. O homem teria total controle sobre
a natureza, e tal seria independente das leis naturais.
De acordo com os trabalhos de Casseti (1991), Rodrigues e Silva (2005) essa
abordagem permite uma inter-relação com a análise sistêmica dos elementos naturais,
principalmente nos estudos ambientais. Seria, portanto, o reconhecimento da natureza
como ser ativo na produção social, e mais precisamente sócio-espacial. Diante dos
inúmeros problemas ambientais que esta relação tem produzido na história do homem, o
reconhecimento das leis naturais de forma a orientar a apropriação da natureza se faz
indispensável nos dias atuais.
Neste sentido Casseti (1991) aponta que:
Se por um lado a análise dos sistemas naturais é comandada pelas leis da própria natureza, sua apropriação pelo homem (produção da natureza) responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira significativa
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a atividade do sistema (segunda natureza). Portanto, as propriedades geoecológicas convertem-se em propriedades sócio-reprodutoras (como suporte ou recurso) momento em que surgem as conseqüências ambientais. Deve-se acrescentar que a escala de abrangência de tais problemas aumenta numa relação direta ao processo e modo de produção quando os homens contraem determinados vínculos e relações sociais. (CASSETI, 1991 p. 32 e 33- grifo nosso)
Coelho (2000) aponta que a teoria de Marx e Engels responde ao desafio teórico
e metodológico de articular num modelo coerente às análises dos processos naturais e
sociais. Para os estudos de impactos ambientais em áreas urbanas a autora recorre à
análise das leis naturais, através da concepção de ecossistema, como se esta já estivesse
implícita a teoria marxista. É evidente em seu texto que a postura metodológica por ela
defendida, denominada “economia política ou ecologia política”, vai além das idéias de
Marx e Engels, reconhecendo a investigação das leis naturais como fundamentais nas
análises geográficas.
Para a geografia, mais importante que o ecossistema é o reconhecimento do
geossitema, no qual as investigações funcionais são mais amplas, envolvendo todas as
relações no complexo natural. A autora referida contribui, neste sentido ao enfocar o
que ela chama de “sistemas complexos, não lineares e longe do equilíbrio” para os
estudos ambientais e é incisiva quanto à necessidade de um dialogo entre os cientistas
físicos e humanos. Seu trabalho é de grande relevância para a superação do problema
aqui apresentado.
Duas relutâncias precisam ser vencidas: (1) dos cientistas físicos em entenderem os princípios da estruturação da sociedade; e (2) dos cientistas sociais de familiarizarem-se com os princípios básicos da física, da mecânica e da química e com os processos que incluem a interação entre características físicas e morfológicas, isto é, as interações entre materiais do solo, água, vegetação, gravidade, transporte, redeposição de materiais e movimentos de massa. (COELHO p. 31 e 32).
É evidente a complementaridade da abordagem dialética com a análise
sistêmica. Cada qual responde a certas indagações da relação sociedade e natureza,
porém até o presente momento, nem uma das duas sozinhas conseguiu abarcar a
complexidade desta relação – ou seja, o espaço total.
Tal complementaridade pode ser expressa nos estudos dos impactos ambientais.
Análise Geoambiental para o Planejamento Crítico.
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Ab’Saber afirma que o conceito de espaço total deve ser o centro das
considerações para uma correta previsão de impactos. Para o autor “prever impactos é
um ato de tomada de precauções para garantir a harmonia e compatibilizar funções no
interior do espaço total no futuro.” (AB’SABER, 1998 p. 31)
Neste sentido o impacto ambiental pode ser entendido como um desequilíbrio no
sistema biofísico que ao mesmo tempo em que é desencadeado pela organização da
sociedade, orienta sua organização espacial. Em outras palavras, ao mesmo tempo em
que o homem desencadeia o impacto devido às formas de apropriação da natureza
condicionada à organização social, ele sofre as conseqüências deste impacto,
diferencialmente de acordo com sua posição na estrutura socioeconômica. Neste sentido
o impacto ambiental pode ser definido como:
(...)o processo de mudanças sociais e ecológicas causado por perturbações (...) no ambiente. Diz respeito à evolução conjunta das condições sociais e ecológicas estimulada pelos impulsos das relações entre forças externas e internas à unidade espacial e ecológica, histórica ou socialmente determinada. É relação entre sociedade e natureza que se transforma diferencialmente e dinamicamente. Os impactos ambientais são escritos no tempo e incidem diferencialmente, alterando as estruturas de classes sociais e reestruturando o espaço. (COELHO, 2000 p. 24-25).
Oliveira (1996) afirma que junto à leitura física do ambiente, projetam-se de
forma eminente as disparidades socioeconômicas que inevitavelmente se materializam
na interação entre as variáveis: áreas degradadas, valor da terra e poder de compra.
Desta forma à população de menor poder aquisitivo resta residir em áreas de
maior fragilidade ambiental, que lhes são oferecidas por preços mais acessíveis. Neste
mesmo sentido Casseti (1991) afirma que o desenvolvimento do caráter da propriedade
privada e a conversão do espaço em mercadoria tendo como conseqüência o acúmulo de
capital, responde pela degradação ambiental e pelo antagonismo de classe.
Por outra perspectiva, Drew (1986) referindo-se a estabilidade dos ambientes
naturais afirma que a intensidade das alterações do ambiente depende em primeiro lugar
do esforço (ou tensão) aplicado ao sistema pelo homem e, em segundo lugar, do grau de
suscetibilidade à mudança (sensibilidade) do próprio sistema.
Desta forma, o controle e prevenção dos impactos ambientais devem ter por
premissa o conhecimento do “grau de suscetibilidade do sistema” (alcançado mediante a
análise sistêmica) e o conhecimento das regras sociais (alcançadas pela análise
materialista histórica) que podem determinar um excessivo esforço do homem neste
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sistema. Devendo, portanto, a prevenção do impacto ambiental pautar-se no
conhecimento das características naturais e nas limitações impostas à propriedade
privada (limitando o esforço aplicado aos sistemas mediante limitações impostas a
propriedade privada).
Através da previsão de impactos ambientais mediante o conhecimento das
características físicas e as limitações e aptidões de ocupação humana a geografia passa a
prestar-se ao planejamento. Não o planejamento voltado à reprodução das condições
sociedade, conforme se prestou a Geografia Pragmática no final do século passado
(MORAES, 2005), mas sim um planejamento com vistas a minimizar as disparidades
sociais no espaço urbano mediante a consideração das características do ambiente físico,
contribuindo para que as regras de exploração dos recursos naturais e da terra enquanto
mercadorias, condicionadas pela obtenção de lucro, sejam reavaliadas.
Tal postura vincula-se a idéia de sustentabilidade, que segundo Salamoni e
Gerardi (2001) baseia-se na busca de uma relação entre sistemas econômicos e
ecológicos orientada pelos requisitos de que a vida humana possa evoluir, as culturas
possam se desenvolver, e de que os efeitos das atividades humanas permaneçam dentro
dos limites que impeçam a destruição da diversidade e da complexidade do contexto
ambiental.
É sabido que o Estado nos países de economias capitalistas muitas vezes tem
representado os interesses dos proprietários e empresários, deixando as empresas
estabelecerem o controle da produção do espaço sem o mandato da sociedade. No
entanto, o Estado enquanto mediador da vontade coletiva, representante da sociedade,
tem a função neste modelo socioeconômico de controlar a propriedade para minimizar a
desigualdade social, regular a relação de exploração irrestrita da natureza pelo Capital e,
portanto tem um papel incisivo na busca pela sustentabilidade. Como ferramenta, o
Estado dispõe do planejamento que se consolida através de sua legislação. O Plano
Diretor e a Lei de Zoneamento são instrumentos através dos quais o Estado brasileiro
pode controlar o direito a propriedade.
E é neste sentido e através destes instrumentos legais que a geografia partindo do
princípio metodológico de uma complementaridade entre abordagem dialética e a
análises geossistêmica deve se prestar ao planejamento contribuindo para a
determinação de uma relação menos degradante entre a sociedade capitalista e
ambiente.
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Análise Geossistêmica para mitigação de impacto no sistema hidrológico de uma
vertente mediante o controle da propriedade privada.
Buscando-se demonstrar a complementaridade do materialismo histórico com a
teoria geossistêmica na previsão e mitigação de impactos ambientais tomou-se como
exemplo a alteração do ciclo hidrológico e suas conseqüências decorrentes da
urbanização de uma vertente. A mitigação de tal impacto pauta-se no estabelecimento
de diretrizes de ocupação que sejam compatíveis com as características do ambiente
físico (características geomorfológicas e pedológicas) inter-relacionando planejamento
urbano e análise ambiental.
A impermeabilização das áreas urbanas repercute na capacidade de infiltração
das águas no solo, favorecendo o escoamento superficial, a concentração de enxurradas
e a ocorrência de cheias. Interfere no rearranjo dos armazenamentos e das trajetórias das
águas e introduz novas maneiras de transferência destas, ocasionado possíveis efeitos
adversos e imprevistos (CHIRSTOFOLETTI, 2001) como erosões e enchentes.
A geração e produção do escoamento urbano são de fundamental importância
para o planejamento urbano. A perspectiva da sustentabilidade confere à drenagem
urbana uma nova forma de redirecionamento das ações, baseada no reconhecimento da
complexidade das relações entre sistemas naturais, o sistema urbano artificial e a
sociedade.
Sob a ótica do desenvolvimento sustentável o objetivo do sistema de drenagem
urbana é “imitar o ciclo hidrológico natural” através de estratégias estruturais
(componentes de engenharia) e não estruturais (praticas de gerenciamento e mudança de
comportamento).
Para que a urbanização de uma área se dê de forma sustentável, ou seja, que o
sistema de drenagem se assemelhe ao ciclo hidrológico natural é preciso partir de um
conhecimento prévio das características físicas (geomorfológicas, pluviométricas,
pedológicas, entre outras) para conhecer o grau de suscetibilidade do sistema a mudança
e definir um zoneamento com restrições e orientações à ocupação.
Tendo em vista que as regras de ocupação que determinam a situação de
degradação marcantes nas cidades atualmente estão vinculadas ao modelo
socioeconômico capitalista, faz-se necessário durante a elaboração deste zoneamento,
conhecer as leis que regem a transformação do solo urbano em mercadoria, bem como
as implicações deste processo na espacialização diferencial das classes.
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Desta forma, temos dois momentos distintos de investigação que se
complementam para a elaboração de um modelo de urbanização:
• um primeiro momento em que a investigação das características da vertente se
pautará na análise geossistêmica, uma vez que está será a unidade de investigação
e trata-se de uma unidade hidrogeomorfológica, onde o fluxo de matéria (água e
detritos) e energia (potencial e cinética) que se manifesta no interior deste sistema
é responsável, entre outras variáveis pela intensidade dos processos geomórficos;
• e um segundo momento, durante a proposta de elaboração do zoneamento, da
definição de taxas, índices, tipos de usos em conformidade com as características
previamente analisadas, em que será considerada a abordagem materialista
histórica, uma vez que as restrições do zoneamento devem orientar a organização
espacial da sociedade.
A relevância da abordagem materialista torna-se mais enfática quando
consideramos que o zoneamento, no Brasil, é um instrumento que efetiva o princípio
constitucional da “Função Social da Propriedade” pelo qual o Estado deve regular a
produção da cidade e da propriedade como meios capazes de propiciar a dignidade do
ser humano como valor supremo, sobrepondo-se aos interesses privados. Deve-se
considerar, portanto, que a sustentabilidade urbana só se efetiva quando a propriedade
cumpre sua função social.
Ou seja, as diretrizes de ocupação urbana com base na análise do sistema natural
só se efetivará mediante as restrições impostas a propriedade privada, enquanto unidade
espacial da organização da sociedade.
A figura 1 permite visualizar a relação entre as duas abordagens na prevenção
e/ou mitigação do impacto ambiental urbano.
Figura 1: Cenário Analítico para o Planejamento Urbano Sustentável
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No Fluxograma parte-se da premissa de que a relação homem-natureza é relação
ecológica e relação histórico-social. A urbanização ocorre mediante a apropriação da
natureza, regida pelas regras do mercado. As relações de propriedade do sistema
capitalista estão diretamente relacionadas ao esforço que é aplicado ao sistema natural
(fluxo de matéria e energia) ao mesmo tempo em que o desequilíbrio do sistema
(impacto ambiental), e mesmo a vulnerabilidade ao desequilíbrio, respondem pela
espacialização diferencial das classes socioeconômicas.
O Planejamento Urbano acontece, via de regra, como forma de mitigar os
impactos ambientais, quando o sistema já se encontra em desequilíbrio e com
conseqüências para a sociedade – distribuição desigual dos ônus e dos bônus. Neste
modelo propõe-se que o planejamento se anteceda ao impacto, partindo-se do
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conhecimento prévio das leis naturais e das leis sociais, ou seja da compreensão do
espaço total.
Desta forma a propriedade privada (entendida como natureza apropriada)
observará restrições de uso e ocupação do solo, definidos em um “Zoneamento”
baseado no conhecimento da geodinâmica dos sistemas naturais (grau de suscetibilidade
a mudança). Enfim esta análise permite propor um modelo de urbanização sustentável
com mínima alteração das características naturais (idéia de baixo impacto ambiental)
que propicie qualidade de vida e ambiental a sociedade.
Através do fluxograma é possível visualizar como a análise geossistêmica e o
Materialismo Histórico se fundem e se complementam na interpretação e mitigação dos
problemas ambientais.
Considerações Finais
A ciência geográfica deve partir do questionamento de como, na nossa época, o
homem se relaciona com a natureza. Tal questionamento orientará a escolha das
concepções metodológicas do trabalho cientifico. Santos (1993) já afirmara que o
primeiro trabalho epistemológico é o esforço para entender o período atual, a nossa
época.
No momento histórico em que nos encontramos, com o sistema Capitalista em
estágio avançado, quando falamos de Estado Liberal, falamos também de apropriação
liberal da natureza, ou seja, o mercado tem determinado as regras desta relação. Desta
forma a relação homem natureza não tem se preocupado com o equilíbrio ambiental,
revelando cenários ambientalmente degradados em favor da produção. O cerne dessa
relação é o lucro, desinteressando se o esforço aplicado ao sistema natural o
desequilibrará. Portanto a relação social atual determina uma relação ambiental
degradante.
É necessário o conhecimento do contexto histórico atual não apenas da
sociedade, mas também da ciência geográfica. Neste sentido, nos interessa enfocar o
fato desta ciência, em razão da ruptura física/humana, apresentar parcialidade nos
estudo da relação sociedade natureza, fato que nos conduz, conforme tentou-se expor
aqui, a escolha da abordagem integrada entre o materialista histórico com a análise
geossistêmica. Acredita-se que esta integração contribua para a superação da histórica
dicotomia entre geografia física e geografia humana.
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É importante ressaltar que a prevenção do impacto ambiental não é capaz de
acabar com a estruturação de classes do modelo socioeconômico vigente, mas contribui
para que as classes socioeconômicas menos favorecidas, que geralmente mais sofrem
por habitar áreas mais suscetíveis aos transtornos ambientais disponham de um
ambiente mais saudável e seguro. Ou seja, possibilita que a distribuição espacial das
populações mais carentes não esteja vinculada às áreas degradadas, fato agravante de
sua condição de vida.
No cerne da discussão aqui apresentada, uma pergunta não pode ser ignorada. O
processo de produção capitalista será o único responsável pela destruição e fragilização
da natureza? Na verdade sabemos que isso não é verdade, pois sociedades que não se
sujeitam à lei do lucro também mantêm, muitas vezes, uma relação degradante com a
natureza. A superação dos problemas ambientais não será alcançado mediante o fim da
propriedade (e isso já foi comprovado pelas sociedades socialistas), mas sim por uma
nova postura do homem, que reconheça no equilíbrio dos aspectos físicos e biológicos
o equilíbrio da vida humana. Acredita-se que no caso da sociedade capitalista esta nova
postura pode ser alcançada no seio da própria propriedade, mediante a observação da
sua função social, tendo a qualidade de vida e ambiental se sobrepondo aos interesses
privados de obtenção de lucro. Neste cenário o Estado desempenha um papel
fundamental através do planejamento, tendo como instrumento a legislação ambiental e
urbanística.
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