anais do xiv simpÓsio de geografia
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XIV SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA “O fazer geográfico no Sul Global: espacialidades e temporalidades
diversas” Outubro e novembro de 2020
ISSN 1984-1353
ANAIS DO XIV
SIMPÓSIO DE
GEOGRAFIA
XIV SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA “O fazer geográfico no Sul Global: espacialidades e temporalidades
diversas” Outubro e novembro de 2020
ISSN 1984-1353
S612
Simpósio de Geografia: O fazer geográfico no Sul Global: espacialidades e
temporalidades diversas (14. : 2020: evento online)
Anais do XIV Simpósio de Geografia: O fazer geográfico no Sul Global:
espacialidades e temporalidades diversas, 28 de outubro, 03, 12, 17, 18, 19 e
25 de novembro de 2020 / organizado pelo Colegiado do Curso de
Licenciatura em Geografia - União da Vitória, Paraná: UNESPAR, 2020. 329
p.
Modo de acesso: digital
ISSN: 1984-1353
1. Geografia. 2. Ensino. 3. Educação. I. Título.
XIV SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA “O fazer geográfico no Sul Global: espacialidades e temporalidades
diversas” Outubro e novembro de 2020
ISSN 1984-1353
Comissão Científica
Anderson Rodrigo
Estevam da Silva
Daniel Christante
Cantarutti
Diane Daniela Gemelli
Diego Maguelniski
Elizabeth Melnyk de
Castilho
Fernando Mendonça Heck
Germano Kawey Ferracin
Hamada
Leandro Neri Bortoluzzi
Marco Aurélio da Silva
Arlindo
Mariane Félix da Rocha
Patricia Baliski
Rafael Brito Silveira
Renato Duarte
Silas Rafael da Fonseca
Thiago Luiz Calandro
Wagner da Silva
Edição e organização
Mariane Félix da Rocha
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diversas” Outubro e novembro de 2020
ISSN 1984-1353
Sumário ARTIGOS .......................................................................................................................................... 7
PANORAMA DAS DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS DO MUNICÍPIO DE CALIFÓRNIA –
PR...................................................................................................................................................... . 8
CARTOGRAFIA E TECNOLOGIAS DIGITAIS: REFLEXÕES NA GEOGRAFIA ESCOLAR 18
AVALIAÇÃO MACROSCÓPICA DE DUAS NASCENTES DA BACIA HIDROGRÁFICA DO
RIO PIRAPÓ-PR ............................................................................................................................ 29
RELATO: ATUAÇÃO DO PIBID COM PALESTRA REALIZADA NA ESCOLA LICEU
CUIABANO SOBRE O QUILOMBO MATA-CAVALO .............................................................. 42
CARTOGRAFIA ESCOLAR E ENSINO DA GEOGRAFIA: A MAPOTECA COMO
ALTERNATIVA DIDÁTICA NO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM
CARTOGRÁFICA ........................................................................................................................... 50
FONTES DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM BRUSQUE – SC: UMA ANÁLISE
PRELIMINAR ................................................................................................................................ 63
ZONEAMENTO E (TRANS)FORMAÇÃO DA PAISAGEM: O CASO DO BAIRRO SHANGRI-
LÁ, LONDRINA (PR) .................................................................................................................... 75
A FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA A PARTIR DA LÍNGUA: AS RELAÇÕES DE
PODER ENTRE O NHEENGATU, O DIALETO CAIPIRA E A LÍNGUA PORTUGUESA .. 87
ESPIRAIS DE ILUSÃO: DA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL À JUSTIÇA ESPACIAL ........... 97
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS EM MOSSORÓ-RN: ANÁLISES ACERCA DOS DOIS
CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA ................................................................................... 108
MASCULINIDADES SOBRE RODAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIVÊNCIA URBANA
DE HOMENS SKATISTAS EM PONTA GROSSA, PARANÁ .................................................. 120
DAS RODAS DE CHIMARRÃO À PRODUÇÃO DE ERVA-MATE NO SUL DO BRASIL: UMA
BREVE ANÁLISE GEOGRÁFICA .............................................................................................. 132
RELIGIOSIDADE POPULAR: A FÉ NO MONGE JOÃO MARIA, O CASO DE CARLÓPOLIS
(PR) ............................................................................................................................................... 144
INTELIGIBILIDADES CIENTÍFICAS ACERCA DA BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR: NOTAS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA ......................................................... 156
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA MOBILIDADE PENDULAR NO
ESTUDO DE CIDADES MÉDIAS .............................................................................................. 167
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO: ESTRUTURA AGRÁRIA E DINÂMICA PRODUTIVA NO
MUNICÍPIO DE GUAPORÉ/RS ................................................................................................ 179
A CULTURA ALEMÃ E ITALIANA NA PAISAGEM DE CARLOS BARBOSA/RS: UM OLHAR
A PARTIR DA ARQUITETURA TIPÍCA ....................................................................................191
TRABALHO E MOBILIDADE NA EMPRESA CALÇADISTA DASS NO MUNICÍPIO DE
ITAPIPOCA/CEARÁ ................................................................................................................... 204
TRANSFORMAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS DA CONSTRUÇÃO DE AÇUDE PÚBLICO NA
BACIA DO RIO MUNDAÚ, CEARÁ .......................................................................................... 215
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A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO CONTESTADO: OS PROCESSOS DE EXPANSÃO
CAPITALISTA .............................................................................................................................. 223
O DEBATE SOBRE O TERRITÓRIO CONTESTADO: DOS ELEMENTOS QUE LEVARAM
À GUERRA A CONFORMAÇÃO ATUAL DA MICRORREGIÃO DE UNIÃO DA
VITÓRIA....................................................................................................................................... 234
ONDE QUEM FORMA SE FORMOU: VÍNCULOS INSTITUCIONAIS E A (RE)PRODUÇÃO
DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA ...................................................................................................... 247
DIFICULDADES ENFRENTADAS NA APLICAÇÃO DA LEI 10.639 NO COMBATE AO
RACISMO NO BRASIL: DOS LIVROS DIDÁTICOS A BAIXA QUALIFICAÇÃO DOCENTE:
ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL EM CAMPINAS ............. 256
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DE CATADORES DE MATERIAIS
RECICLÁVEIS DO LIXÃO DE TRAIRI, CEARÁ ..................................................................... 263
NOVA IGUAÇU É VERDE? A REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO RURAL E DAS UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO NA CIDADE ............................................................................................ 272
RESUMOS EXPANDIDOS.......................................................................................................... 284
A UTILIZAÇÃO DE JOGOS DE TABULEIRO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: RELATO DE
UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA NO COLÉGIO ESTADUAL PADRE JOÃO WISLINSKI,
CURITIBA/PR ............................................................................................................................. 285
A URBANIZAÇÃO DO EXTREMO SUL BAIANO E SUAS RELAÇÕES COM O MUNÍCIPIO
DE TEIXEIRA DE FREITAS – BA: O DESMATAMENTO CAUSADO PELAS INDÚSTRIAS
MADEIREIRAS ENTRE 1940 A 2000.......................................................................................... 289
BREVES REFLEXÕES SOBRE O MÉTODO E OS CONCEITOS DA CIÊNCIA
GEOGRÁFICA NO CONTEXTO DO ENSINO ....................................................................... 294
RITA DE REDENÇÃO: PANDEMIA, FÉ E DEVOÇÃO ......................................................... 300
ESPECIALIZAÇÃO REGIONAL E A PRODUÇÃO VITIVINÍCOLA NO RIO GRANDE DO
SUL: NOTAS INTRODUTÓRIAS .............................................................................................. 305
A IMPORTÂNCIA DOS PARQUES URBANOS PARA A SAÚDE HUMANA: O CASO DO
ECOPARQUE NA CIDADE DE CHAPECÓ/SC ...................................................................... 310
RESUMOS .................................................................................................................................... 315
INDUSTRIALIZAÇÃO NO EIXO SUL GLOBAL - CONTRIBUIÇÕES PARA O URBANO DO
BRASIL E DA CHINA ................................................................................................................. 316
IMIGRAÇÃO HAITIANA PARA O PARANÁ: EXPECTATIVAS E DESAFIOS ..................... 317
AS PECULIARIDADES DO CONCEITO DE LUGAR E O UNIVERSO HARRY POTTER . 318
NEOLIBERALISMO E NATUREZA: A PRIVATIZAÇÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS NA
ILHA GRANDE (RJ) .................................................................................................................... 319
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A CENTRALIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (IES): FATOR PARA A
MOBILIDADE ESPACIAL DA POPULAÇÃO ........................................................................... 320
CONCEPÇÕES E ESTIMATIVAS ACERCA DA FORMA DA TERRA E SUA
REPRESENTAÇÃO NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO OCIDENTAL: DA ANTIGUIDADE
ÀS VIAGENS DE DESCOBRIMENTO (XV-XVIII) .................................................................. 321
AS CONTRIBUIÇÕES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DO
PROFESSOR INICIANTE .......................................................................................................... 322
INSERÇÃO URBANA E O DIREITO À CIDADE: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA MINHA
CASA MINHA VIDA EM UNIÃO DA VITÓRIA - PARANÁ .................................................... 323
HIP-HOP E TERRITORIALIZAÇÃO DO CORPO MARGINALIZADO: O CASO DO
PROJETO “A RUA DANÇA A CIDADE”................................................................................... 325
PENSAR, LER E OUVIR GEOGRAFIA: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA NAS MÚSICAS DA
BANDA BAIANASYSTEM .......................................................................................................... 327
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: PROGRAMA OBSERVATÓRIO POLONÊS DA
UNESPAR.............................. ....................................................................................................... 328
SACRALIZAÇÃO DA NATUREZA E A SIMBOLOGIA DA MORTE: A RESSIGNIFICAÇÃO
DA PAISAGEM RELIGIOSA NOS CEMITÉRIOS DE ANJOS DE SÃO JOÃO MARIA ........ 329
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ARTIGOS
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PANORAMA DAS DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS DO MUNICÍPIO DE CALIFÓRNIA - PR
José Rafael Vilela da Silva (Universidade Estadual de Londrina)
E-mail: joseraffael12@gmail.com
RESUMO
Este trabalho objetiva construir um panorama geral das dinâmicas demográficas do município de Califórnia (PR) desde seu surgimento, a partir da interpretação de dados estatísticos e estimativas populacionais divulgadas por órgãos de pesquisa como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sistematizadas e disponibilizadas pelo site Datapedia. Entre os procedimentos metodológicos adotados estão a revisão bibliográfica relativa à Geografia da População e a história de Califórnia (PR) e a interpretação de dados e gráficos e organizados pelo site Datapedia que permitiu construir um panorama histórico das dinâmicas demográficas deste município. Como resultados, destaca-se que o panorama populacional deste município vem sofrendo alterações ao longo das últimas décadas, sobretudo referente ao envelhecimento da população e a redução do percentual populacional com menos de 30 anos, indicando o início de um processo de transição demográfica. Considera-se que a compreensão desta dinâmica demográfica é essencial para se refletir sobre as políticas públicas a nível local que precisarão ser tomadas a fim de garantir a melhoria da qualidade de vida e o atendimento das necessidades da população municipal. Palavras-chave: Geografia da População, Demografia, Envelhecimento populacional.
INTRODUÇÃO
Compreendendo a importância dos estudos populacionais realizados pela ciência
geográfica para a compreensão das dinâmicas, processos, fenômenos e ações que constituem os
mais diversos espaços geográficos, o seguinte trabalho detém-se sobre a tarefa de apresentar um
panorama das dinâmicas populacionais do município de Califórnia (PR) ao longo do tempo, no
intuito de contribuir com a produção de conhecimentos científicos sobre esta temática em escala
local, que poderão servir de base teórica para a elaboração de políticas públicas que atendam as
diferentes necessidades atuais e futuras da população municipal.
O município de Califórnia, localizado na microrregião de Apucarana e pertencente a
mesorregião Norte Central do estado do Paraná, encontra-se à cerca de 70-80 quilômetros de
distância de Londrina e Maringá, principais centros urbanos da região, e a mais de 300 quilômetros
de Curitiba, capital do estado (Figura 1).
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Figura 1: Mapa de localização do município de Califórnia no Paraná
Organização: Jeani Delgado Paschoal Moura (2020).
Assim como a maioria dos municípios do norte do Paraná, Califórnia é um município
‘jovem’, com 64 anos, considerando sua oficialização como município em 17 de dezembro de 1955,
ao se desmembrar de Araruva, atual município de Marilândia do Sul. O início do povoado remonta
ao ano de 1942, período em que Califórnia ainda era patrimônio de Araruva, e quando se inicia a
chegada de diversas famílias de migrantes, provenientes sobretudo dos estados de São Paulo e
Minas Gerais, motivados pela expansão da economia cafeeira na região (PORTELINHA, 2008).
Compreender a dinâmica demográfica deste município ao longo do tempo é o objetivo
central deste trabalho, pois entende-se que a compreensão do cenário populacional é essencial
sobretudo aos agentes envolvidos direta e indiretamente com as administrações locais, regionais e
nacionais na tomada de decisões referentes a formulação de políticas públicas voltadas a promoção
de saúde pública e educação de qualidade, empregos, habitação, lazer, além da necessária avaliação
da estrutura do sistema previdenciário. Afinal, de acordo com Borges et al. (2006, p.5) “As diversas
e sucessivas mudanças na estrutura etária da população trazem consequências também diversas
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sobre o crescimento econômico e a estrutura dos gastos públicos. De acordo com o estágio da
transição demográfica a ênfase e o conteúdo das políticas sociais serão diferenciados”
Assim, este trabalho apresenta uma análise dos aspectos demográficos e populacionais do
munícipio de Califórnia (PR), tendo em vista que este não conta com muitas pesquisas e trabalhos
nesta temática, o que pode comprometer as ações políticas tomadas pelos setores administrativos
locais, devido à falta de uma análise técnico-científica acerca da realidade e dinâmica populacional
do município.
METODOLOGIA
Entre os procedimentos metodológicos adotados na elaboração deste trabalho destacam-
se os processos de levantamento e revisão bibliográfica em artigos e livros relacionados a área da
Geografia da População; a coleta de dados, informações e estatísticas em órgãos de pesquisa como
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e o site de análise e sistematização de dados
Datapedia, que consiste em uma plataforma interativa e intuitiva de análise, sistematização e
apresentação de dados e informações estatísticas que pode ser acessada pela população para
levantar dados socioeconômicos e espaciais de qualquer município do país.
À luz destes dados, foi possível realizar a interpretação da realidade histórica, espacial e
socioeconômica do município de Califórnia (PR), que possibilitou a construção de um panorama
geral da dinâmica demográfica do município em questão.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O município de Califórnia (PR) possui um histórico de formação socioeconômica e espacial
semelhante ao histórico de outros municípios da região, que tiveram suas terras comercializadas
por companhias de colonização, como a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Neste
sentido, destaca-se que o padrão de configuração das cidades nesta porção do estado, segue a lógica
de formação dos núcleos urbanos a uma distância determinada e posicionados no alto da linha dos
divisores d’água, bem como nas proximidades das ferrovias, como ocorre em Califórnia, que
cruzam a região e seguem em direção ao Porto de Paranaguá (PORTELINHA, 2008).
Dados do IBGE para o ano de 2010, indicam uma população de 8.069 habitantes no
município, mas este número sofreu oscilações ao longo do tempo, como observa-se na figura 2, na
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qual apesentam-se dados do IBGE e estimativas populacionais do Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) para o município até o ano de 2040.
Figura 2: Evolução da população de Califórnia (PR) entre os anos de 1960 e 2040
Fonte: IBGE (2010); IPARDES (2020). Elaboração: O autor (2020).
A partir da figura 2 percebe-se que a população de Califórnia (PR) sofreu significativas
alterações entre os anos de 1960 e 1991, sendo que chama a atenção o acentuado aumento
populacional entre 1960 e 1970, com o acrescimento de 2.558 habitantes em 10 anos, e
posteriormente a queda do número de habitantes entre os anos 1970 e 1980, onde é possível ver
que a população diminuiu de 11.562 habitantes para 8.085 habitantes, uma redução de 3.477
habitantes (próximo a 1/3 da população à época) em apenas uma década, um fenômeno de grandes
proporções para um munícipio pequeno. A linha de queda da população do município aprofunda-
se entre os anos de 1980 e 1991, pois o município perdeu mais 756 habitantes, em 11 anos. Assim,
em apenas 21 anos o município de Califórnia (PR) perdeu um total significativo de 4.233 habitantes
(redução de 36,61% com relação ao total populacional de 1970).
Apesar dos dados mostrarem o cenário de um fenômeno populacional, apenas estes não
são capazes de proporcionar explicações que abarcam a complexidade desse fenômeno, sendo
necessária a incorporação de uma interpretação fundamentada em fatos históricos, espaciais e
socioeconômicos. Assim, analisando o contexto histórico local do município bem como o contexto
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regional do estado, a hipótese é a de que o município de Califórnia (PR) teve um aumento
populacional entre as décadas de 1960 e 70, acompanhando a tendência regional de expansão da
economia cafeeira de caráter agrário-exportadora. De acordo com Portelinha (2008, p.104)
Do início de sua ocupação (década de 40) até a década de 1970, quando a ocupação do município se dá de forma crescente, principalmente na zona rural devido ao bom desempenho da agricultura cafeeira, registrando uma população superior a 11.000 habitantes.
Contudo, em virtude de acontecimentos globais, nacionais e regionais, verificou-se a partir
sobretudo dos final dos anos 1960 e na década de 1970 o gradual declínio da economia cafeeira,
somando-se a este cenário a Grande Geada de 1975 contribuiu com o fim da economia do café no
norte do Paraná, e assim gradativamente estas áreas foram sendo ocupadas pelo cultivo da soja e
por uma nova forma de agricultura, estimulada pela materialização no campo da chamada
Revolução Verde. Sobre o impacto da Grande Geada de 1975 na realidade agrícola do município,
destaca-se que esta “[...] como em todo o Paraná, acabou com as plantações de café no Município
de Califórnia” (CÂMARA MUNICIPAL DE CALIFÓRNIA, 2015, n.p.).
Neste contexto, de desestruturação da economia cafeeira, é fácil compreender o motivo
que estimulou o êxodo rural, ou seja, a grande quantidade de pessoas envolvidas com a agricultura
saindo do campo em direção às cidades. Todavia, a hipótese é de que muitas destas pessoas
desempregadas que saíram do campo em busca de empregos, não tiveram acesso ao emprego na
cidade de Califórnia (PR), pois neste período esta não possuía infraestrutura capaz de acolher a esta
mão de obra, provocando a sua repulsão para os grandes centros urbanos da região e para outros
estados, como aponta Portelinha (2008, p.104).
O declínio da cafeicultura com a geada de 1974, a agricultura mecanizada, o regime militar, o processo de industrialização e atração por cidades polo como Londrina, São Paulo entre outras, registrou nas décadas, de 70, 80 e 90 uma evasão da população total do município, marcando o segundo momento da dinâmica demográfica.
Por outro lado, o gráfico (Figura 2) demonstra que após 1991, a população do município
passou a crescer gradativamente a um ritmo lento até o ano de 2020, e após este período nota-se
uma tendência de estabilização entre os anos de 2020 e 2040 e posterior declínio, segundo o cenário
de estimativas do IPARDES (2020). Este fenômeno remete a própria dinâmica dos indicadores
populacionais que apontam que as famílias estão tendo menos filhos e cada vez mais tarde,
seguindo um novo modelo familiar. Ainda destaca-se que, a partir de 1980 o município de
Califórnia (PR) passou por um avanço em seu processo de urbanização, gerando uma inversão em
seu perfil populacional, que deixa de ser majoritariamente rural para ser predominantemente
urbano, (PORTELINHA, 2008), como pode-se observar pelo gráfico da figura 3.
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Figura 3: Evolução da população urbana e rural do município de Califórnia (PR)
Fonte: IBGE (2010); IPARDES (2020). Organização: O autor (2020).
Quanto às transformações no perfil etário e nas características da população californiana,
os gráficos de pirâmide etária (Figuras 4, 5 e 6) apresentam dados sobre a proporção da população
do município de acordo com as faixas etárias e segundo o sexo, para os anos de 1991, 2000 e 2010.
Figura 4: Pirâmide etária de Califórnia (PR) no ano de 1991
Fonte: IBGE,2010. Organização: Datapedia.info, 2020. Disponível em: https://datapedia.info/cidade/2168/pr/california#piramide
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Figura 5: Pirâmide etária de Califórnia (PR) no ano de 2000
Fonte: IBGE,2010. Organização: Datapedia.info, 2020. Disponível em: <https://datapedia.info/cidade/2168/pr/california#piramide>
Figura 6: Pirâmide etária de Califórnia (PR) no ano de 2010
Fonte: IBGE,2010. Organização: Datapedia.info, 2020. Disponível em: https://datapedia.info/cidade/2168/pr/california#piramide
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A interpretação destas três pirâmides etárias de Califórnia (PR) revela um evidente
processo de envelhecimento populacional, pois ao se observar as barras no topo das pirâmides,
nota-se que o topo da pirâmide etária de 1991 é mais estreito que o da de 2010, indicando o
crescimento do número de idosos com mais de 65 anos, tanto do sexo masculino (azul) como
feminino (vermelho), do total de 5,73% dos habitantes em 1991 para 9,65% em 2010, (Figura 7).
Figura 7: Proporção de idosos no município de Califórnia (PR)
Fonte: IPARDES, 2020. Organização: O autor, 2020.
Interessante destacar que no topo da pirâmide etária de 2010, o total de pessoas com mais
de 80 anos é maior entre mulheres, o que talvez possa ser explicado pelo que Camarano, Kanso e
Mello (2004, p.29) apontam que “A proporção do contingente feminino é mais expressiva quanto
mais idoso for o segmento, fato este explicado pela mortalidade diferencial por sexo”, o que revela
diferenças de gênero no que se refere a tendência de envelhecimento populacional.
Outro aspecto aparente na comparação entre estas pirâmides etárias refere-se ao tamanho
das bases das mesmas. Verifica-se que ao longo do tempo as bases das pirâmides estão se
estreitando e diminuindo. Este processo indica uma redução do total de recém-nascidos, crianças
e jovens. O estreitamento da base de uma pirâmide etária é o indicador da redução das taxas de
natalidade de uma população que consequentemente está tendo menos filhos e refletindo
proporcionalmente em uma menor população de crianças e jovens.
Quanto às características do meio das pirâmides vemos que estas também mudaram,
seguindo uma tendência de alargamento crescente entre os anos 1991 e 2000 e entre os anos 2000
e 2010. Isso confirma a interpretação de que o perfil da população do município de Califórnia (PR)
vem sofrendo alterações, pois enquanto o número de jovens vem decrescendo, a população está
envelhecendo. De acordo com dados de 2010 o município de Califórnia (PR) encontra-se em uma
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fase em que a maioria da população é adulta, com idade entre 20 e 64 anos, estrato que em 2010
acolhia o total de 4.784 pessoas (59,28% do total). A partir destes dados entende-se que o perfil
demográfico encontra-se em uma fase de transição demográfica, que “se caracteriza pelo declínio
das taxas de natalidade e mortalidade” (BORGES et al. 2006, p.3), e mais particularmente na
terceira fase deste processo, no qual tanto as taxas de natalidade e mortalidade mantém-se baixas,
levando a um lento crescimento demográfico (BORGES et al., 2006).
Em resumo aponta-se que o perfil da pirâmide etária de Califórnia (PR) está estreitando
sua base e alargando seu topo. Isso revela a tendência à uma redução do total de jovens e
consequentemente, um aumento no total de idosos com mais de 65 anos na população. Ressalta-
se que esta tendência é verificada também em outras escalas, relacionada a fatores como a
urbanização, aumento dos custos de vida, redução do número de filhos por família, inserção das
mulheres no mercado de trabalho, melhoria da qualidade de vida e acesso à saúde, novas discussões
sobre os direitos reprodutivos, a liberdade sexual, entre outros (DAMIANI, 2002).
A repercussão destes fatores na mudança do perfil populacional aponta para uma
sociedade cada vez mais idosa, e que cobrará necessidades específicas dos governos nacionais,
estaduais e locais, como investimentos em saúde pública, oferta de remédios, tratamentos e
cuidados médicos, lazer, educação, transporte, seguridade social, pois de acordo com Borges et al.
(2006, p.3) “Dependendo em que estágio da transição demográfica a população se encontre vai
exigir demandas específicas. Daí a importância de se entender a transição demográfica na
implementação de políticas públicas.”
Para Damiani (2002, p.59) “A composição por sexo e por idades da população, definidas
pelas pirâmides de idade, possibilita medir os efeitos da situação demográfica sobre as
mentalidades, as condições de vida, o consumo.” Desta forma, ao compreender o panorama geral
das tendências demográficas do município de Califórnia (PR), este trabalho pretendeu contribuir
com a ampliação do debate e a tomada de decisões no âmbito da formulação de políticas públicas,
a nível local, que possam atender as diversas necessidades desse novo perfil populacional que tende
a se tornar majoritário, e que implicará em uma nova forma de se pensar, planejar e administrar as
atividades e dinâmicas cotidianas e da vida pública, coletiva e pessoal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho revelou que as alterações no perfil populacional do município de Califórnia
(PR) apontam para a construção de um novo panorama demográfico, no qual é possível observar
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cada vez mais o aumento do número de pessoas idosas com mais de 65 anos e a diminuição do
número de jovens com menos de 20 anos. Estas mudanças apontam uma condição de transição
demográfica e de envelhecimento populacional, motivado por diversos fatores.
Os dados demonstram que o município possui uma população majoritariamente urbana,
que tende a ter seu crescimento estabilizado. Reforça-se a necessidade de compreender as
mudanças no perfil populacional do município e o panorama demográfico atual do mesmo para se
refletir sobre as políticas públicas que serão tomadas a fim de garantir a qualidade de vida, educação,
saúde, trabalho, lazer e seguridade social, e atender as mais diversas necessidades desta população
que vem sofrendo mudanças em seu perfil.
REFERÊNCIAS
BORGES, Andréa da Silva; MARQUES, Claudia da Silva; BRITO, Luana Paula Gentil de; SILVA, Vanessa Regina Lemos da; JANUZZI, Paulo de Martino. Projeções populacionais no Brasil: subsídios para seu aprimoramento. In: Anais do XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Campinas: 2006. Disponível em: http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/issue/view/35/showToc. Acesso em: 26 set. 2020 CÂMARA MUNICIPAL DE CALIFÓRNIA. Histórico Político de Califórnia. Califórnia, 2015. Disponível em: https://california.pr.leg.br/institucional/HistricoPolticodeCalifrnia.pdf/view Acesso em: 06/04/2020. CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange; MELLO, Juliana Leitão e. Como vive o idoso brasileiro. In: CAMARANO, Ana Amélia. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? (Org.). Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p.25-74. DAMIANI, Amélia Luisa. A importância da demografia na análise geográfica da população. In: Damiani, Amélia Luisa. População e Geografia. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2002, p.57-61. DATAPEDIA. População no setores. 2020. Disponível em: https://datapedia.info/cidade/2168/pr/california#pop> Acesso em: 06/04/2020. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010. IPARDES. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Base de Dados do Estado – BDWeb. 2020. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/imp/index.php. Acesso em: 23/10/2020. PORTELINHA, Dorotéia Kovalczuk. Geografia em escala local: um estudo de caso do município de Califórnia. Secretaria de Estado da Educação. Programa de Desenvolvimento Educacional. 2008. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/87-2.pdf. Acesso em: 06/04/2020.
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CARTOGRAFIA E TECNOLOGIAS DIGITAIS: REFLEXÕES NA GEOGRAFIA ESCOLAR
Ana Gláucia Seccatto (Universidade Federal da Grande Dourados)
E-mail: anag_seccatto@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho é parte da pesquisa de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); a referida pesquisa objetiva realizar investigações e reflexões sobre o potencial educativo da utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) para o desenvolvimento das aprendizagens cartográficas e para a formação do pensamento espacial dos estudantes por meio de atividades de mapeamentos desenvolvidas por eles mesmos. Buscamos verificar, também, se a mediação do ensino com as TDICs possibilita a compreensão e (re)valorização do espaço local pelo educando, e para o desenvolvimento da autonomia e protagonismo dos mesmos no processo de ensino. Tendo em vista que a pesquisa se encontra em andamento, neste texto apresentaremos algumas reflexões e análises preliminares elaboradas com base em revisões bibliográficas e de experiências pedagógicas realizadas no ano letivo de 2018 com estudantes do Ensino Médio de uma escola do campo. As referidas experiências foram desenvolvidas por meio de atividades interdisciplinares articulando as disciplinas de Geografia e Terra Vida e Trabalho (TVT) e envolvendo o uso das TDICs na produção de mapas sobre o espaço local. Objetivou-se despertar nos estudantes o protagonismo e criatividade, explorando as potencialidades advindas do uso das tecnologias digitais aliadas ao Google Maps e do Google Earth e outras mídias auxiliares. Embora se trate de uma pesquisa ainda em andamento, foi possível constatar por meio das reflexões teóricas e das experiências pedagógicas realizadas, que as atividades propiciaram o desenvolvimento de habilidades de localização e orientação no espaço geográfico, além de (re)valorizar os conhecimentos e cultura das populações do campo e contribuir para a formação ideias e (re)conhecimento dos saberes relativos ao espaço local e a compreensão de que eles são integrantes e agentes transformadores destes espaços. Palavras-chave: Ensino de geografia, Escola do campo, Cartografia.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas com as mudanças do mundo globalizado, a escola vem buscando
meios de continuar cumprindo a sua tarefa de inserção do indivíduo na vida em sociedade como
cidadão de direito e deveres. Nesse cenário, a necessidade do desenvolvimento de práticas de
ensino que promovam uma aprendizagem ativa, também vem ganhando cada vez mais espaço nos
debates contemporâneos sobre o ensino. Essa ideia se fundamenta na necessidade do educando
ser o agente ativo e autônomo no processo de ensino/aprendizagem, ou em outras palavras, ele
deve ter autoria na construção de seus conhecimentos, o que pode ser desenvolvido por meio de
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estratégicas pedagógicas que promovam a interatividade e a participação ativa e criativa dos
educandos nas atividades e nas aulas.
É clara a necessidade das escolas, por se encontrarem inseridas no mundo globalizado e
digital, oportunizarem aos seus educandos condições necessárias para a construção dessas
habilidades e conhecimentos por meio de ações pedagógicas que utilizem os recursos tecnológicos
disponíveis, buscando que os discentes possam desenvolver aprendizagens mais significativas e
superando o desenvolvimento de metodologias hegemônicas e tradicionalistas que não contribuem
para a melhoria da qualidade de ensino e aprendizagens dos educandos.
Para que as aprendizagens ativas sejam efetivas é fundamental que sejam desenvolvidas
metodologias de ensino que busquem incluir todos os estudantes de forma participativa,
permitindo que eles sejam capazes de desenvolverem a “observação, descrição, interpretação,
análise, formulações de hipóteses, síntese, comparação e reflexão sobre aspectos geográficos
ligados ao cotidiano do educando e ao seu espaço de vivência” (MENDES, 2010, p.61).
No tocante ao ensino de Geografia, sendo uma ciência que se propõe a preparar o
educando para compreender as relações humanas que desencadeiam em mudanças constantes no
espaço construído, emerge a tarefa de entender o espaço geográfico num contexto bastante
complexo e que se encontra em permanente transformação; deve-se então, pensar no educando
como um sujeito sociocultural e participante na transformação do espaço, principalmente porque
essa disciplina tem papel relevante na formação cidadã e reflexiva dos educandos (CANHOLATO
& SILVA, 2015).
Diante deste cenário, os professores precisam assumir a postura de profissionais
mediadores na construção do conhecimento, oportunizando ao educando uma participação ativa
no processo de construção das suas aprendizagens, por meio do uso das ferramentas de sua ciência,
como teorias, recursos didáticos, conceitos geográficos e entre outros, atrelados com os
conhecimentos prévios dos alunos, enriquecendo o ambiente escolar e possibilitando um ensino
com significância para os estudantes.
A Cartografia é muito importante na Geografia escolar sendo fundamental para a
construção do conhecimento de localização espacial e na representação do espaço. Os mapas sendo
o principal instrumento da cartografia estão presentes em vários materiais didáticos da disciplina e
os avanços tecnológicos aplicados à Cartografia têm contribuído para a ampliação do acesso à
informação espacial e a diversos mapas por meio da internet.
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Os recursos digitais têm favorecido o diálogo entre o leitor e o mapa, possibilitando que os
usuários criem seus próprios mapas, modifiquem e contribuam na produção de mapas
colaborativos. Plataformas online e softwares como Google Maps, Google Earth, IBGE, PhilCarto,
Scape Toad, Open Sreet Map e Target Map e vários outros são exemplos de projetos cartográficos
gratuitos que permitem aos usuários visualizarem o espaço de diferentes escalas e em alguns casos
acrescentarem conteúdos a base de dados já existentes e/ou criar seus próprios mapas realizando
uma viagem ao redor do mundo virtualmente (GOMES, 2010).
Estudos realizados pelo autor Sousa (2013) demonstram que o estudo da cartografia por
meio das TDICs tem um papel fundamental no ensino de Geografia por possibilitar que os
educandos desenvolvam por meio das atividades pedagógicas, o domínio espacial, não apenas
observando a realidade e localizando fatos e fenômenos no mapa, mas também, explorando e
interagindo com a informação geográfica, através de pesquisas e levantamentos de dados,
correlacionando a partir da escala local até a escala global.
Nesse sentido, Coelho (2016) corrobora com essa discussão ao apontar que é de vital
importância à associação da Cartografia com as Tecnologias nos estudos dos diversos e distintos
conteúdos da Geografia escolar, pois essas associações podem possibilitar outras formas de olhar
e analisar fenômenos, sejam eles locais ou globais (COELHO, 2016). Existem várias possibilidades
de integrar os diversos conteúdos curriculares da Geografia com atividades dinâmicas com o uso
das TDICs; estudos da escala cartográfica e análises das mudanças na paisagem são alguns
exemplos.
Nesta perspectiva, salientamos que as novas tecnologias, por si só, não garantem ambientes
de ensino que possibilitem a construção e aquisição de conhecimentos, capacidades e atitudes, a
não ser que estejam integradas em ambientes de ensino/aprendizagem bem planejados, com
objetivos a serem alcançados, em outras palavras, que haja por parte do docente um planejamento
das atividades, visando e criando processos de aprendizagem necessários para que os discentes
atinjam os objetivos educacionais desejados por ele.
Sob essa ótica, a inserção das TDICs em sala de aula deve ser acompanhada por estratégicas
de ensino adequadas à realidade e às necessidades dos aprendizes, sendo importante que o
professor conheça as possibilidades que as TDICs podem promover as aprendizagens para
trabalhar determinado conteúdo, refletindo as atividades criativas que podem ser desenvolvidas
usando pedagogicamente os recursos tecnológicos, com uma perspectiva transformadora da
aprendizagem escolar (PEREIRA e FREITAS, 2012).
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Na Geografia escolar o docente pode estimular os educandos a desenvolverem as noções
da cartografia por meio dos recursos que as tecnologias oferecem, utilizando-as como aliadas ao
processo de ensino/aprendizagem. Nesse processo, é fundamental reconhecer que os estudantes
já possuem noções cartográficas que fazem parte de suas vivências, tornando importante, que o
docente considere a área de vivência do educando para os estudos e compreensão cartográfica,
pois as ações rotineiras dos discentes em seu cotidiano podem ser incorporadas em um saber formal
a partir da inserção de conceitos mais elaborados (MARQUES, 2012), possibilitando aos discentes
o desenvolvimento do seu senso crítico e de habilidades de pensar e agir no mundo que se encontra
em constantes transformações, e promovendo o entendimento e reconhecimento de que eles são
parte integrante e agente construtor desse espaço cotidianamente.
Com a difusão das tecnologias nos ambientes escolares é interessante pensarmos como as
tecnologias digitais podem ser utilizadas no ensino de Geografia, especificamente no que tange a
alfabetização cartográfica, tendo em vista a importância que este conhecimento tem para o
educando, para o desenvolvimento de competências e habilidades de localização e de entendimento
das dimensões espaciais. A linguagem cartográfica já se faz presente em muitas tecnologias digitais,
como imagens de satélite, mapas digitais e interativos e entre outras formas, que fazem parte do
cotidiano dos educandos até mesmo fora dos muros da escola pela facilidade de circulação e acesso
à informações propiciadas pela internet.
Frente a estas discussões, que envolvem o advento das novas tecnologias, o educando como
indivíduo construtor de geografias e do espaço geográfico, e da necessidade do desenvolvimento
da sua autonomia perante a construção dos seus conhecimentos, surge a necessidade de reflexões
sobre como o desenvolvimento de práticas pedagógicas aliadas ao uso das tecnologias digitais
podem promover potencialidades ao ensino de Geografia e para a alfabetização cartográfica, de
maneira que proporcione o desenvolvimento de aprendizagens ativas pelos educandos e o
desenvolvimento da sua autonomia e protagonismo estudantil no processo de ensino.
Salientamos que o presente texto está vinculado à pesquisa de doutorado1 em andamento
no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD). A referida pesquisa tem como objetivo realizar investigações e reflexões sobre o potencial
educativo da utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) para o
desenvolvimento das aprendizagens cartográficas e para a formação do pensamento espacial dos
1 Pesquisa intitulada de “Cartografia e tecnologias digitais: experimentações em diferentes contextos escolares”, sob a
orientação da Profa. Dra. Flaviana Gasparotti Nunes.
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estudantes por meio de atividades de mapeamentos desenvolvidas por eles mesmos. Buscamos
verificar, também, se a mediação do ensino com as TDICs possibilita a compreensão e
(re)valorização do espaço local pelo educando, e para o desenvolvimento da autonomia e
protagonismo dos mesmos no processo de ensino.
Tendo em vista que a pesquisa se encontra em andamento, neste texto apresentaremos
algumas reflexões elaboradas com base em revisões bibliográficas e de experiências cartográficas
realizadas no ano letivo de 2018 com alunos do Ensino Médio de uma escola do campo situada no
distrito de Nova Esperança, do município de Jateí (MS).
A experiência cartográfica foi desenvolvida nas aulas das disciplinas de Geografia e Terra
Vida e Trabalho (TVT), por meio de atividades que envolveram a utilização de Tecnologias Digitais
de Informação e Comunicações (TDICs) sendo o Google Maps e Google Earth e outras mídias
auxiliares como, Microsoft Paint, Tux Paint, câmeras fotográficas, aparelhos de celulares, entre outras.
A atividade proposta aos discentes consistiu na elaboração de mapeamentos sobre o seu espaço
local. A escolha do tema era livre para cada estudante ou dupla de estudantes, desde que abrangesse
a localidade de vivência; eles foram orientados a representar de alguma forma, a critério de cada
um, suas experiências no espaço local em seus mapas.
METODOLOGIA
O presente trabalho utiliza como método de estudo e argumentação dos resultados a
metodologia de pesquisa qualitativa. Desta forma, buscando despertar nos estudantes o
protagonismo, criatividade e capacidades de inovação, as experiências pedagógicas desenvolvidas
visaram explorar as potencialidades das tecnologias digitais do Google Maps e do Google Earth e outras
mídias auxiliares como, Microsoft Paint, Tux Paint, câmeras fotográficas e aparelhos de celulares, para
as aprendizagens dos estudantes por meio da produção de mapas sobre o espaço local.
As atividades foram desenvolvidas no segundo semestre do ano letivo de 2018 com os
estudantes do 1º, 2º e 3º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual Professor Joaquim Alfredo
Soares Vianna, uma escola do campo situada no distrito de Nova Esperança, do município de Jateí
(MS), por meio de uma proposta interdisciplinar entre a disciplina de Geografia e de TVT (Terra,
Vida e Trabalho), em uma parceria entre o professor de Geografia, a professora de TVT e a
Professora Gerenciadora de Tecnologias e Recursos Midiáticos (PROGETEC)2.
2 Professora responsável em estimular e promover a formação dos professores para o uso das tecnologias educacionais, por meio de formações continuadas, oficinas e cursos no ambiente escolar. Realiza o atendimento técnico-pedagógico
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As referidas atividades objetivaram enriquecer o processo de ensino/aprendizagem dos
discentes com ações educativas que promovam a construção e conservação da cultura do homem
do campo, buscando integrar os educandos à sua realidade, ou seja, fortalecer os vínculos e valores
do homem do campo com a terra, e propiciar um ambiente de ensino no qual o educando seja o
protagonista na construção de seus conhecimentos, por meio de uma atuação ativa e criativa tanto
por parte dos educandos como dos educadores.
As fases de desenvolvimento das atividades compreenderam inicialmente a apresentação
das mídias digitais Google Maps e Google Earth para os professores regentes por meio de oficinas
desenvolvidas pela autora do presente texto que exercia a função de PROGETEC da Unidade
Escolar. Após, foi realizada a mesma dinâmica com os educandos em várias aulas das disciplinas
de TVT e Geografia na Sala de Tecnologia Educacional (STE), com o intuito de familiarizar os
educandos com as mídias que foram utilizadas no desenvolvimento dos trabalhos.
Após os discentes terem compreendido bem como se utiliza as mídias digitais envolvidas
para desenvolver as atividades propostas, deu se início à elaboração do trabalho de culminância da
experiência pedagógica, na qual os estudantes deveriam elaborar um mapa digital representando o
seu espaço de vivência, utilizando as imagens cartográficas do Google Maps, Google Earth, imagens
fotográficas registradas por eles ou retiradas de outras fontes, e outras formas de captação de
informações que eles achassem necessárias, em outras palavras, os discentes deveriam representar
no mapa, tudo aquilo que para ele representa o seu espaço de vivência, a sua vida enquanto sujeito
do campo, sua relação com a terra e com o espaço em que vive, constrói e o reconstrói diariamente.
Além dos mapas construídos, os estudantes também realizaram a entrega de depoimentos
escritos e alguns em formato de vídeos, sobre o que objetivaram demonstrar nos mapas. Os
estudantes foram divididos em duplas, seguindo o critério de que a dupla deveria ser formada por
colegas que residem próximos, podendo ser nas mesmas linhas rurais, nos mesmos sítios ou
fazendas, ou próximos dentro do distrito ou do município. Esse critério possibilitou o desafio de
unir os pensamentos que pudessem seguir em linhas diferentes em relação às temáticas por eles
abordadas, levando-os a refletirem e chegarem a um consenso sobre: o que iriam representar?
Como? E os porquês? Os estudantes sentiram a responsabilidade diante da criação de algo diferente
e próprio, para além de modelos que podem ser copiados e colados, como frequentemente
acontece em tempos de tecnologias digitais e espaços virtuais.
e apoio aos professores para a inserção do uso das TICs em seus planejamentos e no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
Embora a pesquisa esteja em andamento, por meio da experiência cartográfica realizada, é
possível apontar algumas análises preliminares.
Os trabalhos dos discentes analisados (Figuras 1 e 2) mostraram o desejo dos mesmos em
demonstrar a cultura do homem do campo, buscando valorizar suas origens e correlacionar o que
aprendem na escola com suas práticas cotidianas, levando os saberes escolares para além da sala de
aula. Nas narrativas apresentadas pelos estudantes foi possível perceber a ciência dos mesmos em
relação à importância do campo para o país, e o predomínio das vivências e experiências pessoais
dos envolvidos no processo de criação de cada mapa.
Seguem dois exemplos dos trabalhos elaborados pelos estudantes (Figuras 1 e 2):
Figura 1: Trabalho elaborado por estudantes do 1º Ano do Ensino Médio, intitulado de “A identidade do homem do campo”
Fonte: SECCATTO, 2018.
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Figura 2: Trabalho elaborado por estudante do 3º Ano do Ensino Médio, intitulado de “Assoreamento do Rio Verde na região da ponte (Zona rural - Jateí-MS)”
Fonte: SECCATTO, 2018.
No mapa “A identidade do homem do campo” apresentado na Figura 1, as discentes
demonstraram as diferentes atividades desenvolvidas no sítio em que elas residem; nas narrativas
das estudantes elas relataram que buscaram apresentar no mapa, atividades que fazem parte do dia
a dia das mesmas quando elas não estão na escola, uma vez que ajudam seus pais no cumprimento
das tarefas no sítio. As estudantes também afirmaram que os saberes aprendidos na escola ajudam
as mesmas no cumprimento destas tarefas, como o fato de terem aprendido formas de adubação
do solo nas aulas de TVT, o que possibilita que elas coloquem em prática os conhecimentos
escolares.
Já no mapa apresentado na Figura 2, o qual os estudantes intitularam de “Assoreamento do
Rio Verde na região da ponte (Zona rural - Jateí-MS)” os alunos abordaram o tema assoreamento
que ocorreu em um determinado ponto de um rio da região, segundo os próprios alunos, eles
objetivaram demonstrar que aquele espaço geográfico que eles conheciam já há muito tempo,
passou por muitas transformações ao longo dos anos, alterações essas promovidas por processos
naturais e por ações provocadas pelo próprio homem, como o assoreamento do rio.
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As narrativas dos estudantes também propiciaram aos docentes utilizarem os temas
abordados por eles na construção dos mapas, em temáticas a serem abordadas e potencializadas
em sala de aula, pois os mesmos demonstraram o raciocínio crítico e reflexivo sobre temas atuais
e presentes em seu em torno. No desenvolvimento do trabalho os educandos refletiram que o
espaço geográfico não é estático, e aquele lugar que até um tempo atrás era um local de lazer para
eles, o Rio Verde, pode não existir mais em um futuro próximo, ficando apenas nas lembranças de
momentos vividos neles, como demonstrado no trabalho da Figura 2.
É válido enfatizar que a experiência cartográfica envolveu atividades interdisciplinares por
possibilitarem diálogos e conexões com outra área de conhecimento e não somente a Geografia,
permitindo a interação de saberes e conceitos com o objetivo de dar sentido a eles e propiciando a
construção de aprendizagens significativas no ambiente escolar.
A experiência também proporcionou aos educandos o desenvolvimento e exercício das
categorias de análises relatadas a priori por Mendes (2010) como, observação, descrição,
comparação, síntese e dentre outras, permitindo a reflexão e ligação entre o que é aprendido no
cotidiano do estudante com os conteúdos curriculares, fazendo o discente enxergar maior valor no
que está sendo ensinado dentro da sala de aula e despertando o seu interesse pelo estudo.
A partir dos trabalhos elaborados pelos estudantes, observamos que houve um
aprofundamento maior no estudo da paisagem do espaço vivido por eles, que é o município em
que moram, levando-os a compreender que o espaço geográfico está em constante transformação,
e que ao longo do tempo, aspectos naturais e as ações antrópicas são responsáveis pelas
grandes mudanças em um espaço, reconhecendo que o trabalho e as necessidades humanas são
responsáveis pela transformação da paisagem, e estimulando-os a desenvolveram uma consciência
crítica ao observarem a paisagem ao seu redor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cada aula de desenvolvimento da experiência cartográfica, as ideias dos discentes
ganhavam forma; as participações e envolvimentos dos mesmos aumentavam, refletindo em
entusiasmos na elaboração dos mapas. O uso das TDICs aliadas ao ensino de Geografia e TVT na
referida escola do campo, propiciou reflexões para além da sala de aula, contribuindo para a
formação de cidadãos com atitudes e pensamentos críticos sobre o espaço local onde vivem,
percebendo as transformações e se vendo como integrantes e agentes transformadores destes
espaços.
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As atividades desenvolvidas ao longo dos trabalhos propiciaram a aquisição de habilidades
de localização e orientação no espaço geográfico, promovendo o estímulo e motivação aos
estudantes a realizarem pesquisas de dados e informações de forma lúdica, tecnológica e autônoma,
contribuindo para a compreensão dos elementos básicos que devem conter um mapa, como o
título, legenda, orientação, e a aplicação dos mesmos na prática.
Por meio das atividades, também constatamos que as mesmas permitiram o
desenvolvimento de competências e habilidades na produção dos conhecimentos escolares e
alfabetização cartográfica através do uso das tecnologias digitais, promovendo potencialidades
relacionadas ao processo de ensino/aprendizagem dos estudantes, além de (re)valorizar a cultura
do homem do campo e contribuir para a formação de opinião e conhecimento dos saberes e valores
do espaço local.
É importante salientarmos, que a maneira como cada indivíduo percebe, representa,
imagina e recria o mundo é diferente. No momento em que os alunos puderam socializar uma
realidade que está além dos muros da escola dentro da sala de aula, eles se sentiram inseridos no
processo de ensino. Neste sentido, as atividades desenvolvidas possibilitaram a expressão dos
estudantes e a demonstração das suas identidades locais, por meio das realidades por eles elencadas
e nas experiências representadas nos mapas, traduzindo essas vivências cotidianas em seu espaço
local em conhecimentos geográficos, ultrapassando assim, a simples localização geográfica de um
fenômeno espacial e tornando os discentes participantes do processo de construção da
representação da realidade espacial e protagonistas em suas aprendizagens.
REFERÊNCIAS
CANHOLATO, Camila Santos; SILVA, Fernando M. Carvalho da. O uso dos mapas conceituais no ensino de geografia mediado pela tecnologia da informação e comunicação. 2015. 55f. – Monografia (Licenciatura em Geografia) - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense. Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, 2015. COELHO, Patrícia Silva Leal. Estudantes-cartógrafos: mapas colaborativos, celulares e tecnologias de informação e comunicação na escola. 2016. 137f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Vitória-ES, 2016. GOMES, Suely Aparecida. Cartografia multimídia: possibilidade para a produção de novos conhecimentos geográficos. Rev. Brazilian Geographical Journal: Geosciences and Humanities research medium vol.1, 2010, p. 116-135.
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AVALIAÇÃO MACROSCÓPICA DE DUAS NASCENTES DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PIRAPÓ-PR
Jaqueline Gorisch Wilkomm Fruet (Universidade Estadual de Maringá - Campus de Maringá)
E-mail: jaquelinefruet@yahoo.com.br
Hélio Silveira (Universidade estadual de Maringá - Campus de Maringá) E-mail: hesilveira70@hotmail.com
RESUMO
Em função da necessária conservação dos recursos hídricos este trabalho tem o intuito de corroborar com as discussões sobre as implicações da legislação ambiental sobre as Áreas de Preservação Permanente (APP) das nascentes dos cursos d’água. Nesse sentido, teve como objetivo identificar e avaliar o nível de degradação de duas nascentes em cabeceiras de drenagem. As nascentes estão inseridas na bacia hidrográfica do Ribeirão Alegre que integra a unidade de paisagem 4A da bacia hidrográfica do Rio Pirapó (Nóbrega et al.,2015). Para tanto, adotou-se a metodologia do Índice de Impacto Ambiental em Nascentes (IIAN) baseado na proposta de Gomes et al. (2005) e Gomes (2015), elaborada a partir da Classificação do Grau de Impactos de Nascentes (2004) e no Guia de Avaliação da Qualidade das Águas (2004). De acordo com os resultados, a avaliação macroscópica do IIAN, demonstrou uma classificação ruim (27 pontos) para a Nascente 1 e péssimo (abaixo de 25) para a Nascente 2. Observa-se que para a nascente 1 os parâmetros que mais influenciaram na redução do IAAN foram: acesso, uso pela fauna, e solos. Para a nascente 2 foram: cor da água, afloramento, acesso, vegetação (APP), uso pela fauna, processos erosivos e fragilidade dos solos. Os resultados representam um nível de degradação preocupante, o que pode influenciar quanto à qualidade hídrica das nascentes. De acordo com os resultados obtidos fica evidente a degradação ambiental das nascentes devidos principalmente as irregularidades da APP. Palavras-chave: APP, Nascentes, Degradação, Conservação.
INTRODUÇÃO
A Resolução CONAMA nº 303/2002 define nascente ou olho d’água como “local onde
aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea” (BRASIL, 2002. Art.
2º; II). Em 2012, o novo Código Florestal, redefiniu a partir da Lei Federal n°. 12.651, de
25/5/2012, sendo consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) “as áreas no entorno das
nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo
de 50 (cinquenta) metros” (Brasil, 2012; Art. 4°, IV). Embora exista uma legislação especifica para
a área de proteção e preservação de nascentes, os trabalhos de Santos et al. (2012), Carmo et al.
(2014) e Alves (2016) demonstram o desrespeito a legislação ambiental brasileira ao não
cumprimento do raio mínimo de 50 m em torno das nascentes.
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As formações vegetais que margeiam os rios e nascentes não possuem apenas a função de
arborização, elas estão diretamente relacionadas ao controle da erosão, recarga dos aquíferos, filtros
contra carreamento de produtos químicos nocivos, matéria orgânica e sedimentos, favorecimento
da polinização, controle trófico-dinâmico das populações, refúgio de fauna, entre outras funções
(GOMES, 2015). Nesse aspecto, é notório que as áreas de preservação permanente (APP)
necessitam de cuidados específicos, pois, estão voltadas para a preservação da qualidade das águas,
vegetação, fauna e dissipação de energia erosiva (CURCIO; BORNNET, 2018).
Considerando a necessidade e a relevância das nascentes, sabe-se que seu estado de
conservação é influenciado pelo relevo, conservação do solo e da vegetação, os quais dependem
do uso e ocupação de terras pela atividade antrópica nas regiões à montante destas (OLIVEIRA et
al. 2020). Assim, fatores como a supressão da vegetação, as atividades agropecuárias inadequadas e
o uso indevido do solo potencializam o processo de degradação de nascentes e dos cursos d’água,
interferindo na qualidade e quantidade da água de uma bacia hidrográfica (BOMFIM et al., 2015).
Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo identificar e avaliar o nível de
degradação de duas nascentes em cabeceiras de drenagem. As nascentes estão inseridas na bacia
hidrográfica do Ribeirão Alegre que integra a unidade de paisagem 4A da bacia hidrográfica do Rio
Pirapó (Nóbrega et al.,2015). Para tanto, a metodologia utilizada foi a proposta por Gomes et al
(2005) e Gomes (2015) baseada na Classificação do Grau de Impactos de Nascentes (2004) e no
Guia de Avaliação da Qualidade das Águas (2004). Diversos autores como Malaquias; Cândido
(2013); França Junior; Villa (2013); Belizário (2015); Corrêa et al. (2016); Leal et al.(2017); Silva et
al. (2018); Oliveira et al.(2020), tem utilizado a avaliação macroscópica para comparar parâmetros
na identificação de impactos ambientais e suas consequências nas nascentes.
Esta avaliação macroscópica integra parte dos resultados preliminares de uma pesquisa de
doutorado em andamento na Universidade Estadual de Maringá (UEM), que tem como objetivo
compreender a estrutura e o funcionamento das cabeceiras de drenagem, nas quais as nascentes
estão inseridas.
ÁREA DE ESTUDO
O estudo foi desenvolvido em duas nascentes localizadas em uma propriedade rural no
município de Mandaguari, na região norte central do estado do Paraná (PR). As cabeceiras de
drenagem e nascentes estão inseridas na bacia hidrográfica do Ribeirão Alegre que integra a unidade
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de paisagem 4A da bacia hidrográfica do Rio Pirapó, conforme a proposta estabelecida por
Nóbrega et al. (2015), para as bacias hidrográficas do Pirapó, Paranapanema III e IV (Figura 1).
Figura 1: Localização da área de estudo
Elaboração: Os autores (2020)
Em relação ao clima, a área de estudo está no domínio do clima subtropical, o Cfa, segundo
a classificação de Köppen, apresentando temperatura média no mês mais frio inferior a 18°C
(mesotérmico) e temperatura média no mês mais quente acima de 22°C (CAVIGLIONE et al.,
2000). A região onde se encontra a área de estudo era recoberta pela Floresta Estacional
Semidecidual de acordo com Roderjan et al. (2002). As condições topográficas expressam relevo
dissecado, caracterizado por topos estreitos e vertentes curtas (NÓBREGA et al. ,2015). As cotas
altimétricas, predominantes, estão entre 500 a 700 m. O substrato geológico pertence a Formação
Serra Geral, constituída por extensos derrames de rochas ígneas, predominando basaltos, de idade
jurássica-cretácica (MINEROPAR, 2001).
As características geológicas, em consonância com as formas e declividades das vertentes,
se refletem nos tipos e distribuição das classes de solos. Em vertentes com entalhes mais intensos
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(declividades superiores a 20%), há a ocorrência dos Neossolos Regolítico e/ou Litólico. À medida
que o entalhe diminui, isto é, as declividades são mais suaves, os solos se apresentam mais
profundos, do que se verifica a transição de Neossolos para Cambissolos. Em segmentos de baixa
encosta, onde o entalhe é ainda mais fraco, há a predominância do Nitossolo Vermelho
(BONIFÁCIO, 2013).
As explorações econômicas desenvolvida nas proximidades das nascentes estão atreladas
as características físicas e geográficas da região. Nas áreas de declividades superiores a 12%, onde
ocorrem os Neossolos Litólicos e/ou Regolíticos dominam as pastagens, pois, representam
obstáculos para a mecanização. Quando as declividades são inferiores a 12%, com presença de
solos profundos ou muito profundos, a mecanização é possível, eventualmente aprecem culturas
sazonais. Ao longo dos córregos e ribeirões ocorre vegetação arbórea florestal, original ou plantada,
em manchas esparsas e descontínuas de tamanho irregular, geralmente associada a vertentes com
declividades fortes, recobertos por solos rasos (BONIFÁCIO, 2013; GRAÇA, 2019).
METODOLOGIA
Adotou-se a metodologia da avaliação macroscópica de nascentes do Índice de Impacto
Ambiental em Nascentes (IIAN), proposto por Gomes et al. (2005) e Gomes (2015). Segundo os
autores, a técnica baseou-se na Classificação do Grau de Impacto de Nascente do Sistema Nacional
de Informação de Recursos Hídricos de Portugal e no Guia de Avaliação da Qualidade das Águas
da Rede das Águas, sendo utilizada e adaptada por diversos autores como França Junior; Villa,
(2013); Malaquias; Cândido (2013); Felippe (2009); Belizário (2015); Corrêa et al. (2016); Leal et
al.(2017); Silva et al. (2018) e Oliveira et al. (2020).
A avaliação caracteriza-se na descrição de parâmetros para identificação de impactos
ambientais e suas consequências nas nascentes, de forma qualitativa quanto ao grau de proteção
em que as nascentes se encontram, atribuindo pontos (1 a 3) aos parâmetros observados, conforme
Quadro 1. Os procedimentos são de caráter exploratório, sensorial e descritivo, realizados por meio
da pesquisa de campo e observação in loco, tendo sido elaborados de janeiro a dezembro do ano de
2019 e em janeiro de 2020. A observação foi realizada em um raio de 50m conforme a Lei Federal
n°. 12.651, de 25/5/2012, que obriga a adoção de APP em torno de nascentes.
Conforme Oliveira et al (2020), para interpretação do (IIAN), as notas dos fatores
determinantes para a avaliação da qualidade ambiental são somadas e convertidas em classes de
qualidade. Assim, as nascentes podem ser categorizadas quanto ao grau de conservação em relação
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aos impactos presentes em: A - ótimo (IIAN entre 36 e 34 pontos); B - bom (IIAN entre 33 e 31);
C - razoável (IIAN entre 30 e 28); D - ruim (IIAN entre 27 e 25) e E - péssimo (IIAN abaixo de
25).
Os doze parâmetros avaliados foram: cor da água, odor da água, lixo ao redor da nascente,
materiais flutuantes (lixo na água), processos erosivos (Gomes et al.,2005), acesso (Gomes et
al.,2005; Felippe,2009), tipo de afloramento e fluxo (Malaquias; Cândido, 2013), vegetação na APP,
uso pela fauna (Oliveira et al.,2020) e proteção (Leal et al.,2017).
Quadro 1: Parâmetros utilizados para a avaliação macroscópica das nascentes Parâmetros
macroscópicos Avaliados
Classificação
Ruim (1ponto) Médio (2 pontos) Bom (3 pontos)
Cor da água Escura Turva Transparente
Odor da água Forte Com odor Sem odor
Lixo ao redor da nascente
Muito Pouco Ausente
Materiais flutuantes (lixo na água)
Muito Pouco Ausente
Afloramento Assoreada Difusa Pontual Fluxo Temporária Intermitente Perene
Acesso Fácil Difícil Sem acesso
Vegetação (APP) Degradada ou ausente
Alterada Presente
Uso pela fauna Presença Evidência Ausente
Processos erosivos Sulcos Ravinas Voçorocas
Proteção (cerca) Ausente Presente, mas com fácil acesso
Presente, mas com difícil acesso
Fragilidade dos Solos Neossolo, Gleissolo
Cambissolo Nitossolo
TOTAL Índice de Impacto Ambiental em Nascentes (IIAN)
Fonte: Adaptado de Gomes et al. (2005); Felippe (2009); Malaquias; Cândido (2013); Leal et al. (2017) e Oliveira et al. (2020)
O parâmetro fragilidade dos solos foi estabelecido de acordo com os resultados obtidos
por Bonifácio (2019) considerando a classificação da fragilidade para os solos da bacia hidrográfica
do rio Pirapó. Bonifácio (2019) associou as observações realizadas nos levantamentos de campo e
os dados de erodibilidade dos solos paranaenses, além da comparação com resultados de outros
estudos (BERTONI; LOMBARDI NETO, 1975; CAVALIERI, 1994; SILVA; ALVARES, 2005;
MANNIGEL et al., 2005 entre outros). Procedendo a uma reformulação da classificação da
fragilidade para os solos, para cada classe de solo, de acordo com o atual do Sistema Brasileiro de
Classificação de Solos (2018).
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Ressalta-se dessa forma que, o Índice de Impacto Ambiental em Nascentes (IIAN) foi
adaptado às necessidades e objetivos dessa pesquisa, contudo, não transgrediu os pressupostos
metodológicos originais. Para as imagens da área de estudo foi utilizada a técnica de
aerofotogrametria de alta resolução adquiridas utilizando Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT),
sendo os voos realizados em parceria com a empresa Falcon Farms de Maringá com a aeronave
MaptorAgro/Horus Aeronaves. Os voos foram realizados no dia 23 de fevereiro de 2019, durante
o período matutino. As imagens foram capturadas a partir da câmera RGB (Red, Green e Blue)
Nikon com resolução de 20 mega/pixel, totalizando aproximadamente 1200 fotos. O
processamento das imagens foi realizado no software Agisoft Photoscan Professional.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados dos parâmetros avaliados para a determinação do Índice de impacto
Ambiental em Nascentes (IIAN) estão apresentados no Quadro 2.
Quadro 2: Resultados da avaliação macroscópica das nascentes
Parâmetros macroscópicos
Avaliados
Classificação Resultados
Ruim (1 ponto)
Médio (2 pontos)
Bom (3 pontos)
Nascente 1 Nascente 2
1. Cor da água Escura Clara Transparente 3 1
2. Odor da água Forte Com Odor Sem odor 3 2
3. Lixo ao redor da nascente
Muito Pouco Ausente 2 3
4. Materiais flutuantes
(lixo na água)
Muito Pouco Ausente 3 3
5. Afloramento Assoreada Difusa Pontual 3 1
6. Fluxo Temporária Intermitente Perene 3 3
7. Acesso Fácil Difícil Sem acesso 1 1
8. Vegetação (APP) Degradada ou ausente
Alterada Presente (nativa)
2 1
9. Uso pela fauna Presença Evidência Ausente 1 1
10. Processos erosivos (APP e
nascente)
Voçoroca e ravinas
Sulcos Ausente 2 1
11. Proteção (cerca) Ausente Presente, mas com fácil acesso
Presente, mas com difícil
acesso
2 2
12. Fragilidade dos Solos
Neossolos e Gleissolos
Cambissolos Nitossolos 1 1
TOTAL Índice de Impacto Ambiental em Nascentes (IIAN) 26 20
Ótimo: IIAN entre 36 e 34; Bom: IIAN entre 33 e 31; Razoável: IIAN entre 30 e 28; Ruim: IIAN entre 27 e 25 Péssimo: IIAN abaixo de 25.
Elaboração: Os autores (2020)
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O primeiro parâmetro observado, apenas visualmente, refere-se à cor da água. A cor de
uma amostra de água se deve a presença de substâncias em solução, principalmente material
orgânico coloidal (exemplos: substâncias naturais resultantes da decomposição de folhas e
madeiras, esgotos domésticos ou rurais e efluentes industriais como taninos – de curtumes; anilinas
- de indústrias têxteis e tintas; lignina e celulose - de indústrias de celulose e papel, etc.) e inorgânico
naturais (como compostos de ferro e manganês) (Gomes, 2015). Neste parâmetro a nascente 1
apresenta-se de cor transparente, enquanto a nascente 2 possui coloração avermelhada. Koch et al.
(2017) citam como possíveis causas de influencia na turbidez e coloração da água a areia, argila,
presença de material orgânico na água e/ou sais dissolvidos, como ferro e manganês. Neste caso,
acredita-se que a coloração avermelhada da nascente, esteja relacionada com a constituição
mineralógica da rocha basáltica de cor escura, compostas de minerais que são relativamente ricos
em ferro e magnésio (MINEROPAR, 2001).
Para o odor foi considerada nesta proposta a presença de substância que comunique odor
ou a sensação do odor de forma sensorial. Essa característica pode resultar de causas naturais
(exemplos: vegetação em decomposição, bactérias, fungos e compostos orgânicos como gás
sulfídrico, etc.) ou artificiais (exemplos: esgotos in natura domésticos e industriais). Na nascente 1
não há odores perceptíveis, já na nascente 2 foi possível averiguar anomalia no odor da água,
supostamente de causas naturais, provavelmente decomposição de vegetação.
Outro parâmetro avaliado refere-se ao encontro de lixo ao redor da nascente, sendo
considerado se havia ou não presença de resíduos sólidos encontrados na área ao entorno da
nascente (Área de Preservação Permanente em um raio de 50 metros), sem considerar a toxidade
ou magnitude ou abrangência resultante desses. Nesse aspecto, foram encontrados a presença de
poucos plásticos na área de APP da nascente 1, enquanto na nascente 2 o lixo foi ausente. Também
foi ausente nas nascentes 1 e 2 a ocorrência de materiais flutuantes na água.
Em relação ao afloramento, a nascente 1 é classificada como sendo pontual, pois apresenta
concentração da exfiltração em apenas um ponto, facilmente individualizado (FARIA, 1997). Já a
nascente 2 está localizada em uma área brejosa, sendo portanto, considerada uma nascente difusa
(VALENTE; GOMES 2005). Portanto não foi possível saber com exatidão seu ponto de
exfiltração no decorrer do ano, tendo diferenças entre a estação do verão e do inverno. Alterações
de tipos de exfiltração das nascentes no inverno e verão são relatadas por Felippe (2009) na
abordagem de espacialização e caracterização de 79 nascentes distribuídas em três unidades de
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conservação situadas na cidade de Belo Horizonte/MG. De acordo com Felippe (2009), as
nascentes podem migrar para montante e jusante diversas vezes no ano, de acordo com sua
dinâmica subterrânea, além disso, essa classificação pode alterar-se ano a ano, devido à variação
dos parâmetros climáticos.
O parâmetro de fluxo leva em consideração variabilidade temporal da exfiltração, assim, as
nascentes podem ser perenes, intermitentes ou efêmeras, de acordo com o período de escassez de
água que apresentam (VALENTE; GOMES, 2005). Dessa forma, as nascentes 1 e 2 são
classificadas como perenes, pois não secam durante o ano, embora a nascente 2 apresente redução
significativa em seu fluxo de água no inverno.
Em relação ao parâmetro acesso, refere-se o local em que a nascente está inserida e a
dificuldade do acesso, neste sentido, não houve dificuldade em acessa-la visto que as nascentes
estão localizadas em propriedade rural particular, inclusive com trilhas. O acesso a nascente neste
caso, seria impossibilitado no caso de uma área protegida por lei em uma Unidade de Conservação,
por exemplo, ou caso a vegetação estivesse preservada.
No que se refere à vegetação, considera-se alterada para a nascente 1 tendo a vegetação
nativa sido totalmente retirada e substituída por espécies para reflorestamento. Por sua vez, a
nascente 2 encontra-se degradada, considerando que a vegetação nativa foi totalmente retirada e
substituída por capim e ocorre apenas algumas espécies frutíferas esparsas como o limão rosa
(Citrus limonia Osbeck) e, principalmente a goiabeira (Psidium Guajava). A figura 2 demonstra o
mapeamento contemplando as possíveis áreas de APPs previstas na legislação, ou seja, com um raio
de 50m, de acordo com a Lei n. 12.651/2012.
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Figura 2: Representação gráfica de APP de acordo com a Lei n° 12.651/2012
Fonte: Os autores (fotogrametria com o uso do Vant em 2019)
O valor atribuído ao parâmetro “uso pela fauna”, justifica- se por ambas a nascentes
apresentarem pegadas e dejetos de gado bovino em seu entorno, sendo assim utilizadas para sua
dessedentação, isso está relacionado ao fato de estarem localizadas em área de pastagem. Ressalta-
se que a nascente 1 está em uma estrutura de proteção de cimento e seu curso canalizado (Figura
2), propiciando que a água mantenha-se limpa e evitando que o gado tenha acesso direto no seu
ponto de exfiltração. Leal et al. (2017), ao realizar estudos na bacia do Córrego Itanguá, em Capão
Bonito (SP) aplicando a análise macroscópica, descreve que o uso pelos animais (bovinos e javalis)
em áreas de nascentes, pode acarretar a contaminação da água por fezes e urina, além de alterar a
regeneração da vegetação em torno da nascente. Nesse sentido, Stolf e Molz (2017) avaliaram a
qualidade microbiológica da água em propriedade rural, localizada na cidade de Taió (SC). Os
resultados revelaram que todas as amostras de água apresentaram contaminação com bactéria do
grupo coliforme total e coliformes fecal. Segundo os autores, a contaminação fecal encontrada nas
amostras de água estudadas deixa clara a preocupação com a preservação das nascentes.
Para o parâmetro “processos erosivos”, leva-se em consideração a observação de formas e
feições erosivas (sulcos, ravinas e voçorocas) na APP. Foram evidenciados processos erosivos nas
áreas das duas nascentes. Na nascente 1, observam-se sulcos possivelmente desencadeados pela
declividade acentuada (20 a 75%). Nesse aspecto, diversos trabalhos têm atestado a fragilidade
potencial muito forte associada a ocorrência de formas erosivas aliadas a declividades acentuadas
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(Rocha, 2011; Fruet, 2016; Bonifácio, 2013). Próximo a nascente 2, as chuvas de janeiro de 2020,
provocaram ravinamentos (Figura 3).
Figura 3: Processos erosivos na área de influência da nascente 2
Fonte: os autores (trabalho de campo, 2020)
Sobre a proteção da cerca que circunda as nascentes, esta é feita de arame farpado, no
entanto, além de ser fácil ultrapassa-la, pela falta de manutenção, há ainda um determinado
perímetro em que o arame está rompido facilitando o acesso dos animais (gado bovino) à água.
Outro parâmetro observado foi a “fragilidade do solo”, em que é considerada a erodibilidade.
Desse modo, as nascentes foram classificadas com fragilidade muito forte, de acordo com a
classificação estabelecida para os solos da bacia hidrográfica do rio Pirapó de Bonifácio (2019),
sendo a nascente 1, localizada em setor abrangido pela classe de Neossolo, enquanto a nascente 2
está em setor de Gleissolo.
Observa-se que para a nascente 1 os parâmetros que mais influenciaram na redução do
IAAN foram: acesso, uso pela fauna e fragilidade do solo. Para a nascente 2 foram: Cor da água,
afloramento, acesso, vegetação (APP), uso pela fauna, processos erosivos e fragilidade do solo.
Observa-se que a nascente 2 possui maior número de fatores que prejudicam seu grau de
preservação, logo é a mais degradada comparando os índices para as duas nascentes.
A avaliação macroscópica ruim (27 pontos) para a nascente 1 e péssimo (abaixo de 25) para
a nascente 2 do IIAN indicou que, notadamente, as características do entorno da nascente
definiram o grau de conservação em que a mesmas se encontram. Dessa forma, acredita-se que a
falta da adequação da APP, segundo a legislação ambiental, esteja relacionada aos resultados baixos
(nota 1) para a avaliação dos parâmetros de uso pela fauna, acessibilidade e os processos erosivos.
De acordo com os resultados obtidos fica evidente a degradação ambiental das nascentes devido
principalmente as irregularidades da APP, sobretudo, na nascente 2. Resultados semelhantes sobre
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inadequações da APP que potencializam a degradação da nascente foram relatadas por Gomes et
al. (2005), Gomes (2015), Santos et al. (2012), Silva et al. (2018). Nesse sentido, os trabalhos
desenvolvidos por Felipe (2009) e Oliveira et al., (2020) têm demonstrado que quanto maior a
proteção de acesso à nascente, sobretudo em unidades de conservação, melhor o estado ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado da avaliação macroscópica da nascente em relação segundo o IAN revelou um
grau ruim (entre 25 e 27) de preservação para a nascente 1 e péssimo para a nascente 2 (abaixo de
25). A partir da análise dos dados pôde-se identificar que os parâmetros que tiveram maior
influência neste resultado foram: o uso pela fauna, o acesso e o solo para a nascente 1 e cor da
água, afloramento, acesso, vegetação, uso pela fauna, processos erosivos e solo para a nascente 2.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho está sendo realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).
REFERÊNCIAS
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RELATO: ATUAÇÃO DO PIBID COM PALESTRA REALIZADA NA ESCOLA LICEU CUIABANO SOBRE O QUILOMBO MATA-CAVALO
André Sodré Rosa (Universidade Federal do Mato Grosso – Campus Cuiabá)
E-mail: andsodreross@gmail.com RESUMO
O seguinte relato é objeto de uma das experiências vivenciadas pelo acadêmico André Sodré Rosa, dentro das ações do PIBID de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no periodo de novembro de 2018, quandoda realização de uma palestra sobre as relações étnico-raciais, mais especificamente os contextos dos quilombos, na escola Liceu Cuiabano. A ocasião contou com a participação da mestra Junia Auxiliadora Santana, que se identifica como quilombola e atua como professora na comunidade Mata-Cavalo, no município de Nossa Senhora do Livramento. Desenvolvemos aqui a nossa percepção acerca do evento, que, a partir da inclusão de uma pesquisadora desta temática, acreditamos ter possibilitado despertar nos alunos do Liceu o entendimento a respeito do cotiniano da comunidade em questão, assim como a atenção acerca das lutas e conquistas deste grupo, para, então, estabelecer novas experiências no ambiente escolar, fortalecer o interesse a respeito das questões raciais no Brasil e, dessa forma, poder ampliar progressivamente o olhar crítico dos discentes. Palavras-chave: Relações Étnico-Raciais, Educação Quilombola, Relato, PIBID. INTRODUÇÃO
O presente relato traz um testemunho a respeito de uma das vivências do acadêmico André
Sodré Rosa como membro e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID) do Curso de Licenciatura em Geografia, do Instituto de Geografia, História e
Documentação (IGHD) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - Campus Cuiabá. A
saber: uma das ações do PIBID se deu na Escola Estadual Liceu Cuiabano, no dia 12 de novembro
de 2018, no período matutino. A palestra, idealizada pelo grupo PIBID,foi realizada durante a aula
do professor Gedival Costa Lima, lotado na referida escola. Com a finalidade de levar aos discentes
dados e informações da história e da realidade dos quilombos, pelo ponto de vista e pelo lugar de
fala de uma pessoa quilombola, pesquisadora e profissional da educação, a palestra foi ministrada
pela professora Junia Auxiliadora Santana, que abordou especificamente o contexto do Quilombo
Mata-Cavalo e as leis que gerem a especificidade destas comunidades.
Esse tipo de ação, de levar aos alunos conhecimento acerca da história e do contexto plural
de nossa sociedade, atenta para a importância de ações progressistas dentro do ambiente de
aprendizagem. Para reforçar as argumentações quanto à necessidade dessas ações dentro de sala de
aula, a obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire,foiutilizada amplamente durante as reflexões sobre
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as estratégias desempenhadas pelo PIBID. Freire (1987, p. 53) aponta que: “A ação politica junto
aos oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’ para a liberdade, por isto mesmo, ação com
eles”.Estas ações desenvolvidas internamente no meio escolar vão gerar possibilidades de
aprendizagem múltiplas e de caráter horizontal.
A professora Candida S. da Costa, mais especificamente com sua obra divulgada em
formato de curso EaD, Concepções e diretrizes da educação das relações étnico-raciais,e a professora Ivani
Fazenda, organizadora da obra O que é interdisciplinaridade?,exerceram papeis consideráveis no
desenvolvimento deste relato/trabalho, tanto na elaboração das estratágias dos alunos do PIBID,
como também na execução do Projeto Raizes e Identidades, do Liceu Cuiabano, que ampliou os
parêmetros na busca de mecanismos de práticas interdisciplinaridade e a introdução das temáticas
raciais dentro do ambiente escolar.
METODOLOGIA
Os meios empregados na ação aqui testemunhada/relatada visaram proporcionar aos
alunos do ensino médio – 1º ano B, através das explanações da palestrante, um entendimento mais
aprofundado da realidade dos quilombos. E, para a concretização da dinâmica proposta, baseamo-
nos nas exposições do Prof. Dr. Renato E. dos Santos (2009), que aponta a íntima relação da
geografia com as problemáticas étnicas do Brasil. Santos (2009, p. 109-110) explica que:
[a] Geografia é uma disciplina fundamental para a constituição dos referenciais posicionamentos que orientam os comportamentos dos individuos e dos grupos. Esta é a função da Geografia. [...] A Geografia tem relação direta com a constituição das relações raciais. Aqui, estamos falando de “raça” não como conceito biológico [...] mas enquanto conceito social, enquanto constructo social que é o principio ordenador de relações sociais.
Para além das questões que perpassam a natureza e a função da disciplina de Geografia,
cabe ressaltar a Lei 11.645, de 10 de março de 2008,que diz: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos
de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o
estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.Sendo assim,pela influência
alavancada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e pelas propostas dos
projetos prestabelecidos pelo educandário, como o Projeto Raizes e Identidades, presente no PPP
da unidade escolar, os primeiros anos do ensino médio entram em contato, por meio de inúmeras
atividades, com diversas temáticas, entre elas as relacionadas aos quilombos regionais, próximos à
capital mato-grossense.
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Visto que já existia contato entre os acadêmicos do PIBIB e a mestra Junia Auxiliadora
Santana, residente e membro da comunidade quilombola Mata-Cavalo, professora lotada na Escola
Estadual Tereza Conceição de Arruda, unidade inserida dentro das bases e diretizes educacionais
quilombola, convidamos a professora-pesquisadora para ministrar uma palestra a respeito dos
quilombos e sua experiência na educação da comunidade Mata-Cavalo, para sanar algumas
indagações dos alunos do colégio Liceu Cuiabano. Para tanto, retomamos Georgina H. Nunes
(2010, p. 140) , que nos mostra que “trata-se de um olhar mais focalizado para um horizonte
relativamente esquecido (...), especialmente as educacionais: um espaço rural e negro”.
Pela perspectiva de acadêmico do curso de Licenciatura em Geografia ebolsista do PIBID,
foram desdobrados a seguir apontamentos sobre a ação que se desenvolveu em formato de roda
de conversa, em que a pesquisadora-palestrante pôde expor sua visão científica sobre a temática e
também acolher as dúvidas e possibilitar esclarecimentos e entendimento aos alunos.
Em referência a isso, Fazenda (2008, p.15) discorre que: Acreditamos que nossa força estará na Parceria, onde poderemos criar novos perfis de cientistas, desenvolverem novas inteligências, abrir a Razão. Acreditamos na força mitológica de um novo tempo, onde todos nós nos disporíamos a um processo de re-alfabetização, não apenas do substantivo, mas do verbo, não mais do predicado, mas do sujeito, não mais do modelo, mas da hipótese, não mais da resposta, mas da pergunta (FAZENDA,2008, p.15).
Apalestra se desdobrou de modo descontraído e sem muita rigidez quanto ao roteiro, pois
partimos da ideia inicial de alavancar a curiosidade e diminuir a timidez;propomosaos alunos que
levassem perguntas já preestabelecidas, com a finalidade de dinamizar os diálogos.
A respeito destas múltiplas possibilidades, diálogos quanto às temáticas étnicas inseridas na
educação, Costa (2018, p. 37) afirma que:
São inúmeras as abordagens que possibilitam à escola dar positiva visibilidade à presença negra no Brasil, tanto dos africanos quanto de seus descendentes, até os dias atuais. É isso que viabiliza que a educação para as relações étnico-raciais esteja no centro de todas as áreas e disciplinas e que se compreenda que a cultura brasileira contém denso conteúdo de matriz africana.
Dessa maneira, ressalta que:
[a] educação das relações étnico-raciais não diz respeito ao tipo de educação voltado a um segmento da população, mas está se falando, isto sim, de uma política educacional e de currículo voltados a toda a população brasileira em sua amplitude, visando à superação de um modelo de educação que valoriza a história e cultura europeias, sem considerar as africanas, afro-brasileiras e indígenas (COSTA, 2018, p.18).
Acerca do desenvolvimento da palestra, partimos para a organização da turma, com a
oradora dentro do círculo de cadeiras dispostas. Para desenvolver a palestra de modo progressivo,
pedimos para a convidada se apresentar e falar de suas experiências vividas dentro da comunidade
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e também de suas qualificações sobre a temática. A partir desta breve introdução, a palestrante
abriu o diálogo com os alunos do Liceu, e, de modo organizado, perguntas foram sendo dirigidas
e questionamentos foram aparecendo de modo natural.
O planejamento de duração desta atividade tinha o tempo estipulado de uma hora,
entretanto o envolvimento dos alunos na roda de conversa foi bastante intenso, e a atividade teve
que contar com a boa vontade da professora de História, que cedeu sua aula para continuarmos a
dialogar sobre a temática dos quilombos da baixada cuiabana. Não utilizamos materiais de
multimeios didáticos como slides ou vídeos, pois a proposta era justamente a tentativa de fugir dos
padrões educacionais que a escola dispõe.
Como medida, buscamos despertar nos alunos a importância da pesquisa a respeito do
tema, então em suas residências, consequentemente, pesquisaram e trouxeram para o diálogo um
conhecimento prévio do assunto. Outro cuidado que atribuímos ao processo foi de não tornar a
roda de conversa uma aula comum sobre um tema específico, mas sim uma experiência que gerasse
nos alunos a liberdade de buscar/alimentar suas próprias indagações sobre o tema, visto que esta
temática encontra muita dificuldade em adentrar de modo efetivo no cotidiano escolar, seja por
falta de empenho dos educadores ou por desconhecimento destas atribuições sobre as relações
étnico-raciais na disciplinaridade, já que as atribuições sobre esta temática são bastante generalistas
e quase não se discute sobre as relações raciais na microescala. Por este motivo, buscamos construir
uma conexão, que se fazia inexistente, para uma relação de empatia entre o colégio da região central
da capital e a realidade das comunidades que residem e resistem nas cercanias da baixada cuiabana.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Em reunião com os alunos secundaristas do Liceu Cuiabano para desenvolver as ações do
PIBID, dentro das práticas de desenvolvimento do Projeto Raízes e identidades, que, naquele
momento, encontrava-se ainda em fase inicial, tínhamos apenas um tema pré-elaborado pelo
colegiado da unidade escolar. A temática, direcionada para turma do professor Gedival Lima,
orientador do PIBID-Geografia dentro do colégio, foi “Quilombos na região da Baixada
Cuiabana”. Em orientação aos estudantes do 1º ano B, fora mencionado a visita que nós,
acadêmicos de Licenciatura em Geografia da UFMT, fizemos na comunidade quilombola Mata-
Cavalo, no município de N. S. Livramento. Tal visita pedagógica, feita como aula de campo na
disciplina Projeto Educativo em Geografia Humana, da docente Silvia Fernanda Cantóia, visou
mostrar-nos a realidade educacional desta comunidade.
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Kropotkin (2011 p.35) afirma: “Nada interessa tanto às crianças como as viagens, e nada é
mais chato e menos atrativo na maioria das escolas do que aquilo que ali se batiza como Geografia”.
Pensando nisso e no contato com a comunidade Mato-Cavalo, pensamos na possibilidade de levar
a vivência e o conhecimento adquirido por nós aos alunos da turma do professor Gedival, para
terem a mesma experiência que tivemos como acadêmicos. Entretanto, a possibilidade de visita à
comunidade foi abandonada, por conta das dificuldades logísticas que foram aparecendo.
Pensamos, assim, em soluções para suavizar o agravo e, mesmo que de outro modo, propiciar tal
experiência.
Uma das soluções encontradas foi organizar uma palestra na escola sobre a temática dos
quilombolas, o que resultou na ida da professora-pesquisadora Junia Santana, docente de origem
ligada à comunidade quilombola e que se encontra lotada na escola da comunidade Mata-Cavalo.
A professora Junia se fez protagonista neste relato, pois atua como pesquisadora da comunidade
onde reside e atua como professora de Geografia. Este fora uma especificidade relevante para levar
nossa visitante até a escola Liceu cuiabana, pois seria a maneira mais fácil dos alunos estarem em
contato com o Quilombo Mata-Cavalo através das explanações da convidada.
A dinâmica da ocasião foi à seguinte: em sua apresentação, a palestrante dissertou sobre a
formação da comunidade, sendo apontadas as principais particularidades inseridas dentro do Mata-
Cavalo, entre elas a retratação de como se formou o grupo quilombola, onde o agrupamento se
encontra localizado, os desafios e as vivências que se fazem ímpares nas comunidades
negras/quilombolas no Brasil. Entre os pontos levantados, foram expostos os entrelaçamentos das
leis e reivindicações particulares e gerais junto ao Instituto Zumbi dos Palmares (IZP).
Também foi introduzida na interlocução, uma rápida apresentação da dissertação de
mestrado, da oradora, que no momento sua pesquisa se fazia em construção, pelo título
“Aprendizagens da terra nas narrativas das mulheres guerreiras do Quilombo Mata Cavalo”.
Pesquisa esta que foi defendida no mês de maio de 2019, UFMT no Instituo de Educação (IE).
Os informes disponibilizados pela convidada acerca das referências de sua pesquisa de mestrado
despertaram bastante curiosidade entre os secundaristas. Onde foram expostos para os ali presentes
os programas de ações afirmativas, que abrangem as comunidades quilombolas, geram dúvidas por
partes dos alunos e que receberam uma explanação demonstrativa e esclarecedora pela palestrante.
Outro marco importante no diálogo desenvolvido foi a acerta, dos estereótipos dos
Quilombos com também das pessoas de origem quilombolas. O direcionamento deste marco foi
importante, para a quebra de diversos paradigmas, estabelecidos pelo desconhecimento, das
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temáticas envolvendo assuntos pertinentes a Quilombos. Neste cenário, Santos (2009, p. 121)
retrata a dimensão do ensino de Geografia, possibilita “[...] para construção de referenciais de
leituras do mundo que conferem poder a indivíduos e grupos nas múltiplas interações e relações”.
A indagação de Piotr Kropotkin (2011, p. 38), também a respeito das atribuições da Geografia,
vem reafirmar que: “A geografia deve render, além disso, outro serviço muito mais importante.
Deve ensinar-nos, desde nossa infância, que todos somos irmãos, seja qual for nossa
nacionalidade”
Ao final das considerações da palestrante, incentivamos os discentes a especularem sobre
as diversas pautas expostas a respeito da comunidade em destaque. Nesta conjuntura Georgina H.
Nunes (2010, p. 143) em A educação quilombola, indaga que “[o] cotidiano quilombola, a exemplo de
outros grupos étnico-raciais e sociais, é a emergência da práxis porque o pensar e fazer se
corporificam.’’
Os estudantes exploraram alguns pontos, como a construção das ações pedagógicas
diferenciadas na comunidade, como também expressaram profundo interesse na vida cotidiana do
quilombo. As dinâmicas socioeconômicas da comunidade, assim como sua organização estrutura
comunitária, foram descritas no decorrer da palestra, as atividades econômicas desenvolvidas
dentro do Mata-cavalo, suas organizações sociais, com suas diversas divisões administrativas que
existem dentro da localidade, como também a importância das lideranças femininas, que ocupam
lugar de grande importância dentro das decisões tomadas pela comunidade.
Todas as perguntas foram respondidas pela convidada. A percepção dos secundaristas em
relação a um quilombo parece não ter continuado a mesma. A professora Junia estimulou a
formação de um olhar mais analítico dentro das atividades desenvolvidas no Projeto Raízes e
Identidades, oportunizando à comunidade escolar refletir criticamente sobre a idéia disseminada
pelos meios de comunicação e os entendimentos expostos naquele encontro.
Esta ação intentou superar (ou, pelo menos, amenizar) as barreiras impostas pela distância
entre as duas realidades em destaque, aproximando os alunos do centro da cidade de realidades
múltiplas da nossa sociedade, numa tentativa de desenvolver uma empatia desses jovens com o
objeto de pesquisa do projeto institucional Raízes e Identidades. A palestra, com duração de duas
horas, atendeu aos conceitos da interdisciplinaridade no convívio escolar, pois estes conceitos se
fazem, quase sempre, conservadores dentro da disciplina de Geografia. Acreditando no poder de
fomentação de cidadania e conscientização humana dentro do espaço escolar, por meio de ações
que apostem no estímulo à curiosidade e ao interesse genuíno acerca do mundo, na capacidade de
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crescimento pessoal e desenvolvimento do indivíduo como ser social,retomamos Freire (1996,
p.56), o qual alerta que:
O educador que, ensinando geografia, “castra” a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se.
Como acadêmicos e professores de Geografia, devemos atuar em prol do entendimento e
do respeito da realidade plural que nos cerca, atentando-nos às forças dominantes e resistentes
desse contexto, a fim de
[compreender] a articulação entre os sistemas de dominação inerentes ao capitalismo, raça e relações raciais, e as visões de mundo, de espaço-tempo que compõem a geograficidade e a historicidade de indivíduos e grupos. Ajuda-nos a pensar como o ensino de Geografia (...) é instrumento crucial para reprodução das hierarquias apontadas, dentre as quais a racial, ao reproduzir e difundir uma visão eurocentrada do mundo (SANTOS, 2009, p. 119)
Os fatores mais significantes desta ação coordenada pelo PIBID-Geografia foram a
incorporação de disciplinas que estão sendo desenvolvidas na universidade e o agregamento de
conhecimentos adquiridos no ambiente acadêmico, o que foi fundamental na formatação e
realização da palestra no Liceu, organizada para atender a uma necessidade corrente dos alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que a proposta citada por este relato de experiência educacional esteve
centrada na intenção de expandir a visão crítica dos discentes secundaristas. A partir da dialética
empregada durante a palestra, os alunos da escola expuseram suas análises, interpretação e
entendimentos a respeito do objeto, no geral, pré-concebido por meios midiáticos (internet e TV).
Sendo assim, a fala da professora Junia a respeito dos quilombos inseridos na região da Baixada
Cuiabana serviu de ferramenta na contribuição para um progresso significativo de (re)construção
de idéias, tanto nas dinâmicas teóricas como também na valorização e, principalmente,
aproximação do tema aos estudantes secundaristas.
Foram suscitadas indagações e também compreensões nos alunos-anfitriões, uma vez que
os diálogos com a célebre palestrante propiciaram esclarecimentos a respeito do quilombo. No
decorrer da palestra, induzimos os alunos a questionar os assuntos abordados, com a finalidade de
fomentar debates a respeito da temática. Foi possível, então, integrá-la à vida cotidiana dos alunos,
por meio do método fenomenológico, visto que a fenomenologia é um método considerável no
que se refere à aproximação com as experiências vividas dentro de uma comunidade quilombola.
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Por essa perspectiva, acreditamos ser a identificação dos alunos mais eficaz, pois a compreensão,
o (re)conhecimento e a assimilação com o objeto ocorrem em caráter íntimo.
Pautando-nos em Freire (1987), esse estímulo à vivência e à compreensão da história são
fundamentais, visto que a inserção lúcida na realidade alimenta o ímpeto de compreendê-la e
transformá-la. Destacamos o art. 26 da Declaração Universal dos Direitos dos Humanos, que diz:
A educação deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e ao fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. Ela deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, assim como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Desenvolver esta ação do PIBID teve papel importante no processo de formação do meu
caráter de educador. Estar presente como membro e atuante desta realização me fez refletir a
respeito da necessidade de explorar o ambiente escolar com ações que possam proporcionar aos
alunos entendimentos e percepções que fogem do cotidiano da vida escolar.
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CARTOGRAFIA ESCOLAR E ENSINO DA GEOGRAFIA: A MAPOTECA COMO ALTERNATIVA DIDÁTICA NO PROCESSO DE
APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM CARTOGRÁFICA
Thomáz Augusto Sobral Pinho (Universidade Federal de Pernambuco - Campus Recife)
E-mail: pinhothomaz10@gmail.com
Bárbara Gabrielly Silva Barbosa (Universidade Federal de Pernambuco - Campus Recife) E-mail: barbara236@live.com
Lilian Renata Teixeira da Silva (Universidade Federal de Pernambuco - Campus Recife)
E-mail: liliaan.teixeira@gmail.com
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo trazer para reflexão a “mapoteca” como uma alternativa didática no processo de apropriação da linguagem cartográfica. O artigo parte de alguns dos resultados obtidos mediante uma pesquisa de abordagem quanti-qualitativa aplicada, em 2019, na Escola de Referência em Ensino Médio Padre Nércio Rodrigues, instituição da Rede Estadual de Pernambuco localizada no Recife. Além disso, realizou-se um levantamento bibliográfico nas plataformas Portal de Periódicos da Capes, Scientific Eletronic Library (SciELO), Google Acadêmico e ResearchGate, partindo das palavras-chave Cartografia escolar, ensino da Geografia, mapoteca, pensamento espacial e alfabetização cartográfica, e documental, partindo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Geografia e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ciente da importância da linguagem cartográfica para a Geografia e das dificuldades encontradas em alguns contextos educacionais no que se refere ao seu uso e interpretação, acredita-se que a mapoteca, apresentando um rico e significativo repertório cartográfico, possa contribuir com o desenvolvimento do aluno frente à essa linguagem, tendo em vista à ampliação no contato com as ferramentas gráficas. Contudo, para isso, é necessário que os recursos cartográficos não sejam entendidos como meras ilustrações, mas como meios que se comunicam e que são passíveis de análises aprofundadas e atreladas à realidade socioespacial. Palavras-chave: Cartografia escolar, Ensino da Geografia, Mapoteca.
INTRODUÇÃO
Desde a pré-história os diferentes povos sempre tiveram o interesse em representar a
superfície terrestre e os seus elementos. Os primeiros grupos humanos, muito antes do surgimento
da escrita, buscavam reproduzir graficamente os locais ondem viviam, bem como símbolos que
retratavam as suas atividades e outros aspectos presentes no seu cotidiano (FREIRE;
FERNANDES, 2010; LIBERATTI; ROSOLÉM, 2016). No decorrer do seu desenvolvimento, a
Cartografia tornou-se um importante instrumento de dominação. Na Idade Média (Séculos V-XV),
por exemplo, através da influência da Igreja Católica, os materiais gráficos eram utilizados no
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processo de expansão do catolicismo sobre povos específicos (LIBERATTI; ROSOLÉM, 2016).
Não obstante, em meados dos séculos XVIII e XIX, atribuiu-se à Cartografia grande importância
política, econômica e militar (TEIXEIRA NETO, 2006; LIBERATTI; ROSOLÉM, 2016).
Ao longo dos anos, as técnicas cartográficas foram sendo cada vez mais aprimoradas,
sobretudo devido aos avanços tecnológicos registrados nas últimas décadas, sendo aplicadas à
diversas finalidades. No campo da Geografia, a Cartografia tornou-se uma grande aliada, tanto para
a pesquisa, quanto para o ensino, visto que as representações cartográficas auxiliam no processo
de compreensão do espaço geográfico. Segundo Liberatti e Rosolém (2016), essas duas áreas
caminham juntas, sendo a Geografia responsável pelo estudo do espaço geográfico e das suas
relações com o meio e a Cartografia uma ferramenta a qual permite que o sujeito compreenda
como ocorre a ocupação, organização e representação desse espaço por meio da linguagem
cartográfica.
No contexto escolar, o uso da linguagem cartográfica é um suporte fundamental para a
estruturação dos saberes geográficos, sendo atrelada à uma diversidade de temáticas. Os PCN de
Geografia ressaltam a importância da Cartografia para o ensino da Geografia:
Ela possibilita ter em mãos representações dos diferentes recortes desse espaço e na escala que interessa para o ensino e pesquisa. Para a Geografia, além das informações e análises que se podem obter por meio dos textos em que se usa a linguagem verbal, escrita ou oral, torna-se necessário, também, que essas informações se apresentem espacializadas com localizações e extensões precisas e que possam ser feitas por meio da linguagem gráfica/cartográfica (BRASIL, 1998, p.76).
Diante da sua relevância no processo de ensino-aprendizagem em Geografia, destaca-se a
necessidade de não limitar os materiais cartográficos à simples meios de localização de objetos e
de representação de fatos e fenômenos socioespaciais, tendo em vista que a Cartografia é
considerada uma linguagem que leva ao entendimento da realidade socioespacial e é passível de
intepretações, problematizações e análises críticas (PASSINI; ALMEIDA; MARTINELLI, 1999;
BAGGIO; CAMPOS, 2017). Sendo assim, é importante que o aluno seja estimulado ao longo do
seu desenvolvimento escolar à se apropriar dessa linguagem, cabendo ao professor fazer o uso de
metodologias adequadas que o incentive a estabelecer relações entre o espaço e as práticas sociais
(LIBERATTI; ROSOLÉM, 2016; PEREIRA; MENEZES, 2017).
Para isso, é importante que o educando entre em contato com a linguagem cartográfica
desde o começo da sua escolarização, iniciando o processo de alfabetização cartográfica e
desenvolvendo as primeiras noções espaciais, aprimorando a sua capacidade de intepretação e
aprofundando-se nas representações gráficas ao longo das séries escolares. Para que esse processo
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de dominação da linguagem cartográfica seja efetivo, cabe à escola, através da mediação do
professor, proporcionar o contato do educando com os materiais gráficos, induzindo-o a refletir
acerca da organização socioespacial (LIBERATTI; ROSOLÉM, 2016; BAGGIO; CAMPOS,
2017).
No entanto, o uso da linguagem cartográfica pela Geografia escolar é defasado, visto que
os recursos gráficos são muitas vezes associados à meras ilustrações e estão bastante restritos ao
livro didático (DUARTE, 2017; MORAES, 2019). Dessa forma, frente à um repertório cartográfico
pouco significativo e com uma baixa diversidade, o desenvolvimento do pensamento espacial e do
raciocínio geográfico do aluno é prejudicado.
Diante disso, o presente estudo propõe refletir acerca da adoção da mapoteca no espaço
escolar como uma alternativa didática para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem em
Geografia e na apropriação da linguagem cartográfica. A proposta surge a partir de alguns
resultados de uma pesquisa educacional aplicada em uma escola da Rede Estadual de Pernambuco,
situada no Recife, a qual indicou o desejo dos alunos para que a escola dispusesse de uma mapoteca,
o que pode contribuir para a redução das dificuldades e do desinteresse no que tange ao uso e
interpretação da linguagem cartográfica
METODOLOGIA
As reflexões estabelecidas com o presente artigo são motivadas por meio de alguns dos
resultados obtidos com uma pesquisa educacional de caráter quanti-qualitativo aplicada com três
turmas de segundo ano, com a professora de Geografia e com o gestor da Escola de Referência
em Ensino Médio Padre Nércio Rodrigues, instituição da Rede Pública Estadual de Pernambuco
localizada no bairro de Linha do Tiro, no Recife. A pesquisa foi uma atividade proposta na
disciplina de Metodologias no Ensino da Geografia I, do curso de Geografia Licenciatura da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sendo desenvolvida entre os meses de setembro e
novembro de 2019. Com a aplicação da pesquisa, buscou-se identificar um possível cenário de
apatia no aprendizado dos estudantes frente ao ensino da Geografia, considerando as suas causas
e os conteúdos nos quais o sentimento apático é mais intenso.
É importante ressaltar que não é objetivo do presente artigo tratar da pesquisa mencionada
como um todo, visto que os seus resultados são mais amplos e projetam para além das questões
pontuadas aqui. Sendo assim, para este artigo apenas alguns pontos foram considerados, os quais
causaram inquietação e desejo de propor reflexões acerca da mapoteca como uma alternativa
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didática no processo de domínio da linguagem cartográfica e para a construção dos saberes
geográficos. Não obstante, apesar de algumas questões pertinentes à pesquisa estarem sendo
consideradas, ressalta-se que não se tem como propósito expor os seus resultados de forma
quantitativa, sendo esses dados parcialmente utilizados como ponto de partida para a discussão
proposta.
Todavia, para uma melhor compreensão, considera-se válido tratar brevemente da pesquisa.
A aplicação seguiu três etapas: na primeira, realizaram-se observações em um total de 10 aulas de
Geografia nas três turmas de segundo ano (2º A, 2º B e 2º C), entre os meses de setembro e
novembro. Com essas observações, buscou-se analisar o envolvimento das turmas nas aulas,
principalmente no que se refere à receptividade diante das metodologias utilizadas pela professora;
posteriormente, realizou-se uma entrevista com a professora de Geografia e com o gestor da escola,
questionando-os acerca das dificuldades encontradas no processo de ensino-aprendizagem e no
uso e disponibilidade de recursos didáticos na escola; na terceira etapa, foi aplicado um questionário
de 16 questões de múltipla escolha com os alunos, tratando sobre o relacionamento com a
professora e com a disciplina, os conteúdos que eles mais gostam, os espaços disponíveis na escola
ou que poderiam ser disponibilizados e sobre o uso de materiais didáticos. Participaram 19 alunos
da turma A, 13 da B e 13 da C. Com os resultados obtidos, elaborou-se um diagnóstico sobre a
possibilidade de condição de apatia das turmas nas aulas de Geografia, identificando que esse
sentimento é mais intenso frente aos conceitos da Cartografia e no uso da linguagem cartográfica.
Diante disso, o presente estudo é motivado a partir das repostas da professora sobre as
dificuldades dos alunos e da utilização e disponibilidade de recursos didáticos; das respostas dos
educandos, em especial as que tratam das suas concepções frente à baixa diversificação
metodológica e de espaços (sendo mencionada, inclusive, a mapoteca) e as que indicaram
dificuldades e/ou desinteresse nas aulas sobre Cartografia e no uso da sua linguagem.
Ademais, para fundamentar o estudo, realizou-se um levantamento bibliográfico nas
plataformas Portal de Periódicos da Capes, Scientific Eletronic Library (SciELO), Google Acadêmico
e ResearchGate, tendo como base as seguintes palavras-chave: cartografia escolar, ensino da
Geografia, mapoteca, pensamento espacial e alfabetização cartográfica. Após a revisão de literatura,
foi realizado um levantamento documental a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Geografia (PCN) e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 1998; 2017). Os
estudos e trechos documentais considerados relevantes e adequados com a proposta do artigo
foram organizados em categorias temáticas seguindo os termos utilizados na busca.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir dos resultados obtidos com a pesquisa utilizada como ponto de partida para o
estudo, constatou-se uma apatia dos alunos frente às aulas sobre Cartografia e à leitura e
interpretação dos recursos gráficos. Tal diagnóstico está fundamentado em dois questionamentos
específicos direcionados aos alunos participantes, sendo eles: “Quais os conteúdos de Geografia
você mais gosta de estudar?”, sendo a alternativa “Cartografia” a menos assinalada, não recebendo,
inclusive, nenhuma menção na turma B; e “Você considera ‘chata’ uma aula que?”, sendo marcada
por muitos a opção “necessito ler mapas”. Os dados corroboram com Castellar (2005), Pereira e
Oliveira (2010), Pereira e Menezes (2017), que tratam das dificuldades encontradas por professores
de Geografia em estabelecer um processo de ensino-aprendizagem satisfatório no que tange ao uso
e interpretação da linguagem cartográfica.
Sobre esta defasagem, Duarte (2017) entende como uma contradição, tendo em vista que
a Cartografia é concebida como um meio que deveria facilitar o processo de construção dos saberes
geográficas, contudo, em muitos casos a linguagem cartográfica vem sendo subutilizada. Como
consequência, o uso dos recursos cartográficos fica restrito a leituras superficiais e dissociadas da
realidade socioespacial, sendo pouco estimulante para o aluno. Diante disso, Gomes (2017)
questiona se os sujeitos realmente estão aprendendo a olhar e compreender o espaço mediante a
utilização dos materiais cartográficos, colocando em pauta a qualidade do aprendizado a partir
deles. Em face do exposto, concorda-se com Silva, Roque Ascenção e Valadão (2018, p. 79) ao
destacarem que “todo o raciocínio geográfico é essencialmente espacial, mas a recíproca não é
verdadeira, pois nem todo o pensamento espacial constitui uma leitura geográfica de um
fenômeno”. Ou seja, apesar da grande utilização dos materiais gráficos nas salas de aulas de
Geografia, eles só terão sentido caso forem atrelados coerentemente aos saberes geográficos.
Quando se busca compreender os fatores que resultam nesta apatia, os resultados da
aplicação dos questionários respondidos pelos educandos elucidam bem as principais causas. Hoje,
ainda se nota, em alguns contextos, um ensino de Geografia pautado em práticas convencionais,
como salientado pelos alunos, os quais indicaram que o uso do livro didático e do quadro branco
são priorizados em detrimento de outras alternativas metodológicas que, de outro modo, os
estimulariam mais no processo de construção dos saberes geográficos. Ademais, conforme
pontuado pela professora da escola em que o estudo foi realizado, uma das principais dificuldades
encontradas na prática docente diz respeito à escassez e/ou indisponibilidade de recursos didáticos,
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o que acaba desmotivando-a na elaboração de práticas mais dinâmicas. Soma-se à escassez o fator
tempo, que acaba sendo curto (duas aulas de Geografia por semana, sendo elas fragmentadas em
duas turmas). Por isso, fica mais cômodo recorrer a alternativas mais convencionais, como ao livro
didático (informação verbal)1.
No que se refere à Cartografia escolar, em decorrência de um ensino descritivo e baseado
na memorização de dados, no qual os materiais cartográficos são concebidos como meras imagens
que indicam a localização de objetos e fenômenos socioespaciais, percebe-se uma subutilização da
linguagem cartográfica. Segundo Duarte (2017), essa subutilização resulta de alguns fatores,
destacando-se entre eles: o uso reduzido do mapa e demais produtos cartográficos como recurso
didático; um baixo número de questões em provas e atividades envolvendo a interpretação de
mapas; o uso constante do mapa como meras ilustrações; baixo domínio das habilidades associadas
ao uso e intepretação dos recursos gráficos por alunos da educação básica; e baixo domínio da
linguagem cartográfica por muitos professores do ensino básico.
Retornando a pesquisa, em uma das perguntas direcionadas aos alunos, questionava-se o
seguinte: “Quais ambientes a escola não possui e você considera necessário para melhorar as
condições de desenvolvimento das aulas de Geografia?”, sendo a alternativa “mapoteca”
unanimidade nas três turmas. A partir dessa questão, somando-se ao diagnóstico de apatia no uso
da linguagem cartográfica, resultante, sobretudo, de uma insuficiência nas ferramentas didáticas
utilizadas na prática docente, encontrou-se na mapoteca uma alternativa para auxiliar na
aprendizagem e no processo de apropriação da linguagem cartográfica.
Por “mapoteca”, entende-se como um acervo de materiais cartográficos organizados e
classificados de acordo com categorias temáticas, estando disponíveis para diversas finalidades.
Apesar do conjunto das letras iniciais (“map”) remeter aos mapas, produtos cartográficos mais
utilizados no contexto educacional, a ideia engloba também outros recursos, como maquetes,
croquis, cartas topográficas, imagens de satélites, plantas, atlas escolares, gráficos e tabelas, o que
possibilita, inclusive, popularizar a diversidade cartográfica. No espaço escolar, busca-se a
princípio, conforme destacado por Ribeiro et al. (2018), fazer um resgate dos recursos cartográficos
como importantes ferramentas didáticas para a Geografia escolar, tendo em vista que o seu uso é
defasado em alguns contextos, como já fora mencionado.
1 Fala da professora de Geografia da Escola de Referência em Ensino Médio Padre Nércio Rodrigues, R., em entrevista concedida aos autores, Recife, novembro de 2019.
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Com a mapoteca, procura-se diversificar o repertório cartográfico ofertado ao aluno, não
apenas no que se refere à variedade de tipos de produtos cartográficos, mas, também, na
diversidade de temas abordados (englobando questões referentes ao meio físico, bem como
questões socioeconômicas) e nas diferentes escalas de análise, permitindo a compreensão do
vivido/concebido e do local/geral. Ademais, a mapoteca pode contribuir no processo de
dominação da linguagem cartográfica, uma vez que busca ressignificar o processo de leitura
cartográfica. Ou seja, além de expandir o acesso aos produtos cartográficos, não restringindo-se
unicamente aos livros didáticos, permite que os alunos se familiarizem com eles. Sobre esse
processo de familiarização, o entendemos também como apropriação, tendo em vista que na
medida em que se passa a utilizar com maior frequência os recursos cartográficos em sala de aula,
atrelando-se à interpretações coerentes com a real importância da linguagem cartográfica para a
Geografia, são dadas possibilidades para que o educando desenvolva as habilidades relacionadas ao
pensamento espacial, como observar, organizar, analisar, interpretar e correlacionar.
É importante mencionar que para a mapoteca não se tornar unicamente a um acervo com
uma grande quantidade de mapas, mas seja, de fato, uma alternativa capaz de contribuir na
estruturação dos saberes geográficos e, concomitantemente, com o desenvolvimento de
habilidades espaciais, a Cartografia deve ser tomada como uma linguagem, e não como um simples
instrumental metodológico. Ou seja, não se deve restringir as ferramentas cartográficas à simples
observações, mas concebê-las como meios que comunicam e que possibilitam estabelecer
intepretações dos fenômenos geográficos no espaço-tempo (PASSINI; ALMEIDA;
MARTINELLI, 1999).
Sendo assim, o professor deve procurar ter o domínio dos conceitos cartográficos e, como
já mencionado, conceber a Cartografia de fato como uma linguagem, a qual, assim como as demais,
é passível de apropriação, estimulando os alunos a estabelecerem, a partir dos materiais
cartográficos, relações acerca da organização socioespacial (PEREIRA; MENEZES, 2017). Assim
sendo, fazendo o uso da mapoteca de forma eficiente, o professor assume a figura de mediador no
desenvolvimento do pensamento espacial dos alunos. A BNCC destaca que o
(...) pensamento espacial está associado ao desenvolvimento intelectual que integra conhecimentos não somente da Geografia, mas também de outras áreas [...] Essa interação visa à resolução de problemas que envolvem mudanças de escala, orientação e direção de objetos localizados na superfície terrestre, efeitos de distância, relações hierárquicas, tendências à centralização e à dispersão, efeitos da proximidade e vizinhança etc. (BRASIL, 2017, p. 359).
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Entende-se que o pensamento espacial está diretamente atrelado ao desenvolvimento do
raciocínio geográfico, visto que
(...) o pensamento espacial mobiliza e desenvolve o raciocínio geográfico pois trata-se de inserir os princípios e conceitos estruturantes para análise do espaço e sua dinâmica, por exemplo, escala, extensão, localização, as relações entre as unidades de medida, as diferentes formas de calcular a distância [...], os sistemas de coordenadas, a natureza dos espaços (bidimensionalidade e tridimensionalidade). (CASTELLAR; JULIASZ, 2017, p. 162).
Ainda conforme a BNCC, a grande contribuição da Geografia escolar é justamente
desenvolver o pensamento espacial, “estimulando o raciocínio geográfico para representar e
interpretar o mundo em permanente transformação e relacionando componentes da sociedade e
da natureza” (BRASIL, 2017, p. 360). Contudo, volta-se a destacar que tal processo só será
efetivado caso o aluno seja estimulado a se apropriar da linguagem cartográfica, sendo levado a
compreender os recursos cartográficos para além do seu sentido locacional.
Em face disso, Simielli (2007) faz uma análise da apropriação da linguagem cartográfica e
do desenvolvimento do pensamento espacial do aluno ao longo do processo escolar. Para a autora,
na primeira fase do Ensino Fundamental (EF) deve-se iniciar a alfabetização cartográfica, quando
o aluno tem os primeiros contatos com as noções espaciais (visão oblíqua e vertical, imagens
tridimensional e bidimensional; elementos cartográficos; noção de legenda, proporção, escala,
lateralidade e orientação); ainda no EF, a autora propõe trabalhar com análise/localização e
correlação entre mapas; já no Ensino Médio (EM), deve-se, além deste último trabalho no EF,
realizar sínteses cartográficas. Através desse processo, a autora vislumbra a formação de dois perfis
de alunos: leitores críticos ou mapeadores conscientes. O primeiro interpreta de forma aprofundada
os materiais já elaborados, indo além do visível. Já o segundo, além destas virtudes anteriores,
participa ativamente do processo de elaboração das representações gráficas (croquis e mapas
mentais, por exemplo). Salienta-se que tal processo só será concretizado caso, na prática, os sujeitos
tenham contato de forma significativa com os materiais de representação espacial.
Desse modo, entende-se que um contato expressivo com os produtos cartográficos
proporcionado pela mapoteca reafirma tais recursos como importantes meios didáticos para o
desenvolvimento das habilidades espaciais, visto que se abrem mais caminhos para que o aluno
vivencie a linguagem cartográfica, analisando e apreendendo os seus símbolos de maneira
concomitante à estruturação dos saberes. Salienta-se que quando se menciona “repertório
cartográfico” não se deve pensar exclusivamente do ponto de vista quantitativo, mas também do
qualitativo, pensando-se na qualidade dos materiais ofertados aos alunos, bem como na forma
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como serão utilizados, priorizando por um processo que coloque-os, também, como meios
interpretativos e, não somente, indicativos.
Acredita-se ser fundamental destacar que a mapoteca não deve ser concebida
exclusivamente como um espaço físico, visto que existem grandes disparidades socioeconômicas
que inviabilizam muitas escolas, sobretudo públicas, a cederem um espaço para esta finalidade.
Seria incoerente defender a mapoteca unicamente enquanto um ambiente físico, quando, no
presente estudo, mencionou-se alguns resultados de uma pesquisa aplicada em uma escola pública
na qual se constatou a escassez de materiais didáticos. Assim sendo, é importante sustentar a ideia
da mapoteca de forma que seja possível adaptá-la à diferentes cenários.
Diante dessas circunstâncias, caso a escola possua, de fato, condições estruturais e
financeiras, a mapoteca como espaço físico seria uma alternativa frutífera, visto que uma sala
ambiente, repleta de recursos que auxiliam no processo de ensino-aprendizagem em Geografia,
pode despertar a curiosidade, atenção e interesse do aluno, além de dar mais possibilidade ao
professor na prática docente (NAVES, 2014). No entanto, caso seja inviável, a mapoteca pode ser
concebida como parte da biblioteca ou de outros espaços da escola, colando-se mapas e cartas
topográficas nas paredes, por exemplo, ou armazenando os produtos nesses ambientes, pensando-
se na maneira que melhor se encaixa à realidade da escola. O importante é que, independentemente
da forma como seja, a escola deva garantir aos alunos o contato com um repertório cartográfico
significativo ao longo do seu desenvolvimento escolar e que, o professor, enquanto mediador,
utilize a linguagem cartográfica de forma que estimule o pensamento espacial dos alunos e
contribua com o processo de ensino-aprendizagem em Geografia.
Além disso, diante de um contexto de inserção das novas Tecnologias da Informação e da
Comunicação (TICs) no âmbito escolar, é pertinente destacar a possibilidade de construção de uma
mapoteca digital, composta por mapas, imagens de satélites, cartas topográficas, entre outros
recursos, a qual pode ser compartilhada com os alunos, permitindo o acesso em outro ambientes
e momentos. Ressalta-se que tal formato tende a dinamizar mais as aulas de Geografia, tendo em
vista que tem potencial para se adequar as demandas do cotidiano, marcado pela difusão dos
recursos tecnológicos. Todavia, novamente leva-se em consideração que a estruturação dessa
alternativa vai depender dos diferentes contextos, visto que muitas escolas não encontram
condições de fornecer ferramentas tecnológicas para a prática pedagógica, assim como muitos
professores não possuem domínio suficiente para manuseá-las de forma que contribua na qualidade
do ensino.
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Em face do exposto, são múltiplas as possibilidades de práticas pedagógicas que podem ser
construídas a partir da mapoteca. Um dos exemplos é a realização de oficinas de cartografia que
estimulem o perfil do aluno mapeador consciente, mencionado por Simielli (2007), incentivando-
o a abordar os fenômenos socioespaciais que o cercam (RIBEIRO et al., 2018).
Independentemente do formato da mapoteca, é fundamental que as produções dos educandos
sejam agregadas ao acervo, valorizando os seus saberes e evidenciando que a linguagem cartográfica
deve estar acessível a todos. Ademais, sabendo-se das contribuições da Cartografia para outras
áreas, a mapoteca torna-se útil para as demais disciplinas e para a realização de atividades
interdisciplinares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente estudo, evidenciou-se a importância da linguagem cartográfica para a
construção dos saberes geográficos, visto que os seus recursos auxiliam no processo de
compreensão da produção, organização e transformação do espaço. Todavia, o seu uso é defasado
em algumas realidades, seja em razão de lacunas na formação dos professores, ou devido ao baixo
uso e/ou indisponibilidade desses recursos no ambiente escolar. Desse modo, sendo a Cartografia
uma linguagem, as consequências do seu uso defasado prejudicam o desenvolvimento do
pensamento espacial dos alunos, tendo em vista que o domínio dessa linguagem se torna
insuficiente.
Diante disso, destaca-se que é fundamental que o educando seja confrontado, durante o
seu desenvolvimento escolar, com um rico repertório cartográfico, ressaltando a necessidade de
este processo iniciar-se desde as primeiras séries escolares. Em relação ao desenvolvimento do
pensamento espacial, iniciado com a alfabetização cartográfica, salienta-se que deve ter o mesmo
compromisso estabelecido no ensino de outras linguagens, visando-se um trabalho satisfatório, que
leve o aluno ao domínio da linguagem cartográfica.
Desse modo, entende-se que é indispensável que o professor conceba a Cartografia
enquanto uma linguagem, não somente como um instrumento metodológico. Ademais, além de
ser essencial que o docente tenha domínio na intepretação da linguagem e dos conceitos
cartográficos, destaca-se que é ideal que a escola deva contar com recursos cartográficos suficientes
para o desenvolvimento da leitura espacial do educando. Assim sendo, entende-se que a mapoteca
emerge como uma alternativa viável a ser adotada nas escolas, visto que, um variado acervo
cartográfico, auxilia tanto no processo de ensino-aprendizagem em Geografia, e, de outras
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disciplinas, como na apropriação da linguagem cartográfica. Reitera-se que não se deve pensar a
mapoteca exclusivamente do ponto de vista quantitativo, mas preocupar-se com a forma na qual
os produtos cartográficos são concebidos.
Sobre a sua estruturação, a mapoteca não necessita ser exclusivamente um espaço exclusivo,
podendo ocupar uma parte de um ambiente já existente na escola, como na biblioteca ou em
laboratórios (caso a escola disponha), ou apenas um local onde os materiais possam ser guardados.
Ademais, diante do contexto de inserção das novas tecnologias nos diversos âmbitos da sociedade,
estando vastamente difundidas no cotidiano dos alunos, em maior ou menor grau, destacou-se a
possibilidade da mapoteca digital, a qual pode dinamizar as aulas e otimizar o acesso aos recursos
gráficos. Todavia, reforçar-se que esse formato deve levar em conta as condições ofertadas por
cada escola e o domínio do professor no que tange ao uso e compreensão das tecnologias da
informação.
REFERÊNCIAS
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LIBERATTI, M. I. da S.; ROSOLÉM, N. P. Alfabetização cartográfica: o mapa como instrumento de leitura do espaço. In: Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva do Professor PDE, 2013. Curitiba: SEED/PR, v.1. (Cadernos PDE), 2016. MORAES, T. S. Saberes docentes: a mediação necessária no uso da Cartografia tátil como ferramenta de inclusão. 2019. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019. NAVES, P. A. Sala ambiente para o ensino em Geografia: um estudo de caso. 2014. 59 f. Trabalho de Conclusão de Curso - Centro de Filosofia e Ciência Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2014. PASSINI, E. Y.; ALMEIDA, R. D.; MARTINELLI, M. A cartografia para crianças: alfabetização, educação ou iniciação cartográfica. Boletim de Geografia, n.17, p.125-135, 1999. PEREIRA, B. M.; MENEZES, P. K. de. Os desafios com a Cartografia no processo de ensino-aprendizagem de Geografia. Revista Brasileira de Cartografia (online), v. 69, p. 1699-1710, 2017. PEREIRA, B. M.; OLIVEIRA, I. J. de. Análise do Processo Ensino-Aprendizagem de Cartografia na Educação Fundamental: Estudo de caso da Rede Pública Municipal de Goiânia (GO). In: Associação dos Geógrafos Brasileiros. Anais Encontro Nacional de Geógrafos. 2010. 09 p. RIBEIRO, M. S. et al. Aprendizagem em Geografia e práxis social: uma realidade em Alto de Coutos, Salvador (BA). In: VII Encontro Nacional das Licenciaturas, 2019, Fortaleza-CE. Anais VII ENALIC. Campina Grande-PB: Realize Eventos e Editora, 2018. V. 1, p. 1-11. SILVA, P.; ROQUE ASCENÇÃO, V. de O.; VALADÃO, R. C. Por uma construção do raciocínio geográfico para além do pensamento espacial. In: Anais do 5º Colóquio Internacional da Rede Latino-Americana de Investigadores de Didática de Geografia. Goiânia: UFG, 2018. p. 73-94. SIMIELLI, M. E. R. Cartografia no Ensino Fundamental e Médio. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia na Sala de Aula. 8.ed. São Paulo: Contexto, 2007. TEIXEIRA NETO, A. Cartografia, território e poder: dimensão técnica e política na utilização dos mapas. Boletim Goiano de Geografia, Goiana, n.2, v .26, p. 49-69, jul./ dez. 2006.
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Questionário de múltipla escolha sobre a apatia na aprendizagem nas aulas de Geografia, aplicado aos alunos do segundo ano do Ensino Médio da Escola de Referência em Ensino Médio Padre Nércio Rodrigues. Recife, 2019.
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FONTES DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM BRUSQUE – SC: UMA ANÁLISE PRELIMINAR
Vanderleia Gemelli (Instituto Federal Catarinense – Campus Brusque)
E-mail: vanderleia.gemelli@ifc.edu.br
Leda Gabriela Ardiles (Instituto Federal Catarinense – Campus Brusque) E-mail: leda.ardiles@ifc.edu.br)
Arthur Nilo Martins (Instituto Federal Catarinense – Campus Brusque)
E-mail: arthurnmah@gmail.com) RESUMO
Este artigo resulta do projeto de pesquisa em andamento, denominado “Poluição atmosférica em Brusque: estudo de caso dos bairros Steffen e Bateas”, desenvolvido com apoio do Instituto Federal Catarinense – Campus Brusque, através de concessão de bolsa de iniciação científica para os cursos de ensino técnico integrado ao ensino médio. Considerando a emergência da problemática ambiental na nossa sociedade, principalmente em relação à poluição atmosférica, este projeto, objetiva levantar dados sobre emissão de poluentes oriundos de fontes fixas e móveis em Brusque, para posterior comparação com os níveis máximos de emissão de poluentes estipulados pela legislação vigente, para fontes fixas, e comparação da frota veicular com dados estaduais e nacionais, para fontes móveis. Busca-se assim, evidenciar quais são as principais fontes poluidoras, e verificar a contribuição destas na emissão de poluentes atmosféricos no município. A metodologia consiste em revisão bibliográfica, e levantamento e análise comparativa de dados de fontes fixas e móveis de poluição, junto aos órgãos ambientais municipal e estadual, Fundação Municipal do Meio Ambiente de Brusque e Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina, respectivamente, e junto ao Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina (DETRAN-SC) e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa encontra-se em andamento, portanto, serão apresentados resultados parciais. Estes indicam que o Vale do Itajaí lidera as emissões de CO, HC e N2O em Santa Catarina, pois possui a segunda maior taxa de veículos per capita, portanto há maior consumo de combustíveis. Brusque ocupa o 10° lugar no que se refere às emissões evaporativas do estado, sendo que o aumento da frota veicular dos últimos anos, contribuiu para aumento da poluição atmosférica no município. Constatamos assim, a necessidade de desenvolver ações e políticas voltadas para a conservação ambiental, controle e monitoramento nos níveis de poluentes que são emitidos no município. Palavras-chave: Questão ambiental, Poluição atmosférica, Fontes de poluição.
INTRODUÇÃO
Sucessivamente, ao longo da história, o crescimento populacional, bem como as
consequências a este associadas, tem ocasionado transformações em grandes proporções ao espaço
geográfico. O desenvolvimento industrial, a extração e utilização de maior quantidade de recursos
naturais, o crescimento das cidades, o surgimento de novos meios de transporte, dentre outros
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fatores, ocasionaram intensas mudanças nos modos de vida, nos modos de produção e,
consequentemente, no espaço geográfico.
Todas essas mudanças, que resultam da relação entre sociedade e natureza, deixaram, e ainda
deixam, marcas profundas em diversas dimensões, sendo que uma das mais preocupantes no século
atual é a dimensão ambiental. A poluição do solo, da água, do ar, dentre outras, são alarmantes.
Leal et al. (2008), ao se referir ao crescimento do número de indústrias e da variedade de
produtos, enquanto uma medida para atender as necessidades de consumo oriundas do
crescimento populacional, aponta que a preocupação ambiental não ocorreu na mesma medida,
resultando em problemas ambientais de grandes dimensões.
Dentro dessa realidade, um dos grandes desafios do século XXI está relacionado à poluição
atmosférica, sendo que Klumpp et al. (2001), destaca que: “Apesar de todo o progresso alcançado
na proteção do meio ambiente durante as últimas décadas, a poluição do ar ainda representa um
dos principais problemas ambientais [...]” (p. 511).
Braga et al. (2001), também aponta que: “A poluição do ar tem sido, desde a primeira metade
do século XX, um grave problema nos centros urbanos industrializados, com a presença cada vez
maior dos automóveis, que vieram a somar com as indústrias como fontes poluidoras” (p. 59).
Assim, as cidades enquanto espaços de concentração de indústrias e veículos em circulação,
constituem-se também em grandes concentradoras de poluentes atmosféricos.
Nesse contexto, o município de Brusque, que encontra-se a aproximadamente 120 km de
Florianópolis, e está localizado na Microrregião de Blumenau e na Mesorregião do Vale do Itajaí,
em Santa Catarina, possui abundante número de indústrias, o que constitui das atividades
econômicas mais importantes no município, bem como considerável contingente populacional,
aproximadamente 137 mil habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2020a), e, consequente, elevada circulação de veículos. Todos esses fatores
elencados anteriormente, levantam a hipótese que de o município de Brusque obtém grande
concentração de poluentes atmosféricos.
O nível de poluição atmosférica é determinado pela quantidade de poluentes presentes no
ar. A Resolução do CONAMA nº 491 de 19/11/2018, considera poluente atmosférico, em seu
Art. 2º, item I, enquanto:
“[...]qualquer forma de matéria em quantidade, concentração, tempo ou outras características, que tornem ou possam tornar o ar impróprio ou nocivo à saúde, inconveniente ao bem-estar público, danoso aos materiais, à fauna e flora ou prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade ou às atividades normais da comunidade;” (p. 155).
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Dentre os principais poluentes atmosféricos estão o monóxido de carbono, o dióxido de
enxofre (SO2), o material particulado (MP), o ozônio (O3), o dióxido de nitrogênio (NO2), entre
outros (CONAMA, 2018). Estes poluentes podem ser originados a partir de fontes fixas, tais como
indústrias e termelétricas, ou por fontes móveis que se encontram em constante movimento, por
exemplo veículos automotores (BRASIL, 2020).
Destarte, identificar as fontes poluidoras e monitorar a qualidade do ar é fundamental para
enfrentar os desafios relacionados à questão ambiental no presente século, bem como para
promover o desenvolvimento sustentável.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (1996), apud Gouveia (1999), a:
“Poluição do ar é um problema para a grande proporção da população urbana mundial, cujas implicações na saúde têm sido até hoje subestimadas. No mundo atual, a poluição do ar tornou-se quase parte da vida urbana cotidiana das pessoas. A Organização Mundial de Saúde calcula que mais de 1,5 bilhões de moradores urbanos estão expostos a níveis de poluição ambiental acima dos níveis máximos recomendados. Estimativas sugerem que, em todo o mundo, cerca de 400.000 mortes são atribuídas à poluição do ar, embora tenha havido progressos no controle dos poluentes, principalmente nas regiões desenvolvidas” (p. 56).
Dessa forma, considerando a emergência da problemática ambiental vivenciada pela
sociedade atual, principalmente no que se refere à poluição atmosférica, o projeto de pesquisa
intitulado “Poluição atmosférica em Brusque: estudo de caso dos bairros Steffen e Bateas”, tem
por objetivo levantar dados sobre poluição atmosférica em Brusque, afim de evidenciar quais são
as principais fontes poluidoras existentes, e verificar a contribuição destas na emissão de poluentes
atmosféricos no município. Contribuindo, dessa forma para a conscientização da comunidade, com
relação à necessidade da conservação ambiental, e a importância da adoção de práticas sustentáveis.
Essa pesquisa, também busca incentivar ações e/ou políticas públicas que vão de encontro
à diminuição da emissão de poluentes atmosféricos, sendo que até o momento não existem outras
pesquisas ou bancos de dados dessa natureza em Brusque, e contribuir no âmbito escolar para a
formação de cidadãos críticos, conhecedores, atuantes e transformadores da sua realidade, através
da perspectiva ambiental, que é também, social e econômica. Também busca a conscientização
com relação à conservação ambiental, e necessidade de adoção de práticas sustentáveis pela
população.
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METODOLOGIA
Para atingir os objetivos do projeto, estão sendo adotados os procedimentos teórico-
metodológicos, como revisão bibliográfica sobre a temática em questão, com a finalidade de
analisar a problemática ambiental relacionada à poluição atmosférica.
Concomitantemente, fez-se o levantamento e estudo dos parâmetros de qualidade do ar e de
níveis máximos de emissão de poluentes, estabelecidos pela legislação vigente, através das
Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), a saber, as Resoluções N°
436/2011, N° 382/2006, e N° 491/2018.
Para o levantamento de dados referente às fontes fixas, foram selecionados os bairros Steffen
e Bateas, em função do curto período de desenvolvimento da pesquisa, que impossibilita obtenção
de dados mais abrangentes, e ainda por considerar que estes bairros selecionados possuem maior
número de indústrias, o que tornará as informações coletadas bastante expressivas para analisar a
poluição atmosférica. O levantamento de dados das fontes fixas ainda se encontra em andamento,
e está sendo realizado junto aos órgãos ambientais municipal e estadual, Fundação Municipal do
Meio Ambiente de Brusque e Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina, respectivamente.
Posteriormente, pretende-se comparar esses dados, com os níveis máximos de emissão
estabelecidos na legislação vigente, afim de verificar se as fontes fixas emissoras de poluentes, na
área em estudo, atendem ao disposto na legislação pertinente.
Para as fontes móveis, foram levantados dados referentes à frota veicular geral de Brusque,
uma vez que não foi possível encontrar dados separados por bairro. Sendo que também foram
investigados dados da frota veicular de Santa Catarina e do Brasil, para comparar o crescimento da
frota veicular estadual e nacional, com a frota veicular municipal, evidenciando a contribuição
destas no aumento da poluição atmosférica. Todos os dados foram obtidos junto ao Departamento
Estadual de Trânsito de Santa Catarina (DETRAN-SC) e ao Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), com o fim de evidenciar o aumento no número de automóveis no município,
no estado e no país, e consequentemente, o aumento nos níveis de poluição, oriunda de fontes
móveis.
Ao final da pesquisa, a análise de dados, e o embasamento teórico proporcionado pela revisão
bibliográfica, permitirão evidenciar quais são as principais fontes poluidoras, bem como discutir a
contribuição destas, nas emissões atmosféricas na área em estudo, e consequentemente, em
Brusque.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
A revisão bibliográfica realizada ao longo da pesquisa, permite compreender que a poluição
atmosférica trata-se de uma questão não apenas ambiental, mas também social, econômica e de
saúde, pois o aumento das doenças respiratórias devido a inalação do ar poluído, está diretamente
relacionado ao aumento da poluição atmosférica no mundo (BRAGA et al., 2001, p.60). Além
disso, o aumento da mortalidade, da morbidade e dos problemas pulmonares, tem sido relatados
como associados aos níveis elevados de poluentes atmosféricos urbanos (GOUVEIA, 1999).
Assim, constata-se que a poluição do ar é um dos mais graves problemas relacionados a
degradação ambiental, sendo que os centros urbanos se apresentam enquanto espaços de
concentração das principais fontes poluidoras do ar, a saber, as indústrias e os veículos, fontes fixas
e móveis de poluição, respectivamente.
A seguir, são apontados e discutidos os dados obtidos até o momento, sobre as principais
fontes poluidoras do ar na área em estudo, e consequentemente, em Brusque de maneira geral.
No que se refere às fontes móveis (veículos), fez-se levantamento de dados da frota veicular
de Brusque, de Santa Catarina e do Brasil, junto ao DETRAN-SC e ao IBGE, considerando-se o
período de 2002 a 2019, para o município e o estado, e 2006 a 2018 para o país.
Esse levantamento permitiu constatar que houve um expressivo aumento do número total
de veículos tanto no município, quanto no estado e país, no intervalo de tempo considerado, como
pode-se verificar a seguir.
Na sequência, o Gráfico 1, demonstra o crescimento da frota veicular do Brasil, no período
de 2006 a 2018, sendo possível observar, que entre 2006 e 2016, por exemplo, houve um
crescimento de aproximadamente 40 milhões de veículos no país. Este aumento, pode ser
associado, hipoteticamente, a uma série de fatores, como o aumento populacional, crescimento da
urbanização, maior incentivo à produção, compra e venda de veículos, também pela expansão da
fronteira agrícola do país e da infraestrutura de transportes, dentre outros fatores.
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Gráfico 1: Frota veicular do Brasil - 2006 a 2018
Fonte: IBGE, 2020b. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/22/28120. Organização: MARTINS, A. N.; GEMELLI, V., 2020.
Consequentemente, com um aumento do índice de veículos em trânsito, as concentrações
de poluentes no ar tendem a aumentar, ocasionando problemas ambientais e danos à saúde da
população, especialmente nos centros urbanos. Segundo Hoinaski et al.:
“O ar se torna poluído quando a concentração de um ou mais poluentes pode causar danos à saúde e/ou meio ambiente. De uma maneira geral, isto ocorre se a emissão de uma ou mais fontes não consegue se dispersar e reduzir suas concentrações de maneira suficiente na atmosfera, antes de encontrar um receptor” (HOINASKI et al., 2019, p. 12).
Apesar da existência de políticas públicas voltadas para o controle e a regulamentação dos
níveis de emissões de poluentes veiculares, o crescimento da frota no Brasil ainda é muito
expressivo, e de difícil contemplação e fiscalização pelos órgãos reguladores. Na grande São Paulo,
por exemplo, a combustão oriunda do sistema de transportes, é uma das principais causadoras da
poluição do ar. Para a melhora da qualidade do ar, se faz necessário o desenvolvimento de políticas
adicionais e melhorias tecnológicas (MIRAGLIA, 2007).
Em Santa Catarina, estado localizado no sul do Brasil, também há uma expressiva frota
veicular, que tem apresentado crescimento significativo ao longo dos anos. O estado possui o 11º
maior índice populacional do Brasil e é o 20º estado em extensão territorial (IBGE, 2020c). Embora
Santa Catarina não possua um elevado contingente populacional absoluto, e apresente pequena
extensão territorial, o estado possui a 6ª maior frota veicular do país. Abaixo, no Gráfico 2, é
possível verificar a frota veicular catarinense entre os anos de 2002 e 2019.
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Gráfico 2: Frota veicular em SC – 2002 a 2019
Fonte: DETRAN/SC, 2020. Disponível em: https://www.detran.sc.gov.br/estatisticas/266-estatistica-veiculos. Organização: MARTINS, A. N.; GEMELLI, V., 2020.
O Gráfico 2, acima, mostra um significativo aumento na frota veicular de Santa Catarina, são
cerca de 3,5 milhões de veículos a mais, num período de 17 anos. Embora outros estados brasileiros
apresentem frota veicular maior, Santa Catarina, devido à sua pequena extensão territorial,
apresenta uma considerável densidade veicular, além de apresentar um elevado número de veículos
per capita, como é possível verificar na Tabela 1, a seguir.
Tabela 1: Comparação entre população, área, frota veicular, densidade veicular e número de
veículos per capita, em alguns estados e no Brasil
Fonte: HOINASKI et al., 2019.
Nesse cenário, é possível visualizar a partir da Tabela 1, acima, que apesar de possuir a menor
frota veicular entre os estados representados, Santa Catarina possui a terceira maior densidade
veicular, sendo esta a maior registrada entre os estados da Região Sul, bem como apresenta o maior
índice de veículos per capita.
Os dados da Tabela 1, assim como outros que também serão apresentados neste artigo,
foram obtidos através do estudo denominado “Emissões veiculares no estado de Santa Catarina –
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ano base 2016”, publicado em 2019. Este estudo trata-se de um inventário desenvolvido a partir
de um projeto do Laboratório de Controle da Qualidade do Ar (LCQAr), da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), e traz consigo diversos dados e análises sobre emissões veiculares no
estado de Santa Catarina, objetivando estimar o impacto dessas emissões na qualidade do ar no
estado.
A realidade exposta pelo estudo acima, evidencia que o estado de Santa Catarina também
possui quantidade expressiva de emissão de poluentes atmosféricos, oriundas de fontes móveis.
Neste contexto, o controle da poluição do ar deve ser feito de forma planejada, sem que haja custos
excessivos. Ao mesmo tempo, deve fornecer informações relevantes, bem como medidas
preventivas e de controle dos impactos (HOINASKI et al., 2019).
O Vale do Itajaí, uma das mesorregiões do estado de Santa Catarina, lidera a emissão de
monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e óxido nitroso (N2O). Isso ocorre devido à
existência de importantes centros industriais e à grande frota de veículos leves da referida
mesorregião, que é também a maior consumidora de gasolina e etanol, do estado. Além disso, o
Vale do Itajaí, detém a maior frota de veículos leves e motocicletas (HOINASKI et al., 2019). Essa
mesorregião, possui cerca de 15 municípios, entre eles o município de Brusque, sobre o qual serão
apresentados dados a seguir.
Brusque, município de Santa Catarina com aproximadamente 137 mil habitantes, segundo
estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020a), localiza-se na
Microrregião de Blumenau e na Mesorregião do Vale do Itajaí, a aproximadamente 120 km da
capital do estado, Florianópolis. O município de Brusque também apresenta aumento expressivo
da frota veicular, como é possível verificar no Gráfico 3, a seguir.
Gráfico 3: Frota veicular de Brusque – 2002 a 2019
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Fonte: DETRAN/SC, 2020. Disponível em: https://www.detran.sc.gov.br/estatisticas/266-estatistica-veiculos. Organização: MARTINS, A. N.; GEMELLI, V., 2020.
A frota veicular de Brusque, como mostrado no gráfico acima, é bastante expressiva.
Considerando que o município possui aproximadamente 137 mil habitantes, e considerando ainda,
conforme os dados do Gráfico 3, que no ano de 2019 observou-se um total de 108.864
veículos, conclui-se que Brusque possui uma taxa de 0,8 veículo per capita, ou seja, uma elevada
proporção de veículos, considerando-se o número de habitantes.
Na Quadro 1 abaixo, é possível verificar a posição de Brusque no ranking das emissões de
poluentes de origem veicular dos municípios de Santa Catarina, bem como a quantidade de
emissões por ano.
Quadro 1: Brusque no ranking de emissões veiculares por município de Santa Catarina1
Poluente CO HC NOX MP N2O
RET¹ RE/A² RET RE/A RET RE/A RET RE/A RET RE/A
Posição de
Brusque
12°
15°
13°
18°
22°
24°
22°
24°
14°
22°
Emissões (ton./ano)
2266,6
287,6
1101,7
44,804
12,779
¹Ranking da emissão total. ²Ranking da emissão relativizada pela área territorial do município.
Fonte: HOINASKI et al., 2019. Organização: MARTINS, A. N.; GEMELLI, V., 2020.
Considerando-se que Santa Catarina possui 295 municípios (IBGE, 2020b), constata-se
através da Quadro 1, que Brusque possui índices consideráveis de emissão dos poluentes citados,
apresentando ranking que varia entre 12ª e 22ª posição, quando considerada a emissão total no
município, e 15ª a 24ª posição, quando considerada a emissão relativizada pela sua área territorial.
A saber, a emissão de poluentes como os Óxidos de Nitrogênio (NOX) e Material Particulado
(MP), são muito influenciados pela atividade agrícola e pelo trânsito de caminhões pesados
portanto maior consumo de diesel, enquanto a emissão de CO, HC e N2O, está relacionada,
principalmente ao alto índice de veículos em circulação (HOINASKI et al., 2019).
Quanto mais elevado é o índice de veículos em circulação, maiores são as emissões
evaporativas, ou seja, emissões que ocorrem principalmente quando os veículos estão presentes
num tráfego intenso de trânsito, onde o veículo está parado e consumindo o combustível. Brusque
1 Dados obtidos através do estudo “Emissões veiculares no estado de Santa Catarina – ano base 2016”, publicado em 2019, desenvolvido no Laboratório de Controle da Qualidade do Ar, sob a coordenação do Professor Dr. Leonardo Hoinaski, na Universidade Federal de Santa Catarina.
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também apresenta uma proporção considerável no que se refere às emissões evaporativas,
ocupando o 10° lugar no ranking, entre os 295 municípios do estado (HOINASKI et al., 2019).
Dessa forma, pelos dados apresentados, observa-se que Brusque apresenta considerável
emissão de poluentes oriundos de fontes móveis. Sendo que o aumento da frota veicular registrada
ao longo dos últimos anos, tem contribuído para aumento da poluição atmosférica no município.
Realidade essa também verificada no estado de Santa Catarina e no Brasil, considerando-se que
ambos também apresentaram incremento expressivo na frota veicular.
Em contexto mais abrangente, a mesorregião em que Brusque está localizado, o Vale do
Itajaí, lidera as emissões de CO, HC e N2O, situação essa derivada do grande número de veículos
leves em seu território. Além disso, essa é a mesorregião mais populosa do estado, que apresenta a
maior frota veicular, e o maior consumo de gasolina. O Vale do Itajaí possui também a segunda
maior densidade veicular do estado, bem como a segunda maior taxa de veículos per capita
(HOINASKI et al., 2019).
Nesse sentido, considera-se de suma importância a existência de mecanismos de controle e
monitoramento nos níveis de poluentes que são emitidos no município. Os dados apresentados até
aqui, indicam fortemente, a necessidade da efetiva implantação de políticas públicas que garantam
o monitoramento e a redução da emissão de poluentes atmosféricos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, considera-se que identificar as fontes emissoras de poluentes
atmosféricos, é fundamental para enfrentar os desafios relacionados à questão ambiental no
presente século.
Nesse contexto, a área em estudo, assim como o município de Brusque, apresenta uma
quantidade expressiva de fontes fixas e móveis emissoras de poluentes atmosféricos. Uma vez que
há um número considerável de indústrias que desenvolvem atividades geradoras de poluentes
atmosféricos, assim como a frota veicular do município tem apresentado crescimento ao longo dos
últimos anos, culminando na maior emissão de poluentes atmosféricos oriundos de fontes móveis.
Embora tenha-se verificado avanços na legislação voltada para a questão ambiental, as ações
e políticas para evitar ou mitigar a degradação ambiental ainda carecem de mais efetividade. Além
disso, a conscientização, a adoção de práticas sustentáveis, e a participação de toda a sociedade
nesse processo, são fundamentais.
O levantamento de dados que está sendo realizado através dessa pesquisa, mostra-se
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importante no sentido de subsidiar ações e/ou políticas públicas que vão de encontro à diminuição
da emissão de poluentes atmosféricos, buscando a conservação ambiental e a melhoria da qualidade
de vida, uma vez que não existem, até o momento, outras pesquisas ou bancos de dados dessa
natureza, em Brusque.
No entanto, entende-se que os desafios relacionados à poluição atmosférica, vão para além
da identificação das fontes poluidoras, e dos níveis de emissões medidos de forma isolada. É
fundamental monitorar os níveis gerais de poluição, com instrumentos de medição que permitam
a captação de poluentes existentes em espaços diversos. Além disso, é necessário também
diagnosticar as consequências oriundas dessa poluição na realidade em foco, para dessa forma
traçar metas de redução das emissões.
Pensar a questão ambiental, é fundamental para a construção de um mundo socialmente
justo, economicamente viável e ecologicamente correto, ou seja, é fundamental para praticar a
sustentabilidade.
REFERÊNCIAS
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HOINASKI, Leonardo et al. Emissões veiculares no estado de Santa Catarina - ano base 2016. Laboratório de Controle da Qualidade do Ar: LCQAR, Florianópolis, 2019.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Cidades – Brusque. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/brusque/panorama. Acesso em: 16 de set. de 2020a.
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LEAL, Georla C. S. et al. O processo de industrialização e seus impactos no meio ambiente urbano. Revista Qualitas, Campina Grande, v. 7, n. 1, p. 1 – 11, 2008.
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ZONEAMENTO E (TRANS)FORMAÇÃO DA PAISAGEM: O CASO DO BAIRRO SHANGRI-LÁ, LONDRINA (PR)
Caroline Santos de Oliveira (Universidade Estadual de Londrina)
E-mail: carol.santosoliveira@hotmail.com
RESUMO
O presente artigo propõe enunciar uma discussão acerca da lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo (2015), da cidade de Londrina (PR), como um instrumento de planejamento e gestão urbana enquanto agente (trans)formador da paisagem cultural do bairro Shangri-lá, o qual representa um marco legislativo, social, paisagístico e histórico da cidade. Para tanto, tomou-se como partido uma aproximação para com a metodologia de pesquisa “história oral” e um levantamento bibliográfico de abordagem fenomenológica como forma por meio da qual seria possível captar e aferir elementos formais (i)materiais que permeiam a imagem do bairro e, consequentemente, retratam a paisagem cultural. Posteriormente, realizou-se uma análise da legislação vigente do instrumento Zoneamento - objeto do presente trabalho -, de maneira a identificar suas defluências acima da paisagem consolidada. A análise-comparativa permitiu identificar uma tendência de transformação da imagem do bairro, com maiores intensidades em determinadas zonas, de forma a promover uma verticalização ao bairro a priori horizontal. Palavras-chave: Paisagem, Planejamento-urbano, Zoneamento.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que o surgimento da urbe se deu pela ação direta dos seres humanos acima da área
geográfica ocupada. Com isso, o meio construído se torna campo de impregnações materiais e
simbólicas, visto que, segundo Harvey (2011), o corpo (indivíduo) constitui uma entidade porosa
que, em relação ao ambiente, internaliza tudo que existe à sua volta e, da mesma maneira, os espaços
incorporam tudo aquilo que lhe é introduzido; portanto, as áreas urbanas, enquanto detentoras de
grande parte do contingente populacional, representam as manifestações sociais em seu último
significado.
Um laboratório complexo, vivo e tenso, no qual tudo se experimenta, tudo é possível. Aí tanto se afirmam e reforçam como se debilitam e apagam convenções e barreiras, realidades e ilusões. Praticamente tudo o que é possível no nível da sociedade pode manifestar-se, imaginar-se ou realizar-se na cidade. (IANNI, 2002, p. 68 apud MANFREDO, 2007, p. 29)
É por meio desta em que se identifica que os corpos e os espaços, enquanto entidades
porosas (HARVEY, 2011), compreendem multiplicidades culturais em um fluxo contínuo de
trocas que, na esfera urbana, traduzem-se por meio da imagem (i)material consolidada no espaço-
tempo. De acordo com Sauer (1925), a paisagem corresponde ao o cenário vivo das manifestações
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culturais, isto é, a “área geográfica em seu último significado” (p. 57), onde as culturas e identidades
dos corpos exprimem e convergem na materialização dos espaços e se enraízam no meio,
constituindo a denominada “paisagem cultural”.
Desta maneira, apreende-se que tal processo vincula-se diretamente com o sentido de
pertença dos indivíduos para com as áreas geográficas; segundo Simone Weil (2001 apud
GUERRA, 2019), o enraizamento dos corpos se constrói por meio da participação natural na
existência social e espacial, participação a qual é ocasionada diretamente pelo lugar.
Com isso, identifica-se a importância da compreensão da paisagem por meio da localização
das materializações culturais nos lugares, de maneira a reconhecer as identidades e culturas de uma
determinada população e, por conseguinte, corroborar com a existência espacial de conjuntos
históricos-afetivos de uma determinada cidade. Desta maneira, torna-se nítida a necessidade
constante que áreas urbanas possuem de uma assistência técnica, de respaldo jurídico-legislativo, a
fim de viabilizar a permanência de paisagens culturais, de interesse patrimonial e de signos e valores
singulares à história de formação das cidades, bem como às histórias de vida dos usuários.
Para tanto, enquanto objeto de pesquisa, o presente artigo aborda o bairro Shangri-lá, o
qual representa a constituição histórica de um marco legislativo-urbanístico para a cidade de
Londrina (PR), detendo um valor afetivo para os moradores e uma linguagem arquitetural marcante
ao bairro, retratando a cultura dos agentes sociais concretos que o constituiu.
O objetivo principal da pesquisa media justamente a compreensão da paisagem cultural do
Shangri-lá por meio dos moradores, usufruindo-se da metodologia de pesquisa “história oral”,
levantamento de campo e bibliográfico, como forma de reconhecer as culturas (i)materiais
presentes, para que assim seja palpável uma análise comparativa entre as promulgações da Lei nº
12.236 (2015) – Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo no Município de Londrina – com as
constituições de paisagem, de maneira a aferir o caráter do instrumento de planejamento urbano
enquanto um agente de preservação ou transformação do espaço histórico Shangri-lá, o qual
corresponde ao conjunto de jardins: Shangri-lá A, Jardim do Sol e Shangri-lá B (figura 1).
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Figura 1: Localização do bairro Shangri-lá, Londrina (PR)
Fonte: SIGLON. Org.: Autora (2020).
METODOLOGIA
A fim de compreender o processo de formação urbana, o presente trabalho apropriou-se
do procedimento de revisão bibliográfica como forma de localizar teóricos, abordagens e
procedimentos de pesquisa científica aplicáveis à proposta do estudo.
Com isso, identificou-se a metodologia “história-oral” como fonte primária de
informações, visto que tal processo corresponde a uma abordagem de cunho qualitativo na qual,
segundo Bourdieu (2006), os relatos orais dos entrevistados estão diretamente vinculados ao
espaço, construindo movimentos de expressão/falas que se constituem em meio à paisagem e, por
conseguinte, retratam as transformações e permanências dos lugares. Observa-se, portanto, uma
aproximação para com a fenomenologia, proporcionando ao estudo uma recuperação das
dimensões socioculturais e psicológicas, valorizando as percepções coletivo-individual que
ocorrem intuitivamente em meio ao espaço (NASCIMENTO; COSTA, 2016), construindo no
consciente e semiconsciente fortes imagens acerca da paisagem, remontando culturas e identidades
que conformaram o local (LYNCH, 1960) e, consequentemente, fatores que proporcionam ao
bairro Shangri-lá sua identificação enquanto área histórica e patrimonial à cidade de Londrina (PR).
O quadro 1, sintetiza o procedimento metodológico de maneira ampla, ressaltando a ordem
cronológica da pesquisa.
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Quadro 1: Síntese de procedimento metodológico
Ordem Procedimento Especificação
1 Revisão bibliográfica: conceitos
Paisagem; patrimônio; formação das cidades; produção (capitalista) dos espaços; enraizamento; morfologia urbana;
fenomenologia; e, história-oral.
2 Fichamento bibliográfico Por autor e área do conhecimento
3 Revisão bibliográfica: bairro Shangri-lá
História de formação; agente sociais que concretos que promoveram o bairro; estruturação urbana (morfologia);
componentes de paisagem; caráter patrimonial; e, legislação (zoneamento)
4 Levantamento de campo Fotográfico e de observação
5 Entrevista: “história oral” * -
6 Análise-comparativa Lei nº 12.236 (2015) – Zoneamento e paisagem cultural
consolidada
* Especificado no Quadro 2
Organização: Autora (2020).
Em detrimento do processo de isolamento social, decorrido a partir de março de 2020 na
cidade de Londrina (PR), motivado pelo estado de pandemia ocasionado pelo Coronavírus, o
levantamento de campo desenvolvido se ateve à compreensão espacial, utilizando-se da fotografia
e observação in loco, e restringindo o procedimento metodológico “história oral” às entrevistas
indiretas, por meio de bibliografias que se aproximassem para com a fenomenologia e as histórias-
de-vida, tendo como referencial teórico principal Cesário e Magalhães (2016); bem como a
utilização de entrevistas partindo de suportes virtuais, como evidenciado no quadro 2.
Quadro 2: Entrevistas qualitativas no bairro Shangri-lá
Entrevista Identificação Residente ®
Comerciante © Anos no bairro Situação
1 Homem / adulto ® 22¹ Virtual
2 Mulher / adulta ® 37¹ Virtual
3 Homem / adulto ® 48¹ Virtual
4 Mulher / idosa ® Mais de 20* p. 107-113**
5 Homem / adulto © Não informado p. 113-116**
6 Homem / idoso ® 38² p. 116-122**
7 Mulher / adulta ® 42² p. 123-129**
8 Homem / idoso ® © 49² p. 129-133**
9 Mulher / adulta ® © Não informado p. 133-137**
10 Mulher / adulta ® © 44² p. 137-142**
Ano de referência: 2020¹; 2016² * Não especificado pelo(a) entrevistado(a). ** Cesário e Magalhães (2016).
Fonte: Trabalho de Campo (2020); Cesário e Magalhães (2016). Org.: Autora (2020).
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Priorizaram-se nas entrevistas de cunho virtual moradores do perímetro do Jardim do Sol,
visto que a bibliografia principal não apresenta relatos orais dos usuários desta parte do bairro,
concentrando-se majoritariamente em entrevista com os residentes do Shangri-lá A e, de maneira
secundária, do Shangri-lá B.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
De acordo com Cesário e Magalhães (2016), ao longo das décadas de 1940 e 1950, a cidade
de Londrina (PR) se encontrou em um processo de rápido desenvolvimento e urbanização, no qual
o grande crescimento fora acompanhado por um almejo e materialização de urbs moderna
(YAMAKI, 2003). Segundo Lopes (2010), Londrina apresentara uma demanda por espaços
urbanos dotados de equipamentos e infraestrutura pública, acompanhada de uma necessária
expansão urbana, visto que ocorrera um aumento populacional significativo. Em vista disso,
tornara-se demasiadamente importante que a cidade passasse pelo primeiro processo de criação de
uma lei de regulamentação efetiva do solo urbano que, até então, constituía-se pela reunião de
decretos pontuais.
Desse modo, surge a Lei 133 de 1951, à consultoria de Prestes Maia, materializando a utopia
de “cidade progresso”, disciplinando a ocupação da malha urbana, de forma a promover uma
estética de produção da cidade e, consequentemente, da paisagem. Propunha-se a aplicabilidade de
conceitos e ideologias urbanísticas como: cidades lineares, cidades e subúrbios jardins, unidade de
vizinha, dentre outros (LONDRINA, 1951; YAMAKI, 2003; LOPES, 2010; CESÁRIO;
MAGALHÃES, 2016).
Neste cenário, desenvolveu-se o primeiro loteamento que compõe o conjunto de três
jardins do atual bairro Shangri-lá: o Shangri-lá A. Com aprovação em 1952 (LOPES, 2010), o jardim
representara a consolidação da emergente aristocracia de Londrina (PR); o projeto, segundo
Lamounier (2006), fora encomendado de São Paulo, advindo da Imobiliária Ypiranga, a qual
denominava o novo empreendimento enquanto o “Bairro Aristocrático de Londrina”, visto que
corresponderia ao primeiro bairro inaugurado dotado de asfalto, água, luz, arborização nas ruas, e
demais infraestruturas, provido de um traçado “orgânico” da malha urbana o qual remontava
diretrizes dos subúrbios jardins.
Em concomitância, implantara-se o Mercado Shangri-lá – inaugurado em 1954 – que,
posteriormente, fora elevado ao título de Mercado Municipal. Esta iniciativa representava uma
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tentativa de criação de um polo autossuficiente e independente da estrutura inicial da cidade
aludindo o caráter aristocrático-moderno do espaço.
Em contraponto a tal perspectiva, surge em 1955 o Shangri-lá B e em 1959 o Jardim do
Sol, os quais detinham públicos alvo distintos à realidade do Shangri-lá A, com lotes menores e
possibilidade de 80 a 100 prestações para seu pagamento (ALVES, 2002). Apesar de apresentarem
uma mesma linguagem urbanística no que se refere à malha urbana, a paisagem que se conformara
nos três jardins manifestava diferentes linguagens arquitetônicas. O Shangri-lá A com casas em
alvenaria, dotadas de “pilares delgados e grandes vidraças, bem como telhados borboleta
(platibanda em ‘V’)” (LAMOUNIER, p. 192), aproximando de uma tentativa (tímida) dos
engenheiros da época em reproduzir uma arquitetura dita modernista (CESÁRIO; MAGALHÃES,
2016); e o Jardim do Sol e Shangri-lá B com uma cultura que se aproximara à vernacular
predominante no início de Londrina, com edificações majoritariamente em madeira apropriando-
se da técnica “mata-junta”, dotadas de varandas frontais, rendilhados em madeira próximos à
cobertura, telhados de duas ou mais águas com telhas cerâmicas e, em alguns caso, uma implantação
em “vila”; “A fim de saldar mais rapidamente a dívida, os novos moradores construíam mais uma
casa ou edícula no lote para fins de locação” (ALVES, 2002, p. 176), trazendo uma perspectiva de
uma constituição figurativa ao espaço, compondo ruas-corredor e uma polifuncionalidade à área.
Estas dicotomias de paisagem se tornam nítidas a partir da figura 2, a qual sintetiza de
maneira visual os elementos expostos, centrando-se no Shangri-lá A e no Jardim do Sol, visto que
a volumetria formal do Shangri-lá B assemelha-se fortemente ao Jardim do Sol.
Figura 2: Tipologias residenciais
Fonte: Lamounier (2006); Zani (2013); Trabalho de Campo (2020). Foto: Autora (2020).
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Observa-se, com isso, um caráter primordialmente horizontal que constrói a paisagem
cultural, na qual as relações entre os usuários se promovem, retratando sentidos entre público-
privado, seja por meio da implantação em “vila”, ou de atividades culturais relatas nas histórias-
orais.
Isto posto, para identificação das características formais de composição arquitetônica,
encontrou-se na “história oral” uma maneira de a verificar a imaginabilidade que viabiliza o
reconhecimento das paisagens patrimoniais. Com isso, as entrevistas qualitativas (bibliográficas e
virtuais) foram sistematizadas de maneira compatibilizar denominadores em comum nos relatos
orais, capazes de traduzir os signos de identidade que se perpetuam no bairro Shangri-lá, sendo
identificados 13 níveis de signos palpáveis à realidade (i)material do bairro (Figura 3).
Figura 3: Gráfico síntese dos signos na paisagem do Shangri-lá a partir das entrevistas
Fonte: Trabalho de Campo (2020). Org.: Autora (2020).
Com isso, valida-se o reconhecimento espacial que o bairro detém, aludindo marcos
afetivos e urbanísticos da cidade, em conjunto com o “Plano de Preservação do Patrimônio
Cultural de Londrina” (YAMAKI, 2003), visto que tanto o Plano quanto os relatos orais abordam
o Shangri-lá como um dos bairros de grande importância urbano-paisagístico-arquitetônico.
Observa-se que, quantitativamente, os indivíduos chave entrevistados reconhecem e se identificam
em maio à paisagem, desenvolvendo os sentido de enraizamento, visto que caracterizam a
importância patrimonial, histórica e afetiva do bairro, bem como identificam o recorrente processo
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de verticalização que está em consolidação, localizando os edifícios verticais enquanto intervenções
destoantes à paisagem do bairro. Não obstante, também há relatos que vinculam tal processo de
desapropriação da imagem do Shangri-lá, com a mudança de gerações entre os residentes, seja pelo
envelhecimento e falecimentos dos moradores remanescentes do período de criação, ou pela
ocupação de novos grupos advindos de outros municípios/regiões de Londrina (PR).
Posto isso, observa-se que o Zoneamento estipulado pela Lei nº 12.236 (LONDRINA,
2015) ao bairro apresenta divergências majoritariamente referente ao tamanho dos lotes que, por
sua vez, remonta os ideais propostos para a criação dos três jardins, isto é, o Shangri-lá A, com
grandes datas e edificações isoladas, permeando o caráter-ideário aristocrático; e o Shangri-lá B e
Jardim do Sol, com lotes menores, muitas vezes possuindo mais de uma edificação per data
(implantação em “vila”).
Nota-se que o as zonas estipuladas às diferentes regiões do bairro (sintetizadas no quadro
3) trazem à tona um falso ideário de modernização, visto que, indiretamente, incentivam a
verticalização – em algumas zonas com menos intensidade e outras com mais –, signo
contemporâneo de urbs moderna. Além disso, também propõe ao Shangri-lá uma
polifuncionalidade que, a partir do gráfico de implicações de transformação e permanência do
bairro Shangri-lá (Figura 4), encontra-se um almejo por uma Londrina (PR) de economia em
ascensão.
Quadro 3: Zoneamento por Jardim: Shangri-lá
Perímetro Zonas
Shangri-lá A ZR-1, ZR-4, ZR-5 e ZC-3 Jardim do Sol ZR-3, ZC-4 e ZC-5
Shangri-lá B ZR-3 e ZC-5
Fonte: Londrina, 2015. Org.: Autora (2020).
Observa-se, por meio da Figura 4, que a tendência de verticalização se sobressai à todas as
zonas, como também uma valorização da esfera comercial, incentivando um ordenamento do
território vinculado à realidade da produção do espaço capitalista de promoção da lógica do
acúmulo do capital, intensificada pela inflação imobiliária que a verticalização viabiliza, e pelo
incentivo à incorporação de grandes empreendimentos comerciais às áreas majoritariamente
horizontais e residenciais.
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Figura 4: Zoneamento - Implicações de permanência e transformação na paisagem: Shangri-lá
Fonte: Trabalho de Campo (2020); Londrina (2015). Org.: Autora (2020).
A sistematização gráfica compreende uma análise sintética das implicações diretas que cada
zona determina aos espaços; como também identifica as agências subjacentes, isto é, as ações
secundárias e ideológicas que as predefinições materiais impõem à paisagem cultural. O presente
estudo não tem por objetivo uma quantificação do processo de pesquisa qualitativa, mas vê na
estruturação gráfica uma oportunidade de sistematização sucinta como forma por meio da qual se
pode expor os instrumentos de planejamento e gestão urbana, evidenciar as redações legislativas
com influências (in)diretas e, assim, consolidar uma avaliação do caráter qualitativo, isto é, dos
instrumentos enquanto agentes de permanência e/ou transformação urbana. Denuncia-se, a partir
disso, as imposições materiais, por muito regido pela lógica do capital, que culminam em
alterações/promoções das paisagens culturais imateriais.
O gráfico síntese (Figura 4) enuncia o processo contínuo de desapropriação recorrente da
imagem do bairro do Shangri-lá, configurando o instrumento de Zoneamento, Uso e Ocupação do
Solo como um agente de forte (trans)formação da paisagem e que, por muitas vezes, é guiado por
ideologias destoantes as realidades dos usuários (in)diretos que, por sua vez, consolidam raízes,
culturas e identidades em meio ao espaço.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do trabalho de campo desenvolvido e levantamento teórico-bibliográfico, de
abordagens qualitativas, por meio da metodologia “história-oral”, para a compreensão da paisagem
urbana, bem como das identidades culturais e valores histórico-afetivos, pôde-se apreender o
caráter patrimonial da paisagem do Shangri-lá – em concomitância com Yamaki (2003) –, bem
como as dicotomias existentes ente cada jardim constituinte do bairro; com isso, foi possível
mensurar (qualitativamente) as implicações que os instrumentos de planejamento e gestão urbana
catalisam na urbe.
Vê-se necessário, de acordo com as análises viabilizadas pelo levantamento de campo e
bibliográfico, a indispensabilidade do respaldo legislativo a fim de se promover as permanências
dos signos incrustrados na paisagem, capazes de condicionar o enraizamento e, desta maneira,
minimizar os efeitos do medo urbano. Contudo, com as análises comparativas, observou-se que o
instrumento Zoneamento (LONDRINA, 2015), em detrimento da lógica capitalista de produção
do espaço, configura-se, a priori, enquanto um agente transformador, em detrimento de deter
ideologias, muitas vezes veladas, em promulgações generalistas, as quais indiretamente incentivam
a verticalidade dos espaços e a implantação de grandes corporações.
O presente estudo não se torna uma especulação desmedida com intuito de inviabilizar o
processo de verticalização e/ou comercialização dos bairros, mas uma exposição e compreensão
de que os instrumentos dispõem um poder capaz de mitigar os efeitos de alteração da imagem dos
bairros, promover a permanência da paisagem cultural e, assim, viabilizar o enraizamento dos
corpos na urbe.
REFERÊNCIAS
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A FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA A PARTIR DA LÍNGUA: AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE O NHEENGATU, O DIALETO
CAIPIRA E A LÍNGUA PORTUGUESA
Osmar Fabiano de Souza Filho (Universidade Estadual de Londrina)
E-mail: osmarfabiano980@gmail.com
RESUMO
A formação do território brasileiro, pode ser analisada de múltiplas maneiras. Um aspecto ainda novo, e não muito difundido na geografia, é analisar a formação territorial a partir da língua. Território, deve ser analisado, tanto em uma perspectiva unifuncional – aquela que gera o território voltado para os interesses do capital, como multifuncional – que traz diferentes concepções espaço-temporais de inúmeros povos, estes que atribuem sentidos e percepções à formação do território. A pesquisa aqui desenvolvida, justifica-se nas insuficientes pesquisas envolvendo a geografia, e o uso da língua, como elemento de dominação para a constituição de um território, bem como, tem como objetivo propor uma maneira alternativa de se refletir a constituição do Brasil nação e a atualidade. É sabido que desde os primórdios do saque, promovido pelos portugueses, no Brasil ocorreu a destruição de inúmeras línguas e gêneros de vida, configurando assim um grande genocídio, sobretudo de indígenas, todavia, o trabalho aqui posto se coloca espaço-temporalmente no período pós-1808, uma vez que é neste período histórico-geográfico que os interesses portugueses e o papel do Brasil colônia sofre transformações. Está pesquisa, se dá como uma pesquisa teórica, que se coloca como parte de um possível debate a ser feito na Geografia envolvendo que o estudo da língua, se propõe, também, como um estudo inacabado, pois a proposta aqui é levantar algumas reflexões acerca de um elemento simbólico muito importante para as relações de poder. Palavras-chave: Território, Brasil, Língua. INTRODUÇÃO
Discutir a formação territorial, e do próprio espaço, na Geografia possui complexidades,
devendo ser considerado para tal as múltiplas relações de poder que se manifestam por inúmeros
elementos na constituição do território. Com a dominação da compreensão espaço-temporal de
uma sociedade, influenciando assim a sua prática social, legitima-se o território e a formação
espacial. Neste sentido, elementos que envolvem aspectos culturais, políticos, econômicos e sociais,
são colocados na ribalta das relações de poder, visando serem dominados por grupos que, partindo
disso constituem o território.
Com esta perspectiva, este trabalho, é um resultado, inconclusivo, de uma tentativa de
trazer a reflexão acerca da língua como um elemento de disputa territorial, ou seja, estando ela
diretamente envolvida nas relações em disputa para a constituição do território. Assim, o elemento
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do trabalho é a questão da língua e seu papel na formação territorial brasileira, algo não muito
difundido na Geografia (SOUZA, 2020).
Deve ser compreendido que a questão da língua por si só não é um mero instrumento
reprodutor de símbolos, uma vez que estes, possuem significados e intencionalidades, carregando
consigo funções, sejam elas de comunicação, organização ou mesmo da transmissão. Dessa forma
a língua carrega em si um poderoso meio de identidade de uma população e de sua cultura, sendo
assim, alvo potencial das relações de poder.
Evidencia-se é que as relações de poder no que envolvem a língua, são de suma
importância para a constituição de um território, onde um grupo dominante, impõe seu modo de
produção e de consumo, de organização, de compreensão espaço-temporal, e impõe também a sua
língua, já que a mesma é criada no processo do trabalho que humaniza o homem, bem como é o
meio pelo qual se utiliza a sociedade para a expressão e compreensão da realidade. Com isso em
vista, deve ser questionado, como lembra Raffestin (1980), o porquê certas línguas como o Inglês
ocupam grandes espaços, enquanto o italiano é restrito ao espaço local? Trazendo essa discussão
para a sociedade brasileira: Por que no Brasil a língua portuguesa ocupa espaços enormes, enquanto
o nheegatu e o dialeto caipira são marginalizados, e mesmo criminalizados, na sociedade?
O nheegatu e o dialeto caipira são línguas criadas por meio do trabalho, da atividade
produtiva humana com a natureza, esta enquanto categoria ontológica ao ser. No processo de se
fazerem enquanto humanos, os seres constituem significados e símbolos para se expressarem e
compreendiam-se entre si por estas formas de comunicação criadas por meio desta prática social,
assim, a língua viria a desenvolver-se para que os povos sanassem dificuldades ou mesmo para
aprimorem suas habilidades, além claro, de expressarem seus sentimentos e suas sensações,
constituindo assim suas noções espaço-temporais de onde viviam. Todavia, a língua se constituí,
também, enquanto um elemento de legitimação territorial (RAFFESTIN, 1980).
Parte-se do princípio de que a dominação da língua é fundamental para a constituição do
território, pois é através da mesma que a sociedade expressa seus sentimentos, que constroem
significados e desenvolvem-se noções espaço temporais. A língua é fruto direto do processo
humanizador do homem pela natureza. A proposta do trabalho, então, é por meio da análise do
recorte temporal pós-1808, com a vinda da corte portuguesa para o Brasil colônia, refletir sobre a
formação territorial brasileira considerando a língua como importante recurso de dominação para
a constituição e legitimação do território.
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Por fim, busca-se também refletir acerca de como a língua se faz, e se fez, importante para
a formação territorial brasileira, considerando duas línguas desenvolvidas popularmente que foram
criminalizadas, popular e legalmente, o nheengatu e o dialeto caipira em relação a língua portuguesa,
hoje considerada a oficial do país. Esta pesquisa se justifica na importância de discutir a formação
territorial brasileira sobre os inúmeros aspectos, pois, é na compreensão da formação territorial
brasileira que se torna possível propor alternativas e caminhos diferentes, visando promover uma
sociedade diversa e plural
METODOLOGIA
Sendo este um trabalho, fruto de uma reflexão teórica, o mesmo procura refletir,
considerando a presente realidade brasileira, como formou-se o atual estado de coisas no território.
Usando a língua como recorte busca-se colocar uma nova possibilidade de reflexão da
realidade brasileira. A metodologia para o trabalho dividiu-se em duas partes: a análise bibliográfica
desenvolvidas em livros e artigos sobre o assunto língua e território, bem como a pesquisa referente
ao conceito de língua, ao nheegatu, e o dialeto caipira. Por fim, a segunda parte consistiu na análise
e reflexão de todo material, e a produção deste trabalho.
.
DOMINAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO TERRITÓRIO: AS RELAÇÕES DE PODER
NA ANÁLISE DA FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA A PARTIR DA LÍNGUA
A formação da língua coincide com a própria formação do homem enquanto ser
humanizado. Marx (2010) nos Manuscritos de 1844, defende que o homem, deve ser compreendido
enquanto homem, torna-se humano pelo processo do trabalho. Trabalho, nesta perspectiva, não
deve ser compreendido enquanto emprego, ou trabalho assalariado, e sim, analisado, enquanto
categoria ontológica ao ser, isso é, enquanto aquilo relativo ao ser em si mesmo, e colocado
enquanto uma atividade produtiva, e assim, torna-se o que humaniza o homem, com a natureza
possuindo um importante papel neste processo.
É por meio da atividade produtiva, leia-se trabalho, na natureza que o homem se humaniza
(MARX, 2010). Essa atividade aplicada sobre os elementos naturais faz com que o homem produza
valor, este valor é agregado em si, na sua constituição, e desenvolvendo novas capacidades e
habilidades, e para si, pois é onde tira-se algum proveito direto do seu trabalho (MARX, 2010).
Neste caminho, para além de transformar a natureza por meio da atividade produtiva, homem
(trans)forma a si mesmo por meio destas ações, pois é, utilizando-se delas que se desenvolve as
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suas habilidades, percepções, sentimentos, valores, e a necessidade de se comunicar através de
linguagens e da língua (RAFFESTIN, 1980).
Com isso em vista, a língua carrega um valor simbólico muito importante na constituição
do ser humanizado. É por meio da língua que se torna possível a atribuição de significados ao meio
que se vive, que se constituem e se propagam, por meio de mensagens, as concepções de espaço-
tempo desenvolvidas. Cada comunidade, assim, tem o desenvolvimento de sua língua conforme as
suas compreensões da realidade e suas necessidades, e as usa para mediar as relações políticas,
econômicas, sociais e culturais de um dado espaço no tempo (RAFFESTIN, 1980).
Deve ser compreendido que a língua por si só não é um mero instrumento reprodutor de
símbolos, uma vez que estes, possuem significados e intencionalidades, desenvolvidas pelas
relações de trabalho, e carregam em si funções, sejam elas de comunicação, organização ou mesmo
da transmissão de ideias, símbolos e aspectos da própria constituição humana. A língua, assim,
carrega um poderoso meio de identidade de uma população e de sua cultura, colocando-se
enquanto potencial alvo das relações de poder na constituição de um território (RAFFESTIN,
1980).
Desta feita, é que pelas relações de poder, no que envolve a língua, a tornam importante
para a constituição de um território. É na busca por legitimação em um espaço que um grupo
dominante, impõe seu modo de produção e de consumo, sua concepção das relações de trabalho,
do espaço-tempo, bem como impõe a sua língua. Traz-se, assim, como lembra Raffestin (1980), a
problematização de o porquê certas línguas como o Inglês ocupam grandes espaços, enquanto
outros são restritos ao espaço local? Trazendo essa discussão para a sociedade brasileira: Por que
no Brasil a língua portuguesa ocupa a totalidade do território brasileiro, enquanto o nheegatu e o
dialeto caipira são relegados a ocupar espaços locais?
Na reflexão desta pergunta encontra-se a problemática da própria formação territorial
brasileira. Desde 1500, a data oficial do início do saque feito por Portugal no Brasil, este território
perdeu inúmeras características culturais daquilo que lhe pertencia e que o constituía até então.
Sociedades indígenas foram inteiramente dizimadas, múltiplas concepções de mundo, de
compreensões espaço-temporal, da reflexão homem-natureza e as múltiplas línguas, que faziam
parte do hoje compreendido território brasileiro, desapareceram intencionalmente tamanho era o
processo de violência. Os gêneros de vida alternativos, contrários, com outra racionalidade, e outra
forma de ser e estar no mundo comparado aos dos povos europeus (estes com base capitalista)
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sumiram no espaço e no tempo, com suas múltiplas peculiaridades e humanidades que foram
exterminadas pelos europeus que olhavam para estas terras como colônia de exploração.
Salienta-se, assim, que este extermínio de povos com outras compreensões espaço-
temporais fez parte do processo de dominação que Portugal tinha nestas terras na busca de fazer
desta parte do seu território. Com a busca de dominar o espaço e constituir dele parte de seu
território, justifica Portugal ter empreendido no Brasil, de então, as suas concepções e noções de
espaço-tempo, impondo também a sua linguagem e entendimento da realidade, uma vez que a
mesma faz como importante recurso de sua expressão e do vivido, tornando-se um dos elementos
essenciais para constituição e afirmação do território. Com estes aspectos que se afirmam as
compreensões territoriais de fato, onde por meio das relações de poder, as concepções dos
dominantes são impostas aos dominados, homogeneizado a percepção de ser e estar espaço-
temporal de uma dada sociedade e legitimando a constituição do território (RAFFESTIN, 1980).
Mesmo com o extermínio, já citado, dos povos indígenas, em 1808, com a chegada da
coroa portuguesa no Brasil, fugida de Napoleão Bonaparte, têm-se o desenvolvimento de uma
nova forma de se relacionar com o território brasileiro. Se antes era visto enquanto colônia, o Brasil
passa a ser a sede do governo do reino de Brasil, Portugal e Algarve (GOMES, 2014). O território
brasileiro passa, assim, a ter de ser ainda mais dominado e consolidado segundo as concepções da
elite dominante, no caso a portuguesa, composta pelas elites dominantes locais brasileira de então,
se fazia com o baronato da época, bem como as elites da corte e do clero.
Neste caminho dominar o território é homogeneizá-lo segundo a concepção da elite
dominante. Impõe-se elementos tido como oficiais pela Corte portuguesa, já que por meio destes
elementos, que faziam do território invadido, algo legítimo como seu. A língua, as compreensões
de espaço-tempo, os diferentes povos, para os portugueses tornam-se importante seguimentos de
se dominar visando assim assegurar que o Brasil, que reivindicava enquanto seu, seria aquilo que
eles queriam que fosse, de modo a atender aos seus interesses.
Sendo línguas desenvolvidas pela vivência popular, e ainda utilizadas nos rincões brasileiros,
o nheegatu e o dialeto caipira, foram línguas desenvolvidas pelo trabalho do povo dominado e sua
relação dialética com a natureza. Suas características fonéticas não importam nesta análise, muito
menos qualquer juízo de valor acerca de sua estética linguística, o que se faz importante é
compreender como os povos caboclos e indígenas constituíram-se enquanto fruto de sua atividade
produtiva, desenvolvendo com ela, habilidades, necessidades, complexidades, gêneros de vida, e a
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sua língua e formas de se expressar, e como isso foi retaliado pelas elites do Brasil de então para a
constituição do território.
O nheegatu e o dialeto caipira foram línguas criadas por meio do trabalho, da atividade
humana com a natureza, enquanto categoria ontológica ao ser, que ao se constituírem enquanto
humanos constituíram significados e símbolos que ao se expressarem os compreendiam por estas
formas de comunicação criadas por meio desta prática social, assim, a língua viria a desenvolver-se
para que os povos sanassem dificuldades ou mesmo aprimorassem habilidades, além, claro de
expressarem seus sentimentos e suas sensações, e constituindo assim suas noções espaço-temporais
de onde viviam.
Afirma-se, desta forma, que a língua nheegatu e o dialeto caipira não são meras linguagens
ou maneiras de se comunicar, mas estão relacionadas com a própria compreensão de ser enquanto
ser de um povo. Essas línguas carregam consigo, para além de um entendimento do espaço e do
tempo, a compreensão do próprio homem enquanto homem, pois, é com essa língua que se
expressa o fruto de trabalho que lhe humaniza.
Com a corte portuguesa no Brasil, e na busca de aplicar aqui seus interesses voltados ao
desenvolvimento econômico capitalista, o Brasil, visto pelos dominantes, deveria ser alçado à
modernidade. Enquanto estrutura social, a mesma deve ser compreendia como a estruturação de
um ideário, uma concepção espaço-temporal, que influência diretamente as concepções políticas,
sociais, e econômicas, e que carregam o ideário do capitalismo europeu. A modernidade se constitui
com a ideia de homogeneidade, racionalidade, de normas, de padrões a serem seguidos, de
harmonia, voltado, claro, para atender aos interesses da (re)produção do capital (HARVEY, 1992).
Com todo o cenário de fuga e de crise que passava o império português, a dominação do
Brasil torna-se de suma importância para a manutenção do império. Dominar significava também
dominar as línguas aqui existentes, pois, ao dominá-las, dominava-se também a maneira de como
a população atual e futura expressavam seus sentimentos, suas sensações e relações, além do que a
homogeneidade se torna importante para a reprodução do modo de produção capitalista. Neste
contexto, que as línguas genuinamente brasileiras, que foram usadas correntemente pelos
brasileiros de origem ibérica como língua de conversação cotidiana, até o século 18, foram proibidas
pelo rei de Portugal. Apesar de que mesmo assim continuaram sendo faladas, tornando-se, também,
um símbolo de resistência à dominação da corte e da sociedade capitalista (MARTINS, 2020).
A proibição do uso do nheegatu representa a institucionalização pelas relações de poder
que gerem o território, dá legitimidade a uma língua em detrimento da outra e criminaliza no ideário
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social a diferença que constituem outros povos. É nesse sentido, que a compreensão espaço-
temporal desenvolvida e difundida pela estrutura social, segue a imposta pelas elites dominantes. A
língua portuguesa, passa assim a ser o sinônimo de moderno, de correto, de êxito social, possuí-la
era reproduzir o êxito da elite dominante, sem sê-lo. O nheegatu e o dialeto caipira, em
contrapartida, torna-se o atraso, o informal, o sem valor social segundo os interesses dominantes
do capital (MARTINS, 2020).
Essa problemática em questão, pode ser visualizada por meio das informações divulgadas
pelos meios de comunicação, que sendo enormemente difundidas, tornam-se corretas para o
conjunto da sociedade que tenta, e são desde cedo orientadas, a reproduzi-las. Os interesses da elite
dominante assim penetram o espaço, e constituem a homogeneidade da concepção espaço-
temporal, a do capital, que constituem, assim, o seu território, onde a sua legitimação está posta em
várias instituições sociais, que acabam tornando-se naturalizadas, tidas como espontaneidade da
natureza e não mais vistas como impostas dentro de relações de poder entre classes sociais.
Todavia, deve ser considerado que a imposição de uma nova compreensão do espaço-
tempo, por meio da língua, destrói a própria percepção do ser enquanto ser. Pois, uma vez alijado
de sua língua, aquilo que é fruto de sua atividade produtiva na natureza, e que o constitui enquanto
ser, o humano em questão passa a reproduzir o ideário dominante que não lhe é próprio e não é
mais o ser que se constitui daquilo que é e faz.
Dentro da perspectiva da propriedade privada, colocada na sociedade moderna capitalista,
isso se expressa enquanto negação daquilo que é. Marx (2010), nos Manuscritos de 1844,
desenvolve a ideia de que a propriedade privada gera o aspecto econômico e político da alienação.
O processo de alienação ocorre quando o ser humano não se reconhece enquanto sua própria
natureza, não se reconhece na atividade que desenvolve, não reconhece a espécie humana, e não
se reconhece em relação com o outro. E todo esse processo acontece com a propriedade privada,
que gera a negação da essência humana, pois, se o homem se humaniza quando desenvolve sua
atividade produtiva, no modo de produção capitalista ele a desenvolve mediante ao pagamento do
seu salário (MARX, 2010).
O trabalho assim, desloca-se de categoria ontológica de formação do homem enquanto
humano, para ser o mero supridor da manutenção de sua vida. O trabalho que é desenvolvido não
se constitui mais naquilo que desenvolve suas habilidades, percepções, sentimentos e sensações, o
trabalho passa a ser aquilo que vai possibilitar a remuneração adequada para que ao fim do mês o
homem consiga consumir o mínimo para a manutenção de sua vida. Seu trabalho não era mais para
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seu desenvolvimento e humanização, e sim para a constituição seu salário que lhe proveria os bens
necessários para manutenção da vida. Neste sentido, seu trabalho não lhe pertence mais, ele o
vende a um terceiro em troca de dinheiro (MARX, 2010).
Neste caminho, o domínio da língua se faz necessário para que a compreensão espaço
temporal do trabalho, segundo o capitalismo, seja difundida em larga escala. Essa foi a justificativa
para que o rei de Portugal e as elites proibissem, nessas terras, as línguas usadas e criadas pelo povo
que aqui vivia e pelo seu trabalho se constituía. A homogeneização e a institucionalização levariam
muitos, e marginalizaria socialmente outros tantos, a reproduzir o ideário dominante do capital e,
por fim desumanizar uma parte considerável da sociedade.
O Brasil que hoje, ataca os povos indígenas, acaba com a diversidade dos biomas pantanal
e amazônico, que mata trabalhadores no campo e na cidade, sobretudo negros, que mata mulheres,
e que impõem o neoliberalismo mais atroz, é o mesmo Brasil que dominou e unificou a língua e
marginalizou quem tinha as suas e se constituíam das suas.
Com isso em vista, deve ser valorizada a resistência do povo caboclo, do caipira com seu dialeto, e
dos povos indígenas com o nheegatu, pois, é com a sua resistência que ainda mesmo que
marginalizado, pela sociedade capitalista que instaurou-se no Brasil, resistem e constituem gêneros
de vida e compreensões espaço-temporais distintas daquela do capital, onde por meio do trabalho
os seres humanizam-se e desenvolvem enquanto seres humanos, e não na busca incessante pelo
lucro que é propagada pela modernidade e pela sociedade capitalista. .
PARA REFLETIR O BRASIL DE HOJE E PLANEJAR O PAÍS DE AMANHÃ
A formação do território brasileiro ainda não acabou, a mesma deve ser vista enquanto um
processo contínuo, que envolve conflitos e relações de poder entre diferentes povos com distintas
compreensões espaço-temporal. A escrita deste artigo, em 2020, encontrou um país de terra
arrasada, onde 150 mil brasileiros e brasileiras morreram, até a data da escrita deste artigo, em
decorrência de um vírus e da negligência de autoridades que poucas ações tomaram para combater
a disseminação do vírus e da doença.
É com este cenário, que o Brasil de hoje sofre a sangria de queimadas que estão ocorrendo
na Amazônia e no Pantanal acabando com a biodiversidade e com biomas importantíssimos para
o equilíbrio natural do país. O país de hoje é aquele que não protegeu os povos indígenas da
pandemia que ocorre, e milhares, ao morrerem, são enterrados em valas comuns, não tendo a
dignidade nem de um sepultamento conforme sua cultura.
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No Brasil de hoje, a homogeneização do ideário capitalista trazido pela Coroa portuguesa
parece ter-se confirmado. Uma vez que no meio de todo esse cenário catastrófico de 2020, os
governantes tentam estabelecer uma nova normalidade. Universidades estão funcionando, eventos
científicos acontecendo, tudo está sendo adaptado segundo as tecnologias existentes. Mas, cadê a
compreensão da espécie humana e o valor da vida? Onde foi parar o sentimento da coletividade
de uns em relação aos outros? Ao que parece a alienação, promovida pela propriedade privada e
pela dominação da língua pode ter se confirmado.
Todavia, existem locus de resistência em muitos lugares que devem ser valorizados. É o
homem camponês e a mulher camponesa que ainda conseguem estabelecer uma outra relação com
o meio natural que vive e não o explorar visando o lucro. São os povos indígenas que ainda
conseguem, por meio de sua diferente compreensão espaço temporal, estabelecer o vínculo de
humanidade com aquilo que o humaniza. E são os demais grupos variados, que resistindo a
compreensão do espaço-tempo capitalista, formam a resistência contra hegemônica ao capital.
São a esses grupos sociais que pertencem a percepção da humanidade e da constituição do
ser humano, e é talvez, por meio deles que a sociedade possa conseguir se contrapor a essa
sociedade capitalista, que mostra mais uma vez que fracassou, já que é responsável direta pelo vírus,
que podem surgir alternativas de compreensão de espaço tempo onde a sociedade seja humana de
fato. Sendo humana e não alienada, a sociedade brasileira poderá valorizar e se constituir daquilo
que de verdade é e do que cria pelo seu trabalho, e não será visto desta forma a homogeneização
cultural que destrói línguas, gêneros de vida e outas compreensões da realidade que existem.
Portanto, se faz de suma importância, para compreender o passado e o presente, e imaginar
o futuro, valorizar a diversidade que constitui o Brasil de fato, e não o Brasil constituído pelos
ideários modernizantes capitalistas.
REFERÊNCIAS
GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. Globo Livros, 2014. HARVEY, David. Condição pós-moderna. Edições Loyola, 1992. MARTINS, José de Souza. O senso comum e a vida cotidiana. Editora Contexto: São Paulo, 2020. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Boitempo Editorial, 2010.
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SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; CARLOS, AFA. A produção do espaço urbano. São Paulo: Contexto, 2020. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Editora Ativa: São Paulo, 1980.
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ESPIRAIS DE ILUSÃO: DA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL À JUSTIÇA ESPACIAL
João Henrique Zoehler Lemos (Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Chapecó)
E-mail: joao.zoehler@gmail.com
RESUMO No arranjo geográfico mundial do presente, entendendo-o em sua condição atualíssima, o
que nos leva, inadiavelmente, à associação com o contexto pandêmico vivido pela humanidade, são notados em nosso entorno os fundamentos de uma sociedade profundamente contraditória, injusta e desigual. Urge pensarmos geograficamente acerca do que defendemos enquanto uma problemática ambiental que, ao menos na ciência geográfica, por vezes carece de uma preocupação assentada na humanidade. Em razão do agravamento das condições de vida no contexto neoliberal do capitalismo periférico, objetivamos construir nossas discussões pela articulação da problemática ambiental contemporânea e do horizonte da justiça espacial. Há o entendimento de que esse diálogo teórico pode trazer contribuições que têm a premissa de colocar a humanidade no centro das questões vistas como fundamentais. O trabalho é construído a partir do debate e cotejamento de estudos de autoras e autores contemporâneos; isto é, este trabalho expõe reflexões sobre as geografias que praticamos e pensamos. Com base numa crítica à leitura tradicional da problemática ambiental, articulamos tal questão ao horizonte das justiças e injustiças espaciais, atingindo ao final um conjunto de elementos para o fomento a uma educação geográfica totalizadora. Palavras-chave: Geografias injustas, Desigualdades socioespaciais, Justiça socioespacial.
INTRODUÇÃO
La búsqueda de la justicia espacial debe conectar más estrechamente con el movimiento por la justicia ambiental y ayudar a redefinir y redireccionar los movimientos existentes contra la globalización, el neoliberalismo, el calentamiento global, la extinción de especies, las armas nucleares, la intolerancia religiosa y cualquier tipo de tortura (SOJA, 2014, p. 261).
Este breve ensaio tem, como objetivo essencial de sua construção, apontar alguns
horizontes reflexivos acerca do pensar geograficamente, referente às articulações escalares entre
processos e fenômenos geográficos. Isto é, que essa imaginação geográfica (SOJA, 2010) se
constitua, em sua base, pela capacidade do ver-o-mundo em sua complexidade; entendendo a
realidade posta como uma heterogênea, dinâmica e nunca estática interdependência entre
aconteceres, em lugares específicos, potencializados pelos sujeitos que, politicamente, o produzem.
O acontecer que aqui evidenciaremos é diferenciado e desigual, no sentido de que os
tempos e as suas temporalidades são díspares (MASSEY, 2008; 2012; SANTOS, 2014). No âmbito
da racionalidade capitalista neoliberal contemporânea (DARDOT; LAVAL, 2016), tão logo isso se
configura a partir de injustiças e desigualdades socioespaciais engendradas sobremaneira por sua
lógica individualizadoras e destrutiva, que mina a sociabilidade e dela extrai a sua reprodução.
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Essas realidades qualitativamente variadas tornaram-se ainda mais injustas no contexto
pandêmico vivido no ano de 2020, em que as desigualdades socioespaciais foram exaltadas diante
do agravamento da crise provocada pela disseminação da COVID-19 (SARS-CoV-2). O debate do
contexto pandêmico não receberá maiores atenções neste trabalho, dado o objetivo e o espaço
destinado a ele. De todo modo, os recentes trabalhos de Guimarães et al. (2020), Guimarães e
Sposito (2020), Heck et al. (2020), Mattei e Heinen (2020) e Silveira et al. (2020) subsidiaram as
reflexões aqui apresentadas. Em suma, trata-se de uma doença que manifesta elementos geográficos
na sua dispersão, cabendo a essa ciência uma reflexão responsável, que recupere a humanidade na
qualidade de centro para os debates. Não se trata de uma perspectiva humanocêntrica, mas, sim,
de reposicionar os sujeitos no âmbito da problemática dita ambiental, tornando-a menos descolada
da realidade material e com os olhares próprios da ciência geográfica à sociedade.
Os espirais de ilusão que nos referimos no título deste trabalho referem-se à condição
repetitiva, constante e irracional da reprodução de desigualdades no âmbito do imperativo
capitalista moderno. Chevalier e Gheerbrant (2003) trouxeram muitas definições ao que é uma
espiral, que na maioria delas, remete à continuidade (aqui na descontinuidade), repetição (aqui
irracional), padronização a partir de um ponto fixo, sensação de infinitude etc.
Daí a perspectiva de romper com essa espiral ilusória nas reflexões sobre a problemática
ambiental: pensamos ser fundamental uma visão espacializada das justiças e injustiças, pondo no
centro, dessa reflexão, a humanidade e os seus mais urgentes desafios. A epígrafe deste escrito
sintetiza as nossas preocupações, estas que estão mais fortemente direcionadas ao debate da
sociedade e a sua reprodução no marco de uma vivência equânime, oposta à vida-mercadoria.
Além deste item introdutório, o próximo discorrerá sobre impressões e críticas dos
discursos ambientais mais convencionais, para o posterior avanço a algumas especulações teóricas
acerca de uma problemática ambiental à luz da justiça espacial. Ao final, algumas perspectivas de
reflexões futuras são expostas, com o objetivo de continuar as exposições aqui feitas.
POR UMA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL RESPONSÁVEL
Como o passo inicial do giro reflexivo, o debate do problema ambiental nos parece
fundamental. Este, por sua vez, está normalmente associado a questões mais generalistas do ponto
de vista das condições da vida humana (PORTO-GONÇALVES, 2006; 2017). Tais questões são
constituídas superficialmente, como mais amplas e, por vezes, geradoras de uma sensação de
indiferença aos contextos de maiores desigualdades e injustiças. Essas ocorrem sob variadas
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qualidades, territorialmente assinaladas no âmbito da divisão do trabalho, por conseguinte atreladas
à natureza intrínseca do capitalismo e o seu desenvolvimento desigual (SMITH, 1988).
A atenção demasiadamente dispensada a alguns temas mais amplos, como: o potencial
aquecimento global; os gases emitidos na atmosfera; a possibilidade ou não da elevação do nível
do mar; as potenciais destruições das matas em diversos locais do mundo – que não é menos
relevante, todavia, é comum os discursos associarem a culpa a relés mortais da fronte-da-fronte da
periferia capitalista –, entre outros, formam os tópicos fundamentais da discussão ambiental mais
fortemente disseminada na mídia de massa e na própria “educação ambiental”. Isso tudo sem
mencionarmos o debate do consumo, que se torna uma heresia quando visto nas classes mais
empobrecidas e precarizadas. Trata-se, pois, de uma das dimensões do já arduamente debatido
“descaminho” dos debates sobre o meio ambiente, como nos apresentou Porto-Gonçalves (2006).
Ao contrário de constituírem-se como temas que não têm relevância, ocorre que por vezes
tais discussões são reproduzidas de modo a se pensar o ambiente de maneira estéril em relação à
sociedade, sem os sujeitos. Isso ocorre de maneira especial em algumas narrativas no âmbito da
própria ciência geográfica, que se esquiva das discussões sobre os usos socialmente constituídos do
meio, este que é a base para a vida comum, o cotidiano, o espaço banal (SANTOS, 2002; 2014).
Não há como conceber a problemática ambiental sem a problemática da dialética entre justiça e
injustiça; é inviável, pensamos, conceber um debate ecológico sem propô-lo à luz das lutas de
classes que transcendem a geo-história da modernidade, ela e as suas múltiplas nuances.
Face a isso, entendemos que o espaço (geográfico) é socialmente produzido, tal qual postula
Santos (1978) e Soja (1993; 2013; 2014), esses com base nas contribuições de Lefebvre (2008; 2013).
Essa produção ocorre no sentido de ser socialmente constituída, que engendra materialidades –
existências, portanto. É o espaço, então, produto e condição da sociedade, este que traz e reproduz
consigo suas contradições, políticas, diferenciações e injustiças. Os usos díspares do espaço tornado
território de vida, portanto usado, torna-se o plano central das preocupações geográficas.
Cabe recuperar que perpassa pelas concepções acima apontadas a postura radical-crítica
construída na Geografia desde a década de 1970, seja pela atenção às questões ligadas ao simbólico
e cultural ou, ao concreto e de base econômica. São preocupações políticas com a materialidade
social, que apontam para discussões radicadas na elucidação das contradições sociais (espaciais e
temporais). Os estudos de Mattson (1978), Peet (1982), Santos (1978; 1980) e Soja (1983), por
exemplo, ilustram os debates da irrupção política no âmbito da academia, vivenciada no período.
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A problemática ambiental, que perpassa transversalmente a própria problemática urbana
contemporânea (BRENNER, 2018), incluindo nesta última as realidades citadinas e rurais, liga-se
de maneira íntima aos conflitos no âmago do sistema de acumulação vigente, produto-produtor de
territórios simultaneamente atravessados por verticalidades e horizontalidades. A primeira, ligada a
uma dimensão do fenômeno geográfico da ordem, do mandar, da submissão; a segunda, muito
mais pautada pelo caráter homólogo, da solidariedade entre e nos lugares (SANTOS, 2002). Dada
a sua força na condução da ação humana, em muito até coercitiva, a verticalidade acaba por
implicar, como não poderia ser diferente, na educação e nos seus temas correlatos, como é a “certa
educação ambiental” à qual nos debruçamos corriqueiramente no território escolar.
Acreditamos que para além da culpabilização direcionada aos sujeitos, no que se refere às
questões mais gerais do desafio ambiental contemporâneo (PORTO-GONÇALVES, 2017), por
exemplo, deve-se discutir e refletir acerca dos problemas ambientais mais imediatos, que perpassam
a vida humana, no cotidiano, no lugar. Enfim, as contradições a partir do uso do meio natural, que
se torna desigual sob a natureza própria do capitalismo (SMITH, 1988); isto antes de qualquer
outro elemento. Todavia, cabe uma ressalva: não se trata de ignorar processos de escalas maiores,
mais abrangentes. Mas, sim, de uma educação geográfica que potencialize a interpretação e
identificação dos fenômenos, situando-os no cotidiano do lugar, pensando de maneira homóloga,
solidária aos problemas próximos, no nível da comunidade rural, do bairro, da cidade etc.
Há de se produzir um diálogo mais estreito – como aponta a epígrafe deste texto – com
elementos que urgem ao pensamento; estes, portanto, tangíveis à população amplamente espoliada
de seus direitos. A reprodução de lógicas mundiais de especulação financeira, manifestadas sob a
questão fundiária e imobiliária, da educação; do individualismo e da competitividade pessoal do
atual período; dos desdobramentos no machismo e no sexismo, bem como da violência de gênero;
da manutenção de formas humilhantes de trabalho, entre outras questões, confluem em expressões
da articulação multiescalar de processos localmente postos em prática que se ligam a processos
mais gerais da globalização como totalitarismo (SANTOS, 2006). É, o neoliberalismo, conforme
Dardot e Laval (2016), o equivalente à mercantilização implacável de toda a sociedade.
Esta reflexão dirige-se ao pensar geograficamente sobre a miríade de injustiças espaciais
produzidas na contemporaneidade. Tal como propôs Soja (2014) em seu En busca de la justicia
espacial, nos colocamos na posição de refletir e de repensar alguns caminhos que os problemas
sociais tomam. Trata-se da produção de injustiças que envolvem humanos, produzidas por estes
mesmos – alguns (poucos) desses. Isso se encaminha ao diálogo com desafio ambiental do presente
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(PORTO-GONÇALVES, 2017), entendendo-o como essencialmente social e imperativo ao
cotidiano da vida terráquea. Sobretudo nos contextos vividos nos países periféricos da economia
capitalista, conforme também nos mostram Osorio (2014) e Wettstein (1992), há de se considerar
que “[...] é necessário ter presente que o problema da crise ambiental, que é global, ocorre em um
mundo profundamente desigual e assimétrico” e, em função disso, “[...] o debate ambiental é,
sobretudo, um problema político” (ESTENSSORO, 2019, p. 25).
Se o debate ambiental é político, portanto é social. Por social, compreendemos que o
mesmo é espacial, visto que não há uma sociedade a-espacial (SANTOS, 2013a; SOJA, 1993).
Espacialmente pensando, envolvemos – mesmo que por vezes não compreendamos esses
processos em sua complexidade – o debate da escala geográfica (SMITH, 2000). Ela impacta de
maneira nada uniforme o lugar, articulando-o ao mundial e o contrário também. A compreensão
dos fenômenos geográficos envolve um conhecimento já construído. O domínio e o conhecimento
da “constelação geográfica de conceitos”, conformando também categorias analíticas balizadoras,
as quais possuem uma “natureza política” (HAESBAERT, 2014, p. 30), pressupõe a tomada de
decisões quanto aos posicionamentos de enfrentamento às lógicas estabelecidas.
No decorrer de seu trabalho, Haesbaert (2014) mostra que se o conceito pode ser, num
contexto, um mero instrumento operacionalizador de pesquisas e avanços em estudos, em outro
ele assume uma grande capacidade reflexiva, de síntese da realidade – de questões postas à
realidade, como diria Santos (2009). Pensamos que, ao se considerar a problemática ambiental do
presente, devemos vê-la como uma noção conceitualmente responsável. Responsável, sobretudo,
na perspectiva de se considerar os humanos primeiro.
No contexto atual do capitalismo, pela condução da sociedade aos auspícios do sujeito
neoliberal em sua totalidade (DARDOT; LAVAL, 2016), a ampliação das desigualdades toma a sua
efetivação por diversos percursos. Em complemento ao que mencionamos anteriormente, há a
precarização extrema do trabalho humano, sobretudo por empregos em extrema condição de
flexibilização. Tudo isso se conjuga, em nossa visão, com um problema ambiental latente,
metaforicamente chutando a porta de uma parcela cada vez maior da população mundial.
Estamos, no cenário brasileiro, num país periférico da economia capitalista (OSORIO,
2014), isso em consideração aos centros de decisão que conduzem as lógicas de acumulação
mundial. Neste cenário, os processos que consideramos articuladores de escalas, expressam
objetivamente a necessidade aqui defendida: de se compreender a complexidade dos fenômenos
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geográficos, que articulam usos do território em níveis locais, regionais, nacionais etc. Isso é,
principalmente, uma visão de mundo geograficizada, uma educação geográfica.
A discussão sobre as contradições da globalização foi ampliada por Santos (2002), que, a
partir da busca por propor conceitos que respondam às demandas da atual complexidade na qual
a sociedade está radicada, apresenta avanços no debate acerca das relações estabelecidas por meio
das verticalidades e das horizontalidades. Em seu texto, expõe três concepções sobre as
solidariedades geográficas mantidas entre/nos lugares, face aos conflitos que se estabelecem
localmente, sob ordens distantes. Para tanto, afirma que atualmente são produzidos, nos territórios,
[...] novos recortes, além da velha categoria região; e isso é um resultado da nova construção do espaço e do novo funcionamento do território, através daquilo que estou chamando de horizontalidades e verticalidades. [...]. Na primeira e na segunda hipóteses [acontecer homólogo e acontecer complementar], temos a primazia das formas com a relevância das técnicas, já que estas de mais em mais produzem as formas utilizadas. No caso do acontecer hierárquico, temos a primazia das normas, não mais com a relevância da técnica, mas da política (SANTOS, 2002, p. 16-17).
O ritmo acelerado da flexibilização das relações humanas, que se desdobra nas atividades
empregatícias, se expressa na extrema tecnificação e alienação do sujeito em relação ao seu meio
de sobrevivência. Como exemplo, temos algumas iniciativas relativamente recentes, representadas
por grandes corporações que se tornam próximas por meio de aplicativos de telefones celulares.
São elas criadas pelas empresas Uber e Rappi, voltadas para serviços de transporte individual(izado)
e entregas – sobretudo de produtos alimentícios, também extremamente precários. Pensando além
das próprias empresas, mas incluindo os produtos vendidos e transportados, teríamos hoje uma
geopolítica alimentar que nos condiciona a situações de subnutrição? (PLOEG, 2019).
Enfim, no tema do trabalho por aplicativos, por um lado há a alienação de seu vínculo,
dado que a extremamente avançada técnica comunicacional cria as bases de uma relação de trabalho
em que o contato humano se constitui supérfluo. Na outra face, a relação de trabalho pulveriza o
sujeito trabalhador, além de implicar nas lógicas do trabalho humano sob demanda. Degrada-o,
tornando-o flexível, desobedecendo a lógica de vida humana: ela não é, até que se prove o contrário,
fragmentável, divisível, individual.
Bem, considerando o que foi avançado até aqui, aventamos que devemos discutir a noção
do problema ambiental de uma forma que coloque o sujeito humano no centro de sua preocupação.
Por razão do reconhecimento de uma postura crítica, tal compreensão deve ser feita de modo a
costurar o diálogo às desigualdades, segregações e processos de financeirização do cotidiano social.
Perguntamos: devemos, também, ambicionar a justiça espacial (SOJA, 2014) e a cidadania
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geográfica territorializada (SANTOS, 1987) como horizontes de debates e a relação entre as escalas
de penetração do mundo financeiro-especulativo no cotidiano de nosso convívio humano?
Qual o verdadeiro problema ambiental com o qual devemos nos preocupar, com relação
ao discurso que se coletiviza contemporaneamente, em relação à destruição de um certo meio
ambiente? Suspeitamos que, entre a edificação da discussão acerca da culpa por arremessarmos
uma folha de papel usada de modo a não poder recicla-la, de um lado, e uma habitação urbana
extremamente precária, construída sobre um curso d’água e com condições insalubres de vida, de
outro, o segundo contexto apresenta particularidades sensivelmente mais representativas. Dois
simples e pouco esclarecedores exemplos, que talvez inquietem para outros avanços.
As reflexões apresentadas no final desta etapa nos conduzem a chamar a atenção para as
injustiças observadas nos lugares – afinal são eles que exprimem no nível do cotidiano as condições
universais e particulares da sociedade. Os lugares são produtos da política e de interesses
deliberadamente tornados reais. Afinal, integrar
[...] lo espacial a la justicia en la búsqueda colectiva de una forma espacializada de justicia social y económica pueda ser particularmente efectivo a la hora de proporcionar un ‘pegamento’ organizativo y motivador que pueda animar y mantener la formación de asociaciones o coaliciones heterogéneas y plurales. Todos los que están oprimidos, subyugados o explotados económicamente están sufriendo hasta cierto punto los efectos de geografías injustas, y esta lucha por la geografía puede ser utilizada para construir una mayor unidad y solidaridad transversal (SOJA, 2014, p. 57).
O pensar geograficamente é íntimo ao ato de se compreender as articulações entre
processos localmente realizados – ocorrem em algum lugar, em algum momento, por ação de algum
sujeito e grupo humano. Este pensamento, ao ser apontado à perspectiva crítica, supomos, inclui
o discutir e pensar o problema ambiental como um desafio maiormente social. Incluir na pauta da
problemática ambiental no âmbito da ciência geográfica as questões sociais mais urgentes, tal como
se manifestam no Brasil de hoje, pode servir para um diálogo mais coerente com as demandas dos
povos. Quem sabe, neste percurso de aprofundamento das discussões acerca do amplo tema aqui
exposto, conduzamo-nos às direções de um contradesenvolvimento, tal qual Catalão, Magrini e
Lindo (2019) trazem à tona? Cabe a nós a produção de uma reflexão que considere a condição
contemporânea de privatização do cotidiano e da vida, em suas múltiplas dimensões e
manifestações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao abrirmos o diálogo com as importantes contribuições de teoria e método na apreensão
da realidade, tornando-a inteligível a partir de sua concretude, abstraindo dela as intencionalidades,
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desejos e a política, Milton Santos apontou para a práxis que transforma a realidade nos lugares.
Ela vem da própria apropriação pelos povos de baixo, populares, do cotidiano vivido:
É pelo entendimento do conteúdo geográfico do cotidiano que poderemos, talvez, contribuir para a necessária teorização dessa relação entre espaço e movimentos sociais, enxergando na materialidade, que é um componente fundamental do espaço, uma estrutura de controle da ação, um limite ou um convite à ação (SANTOS, 2013b, p. 103).
Urge, especialmente num cenário de pandemia ainda pouco resolvida, compreensões sobre
a precariedade das condições de sobrevivência humana: saúde, moradia, alimentação, transporte,
trabalho; são feições da problemática ambiental que não podem ser ignoradas. Benach (2017)
aponta uma série de argumentos para tornar necessária a ampliação da politização de alguns
debates, como são os problemas ligados ao meio ambiente na Geografia do presente.
Temas como estes tornam-se importantes, tanto a partir de uma leitura integradora da
problemática ambiental que situa a humanidade no centro de uma Geografia socialmente
responsável, quanto que objetive discutir as justiças e injustiças espaciais: a) a precarização do
trabalho através do fenômeno da uberização e as suas implicações socioespaciais; b) as
fragmentações das condições políticas de resistência frente aos desmontes das leis trabalhistas
existentes; c) aos movimentos de requalificação da cidade que a tornam mera mercadoria e levam
a uma especulação imobiliária desenfreada – processo multifacetado; d) ao desmonte de um Estado
que seja responsável por atividades socialmente estratégicas; e) a manutenção das condições de
acesso ao ensino nos vários níveis de formação; f) das efetivas condições de acessibilidade e
mobilidade nas cidades por meio de transportes coletivos distribuídos justamente etc.
O ambiente na qualidade de meio, espaço banal de todos, sustentáculo da vida humana,
produzido socialmente e, portanto, passível de ser alterado para um uso mais justo e equânime:
trata-se de pensar a ciência geográfica com tal acepção enquanto central, que auxiliar na promoção
de uma educação geográfica ampla e cônscia da importância das ciências sociais na atualidade. É
antes de outras coisas, a ruptura das espirais que nos colocam em ilusões sobre a realidade social,
que buscamos pelos caminhos e trajetórias da ciência geográfica.
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O COMÉRCIO DE ALIMENTOS EM MOSSORÓ-RN: ANÁLISES ACERCA DOS DOIS CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA
Erik Albino de Sousa (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - Campus Central)
E-mail: erikalbino2018@gmail.com
Fábio Ricardo Silva Beserra (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - Campus Central) E-mail: fabioricardo@uern.br
RESUMO
O espaço urbano é repleto de desigualdades tanto espaciais, que geram localidades mais valorizadas do que outras, como também comércios e serviços com distintas realidades, a qual de acordo com Milton Santos podem ser classificados entre dois circuitos, o inferior e superior da economia urbana. O objetivo desse trabalho é refletir como os dois circuitos da economia urbana se apresentam e se configuram no espaço urbano no ramo alimentício levando em consideração as diferenças socioespaciais. Para realização do trabalho foram realizadas leituras a respeito de circuitos da economia urbana, espaço urbano e serviços e comércios alimentícios, a partir de fontes secundárias foram selecionados seis bairros a partir de faixas de renda média da população, tendo como ponto de partida duas avenidas que percorrem e interligam esses bairros assim como também foram classificados quais seriam os tipos de estabelecimentos levados em consideração para estudo. Como o trabalho produzido se deu a partir de uma pesquisa em andamento este não propõe apresentar resultados finalizados mas sim hipóteses e levantamentos que servem como alicerces para perspectivas de pesquisas futuras. Palavras-chave: Circuitos da economia urbana, Comércio de alimentos, Desigualdades socioespaciais.
INTRODUÇÃO
Mossoró, enquanto maior cidade do interior do Rio Grande do Norte e única capital
regional nível C do estado (IBGE, 2020) caracteriza-se por ser o município mais influente entre as
capitais Natal e Fortaleza, no Ceará, gerando uma zona de influência tanto em cidades potiguares
quanto em cidades cearenses.
A cidade se faz importante para a realidade do seu estado pois descentraliza sua economia,
tornando-se a sua segunda cidade mais importante. Vale ressaltar que mesmo com outras cidades
importantes no estado no que diz respeito a sua população, como Parnamirim, estas não se
apresentam de tanta importância na descentralização quanto Mossoró pois são sufocadas pela
influência da capital (Silva, 2015).
Mossoró teve sua base econômica consolidada a partir das atividades voltadas ao sal,
petróleo e fruticultura irrigada, atividades estas que dinamizaram e refletiram não apenas a
potencialidade do setor primário da economia mas também os outros setores como os serviços e
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comércios, já que as atividades produtivas geravam renda e atraíam trabalhadores e empresas que
se instalavam no lugar.
O sistema da economia urbana contém dois circuitos da economia (SANTOS, 2018) que
são distintos em características e finalidades, de um lado há o circuito inferior com baixa tecnologia,
pouco capital e produzido por e para a população pobre da cidade, de outro lado há o circuito
superior marcado por ser tecnológico, deter capital para investimento e ser usufruído
principalmente pela classe média e alta.
No que diz respeito ao artigo, por se tratar de uma pesquisa ainda em desenvolvimento, o
objetivo desse trabalho é refletir como os dois circuitos da economia urbana, teoria iniciada pelo
geógrafo Milton Santos (2018), se apresentam no contexto da cidade a partir do ramo alimentício,
levando em consideração a realidade de que o espaço urbano é desigualmente valorizado pelo
capital (CARLOS, 2011).
É essa valorização desigual do espaço a partir do capital que faz com que os agentes
hegemônicos se apropriem e produzam espaço mais modernos do que outros, fazendo com que
sejam encontrados na cidade bairros e áreas mais prestigiados do que outras, evidentemente pois o
espaço é fragmentado, articulado, reflexo e condicionante social (CORRÊA, 2002).
Fragmentado, pois é complexo e dividido em porções que fazem do espaço “constituído
por diferentes usos” (CORRÊA, 2002, p. 9). Articulado, haja vista que essas fragmentações mantêm
relações entre si, variando de intensidade, todavia, mantendo essa relação.
O espaço se torna, também, reflexo pois é um reflexo social, econômico, cultural e político
da sociedade que o produz, onde, principalmente, em uma cidade capitalista, esse espaço é reflexo
da desigualdade social e condicionante pois este tanto viabiliza quanto inviabiliza a continuidade
da (re)produção das condições sociais.
Através da análise de Corrêa (2002) sobre o espaço, percebe-se que este tem suma
importância para a sociedade, acentuando a frase de Lefebvre (2008) de que o espaço é o lócus da
reprodução social, é no espaço onde encontra-se a materialização dos processos de (re)produção e
transformação das relações sociais, econômicas, políticas, demográficas, culturais e ambientais.
O recorte para estudo dessa realidade na cidade se dará a partir de seis bairros escolhidos
por diferenças de faixas de renda de acordo com o Censo Demográfico de 2010 (IBGE) sendo
escolhidos bairros onde habitam populações da cidade com maiores e menores poderes aquisitivos,
a qual a partir dos bairros foram escolhidas as avenidas João da Escócia e Presidente Dutra, pois
estas cruzam e perpassam pelos bairros escolhidos.
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Para estudo da teoria miltoniana fora selecionado o setor de alimentação, por ser um setor
de consumo dinâmico e cada vez mais comum no habito de consumo da população independente
de sua renda ser alta ou baixa, tornando um setor que se adequa facilmente aos dois circuitos da
economia urbana, além de ser facilmente encontrado nas ruas das cidades.
Para Antipon (2018) a análise dos dois circuitos da economia urbana a partir dos
estabelecimentos alimentícios contribui para a compreensão do funcionamento da economia local
da cidade pois podem ser encontrados diversos estabelecimentos com diferentes níveis de capital,
técnica e organização que criam diversos empregos formais e informais, além do mais esta
economia permite que a parcela pobre da população desenvolva seus próprios negócios e espaços
econômicos.
A pesquisa se faz importante pois a partir dela se pode: 1) Ter melhor compreensão sobre
como os dois circuitos da economia urbana podem ser encontrados a partir do ramo alimentício;
2) Entendimento sobre como se dá a presença dos dois circuitos em bairros com diferenças
socioespaciais e a importância das avenidas no que diz respeito ao comércio dos bairros; 3)
Contribuição de atualização da teoria dos dois circuitos da economia urbana; 4) Ponto de partida
para pesquisas mais consolidadas, ajudando na elaboração de hipóteses, análises e levantamentos
para investigações futuras.
METODOLOGIA
A pesquisa se deu inicialmente a partir de revisões bibliográficas de autores como Santos
(2018, 2006), Silveira (2013, 2015), Carlos (2011), Lefebvre (2008), Corrêa (2002) para
entendimento de assuntos como espaço urbano, valorização do espaço, circuitos da economia
urbana e suas novas configurações.
Em seguida partiu-se para análises de dados secundários a partir de fontes como o Censo
Demográfico 2010 e da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para categorização dos bairros para estudo e seleção
de quais os tipos de estabelecimentos irão ser estudados na óptica dos dois circuitos da economia
urbana. O recorte temporal se deu nos 10 últimos anos, tempo de realização do último Censo do
IBGE, utilizado nessa pesquisa.
Após escolha dos bairros e tipos de estabelecimentos para estudo fora feito um campo in
loco para impressões, percepções da dinâmica dos locais escolhidos, quais os tipos e qual a
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intensidade dos estabelecimentos encontrados, assim como selecionamento mais restrito de locais
de estudo para os bairros, a qual foram escolhidas as avenidas que os cortam.
Por se tratar de uma pesquisa em andamento não houve entrevistas que possam levantar
dados primários além de fotografias e percepções, por ora a pesquisa fundamenta-se em teoria e
dados secundários, dando espaços para suposições que fundamentem futuros dados primários.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Como já citado o espaço geográfico é fragmentado, articulado, reflexo e condicionante
social, onde assim como há áreas e bairros mais valorizados, com melhores infraestruturas e
relativas opções de serviços e comércios que podem chegar a ser o símbolo de modernidade na
cidade, há, por outro lado, bairros menos valorizados, com infraestruturas de pouca qualidade
assim como comércios e serviços de formas menos expressivas.
Essa realidade não se faz diferente em Mossoró, a partir do censo demográfico de 2010 que
aponta a renda média da população acima de 10 anos de idade de cada bairro a qual a partir de
análises sobre a cidade e leituras de trabalhos sobre a mesma se pode dividi-los em três faixas de
renda, com bairros tendo renda média com até cinco vezes mais que outros demonstrando a
fragmentação da valorização dos espaços na cidade. A figura abaixo traz representação dessa
realidade:
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Figura 1: Bairros de Mossoró por faixa de renda média de população acima de 10 anos
de idade
Fonte: IBGE, Censo 2010. Elaboração: Sousa, 2020
As três faixas de renda da cidade foram divididas entre a primeira faixa sendo composta
pelos bairros de menores renda, entre R$ 510 a R$ 991, com os bairros de Ilha de Santa Luzia,
Santo Antônio, Boa Vista, Planalto 12 de Maio, Alto do Sumaré, Santa Delmira, Bom Jardim,
Pintos, Dix-Sept Rosado, Aeroporto, Alagados, Belo Horizonte, Dom Jaime, Redenção, Lagoa do
Mato, Bom Jesus, Barrocas, Itapetinga.
A segunda faixa abarcando os bairros Presidente Costa e Silva, Doze Anos, Rincão,
Abolição, Alto de São Manoel e Paredões, com renda entre R$ 1.045,96 a R$ 1.867,63; enquanto a
terceira faixa composta pelos dois bairros de maiores rendas média na cidade, respectivamente o
bairro Centro com renda média de R$ 2.370 e o bairro Nova Betânia, com R$ 2.648.
Vale ressaltar que em 2010 o salário mínimo era de R$ 510, logo a primeira faixa
representava 1 salário a 1,9 salários; segunda faixa de 2 salários a 3,6 salário e a terceira faixa, os
bairros mais valorizadores teria uma renda média de 4,6 salários a 5,2 salários. Essas realidades
diferentes nos bairros fazem surgir nos mesmos mercados de consumos com poderes de compra
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diferentes, que acarretam em comércios e serviços diferentes em tecnologia, capital e organização
que podem ser vistos a partir da teoria dos dois circuitos da economia urbana (SANTOS, 2018).
Para Santos (2018) em um país em desenvolvimento como o Brasil há dois tipos de perfis
de consumidores, a qual:
A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas muito elevadas, cria na sociedade urbana uma divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não tem condições de satisfazê-las. Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e qualitativas de consumo (SANTOS, 2018, p. 37).
Os circuitos surgem como efeitos da modernização, sendo o circuito superior resultado
direto desta e o inferior resultado indireto. É nítida a diferença entre os dois circuitos, todavia cabe
ressaltar que uma das principais diferenças nessa distinção é o fato de o circuito inferior ser
subordinado ao circuito superior. A dependência maior vinda do inferior para com o circuito
superior se dá especialmente pelo fato deste obter grande poder capital.
É o poder capital que faz com que o circuito superior consiga controlar e privilegiar áreas
do espaço que sejam do seu interesse, tornando uma atividade na maioria das vezes distante dos
espaços periféricos da cidade. A contínua instalação do circuito superior em espaços centralizados
ocorre pois é interessante para essa atividade instalar-se em locais onda haja boa qualidade de vias
de transportes, eletricidade, esgoto e serviços como abastecimento, contabilidade ou consertos
(SILVEIRA, 2013).
Para Souza e Santos (2014) apesar de os circuitos terem surgido para atender demandas
diferentes da sociedade é perceptível a introdução de uma população pobre no circuito superior
através dos apelos de consumo, mesmo não sendo este o seu público alvo nem o mais frequente,
isto ocorre pois “nos últimos anos as instituições financeiras têm enxergado a população de baixa
renda como clientes potenciais, disponibilizando cartões de crédito e débito à classe trabalhadora”
(POSTALI-SANTANA, 2017, p. 63).
Além dessa nova dinâmica do adentramento das classes populares no consumo do circuito
superior, há também diferenças no que diz respeito à dinâmica de organização da publicidade no
circuito inferior, para Santos (2018) a presença desta característica era praticamente nula, todavia,
hoje percebe-se que este circuito vem crescentemente (re)utilizando técnicas como anúncios de
rádios, carros com alto-falantes ou o uso das redes sociais para divulgações em internet (POSTALI-
SANTANA, 2017).
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Numa análise a respeito dos fixos e fluxos a partir dos dois circuitos da economia urbana,
Barbosa (2014) relata que enquanto no circuito superior os seus fixos são luxuosos, símbolos de
poder e status, autenticando cada vez mais as desigualdades sociais, já no circuito inferior os fixos
muitas das vezes refletem o descaso do Estado a população e demonstram os meios alternativos
de subsistência da classe trabalhadora. São as diferenças entre os circuitos resultados de duas coisas:
a modernização capitalista e desigualdade da distribuição de renda (Silveira, 2015).
Apesar das distinções os circuitos mantêm suas relações, ora pois estes estão não apenas
subordinados às mesmas leis do sistema, como fazem parte do mesmo, essas relações são em níveis
horizontais e verticais (Silveira, 2015).
As relações horizontais dizem respeito às ligações dentre os próprios circuitos, como a
compra de um vendedor do circuito inferior de um produto de um outro ou uma contratação de
pequenos serviços dentro do próprio bairro ou cidade. No circuito superior essas relações podem
ser a partir de feitos como parcerias de empresas ou contratações de agências para serviços como
publicidade e propaganda.
As relações em níveis verticais são de um circuito para outro, sendo esta a prova da
existência de conexão entre os dois circuitos, estas partem de dinâmicas como a venda de produtos
do circuito superior por pequenos vendedores como ambulantes e microempreendedores do
circuito inferior, assim como a aquisição de crédito desses pequenos vendedores vindo de origem
do circuito superior.
No que diz respeito ao trabalho, após pesquisas e análises, foram escolhidos os comércios
e serviços alimentícios para o estudo, levando em consideração o fato de ser um dos setores mais
dinâmicos e presentes na cidade assim como cada vez mais recorrendo ao dia a dia da população.
Como recorte foram estabelecidos os critérios de acordo com a Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE). A figura abaixo demonstra quais foram os recortes delimitados
a partir dos grupos e subgrupos do CNAE:
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Figura 2: Classificações da CNAE com subgrupos selecionados para pesquisa
Fonte: CNAE, IBGE. Elaboração: Sousa, 2020.
Os bairros escolhidos para estudo foram os bairros Nova Betânia, Centro, Alto de São
Manoel, Ilha de Santa Luzia, Dom Jaime Câmara e Doze Anos. Os bairros citados foram
selecionados por dois motivos: 1) São seis bairros com diferentes realidades principalmente no que
diz respeito aos comércios e serviços prestados e a renda média da população, ou seja, mercado de
consumo em curto alcance; 2) Com os seis bairros há representatividade de dois em cada faixa de
categoria de renda média na cidade apresentadas no mapa 01, tornando a pesquisa uma análise de
compreensão dos circuitos em cada faixa; 3) Os bairros são interligados pelas avenidas Presidente
Dutra e João da Escócia, importantes avenidas da cidade que se configuram como locais de
encontro de diversos estabelecimentos alimentícios.
A Avenida João da Escócia, que percorre pelos bairros Nova Betânia e Doze Anos detém
presente aos seus arredores importantes estabelecimentos do circuito superior como o Partage
Shopping Mossoró, Tchê Gourmet, Restaurante Buca Pé Budd, Maroca’s Burguer e Pizza,
restaurante Nordestina e lanchonete Bambinos. Abaixo uma imagem da praça de alimentação do
Partage Shopping, que conta com estabelecimentos como McDonald’s, Burguer King, Bebelu,
Pittsburg e Bob’s:
Alimentação
Divisão
Restaurantes e outros serviços
de alimentação e bebidas
Grupo
Restaurantes e outros estabelecimentos de
serviços de alimentação e bebidas
Classe
Restaurantes e Similares
Subclasse
Lanchonetes, casas de chá, de sucos e similares
Subclasse
Bares e outros estabelecimentos
especializados em servir
bebidas, sem entretenimento
Subclasse
Bares e outros estabelecimentos
especializados em servir
bebidas, com entretenimento
Subclasse
Serviços ambulantes de alimentação
Classe
Serviços ambulantes de alimentação
Subclasse
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Figura 3: Praça de alimentação do Partage Shopping, localizado na Av. João da Escócia
Fonte: Sousa, 2020.
De acordo com o próprio Shopping, há um fluxo em média de 350 mil pessoas por mês
no local, podendo chegar a 500 mil visitantes, uma população superior a da cidade, configurando
sua praça de alimentação como um dos principais pontos de lazer de Mossoró.
Já a avenida Presidente Dutra percorre os bairros Alto do Sumaré, Dom Jaime, Alto de São
Manoel, Planalto Treze de Maio e Ilha de Santa Luzia. Estão presentes pela avenida
estabelecimentos como dois Bambinos Burguer, pizzaria FicFrio, lanchonete O Sebosão,
restaurante O Laçador e sanduicheria Arte da Terra. Abaixo imagens da avenida:
Figura 4: Estabelecimentos na Av. Presidente Dutra
Fonte: Sousa, 2020.
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No que diz respeito ao Bairro Centro, vale ressaltar que este não é cortado diretamente
pelas avenidas, todavia sofre influência de ambas pois tanto a avenida Presidente Dutra quanto a
Avenida João da Escócia vão de encontro ao bairro. A figura abaixo demonstra isso:
Figura 5: Avenidas indo em direção ao Bairro Centro
Fonte: Google Earth. Elaboração: Sousa, 2020.
Vale lembrar que tanto nas avenidas, quanto no bairro Centro, são encontrados além dos
serviços de alimentos do circuito superior citados, vários serviços do circuito inferior como camelôs
e ambulantes, pequenas lanchonetes, bares, espetinhos, carrinhos de açaí, guaraná do amazonas e
vendedores nas ruas com máquinas de sorvete.
São essas coexistências em demasia dos dois circuitos nas avenidas e no bairro Centro que
configuram essas localidades como pontos comerciais e de lazer significativos na cidade, atraindo
fluxos de clientes com diferentes gostos e poderes aquisitivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises e percepções aqui expostas não seria justo apresentar afirmações e
conclusões, levando em consideração ser uma pesquisa em andamento e um debate ainda não
finalizado. Todavia, cabe o espaço de considerações (não finais) e hipóteses que puderam ser
levantadas a partir do desenvolvimento do trabalho.
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A priori as formas vistas de imediato nas avenidas são as do circuito superior da economia,
todavia vale o questionamento do quanto o circuito inferior também está presente nessas avenidas
e quais são suas formas de adaptação nesses espaços que mais valorizados, onde há pontos inviáveis
para os mesmos como os alugueis serem mais caros que em outros espaços.
Como visto o circuito superior tende a se instalar em espaços valorizados pois lhes são
locais mais propícios tanto no que diz respeito ao mercado de consumo de maior poder aquisitivo
como as infraestruturas e serviços desses locais, porém mesmo nos bairros menos valorizados há
presença desse circuito ao longo das avenidas, cabe questionamento se seriam as avenidas uma
exceção à realidade desses bairros? Ou seriam as avenidas influenciadas pela diferença socioespacial
modificando o seu conteúdo de acordo com a realidade onde ela passa?
Há inúmeras perspectivas que podem tomar como ponto de partida os dois circuitos da
economia urbana a partir dos comércios de alimentos e suas configurações à partir das
desigualdades socioespaciais, discussões sobre adaptações desses dois circuitos nos espaços de
acordo com suas diferenças de infraestruturas, serviços e mercado de consumo, predominância dos
mesmos, fixos e fluxos, influências direta e indireta na realidade socioeconômica da população dos
bairros, etc.
Vale pontuar que o tema da pesquisa está em constante atualização, ora pois, a realidade
não é neutra, surgem novas técnicas, a globalização é uma realidade que se acentua cada vez mais,
assim como o capitalismo solidifica-se gradativamente intensificando suas características tanto nas
desigualdades dos circuitos, quanto na população e na cidade.
REFERÊNCIAS
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Disponível em: <
https://cnae.ibge.gov.br/?view=divisao&tipo=cnae&versao=10&divisao=56>. Acesso em: 20/09/2020. LEFEBVRE, Henry. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. POSTALI-SANTANA, Valéria Barreiro. A cidade contemporânea e os dois circuitos da economia urbana: o que há de novo?. In: BOVO, Marcos Clair; COSTA, Fábio Rodrigues da (org.). Estudos urbanos: conceitos, definições e debates. 2017. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. Ed. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo. 2006. _______, Milton. O espaço Dividido: Os dois circuitos da Economia Urbana dos países subdesenvolvidos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. SILVA, Romero Rossano Tertulino da. A importância de Mossoró para o contexto econômico potiguar. Revista RUnPetro, ano 3, n. 2, p. 53-63, abr/set, 2015 SILVEIRA, Maria Laura. Da pobreza estrutural à resistência: Pensando os dois circuitos da economia urbana. Ciência Geográfica - Bauru - XVII - Vol. XVII - (1): Janeiro/Dezembro – 2013. ________, Maria Laura. Modernização contemporânea e nova constituição dos dois circuitos da economia urbana. Revista GEOUSP, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 245-261, maio./ago. 2015. SOUZA, Silmara Lopes de, SANTOS, Clélio Cristiano dos. A pobreza e os dois circuitos da economia urbana: reflexões teóricas. VII Congresso Brasileiro de Geógrafos. Vitória-ES, 10-16 de Agosto, 2014.
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MASCULINIDADES SOBRE RODAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIVÊNCIA URBANA DE HOMENS SKATISTAS EM PONTA GROSSA,
PARANÁ
Jean Rary Filipaki Carneiro (Universidade Estadual de Ponta Grossa)
E-mail: jeanraryj@gmail.com
André de Morais (Universidade Estadual de Ponta Grossa) E-mail: andremorais.geo@gmail.com
Marcio Jose Ornat (Universidade Estadual de Ponta Grossa)
E-mail: geogenero@gmail.com RESUMO
Este artigo compreende a instituição de masculinidades de homens skatistas, a partir de suas vivências no espaço urbano de Ponta Grossa – PR. Para tanto, optamos por dividir a operacionalização dessa pesquisa em dois momentos. O primeiro momento tratou do levantamento de uma produção teórica que reflete sobre os fenômenos urbanos, que estão em diálogo com a vivência urbana de skatistas. O segundo momento desta investigação esteve relacionado a realização de um trabalho de campo junto ao grupo de skatistas da cidade de Ponta Grossa, com o intuito de produzir um diário de campo, que permita a reflexão sobre os relatos desses sujeitos e da observação do comportamento do grupo. Compreendemos que os skatistas de Ponta Grossa – PR instituem suas identidades a partir de suas interrelações e, portanto, através de espacialidades específicas às suas vivências. Para Massey (2008), o espaço é produto de interrelações, é múltiplo e está em constante construção. As identidades são marcadores culturais e, por isso, dinâmicas, como afirma Hall (2011). Portanto, a faceta identitária de gênero, como são as masculinidades, podem se apresentar de diferentes maneiras conforme as espacialidades onde são instituídas. Por assim dizer, essas identidades podem ser centrais e/ou marginais, conforme apresentem ou não características que são consideradas válidas nas relações de poder, através da intersecção com outras facetas e, para além, conforme a escala. Suas vivências podem ser significadas enquanto centrais e/ou marginais e, deste modo, colaborar com o enriquecimento do escopo teórico da Geografia. Palavras-chave: Espaço, Skate, Masculinidades.
INTRODUÇÃO
Este texto realiza um conjunto de considerações iniciais sobre a relação entre as vivências
de homens skatistas no espaço urbano da cidade de Ponta Grossa – PR e a elaboração de suas
masculinidades. As vivências dos sujeitos se dão através de relações sociais que são intrínsecas à
existência de espacialidades. Neste sentido, Massey (2008) argumenta que o ‘espaço’ é resultante
das interrelações e que, portanto, está em constante transformação – à curso dessas mesmas
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interrelações -, além de ser múltiplo ou, em outras palavras, apresentar um range de diferentes
especificidades e particularidades plurais.
Apresentamos aqui uma proposta de se pensar o espaço através do olhar específico de
determinados sujeitos, os skatistas. Os sujeitos que vivenciam a realidade através dessa prática
assumem características específicas ao grupo, construindo suas identidades constantemente, com
base na aceitabilidade ou rejeição deste mesmo grupo (POLLACK, 1992), com base em códigos e
práticas construídos historicamente desde a década de 1970. O skate enquanto uma prática
esportiva e cultural, tem sua história muito recente no Brasil.
Neste ponto específico, optamos por observar apenas com mais profundidade uma faceta
identitária, a de gênero, através das masculinidades que, embora representem uma das possíveis
facetas assumidas por estes homens, se constituem de maneira interseccional com outras, como as
de raça, classe, sexualidade, dentre outras.
Segundo Scott (1995), o gênero funciona enquanto um mecanismo de regulação das
relações de poder, onde se constroem igualdades e desigualdades a partir de uma noção binária da
existência do ‘homem’ e da ‘mulher’, que se apoia em uma estrutura patriarcal. Estas relações, que
se desenvolvem com base na desigualdade e/ou igualdade entre sujeitos, se constituem de discursos
que afirmam ou negam determinados ‘padrões’ e ‘ideais’ do que é ‘ser homem’.
Silva e Ornat (2011) apontam com base em Connel (1995), através do que o autor afirma
enquanto ‘masculinidade hegemônica’, que os homens não são somente homens, apesar de deterem
uma posição dominante quando se refere à estrutura patriarcal em relação às mulheres. Isso se dá
pelo fato de que os homens constituem diversas apreensões acerca do real, simbólicas, físicas e
materiais e, aqueles que fogem do ideal de ‘masculinidade hegemônica’ são marginalizados na escala
que se refere à identidade masculina.
Ainda é preciso afirmar que essas masculinidades ditas periféricas ou marginais podem
também se estabelecer enquanto centrais em relação às escalas que constituem cotidianamente. Isso
significa que, embora em uma escala específica, determinados sujeitos sofram marginalização,
noutras escalas novos significados podem ser elaborados enquanto legítimos. O recorte assumido
para este momento presume deste modo que o grupo de skatistas, o qual se refere esta reflexão
pode ser constituído por homens que exercem suas masculinidades de maneira marginal em
diversas escalas da cidade, porém podem elaborar estratégias para atingirem a centralidade das
relações sociais em outras escalas.
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Diante do exposto, este artigo visa colaborar com as reflexões acerca de sujeitos
específicos e suas particularidades, visto que, segundo Ornat (2008), a Geografia Pós-Saueriana
ainda tem negligenciado discussões acerca da temática de gênero e sexualidades.
Para demonstrar de que modo estes homens vivenciam suas realidades e como a(s)
faceta(s) de masculinidade(s) estão presentes em suas práticas cotidianas, correlacionamos relatos
resultantes de um diário de campo com a revisão teórico-científica que possa produzir novos
questionamentos acerca do fenômeno. Reafirmamos aqui que este trabalho não busca assumir uma
verdade para se pensar as problemáticas acerca do espaço urbano das cidades, mas uma das
possíveis maneiras de se fazer Geografia.
METODOLOGIA
Para que fosse possível a elaboração dessa reflexão, optamos por dividir a operacionalização
metodológica a partir de três etapas; 1) Levantamento de referencial teórico específico à temática;
2) Levantamento de produções em nível de pós-graduação nas IES brasileiras a partir da plataforma
da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) do IBICT e; 3) Realização de
trabalho de campo a fim de estabelecer contato com o grupo de skatistas de Ponta Grossa – PR.
A primeira e a segunda etapas trataram-se da busca pela estruturação de um lastro teórico
que possibilite a validação do olhar sobre o fenômeno a partir de uma perspectiva científica e,
sobretudo, geográfica. Em primeiro lugar, optou-se por realizar uma busca por autores e autoras
que tratem de modo mais amplo a respeito de fenômenos urbanos, de modo interdisciplinar. Em
segundo lugar, o levantamento realizado na plataforma do IBICT constituiu-se em uma busca
específica no âmbito dos programas de pós-graduação existentes no país, para analisar a amplitude
das preocupações científicas acerca da problemática em questão.
A partir deste levantamento, realizado no início do mês de outubro de 2020, em 3 etapas,
foram localizados 29 trabalhos, divididos em 23 dissertações de mestrado e 6 teses de doutorado.
As palavras-chave utilizadas foram, respectivamente, em cada uma das etapas: 1) Espaço; skate; 2)
Espaço; skate; homem; 3) Espaço; skate; masculinidade.
Como resultado da primeira etapa, foram localizados 28 trabalhos, sendo 23 dissertações
e 5 teses. Nenhum dos trabalhos foram produzidos sob o âmbito de programas de pós-graduação
em Geografia. Na segunda etapa, nenhum trabalho fora localizado. Por fim, na terceira etapa, fora
localizado apenas 1 trabalho, sendo 1 tese de doutorado, produzido sob o âmbito do programa de
pós-graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS.
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O levantamento realizado na plataforma do IBICT permite que afirmemos acerca da
inovação teórica no escopo da Geografia sobre o assunto em questão, o que colabora para a
relevância deste trabalho.
Por fim, o trabalho de campo fora realizado nos dias 10 e 11 de janeiro de 2020, o que
permitiu uma maior aproximação com o grupo de skatistas de Ponta Grossa – PR, possibilitando
a produção de um diário de campo, com relevantes notas que compõem esse trabalho a fim de
produzir um lastro empírico para esta pesquisa.
Ainda, é importante afirmar que, embora esses procedimentos tenham sido aplicados,
dois autores deste trabalho têm suas vivências perpassadas pela prática do skate, tendo sido ou
ainda sendo skatistas, o que permite inferir um olhar ‘de dentro’ do fenômeno.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O skate, que pode ser considerado um esporte radical, acompanhou a tendência de outras
manifestações esportivas que surgiram e/ou se fortaleceram na década de 1970, principalmente
nos Estados Unidos, que apresentavam propostas diferentes daquelas visualizadas até o momento,
de modo majoritário, nos esportes olímpicos (BRANDÃO, 2008).
Brandão (2008) aponta que em conjunto com a maior adesão da população em relação
aos chamados esportes radicais, também se configuraram outras características intrínsecas a estes
esportes, como uma estética própria, a produção de novos sentidos e, até mesmo, vestimentas. No
Brasil, com o skate, não foi diferente.
Na década de 1970, ainda pouco se falava sobre esse ‘novo’ esporte que, apesar de
apresentar registros da primeira fabricação em 1938, somente em 1968 começa a ser utilizado de
modo cotidiano por jovens estadunidenses, sobretudo para transporte. Brandão (2008) destaca que,
ao chegar no Brasil, já na década de 1970, o skate era chamado de ‘surfinho’, pois era encontrado
apenas em surf shops, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo o autor, com a escassez de pistas destinadas exclusivamente à prática desse
esporte, pelo tom de novidade, a apropriação de locais como ruas, estacionamentos e outros locais
do espaço urbano com uso destinado para outras atividades, passa a ser apropriada pelos skatistas
pioneiros no país. A promoção deste esporte, não apenas como uma prática, mas também com
uma culturalidade instituída com códigos próprios, uma linguagem específica que envolve gírias e
vocabulário em inglês, além de outros fatores, tais como denomina o autor de ‘anarquia urbana’,
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que trata-se da postura não subserviente dos skatistas ao Status Quo, se fortaleceu através de veículos
de imprensa impressa, como a revista 100%, a revista Yeah, a Tribe, dentre outras.
Ainda em diálogo com Brandão (2008), podemos afirmar que o skate, dentre os esportes
não olímpicos, é um dos mais praticados, com cerca de 2,7 milhões de pessoas adeptas1 no Brasil,
com a maior parte de praticantes pertencentes à classes de renda menos abastadas. Segundo
Figueira e Goellner (2011), no skate brasileiro é “notória a posição de centro ocupada pelos
homens, considerados como os referentes” (FIGUEIRA; GOELLNER, 2011, p. 245). Deste
modo, o universo ‘masculinizado’ do skate no país tem relação direta com as facetas identitárias
dos sujeitos que o compõem2.
Duncan (1999), através do seu texto The city as text, constrói um argumento que define a
possibilidade de se ler a cidade enquanto um texto. Na noção do autor, a partir dessa compreensão,
tem-se o fato de que as cidades são como textos escritos por diversos autores, sendo estes autores
sujeitos sociais com múltiplas vivências e experiências. As práticas sociais relacionadas ao skate
seriam então como textos escritos por sujeitos que apreendem a cidade de um modo particular às
suas vivências.
A relação entre a percepção da cidade enquanto texto, conforme argumentado
anteriormente, com a noção do skate enquanto uma prática instituída por sujeitos cujas vivências
são muito particulares e caminham de acordo com suas identidades, está alinhada com a
compreensão do conceito de espaço sob a perspectiva de Massey (2008). A autora compreende o
espaço enquanto uma tríade, sendo cada um dos elementos dessa tríade complementares. Em
primeiro lugar, o espaço é o produto de interrelações. Essas interrelações se instituem a partir da
existência de diversos sujeitos e, para tanto, se dão de inúmeras maneiras. Por isso, em segundo, o
espaço é múltiplo. Essa multiplicidade argumentada pela autora é significada pelas múltiplas
especificidades intrínsecas aos sujeitos e às suas trajetórias de vida. Por último, por compreender
1 Brandão (2008) argumenta que o skate é um dos esportes radicais mais praticados no Brasil com base em um levantamento realizado pelo Datafolha em 2002. Deste modo, com o aumento populacional significativo no Brasil e o aumento, sobretudo, da população jovem, pode-se imaginar que hoje há um número ainda superior de praticantes do skate no país. 2 É importante afirmar que, assim como demonstram as autoras Figueira e Goellner (2011), o skate se constrói historicamente, inclusive no Brasil, enquanto uma prática masculina. Tal prática é perpassada por apreensões do real que correspondem a esse fator e, deste modo, marginaliza sujeitos que não correspondem aos padrões hegemônicos do que é ‘ser homem’ no mundo do skate. Isso torna extremamente válido o debate acerca da presença feminina neste esporte, como fizeram brilhantemente as autoras supracitadas. No entanto, este artigo problematiza a relação dos homens praticantes do skate em relação aos ideais de ‘ser homem’ em outras escalas da cidade e, para além, como se estabelece a relação de centro e margem dos homens e suas masculinidades na própria escala do skate.
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que o espaço é produto de interrelações e que essas são múltiplas, ele está em constante construção,
em um processo constante de fazer-se e desfazer-se, nunca acabado.
Os skatistas que vivenciam seus cotidianos através da cidade de Ponta Grossa – PR,
instituem espaços, portanto, de acordo com suas apreensões acerca da realidade, que são traduzidas
através de suas vestimentas, gírias, formas de se relacionarem uns com os outros, gêneros musicais
a serem ouvidos, dentre outras materialidades que trazem consigo uma razão simbólica de ser. As
múltiplas escalas espaciais vivenciadas por esses sujeitos têm em si, simultaneamente impressas,
essas características, do mesmo modo que estes mesmos sujeitos têm suas identidades corroboradas
por essas espacialidades.
Hall (2011) afirma que as identidades são um construto social, ou seja, não se colocam
como um marcador fixo, pré-discursivo, mas como um componente do sujeito. Aqui se valida o
argumento postulado por Massey (2008), do espaço enquanto dinâmico e múltiplo, dado fato de
que as identidades por suas facetas também são múltiplas, constantemente mutáveis, sendo
maleáveis às relações sociais/interrelações. Nas palavras do autor:
A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente, não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. (HALL, 2011, p. 13)
As identidades dos skatistas, elaboradas através de múltiplas escalas, conforme já
argumentado, são compostas por múltiplas facetas. Essas facetas podem ser traduzidas em
marcadores, tais como ‘gênero’, ‘sexualidade’, ‘racialidade’, ‘classe social/de renda’, ‘idade’ etc.
Compreendemos que essas identidades são constantemente negociadas, sendo validadas ou
invalidadas, de acordo com as relações a partir das quais são instituídas (POLLACK, 1992).
Nenhuma dessas facetas são vivenciadas de modo solitário, porém se interseccionam e
compõem os sujeitos cotidianamente, de modo simultâneo, conforme aponta Crenshaw (2002).
Para a autora, as facetas identitárias correspondem a estruturas de opressão, onde se fazem
presentes discursos que hegemonizam determinadas características em detrimento de outras. Essas
características que compõem os sujeitos por meio de suas facetas identitárias, estão ligadas a estas
estruturas de opressão, como a estrutura patriarcal e a identidade de gênero, a estrutura
heteronormativa e a identidade de sexualidade, a estrutura de opressão racial e a identidade de raça,
dentre outros.
O que torna um sujeito central em relação a essas estruturas de opressão, trata-se do
discurso produzido ao longo de uma sucessão histórica não linear, por meio das relações sociais.
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Foucault (1971/1999) argumenta que há discursos que permanecem enquanto ‘narrativas maiores
que outras’, que colocam algumas narrativas em uma posição superior às outras narrativas. Nas
palavras do autor, “Suponho, mas sem ter muita certeza, que não há sociedade onde não existem
narrativas maiores que se contam, se repetem ou se fazem variar; fórmulas, textos, conjuntos
ritualizados de discursos que se narram, conforme circunstâncias bem determinadas (...)”
(FOUCAULT, 1971/1999, p. 22)
Aqueles sujeitos que correspondem ao que se considera ‘ideal’ dentro dessas narrativas,
deste modo, têm suas vivências centralizadas nas relações, enquanto aqueles que não
correspondem, são marginalizados. Em resumo, nessas estruturas de opressão, há o que se
considera aceito enquanto legítimo para ocupar uma posição central na sociedade como, por
exemplo, ser homem para a estrutura patriarcal, ser heterossexual para a estrutura heteronormativa,
ser branco para a estrutura de opressão racial.
A co-existência dessas facetas identitárias e dessas estruturas de opressão podem
intensificar a marginalização dos sujeitos em determinadas escalas e atenuar em outras, a depender
das características que compõem cada uma das pessoas. Um exemplo claro e outrora relatado por
Hall (2011), é a história de um congressista norte-americano que concorria para assumir uma
posição de maior centralidade no congresso e que, para atingir a ala de conservadores brancos, se
aliou ao partido republicano. Por ser negro, o partido democrata levava em consideração a
possibilidade desse congressista assumir esse papel, mesmo aliado aos republicanos. O ponto é que
este congressista se envolveu em um episódio de assédio sexual para com uma mulher, sofrendo
rechaço dos democratas e por parte da ala dos republicanos ocupado por mulheres. Essa história
nos ilustra perfeitamente como as estruturas opressoras permeiam os sujeitos e as suas decisões,
podendo legitimar a trajetória central de um ou mais sujeitos. Para este homem negro ser aceito
por conservadores, se aliou à ala menos progressista. Os democratas, por serem progressistas,
levaram em consideração o seu papel enquanto um símbolo histórico. Por outro lado, quando este
agiu de maneira violenta para com uma mulher, perdeu o apoio dos democratas e de parte da ala
conservadora. Aqueles que mantiveram apoio tratam-se de sujeitos centralizados a partir da
estrutura patriarcal.
Por isso, quando afirmamos que um homem não é apenas um homem, queremos afirmar
que este homem também é branco ou negro, rico ou pobre, heterossexual, homossexual ou
bissexual etc. e, para além, que essas características acabam por centralizar mais ou menos esses
homens com base nas escalas espaciais instituídas por eles. Neste aspecto, os skatistas da cidade de
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Ponta Grossa – PR podem ser marginais e centrais, variando suas posições com base nas
espacialidades que compõem através de suas vivências.
Silva et al. (2012) colaboram nessa discussão, quando afirmam que a masculinidade:
(...) não se desenvolve em um sentido único, mas por meio de tensões entre masculinidades que se estruturam nas relações de dominação como subordinadas, cúmplices ou marginais, sendo que estas três categorias podem definir-se em termos de classe, raça, sexualidade etc. (SILVA et al., 2012)
Quando pensamos as masculinidade dos skatistas, trazemos algumas indagações: Essa
identidade de gênero construída por várias espacialidades, dentre elas aquela que corresponde ao
skate, também se relaciona com as outras escalas da cidade? Ser skatista permite a esses sujeitos
alcançarem a centralidade, enquanto homens, em outros espaços onde não existem skatistas? Pela
prática esportiva, ser skatista constitui quais diferenças em relação às pessoas que não praticam este
esporte especificamente?
Para que essas perguntas, aliadas ao questionamento central e às questões específicas
relacionadas na introdução desse artigo pudessem ser respondidas, fora realizado algumas saídas à
campo para efetuar conversas com skatistas que estivessem praticando em locais frequentados por
eles em Ponta Grossa – PR: Pista de Skate da Arena Multiuso; Parque Ambiental; e, Pista de Skate
da Santa Paula. As duas primeiras, localizam-se no centro da cidade e a terceira em um bairro
localizado na região norte da cidade. O trecho de diário de campo abaixo colabora para a discussão
apontada até o momento:
Comecei a conversa com um rapaz que já estava andando na pista, que estava acompanhado de sua namorada. Perguntando onde ele morava, o rapaz respondeu que veio da cidade Brasília e agora mora no bairro da Ronda, mas por questão de estrutura da pista boa, prefere andar na região central. Em seguida perguntei se ele via mulheres praticando o esporte, ele respondeu “os cara são muito pra trás, ideia muito retrograda, as mina vem andar e os cara só quer dar em cima delas, mas isso tanto os cara das antiga como a rapaziada mais nova”. Em seguida perguntei se o grupo de amigos skatistas dele eram apenas homens e ele comentou que sim. Realizei essas perguntas, pois as lembranças pessoais que tinha das pistas, eram de ver pouquíssimas vezes mulheres praticando o esporte. A outra pergunta foi com relação às vestimentas. Perguntei se o fato de utilizar roupas de marcas gera uma sensação de pertencimento maior ao grupo de skatistas, quando me respondeu: “claro, dá uma visibilidade maior, parece que você pertence à parada, você se sente mais dentro”. Essa mesma pergunta foi feita para outros três rapazes que estavam na pista no dia, e todos eles falaram que usar roupa de marca não tinha relação nenhuma com pertencimento do grupo. Nesse momento, percebi uma incongruência entre a fala dos sujeitos com o observado, visto que todos se vestiam com roupas das mesmas marcas, inclusive se tratando daquelas que o primeiro rapaz listou
sobre serem objetos simbólicos de pertença ao grupo. (Trecho de Diário de Campo)3
3 Diário de campo produzido a partir de saídas realizadas durante os dias 10 e 11 de janeiro de 2020, por Carneiro (2020).
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Com base no avanço do diálogo com o grupo, fora questionado do modo como eles
apreendem suas autoimagens com relação à sociedade, com intuito de se evidenciar as impressões
acerca de suas masculinidades. Um fragmento do resultado do diálogo com os skatistas pode ser
observado a seguir:
Aproveitei de uma ociosidade em minha rotina e me encaminhei até o centro, chegando no Parque Ambiental, com o intuito de procurar alguns skatistas e perguntar sobre como se sentem sendo skatistas. O intuito dessa saída foi de um ‘ponto de partida’ de se buscar compreender, a partir de seus pontos de vista, se eles se sentem periféricos ou centrais em relação ao restante da sociedade. Um deles comentou: “a gente é marginalizado, tanto pelo lado que tem muitos caras que andam, que já fizeram merda, mas também por não ser um esporte tipo igual o futebol. Só o fato de a gente já tá na rua já influencia, tirado como vagabundo... Tipo, eu trampo e não posso levar o skate pro trabalho, mesmo sendo minha condução. Para mim é horrível falar isso, mas é a realidade que eu vivo. Mesmo eu curtindo o skate”. Logo perguntei se ele se sente bem em relação à cidade sendo quem é. Sua resposta foi de que: “na pista não sofro nenhum preconceito, é meu ambiente natural, na rua não ia ser legal, a galera olha torto...”. Em seguida, ele foi interrompido por um amigo, que disse: “conta lá daquela vez da feirinha”. O relato: “eu tava passando pela feirinha do restaurante popular, era rua de asfalto e eu tava remando o skate, só que eu passei no meio da feira. Mas eu não tava rápido, aí eles se sentiram ofendidos e um feirante tacou uma cadeira em mim. Aí eu dei uma desviada e perguntei o motivo, o feirante respondeu que já foi falado que não queria skatista lá. Eu saí fora”. Notei que eles comentavam dessas situações com um pouco de orgulho. Essa última fala gerou novos comentários de agressões sofridas que, à primeira vista, pareciam significar tais agressões como se fossem motivo de altivez. Suponho, à luz de minha experiência enquanto skatista e também através deste relato, que esse significado orgulhoso, assume um sentido de que, para ser um skatista “verdadeiro”, é necessário que se passe por isso. (Trecho de Diário de Campo)
Portanto, as masculinidades dos skatistas de Ponta Grossa – PR não podem ser
generalizadas a apenas um ‘formato’ de masculinidade, levando em conta que cada um dos sujeitos
que compõe as espacialidades perpassadas pela prática do skate tem suas trajetórias de vida
específicas, suas apreensões de vida particulares, mas que se intercruzam a partir dessa prática.
Rossi (2010) afirma que as masculinidades não podem ser definidas segundo um só padrão que
hierarquiza os homens entre si, mas sim deve-se levar em consideração que essas masculinidades
são complexas, que vão além de “um jogo direto e simples de significados” (ROSSI, 2010, p. 90).
Quando questionados sobre o modo como apreendem suas realidades, inicialmente sob
a percepção deles enquanto homens em relação à prática do skate por mulheres, sobre a sensação
de pertença ao grupo a partir das vestimentas e, posteriormente, sobre como se sentiam em relação
às outras escalas da cidade, os skatistas com quem estabelecemos diálogo permitiram que fossem
elaboradas pequenas impressões acerca das suas múltiplas masculinidades.
Por se tratar de um esporte cuja história é marcada pela transgressão do status quo, pela
elaboração de identidades de jovens, por sobretudo ter a marcante presença de figuras de
masculinidade, o skate vivenciado a partir de diferentes escalas de diferentes cidades, possibilita
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que estes homens constituam significados próprios acerca de suas identidades e, com isso, sobre a
faceta de gênero.
É marcante, muito embora existam algumas contrapartidas em meio aos relatos acima
demonstrados, o reforço de uma masculinidade central em relação à prática do skate, seja através
de aparatos simbólicos, como as vestimentas que permitem o acolhimento do indivíduo perante ao
grupo, ou apoiada na marginalização de outras identidades, como a feminina, quando
instrumentalizam a opressão patriarcal ao não respeitar mulheres que, muitas vezes, têm interesse
de praticar o mesmo esporte. Em contrapartida, essas masculinidades são marginalizadas a partir
da relação com outros sujeitos, através de outras espacialidades, como na citada Feira (localizada
na extensão do Parque Ambiental), ou até mesmo na interdição da permissibilidade de outro
skatista de se locomover até o seu trabalho utilizando-se de seu skate. No sentido de validar este
argumento, dialogamos com Silva et al. (2012), que definem:
O espaço é multidimensional e multiescalar, relacionando-se a sujeitos plurilocalizados. Assim, um mesmo sujeito pode estar em posição periférica nas relações de poder no espaço privado da família e ocupar uma posição central no espaço público junto a um grupo de adolescentes. A posicionalidade dos sujeitos varia de acordo com as relações de poder e os atributos que estão em jogo em cada espacialidade vivenciada junto aos outros sujeitos ou grupos sociais. Esses atributos podem ser de diversas naturezas, como raça, renda, gênero, religião e sexualidade, entre outras. (SILVA et al., 2012, p. 145)
Portanto, podemos afirmar que é através das vivências no espaço urbano que estes
homens skatistas elaboram suas masculinidades, elaboração esta não realizada em relação a um
espaço fixo e monolítico, mas múltiplo, multidimensional e multiescalar. É através desta dinâmica
que estes jovens homens demonstram que “esperança é o que não morre / Não desanda e faz um
corre no skate, faz até enfeite”4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente texto refletiu sobre a relação entre as vivências de homens skatistas no espaço
urbano da cidade de Ponta Grossa – PR e suas masculinidades instituídas.
Com o questionamento supracitado, fora realizada, em primeiro momento, uma síntese
teórica em diálogo com autores e autoras que pensam acerca das ‘palavras-chave’ apresentadas pela
questão, sendo o ‘espaço’, o ‘skate’ e as ‘masculinidades’. Posteriormente, atestamos que ainda é
nova a discussão que relaciona estes termos na Ciência Geográfica a partir de um levantamento
realizado segundo a BDTD/IBICT, onde foram localizados poucos trabalhos a respeito do
4 A Banca” (Nadando com os Tubarões — 2000), Charlie Brown Jr.
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fenômeno do skate no Brasil e, quanto à relação deste fenômeno com os outros dois termos, a
inovação se faz ainda maior.
Finalmente, a partir da realização de um trabalho de campo, foi possível colher relatos
dos skatistas a partir de questionamentos sobre seus olhares sobre si mesmos em relação ao skate
e às outras espacialidades vivenciadas por eles nas cidades, além da observação comportamental, a
fim de estabelecer um ‘ponto de partida’ a respeito da compreensão sobre as masculinidades destes
homens.
Diante da discussão desenvolvida ao longo do corpo deste artigo, novos questionamentos
se fazem necessários, tais como: Qual a relação de outras facetas identitárias na constituição das
masculinidades desses skatistas? Como as mulheres que praticam o skate se sentem a partir das
relações com esses homens? Como o espaço urbano da cidade de Ponta Grossa – PR inclui ou
exclui a prática do skate segundo seus arranjos físicos (GOMES, 2014)?
São com estes questionamentos que encerramos essa seção. Ainda, Gomes (2009) afirma
que a Geografia não se dá pela posse de um objeto, um conceito fundante, porém a partir da
pergunta que se faz acerca de um determinado fenômeno, pois onde há relações sociais, há uma
lógica de dispersão espacial. Finalmente, este artigo colabora com uma das possíveis perguntas
acerca das espacialidades instituídas por homens skatistas, através da cidade de Ponta Grossa – PR
e de suas diversas escalas.
REFERÊNCIAS
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DAS RODAS DE CHIMARRÃO À PRODUÇÃO DE ERVA-MATE NO SUL DO BRASIL: UMA BREVE ANÁLISE GEOGRÁFICA
Tiago Wilian Rocha Dalmora (Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó)
E-mail: tiagowiliamrochadalmora@gmail.com
Fabiane Ripplinger (Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Chapecó)
E-mail: fabianeripplinger2@gmail.com
RESUMO
A Erva-Mate é um produto muito consumido pela população do Sul do Brasil. Tendo isto em vista, o presente artigo propõe-se a discutir e tentar compreender a produção ervateira presente nos estados sul brasileiros, bem como elencar alguns dos costumes, da sua origem e da história em torno da Ilex Paraguariensis. Inicialmente trazemos uma breve introdução ao tema, seguido da metodologia e dos resultados e discussões com base na distribuição natural da erva-mate, bem como alguns aspectos históricos e produtivos. Neste sentido, observa-se que a produção tem crescido expressivamente no estado do Paraná. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul a produção nos últimos anos teve leves aumentos, seguidos de quedas produtivas e ficando bem abaixo do nível produtivo paranaense. São diversos os problemas enfrentados nesta produção, desde a grande utilização de mão de obra humana manual até questões logísticas e de comercialização. Necessita-se um maior estímulo a esta produção por parte do governo por meio de políticas públicas. Palavras-chave: Ilex Paraguariensis, Especialização produtiva, Produção ervateira. INTRODUÇÃO
De acordo com Chechie Schultz (2016), a produção de erva-mate, corresponde a um dos
principais produtos florestais não madeireiros que são cultivados no Brasil e na Argentina, além de
que “[...] é uma das atividades mais características da região sul do Brasil, apresentando importância
socioeconômica e ambiental nos municípios onde ocorre” (CHECHI e SCHULTZ, 2016, p. 9). A
partir disto, pretende-se compreender como há em algumas áreas da porção sul do território
brasileiro a constituição de uma especialização regional produtiva ervateira.
Neste sentido, Santos e Silveira (2016, p. 136) entendem que “são as condições técnicas e
sociais, e não mais naturais que determinam as especializações territoriais” e essas especializações
criam economias de aglomeração de atividades complementares, em que se pode verificar as
diferentes interseções do circuito produtivo (SANTOS; SILVEIRA, 2016). Circuito esse entendido
pelos autores como importante ao ser usado como categoria de análise do espaço, com o intuito
de captar as dinâmicas do território, esforço esse necessário (Ibid., 2016).
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Os circuitos espaciais produtivos são entendidos como “[...] a circulação de matéria (fluxos
materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção distribuição,
troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente” (CASTILLHO;
FREDERICO, 2010, p.464). Além disto, aponta que os círculos de cooperação agem através “da
comunicação, consubstanciada na transferência de capitais, ordens e informação, (fluxos
imateriais), garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes
dispersos geograficamente [...]” (CASTILLHO; FREDERICO, 2010, p.464).
Por isso, devido à importância regional da produção da erva-mate e devido ao grande
consumo do produto na região organizou-se este trabalho com o objetivo de compreender as
dinâmicas espaciais da produção desta erva nos estados do sul do Brasil bem como apresentar de
maneira preliminar e introdutória a constituição de sua especialização regional, as bases físicas e
histórico-geográficas da produção e consumo, bem como identificar os principais agentes
(empresas ervateiras) envolvidos no setor.
METODOLOGIA
Desenvolveu-se a pesquisa de maneira exploratória através de análises bibliográficas, de
dados estatísticos referentes a produção e a partir disto constituiu-se produtos cartográficos
temáticos. Como base de informações e de dados qualitativos foram utilizados textos, artigos e
reportagens como Rigo et al (2014), Milan; Santos (s/d), Durayski (2013), entre outros, afim de
extrair mais informações relevantes a este estudo.
Como fonte de dados quantitativos, recorreu-se principalmente a base do IBGE/SIDRA
através da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS), Produção Agrícola Municipal
(PAM) e do Censo Agropecuário, dos quais dispõem dos mais diversos dados, com qualidade e
confiáveis. Destas pesquisas, extraiu-se dados como a quantidade produzida pelos três estados da
região Sul e nacionalmente, assim como a quantidade de hectares disponibilizados para esta cultura,
além do rendimento médio da mesma. Buscou-se desta forma, atingir os objetivos propostos a este
trabalho através da metodologia descrita acima.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Da Ilex Paraguariensis à roda de chimarrão: uma breve contextualização
Verifica-se que em 1820, segundo o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2017), Saint
Hilaire, um botânico francês classificou a Ilex Paraguariensis, planta também conhecida, entre outras
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nomenclaturas como “erva-mate, erveira [...], erva-chimarrão, [...] chimarrão, tereré, tererê, chá
verde nacional ou simplesmente mate” (BRASIL, 2017, p. 11). Esta ocorre naturalmente no
território sul-americano. De acordo com Oliveira e Rotta (1985), a área de ocorrência natural
da Ilex Paraguariensis, percorre todos os estados do Sul do Brasil, além dos estados de São Paulo e
Mato Grosso do Sul, bem como a Província de Missiones na Argentina e da parte Leste do
Paraguai.
É importante ressaltar ainda com base em Oliveira e Rotta (1985), que nessa região de
abrangência da espécie, também são encontradas áreas de campos naturais e da chamada Mata
Branca na bacia do Rio Uruguai, em que não ocorre a Erva-Mate. Gerhardt (2013, p. 59) entende
como a “[...] Ilex paraguariensis é caracterizada, do ponto de vista da Biologia e da Botânica, pela
complexidade”, além disso infere sobre a formação dos ervais, onde
É possível explicar, hoje, a formação dos ervais nativos no Sul da América como um processo predominantemente natural, resultado de características químicas do solo, da altitude, da concentração hídrica, do clima, da ação de animais dispersores de sementes e de outros fatores ambientais. Entretanto, é indispensável considerar também a ação humana, mesmo involuntária, sobre a formação e distribuição das florestas e dos ervais nativos. Não se pode ignorar a contínua intervenção dos povos indígenas Guarani, Charrua, Kaingang, Xokleng, Guaicuru, Paiagua e de outras etnias que habitaram o Sul da América sobre a dinâmica das florestas. (GERHARDT, 2013 p. 57)
Dessa maneira, compreende-se como a área de ocorrência da planta, que era bastante
consumida pelos povos autóctones da região, apresenta características edafoclimáticas marcantes
que possibilitam o desenvolvimento natural da erva-mate, no entanto é necessário ressaltar que
“[...] a ocorrência de ervais nativos, isto é, próprios ou originários da região, não é um fenômeno
meramente natural” (OLIVEIRA; ESSELIN, 2015, p. 284).
Com base em Figueiredo (1967, apud MORAES 2010) a produção ervateira no continente
Sul Americano pode ser periodizada em quatro fases, levando em consideração o agente de
controle da produção, sendo, a fase pré-missioneira, missioneira, paraguaia e brasileira. Desse
modo a primeira fase, pré-missioneira, caracteriza-se pelo contato espanhol com a planta no
território paraguaio (Ibid, 2010).
Para Oliveira e Esselin (2015, p. 310) durante o período colonial espanhol e euramericano,
ocorreu a exploração dos ervais nativos, principalmente na então Província do Guairá, que eram
terras ocupadas originalmente por indígenas Guaranis e sendo esta planta
considerada semidomesticada. Segundo os autores, a região da província supracitada, que
atualmente ocupa dentre outras áreas, sobretudo o Estado do Paraná, era constituída por florestas
densas em que havia a erva-mate. “Suas folhas eram especialmente utilizadas pelos indígenas ali
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estabelecidos para a produção de uma espécie de chá estimulante, [...], originalmente mais
consumido em contextos cerimoniais e religiosos” (OLIVEIRA; ESSELIN, 2015, p. 284).
Milan e Santos(s/d) afirmam que os indígenas usavam a erva-mate para além de um simples
costume. O consumo era ligado essencialmente com a espiritualidade da tribo. “Sabe-se que ela era
consumida, em infusão ou mascada, em diversas outras tribos além dos Guaranis, como pelos
ameríndios [...] e também por Caingangues que estavam na região onde hoje é o Paraná” (MILAN;
SANTOS, s/d). Assim sendo, de acordo com o Museu Paranaense (s/d, s/p), entre a “metade do
século XVI até 1632 a extração de erva-mate era a atividade econômica mais importante da
Província Del Guairá, território que abrangia praticamente o Paraná, e no qual fora fundado 3
cidades espanholas e 15 reduções jesuíticas”.
Para Moraes (2010, p.33) “é a partir dos colonizadores luso-hispânicos que será tecida uma
rede de comercialização, ocorrendo a escravização de indígenas pelos chamados mercadores [...],
que a partir de então disseminaram tanto o consumo quanto os registros sobre a erva”. Para a
mesma autora, de início o consumo do produto foi estigmado como algo negativo, pelas ordens
religiosas e autoridades espanholas que condenavam seu uso, mas como a produção ganhou
destaque por ser lucrativo, com o tempo a postura mudou, causando maior dinamicidade nas
explorações da matéria-prima. O mesmo é ratificado por Milan e Santos (s/d) quando citam que,
Nem sempre o consumo foi socialmente aceito. Nas Reduções Jesuítas no Paraná e no Paraguai, no início do século 17, os padres proibiram o uso. Acreditavam que era erva do diabo, alucinógena. Mas não tardou para que os missionários percebessem que os índios, sem o mate, aumentaram o consumo de bebidas alcoólicas, com consequente piora do desempenho no trabalho. Logo, os padres não só liberaram o uso da erva-mate como também passaram a consumí-la: era revigorante. Em uma cuia com uma bombilha de taquara, a erva em infusão servia de consolo para as gélidas madrugadas paranaenses. E foi além. Virou fonte de negócio aos jesuítas, que a vendiam, inclusive, para exportação. Os padres missionários também elaboraram, ainda que parcamente, algumas técnicas para a colheita e cultivo da planta. (MILAN; SANTOS, s/d, s/p)
A fase missioneira, para Figueiredo (1967, apud MORAES, 2010), marca a exploração da
produção ervateira pela implantação das Missões Jesuíticas, que detinham o mate como principal
atividade econômica e que inicialmente possibilitou a aproximação dos jesuítas com os nativos e
logo, o uso da mão de obra indígena na exploração. E em seguida, iniciou-se a plantação dos
primeiros ervais não nativos junto as missões, datando de 1660. Evento esse, que pode ter sido um
tanto complicado, permitindo aos jesuítas o domínio e exploração da cultura e do comércio, que
chega ao fim gradativamente, com os ataques dos bandeirantes, prisão dos trabalhadores e
apropriação territorial, levando a uma relevante queda nas produções com as expulsões das missões
jesuíticas, resultando no final da segunda fase. A partir da figura a seguir pode-se verificar a
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distribuição dos povos indígenas Tupi-guarani, área de ocorrência da erva mate e também a
localização das missões jesuíticas mencionadas anteriormente.
Figura 1: Erva-mate: Área de ocorrência natural
Fonte: Milan; Santos (s/d)
Com o circuito econômico estabelecido na fase precedente, ocorrem as explorações
paraguaias, principalmente através de ervais no território paraguaio e em possessões brasileiras,
principalmente no atual Mato Grosso do Sul, sem embargo, com a perda de interesse das
explorações pelo Paraguai, causou um maior dinamismo na produção brasileira e marcando o início
da última fase supra mencionada (FIGUEIREDO, 1967 apud MORAES, 2010).
Com esse fim do papel de destaque do Paraguai, inicia-se a quarta fase. Após 1820,
principalmente no “último quartel do século XIX é que a produção brasileira adquiriu
florescimento, ao inserir sua produção no mercado já estabelecido pelo Paraguai” (FIGUEIREDO,
1967 apud MORAES, 2010, p. 34). Ademais, salienta-se que com a mescla entre indígenas e
colonizadores, a diferenciação do que era considerado sagrado ou não foi sendo modificada,
passando a erva-mate a ser consumida no cotidiano e não mais especificamente em rituais sacros
(JUNGBLUT, 2008, apud DURAYSKI, 2013, p. 36). Desse modo, tal ato que se confunde entre
o sagrado e o profano, ocorre no cotidiano da população, principalmente sob formas de rodas de
chimarrão.
Gerhardt (2013, p. 228) salienta que “Embora existisse a prática de “matear sozinho”, beber
mate tem uma dimensão marcadamente coletiva e ligada à sociabilidade”, sendo desta forma, o
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costume do consumo para o autor, traduz-se em hospitalidade ao convidado. O mesmo é
defendido por Boguszewski (2007) quando esse disserta sobre isto e acrescenta que normalmente
respeita-se regras específicas de “etiqueta” em uma roda de chimarrão. Essas etiquetas podem ser
elencadas a partir dos escritos de Fagundes (2001, apud BOGUSZEWSKI, 2007, p. 23) “[...]
o cevador (aquele que faz o mate) é sempre o primeiro a beber, e como todos os demais, já que o
contrário seria interpretado como falta de educação, deve sorver o mate até esgotá-lo e fazer “a
cuia roncar”, passando na sequência a prover os demais participantes da roda. Além disso o autor
destaca como apenas o cevador possui outras atribuições, como ajeitar a bomba e a cuia, assim
demonstrando o seu conhecimento e familiaridade com a bebida (FAGUNDES, 2001 apud
BOGUSZEWSKI, 2007).
Portanto, compreende-se que a Ilex Paraguariensis no Brasil e principalmente na Região
Sul, ocorre devido a fatores que condicionaram historicamente seu consumo e produção, ligada
inicialmente aos povos indígenas e atualmente consumida cotidianamente por inúmeras pessoas
das mais diversas regiões brasileiras e do exterior. Devido a isso, questiona-se como organiza-se a
produção na atualidade, quais os subespaços do território sulino especializados na produção
ervateira, e quais as implicações socioespaciais desse circuito espacial produtivo tão presente no Sul
do Brasil. Assim através das próximas seções procura-se responder essas e outras questões relativas
ao setor.
Produção ervateira no sul do Brasil e a especialização regional
De acordo com o Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul o “Brasil é o maior produtor
com cultivo da erva-mate, considerada cultura permanente, assume importância particular nos três
estados da região sul do Brasil” (RIO GRANDE DO SUL, 2020), dessa forma nesta seção do texto
procura-se compreender como a produção comporta-se nos três principais estados produtores
desta no Brasil.
Há algumas décadas a produção da erva-mate foi mais intensiva em algumas áreas do Sul
do Brasil, porém com a intensificação da extração de madeiras, os ervais foram afetados,
principalmente na década de 1970. Com esta interferência, as áreas de produção da erva mate foram
diminuindo com o avanço das produções de algumas commodities como o milho e a soja,
especialmente em Santa Catarina, que passou a ter uma crescente produção dos insumos citados
anteriormente e que servem tanto de alimento de animais em nível local e regional - visto que a
presença de um dos maiores circuitos de carne da América Latina está presente nesta região
(PERTILE, 2007)- como para alimentação e para exportação (RIGO et al., 2014). A falta de mão
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de obra e a crescente troca e/ou aumento da produção de commodities mais valorizadas
comercialmente, são fatores que vem pressionando os produtores nos últimos anos.
Rigo et al. (2014) destaca que são poucas as informações disponíveis sobre a erva-mate,
principalmente sobre “[...] a quantia, valor, processos de produção, manejo, industrialização e
comercialização desses produtos. Estudos apontam que a temporalidade e variabilidade de sua
produção e mercados são as principais causas do déficit de informações (FIEDLER et al., 2008)”
(SANTOS et al. (2003), FIEDLER et al. (2008) apud RIGO et al. (2014)).
De acordo com a Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (IBGE, 2019), o Brasil
produziu aproximadamente 346.941 toneladas de erva-mate em 2018, do qual o valor estimado foi
de 399.783 mil reais. Sendo o Brasil, o maior produtor da América do Sul seguido pela Argentina
e Paraguai. Já em relação aos estados do Sul do Brasil, pode-se verificar a seguir a quantidade
produzida ao longo das últimas décadas.
Gráfico 1: Quantidade produzida de erva-mate na região Sul do Brasil
Obs.: sem distinção encontrada nos dados (folhas verdes, moída, nativa, tradicional ou outras formas).
Fonte: IBGE - Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura. Elaboração: Os autores (2020).
Entre os estados do Sul do Brasil, o Paraná lidera o ranking de produção da erva-mate por
toneladas sem haver distinção nos dados fornecidos pelo IBGE. Já Santa Catarina, em 1986
produzia mais que o Rio Grande do Sul, porém nos últimos anos a diferença produtiva foi
diminuindo a ponto de a produção Sul Rio-grandense ultrapassar a de Santa Catarina.
Neste mesmo sentido, observa-se as mesorregiões de maior produção da erva-mate no sul
do Brasil (mapa 1). Ocorre a maior concentração da produção nas mesorregiões Centro-Sul e
Sudeste paranaense, Oeste catarinense, Noroeste e Centro-Oriental do Rio Grande do Sul, sendo
que nas mesorregiões dos arredores destas também existe produção da erva-mate, porém em
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menor escala. Já nas mesorregiões mais próximas do litoral e dos extremos ao Norte do Paraná e
do Sul do Rio Grande do Sul são mais escassas tanto a ocorrência natural (conforme a figura 1)
como a mesma plantada por produtores.
Mapa 1: Produção de erva-mate no Sul do Brasil em 2018
Fonte: IBGE/SIDRA-Produção Agrícola Municipal (2019). Elaboração: Os autores (2020).
Ademais, pode-se analisar que nestas mesorregiões de maior produção, também ocorrem
variações expressivas, assim como a atuação de agentes hegemônicos através das ervateiras e
empresas ligadas a estas e aos produtores. Neste sentido, no mapa 2 verifica-se que o maior
rendimento de erva-mate (kg/ha) está presente de forma mais significativa nas seguintes
microrregiões: Três Passos e Carazinho, sendo seguidas por Santa Rosa, Frederico Westphalen,
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Santo Ângelo, Ijuí, Restinga Seca, Cruz Alta, Soledade, Guaporé, Caxias do Sul no estado do Rio
Grande do Sul e pela microrregião de União da Vitória no Paraná.
Mapa 2: Rendimento da produção de erva-mate e os municípios com indústrias ervateiras
Fonte: IBGE/SIDRA-Produção Agrícola Municipal (2019), IBRAMATE (s/d). Elaboração: Os
autores (2020).
Tendo em vista a dispersão regional das ervateiras e das áreas produtoras, verifica-se que
[...] quando em algum município mais distante do que 150 km de um parque industrial estabelecido ou o cultivo de ervais isolados ou até mesmo abandonados, sem adoção de práticas de manejo adequadas, que possibilitará a produção de matéria prima com qualidade, há grandes dificuldade na comercialização da Erva-mate por parte do produtor, causando resultados antieconômicos, e descrença na atividade, o que de um modo geral afeta a imagem do complexo ervateiro. (IBRAMATE, 2018, p. 4)
Ainda de acordo com a Ibramate (2018) a cadeia produtiva pode ser entendida como a
soma dos processos que determinado insumo passa até chegar-se ao produto final, a sua
distribuição e ao consumidor, assim como as empresas e ramos ligados a manutenção,
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equipamentos, fornecimento de insumos, entre outros. Nesse sentido, deve-se formular mais
políticas públicas para estimular a produção e dar mais condições aos produtores, como por
exemplo de acesso ao crédito, além disso, necessita-se detectar e corrigir os gargalos na produção
ou de logística existentes.
Por conseguinte, apesar da capacidade técnica existente, são diversos os percalços
enfrentados pelos produtores e demais trabalhadores do ramo, como a remuneração baixa, trabalho
ainda muito manual, entre outros. Estes fatores acabam implicando na desistência da continuação
produtiva da erva-mate em diversas regiões. Sendo o chimarrão o principal meio de consumo da
erva-mate e com certa estabilização interna e externa no consumo, visa-se a produção de novos
produtos para atrair o consumidor (IBRAMATE, 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, verifica-se a necessidade de dar mais visibilidade aos estudos sobre a erva-mate,
desde a produção, distribuição, questões logísticas, de consumo, das empresas e da cadeia produtiva
e do circuito espacial produtivo envolvido assim como as questões culturais e históricas.
Ressalta-se o aumento produtivo no estado do Paraná e a estagnação/redução em Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Devido aos limites de mecanização da produção e da colheita, bem
como a demanda de mão de obra manual, são inúmeras as dificuldades enfrentadas. O baixo
retorno financeiro da produção e a falta de políticas públicas voltadas a esta produção contribuem
para a desistência dos produtores deste ramo produtivo, assim como a dificuldade de escoamento
da produção até as empresas ervateiras.
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RELIGIOSIDADE POPULAR: A FÉ NO MONGE JOÃO MARIA, O CASO DE CARLÓPOLIS (PR)
Evandro Del Negro da Silva (Universidade Estadual do Norte do Paraná - Campus Jacarezinho) E-mail: evandronow@hotmail.com
RESUMO
Os estudos da religiosidade popular contribuem para a compreensão das diversas devoções populares existentes e dos locais sagrados repletos de símbolos e paisagens ligados a cultura religiosa e a identidade de um grupo especifico. O objetivo do trabalho é analisar a religiosidade popular dos habitantes de Carlópolis (PR) em relação ao Monge do Contestado e também observar a paisagem religiosa da Igrejinha do Monge João Maria, presente na espacialidade municipal. A metodologia da pesquisa inclui trabalho de campo com aplicação de entrevistas com os devotos, além do levantamento bibliográfico sobre a história do Monge, e a conceituação de religiosidade popular. Posteriormente correlacionar com alguns relatos dos devotos presente no município. Como resultado, é possível observar a fé dos indivíduos que passa de geração a geração, os símbolos que caracterizam o espaço da Igrejinha do Monge evidenciando assim uma paisagem religiosa, o espaço sagrado e a religiosidade popular dos habitantes ali presentes. Palavras-chave: Religiosidade Popular; Monge São João Maria, Carlópolis (PR).
INTRODUÇÃO
O trabalho buscou analisar a religiosidade popular no monge São João Maria, na
mesorregião do Norte Pioneiro Paranaense, dado pelos relatos de inúmeros habitantes de alguns
municípios da região, como por exemplo: Guapirama, Tomazina e Carlópolis, esse último possui
uma igrejinha com uma imagem do monge na área rural do município em sua devoção, sendo assim
o ponto de estudo da pesquisa.
Nesse sentido o trabalho tem como objetivo analisar a religiosidade popular dos habitantes
de Carlópolis (PR), no Monge do Contestado e também observar a paisagem religiosa da Igrejinha
do Monge João Maria, no município demonstrando alguns pontos, como a cultura, o viés histórico,
também busca demonstrar o que a figura do monge representa para os devotos e a formação dessa
religiosidade popular.
O referencial teórico que apoiou o estudo inclui Coelho (2017) na conceituação de
religiosidade popular, Auras (1984) na religiosidade cabocla no monge. Já para discutir as histórias
das três personalidades referentes ao monge “1º João Maria de Agostini: o santo (1844 - 1870); 2º
João Maria de Jesus: o político (1890 - 1908) e 3º José Maria: o guerreiro (1912)”, nos apoiamos
nos disseres de Feldhaus (2013), assim demostrando a história e a espacialidade que os monges
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percorreram ao longo da sua peregrinação, para a fundamentação teórica de paisagem religiosa será
citada Rosendahl (1997, 1999) e Gil Filho (2009).
Para a concretização desta pesquisa, foi realizado um trabalho de campo, em setembro de
2020, para conhecer a espacialidade religiosa presente no município e também foram aplicados
alguns questionários e entrevistas, abrangendo os religiosos e as pessoas com base histórica de seus
antepassados sobre a passagem do monge no município.
De fato, o trabalho buscou analisar um dos pontos aonde ocorre a religiosidade popular no
monge, sendo que é uma região onde ele passou, só que não tem muitos trabalhos acadêmicos
relacionados a temática com a região do Norte Pioneiro Paranaense.
RELIGIOSIDADE POPULAR
A definição de religiosidade popular pode estar relacionada a diversidade de manifestações
e a vivência de um determinado grupo, sendo assim um conjunto de crenças, símbolos da religião
tradicional, somando aos elementos da cultura local e a devoção em um santo, que represente os
seus devotos.
Segundo Coelho (2017, p.15). “A religiosidade popular constitui a verdadeira cultura
religiosa dos povos e dos indivíduos. Temos também como características fundamentais da
religiosidade popular o mágico, o simbólico e imaginativo, o místico, o festivo, o comunitário e o
político”
A religiosidade popular apresenta-se como uma experiência antropológica profunda, anterior ao cristianismo, uma experiência vivida em simultâneo com o sentimento da vizinhança da natureza e o desejo de ser por ela protegidos, em que a vida e a morte não são apenas dados anagráficos mas sim momentos supremos de aproximação de outro mundo mais real. Assim a religiosidade popular surge como a língua materna religiosa, falada por todos os homens (COELHO, 2017, p. 23).
Dessa forma as devoções:
[...] passam por elementos variados como as virtudes da vida do santo, as resignações perante o sofrimento, sua caridade, os laços familiares do devoto, as graças alcançadas por intermédio do santo. A relação de devoção entre o devoto e o santo pode ter origens variadas, mas a fé do devoto, a atitude de confiança dele em relação ao sagrado está sempre presente. A fé do devoto é, portanto, uma convivência, uma relação, e, assim, a fé surge tanto para se iniciar uma relação com o santo, como também o resultado da relação, do pedido alcançado (NIERO, 2012, p.105).
Assim podemos observar que no Brasil o “Catolicismo Popular estava bastante próximo
dos cultos africanos e ameríndios” (AZZI, 1978, p. 52). Dessa forma, o catolicismo brasileiro
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possui uma pluralidade de sentidos nas diferentes esferas de práticas e crenças (SILVA, 2003. p.
41). Seja pela diversidade cultural que constituiu a religiosidade popular, nesse sentido a:
“[...] designação de “popular” é normalmente empregada em relação às classes sociais subalternas, ou aos indivíduos que ocupam uma posição periférica na organização espacial de uma dada sociedade. Refere-se, dessa forma, às manifestações de memória coletiva, aí incluídas a linguagem e a religiosidade”. (SARAIVA, 2010, p.148).
Como também destaca Coelho (2017, p.13) “a religiosidade popular foram classes excluídas
“do ter”, “do poder” e “do saber”, resumidamente as populações mais pobres”.
A religiosidade popular tem relação com a sociedade que a forma, com o espaço geográfico
que se estabelece e com as personalidades que protegem o indivíduo. Para Rosendahl (1997, p.
125) “[...] o espaço sagrado se revela não somente através de uma hierofania, mas também por
rituais de construção e, nesse caso, os rituais representam repetições de hierofanias primordiais
conhecidas”.
Com isso, os santos:
[...] podem ser considerados como divindades que protegem o indivíduo e a comunidade contra os males e infortúnios. A relação entre o indivíduo e o santo baseia-se num contrato mútuo, a promessa. Cumprindo aquela sua parte do contrato, o santo fará o mesmo. Promessas “são pagas” adiantadamente, para se obrigar o santo a retribuir sob a forma do benefício pedido. (GALVÃO, 1976, p. 31)
Já Oliveira (1978, p.79-80) afirma que o catolicismo do povo, está nas mãos dos fiéis, não
sendo necessária nem um padrão eclesiástico, nem “rezador” para que ocorra a devoção ao seu
sando, só é necessário da cerimonia eclesial no dia do santo.
Nesse sentido a religiosidade popular no monge está relacionada ao sentido à ação dos
caboclos na resistência de sua realidade da época. Como o isolamento do sertanejo, sendo
reprimido pelo coronelismo, tentaram garantir o mínimo para sobreviver, através do monge foi
criado um discurso, que mudou os elementos e a identidade histórica da região do Contestado.
A importância dessa representação religiosa é fundamental: como um discurso capaz de explicar, o seu modo o seu mecanismo das relações sociais de cuja transparência não é percebida senão assistematicamente pelo caboclo e como uma pratica, ou seja, como uma forma desse caboclo agir e deixar registrada historicamente a sua passagem por este mundo. (AURAS, 1984, p. 47)
Vemos que a “[...] religiosidade cabocla era o espaço no qual, fundamentalmente, os
homens marginalizados construíam suas formas de resistência e luta face ao cotidiano opressor.
Por isso a defendiam com grande tenacidade." (AURAS, 1984, p. 50). Para analisar essa “dulia” é
necessário compreender as diferentes histórias sobre o monge do Contestado.
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AS DIFERENTES HISTÓRIAS DAS PERSONALIDADES DO MONGE
Para caracterização do monge é necessário observar o contexto e a época em que as
diferentes personas do monge estavam inseridas. O Contestado foi um dos principais momentos
dessa figura que atrai devotos. Na época tinha como representantes religiosos os monges, que
também eram os profetas, curandeiros, santos, conselheiros que levavam os sagrados registros no
Sul, demonstradas em atitudes de amor, simplicidade e devoção. Portanto é de fundamental
importância o entendimento da história dos monges para que possamos compreender atualmente
a religiosidade popular desenvolvida em grande parte da região sul do Brasil.
O primeiro João Maria de Agostini: o santo (1844 - 1870)
A primeira figura do monge do contestado, foi o santo João Maria de Agostini, que nasceu
em 1801, na Itália. Não se sabe o ano que o monge chegou ao Brasil, mas em 1844 passou pelos
Estados do Pará, Rio de Janeiro e São Paulo. Era um eremita, como cabelos e barbas longas,
encontrando-se sempre sozinho em isolamento, simples e regido consigo mesmo, repartindo com
o próximo a fé que possuía. (FELDHAUS, p: 216, 2013).
Segundo Feldhaus, (p: 216, 2013), em meados do século XIX, João Maria de Agostini chega
nos municípios de Rio Negro (PR) e Mafra (SC) a procura de novos lugares. Nesse local o monge
ficou abrigado em uma árvore, já que não aceitava a hospedagem oferecida pela população local e
também não tinha gruta, não se sabe ao certo por quanto tempo ficou e nem os caminhos que
percorreu em Mafra (SC).
No ano de 1858, o monge utilizou os caminhos dos tropeiros, se instalando no município
da Lapa, na porção sul do Estado do Paraná. Vivendo em uma gruta, com uma bica d’água, onde
aconselhava e rezava, para os enfermos. Com isso, na Lapa, surgem pessoas que acreditavam nos
milagres do monge. Realizando todos esses feitos a população local sem cobrar nada em troca.
(FELDHAUS, p: 216-217, 2013).
Os viajantes que percorriam a região na época, armavam suas barracas a procura de cura.
Como podemos observar:
Os doentes que se chegavam eram de todos os tipos, uns procuravam a cura, outros apenas um alívio para suas enfermidades. Eram pessoas que vinham de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, do Uruguai e da Argentina buscando a cura nas águas milagrosas do Campestre (CABRAL, 1960, p.121).
O monge passou um tempo no município de Lages (SC), logo após retornou a São Paulo
e desde o ano de 1870 não se tem mais notícias de João Maria de Agostini, quando ocorreu a sua
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morte e aonde foi não se sabe ao certo. Deixando a mensagem de boas ações ao próximo,
compartilhando tudo o que tinham, sendo uma pessoa serena mesmo com quem o tratava mal.
(FELDHAUS, p: 217, 2013).
E conforme os relatos do sacerdote e escritor Aloísio de Almeida citado por Cabral (1960,
p.143): “João Maria de Agostini foi um eremita à maneira dos antigos, que viviam em grande
penitência, raro desciam aos povoados e nunca faziam as funções reservadas aos clérigos
ordenados”.
O segundo João Maria de Jesus: o político (1893 - 1908)
O segundo monge é conhecido como João Maria de Jesus, se sobre saiu as tradições
religiosas e políticas, em uma região onde imperava o coronelismo, se manifestando na serra
catarinense, por volta de 1893 em plena revolta rio-grandense, aparecendo com os soldados
maragatos atravessando o rio do Peixe (FELDHAUS, p: 217-218, 2013).
Segundo relatos essa outra personificação do monge não se parecia em nada com João
Maria de Agostini, pois o segundo monge demonstrava suas preferências políticas, levava consigo
o discurso e uma bandeira, deixando sua identidade completamente diferente do primeiro monge.
De forma alguma era o mesmo indivíduo isso pela diferença de idade um com 93 anos, e outro
com 43 anos. De acordo, com Feldhaus, (p:218, 2013): “Do que não se têm dúvidas é que próximo
ao Rio do Peixe e do Rio Uruguai, fosse em território gaúcho, paranaense ou catarinense, todas
essas redondezas eram zonas de influência do monge”.
A origem de João Maria de Jesus era Síria, pois tinham o sotaque, a característica e o seu
verdadeiro nome era Atanás Marcaf. Conforme os relatos do próprio monge:
Eu nasci no mar, criei-me em Buenos Aires, e faz onze anos que tive um sonho percebendo nele claramente que devia caminhar pelo mundo durante quatorze anos, sem comer carne nas quartas-feiras, sextas-feiras e sábados, e sem pousar na casa de ninguém. Vi-o claramente. (QUEIROZ, 1966, p. 49)
Conforme Feldhaus, (p: 218, 2013), em 1908 João Maria de Jesus sumiu e diversas hipóteses
surgiram, alguns crentes acreditam que morreu em Lagoa Vermelha (RS), outros que faleceu em
Ponta Grossa (PR), mas para muitos devotos ou para a grande maioria dos habitantes da região,
pensavam que o monge se retirou, pois segundo eles:
O grande santo, o São João do Evangelho, não pode morrer. Ele se retirou apenas, para provar os seus fiéis, vivendo por prazo indeterminado, encantado no morro Taió, no município de Santa Terezinha (SC) até chegar o tempo de aparecer de novo, para pôr tudo em ordem (QUEIROZ, 1966, p. 49).
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As relações entre os monges seja o primeiro (santo), ou o segundo (politico), acaba
demonstrando uma fragmentação da religião e de tudo que representa o poder. Só que no ocorrido
as diferentes figuras do monge acabam sendo unidas, pela devoção e crença popular que vê só um
monge nos dois indivíduos. (FELDHAUS, p: 217-218, 2013).
O terceiro José Maria: o guerreiro (1912)
A terceira figura do monge, apareceu no ano de 1912, era conhecido como José Maria
diferentemente dos anteriores, seu nome verdadeiro era Miguel Lucena de Boaventura, e também
ficou conhecido como o “Monge Contestado”, e acabou falecendo no dia 22 de outubro de 1912,
na primeira batalha de Irani, no início da Guerra do Contestado.
A aparecia e os trajes do terceiro monge tinham uma similaridade com os anteriores. Se
tem relatos que a população questionava José Maria se tinham alguma ligação com os antigos
monges, ou se ele era o próprio monge, ele nunca respondeu a essas perguntas (AFONSO, 1994,
p.07).
José Maria foi desertor da polícia paranaense, e carregava consigo uma garrucha, segundo
relatos o monge não tinha mesma ligação mística dos antecessores, pois não fazia penitências, não
buscava o isolamento e nem o contato com o divino (CABRAL, 1960, p.180).
Com passar o tempo o monge foi juntando pessoas que variava de 80 a 200 indivíduos,
sendo assim criado o reduto do Irani. Com isso, Feldhaus (2013) relata que:
O coronel Francisco de Almeida foi mais longe. Decidiu dar guarida ao monge, recebendo também em sua fazenda em Curitibanos todos aqueles que fossem à procura de auxílio e conforto junto a José Maria. A quantidade de pessoas que a partir de então se dirigiu à fazenda era tão grande que o coronel tinha de mandar matar um boi por dia para alimentar toda aquela gente. (FELDHAUS, p:221, 2013).
O monge assim proclamou a Monarquia Celeste, coroando como imperador Manoel Alves
da Assunção Rocha, um rico fazendeiro analfabeto da região. O monge regia com base nas
tradições da cavalaria medieval. Assim todos faziam parte de uma irmandade onde era proibido
comércio, tendo como pena a morte. A Monarquia Celeste tinha como denominação Taquaruçu,
atualmente faz parte do município de Curitibanos (SC).
O coronel Albuquerque, no ano de 1913, observando o eminente crescimento de seu
opositor político e aliado do monge o coronel Henriquinho, informou as autoridades catarinenses,
a existência de fanáticos religiosos proclamando a monarquia em Taquaruçu. Com isso uma força
armada dos dois estados do sul, mais o governo federal envia soldados para a região, e assim o
monge acabou sendo perseguido, juntamente com os seus seguidores. O resultado do ocorrido é
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o falecendo do monge e também das mulheres, crianças, dos idosos e homens que o
acompanhavam, para os devotos fica o anseio de sua ressurreição que não acontece. (FELDHAUS,
p:222, 2013).
Com isso, a religiosidade popular no monge do Contestado se estendeu pela grande maioria
da região sul do Brasil, mas o foco da nossa pesquisa é a mesorregião do Norte Pioneiro
Paranaense, pois existem uma devoção no monge, acreditando que o próprio passou por alguns
municípios da região, como por exemplo, Guapirama; Joaquim Távora; Siqueira Campos;
Tomazina e Carlópolis, esse último tem uma igrejinha dedicada ao monge com sua imagem na
frente da construção. Por esse motivo no capítulo seguinte será discutido o espaço sagrado do
monge no município de Carlópolis (PR).
A PAISAGEM RELIGIOSA: NO ESPAÇO SAGRADO DO MONGE SÃO JOÃO MARIA,
NO MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS (PR)
O fenômeno religioso é marcado pela afetividade humana, representados nos espaços e
paisagens religiosas e pelas ações e devoções populares. O estudo tem como base a espacialidade
da Igrejinha do Monge João Maria de Jesus, em Carlópolis (Figura 1).
Figura 1: Localização do Município de Carlópolis (PR)
Fonte: Malha Digital IBGE, (2015)
De acordo com os relatos dos devotos, através das entrevistas aplicadas nos trabalhos de
campo, o monge que passou pelo município e região foi o segundo, conhecido também como João
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Maria de Jesus. Deste modo a Igrejinha do Monge (Figura 2), tem uma imagem do profeta
inaugurada em 2007, pela prefeitura municipal.
Figura 2: Igrejinha do Monge, em Carlópolis (PR)
Fonte: Trabalho de campo, (set. 2020)
Atualmente quem administra a igrejinha é a prefeitura municipal, deixando evidente alguns
pontos negativos, como a falta de organização e cuidado com o local, pois no trabalho de campo
foi possível observar que o local está repleto de vegetação fechada, dificultando o acesso para as
pessoas de outras localidades que visitam o espaço sagrado, até porque para prefeitura se trata de
um atrativo turístico, no caso ligado ao turismo religioso. Como destaca a prefeitura municipal:
O povo conta que o “Monge”, como era carinhosamente chamado, realizava curas e milagres através de ervas e água das minas e também através de seus conselhos. Vivia só e era muito pacífico. Em sua passagem por Carlópolis, logo no início de sua fundação, deixou um legado de fé e no local onde era costumeiramente encontrado ergueu-se uma pequena capela. Em 2007, o então prefeito Isaac Tavares da Silva mandou esculpir uma estátua do monge, que até hoje é visitada por fiéis. O profeta João Maria habita o imaginário e a fé popular, o local em meio a natureza e a capelinha se transformaram em mais um ponto turístico da cidade e fazem parte da história da peregrinação do monge pelo país. (PREFEITURA DE CARLÓPOLIOS - PR, 2020).
Com base nas entrevistas, o primeiro devoto, afirma que “O monge quando passou por
Carlópolis, se abrigava onde atualmente está a igrejinha embaixo de uma árvore, na parte interior
da igrejinha o monge tinham cavado dois poços, o primeiro na frente do Santuário de Nossa
Senhora das Graças, localizado no centro de Carlópolis e um nas proximidades da igrejinha, o
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monge atendia os pobres e necessitados e dava orientação espiritual aos que passavam, ele atendia
a população nesses dois pontos, posteriormente o monge seguiu para o Estado de São Paulo”.
Já a segunda devota entrevistada, relata a história do monge em Carlópolis com base nos
dizeres de seu avó, que “Estava passando nas proximidades da igrejinha em um dia de chuva, com
muitos raios, ele tinham procurado uma árvore para se esconder, com isso o Monge o chamou, e
o meu avó foi até ele, como isso o monge acendeu um fogueira, a chuva passava em volta deles, e
não apagava o fogo, ao passar a chuva o monge liberou o meu avó, a árvore que meu avó tinha se
abrigado foi atingida por um raio”. Ao questionar se os devotos da região receberam muitas graças,
a Senhora Ângela afirma que até os dias de hoje são concedidas graças aos fiéis, que frequentam o
espaço sagrado do monge.
Dessa forma, ao analisar a religiosidade popular sobre o monge em Carlópolis (PR),
podemos contextualizar a definição de paisagem religiosa e espaço sagrado, que estão repletos de
valores, símbolos, significados da cultura popular de uma região. Como destaca Conceição Neto e
Ludka (2017):
[...] fazer uma análise da paisagem religiosa do Monge João Maria é interpretar o que se manifesta no espaço sagrado, no entanto, entende-se que os símbolos inseridos na paisagem expressam valores e crenças, fazendo com que a experiência religiosa vivida pelo homem crie um campo de forças e valores acima das aparições físicas, pois os símbolos e ritos atuam como mediador entre o homem religioso e o mundo transcendental. Desta forma, a paisagem religiosa é percebida pelo o que ali é manifestado visualmente com diversos objetos e símbolos a pedido e em agradecimento por graças atendidas, tornar-se visível a dinâmica do catolicismo rústico, assim como também um sincretismo religioso (CONCEIÇÃO NETO; LUDKA. 2017, p. 338)
Para Gil Filho a paisagem religiosa está relacionada pela estrutura material, dessa maneira:
“[...] As estruturas religiosas compreendem uma realização do espírito humano sobre a mátria e representam a imaginação e a interpretação das realidades religiosas expressas e significadas enquanto paisagem. Desse modo, a paisagem religiosa é uma expressão de representações culturais de significados que testemunham a prática religiosa do homem e seu anseio de transcendência” (GIL FILHO, 2009, p.3).
Já para Rosendahl (1999, p.75-76) a paisagem é interpretada como: “[...] produto da cultura
[...]” deste modo “[...] exige a compreensão de como as pessoas imprimem seus valores e crenças
em formas arquitetônicas [...]” deixando [...] expressas pelo comportamento do devoto no espaço
sagrado, isto é, como a falta e o ritual imprimem formas de paisagem [...]”.
Ainda nos dizeres da autora as edificações são consideradas simbólicas Rosendahl (1999),
partindo da construção cultural e social de uma determinada localidade, representando as crenças
e valores e manifestações religiosas. Dessa forma, Rosendahl (1997), destaca que a construção de
um espaço religioso ocorre num momento histórico, a partir disso, a passagem do Monge João
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Maria por Carlópolis é compreendido como um fenômeno histórico na criação de uma
espacialidade sagrada, no caso a igrejinha, tendo diversas formas, objetos e símbolos religiosos, que
a caracterizam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo sobre a religiosidade popular relacionada a figura do monge desenvolvidas no
município de Carlópolis, possibilita uma análise da diversidade cultural, e histórica que acaba sendo
passada de geração a para geração. Sendo relevante para o viés: social, cultural, religioso, ambiental,
futuramente servindo para uma possível roteirização turística sobre os espaços que monge passou,
como já ocorre na região dos Campos Gerais.
No segundo item foi possível correlacionar a conceituação de religiosidade popular,
devoção, catolicismo popular, religiosidade cabocla, destacando as características dessa devoção,
que geralmente não segue a religião do modo tradicional. Mas é na verdade uma união de fatores,
seja pelas crenças, símbolos culturais, fenômenos relacionados ao período e os santos que servem
de modelo para os fiéis.
Na sequência foi aprofundada a análise sobre a historicidade das três personificações do
monge, possibilitando compreender a origem de cada indivíduo, por onde passou ao longo da vida,
a característica principal de cada monge, além de alguns relatos do monge.
Por fim no quarto capítulo foram apresentadas as características da paisagem religiosa de
Carlópolis e alguns relatos da devoção popular no João Maria, tendo como base o trabalho de
campo, as entrevistas e os questionários que foram aplicados, além de alguns autores que abordam
a temática.
O trabalho buscou contribuir para as pesquisas sobre a religiosidade popular, dentro das
ciências da religião, discutindo assim a devoção no monge do contestado na região do Norte
Pioneiro Paranaense, especificamente no município de Carlópolis, pois tem um espaço sagrado,
com uma construção em sua devoção. Dado pelo fato que foi uma região em que João Maria
passou, mas não tem pesquisas sobre o assunto, destacando a religiosidade popular e a espacialidade
no nordeste paranaense que o monge transitou.
Demonstrando também que o local é administrado e mantido pela prefeitura municipal,
deixando evidente que falta uma melhor organização e cuidado com o local, pois no campo
realizado em setembro deste ano, o local estava repleto de vegetação, deixando evidente o descaso,
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até porque para prefeitura se trata de um ponto turístico. Assim o trabalho também poderá auxiliar
futuras pesquisas que sigam a mesma temática desenvolvida.
Ao pesquisar as religiosidades populares podemos analisar que se trata de uma proposta
importante de aprofundamento do tema, pois permite que haja a abordagem histórica e geográfica,
desenvolvendo assim algumas linhas de análise: o recorte espacial, as interações sociais, os
contextos históricos e a devoção popular evidenciando a importância dos estudos sobre
religiosidade popular.
REFERÊNCIAS
AFONSO, E. J. O Contestado. São Paulo: Ática, 1994. AURAS, M. Guerra do Contestado: A Organização da Irmandade Cabocla. Florianópolis: Ed. UFSC: Assembleia Legislativa; São Paulo: Cortez e Livraria, 1984. Ed. Ilustrada. AZZI, R. O catolicismo popular no Brasil: Aspectos da história. Petrópolis: Vozes. 1978. CABRAL, O. R. João Maria: Interpretação da Campanha do Contestado. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960. COELHO, M. A. B. Religiosidade Popular: tradições, práticas e mitos. (Tese de Mestrado em Teologia) Lisboa. Universidade Católica Portuguesa. 2017. CONCEIÇÃO NETO, B; LUDKA, V. M. Paisagem Religiosa: uma análise da Gruta do Monge João Maria em Ventania - PR. Londrina: Geographia Opportuno Tempore, v. 3, Nº2, p. 331 - 343, 2017. FELDHAUS, F. O conflito do Contestado como espaço de representação do sagrado: dos Monges ao ícone São João Maria. Curitiba: RA´E GA, 2013, p.204-233. GALVÃO, E. Santos e Visagens. Um estudo da vida religiosa de Itá, Baixo Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. GIL FILHO, S. F. Paisagem Religiosa. In: Sérgio Rogério Azevedo Junqueira. (Org.). O sagrado: fundamentos e conteúdo do ensino religioso. 1 ª ed. Curitiba: IBPEX, p. 91 -118, 2009. NIERO, L. A construção sócio-histórica de devoção a Nossa senhora de Guadalupe. Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 9, n.1, p. 97-112, 2012. OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. O catolicismo do povo. In: SANTOS, B. Beni dos; ROXO, Roberto M. (coords.). A religião do Povo. São Paulo: Paulinas, 1978, p. 72-80.
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PREFEITURA DE CARLÓPOLIOS (PR). Igrejinha do Monge. Disponível em: <http://carlopolis.pr.gov.br/index.php?sessao=b054603368pvb0&id=475&id_categoria=26>. Acesso em: 05. ago. 2020. QUEIROZ, M. V. Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado (1912/1916). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. ROSENDAHL, Zeny. O Sagrado e o Espaço. In: CASTRO, Iná Elias de Castro, GOMES, Paulo da Costa Gomes e CORRÊA, Roberto Lobato (orgs.) Explorações Geográficas: percursos no fim de Século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. p. 119-153. 1997 __________. Hierópolis: o sagrado e o urbano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. SARAIVA, A. L. Religiosidade Popular e Festejos Religiosos: aspectos da espacialidade de comunidades Ribeirinhas de Porto Velho, Rondônia. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III. 2010. SILVA, A. L. Devoções Populares no Brasil: contextualizando algumas obras das Ciências Sociais. Revista de Estudos da Religião, 2003, pp. 30-49.
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INTELIGIBILIDADES CIENTÍFICAS ACERCA DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: NOTAS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
Ramon de Oliveira Bieco Braga (Centro Universitário Campos de Andrade -UNIANDRADE)
E-mail: ramonbieco@hotmail.com
Gabriel de Lima Germano (Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE) E-mail: gabrielgermano94@gmail.com
RESUMO
Na presente pesquisa, a discussão teórica se desenvolve ancorada na questão central ‘como as dissertações e teses brasileiras, defendidas nos programas de pós-graduação stricto sensu, compreendem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)?’. Destarte, justifica-se que a realização desta pesquisa decorre da relevância acadêmica em desenvolver pesquisas sobre o estado da arte, afim de corroborar com a inteligibilidade da produção do conhecimento científico em torno de temáticas articuladas a Educação e Currículo. Operacionalmente, a pesquisa foi realizada com base no método documental, sendo realizado um levantamento de dados quantitativo nos bancos da CAPES (2020) e BDTD (2020), com base no descritor BNCC. Os resultados demonstram que a BNCC (BRASIL, 2018) foi compreendida pelos(as) pesquisadores(as) mediante as seguintes abordagens temáticas: Ensino de Língua Portuguesa, Ensino Fundamental, Alfabetização, Educação Infantil, Ensino de Educação Física, Ensino de Geografia, Ensino de História, Ensino de Matemática, Epistemologia, Livro Didático, Currículo, Direitos humanos, Reforma do Ensino Médio, Outros temas (Análise documental, Educação Ambiental, Educação do campo, Educação Integral, Ensino de Biologia, Ensino de Ciências, Ensino Médio, Estudos culturais, Etnia, Formação docente, Gênero, Neoliberalismo, Políticas educacionais, Teorias pedagógica, Transdisciplinaridade). Palavras-chave: Bibliometria, BNCC, Estado de arte.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa possui a questão central ‘como as dissertações e teses brasileiras, defendidas
nos programas de pós-graduação stricto sensu, compreendem a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC)?’. Da questão central, estabeleceu-se como subquestões: a) ‘quais são as abordagens
temáticas destas pesquisas?’ e b) ‘como se apresenta a geografia das pesquisas sobre a BNCC no
Brasil?’.
Os questionamentos apresentados estão ancorados na nossa trajetória acadêmica e
profissional, pois somos licenciados no curso de Geografia e ao longo da nossa formação científica,
temos desenvolvido reflexões acerca da reforma curricular normatizada pelo Ministério da
Educação que se consolidou na BNCC (BRASIL, 2018), normatizando habilidades e competências
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que os(as) estudantes brasileiros(as) devem desenvolver durante a educação básica, ao estudar os
componentes curriculares.
Desse modo, justifica-se que a realização desta pesquisa se ratifica pela necessidade de
refletir sobre como a BNCC tem sido analisada e compreendida pelos(as) pesquisadores(as)
acadêmicos(as), no âmbito da pós-graduação brasileira stricto senso, tendo em vista a
representatividade pedagógica que a BNCC assinala no processo ensino e aprendizagem da
educação básica, sobretudo no ensino do componente curricular Geografia que não se configura
como um componente curricular obrigatório no Ensino Médio (BRASIL, 2018).
METODOLOGIA
Com o objetivo de responder à questão central ‘como as dissertações e teses brasileiras,
defendidas nos programas de pós-graduação stricto sensu, compreendem a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC)?’, foi realizada uma pesquisa documental no Banco de Dissertações e Teses da
CAPES (2020) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD, 2020).
A técnica de coleta de dados foi a quantitativa e nas fontes de dados mencionadas
anteriormente, realizou-se uma pesquisa com base no descritor ‘BNCC’. No primeiro momento,
foram localizadas 214 pesquisas na BDTD (2020) e 383 pesquisas na CAPES (2020), totalizando
597 dissertações e teses. Desse volume total de dados, foi aplicado dois critérios de refinamento, a
saber: a) possuir o termo BNCC no título da pesquisa; e b) remover as pesquisas duplicadas que
foram identificadas em ambos os bancos de dados. Na sequência, após o refinamento dos dados,
foi possível identificar 57 pesquisas que compõe a amostra de análise desta pesquisa.
A técnica de análise dos dados foi a qualitativa, que possibilitou a elaboração de um banco
de dados em uma planilha eletrônica do Microsoft Office Excel 2020, quando as pesquisas foram
sistematizadas em: grande área do conhecimento, área do conhecimento, título, abordagem
temática (palavra-chave que compõe o título), tipo (dissertação ou tese) e ano de defesa. Os
resultados da análise realizada são apresentados na próxima sessão.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A BNCC (BRASIL, 2018), como objeto de análise científica, tem despertado a atenção de
pesquisadores(as) brasileiros(as) desde o momento da sua elaboração no âmbito político, isto é, os
anos 2015 e 2016. Logo, as defesas datam a partir do ano 2017 como pode ser verificado nas
defesas de Branco (2017), Huber (2017), Maia (2017) e Pertuzatti (2017). Contudo, a partir do ano
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2018 foi verificado um salto quantitativo expressivo na quantidade de defesas, como pode ser
observado no Gráfico 01, que saltou de 4 defesas em 2017, para 13 em 2018 e 38 em 2019.
Gráfico 1: Quantidade de pesquisas brasileiras sobre a BNCC, defendidas por ano, entre 2017 a
2020
Fonte: BDTD (2020); CAPES (2020). Elaboração: Gabriel L. Germano e Ramon O. B. Braga (2020).
Nota: No ano 2020, devido a pandemia de COVID-19, existe um atraso na manutenção dos bancos de dados, o que justifica o registro de apenas 2 pesquisas identificadas.
Quando agrupadas por ‘grande área do conhecimento’, 57,9% (33 pesquisas) foram
desenvolvidas pelas Ciências Humanas, 21,1% (12) na Linguística, Letras e Artes, 14% (8) na
Multidisciplinar e 7% (4) nas Ciências Exatas e da Terra.
Ao analisarmos pela escala da ‘área do conhecimento’, como indicado no Gráfico 02, foi
possível constatar que 49% (28 pesquisas) das pesquisas foram defendidas na Educação, seguida
da Letras 16% (9), Matemática 7% (4), Ensino 5% (3), História 5% (3), Língua Portuguesa 5% (3),
Sociais e Humanidades 5% (3), Ensino de Ciências e Matemática 2% (2) e Geografia 2% (2).
Destas pesquisas, 98,2% correspondem a 56 dissertações de metrado e somente 1,8%
corresponde a 1 tese de doutorado – a pesquisa desenvolvida por Silva (2019c) sobre a elaboração
da BNCC no contexto da Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
Ao que concerne as abordagens temáticas, apresentado no Gráfico 03, foi verificado os
seguintes temas com as respectivas pesquisas: ‘Ensino de Língua Portuguesa’ (11%): Peixoto
(2018), Fancio (2019), Lourenço (2019), Paes (2019), Rocha (2019) e Souza (2019); ‘Ensino
4
13
38
2
0
5
10
15
20
25
30
35
40
2017 2018 2019 2020
Qu
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as
Ano
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Fundamental’ (11%): Morais (2018), Nascimento (2018), Botelho (2019), Cássaro (2019), Coelho
(2019) e Siqueira (2019b).
Gráfico 2: Áreas de conhecimento das pesquisas brasileiras sobre a BNCC, entre 2017 a 2020
Fonte: BDTD (2020); CAPES (2020). Elaboração: Gabriel L. Germano e Ramon O. B. Braga (2020).
Ainda foi possível identificar os temas: ‘Alfabetização’ (5%): Pertuzatti (2017) e Triches
(2018); ‘Educação Infantil’ (5%): Medeiros (2019), Rosa (2019) e Silva (2019c); ‘Ensino de
Educação Física’ (5%): Cazumbá (2018) e Pessoa (2018); ‘Ensino de Geografia’ (5%): Melo Filho
(2019), Mustafe (2019) e Pinheiro (2019); ‘Ensino de História’ (5%): Oliveira (2018), Pereira (2018)
e Machado (2019); ‘Ensino de Matemática’ (5%): Regonha (2019), Silva (2019a) e Silva (2019b);
‘Epistemologia’ (5%): Cazumba (2018), Queiroz (2019) e Gonçalves (2020); ‘Livro Didático’ (5%):
Sa (2019) e Favero (2020); ‘Currículo’ (4%): Oliveira (2019c) e Siqueira (2019a); ‘Direitos Humanos’
(4%): Rocha (2019b); ‘Reforma do Ensino Médio’ (4%): Felicio (2019) e Oliveira (2019a) e outros
temas1 (26%).
1 Outros temas correspondem a 1 pesquisa respectivamente em: Análise documental (FONSECA, 2018), Educação Ambiental (OLIVEIRA, 2019b), Educação do campo (AMORIM, 2019), Educação Integral (GALVÃO, 2019), Ensino de Biologia (GODOY, 2019), Ensino de Ciências (BOMFIM, 2019), Ensino Médio (PEREIRA, 2019b), Estudos culturais (HUBER, 2017), Etnia (SANTOS, 2019), Formação docente (PEREIRA, 2019a), Gênero (MAIA, 2017), Neoliberalismo (BRANCO, 2017), Políticas educacionais (CENTENARO, 2019), Teorias pedagógica (CUNHA, 2018) e Transdisciplinaridade (RIBEIRO, 2019).
Educação49%
Letras16%
Matemática7%
Ensino5%
História5%
Língua Portuguesa5%
Sociais e Humanidades5%
Ensino de Ciências e Matemática
4%
Geografia4%
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Gráfico 3: Abordagens temáticas das pesquisas brasileiras sobre a BNCC, entre 2017 a 2020
Fonte: BDTD (2020); CAPES (2020). Elaboração: Gabriel L. Germano e Ramon O. B. Braga (2020).
Referente as Instituições de Ensino Superior (IES), a maioria das defesas ocorreu na
UERJ (3 pesquisas), UFSC (3), UFES (3), PUC-SP (3), UEFS (3), UFCG (3), UNIOESTE (2),
UEM (2), UFRJ (2), UEPB (2), UNESPAR (2), UFG (2), UFGD (2), URI (2), dentre outras. Com
base nas instituições, foi possível compreender que 31,6% (18) das pesquisas foram desenvolvidas
em IES localizadas na região sul brasileira, 31,6% (18) na região sudeste, 24,6% (14) na região
nordeste, 10,5% (6) na região do Centro-Oeste e 1,8% (1) na região norte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista o que foi acima exposto e considerando a questão central ‘como as
dissertações e teses brasileiras, defendidas nos programas de pós-graduação stricto sensu,
compreendem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)?’, foi possível averiguar que o
documento da BNCC tem instigado os(as) pesquisadores(as) de diferentes áreas do conhecimento,
sobretudo a Educação e ao ensino específico dos componentes curriculares.
Ensino de Língua Portuguesa
11%
Ensino Fundamental11%
Alfabetização5%
Educação Infantil5%
Ensino de Educação Física
5%
Ensino de Geografia5%
Ensino de História5%
Ensino de Matemática5%
Epistemologia5%
Livro Didático5%
Currículo4%
Direitos humanos4%
Reforma do Ensino Médio
4%
Outros26%
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Das pesquisas analisadas, as abordagens temáticas que se destacam no cenário nacional
apresentam relação com o Ensino Fundamental, Ensino Infantil e Ensino Médio, sendo possível
identificar pesquisas tangentes ao Ensino de Língua Portuguesa, Ensino de História, Ensino de
Matemática, Ensino de Geografia, Ensino de Educação Física, dentre outras abordagens temáticas.
A elaboração das pesquisas relacionadas temática da BNCC ocorreu desde o início da
elaboração do referido documento no âmbito político e cresceu de maneira expressiva, indicando
um crescente interesse dos pesquisadores(as) brasileiros(as) com relação ao assunto.
O desenvolvimento destas pesquisas apresenta concentração geográficas nas IES das (2),
UEM (2), UFRJ (2), o que indica a representatividade acadêmicas das instituições paranaenses no
desenvolvimento de reflexões teóricas acerca da BNCC.
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA MOBILIDADE PENDULAR NO ESTUDO DE CIDADES MÉDIAS
Ítala Luzia de Andrade (Universidade Federal do Espírito Santo – Campus Goiabeiras)
E-mail: italalandrade@gmail.com
RESUMO
As mudanças estruturais e econômicas ocorridas em meados do século XX reestruturaram o espaço urbano brasileiro, acarretaram numa redistribuição populacional e na diversificação dos papéis desempenhados pelas cidades na rede urbana. Nesse contexto, as cidades médias se tornaram locais de atratividade e intermediação entre os núcleos urbanos, mesmo que em escala regional. Nesse sentido, objetivo do presente trabalho foi analisar como a mobilidade pendular pode auxiliar no estudo e na identificação de cidades médias, através da análise de indicadores de volume e de intensidade dos deslocamentos pendulares nos Censos Demográficos de 2000 e 2010. Para isso, três municípios localizados no estado de Minas Gerais, Barbacena, Muriaé e Ubá, foram utilizados como base. De maneira geral, os resultados obtidos demonstraram que a mobilidade pendular é um indicador pertinente para observação dos papeis de intermediação dos municípios analisados. Além disso, é um fenômeno com recente intensificação nesses centros urbanos, por esse motivo, acredita-se que a área de abrangência dos fluxos de deslocamento pendular apresentou-se restrita aos municípios mais próximos. Portanto, concluiu-se que a existência e a intensidade observada dos deslocamentos pendulares, no âmbito regional de cada núcleo urbano estudado corroboram com os papeis de intermediação que se espera de uma cidade média, assim, sendo possível caracterizar esses centros urbanos enquanto cidades médias regionais. Palavras-chave: Cidades médias, Matriz de relações, Mobilidade pendular.
INTRODUÇÃO
Os estudos acerca das cidades médias ampliaram-se significativamente nas últimas décadas,
sobretudo pela importância que essas cidades assumiram na rede urbana brasileira. Tal importância
está relacionada a dois fatores principais: o incremento no número dessas cidades e a ampliação
dos papeis/funções exercidas por essas cidades. Para Sposito (2009) existem generalizações no uso
das classificações “cidades pequenas” e “cidades médias”, pois, para ela, a realidade dessas cidades
são plurais sendo delicado fixá-las nesses termos.
Amorim Filho e Sena Filho (2005, p.3), de certa maneira, estão de acordo com tal
perspectiva, pois, segundo eles o tamanho demográfico das cidades é um importante critério para
observação do “tamanho do mercado local, assim como um indicador para o nível da estrutura e
grau de concentração de atividades”. Porém, alertam que o quantitativo populacional não deve ser
tomado como variável única no processo de caracterização de uma cidade enquanto média. Assim,
outras variáveis vêm sendo incorporadas às análises sobre as cidades média, tais como: localização
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geográfica, cidades médias como centros de consumo, diversidade de papéis (industrial,
universitário, centros de pesquisa, agronegócio) entre outros. Dessa maneira, não há um consenso
fixo ou conceito restrito para classificação de uma cidade enquanto “média”, busca-se mais uma
noção do que elas são e do que podem ser através dos papeis que desempenham na rede urbana.
Outra questão que se deve levar em consideração ao estudar o desenvolvimento de núcleos ubanos
é a importância representada pela acessibilidade a infraestruturas de transporte. Por esse motivo,
acredita-se que o incremento das funções desempenhadas pelas cidades médias também é um
reflexo da ampliação da infraestrutura de transporte e comunicação no Brasil. Processo que
possibilitou a intensificação dos fluxos de populacionais em todos os níveis (movimentos de longa
ou de curta distância, sazonais, diários etc.) e influenciou na extensão da rede urbana para o interior
do país.
Nesse âmbito em que se observa a expressividade adquirida pelas cidades médias, a presente
pesquisa visou analisar uma perspectiva ainda pouco considerada nos estudos desse tipo de cidade,
a mobilidade pendular. Pressupõem-se isso ao considerar que “os movimentos populacionais
(pendulares ou não) acompanham o desenvolvimento da economia e da sociedade e, portanto, são
expressões contemporâneas de diferentes fenômenos sociais, metropolitanos ou não.” (JARDIM,
2011, p. 67).
Tal possiblidade surgiu através do conhecimento do trabalho de Ojima e Marandola Jr.
(2012) como também Reolon e Miyazaki (2015), nos quais os autores expõem a ocorrência de uma
desconcentração dos deslocamentos pendulares para o interior do país. Nesse sentido, supõe-se
que a pendularidade pode ser uma variável capaz de identificar uma cidade média, no sentido em
que demonstra a capacidade de intermediação de uma cidade através da absorção de mão de obra
e/ou de contingente estudantil. Nesse sentido, buscou-se analisar como a mobilidade pendular
pode auxiliar no estudo e na identificação de cidades médias.
Baseando-se na bibliografia disponível como também nos présupostos encontrados foram
escolhidos três municípios do estado de Minas Gerais como base, quais sejam, Barbacena, Muriaé
e Ubá. Esse recorte espacial pode ser justificado segundo os seguintes motivos. Primeiro por esses
municípios apresentarem porte demográfico e estrutura urbana que os situam no limiar de cidades
de porte médio1. O segundo por serem municípios centrais em suas respectivas regiões imediatas,
onde os municípios do entorno apresentam baixa densidade demográfica. Ademais, esses
1 População dos Núcleos Principais em 2010: Barbacena (126.284 habitantes), Muriaé (100.765 habitantes) e Ubá (101.519 habitantes).
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municípios concentram atividades atrativas para população regional, como serviços e comércios
diversificados de atacado e varejo, rede de eletrodomésticos nacionais, franquias alimentícias,
indústrias, serviços hospitalares especializados, instituições de ensino superior e técnico, entre
outros. Além disso, são classificados como municípios centrais nos estudos do IBGE (1990, 2017).
Dessa maneira, esta pesquisa buscou fomentar a discussão sobre as cidades médias levando em
consideração a mobilidade espacial da população, mais especificamente a mobilidade pendular,
ainda pouco explorada nos estudos de tais cidades.
METODOLOGIA
Definiu-se como recorte regional para análise dos fluxos de deslocamento pendular, uma
Matriz de Relações (MR) para cada Núcleo Principal (NP). Nesta pesquisa, uma Matriz de Relações
(MR) foi considerada como uma área na qual inclui-se todos os municípios que possam apresentar
alguma ligação com município considerado central. Assim sendo, partindo dos municípios
Barbacena, Muriaé e Ubá como base, selecionou-se um número abrangente e justificável de
municípios segundo três critérios para compor as respectivas MR. Quais sejam; todos os
municípios pertencentes a Microrregião Geográfica (IBGE, 1990), como também a Região
Geográfica Imediata (IBGE, 2017) e os municípios com os quais Barbacena, Muriaé e Ubá
obtiveram saldo de deslocamentos pendular positivo e superior a 100 indivíduos no Censo
Demográfico de 2010.
Para captar o número de casos de movimentos pendulares de origem e de destino recorreu-
se aos Microdados da Amostra dos Censos Demográficos de 2000 e 2010. Em função das
divergências entre os Censos Demográficos de 2000 e 2010 os dados de deslocamento para
trabalho e estudo do censo de 2010 foram agregados nesta pesquisa no intuito de padronizar a
análise. Para isso, foi necessário controlar a dupla contagem de indivíduos que fizeram a
pendularidade tanto por motivo de trabalho como de estudo.
Em seguida, utilizou-se três indicadores para análise do volume e do impacto dos fluxos de
mobilidade pendular. A finalidade foi compreender além dos números absolutos a intensidade da
mobilidade pendular nas áreas em questão, as interações entre os municípios que compõe cada
MR, como também identificar a capacidade de articulação dos NP através da absorção dos fluxos
regionais, característica que se espera das cidades médias (RIGOTTI; CAMPOS, 2009, SPOSITO,
2001, AMORIM FILHO, 1976).
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Foi analisada a razão entre os volumes de deslocamentos internos e externos para observar a
conectividade entre os municípios de cada MR, como em Lobo et al. (2017). A interação com o
núcleo principal foi avaliada através do cálculo da proporção de deslocamentos com destino ao NP
em relação ao número de saídas que apresentaram como destino municípios internos a cada
respectiva MR. Por último, procedeu-se com o cálculo do saldo dos deslocamentos pendulares
com a finalidade de indentificar áreas de evasão e de atração de indivíduos. Os resultados obtidos
foram tabulados e analisados por matriz de relação e encontram-se expostos a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise dos dados referentes aos deslocamentos pendulares apresenta-se com o objetivo
de compreender a organização das ligações entre os núcleos pertencentes a cada matriz de relações.
Além disso, se busca investigar a forma como a mobilidade da população pode contribuir enquanto
provável indicador na caracterização dos municípios de Barbacena, Muriaé e Ubá enquanto centros
de articulação urbana que exercem o papel de cidades médias nas áreas nas quais estão inseridos.
Assim sendo, a análise dos indicadores para a MR de Barbacena denotou de forma geral
uma distribuição desigual quanto aos destinos dos indivíduos que realizavam deslocamento
pendular. Na Tabela 1 é possível observar que a razão entre os deslocamentos internos e externos
(Int/Ext) no ano de 2000 expressa tal perspectiva ao indicar baixa conectividade entre os
municípios, visto que, nesses casos, a maior parte dos resultados foram inferiores a 1. Isso indica
que a maior parte da população que se circulava com regularidade por motivo de trabalho e/ou
estudo obtinha como destino municípios localizados fora da MR.
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Tabela 1: Indicadores de pendularidade: Municípios da MR de Barbacena 2000 e 2010 (mobilidade e interações)
*razão entre o volume de deslocamentos internos e aqueles com destino ao núcleo principal. Fonte: IBGE, 2000 e 2010. Elaborado pela autora, 2020.
A desigualdade na distribuição dos deslocamentos evidencia-se ainda mais ao se considerar
a dinâmica interna dessa MR, pois dos 3 mil casos de deslocamentos com origem e destino internos
a esta matriz 77,2% dos indivíduos se direcionava a Barbacena no ano de 2000. No segundo
período, apesar do incremento na mobilidade interna para 6567 casos, nota-se uma pequena queda
na proporção de fluxos com destino a Barbacena. Porém, acredita-se que a intensidade das
interações com o núcleo principal ainda indica sua significativa capacidade de intermediação,
característica que se espera de uma cidade média. Ademais, esse resultado pode ser considerado
positivo do ponto de vista da integração entre os municípios dessa MR, uma vez que o número de
ligações se ampliou ligeiramente, podendo ser o motivo pelo qual se observou uma queda nas
interações com NP.
No caso da MR de Muriaé, a análise da razão entre os deslocamentos internos e externos
sugere uma tendência semelhante no que tange ao grau de interação entre os municípios dessa
Município PIA Saídas
Mobilidade
(Int/Ext)
Interações c/
NP*
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010
Alfredo Vasconcelos 3665 4666 356 881 4,09 8,18 79,72 86,11
Alto Rio Doce 9876 9554 913 699 0,17 0,36 69,63 89,19
Antônio Carlos 7824 8745 991 1541 5,08 5,21 98,19 98,84
Barbacena 84710 100641 2786 4434 0,21 0,28
Barroso 13415 15205 839 2079 0,55 0,96 47,64 44,16
Capela Nova 3746 3810 260 330 0,14 0,42 90,63 57,73
Caranaíba 2501 2551 142 305 0,39 0,29 67,50 33,82
Carandaí 15115 18212 536 2162 0,58 0,34 78,57 71,04
Cipotânea 4503 5120 227 581 0,59 0,30 34,52 59,38
Desterro do melo 2314 2440 35 115 1,33 2,29 85,00 78,75
Dores de Campos 6277 7415 194 345 0,98 0,90 50,00 65,03
Ibertioga 3723 3923 96 246 1,74 3,03 81,97 80,00
Ressaquinha 3270 3701 241 402 2,54 2,22 60,69 62,09
Santa Bárbara do Tugúrio 3476 3602 182 323 0,94 3,25 100,00 93,12
Santa Rita de Ibitipoca 2739 2741 60 156 0,88 1,36 100,00 73,33
Santana do Garambéu 1431 1749 32 168 0,14 1,15 100,00 87,78
Senhora dos Remédios 7553 8018 636 709 0,45 0,90 63,27 61,79
Total 176138 202093 8526 15476 0,55 0,74 77,21 74,85
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matriz, pois a maioria apresentou razões inferiores a 1 no ano de 2000, com relativa melhoria no
período seguinte. Isso também se refletiu nas interações com o núcleo principal, porque no
primeiro período considerado apenas 40% dos 2066 deslocamentos internos a essa matriz eram
absorvidos por Muriaé, já em 2010 era de 47% a parcela de indivíduos que se dirigiam ao NP das
quase 5000 saídas.
Diante do exposto, entende-se que a capacidade de intermediação do núcleo principal
poderia ser colocada em questionamento nesse caso, visto que os fluxos recebidos por Muriaé não
acompanharam o mesmo ritmo do crescimento geral. Contudo, tais resultados possibilitam
também duas interpretações, a primeira relacionada ao direcionamento dos fluxos e a segunda aos
limites da utilização da mobilidade pendular através do censo demográfico.
No que tange ao direcionamento dos fluxos considera-se que outros centros estejam se
destacando nessa matriz de relações complementando ou até mesmo competindo com o núcleo
principal. Quanto ao limite para utilização do censo é importante assinalar que a pesquisa capta
apenas os deslocamentos por motivo de trabalho e/ ou estudo, logo, poderia existir outra atividade
ou outros fatores que sempre colocaram Muriaé como um município central. Pois, como pode-se
observar na Tabela 2, o NP não recebia sequer a metade dos casos internos tanto em 2000 quanto
em 2010. De qualquer forma, os recortes espaciais e os dados fazem parte da metodologia
escolhida, e, os utilizados nessa pesquisa não foram tão significativos quanto se esperava para
denotar o papel de cidade média de Muriaé em sua região.
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*razão entre o volume de deslocamentos internos e aqueles com destino ao núcleo principal. Fonte: IBGE, 2000 e 2010. Elaborado pela autora, 2020.
Tabela 2: Indicadores de pendularidade: Municípios da MR de Muriaé 2000 e 2010 (mobilidade e interações)
Município PIA Saídas
Mobilidade (Int/Ext)
Interações c/ NP*
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010
Antônio Prado de Minas 1374 1372 118 162 0,74 0,86 17,33 19,75
Barão de Monte Alto 4478 4515 478 319 0,72 2,58 53,04 24,26
Caiana 3096 3747 129 395 5,79 1,05 0 0
Carangola 23436 25391 819 906 0,44 0,44 15,77 2,53
Divino 12812 14260 145 433 0,29 0,90 3,41 7,66
Espera Feliz 14483 17379 397 1199 0,35 0,52 0 1,37
Eugenópolis 7310 8409 494 649 1,47 1,15 57,93 10,44
Faria Lemos 2568 2619 231 259 1,78 2,87 0,00 1,01
Fervedouro 6627 7611 89 263 2,07 4,84 6,88 8,20
Laranjal 4835 5283 171 491 0,14 0,56 11,93 19,56
Miradouro 6952 7933 256 536 0,95 2,44 19,74 15,91
Miraí 8938 10806 369 1278 0,19 0,25 15,83 4,83
Muriaé 68031 80047 2249 2602 0,15 0,25
Orizânia 4317 5305 9 212 0,00 0,32 0 10,17
Patrocínio do Muriaé 3643 4248 233 474 1,62 1,29 46,44 11,62
Pedra Dourada 1265 1630 12 104 0,20 0,55 0,00 5,20
Rosário da Limeira 2673 3331 79 408 0,84 9,20 9,78 21,91
São Francisco do Glória 4067 4027 111 331 0,29 2,56 0 11,17
São Sebastião da Vargem Alegre 1822 2199 30 248 1,14 1,36 0 11,56
Tombos 8734 7629 326 903 0,14 0,19 4,17 1,54
Vieiras 2841 2980 66 204 2,47 5,00 7,06 35,18
Total 194302 220719 6811 12376 0,44 0,66 40,62 47,87
Por outro lado, a interpretação dos resultados obtidos para Ubá denota uma significativa
absorção da parcela de indivíduos que buscavam oportunidades de trabalho e/ou estudo nesse
município e evidencia a sua capacidade de intermediação regional. Tal perspectiva pode ser
observada na Tabela 3, onde o indicador de interações com o NP demonstra que 60% da circulação
interna obtinha como destino tal centro. Essa parcela representa 1818 saídas num total de 3322
internas no primeiro período considerado e 4722 saídas das 8785 internas no último.
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*razão entre o volume de deslocamentos internos e aqueles com destino ao núcleo principal. Fonte: IBGE, 2000 e 2010. Elaborado pela autora, 2020.
Tabela 3: Indicadores de pendularidade: Municípios da MR de Ubá 2000 e 2010 (mobilidade, interações)
Município PIA Saídas
Mobilidade
(Int/Ext)
Interações c/
NP*
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010
Astolfo Dutra 8863 10450 701 954 0,45 0,80 16,97 56,94
Brás Pires 3505 3562 89 257 0,89 1,20 50,00 62,14
Divinésia 2231 2519 156 286 2,55 16,88 90,18 75,19
Dores do Turvo 3544 3477 26 166 1,36 1,16 33,33 43,82
Guarani 6251 6929 248 640 0,15 0,49 18,75 34,76
Guidoval 5510 5731 193 811 7,04 7,91 71,01 77,92
Guiricema 7036 7039 251 634 1,85 2,19 21,47 33,79
Mercês 7335 8167 302 435 0,35 0,69 6,41 37,08
Paula Cândido 9113 7158 267 955 0,08 0,50 26,32 60,57
Piraúba 8296 8724 803 1045 0,73 1,06 50,59 42,75
Rio Pomba 12043 13732 474 898 0,39 0,91 34,59 56,21
Rodeiro 3961 5331 145 291 2,82 4,02 103,74 91,85
São Geraldo 5736 8093 247 935 1,40 1,30 10,42 17,99
Senador Firmino 4740 5681 208 252 0,41 2,04 55,00 65,68
Silveirânia 1529 1744 67 150 1,68 2,85 21,43 15,32
Tabuleiro 3317 3265 215 317 0,38 1,16 0,00 12,94
Tocantins 10992 12523 728 1580 6,14 5,29 112,62 89,62
Ubá 62088 79168 1175 3102 0,57 0,77
Visconde do Rio Branco 23896 29830 832 1856 1,82 1,61 73,18 86,56
Total 189986 223125 7127 15564 0,87 1,30 62,82 63,51
Nesse sentido, observa-se que há um significativo incremento geral na mobilidade da
população entre os períodos observados que é acompanhada pelo NP. Apesar disso, a proporção
dos deslocamentos captados pelo NP não cresceu muito e isso pode se justificar com o indicador
de Mobilidade (Interna/Externa), uma vez que a razão entre os deslocamentos internos e externos
demonstram que na maior parte dos municípios houve acréscimo na proporção de indivíduos que
se deslocavam internamente. No caso do município de Tocantins, por exemplo, a cada 5 pessoas
que se deslocavam para dentro da MR apenas 1 se deslocava para algum município localizado fora
dela. Tal indicador, além de demonstrar uma expressiva conectividade entre os municípios, também
permite observar que há uma área de concentração da circulação de pessoas nos municípios
localizados no entorno dos do NP.
Por fim, nas três matrizes de relações foi possível observar que os municípios mais
próximos são aqueles que mais enviavam indivíduos ao NP principal. Observou-se também, uma
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situação relativamente semelhante ocorrendo nas matrizes de Barbacena e Muriaé, pois a circulação
de pessoas dobra entre os dois períodos observados, porém há uma dispersão dos deslocamentos
para além dos núcleos principais. A observação do saldo dos deslocamentos pendulares de cada
município na Figura 1 pode complementar e reforçar tal perspectiva, pois esse indicador permite
identificar áreas de atração e evasão de indivíduos através da diferença entre as entradas e saídas.
Figura 1: Saldos dos deslocamentos pendulares das matrizes de relações dos municípios de
Barbacena, Muriaé e Ubá nos anos de 2000 e 2010
Fonte: IBGE, 2000 e 2010. Elaborado pela autora, 2020.
A representação cartográfica dos saldos dos deslocamentos pendulares permite observar
que a própria distribuição dos municípios nas matrizes de relações atrelada a extensão do território
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possa favorecer tal dispersão dos deslocamentos e o desenvolvimento de outros centros
importantes dentro dessas matrizes. No que tange a MR de Muriaé é possível notar o destaque
adquirido pelo município de Carangola como eixo na área nordeste. Esse município, junto ao NP
foram os únicos com saldos positivos no ano de 2010, portanto considerados como municípios de
atração para o deslocamento pendular.
Assim, constata-se a partir da análise dos saldos dos deslocamentos em complementaridade
com os demais indicadores que há uma diferenciação significativa nos volumes das trocas entre os
anos de 2000 e 2010. Onde o município de Ubá obteve os saldos positivos mais significativos em
ambos os períodos analisados.
Por conseguinte, resguardadas as especificidades de cara MR, os núcleos principais são os
locais de maior entrada e saída e de indivíduos. Enquanto a maior parte dos municípios menores
são áreas de evasão. O que corrobora com Sposito (2001, p.238) para quem “os fluxos permitem a
apreensão da centralidade, através dos nódulos de articulação da circulação intra e interurbana que
ela se revela”. Com isso, acredita-se que a carência em oportunidades de emprego e estudo nos
municípios menores obriga a população residente a se deslocar diariamente em direção aos núcleos
principais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta análise preliminar, verificou-se que a população residente que se deslocava por
motivo de trabalho e ou estudo intensifica-se nos núcleos principais bem como naqueles
pertencentes a suas respectivas matrizes de relações entre os anos 2000 e 2010. O que também é
um reflexo do aumento da proporção de indivíduos em idade ativa, fator esse que incrementa a
quantidade da população em busca de oportunidades.
A absorção dos fluxos dos municípios menores e a intensificação dos deslocamentos
provenientes dos municípios mais próximos denotam a capacidade de intermediação dos núcleos
principais, como também o caráter regional dos deslocamentos pendulares para os núcleos
principais, o que corrobora com a caracterização desses núcleos urbanos enquanto cidades médias
regionais. Nesse sentido, pressupõe-se que a concentração das atividades econômicas e de ensino
no núcleo principal contribui para a atratividade da população, como também os coloca como
centralizadores em suas respectivas matrizes de relações. Assim, cabe agora analisar espacialmente
o desdobramento da pendularidade nessas MRs bem como buscar indicadores capazes de denotar
o perfil dos indivíduos que se deslocavam.
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Por fim, entende-se que os indivíduos dispostos e/ou obrigados a realizar deslocamentos
diários, muitas vezes desconfortáveis, os realizam também na busca de melhores salários ou apenas
oportunidades não disponíveis em seu município de residência. Isso confirma a perspectiva de que
em muitos casos os deslocamentos pendulares apresentam-se como uma necessidade dos
indivíduos, principalmente quando se reside em regiões que apresentam grandes disparidades
econômicas, onde há um município que concentra as oportunidades de trabalho e/ou estudo.
AGRADECIMENTOS: A CAPES pelo apoio financeiro.
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ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO: ESTRUTURA AGRÁRIA E DINÂMICA PRODUTIVA NO MUNICÍPIO DE GUAPORÉ/RS
Mateus Pessetti (Universidade Federal de Santa Maria – Campus Santa Maria)
E-mail: mateuspessetti84@gmail.com
Cesar de David (Universidade Federal de Santa Maria – Campus Santa Maria) E-mail: cdedavid2009@gmail.com
RESUMO
A pesquisa busca compreender a reorganização do espaço agrário de Guaporé/RS, a partir das transformações ocorridas na sua estrutura agrária e na utilização das terras, entre os anos de 2006 e 2017. A pesquisa teve como objetivo geral compreender a reorganização do espaço agrário de Guaporé/RS, a partir das transformações ocorridas na sua estrutura agrária e na utilização das terras, entre os anos de 2006 e 2017, e como objetivos específicos: a) analisar as mudanças na estrutura agrária, considerando o número e tamanho dos estabelecimentos agropecuários por grupos de área; b) identificar as transformações na utilização das terras, a partir das diferentes atividades produtivas; e, c) reconhecer as mudanças e permanências na organização do espaço agrário de Guaporé. Estabeleceu-se a hipótese de que a expansão da monocultura da soja, além de reorganizar a matriz produtiva do espaço rural de Guaporé, impacta nos diferentes usos das terras e na estrutura agrária dos estabelecimentos agropecuários. Utilizou-se da coleta de informações secundárias no Sistema de Recuperação Automática do IBGE, bem como em informações primárias por meio de entrevistas com as lideranças municipais. A investigação demostrou mudanças na estrutura agrária, através do aumento de médios e grandes estabelecimentos, bem como, a diminuição da participação de pequenos estabelecimentos na unidade municipal. Na utilização de terras, houve um incremento das lavouras temporárias e um crescimento das matas e florestas plantadas. Palavras-chave: Organização do espaço, Estrutura agrária, Uso da terra.
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento deste trabalho considerou a expansão da cadeia produtiva da soja nos
últimos 14 anos no município de Guaporé, o qual está localizado na região nordeste do Rio Grande
do Sul, sendo criado em 1903. Seu território resultou do desmembramento das unidades municipais
de Lajeado e Passo Fundo, tendo sua formação ligada a colonização italiana, a qual desenvolveu o
seu setor agrícola e industrial (Mapa 1).
O município tem como limites ao norte, Serafina Corrêa, a nordeste, Nova Bassano, a leste,
Vista Alegre do Prata, a sudeste, Fagundes Varela e Cotiporã, a sul, Dois Lajeados, a sudoeste, Anta
Gorda, a oeste, Arvorezinha e a noroeste, União da Serra. Regionalmente falando, Guaporé está
inserido, juntamente com mais 13 municípios, na Região Geográfica Imediata de Guaporé-Nova
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Prata que, acrescida das Regiões Imediatas de Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Vacaria, integram
a Região Geográfica Intermediária de Caxias do Sul (Mapa 1). (IBGE, 2016).
Mapa 1: Localização do município de Guaporé/RS
Fonte: IBGE (2016). Organização: PESSETTI, M (2020).
Por estar localizado na porção nordeste do RS, está inserido na unidade geomorfológica do
Planalto Meridional, que por sua vez, apresenta uma formação geológica de rochas basálticas,
oriundas dos derrames vulcânicos. Assim, apresenta uma paisagem marcada pela presença de
morros, especialmente na porção norte e oeste, onde são registradas as maiores altitudes. Nas
direções sul e leste, o relevo mostra-se mais aplainado e com a presença da área urbana. (ATLAS
SOCIOECONÔMICO DO RIO GRANDE DO SUL, 2020)
Historicamente, o município apresenta uma dinâmica espacial vinculada a pequena
propriedade de base familiar, característica herdada da colonização italiana, iniciada nas últimas
décadas do século XIX. Ressalta-se o papel do imigrante italiano no seu desenvolvimento
econômico, pois, foi somente a partir da colonização da área que as primeiras atividades
econômicas começaram a ser desenvolvidas, o que possibilitou delinear a atual organização do
espaço de Guaporé, especialmente nas questões que envolvem a produção agropecuária.
Entretanto, com a expansão da monocultora da soja (a partir de 2011), visualizou-se a
reorganização das atividades produtivas, visto que a cultura agrícola em questão se expandiu
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significativamente na unidade territorial em estudo, conforme evidenciam os dados do IBGE.
(Gráfico 1). Neste aspecto, destacamos que o aumento da lavoura da soja apresentou um
crescimento superior a 100%, delineando uma nova organização do espaço rural municipal.
(Gráfico 1).
Embora a soja tenha se consolidado em grandes estabelecimentos rurais, nos últimos anos
visualizou-se a expansão significativa em áreas com uma estrutura agrária baseada em pequenos e
médios estabelecimentos. Além de ocupar áreas que antes eram voltadas para outras cadeias
produtivas (milho, por exemplo), a monocultura mencionada, por apresentar rentabilidade superior
e não necessitar de mão de obra, induz a compra de novas áreas, aumentando assim o tamanho
dos estabelecimentos agropecuários e, consequentemente, transformando a estrutura agrária e
dinamizando seus diferentes usos.
Gráfico 1: Área colhida (ha) da soja em Guaporé/RS entre 2006 e 2017
Fonte: Sistema de Recuperação do IBGE – Pesquisa Agrícola Municipal (2017). Organização: PESSETTI, M.
(2020).
O objetivo geral deste trabalho consiste em compreender a reorganização do espaço agrário
de Guaporé/RS, a partir das transformações ocorridas na sua estrutura agrária e na utilização das
terras, entre os anos de 2006 e 2017. Como objetivos específicos, buscou-se: a) analisar as
mudanças na estrutura agrária, considerando o número e tamanho dos estabelecimentos
agropecuários por grupos de área; b) identificar as transformações na utilização das terras, a partir
das diferentes atividades produtivas; e, c) compreender as mudanças e permanências na
organização do espaço agrário de Guaporé. Estabeleceu-se a hipótese de que a expansão da
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Ano
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monocultura da soja, além de reorganizar a matriz produtiva do espaço rural de Guaporé, impacta
nos diferentes usos das terras e na estrutura agrária dos estabelecimentos agropecuários
Teoricamente, a pesquisa está sustentada pelo conceito de organização do espaço
geográfico. Assim, a discussão referente ao conceito mencionado, ganhou relevância após a
Segunda Guerra Mundial, em decorrência de seus efeitos econômicos e políticos, os quais
acarretaram novas organizações espaciais (MORO, 1990). Conforme destacado por Chirstofolleti
(1983), no estudo da organização espacial é necessário apreender sobre os mecanismos e processos
responsáveis. Segundo Moro (1990, p. 8), compete a organização do espaço
[...] o estudo das relações, das combinações, das interações, das conexões, das localizações que se processam de forma dinâmica no quadro de uma unidade espacial, entre os diversos elementos que a constituem, bem como as que se verificam entre as unidades espaciais em análise.
Corroborando, Corrêa (2000, p. 28) afirma que “A organização espacial, ou seja, o conjunto
de objetos criados pelo homem e dispostos sobre a superfície da Terra, é assim um meio de vida
no presente (produção), mas também uma condição para o futuro (reprodução)”. O homem,
elemento e fator que determinam a organização do espaço, segundo Gottmam (1950, p. 64) “[...]
est doué de mobilité une faculté de mouvement et de transport qui augmente chaque siècle un rythme prodigie usement
accéléré1”.
Ressalta-se que, a organização do espaço, ou simplesmente a organização espacial, é
formada pelas diversas maneiras em que o homem materializou o seu trabalho. O homem,
entendido como parte de uma sociedade, produz o espaço geográfico, o qual oportunizará a sua
reprodução, resultando na criação de formas peculiares que concretizarão a maneira em que cada
grupo social se apropria e se reproduz espacialmente (CORRÊA, 2000).
Santos (2014) ao estudar a organização do espaço na contemporaneidade, evidencia que,
ao passo que viabiliza a circulação de bens e pessoas, contribui para a especialização territorial, bem
como, pela intensa divisão territorial do trabalho. Portanto, as grandes empresas passam a não mais
presenciar todas as etapas do processo produtivo e suas sedes, o que as torna dependentes da
produção de suas filiais ou de outras empresas envolvidas (SANTOS, 2014).
Atualmente, a organização espacial consolidada, é resultante das relações sociais, tal como,
da ação do capital e do Estado. Corrêa (2000) evidencia o papel do capital e do Estado como
agentes que organizam e dinamizam o espaço no atual cenário capitalista. Todavia, deve-se salientar
1 “[...] é dotado de mobilidade uma faculdade de movimento e transporte que aumenta a cada século um ritmo prodígio exaustivamente acelerado”.
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que a ação do capital na organização do espaço acontece de forma heterogênea, desencadeando
problemas relacionados a desigualdade social.
O entendimento da organização espacial pelo viés das atividades agropecuárias, deve
considerar uma série de questões, tais como o processo de ocupação do espaço, as cadeias
produtivas, os sujeitos envolvidos e todos os agentes que de alguma forma promovem novos
arranjos espaciais. Deste modo, entende-se por organização espacial, a maneira em que os
diferentes elementos e influências (internas e externas) atuam sobre o espaço geográfico,
reorganizando-o e materializando novas espacialidades, as quais constituem o espelho da sociedade
que a organiza.
METODOLOGIA
Para atender os objetivos propostos, foram delimitadas etapas metodológicas, as quais são
descritas abaixo:
1 – Coleta de dados secundários no Sistema de Recuperação do IBGE, onde encontram-se
disponíveis as informações inerentes ao número e área dos estabelecimentos agropecuários por
grupos de área, bem como, a utilização das terras considerando as lavouras, pastagens, matas e
florestas;
2 – Elaboração e aplicação de questionários junto aos órgãos municipais: Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, EMATER e Secretaria da Agricultura;
3 – Tabulação e organização dos dados em gráficos e tabelas, assim como, elaboração de mapas
temáticos a partir das bases vetoriais do MapBiomas;
4 – Análise e interpretação das informações, possibilitando a compreensão das transformações na
estrutura agrária e uso das terras dos estabelecimentos de Guaporé entre 2006 e 2017.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Ao se falar da estrutura agrária devemos nos reportar aos processos históricos referentes a
ocupação do espaço. O Rio Grande do Sul, no contexto federativo em que a unidade investigada
se encontra, é marcado por apresentar grande desigualdade agrária, materializando um contraste
entre pequenos, médios e grandes estabelecimentos.
De modo especial, a produção do espaço agrário da metade norte do estado, aconteceu
através da inserção do colono europeu, predominantemente alemão e italiano, entre a segunda
metade do século XIX e início do XX. Estes, por sua vez, ao chegarem no território gaúcho,
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receberam pequenos lotes de terra para desenvolver as atividades agrícolas. Com o passar dos anos,
houve um intenso processo de fragmentação das terras em função de heranças familiares,
estabelecendo uma estrutura agrária baseada em pequenos estabelecimentos.
Em consonância com De David (2005), diante do processo colonizador ocorreu a
consolidação da pequena propriedade, onde foram desenvolvidas diferentes formas de produção e
trabalho. Conforme salientado anteriormente, o município de Guaporé teve sua formação atrelada
ao colono italiano, portanto, tradicionalmente, teve a pequena propriedade como precursora para
dinâmica produtiva local.
Nesse sentido, embora a escala temporal de análise não atenda desde o início da formação
do município de Guaporé (1903), os últimos dados apresentados pelos Censos Agropecuários do
IBGE (2006 e 2017), confirmam que a municipalidade permanece com uma estrutura agrária
baseada em pequenos estabelecimentos. Assim, ao analisar os dados censitários, estes evidenciaram
as mudanças e a atual organização agrária que estrutura o município estudado. (GRÁFICO 2).
Gráfico 2: Número de estabelecimentos agropecuários, por estratos de área (hectares), em
Guaporé/RS em 2006 e 2017
Fonte: Censos Agropecuários, 2006 e 2017 (IBGE). Organização: PESSETTI, M. (2020)
Ao observar o Gráfico 2, é possível inferir que os estabelecimentos se caracterizam,
majoritariamente, por apresentarem porções entre 0 a menos de 50 ha cada. Entretanto, embora
os números se mostrem mais expressivos nestes estratos de área, os mesmos apresentaram
diminuição na escala temporal analisada, simultaneamente ao aumento no número de
estabelecimentos no estrato de 50 a menos de 100 ha, bem como, no de 100 a menos de 500 ha. A
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Menos de 10 ha 10 a menos de 20 20 a menos de 50 50 a menos de100
100 a menos de500
500 a mais
Nº
de
esta
bel
ecim
ento
s
2006 2017
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partir destes dados, podemos refletir a respeito do aumento da concentração de terras, haja visto o
crescimento no número de propriedades entre os estratos de área de 50 a menos de 100 ha, bem
como, no de 100 a menos de 500. (GRÁFICO 2).
Ao analisarmos os dados das áreas ocupadas (hectares), percebemos que o aumento dos
estabelecimentos de 50 a menos de 100 ha foi de quase 28% em relação ao ano de 2006, totalizando
82 unidades. No caso do estrato de área de 100 a menos de 500 o aumento foi maior. Em 2006
eram 6 estabelecimentos ocupando uma área de 797 hectares. O Censo Agropecuário de 2017,
demonstrou um aumento de quase 200% em relação a 2006. Assim, atualmente são 19
estabelecimentos ocupando uma área de 2.361 hectares.
Devemos considerar que, a expansão das lavouras empresariais, historicamente, acontece
em grandes estabelecimentos. Para aumentar a produtividade e o rendimento da lavoura, o
proprietário aumenta a sua área de cultivo através da compra ou do arrendamento,
consequentemente, concentrando grandes extensões de terra nas mãos de poucos produtores.
Salienta-se que, os dados apresentados foram confirmados por parte das lideranças municipais
quando questionados a respeito da estrutura agrária das propriedades.
Ao considerar o módulo fiscal2 de Guaporé, o seu espaço agrário apresenta
hegemonicamente minifúndios e pequenas propriedades, todavia com a expansão das médias em
detrimento da diminuição dos minifúndios e pequenos estabelecimentos. Através da observação
da Tabela 1, juntamente com os estratos de área disponibilizados pelos Censos Agropecuários do
IBGE, é possível afirmar que existe uma predominância da agricultura familiar, considerando a lei
11.326 de 2006, a qual estabelece uma propriedade familiar aquela que possui até 4 módulos fiscais.
Tabela 1: Estrutura agrária de Guaporé, considerando o módulo fiscal
Módulo Fiscal = 20 hectares
Minifúndio (-1) Pequena (1 a 4) Média (4 a 15) Grande (+ de 15)
Até 19,9 ha 20 até 79,9 ha 80 até 299,9 há 300 ou mais há
Fonte: INCRA (2013). Organização: PESSETTI, M. (2019)
Nesse sentido, pode-se afirmar que o aumento ocorreu através da venda e compra de novas
2 Módulo fiscal é uma unidade de medida, em hectares, cujo valor é fixado pelo INCRA para cada município levando-se em conta: (a) o tipo de exploração predominante no município (hortifrutigranjeira, cultura permanente, cultura temporária, pecuária ou florestal); (b) a renda obtida no tipo de exploração predominante; (c) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; (d) o conceito de "propriedade familiar". A dimensão de um módulo fiscal varia de acordo com o município onde está localizada a propriedade. O valor do módulo fiscal no Brasil varia de 5 a 110 hectares (EMBRAPA, 2019).
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porções de terras, bem como, pelo arrendamento. Embora o município apresente números que
comprovem que sua estrutura agrária está baseada em pequenos estabelecimentos, a entrada de
cadeias produtivas com caráter monocultor também permitiu o aumento do tamanho dos
estabelecimentos. Destaca-se também, conforme evidenciado pelas lideranças entrevistadas3, que
nos últimos anos ocorreu uma abertura de novas áreas susceptíveis ao cultivo, o que também,
oportunizou o aumento do tamanho de algumas propriedades.
Tais afirmações, podem ser feitas, considerando o número total de propriedades, o qual
apresentou significativa redução entre os dados do Censos de 2006 e 2017, passando de 884 para
726 estabelecimentos, bem como, através da análise da série histórica da pesquisa agrícola municipal
do IBGE, que evidencia a expansão da soja nos últimos anos (2006 a 2017).
No que se refere à utilização das terras, observou-se uma redução das áreas voltadas as
pastagens, lavouras permanentes, matas e/ou florestas naturais. A este respeito deve-se reportar a
dinâmica das cadeias produtivas, pois é por meio destas que ocorrem as mudanças no uso das
terras. (GRÁFICO 3).
Gráfico 3: Utilização das terras (hectares) nos estabelecimentos agropecuários de Guaporé/RS
em 2006 e 2017
Fonte: Censos Agropecuários 2006 e 2017 (IBGE). Organização: PESSETTI, M. (2019)
Para viabilizar a análise e compreender a dinâmica espacial dos diferentes usos da terra no
3 Constituem as lideranças municipais: Secretário Municipal de Agricultura, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Engenheiro Agrônomo da EMATER.
0
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
7.000
8.000
LavourasPermanentes
LavourasTemporárias
Pastagens Matas e florestasnaturais
Matas e florestasplantadas
Hec
tare
s
2006 2017
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município de Guaporé, foram produzidos os Mapas 2 e 3, os quais demonstram a expansão,
especialmente da agricultura, ou seja, das lavouras (representadas na maioria pela soja). Cabe
destacar que cada uma das representações cartográficas compreende o ano de realização dos
Censos Agropecuários (2006 e 2017) contemplados na escala temporal desta investigação.
Mapa 2: Utilização das terras de Guaporé em 2006
Organização: PESSETTI, M. (2020)
De modo geral, visualizamos uma expansão da agricultura em todas as porções do território
guaporense. A análise dos mapas confirma as informações disponibilizadas pelos Censos
Agropecuários, uma vez que a agricultura (representada pela cor rosa), se expande sobre as
pastagens (representada pela cor laranja), o que demonstra o fortalecimento da dinâmica agrícola
do município e uma maior participação nos números da produtividade regional. (MAPA 2 e 3).
Ademais, deve-se considerar que a redução da área de pastagens em detrimento do aumento
das áreas voltadas para as lavouras é um fenômeno que se manifesta em todas as escalas no
território brasileiro. Os dados do Censo Agropecuário 2017 evidenciaram que o aumento das áreas
dedicadas as lavouras no Rio Grande do Sul obtiveram um aumento acima dos números nacionais.
A lavoura temporária apresentou um crescimento de 35,2% com relação ao Censo Agropecuário
de 2006. (CENSO AGROPECUÁRIO 2006 e 2017).
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Mapa 3: Utilização das terras de Guaporé em 2017
Organização: PESSETTI, M. (2020)
É oportuno atentar de modo especial para as lavouras de Guaporé, uma vez que este grupo
é composto por culturas temporárias e permanentes, que se manifestam na organização espacial de
maneira diferente. As lavouras guaporenses aumentaram de maneira expressiva nos últimas anos,
tendo como “carro-chefe” deste processo as culturas temporárias. O aumento entre 2006 e 2017
foi de aproximadamente 40% de hectares, o qual se deu sobre as áreas que antes eram voltadas
para às lavouras permanentes, bem como às pastagens. A redução das culturas permanentes foi de
cerca de 16% em relação ao Censo Agropecuário de 2006. (TABELA 2).
Tabela 2: Utilização das terras pelas lavouras temporárias e permanentes em Guaporé, 2006 e 2017
Ano 2006 2017
Categoria Área (ha)
Lavouras Temporárias 5.217 7.291
Lavouras Permanentes 1.070 896
Fonte: Censos Agropecuários 2006 e 2017 (IBGE). Organização: PESSETTI, M. (2019)
Grande parte da redução das áreas voltadas à pastagem, resultou da diminuição da atividade
bovina leiteira. Esta por sua vez, por ocupar extensas áreas para a criação do gado leiteiro, passou
a ser pressionada pela expansão da produção de grãos, de modo especial a soja. A atividade leiteira
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é expressiva na unidade municipal, porém vem apresentando perda no número de agricultores
envolvidos em função das exigências do mercado e dos rendimentos que apresentam variações.
(GRÁFICO 3).
A valorização da produção de grãos, fez com que as áreas que antes eram dedicadas a
pecuária leiteira, passassem a desenvolver o cultivo da soja. Entretanto, deve-se considerar que,
embora houve uma diminuição da área de pastagens, logo uma redução dos agricultores envolvidos
na pecuária, simultaneamente acontece a concentração das atividades pecuaristas, onde menos
produtores desenvolvem uma produção quantitativamente maior.
De maneira menos expressiva, visualizamos um aumento nas áreas voltadas às matas e
florestas plantadas. Entre 2006 e 2017, houve um incremento da silvicultura, especialmente através
da expansão do eucalipto, acácia e pinus americano. Quantitativamente, o crescimento da
silvicultura não teve a mesma expressividade das lavouras temporárias. Entretanto, possivelmente
nos próximos anos ocorra a consolidação do segmento, caso se mantenha em substancial
crescimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho consistiu na compreensão da reorganização do espaço agrário de
Guaporé/RS, a partir das transformações ocorridas na sua estrutura agrária e na utilização das
terras, entre os anos de 2006 e 2017. As entrevistas realizadas junto as lideranças municipais, bem
como, os dados levantados nos censos agropecuários de 2006 e 2017, permitiram delinear as
mudanças na estrutura agrária e na utilização das terras na unidade municipal em estudo.
Com relação a estrutura agrária, considerou-se o número de estabelecimentos por estratos
de áreas. Neste aspecto, visualizou-se a diminuição do número total de estabelecimentos,
simultaneamente com a diminuição de pequenos estabelecimentos agropecuários e o aumento de
médias e grandes estabelecimentos, o que demonstra uma tendência à concentração das terras.
Conforme evidenciado na introdução deste trabalho, uma das justificativas que levaram ao
desenvolvimento desta investigação, foi a significativa expansão da lavoura temporária da soja, que
por sua vez se expande e se consolida em áreas que apresentam uma estrutura agrária baseada em
médios e grandes estabelecimentos.
Com relação a utilização das terras, o crescimento das lavouras temporárias foi o mais
significativo comparado ao demais usos dos estabelecimentos. A expansão em área teve como
principal vetor a monocultura da soja, que encontrou condições favoráveis para sua consolidação
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no município. Visto o crescimento mencionado anteriormente, ocorreu a diminuição das lavouras
permanentes e das pastagens, as quais foram substituídas pela monocultura da soja.
Além da sojicultura, demonstrou-se um aumento das matas e florestas plantadas, as quais
foram impulsionadas pelo incremento da silvicultura (acácia, eucalipto e pinus americano). Tais
mudanças demonstram uma tendência a uma maior homogeneização do espaço agrário vinculada
a consolidação de monoculturas.
Finalizando, devemos destacar que o estudo ainda se encontra em desenvolvimento, visto
que ainda faltam realizar algumas investigações e entrevistas junto aos agricultores municipais.
Todavia, os dados secundários e as informações disponibilizadas pelas lideranças demonstram que
a unidade vem apresentando uma reestruturação na sua matriz produtiva, com impactos
significativos em sua organização espacial, que estudos futuros pretendem identificar e descrever.
REFERÊNCIAS
ATLAS SOCIOECONÔMICO DO RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Coordenação e Planejamento. Porto Alegre: SCP, 4º ed, 2020. CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 2000. CRISTOFOLLETI, Antonio. Definição e objeto da Geografia. Revista Geografia. Rio Claro, v. 8, nº 15/16, out de 1983, p. 1-28. DE DAVID, Cesar. Estratégias de reprodução social em assentamentos: limites e possibilidades para o desenvolvimento rural em Canguçu – RS. Tese de Doutorado (Doutorado em Geografia), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. GOTTMANN Jean. De l'organisation de l'espace. Considérations de géographie et d'économie. In: Revue économique, volume 1, n°1, 1950. pp. 60-71; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Agropecuário 2006 e 2017. Disponível em https://sidra.ibge.gov.br. Acesso em julho de 2019. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Agrícola Municipal. Disponível em https://sidra.ibge.gov.br. Acesso em julho de 2019. MORO, Dalton Aureo. A organização do espaço como objeto da Geografia. Geografia, Rio Claro, v. 15, n. 1, p. 1-19, abril de 1990. SANTOS, Milton. Metamorfose do espaço habitado. 5 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014.
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A CULTURA ALEMÃ E ITALIANA NA PAISAGEM DE CARLOS BARBOSA/RS: UM OLHAR A PARTIR DA ARQUITETURA TIPÍCA
Ligian Cristiano Gomes (Universidade Federal de Santa Maria) E-mail: ligiangomes53@gmail.com
Eduardo Schiavone Cardoso (Universidade Federal de Santa Maria)
E-mail: educard@smail.ufsm.br
RESUMO
O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar a arquitetura típica alemã e italiana na paisagem de Carlos Barbosa/RS. Como objetivos específicos a) buscou-se identificar as construções que remetem ao estilo arquitetônico típico, b) ressaltar as características pertinentes nas edificações presentes no município e, c) espacializar as construções que remetem aos imigrantes alemães e italianos de Carlos Barbosa. a relevância desta investigação está atrelada a importância dos estudos referentes à temática cultural, através dos processos de identificação que se materializam mediante uma simbologia específica, sendo o caso da arquitetura típica presente e materializada em Carlos Barbosa. Metodologicamente, a investigação estruturou-se a partir da pesquisa bibliográfica e documental, trabalho de campo, elaboração de mapas através do Software QGis e, por fim, pelas análises e interpretações. Desta forma, Carlos Barbosa materializa no espaço seus códigos culturais, evidenciando desta forma, a relevância histórico-étnica-cultural existente. Palavras-chave: Cultura, Arquitetura típica, Carlos Barbosa.
INTRODUÇÃO
O estudo da Geografia Cultural apresenta-se como uma das formas de interpretar e analisar
a organização espacial, bem como, explicar a relação sociedade/natureza. Deste modo, os fatores
e elementos culturais tomam na sociedade atual uma importância central, tanto no aspecto de
congregar o processo de reprodução e acumulação capitalista, assim como de divulgar e propagar
os valores, percepções e comportamentos definidores das atuais relações, tanto sociais quanto
individuais.
Por meio das relações sociais de determinados grupos, ocorre a materialização de suas
singularidades e peculiaridades nas mais diversas paisagens. Pode-se afirmar assim, que muitas
paisagens diferenciadas se formam a partir da existência de culturas com sistemas simbólicos
representativos, que imprimem nesse espaço suas características peculiares. Assim, a paisagem
ganha significado cultural, ou seja, as paisagens naturais evoluem para paisagens culturais. (NENE
CAETANO; BEZZI, 2011).
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A partir disto, a materialização dos códigos culturais inerentes aos grupos sociais acaba por
transformar o local em que migram, corroborando para a consolidação dos seus aspectos culturais
no espaço, os quais os solidificam quanto grupos e agentes promotores de difusão da cultura.
Desta maneira, parte-se do pressuposto da importância da colonização europeia para o
desenvolvimento socioespacial do território brasileiro, principalmente do estado do Rio Grande
do Sul e no que se refere a área de estudo, o município de Carlos Barbosa/RS.
Salienta-se que nesta investigação selecionou-se a unidade territorial de Carlos Barbosa,
pois apresenta códigos culturais relevantes para a sua formação socioespacial. Em relação aos
códigos culturais existentes, pode-se enfatizar a arquitetura típica deixada pelos imigrantes durante
e posteriormente o processo de colonização do município. Tal código torna-se evidente na
paisagem e corrobora para investigação pelo viés cultural. (MAPA 1).
Mapa 1: Localização do município de Carlos Barbosa/RS
Fonte: Malha digital do IBGE (2010). Organização: PESSETTI, M. (2019).
Desta forma, a investigação tem como objetivo geral analisar a arquitetura típica alemã e
italiana na paisagem de Carlos Barbosa/RS. Como objetivos específicos a) buscou-se identificar as
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construções que remetem ao estilo arquitetônico típico, b) ressaltar as características pertinentes
nas edificações presentes no município e, c) espacializar as construções que remetem aos imigrantes
alemães e italianos de Carlos Barbosa.
Portanto, a relevância desta investigação está atrelada a importância dos estudos referentes
à temática cultural, através dos processos de identificação que se materializam mediante uma
simbologia específica, sendo o caso da arquitetura típica presente e materializada em Carlos
Barbosa.
Assim, estudar e entender a cultura, não só contribui para os aspectos sociais de uma
determinada região e suas manifestações no espaço, bem como, se torna possível
analisar/compreender ações que se tornam passiveis para o desenvolvimento em determinadas
áreas que encontram-se atreladas a cultura.
Conceitualmente, pode-se inferir percepções sobre cultura, códigos culturais e paisagem
cultural, tais conceitos estabelecem subsídios teóricos para esta discussão, onde a compreensão
cultural é essencial.
Assim, as concepções acerca do conceito de cultura, na Geografia cultural são
conectadas/interligadas na necessidade de compreender os fenômenos na sua totalidade, como
também, globalidade, o qual é relacionado a abordagem holística. Todavia, a cultura
independentemente de ser um campo compartilhado em conjunto pertinente a ciências humanas,
possuem generosas conjunções, pois cada grupo social percebe e transmite suas práticas e saberes
de forma singular sobre seu respectivo espaço.
Podemos ressaltar que o homem se configura produtor e produto de sua cultura,
materializando sobre o espaço criações pertinentes, onde tais podem caracterizar-se na forma de
construções, materialmente e, por meio da fé, crenças, configurando-se por criações imateriais.
Assim, utiliza-se de processos simbólicos que determinam sua identidade étnico cultural,
estabelecendo seus códigos culturais.
Uma cultura materializada no espaço por meio dos códigos culturais é caracterizada como
um conjunto de símbolos. Os mesmos priorizam a perpetuação dessa cultura. Os códigos
proporcionam, por sua vez, transferências de características culturais de determinado grupo social
mediante suas gerações.
A essência cultural que orienta as ações de um grupo social materializa-se no espaço,
mediada por códigos específicos. Há toda uma simbologia representada nas formas, cada qual com
significado próprio. Os códigos constituem-se na simbologia responsável pela visibilidade da
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cultura e, também, pela sua transmissão. Encontram-se impressos nas diferentes paisagens.
(VOITG, 2013).
Ademais, a paisagem tem-se constituído, ao longo da historiografia do pensamento
geográfico, em uma das categorias analíticas para a interpretação espacial. Considerando-se que,
inicialmente, as pesquisas geográficas eram baseadas na observação e descrição, as paisagens,
principalmente, as agrárias, eram valorizadas pelos primeiros investigadores desse campo científico
demonstrando que a presença do homem era fundamental na organização das mesmas. (NENE
CAETANO; BEZZI, 2011).
Quando fala-se em paisagem cultural, esta refere-se ao arcabouço teórico geográfico que
determinada área apresenta e, onde manifesta diversas opções e mudanças realizadas pelo homem
quanto à uma comunidade cultural. A paisagem carrega a marca da cultura, serve-lhe como matriz
e se constitui objeto privilegiado dos trabalhos da geografia cultural e cuja interpretação é uma
tarefa fascinante para os geógrafos e arquitetos ocupados com as realidades culturais (CLAVAL,
2007).
METODOLOGIA
Metodologicamente, a pesquisa estruturou-se em etapas, as quais podem ser comtempladas
da seguinte maneira: 1) A primeira etapa realizou-se um levantamento bibliográfico acerca dos
conceitos e materiais necessários para discutir a investigação. 2) A segunda etapa constituiu-se no
levantamento em fontes secundárias, tais como no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a Fundação de Economia e Estatística (FEE), além das secretarias do município. 3) O
trabalho de campo configura-se como a terceira etapa desta pesquisa, o qual foi vital para evidenciar
a arquitetura típica presentes na municipalidade. 4) Por fim, a quarta e última etapa estabeleceu-se
na análise e interpretação dos dados/mateiras coletos, os quais promoveram a masterização dos
aspectos culturais arquitetônicos postos no município de Carlos Barbosa.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os estudos culturais atualmente tornaram-se objeto de estudo de diversas ciências.
Entretanto, na Geografia, esta temática é estudada e analisada desde a sua gênese, visando explicar
as relações humanas e suas mais variadas manifestações sobre o espaço. Deste modo, acaba por
estabelecer uma diversidade de temas a serem investigados nas pesquisas que são realizadas neste
campo do conhecimento científico.
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Para os geógrafos que trabalham com a temática cultural e buscam analisar a dinâmica da
sociedade, é fundamental identificar aspectos peculiares provenientes do processo de
desenvolvimento/incremento/transformação socioespacial. Neste sentido, para melhor
compreensão das peculiaridades de determinados aspectos étnicos, aponta-se a identificação dos
códigos culturais. Assim, os códigos culturais materiais são visualizados por meio do estilo
arquitetônico das casas, música, religião, festas e vestuário e, posteriormente, os imateriais como as
normas, as crenças, os valores e as ideologias, entre outros.
Neste sentido, ressalta-se que as etnias apresentam características típicas que são intrínsecas
a estes grupos sociais. Deste modo, culturalmente, as convenções variam de acordo com a cultura,
pois o que é significativo, em termos de preceitos, por um grupo social não é para outro. São níveis
de significação distintos, construídos por sistemas sociais oriundos de uma combinação única de
cultura e tempo. Portanto, são variáveis, pois o que se configura como regra na atualidade pode
não permanecer num futuro próximo. (BRUM NETO; BEZZI, 2008b).
Portando, os códigos culturais surgem das ações que orientam os grupos sociais e são
responsáveis pela visibilidade e difusão da cultura. Estes, são a produção e reprodução da vida
material humana, podem ser materiais e imateriais, mediados na consciência e sustentados por meio
de códigos de comunicação. (BRUM NETO, 2007).
É notório que, para todos a arquitetura está sempre ligada à algum grupo social. Mas quase
todos nós, não sabemos dizer com exatidão como entrelaçam-se os significados deste conceito,
desta palavra. Também, de certo modo, as pessoas procuram achar um vínculo entre a arquitetura
que observam, com a beleza que lhes propicia. Então, tem-se que a arquitetura seria apenas esse
tipo de compreensão e análise, mas nas questões culturais, essa percepção tende a ter mais
significado.
Para os grupos étnicos, esse conceito acaba por estabelecer com maior peso, sendo este
expressado mediante a materialização de alguma marca arquitetônica, de uma casa típica da etnia,
que além de estar posta na paisagem, remete inúmeros significados históricos e de sentimento de
pertença a esse povo.
Desta forma, Carlos Barbosa materializa no espaço seus códigos culturais, evidenciando
desta forma, a relevância histórico-étnica-cultural existente. A construção do sentimento de
valorização cultural é observada num simples caminhar pelas ruas do município.
Neste contexto, ao referenciar ao que foi exposto nos parágrafos anteriores, inicia-se
salientando os traços arquitetônicos deixados pelos imigrantes germânicos e, que encontram-se
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materializados como códigos culturais materiais na paisagem de Carlos Barbosa. Sendo que, este
grupo configura-se como primeiro grupo de imigrantes a colonizar a municipalidade, mesmo que,
já tivesse traços de povos indígenas anteriores a eles naquela área.
Cabe ressaltar que, segundo informações obtidas juntamente com o trabalho de campo e
com a prefeitura municipal, este código cultural encontra-se presente em algumas localidades da
área rural do município e, não tem-se grandes exemplares deste código preservados e
materializados na atualidade.
Quando se fala em arquitetura típica alemã remetemos a construções, casas, que denotam
de um estilo arquitetônico único. Esse estilo é denominado de Enxaimel. Trata-se de uma técnica
de construção baseada na montagem de paredes com hastes de madeira encaixadas entre si, onde
o posicionamento dessas hastes pode ser horizontal, vertical ou inclinado e, o preenchimento entre
os espaços é feito basicamente por pedras e/ou tijolos.
Um outro fator que merece destaque é o telhado destas construções. Ele é
significativamente inclinado, padrão foi estabelecido devido ao clima alemão, reconhecido pelo alto
volume de chuvas e umidade durante praticamente todo o ano. Deste modo, a estrutura elevada e
bem inclinada faz com que a madeira não molhe e, com isto, tenha uma resistência as intempéries
diárias por mais tempo.
Ressalta-se que na Alemanha a construção Enxaimel se desenvolveu onde havia grande
abundância de madeiras adequadas e com maior resistência, chamadas de lei, ou seja, por toda a
planície germânica e planalto médio, no centro da Alemanha. A madeira mais empregada era de
Carvalho, que neste período ainda era encontrada em grande quantidade nessas regiões. Mas o
carvalho caracteriza-se por crescer muito devagar, necessitando de um período de 200 anos para
poder ser abatido. Por isso, ele começou a acabar e foi substituído pela madeira de Abeto e de Faia.
Como a cultura germânica sempre teve uma população aldeã muito sedentária e onde os contatos
entre as diversas regiões eram difíceis e pouco frequentes, a difusão do Enxaimel não foi linear.
(WEIMER, 2005).
Cabe ressaltar que, marcadas por uma beleza e imponência características, as construções
de estilo carregam toda a disciplina, dedicação e personalidade alemã para diferentes locações
brasileiras. Muitas delas foram construídas pelos próprios alemães. Munidos de máquinas e
equipamentos de alta tecnologia, principalmente na época em que migraram para o Brasil, eles
mesmos fabricaram tijolos, telhas e pisos que traziam toda a sofisticação germânica.
(PORTOBELLO, 2020).
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Portando, de modo geral, as casas em estilo enxaimel eram fáceis de se construir e eram
bem acessíveis financeiramente a estes imigrantes. No caso do município de Carlos Barbosa, essas
construções típicas germânicas foram e estão localizadas na localidade rural de Torino Baixo e,
seguiram esses padrões arquitetônicos que remetem ao seu país de origem, neste caso, a Alemanha.
Salienta-se, que tais características pertinentes à arquitetura típica alemã remetem ao estilo
clássico de construção de seus antepassados. Mantendo-se viva a reprodução e perpetuação deste
código material da cultura germânica no município de Carlos Barbosa. Este fato pode ser
observado nas construções que reproduzem e materializam as feições típicas desta arquitetura.
(FOTOGRAFIAS 1 e 2). (MAPA 2).
Fotografias 1 e 2: Construções que denotam o estilo Enxaimel em Carlos Barbosa
Fonte: Prefeitura Municipal de Carlos Barbosa, 2020. Organização: GOMES, L. C (2020).
Nas fotografias é visível a importância que este grupo forneceu no momento em que
reproduziram a arquitetura típica em terras barbosenses. Uma característica que pode ser salientada,
apesar do desgaste provocado pelo tempo, refere-se a cor que as construções receberam, em
destaque na fotografia 1. (MAPA 2).
Em todas as construções a funcionalidade dos cômodos e móveis sempre foi uma questão
importante para o planejamento e execução das obras desta etnia. Além da disposição estratégica
de cada espaço de uma casa e dos seus móveis, as cores também eram pensadas de acordo com os
mesmos critérios.
Principalmente na parte externa da casa, as cores vibrantes acabam por compor um visual
sóbrio, mas, ao mesmo tempo, marcante e definido. Deste modo, as cores em destaque
ficavam/ficam por conta do vermelho, alaranjado, amarelo, azul, verde, entre outros.
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(PORTOBELLO, 2020). Assim, as construções aqui apresentadas foram espacializadas para
melhor compreensão/entendimento de como essas encontra-se dispostas no espaço que compete
ao município de Carlos Barbosa. (MAPA 2).
Mapa 2: Espacialização de construções típicas Alemãs em Carlos Barbosa
Fonte: IBGE/Trabalho de campo, 2020. Organização: PESSETTI, M, 2020.
É notório que, tais materializações culturais reafirmam as origens históricas e espaciais, uma
vez que a organização espacial da municipalidade se encontra atrelada na forma que estas
construções foram postas durante o processo migratório e de colonização na unidade territorial.
Por mais que, essas construções não encontram-se com tanta abundância, não pode-se dizer que
essas não materializam e espacializam esses imigrantes na paisagem de Carlos Barbosa.
Posteriormente a fixação e materialização deste código cultural material, a arquitetura, pelos
imigrantes alemães na paisagem na municipalidade investigada, era chegada o momento de outro
grupo ético manifestar no espaço suas marcas culturais, caracterizando de forma expressiva suas
origens éticas pela paisagem do município de Carlos Barbosa.
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A chegada dos imigrantes italianos deu-se, como já visto, posterirormente aos alemães em
terras barbosenses. Com isto, sua efetivação naquele espaço em seu novo lar, se daria também, pela
materialização de construções, casas típicas que remetessem seus antepassados e, em especial, seu
país de origem, a Itália.
Desta forma, a arquitetura da imigração italiana caracterizou-se pela sua construção
artesanal, onde todos os elementos necessários para compor essa obra eram elaborados por esses
próprios imigrantes. Pode-se dizer que, a forma de construir e as técnicas utilizadas pelos italianos
ganharam destaque no âmbito arquitetônico brasileiro por sua originalidade mediante esse processo
histórico. E, também, pela solução de problemas de acordo com a disponibilidade de recursos e
pela mão de obra disponível em cada região.
Neste sentido, a forma de construir adotada pelos imigrantes italianos tornou-se uma
característica marcante da arquitetura nos processos migratórios. Como visto, o método de
construir adotado variava de acordo com a disponibilidade de materiais que o local oferecia.
Assim, segundo Bertussi (1997), “[...] as primeiras construções eram feitas de madeira
rachada, alvenaria, pedra basáltica ou tijolos artesanais”. Contudo, o auge da arquitetura da
imigração italiana ocorreu somente quando as técnicas construtivas foram aprimoradas, em
especial, na utilização e aperfeiçoamento da madeira.
A simetria e a composição de ritmos são características significativas dessa arquitetura, onde
muitas vezes um eixo central demarca o acesso da edificação através da distribuição das esquadrias.
Nas edificações dos imigrantes, a composição assimétrica aparece como exceção, podendo ser vista
com pouca frequência. (VENTURINI; GASPARY, 2016).
A composição dos volumes dessas construções provém de retângulos que primam pela
simetria. Há também uma hierarquia de volumes que diferencia o uso das edificações. Nas
residências, a cozinha, quando anexada no corpo da edificação, possui uma altura inferior em
relação ao tamanho da casa. Acréscimos discretos de sacadas e alpendres surgem com a finalidade
de ornamentação e funcionalidade. (VENTURINI; GASPARY, 2016).
Nas áreas urbanas, normalmente, as construções estão dispostas na frente de lotes estreitos,
onde muitas vezes uma fachada completa a outra, formando assim um conjunto único, distinto
apenas por cores e acessos. Já nas áreas rurais, de acordo com Bertussi (1997), “[...] as primeiras
edificações eram compostas por um conjunto de setores, distribuídos separadamente ao longo do
lote”. (FOTOGRÁFIAS 3, 4 e 5).
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Essas construções contavam com a residência (casa de dormir), cozinha, tanque,
alambique, estábulo e latrina. Deste modo, com o surgimento de novas formas de construir, a
cozinha e a latrina passaram a fazer parte do corpo principal da casa, alterando a organização
espacial das edificações. (VENTURINI; GASPARY, 2016). (FOTOGRAFIAS 3, 4 e 5).
Fotografias 3, 4 e 5: Arquitetura típica que remete a cultura Italiana em Carlos Barbosa
Fonte: Trabalho de Campo e Prefeitura municipal de Carlos Barbosa (2020). Organização: GOMES, L. C. (2020).
Tais fotografias expostas acima, denotam as peculiaridades presentes na forma das
construções típicas italianas. Essas características reafirmam os parágrafos anteriores, os quais
expressaram este estilo arquitetônico. Cabe destacar também que, é visível no município diversas
construções desta etnia, as quais acabam por sobressair-se as dos imigrantes alemães neste processo
de materialização cultural. Este fator é observado e, melhor compreendido mediante a
espacialização das construções no município. (MAPA 3).
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Mapa 3: Espacialização de construções típicas Italianas em Carlos Barbosa
Fonte: IBGE/Trabalho de Campo (2020). Organização: PESSETTI, M. (2020).
Mediante o trabalho de campo foi possível verificar que este grupo étnico prevalece
presente e com seus códigos culturais expressos na paisagem de Carlos Barbosa. A identificação
destas construções e sua localização no mapa foram promovidas novamente, pela utilização de
GPS na coleta de suas coordenadas durante a realização do campo e com a Prefeitura Municipal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os imigrantes germânicos compõem a formação socioespacial referente a colonização desta
unidade territorial e deixaram marcas que denotam ao longo da investigação até aqui posta. Porém,
é visto que estas marcas culturais ficam mascaradas, uma vez que as construções deixadas pelos
imigrantes italianos tornam-se mais evidentes. Sendo que, os mesmos acabaram por manter seus
traços típicos até a atualidade, materializando de forma permanente seus códigos culturais.
A perpetuação deste código material acaba por configurar-se de vital importância, pois a
materialização de um povo vista pela sua arquitetura típica torna-se um marco. As evidências destas
construções alicerçam a sentimento de pertença e reafirma a cultura deste povo com aquela terra,
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seu lar, o que torna aquele lugar único em qualquer parte do mundo. Pois, o que foi (re)produzido
no município de Carlos Barbosa somente será visto naquele espaço, com os traços daqueles
imigrantes que ali chegaram e, se estabeleceram.
Portanto, ao analisarmos esses aspectos culturais, é possível perceber que por mais que o
município configure em sua gênese a predominância de diversos grupos em seu processo de
formação e colonização, o grupo formado pelos imigrantes italianos acabam por se sobressair neste
panorama. A estruturação deste povo na municipalidade estabeleceu-se de forma permanente, onde
suas tradições encontram-se expostos e materializados na paisagem de Carlos Barbosa, fato que
deve-se ao trabalho e dedicação de seus habitantes por promover a perpetuação e permanência do
seu passado e de seu povo até a atualidade.
REFERÊNCIAS
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TRABALHO E MOBILIDADE NA EMPRESA CALÇADISTA DASS NO MUNICÍPIO DE ITAPIPOCA/CEARÁ
Maria Imaculada Cardoso Freitas (Universidade Estadual do Ceará - Polo Itapipoca)
E-mail: immafreitasgeo@gmail.com
RESUMO
O processo de industrialização surgiu como um importante fator para o desenvolvimento econômico e social, atraindo novos investimentos nacionais e internacionais ao Brasil. No Ceará, essas mudanças se tornaram significativas a partir da década de 1990, quando novas lideranças políticas contribuíram para mudar o perfil econômico do estado, através de uma nova visão de mercado e economia. Muitas empresas de outros estados foram atraídas por benefícios públicos, assim alteraram a realidade das relações de trabalho abrindo portas para uma nova dinâmica econômica e social. Esse trabalho tem como objetivo compreender a relação entre a geração de emprego e renda, a mobilidade do trabalhador, bem como sua relação com a segregação socioespacial dos trabalhadores da indústria, tomando como estudo a empresa calçadista Dass Calçados, localizada em Itapipoca/CE. A metodologia se deu mediante pesquisas de caráter bibliográfico e documental, assim como através de entrevistas com trabalhadores da DASS. Desta forma foi possível apresentar a importância que o processo industrial tem sobre a geração de emprego em Itapipoca/CE, assim como identificamos os aspectos acerca das relações de trabalho tendo como lócus a empresa calçadista DASS. Palavras-chave: Indústria calçadista, Dass, Itapipoca.
INTRODUÇÃO
O processo industrial começou a se desenvolver no Brasil a partir do século XIX, quando
cafeicultores da região Sudeste do país, por meio dos capitais oriundos das exportações de café,
passaram a investir no setor industrial brasileiro. Inicialmente a produção voltou-se para a
produção de tecidos e alimentos, em fábricas de pequeno e médio porte, que em sua grande
maioria concentrava-se no estado de São Paulo. Enquanto São Paulo crescia no setor secundário
e terciário, o estado do Ceará se destacava no setor primário. Essa divisão regional do trabalho e
das riquezas criou grande disparidade regional e social, estimulando a proposta de uma política
regional que melhor distribuísse a produção da riqueza e o consumo das pessoas. Como resultado,
criou-se a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) como política regional
de desenvolvimento do Nordeste brasileiro. Ainda nesse rol desenvolvimentista, também foi
criado o Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor), que objetivou estimular o
desenvolvimento social e econômico da região Nordeste através de políticas de investimentos, no
qual priorizou indústrias de pequeno e médio porte.
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No Ceará essa modernização ocorreu de fato a partir de 1990, com o início do governo
de Ciro Gomes e perpassando pela gestão de Tasso Jereissati, quando as transformações
tornaram-se concretas em muitas cidades do Ceará, possibilitando novas formas de economia no
estado. Esse processo de transformação no estado cearense chegou a muitos municípios, como
em Itapipoca, que a partir dos anos 2000, quando a atividade industrial calçadista foi implantada
no munícipio, foi possível perceber transformações na estruturação da cidade e em sua economia.
Em geral, a implantação de filiais de grandes empresas industriais nacionais e internacionais
no Ceará, principalmente no ramo de calçados, manteve, de certo modo, a organização do trabalho
de modelo fordista, utilizando mão de obra intensiva, com plantas que ocupam grandes áreas
(ALENCAR, 2014). A produção de calçados também acompanha uma determinada lógica com
características migratórias e instalando-se em regiões onde a força de trabalho não é obstaculizada
a salários elevados (NAVARRO, 2004).
A presente pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de analisar o setor calçadista através
da empresa DASS, bem como seu impacto no território de Itapipoca. Desse modo este artigo está
estruturado em três sessões onde se apresenta o modelo de trabalho na indústria, o processo
industrial no Brasil e sua importância para a região nordeste, e por fim as relações de trabalho no
chão da fábrica.
METODOLOGIA
Em um primeiro momento realizamos a pesquisa bibliográfica com autores como: Pereira
Júnior (2012), Sampaio (2017) e Pereira (2006), em um segundo momento foram realizadas as
pesquisas de cunho documental, no qual se deram por meio de pesquisas nos dados Relação Anual
de Informações Sociais (RAIS) e Secretaria de Planejamento e Gestão de Itapipoca. E por fim, na
pesquisa de campo foram realizadas entrevistas com trabalhadores da empresa DASS
CALÇADOS, e com a gerente do SINE/IDT (Sistema Nacional de Emprego/Instituto de
Desenvolvimento do Trabalho) de Itapipoca, no qual foi aplicado questionário com perguntas
relacionadas às respectivas atividades de ambos os entrevistados.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O fordismo se caracteriza como um modelo de produção e consumo em massa, em que
corresponde nas condições de produção e reprodução dos assalariados, na economia
contemporânea se classifica através da organização do trabalho e hierarquias de qualificações como
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mobilidade dos trabalhadores, formação e renda. As mudanças no sistema fordista ocorreram de
fato no século XX com a quarta revolução tecnológica que abriu portas para novos espaços
estabelecidos através da mercadoria de informações, contribuindo para uma nova hierarquia
urbana, e a formação dos blocos econômicos.
Nos anos de 1970 atingiu seus limites e todos os mecanismos de regulação capitalista
passaram por mudanças, tornando-se mais flexíveis em suas formas de produzir, consumir,
comunicar e trabalhar. Desta forma, considerou as modificações de gestão e financiamento de
investimentos (SAMPAIO, 2017). Essa crise se originou devido à saturação dos mercados de bens
duráveis a queda no sistema financeiro dos mercados mundiais e também o aumento no valor do
petróleo nos anos de 1973 a 1974.
Foi nessa época que se iniciaram políticas de substituição de importação em vários países ditos do terceiro mundo, principalmente na América Latina. Houve expansão de manufaturas também para o Sudeste da Ásia, acirrando a competição internacional. São mudanças que dizem respeito à composição Inter setorial da acumulação, deslocamento das unidades para zonas de baixos salários (fordismo periférico), com tendência a privilegiar unidades de produção menores, que por sua vez, apresentam trabalho mais flexível, na busca de economizar nos custos de produção (SAMPAIO, 2017, p. 26,27).
A expansão de manufaturados teve contribuição para o desenvolvimento econômico em
países de terceiro mundo, porém o modelo de trabalho continua a contribuir para a segregação
socioespacial, onde a força de trabalho é mal remunerada. O fordismo periférico é um conceito
que visa garantir uma acumulação intensiva através de bens de consumo duráveis em países de
periferia, e o principal fator de atração é sua mão de obra barata. No Brasil a atividade industrial
se desenvolveu inicialmente na região sudeste, tomou grandes proporções nos anos de 1950 com
sua expansão na capacidade de produção onde atraiu novos investimentos nacionais e
internacionais.
No nordeste um importante marco no impulso da atividade industrial foi à criação da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) se caracterizou por ser um
audacioso projeto em que visou investir massivamente no processo industrial nordestino,
Programa criado nos anos sessenta que impulsionou incentivos fiscais juntamente com a criação
da Finor que projetou na região diversas transformações sociais e econômicas. Entre os projetos
financiados pela SUDENE estão à montagem de uma infraestrutura adequada para os
investimentos do capital nos municípios que receberam as unidades produtivas. No período da
crise industrial em 1960 a 1990 o nordeste foi o menos atingido, justamente por não ter ligação
direta com a produção de tecidos de outras regiões do país, período em que mais contribuiu com
PIB do país que atingiu a média de 6,3% superando o Japão que foi 5,5%. Desde então o setor
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industrial tornou-se importante para o crescimento do PIB no país, período em que o Nordeste
também cresceu nas áreas de produção de energia elétrica, abastecimento de água e serviços,
investimentos públicos foram fundamentais para essa mudança.
O Ceará foi o estado mais beneficiado com os projetos da Finor, resultando assim em
uma transformação na estrutura empresarial que visava o avanço tecnológico e o fortalecimento
da indústria tradicional têxtil. Porém certa instabilidade ligada aos problemas de seca que em
caráter crônico afetava toda a população, os efeitos da seca no Ceará eram maiores que em outros
estados do Nordeste, porém trouxeram consigo uma nova face, de favorecimento ao
fortalecimento da modernização do estado. Em 1970 projetos de infraestrutura em transporte e
distribuição de energia elétrica foram fundamentais para a consolidação do processo industrial.
Mas apenas a partir de 1990 essas mudanças realmente começaram a acontecer durante o
governo de Ciro Gomes e com o segundo mandado de Tasso Jereissati em 1994 a 2002, como os
primeiros investimentos na construção e reforma de rodovias para facilitar o transporte desses
produtos industriais, como também uma grande obra que impulsionaria a economia, a construção
do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), que tinha como grande objetivo facilitar a
distribuição de mercadorias para o exterior, a construção de um aeroporto internacional, abrindo
portas para um novo espaço a ser produzido, voltado para a modernização capitalista.
Ocorreu então um desenvolvimento industrial, onde o setor industrial calçadista se
fortaleceu no Ceará, em 2008 o Ceará se tornou o maior exportador de calçados do país superando
outros estados se tornando referencia em produção e exportação de calçados que foi de 7% a
44%, esse fortalecimento ocorreu pelo fato de muitas empresas do ramo calçadista se instalar em
30 diferentes munícipios, trazendo consigo mudanças para a economia e geração de emprego e
renda para o estado do Ceará. Dentre esses munícipios que receberam investimentos da
SUDENE destaca-se o município de Itapipoca onde está instalada a empresa Dass Nordeste
Calçados, uma empresa de grande porte da região sul, especializada em artigos esportivos que
chegou a Itapipoca há aproximadamente 18 anos, e atualmente desempenha um importante papel
na geração de emprego e renda, anualmente a empresa fabrica 8,7 milhões de pares de tênis ao
ano, a maior parte da produção se concentra no Nordeste.
Vale salientar que em 2016 o PIB no setor industrial chegou a 22,83% em Itapipoca
segundo o IPECE, nesse mesmo período o número de empregos formais gerados pela indústria
em Itapipoca foi de 2.812, enquanto o setor de comércio foi 2.237 mil segundo RAIS, porém em
2016 o número de pessoas que recebem o valor de R$1,01 a 1,50 por horas trabalhadas aumentou
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consideravelmente de acordo com os dados do RAIS. Outro ponto que podemos considerar
positivo é que o número de mulheres no mercado de trabalho aumentou bastante, nos anos 2000
havia apenas oito mulheres em empregos formais no município, em 2016 esse número chegou a
1.140. Assim como o aumento da população urbana do município no ano 2000 era de 51,37%, já
em 2010 passou a ser 57,65%. De modo geral, o número de empregos formais por faixa etária foi
possível identificar que entre 2000 a 2016 a maior parte é pessoas com idade entre 18 a 40 anos,
e grande parte possui apenas nível médio segundo os dados do RAIS.
A instalação da fábrica da Dass foi importante, pois é o segundo maior empregador formal
da cidade, estimulando o aumento da população urbana e também gerando mais empregos e
consequentemente renda para a população. Devido uma parte dos trabalhadores residir distante
da fábrica, acabam tendo que alugar casas na cidade para ficarem mais próximo do trabalho. Dessa
forma, a Dass também movimenta o setor imobiliário.
De acordo com a gerente do SINE/IDT de Itapipoca, a indústria é a segunda maior
contratante do município devido à sua capacidade de produção. A empresa contrata por meio de
duas formas; a entrega do currículo na própria fábrica, e entrevistas; a outra forma é por meio do
projeto jovem aprendiz, coordenado pela empresa, com intermediação do SINE/IDT. Órgão
iniciou suas atividades em 2008, viabilizando a inclusão dos trabalhadores, qualificação da mão de
obra e também a garantia de direitos como o seguro desemprego. Assim, o SINE/IDT realiza a
seleção; recebe os currículos, realiza provas e oficinas, e após isso esses jovens passam por
treinamentos na empresa DASS. Os selecionados iniciam o projeto jovem aprendiz, que tem
duração de oito meses. Os que se destacarem durante esse período de estágio, ao final são
contratados pela empresa.
A empesa exige apenas nível médio, e o importante é mostrar a força de trabalho e
desempenho na capacidade de produção, Muitos vêm de outras empresas e outra parte desses
funcionários está em seu primeiro emprego e acreditam que a indústria será uma forma de inserção
no mercado de trabalho, e experiência profissional. Mas, de acordo com as entrevistas com um
grupo de trabalhadores da fábrica, existe uma pequena parte que trabalham para se manter
financeiramente enquanto concluem o ensino superior.
A Dass emprega cerca de 2.112 funcionários, sendo a maioria de Itapipoca, e uma pequena
parte dos trabalhadores vem de cidades e comunidades próximas. De modo geral, o trabalho no
“chão da fábrica” é realizado em etapas, a saber: o trabalho em grupo é um de seus pontos fortes
e a produção é dividida em equipes, são três setores de montagem, ambos divididos em grupos
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de 10 a 15 pessoas, que desempenham funções como corte, apoio, costura, montagem, encaixe e
expedição. Este é um trabalho cujo precisam cumprir metas diariamente de 600 a 1.200 pares de
sapatos por hora. Como afirma um dos trabalhadores;
O setor que eu trabalho é o que faz a base paras montagens, a gente faz a sola que vai direto para montagem, por isso a gente tem que produzir mais que outros uns 1.200 a 2.000 solas de sapato por hora (E8, masculino, 1 ano e 6 meses de empresa).
Isso, por exemplo, ocorre no chamado “horário comercial” o setor mais cobrado a produzir.
A costura manual, muito presente e marcante na qualidade de produção de muitas indústrias, é
mantida devido a uma exigência do mercado de alto poder aquisitivo que valorizam a qualidade do
trabalho artesanal.
Essa produção é realizada com o trabalhador em pé onde exige agilidade e rapidez em
constantes movimentos repetitivos. São longas e diárias horas de trabalho que geram uma exaustão
e cansaço físico. O salário e horários de intervalos não são suficientes para retribuir a competência
e esforço.
A empresa funciona em três turnos. O primeiro vai de 05:00 as 14:58 horas; o segundo de
14:00 as 00:36 horas; e o terceiro, chamado de “horário comercial”, vai de 07:00 as 17:18 horas.
Todos os horários têm pausa de uma hora para que os funcionários possam descansar e fazer suas
refeições. Apenas os que trabalham no horário comercial seu intervalo é maior que os outros que
tem a duração de uma hora e meia. A empresa funciona por meio de banco de horas, denominados
negativos e positivos. Assim, se o funcionário chegar atrasado ou passar alguns dias sem ir ao
trabalho por falta de material para produção há um desconto no salário, e caso o funcionário precise
ser liberado para ir estudar ou resolver algo, a empresa libera, porém, terá que cobrir essas horas
em outro dia.
Durante as entrevistas que realizamos, foi possível concluir que a maioria dos funcionários é
de pessoas pardas e negras, sem nível superior, residem em bairros periféricos na cidade, grande
parte desses jovens que trabalham na Dass Calçados é de origem da sede urbana de Itapipoca. Mas
há também os que migraram de outros municípios e comunidades para a sede para poder trabalhar
e estudar, uma parte ainda mora com os pais, a outra mora com irmãos ou amigos e o salário, além
de lhe proporcionar certa autonomia, também é importante para ajudar pagar as despesas de casa.
De modo geral, o cotidiano desses entrevistados é organizado em função do trabalho, e ambos
contribuem financeiramente da maneira que podem com sua família.
“Eu moro com meus pais, todos os dias saiu muito cedo para trabalhar, como meu tempo
é pouco e meu trabalho é cansativo, eu fico sem disposição para ajudar minha mãe nas
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tarefas de casa, mas eu ajudo financeiramente nas despesas, quando chego fico estudando um pouco, fazendo algum trabalho da faculdade e depois vou dormir (E3 feminino)’’.
O espaço urbano se apresenta, então, de forma heterogênea, pois a desigualdade é
necessária para que se produza uma ordem hegemônica na divisão internacional do trabalho, mas
precisamente por suas particularidades em cada local (PEREIRA, 2006).
A condição econômica define a situação espacial. E cada situação espacial influencia diferentemente o acesso à cidade, como totalidade. Os segmentos sociais vivenciam, de forma distinta, a diferenciação socioespacial existente na cidade capitalista, alguns se auto segregando e outros sendo segregados (PEREIRA, 2006 p. 134).
No espaço urbano a desigualdade se encontra em muitas áreas na infraestrutura básica,
como asfalto, rede de água, rede de esgoto, rede de energia elétrica, escolas, hospitais, áreas de lazer.
A renda também é um desses fatores, que acaba levando essas pessoas a espaços com uma
infraestrutura mais precária, mas que estão mais acessíveis às suas condições financeiras. Esses são
os aspectos que fortalecem a pobreza e a desigualdade. Entender como a segregação socioespacial
acontece se deve muito às condições de vida e espaços que a cidade oferece e na forma como se
distribui.
Portanto, a condição econômica determina a situação socioespacial, reforçando ainda mais as dificuldades para a apropriação do espaço urbano pelos citadinos de menor poder aquisitivo, ficando estes cada vez mais “distantes” da cidade (PEREIRA, 2006 p. 132).
Outra questão que está ligada à segregação socioespacial também é a cor da pele, pessoas
negras ainda são minoria na direção de cargos importantes e nas universidades, e a maioria habita
bairros periféricos e em trabalhos cuja força de trabalho é explorada de forma intensa e mal
remunerada.
“Antes eu trabalhava na roça” com meu pai, eu vi na fábrica uma forma de conseguir um emprego de carteira assinada, e faço faculdade no fim de semana, antes eu morava no interior chamado sítio do coqueiro distrito de marinheiros, precisei vir morar aqui devido ao trabalho e a faculdade, agora moro com minha irmã e meu cunhado a gente se ajuda nas contas, gosto de morar aqui porque fica perto do meu trabalho, da faculdade e também é próximo dos comércios e também não fica muito longe do centro (E2 masculino)”.
“Antes eu morava no deserto com minha família, mas como nossa casa estava em reforma a gente veio para Itapipoca e acabamos ficando por aqui, resolvemos morar nesse bairro porque o preço é do aluguel é mais barato, o único problema é que fica muito longe do centro, mas isso não atrapalha tanto (E4 masculino)’’.
Por exemplo, o bairro em que a maioria dos funcionários entrevistados mora se localiza
bem no início da cidade e distante do centro. Tem uma infraestrutura precária, residências
modestas, com pequenos estabelecimentos comerciais de um vilarejo pobre. Há apenas uma
pequena escola municipal como serviço público e um posto de saúde. Por outro lado temos o
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bairro Centro. É o ponto de referência da cidade, o principal local que concentra os mais variados
tipos de comércios e serviços de grande e pequeno porte. Também concentra o maior fluxo diário
de pessoas, fortalecendo o consumo, com uma melhor infraestrutura econômica e social, superior
aos outros bairros. Onde concentra os mais variados serviços e habitado pelas classes mais
abastadas. É uma realidade que faz parte do cenário socioespacial de Itapipoca. Grande maioria
dos trabalhadores da Dass Calçados são pessoas com baixa renda, a maior parte reside em bairros
periféricos. Têm formação apenas no ensino médio devido à falta de recursos, tempo e
oportunidade de cursar o ensino superior. Para manter-se e ajudar a família, precisam realizar o
trabalho na fábrica num ritmo intenso e carga horária bem extensa. Isso passa a afetar diretamente
a busca de novas oportunidades, por falta disponibilidade para buscarem outras formas de
crescimento profissional.
“Eu resolvi entrar na fábrica para poder ajudar em casa, porque só meu pai trabalhava e como tenho 3 irmãos mais novos, e só meu pai recebe só um salário, e no fim do mês fica muito apertado, eu ajudo com uma parte, pago a água e a luz, mas eu também guardo um pouquinho para mim comprar minhas coisas... quando chego do trabalho fico só em casa mesmo assistindo ou conversando com os amigos pelas redes sociais, depois da janta vou dormir (E4 masculino)”. “Faz 3 anos que vim morar em Itapipoca para poder trabalhar, eu gosto de morar aqui, porque além de ser próximo do trabalho, fica perto do centro onde geralmente eu vou resolver algumas coisas e também comprar o que preciso pois onde eu morava lá no Barrento as condições de crescer profissionalmente eram bem difíceis (E8, masculino)”
Isso cria um ciclo de trabalho exploratório cada vez mais forte, sendo algo que também
reforça o número de pessoas que vivem apenas com um salário mínimo. Ambos os fatores
caminham juntos na segregação socioespacial. Como também em relação na forma de mobilidade
para estudar e trabalhar. Os tipos de deslocamentos estão diretamente ligados e são influenciados
com determinadas características, tais como renda, escolaridade, idade e relações de gênero, como
aponta Pereira (2006).
Assim o principal motivo para a mobilidade é a necessidade de a população ir para o
trabalho, ou seja, a mobilidade e acessibilidade são essenciais para o funcionamento do meio
urbano. Ressaltamos que a mobilidade não significa apenas o fato de se movimentar, mas é algo
que caminha junto com a acessibilidade, no modo como o indivíduo possa se movimentar para
chegar ao destino desejado. Porém essa mobilidade é dependente dos meios de locomoção, como
transportes públicos, privados ou próprios. Principalmente aqueles que moram em áreas mais
distantes, e para os que possuem um menor poder aquisitivo usam bicicleta, carona ou caminhada
como meio de locomoção.
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“Eu moro com meus pais e quando entrei na fábrica meu pai me ajudou a comprar minha moto, agora fica mais fácil para ir trabalhar porque antes eu ia de bicicleta ou de carona (E9, masculino).” “Como moro mais próximo do trabalho e não tenho transporte, geralmente vou a pé que leva uns 10 minutos, às vezes de carona com algum amigo do trabalho (E2 masculino)”. “Como moro de aluguel há pouco tempo e tento economizar, mas como moro longe do trabalho evito pegar moto-taxi porque é muito caro, mas tenho um amigo que mora perto de mim e também trabalha lá na fábrica e como ele tem moto eu pego carona com ele todo dia para ir trabalhar leva uns 15 minutos” (E1 feminino)”.
A cidade não tem transporte coletivo existe apenas iniciativas privadas, como moto-táxis e
táxis que circulam na cidade, por exemplo da empresa chamada CooperIta que circula somente
entre o Centro e em direção aos distritos e pequenos munícipios próximos da cidade. A empresa
também não disponibiliza transportes para os funcionários, as formas de deslocamento são caronas
com colegas de trabalho, outros, como possuem motocicleta ou bicicleta, tem menos dificuldade,
os que moram mais próximo vão a pé.
Para os homens os principais meios de transportes são motocicleta e bicicleta, enquanto as
muitas mulheres dependem de carona para chegar ao trabalho. A motocicleta é o principal e mais
popular transporte utilizado por esses trabalhadores e pela população da cidade, pois os
entrevistados afirmam que a motocicleta é mais econômica e acessível, tanto para comprar quanto
para abastecer. De acordo com as entrevistas, foi possível constatar que dentre esses trabalhadores,
os que moram em casa própria possuem seu próprio transporte, no caso a motocicleta. Por outro
lado, os que moram de aluguel, são a maioria que possuem apenas bicicleta ou dependem de carona.
Isso reflete principalmente na questão econômica e na renda, pois como mensalmente
precisam pagar aluguel e fazer compras para casa, dentre outros gastos, o saldo no fim do mês é
bem abaixo do esperado. Isso se torna um ciclo em que o salário apenas supre as necessidades
básicas. Por outro lado, os que moram com os pais já possuem certa liberdade em relação a esses
gastos domésticos, assim facilitando na compra do próprio transporte e de bens de consumo para
além da alimentação básica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade industrial abriu portas para novos investimentos e novos capitais internos e
externos, e isso atingiu o Brasil, num momento de expansão industrial iniciado na região Sudeste.
Com o apoio da SUDENE, essa realidade chegou ao Nordeste na segunda metade do século XX,
tornando-a uma região com grandes polos industriais, contribuindo para a aceleração na economia
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do país. No Ceará, o desenvolvimento industrial foi acontecendo aos poucos e com a ajuda de
projetos da SUDENE e do Finor, através de investimentos públicos e privados que foram
essenciais para o crescimento econômico. O Ceará se tornou um importante polo industrial,
principalmente após muitas empresas do setor calçadista se instalarem em seus municípios e se
tornarem as principais exportadoras do gênero.
Entre essas várias cidades está Itapipoca, onde uma filial da indústria de calçados do Grupo
Dass chegou por volta dos anos 2000. Resultando em mais oportunidades de desenvolvimento,
tanto para a geração de emprego como também na atração de novos mercados. Os dados do
IPECE e da RAIS/CAGED mostram que desde sua chegada aconteceram grandes transformações
na cidade, como no aumento das mulheres no mercado de trabalho e o aumento em empregos
formais.
A indústria calçadista de Itapipoca caracteriza-se pela sua capacidade de gerar emprego e
renda para a cidade e também por sua mobilidade diária dos trabalhadores na dimensão
trabalho/casa. Como a empresa não disponibiliza nenhum transporte, os funcionários se deslocam
da maneira mais viável, utilizam motocicletas, bicicletas, carona ou a pé. Anualmente desenvolve
um trabalho de recrutamento de jovens para estagiarem na fábrica. No final do estágio, a grande
maioria é contratada. Grande parte desses trabalhadores é composta por jovens de classe baixa, sua
maioria é do sexo masculino, ambos têm ensino médio completo, e moram na sede de Itapipoca
em bairros periféricos. Uma pequena parte vem de regiões como os distritos e localidades próximos
da cidade, muitos estão em seu primeiro emprego, e na indústria buscam uma oportunidade de
inserção no mercado de trabalho e experiência profissional.
A atividade industrial é importante, mas, suas condições de trabalho são muito
exploratórias, extensas horas diárias de trabalho repetitivo, ao final do dia o cansaço físico e mental
prevalece, e na maioria das vezes os impedem de realizar outras tarefas fora da empresa, como
socializar, estudar, buscar novas capacitações para crescer profissionalmente. Melhorar as
condições de trabalho desses funcionários é algo necessário, pois na realidade são eles os
responsáveis pelo funcionamento da fábrica, que trabalham por horas, são cobrados diariamente
a cumprirem metas, e recebem uma remuneração tão baixa que não é suficiente para pagar com
dignidade sua força de trabalho.
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REFERÊNCIAS
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TRANSFORMAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS DA CONSTRUÇÃO DE AÇUDE PÚBLICO NA BACIA DO RIO MUNDAÚ, CEARÁ
Adalberto Pires Teles (Universidade Estadual do Ceará - Polo UAB Itapipoca)
E-mail: adalbertoteles1@hotmail.com
Leidiane Priscilla de Paiva Batista (Universidade Federal do Ceará - Instituto de Ciências do Mar) E-mail: leidianepriscilla@gmail.com
Edson Oliveira de Paula (Universidade Federal do Ceará - Campus do Pici)
E-mail: edsonoliveirapx@gmail.com
RESUMO
A necessidade de água durante os períodos de seca sempre foi um problema para a sobrevivência da população nordestina, a irrigação e a manutenção do gado. Em busca de diminuir os efeitos da seca, desde o período monárquico são construídas barragens na região Nordeste. Esse tipo de empreendimento, além de gerar danos ao meio ambiente, transformam o modo de vida das populações locais, sobretudo para as que precisam ser realocadas por residirem na porção de terra inundada. Diante disso, este artigo buscou apresentar as transformações socioambientais oriundas da construção da barragem do açude Gameleira, Itapipoca, Ceará e da construção do conjunto habitacional Agrovila, que acolheu os moradores realocados. Este açude barrou o leito do rio Mundaú. A metodologia consistiu em pesquisa documental e em entrevistas semiestruturadas e informais com moradores do Agrovila. Eles apresentaram memórias consistentes sobre fatos históricos relacionados a construção do açude. A população possui como principal atividade econômica a agricultura familiar, complementando a renda com a pesca artesanal no açude. Quanto as transformações sociais geradas pela barragem do rio, além do reassentamento dos moradores das áreas atingidas, tem-se o impacto na qualidade de vida das famílias reassentadas pela não realização de obras previstas como a adutora, que abasteceria o conjunto habitacional com água potável; a casa de farinha; e o espaço coletivo para o cultivo de plantas. Como aspectos positivos, observou-se a possibilidade de desenvolvimento socioeconômico local a partir do aumento das oportunidades de trabalhos emprego e renda para a população; queda do êxodo rural, abastecimento de água para os municípios próximos, dentre outros. Esses resultados podem contribuir para elaboração de plano de gestão e manejo do açude, considerando as experiências dos moradores e buscando estratégias para melhorar a qualidade de vida no conjunto habitacional, implementar a renda dos moradores e capacitar os mais jovens. Palavras-chave: Itapipoca, Reservatório Artificial, Litoral Nordestino.
INTRODUÇÃO
Ao longo de sua história, a região Nordeste sempre enfrentou períodos de seca hídrica,
gerando vulnerabilidades socioambientais para as populações residentes no semiárido desta região.
Os primeiros registros de seca a atingir o Nordeste ocorreram entre 1723 e 1727. Cerca de 40 anos
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depois, outra grande seca, ocorrida entre 1776 e 1779, teve os impactos agravados pelo surto de
varíola. Neste período, houve o registro de cerca de 500 mil mortes no Ceará. No século XX,
diversos períodos de secas afetaram o Nordeste. As principais foram nos anos: 1919 a 1921; 1934
a 1936; e 1985. No século XXI, a seca de 2001, causou uma das maiores baixas de água do Rio São
Francisco (CEPED, 2015).
A necessidade de água durante os períodos de seca sempre foi uma dificuldade para a
sobrevivência da população nordestina, assim como, para a manutenção da agricultura e pecuária.
Esta necessidade levou à criação, durante o século XX, de órgãos do governo que optaram pela
construção de açudes para reservar água e combater a seca. Com isso, em busca de diminuir os
efeitos da seca, desde o período monárquico são construídas barragens na região Nordeste.
O Ceará está situado no polígono das secas. A sua localização geográfica impede o
recebimento de correntes úmidas e frias vindas do sul. De modo que, há poucas chuvas durante o
ano.
Por muito tempo, os reservatórios foram construídos sem haver qualquer preocupação
com os impactos ambientais e socioeconômicos. Prova disso é o açude Orós, inaugurado, em 1961,
por Juscelino Kubitschek e oferecido como homenagem ao Ceará (OLIVEIRA, 1981). Sua
construção alagou a maior área de terras irrigáveis do vale do rio Jaguaribe (REBOUÇAS, 1997).
Esse tipo de empreendimento, além de gerar danos, muitas vezes irreversíveis, ao meio
ambiente, causam transformações no modo de vida das populações locais, sobretudo para as que
precisam ser realocadas por residirem na porção de terra que será inundada. Em face do exposto,
este artigo objetiva apresentar as transformações socioambientais oriundas da construção do açude
Gameleira e do conjunto habitacional construído para receber os moradores reassentados, no
município de Itapipoca, litoral do Nordeste.
O açude Gameleira está localizado no município litorâneo de Itapipoca, Ceará. Ele localiza-
se a cerca de 18 km da sede municipal. A população mais pobre e que não possuía a posse
comprovada da terra, foi removida da área que seria alagada e reassentada no conjunto habitacional
Agrovila, construído com essa finalidade.
O açude foi inaugurado em 2013. Sua construção iniciou-se em 2009 e objetivou atender a
demanda por água potável do sistema de abastecimento dos municípios de Itapipoca, Trairi e
Tururu, bem como: promover o desenvolvimento da irrigação e da pesca nas comunidades rurais
próximas; e a regularização hídrica do regime do rio Mundaú (SRH, 2003a). Para este
empreendimento, o Governo do Estado buscou recursos financeiros junto ao Banco Mundial e
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através do Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos (PROURB), no
contexto das ações do setor hídrico e implementou uma política planejada de recursos hídricos.
METODOLOGIA
A metodologia consistiu em pesquisa documental em arquivos da Secretaria Estadual de
Recursos Hídricos, como o Projeto Executivo da Barragem Gameleira e o Plano de
Reassentamento; e em entrevistas semiestruturadas e informais com moradores da Agrovila. A
seleção dos entrevistados ocorreu de maneira aleatória, onde eles foram abordados em suas casas
e convidados a participar da pesquisa. Garantiu-se que todos os entrevistados fossem pertencentes
a unidades familiares diferentes. Deste modo, foram entrevistados dez moradores, pertencentes a
dez unidades familiares no universo amostral de trinta e cinco família que foram reassentadas na
Agrovila.
As entrevistas abordaram aspectos históricos da construção do açude Gameleira e da
Agrovila; aspectos socioeconômicos, como emprego, renda e luta por direitos; e aspectos
relacionados à percepção dos moradores, como o sentimento de satisfação de morar na Agrovila.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Tomando como referência o que reza a Carta Magna brasileira quanto aos impactos
ambientais, Fiorillo (2003, p. 2) destaca que: “A Constituição Federal condiciona a utilização do
estudo e do relatório de impacto ambiental àquelas atividades potencialmente causadoras de
significativa degradação ambiental”.
De acordo com o seu projeto executivo, o açude Gameleira, tem características de operação
direta que se refere à área da bacia hidrográfica, bem como o limite de 100 m2 medidos
horizontalmente a partir da cota de máxima inundação, isto é, o que se constitui como área de
preservação permanente (SRH, 2003a). Esta área está compreendida como “superfície” definida
no Decreto n.º 26.585 de 22 de abril de 2002. Já a área de influência indireta compreende a parte
bacia hidrográfica à montante da barragem, incluindo benefícios aos municípios de Itapipoca, Trairi
e Tururu. (DECRETO n.º 26.585, 2002).
Histórico da Construção do Açude Gameleira
Relatos de antigos moradores e proprietários de terras às margens do rio Mundaú contam
que o projeto de construção do Açude Gameleira surgiu entre os anos de 1940 e 1950 do século
passado. Na área hoje coberta pelas águas, segundo relatos de antigos moradores, localizava-se um
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pequeno povoado. Onde hoje está erguida a parede de barragem das águas do rio Mundaú ocorria
o trânsito de pessoas entre os municípios de Itapipoca, Trairi e Tururu. Em 1957, vários
trabalhadores locais foram contratados para desmatar a área na qual, atualmente, está o coroamento
das águas.
Os residentes mais antigos do local consideram que a construção do açude nesse período
fora afetada especialmente pelo fato de que estava em trâmite de votação, o projeto da transferência
da Capital do país do Rio de Janeiro para Brasília. Este fato pode ter concentrado os recursos nesse
projeto, fazendo com que outros projetos espalhados pelo Brasil (a exemplo do açude Gameleira),
fossem deixados em segundo plano.
Em 1958, o Ceará enfrentou uma grande seca, gerando o êxodo rural. Há o relato de que
muitos moradores da região migraram para a futura capital do país em busca de emprego e
melhores condições de vida. Primeiro, ocorreu a migração dos homens e, em seguida, de suas
famílias. Outro fator de esvaziamento das margens do atual açude foi a construção da presente CE
168, rodovia que liga a sede de Itapipoca ao distrito de Barrento, no mesmo município. Em 1958,
os moradores foram contratados para a construção da estrada. Isso fez com que muitos migrassem
para morar às margens da nova rodovia. Nesse período, o transporte de carga e de pessoas feito
por animais foi sendo substituído pelo motorizado. Surgiu o “pau de arara” para o transporte de
pessoas, facilitando a migração para Fortaleza e outras cidades.
Somente entre a década de 1990 e o início da década de 2000, retomou-se a intenção de
construção do açude Gameleira por parte do poder público do Município de Itapipoca e do Estado
do Ceará. Para isso, o projeto foi reelaborado, dado que não se teve acesso à versão antiga de 1940-
1950.
A construção do açude Gameleira é uma das obras que foram selecionadas dentro do elenco
das unidades realizadas pelo Programa de Gerenciamento e Integração dos Recursos Hídricos
(PROGERIRH), sob a responsabilidade da Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), com
investimentos do Governo do Estado do Ceará, através de financiamento do Banco Mundial, com
o objetivo de amenizar as diferenças econômicas e sociais causadas às populações afetadas pelas
estiagens prolongadas (SRH, 2003a).
Segundo consta no projeto de execução, a barragem das águas do rio Mundaú consistiu em
um boqueirão localizado nas proximidades da localidade do Gameleira, nos limites dos municípios
de Itapipoca, Trairi e Tururu. O empreendimento dista aproximadamente 25 km ao Leste da sede
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do município de Itapipoca. O volume do reservatório é de 52.642.000 m3, com uma extensão de
coroamento de 1.939,14 m².
Ainda de acordo com o citado projeto, compreende-se que sua concepção passou por três
fases: Estudos Básicos, compreendendo a etapa de planejamento da barragem com a realização de
análises do terreno, a definição do Projeto Técnico/Executivo e os Estudos Ambientais. A segunda
fase diz respeito à etapa da Pré-implantação/Implantação do empreendimento, compreendendo a
fase de obras civis. A última fase corresponde à etapa de Operação (SRH, 2003a).
Durante a construção do açude foram desapropriadas as terras de noventa e uma famílias
que habitavam nas proximidades que seriam inundadas após a construção da barragem. As famílias
mais pobres foram reassentadas em uma localidade construída para esse fim, denominada Agrovila,
recebendo além da casa, uma porção de terra para o cultivo agrícola familiar.
Com isso, em 12 de setembro de 2013 foi inaugurado o Açude Gameleira. Na manhã
daquele dia, foi grande a festa com a presença das principais lideranças políticas, religiosas, sindicais
dos municípios contemplados e do Estado do Ceará. Contou também com a presença maciça da
população beneficiada.
Caracterização dos moradores da Agrovila
Buscou-se caracterizar os morados da Agrovila, quanto a idade, ocupação financeira, dentre
outros aspectos sociais e econômicos. Quanto a idade, 60% dos participantes da entrevista
afirmaram ter mais de 60 anos. Este fato revela a elevada quantidade de idosos nesta população.
Sobre o trabalho realizado, 80% dos entrevistados afirmaram que são agricultores. Sendo que
somente 20% responderam ter outra profissão, como professor e pedreiro. Esse dado evidencia a
economia predominantemente voltada para a agricultura familiar e a importância desta atividade
para subsistência desta população. Houve ainda o relato entre os moradores da complementação
de renda por meio da pesca artesanal no açude Gameleira.
Quando questionados sobre alteração na renda antes e depois da mudança para Agrovila,
para 20% dos entrevistados sua renda familiar continua a mesma de antes; 10% consideram que
sua renda diminuiu; e 70% consideraram que a renda aumentou. De acordo com os moradores
locais, as melhorias e o aumento ocorreram por conta do surgimento de possibilidade de pescar e
cultivar peixes no açude, assim como também, por conta da aposentadoria de muitos moradores
idosos e por membros familiares trabalharem como autônomos e/ou carteira assinada.
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Buscando compreender a percepção dos moradores, interrogou-se os entrevistados sobre
o grau de satisfação (ótimo, bom e ruim) em morar na Agrovila. Obtiveram-se as seguintes
respostas: 70% disseram que acham ótimo morar na Agrovila; 20% consideram a morada boa e
somente 10% responderam ruim. O que responderam ótimo e bom, justificaram a resposta pela
proximidade entre as residências, facilitando a comunicação e trazendo uma maior sensação de
segurança.
A região do entorno ao Açude Gameleira é historicamente de pessoas bastante conscientes
quanto a buscar seus direitos, expressando-se na organização comunitária dos moderadores locais.
Sobre a conscientização de luta pelos direitos, 80% dos entrevistados consideraram que o nível de
consciência por seus direitos aumentou; 10% consideram que diminuiu e outros 10% acham que o
nível de luta por seus direitos continua o mesmo de antes de habitarem a Agrovila.
Transformações Socioambientais
Apesar do Plano de Reassentamento da Barragem Gameleira (SRH, 2003b) prever a
construção de uma adutora com capacidade mínima de 30 mil litros, a Agrovila foi inaugurada sem
garantir o acesso à água encanada para os seus moradores, assim como, não foi garantido o direito
à energia elétrica. Além da adutora, alguns outros projetos relacionados à Agrovila não foram
concretizados, como uma casa de farinha e um espaço adequado para o cultivo de mudas
diversificadas de plantas. A ausência de efetivação dessas estruturas, afetaram a qualidade de vida
das famílias reassentadas.
Em relação aos aspectos positivos, segundo os entrevistados, está a possibilidade de
desenvolvimento socioeconômico local a partir do aumento das oportunidades de trabalhos,
emprego e renda para a população; queda do êxodo rural; abastecimento de água para os municípios
próximos; e a atividade pesqueira no reservatório.
Os impactos ambientais ocorreram sobretudo durante a construção do Açude Gameleira,
da Agrovila e da adutora. De acordo com os moradores, a partir da construção do açude, percebeu-
se um conjunto de modificações ambientais. Em relação à fauna, citaram o desaparecimento ou
redução na abundância de alguns animais, como Tatu-Peba, Preá, Guaxini, a Raposa e o Teju,
dentre outros. Quanto à flora, elencaram a escassez de Aroeira, Pau de Arco, Jatobá, Juazeiro,
Sabiá, Caatingueira, Marmeleiro, Salsa, Ameixa, Gameleira (que deu o nome ao açude), dentre
tantos outras.
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Além do impacto na biodiversidade local, durante a construção do açude, teve-se a
supressão da mata ciliar do rio Mundaú nas proximidades do açude, alagamento de terras destinadas
à agricultura familiar ou ocupadas por mata nativa de caatinga, a poluição sonora causada pelo
barulho de máquinas usadas na construção da barragem. Posteriormente, causaram impactos os
produtos químicos utilizados para tratamento da água e das plantações agrícolas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os moradores da Agrovila apresentaram memórias consistentes sobre fatos históricos,
como a construção da barragem do rio Mundaú, do açude Gameleira e do conjunto habitacional
Agrovila. A população possui como principal atividade econômica a agricultura familiar,
complementando a renda com a pesca artesanal no açude.
Quanto às transformações sociais geradas pela barragem do rio, além do reassentamento
dos moradores das áreas atingidas, tem-se o impacto na qualidade de vida das famílias reassentadas
pela não realização de obras previstas como a adutora, que abasteceria o conjunto habitacional com
água potável; a casa de farinha; e espaço coletivo para o cultivo de plantas. Como aspectos
positivos, observou-se a possibilidade de desenvolvimento socioeconômico local a partir do
aumento das oportunidades de trabalhos emprego e renda para a população; queda do êxodo rural,
abastecimento de água para os municípios próximos, dentre outros.
Os impactos ambientais consistiram, segundo os moradores, na redução na abundância de
algumas espécies vegetais e animais; desmatamento da mata ciliar; alagamento de terras agrícolas e
de mata nativa de caatinga; assim como, poluição sonora e química.
Esses resultados podem contribuir para elaboração de plano de gestão e manejo do Açude
Gameleria, pois é importante a inclusão do ponto de vista e experiências da população local na
busca de soluções para as problemáticas socioambientais vivenciadas localmente. É necessário que
a gestão municipal busque estratégias para melhorar a qualidade de vida no conjunto habitacional,
implementar a renda dos moradores e capacitar os mais jovens, de modo a contribuir para que
membros dessa população não necessitem migrar da localidade.
REFERÊNCIAS
CEPED, Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil. Histórico de Secas no Nordeste do Brasil, 2015. Disponível em: http://www.ceped.ufsc.br/historico-de-secas-no-nordeste-do-brasil/. Acesso em: 22 dez. 2018.
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A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO CONTESTADO: OS PROCESSOS DE EXPANSÃO CAPITALISTA
Márcia Chmura (Universidade Estadual do Paraná - Campus de União da Vitória)
E-mail: marciachmura@gmail.com
Diane Daniela Gemelli (Universidade Estadual do Paraná - Campus de União da Vitória) E-mail: daianegemelli@yahoo.com.br
RESUMO
O presente artigo é resultado de uma pesquisa em caráter inicial, por isso, metodologicamente, construímos as considerações, neste momento, a partir de uma revisão de literatura que ainda deve ser aprofundada no decorrer da pesquisa e somada à outras práticas metodológicas, dentre elas, a realização de trabalhos de campo. O texto tem por finalidade a análise da área compreendida como Contestado, território situado nos limites entre Santa Catarina e Paraná. Nesse sentido, buscamos o entendimento da formação territorial desta área e sobretudo como se desenrolaram os processos de formação capitalista, isto é, como a estrada de ferro contribuiu para a entrada do capital, com a participação de empresas estrangeiras no processo de retirada da floresta nativa e posterior colonização. Tendo em vista que o Contestado foi o maior litígio ocorrido em terras catarinenses e paranaenses, onde se deu o genocídio da população cabocla, busca-se o entendimento do que ocorria no período anterior à guerra neste território, quem eram os povos que nessas áreas habitavam, como se organizam socialmente e como configurava-se o modo de vida. Nesse contexto, buscamos identificar quais os possíveis fundamentos para o advir do conflito, conhecido como Guerra do Contestado (1912-1916). Palavras-chave: Formação territorial do Contestado, Processos de expansão capitalista, População cabocla.
INTRODUÇÃO
Na pesquisa em andamento sobre a formação territorial do Contestado, objetivamos, como
parte da construção do enredo, a compreensão das questões ocorridas no período que antecedem
o conflito da Guerra do Contestado (1912-1916). Com esta preocupação e para este texto,
construímos nossas análises com as contribuições tecidas por Fraga (2006), Tomporoski (2012),
Gemelli (2018) Auras (2001) entre outros, que fornecem elementos importantes para o fazer
analítico da pesquisa.
Muitas são as questões envolvidas para a ocorrência do conflito, dentre elas destaca-se a
questão de limites territoriais entre os estados do Paraná e de Santa Catarina, a existência de um
conflito por terra/território entre a população cabocla que nestas terras habitava e a instalação da
ferrovia/extração de madeira. Com isso, a lógica existente sofre uma ruptura, trata-se da
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implantação do valor de troca (condição característica do modo de produção capitalista) em
detrimento do valor de uso para com a terra-floresta, este último marca a forma de ser e existir da
população que vivia no Contestado.
A partir destes elementos procuramos a compreensão da formação territorial associada aos
processos de expansão capitalista. Além disso, averiguamos quem eram os povos que habitavam a
área e na sequência discorremos sobre as reais alegações para a ocorrência do massacre.
Essa análise tem por âmago o entendimento destas questões, e assim pressupomos a real
compreensão da formação do território Contestado, para além daquela retratada pela história
oficial, onde se coloca que o motivo para a ocorrência da guerra seria apenas a questão de limites
territoriais.
Eventos ocorridos antes da guerra em território Contestado
Na região sul do Brasil, mais precisamente nos limites entre Santa Catarina e Paraná temos
uma área conhecida como território Contestado, onde ocorreu o mais sangrento conflito que a
história nacional nos conta, sendo, inclusive, a maior guerra civil camponesa da história do Brasil
(FRAGA, 2006; 2013; GEMELLI, 2018).
No Contestado, antes da ocorrência da guerra, o território fora habitado primeiramente por
indígenas, sobretudo os povos Kaingang e Xocrén ou Xokleng. Vinhas de Queiroz (1966) relata
que os Kaingang cultivam o milho e habitavam as áreas de campos abertos enquanto os Xokleng
praticavam coleta e caça e a floresta das araucárias lhes servia de refúgio e abrigo.
Ribeiro (1970) relata o processo de massacre dos povos indígenas no sul do Brasil, primeiro
com a chegada em meados do século XIX de colonos alemães, italianos e eslavos que vieram ao
Brasil por meio das ações governamentais associadas a projetos de colonização que visavam o
estabelecimento das pequenas propriedades e da prática da agricultura. Com isso, originam-se
conflitos entre os povos originários que habitavam as áreas de campos e de florestas e os recém
chegados que passam a penetrar em seus territórios. Dessa maneira, o governo gesta estratégias de
expulsão/extermínio dos indígenas, são elas: a existência de guarnições militares para expulsar os
índios e a prática dos conhecidos bugreiros que promoveram verdadeiras chacinas. Como relata
Ribeiro (1970, p. 109) “o índio era considerado fora da lei, seu assassinato era não somente impune,
mas estimulado e reverenciado como obra meritória”.
Ainda assim, tais práticas não representaram o extermínio dos povos indígenas, muitos
fugiram e adentraram cada vez mais às matas. Com isso, é possível dizer que o território Contestado
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foi habitado primeiramente por indígenas, esse é um elemento importante no processo de
formação territorial e que precisa ser considerado e aprofundado em outros momentos.
Outro elemento importante no processo de formação territorial do Contestado refere-se a
lógica do tropeirismo, sobretudo nos séculos XVIII e XIX, sendo, inclusive um componente
importante para a economia brasileira, pois ao formar a expansão através de caminhos, também
fez ligações entre lugares distantes, segundo Fraga (2006).
O tropeirismo está relacionado à comercialização, principalmente de animais, como o gado.
Sendo que esse meio de ligação foi de grande importância na economia do Paraná e de Santa
Catarina, território por sua vez situado no caminho percorrido pelas tropas. Outro importante
desdobramento do tropeirismo foi a questão social e cultural (FRAGA, 2006).
O caminho percorrido pelas tropas fazia ligações com os mais variados territórios, assim
promovendo uma integração cultural e regional importante.
Dessa forma, e sob tais perspectivas, a rede de caminhos tropeiros, ampliada permite traçar mais do que a amplitude dos caminhos das tropas, mas a construção de uma rede interna no sertão, com autonomia das que ligam a região às capitais provinciais/estaduais de então, o que faz estabelecer a ideia posta por CORRÊA (2004, p. 75), quando este discorre sobre os diversos caminhos das pequenas cidades, fato que pode ser estendido ao passado, em que cujos numerosos caminhos de tropas estabeleciam as ligações e interconexões do mundo vivido nas vilas que foram criadas do pouso tropeiro (FRAGA, 2006, p. 145).
Ao se instalar a ideia de modernização, era preciso se adaptar ao tempo e, portanto, diminuir
o tempo e os gastos com os caminhos percorridos pelas tropas. Desta forma, no final do século
XIX a modernização, que se refere a um processo, onde as novas formas de tecnologia adentram
onde a população vivia com outras lógicas (vistas, muitas vezes, como atrasadas, mas que trata-se
de uma situação da época, que fora necessária para que ocorresse a evolução das técnicas, da
modernização como um todo) e com reflexões a esse respeito os comerciantes, tropeiros e o
governo vem a pensar na ideia da construção de uma ferrovia que fizesse o mesmo percurso dos
tropeiros, ou seja, com mesmo cunho de ligação (FRAGA, 2006).
A rede ferroviária no Contestado está intimamente relacionada à história da ferrovia como
geradora de modernidade, a rede rápida a partir do trem, que diminuiria os espaços – o espaço
vivido que era simples, passa a ser tecnificado (FRAGA, 2006).
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Povos que habitavam o território Contestado
A compreensão do território nos remete a algo que é próprio de um povo, com todas as
características que são próprias, ou seja, trata-se das territorialidades enquanto elemento
constituinte, isso é, os modos de vida e as formas de ser e de existir.
O território Contestado no período anterior à guerra era em grande parte habitado por
colonos, caboclos, sertanejos e camponeses que precisavam do apossamento da terra para compor
suas vidas, de acordo com Tomporoski (2012), ou melhor, suas territorialidades.
A população cabocla era formada, em grande medida, por posseiros que se organizavam
como podiam numa área que determinavam como sua, mas sem escritura como comprovação de
que essa área lhe pertencia. Geralmente faziam uma casa não muito grande, com um cercado para
a plantação que se constituía numa pequena horta para fins próprios do seu consumo, e podendo
ser notada área agricultável. Vez por outra, via-se também a presença de alguns animais no entorno,
sobretudo galinhas e porcos (TOMPOROSKI, 2012).
Em vista disso, a roça cabocla, em nossa análise, é o fundamento do modo de vida caboclo, pois envolve uma série de outros elementos como; os significados da terra e do trabalho, o abastecimento de alimentos para o autoconsumo e para a comercialização, a criação e a base alimentar de/para os animais, a sociabilidade e os laços comunitários (durante e/ou após o trabalho) etc., entretanto, não se configura, enquanto única forma de existência cabocla. Trata-se de uma combinação de elementos, como argumenta Tomporoski (2013), que perpassam pela agricultura, criação de animais e a utilização racional das matas. Machado (2004), ainda aponta a devoção a São João Maria como característica do modo de vida caboclo (GEMELLI, 2018, p. 184).
A população cabocla é o povo humilde e trabalhador que habitava estas terras e que
mantinha intensa relação com a natureza. Assim as relações do homem/natureza não eram vistas
como algo superficial, mas em contrapartida se conformavam enquanto um projeto que resulta na
construção de uma sociedade (GEMELLI, 2018). Portanto, a natureza se encontra como uma
condição existencial.
Outro elemento que nos traz o entendimento de que a natureza fazia parte do modo de
organização socioespacial do povo caboclo era a erva mate, produto que por sua vez garantia o
sustento e o trabalho para as famílias caboclas. Assim, na época da retirada da erva mate os caboclos
trabalhavam no corte, fazendo sapeco, muitas vezes podendo se secar a erva mate no Barbaquá
e/ou somente vender ao comerciante de maneira “crua” para que este fizesse o final do processo.
Esse tipo de comércio era bastante comum na época, muitas vezes a erva mate e produtos
provindos da agricultura (da roça cabocla) eram trocados por produtos escassos e que não eram de
fácil produção como: açúcar, sal, entre outros (VINHAS DE QUEIROZ, 1966). Por sua vez, o
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povo caboclo possuía como valor moral e pressuposto ético, a ajuda e a cooperação entre a
comunidade, e isso fazia parte da forma de ser, isto é, do modo de vida caboclo. O trabalho coletivo
e a troca de dias de trabalho entre vizinhos é uma das marcas do mundo caboclo, tratava-se de uma
lógica de trabalho não capitalista que não se separava da festa, como lembra Tomporoski (2012),
de modo que a cada trabalho concluído era realizada uma festa de agrado aos trabalhadores
envolvidos.
Portanto, o trabalho coletivo consistia num fator relevante para a população pobre do planalto, sendo razoável supormos que os elementos de solidariedade que envolviam o pixirum pudessem romper ou amenizar certas barreiras, inclusive de caráter étnico. As diferenças entre os indivíduos de grupos étnicos distintos poderiam ser suplantadas pela necessidade de ajuda para o trabalho e mesmo pela noção de solidariedade. Como os pixiruns reuniam praticamente as mesmas pessoas diversas vezes ao longo do ano, a tendência era de uma aproximação entre os integrantes do bairro (TOMPOROSKI, 2012, p. 73).
É importante dizer que a sociabilidade cabocla mantinha vínculo orgânico entre terra-
floresta-trabalho, ou seja, a apropriação da natureza não significa sua destruição, e o trabalho não
era regulado pelo sentido das mercadorias, sendo, portanto, sustentação de suas territorialidades.
Viviam na simplicidade e com muito pouco, muitas vezes tapeando a fome quando o alimento era
escasso.
Farinha de milho com feijão, quirera com um naco de carne, quando há, eis aí os pratos de todo dia. Se escasseia a comida, o mate-chimarrão, tomado habitualmente desde manhã cedinho, conforta o estômago. Traz-se do mato o mel das abelhas selvagens. Vez por outra, aparece às refeições algum palmito, alguma caça e principalmente pinhão. O pinheiral é o paiol dos pobres. Pena que só frutifique nos meses mais frios, e que após levar três anos produzindo que é um desperdício, passe um tempo imprevisível sem dar fruto quase nenhum (VINHAS DE QUEIROZ, 1966, p. 29-30).
Assim, podemos notar a importância e a valorização que o povo caboclo tinha para com a
natureza, pois lhes oferecia sustento, sendo assim, a natureza estava na condição de despensa que
oferecia comida para a casa do caboclo e da cabocla. Dessa forma, é compreensível dizer que a
natureza se coloca como essencial ao modo de vida do povo caboclo.
Um ponto de bastante importância quando se fala do modo de vida caboclo, é a questão
cultural. Tomporoski (2012) indica que embora tivessem grande ocupação nas tarefas rotineiras
tanto na agricultura, na extração dos ervais e na “troca de dias de trabalho” ajudando a vizinhança,
ainda assim tinham um tempo semanal para exercer suas práticas socioculturais. Povo de forte
religiosidade sempre se reunia para festejos da comunidade e dessa forma com a participação dos
moradores se definia até onde determinada comunidade abrangia.
A religião tem um papel importante como meio de preservação da sociabilidade. No planalto contestado, desenvolveu-se um conjunto de importantes práticas socioculturais que tinham por universo o grupo rural de vizinhança. Sendo assim, poder-se-ia definir os
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limites do bairro rural conforme a participação de seus habitantes nos festejos religiosos locais, quer fossem oficiais ou, inclusive, informais (TOMPOROSKI, 2012, p. 74).
A identidade sociocultural de determinado povo é a base concreta de um modo de vida e
da criação de valores, não sendo diferente dentre colonos, sertanejos e caboclos que em terras
contestadas faziam suas vidas e nem se quer podiam predestinar que o sangue deles mesmos seria
o preço pago pelo processo de expansionismo do capital.
O povo caboclo, no entanto, tinha as práticas socioculturais enquanto marca das suas ações,
dos seus costumes, das atitudes solidárias, ou seja, tais práticas são essenciais ao modo de vida do
povo caboclo, sendo este um elemento que auxilia na configuração da totalidade social, uma vez
que não se separa das relações sociais, econômicas, ambientais etc.
A expansão capitalista e suas ramificações
O Estado brasileiro por necessidade de ligação entre os estados do sul ao centro-oeste,
gestou a construção de uma ferrovia que servisse de ligação entre o Rio Grande do Sul e São Paulo.
Essa ferrovia, por sua vez, substituiria e faria o mesmo caminho percorrido pelos tropeiros. Assim,
era preciso materiais e mão de obra para a construção da mesma.
Alguns donos de empresas estrangeiras tinham a sede de conquistas, de expansão das suas
empresas e, sobretudo, encontraram no território Contestado a maneira, se não o local propício
para conquista de capital. Como resultado, essas empresas estrangeiras, numa busca pela
colonização, e contudo a procura pela conquista, chegam ao Brasil, principalmente ao que se refere
à implantação da ferrovia por parte do governo imperial que ligasse o sul do Brasil, ao centro-oeste,
numa tentativa de integração e sobretudo a fixação de imigrantes (FRAGA, 2006).
A implantação da ferrovia era uma necessidade do governo, mas para isso era necessário
suporte, um auxílio para a execução, e assim entrou em cena Percival Farquhar, um norte-
americano que fundou a Companhia Brazil Railway, que participou da construção da estrada de
ferro (FRAGA, 2006).
Os elementos que levaram a construção desta estrada, a instalação e concessão da Brazil Railway Company e de sua subsidiária a Southern Brazil Lumber and Colonizations Companhy, ambas vinculadas a Percival Farquhar, nos fazem entender a expansão geográfica do capital em Território Contestado, a partir dos trilhos do trem e da exploração madeireira, assentados na espoliação da natureza e do território, desagregando modos de vida e promovendo a desarrumação socioambiental (GEMELLI, 2018, p. 98).
As ocorrências a partir deste fato foram as mais trágicas que se podia esperar. A concessão
partida do governo federal, concedia a quem construísse a estrada de ferro uma faixa de 15 km de
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cada lado, com o “direito” de exploração das terras, pois essas áreas serviam de pagamento pela
construção da ferrovia (FRAGA, 2006).
Objetivando rapidamente colonizar as terras que havia obtido em pagamento pela construção da estrada de ferro, a Brazil Railway, em 1911, tratou de colocar para fora de seus domínios todas as pessoas que ocupavam terras e que não possuíam títulos de propriedade. Tal iniciativa, bem como a própria concessão feita à companhia, contrariava a chamada Lei de Terras de 1850. Mas o governo do Paraná reconheceu os direitos da empresa, o que não foi de estranhar, pois Affonso Camargo, vice-presidente do Estado, era advogado da Brazil Railway (FRAGA, 2006, p. 69).
Percival Farquhar, buscava a exploração dessas terras recebidas, assim surge a madeireira
Lumber para servir nessa questão exploratória da natureza, para limpar a área. A madeireira se
instalou em Três Barras e em Calmon.
A Lumber montou uma grande serraria em Três Barras, distante de Canoinhas apenas duas léguas e uma outra menor em Calmon, à margem da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. Em torno da primeira formou-se uma pequena cidade na qual, todos os anos, a 4 de julho, via-se flutuar por toda parte a bandeira estrelada dos Estados Unidos. Ali eram serrados diariamente 300 metros cúbicos de madeira e, em dez horas de trabalho, cortavam-se 1.050 dúzias de tábuas. Desde a coleta das toras, no interior da floresta, até seu desdobramento e armazenagem, todas as operações eram mecanizadas. De Três Barras partia no rumo das matas uma ferrovia especial; na extremidade da linha, poderosos guinchos puxam as toras desde o lugar onde eram abatidas, numa distância até de trezentos metros. Ao chegarem à serraria os vagões carregados, eram as toras automaticamente guinchadas, e sempre por meio de máquinas levadas ao local do desdobramento, serradas e classificadas. Em 1912, essa estrada de ferro sui generis já se estendia por trinta quilômetros. Apenas oitocentos trabalhadores manejavam todo esse colosso mecânico. A Lumber tornou-se desse modo, a maior companhia madeireira da América do Sul. Encarregou-se também a Brazil Railway de construir uma estrada de ferro entre União da Vitória e São Francisco, no litoral catarinense. Por ela começou a descer a madeira destinada à exportação, até que, para atender às conveniências do Paraná, houve uma equiparação de fretes e, por um caminho mais longo e sinuoso, as tábuas seguiam para o porto de Paranaguá (VINHAS de QUEIROZ, 1966, p. 75).
A Lumber, era uma empresa do ramo madeireiro e com suas habilidades fazia da área que a
companhia havia recebido, devastações, pois possuía área rica em madeira, podendo-se citar
espécies como o cedro, imbuia, canela e araucária.
Aquelas terras eram cobertas por milhões de pinheiros araucária, imbuias, canelas e cedros. Objetivando serrar e exportar esta madeira de alto valor econômico e, mais tarde, vender parte das terras a imigrantes europeus, foi constituída uma subsidiária da Brazil Railway Company, a Southern Brazil Lumber and Colonization Company. Em 1910, a Lumber instalou em Três Barras, então território paranaense contestado por Santa Catarina, uma moderna serraria (TOMPOROSKI, 2012, p. 76).
A serraria citada, fora criada com o objetivo de atender a demanda que lhe era oferecida,
portanto a exploração da área recebida, por meio do potencial econômico que representava a
madeira, portanto a floresta precisava ser derrubada. O grupo de Farquhar além das terras recebidas
pela concessão, buscou a compra de mais terras no entorno, que pertenciam a proprietários
particulares.
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Além de explorar as terras recebidas como doação pela ferrovia, a Lumber também adquiriu de particulares vastas extensões de pinheirais. Apenas a família Pacheco vendeu mais de 16 mil hectares de terras à Lumber na região contestada de Três Barras. Os Pachecos tornaram-se capatazes da Lumber. Novamente ocorre um processo de expulsão de posseiros, desta vez nos vales dos Rios Negro e Iguaçu. Em outras situações, eram realizados apenas contratos de corte com proprietários da região (MACHADO, 2001, p. 146).
Portanto, como as terras às margens da ferrovia foram entregues a Companhia Brazil
Railway, com o poder das terras nas mãos, Percival Farquhar procura a expulsão da população
cabocla que habitava esse território, pois a ferrovia fazia curvas e desta forma adentrando no
território onde esse povo vivia. Aos que não quisessem sair das terras, estavam submetidos a sair a
força por homens enviados pela própria companhia. Estes homens eram mandados para vistoriar
toda a área e assim pudessem “limpar o local”, não deixando nenhum caboclo naquelas terras
(FRAGA, 2006).
A transformação da terra em bem de produção acarretou a institucionalização da
propriedade privada, em detrimento da simples ocupação ou posse (AURAS, 2001).
Foi grande a desvalorização que o povo caboclo sofreu, pois possuíam vínculos com o
território a partir de suas territorialidades expressas no modo de vida. O território, sobretudo
falando geograficamente, é um espaço onde há predomínio de certas relações de poder, que se
manifestam nas formas de apropriação territorial, nas vivências construídas com o tempo. A
população cabocla além de perder suas terras também ficou sem trabalho, pois era daquele
território que obtinham o sustento, e, no entanto, fora expulsa por questões associadas ao processo
de expansão do capital, portanto, nota-se que o capitalismo gera e sustenta desigualdades e
exclusões, sendo esta sua marca estrutural.
Com os trilhos do trem, o capital veio fazer participação nesse território. Mudando não
somente a natureza, mas sobretudo a sociedade que ali estava vivendo. Foram tempos de rupturas
profundas, sendo que a guerra que estava por vir seria ainda mais transformadora, tirando vidas,
dignidade e eliminado modos de vida.
A revolta do povo caboclo/camponês daquela época se fazia cada vez mais presente. Além
de serem expulsos de terras onde possuíam vínculos em todos os sentidos, ainda tinham de ver o
Grupo Farquhar construir uma vila em Três Barras, na área que pertencia a ferrovia. Nesta vila,
podia ser vista a entrada e permanência dos de fora, ou seja, estava ali sendo exposto um fragmento
dos Estados Unidos, onde ao 4 de julho era estendida a bandeira americana para comemorar a
independência dos Estados Unidos da América (FRAGA, 2013).
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Assim, se desenrolavam os fatos que levaram à guerra, se entrelaçavam muitos elementos
e assim alimentavam a chama para o que viria a ser considerado o maior massacre ocorrido em
terras brasileiras.
O capitalismo ao descobrir suas possibilidades no espaço, garante sua permanência a partir
de um conjunto de relações de poder e de domínio. Conforme Moreira (1982, p. 33) “o capital
descobriu o espaço geográfico. Resta saber quando o descobrirão os que se opõem à sua ditadura”.
Todavia, o povo caboclo se opôs a essa ditadura capitalista, não aceitando a lógica de dominação,
acumulação e exploração características desse sistema. Os processos de expansão capitalista ao se
colocarem nestas terras deixaram marcas na vida da população e se configuram enquanto elementos
representativos na análise da formação territorial.
É, portanto, importante a ressalva de que o capitalismo ao se colocar em determinada
circunstância, necessita de meios e mecanismos para que assim possa se reproduzir, nas suas
condições - como exemplo a acumulação. Dessa forma, o acúmulo de capital e a propriedade
privada são algumas das características próprias do capitalismo. O capitalismo nessas condições
tem sede de conquistas, de mercados, de acúmulos e isso não é condicionado a todas as pessoas,
pois o capitalismo gera desigualdade, o que em território contestado não fora diferente.
O povo caboclo vivia na tranquilidade, com seus modos de vida, com suas territorialidades
e com a entrada de capital tudo muda de forma significativa, aparece a desigualdade provinda do
conflito, que é uma ramificação do capitalismo. Para o capitalismo os trilhos do trem foram o
mecanismo de maior precisão para sua própria expansão e desenvolvimento. A ferrovia, por sua
vez, estava sendo construída de modo que na sua participação trabalharam várias pessoas de outros
lugares, não somente dos arredores, também estavam presentes trabalhadores do Rio de Janeiro,
Recife, entre outros lugares.
Concluídos os serviços de construção da estrada de ferro, os milhares de trabalhadores não foram reconduzidos aos seus lugares de origem. Toda essa massa humana – revoltada pelo tratamento duro a que acabara de ser submetida e com maior ou menor experiência de vida urbana – aumentou em muito e rapidamente o número de moradores locais, contribuindo enormemente para o rompimento do frágil equilíbrio social vigente que, aliás, já vinha sofrendo bastante com a privatização da propriedade da terra e com a crise na comercialização do mate. Sem outra perspectiva de trabalho, esses homens foram erguendo suas toscas residências ao longo das terras vizinhas ao leito da estrada de ferro (AURAS, 2001, p. 39).
Com o término da ferrovia, o grupo Farquhar buscou rapidamente abastecer os vagões
com produtos provindos da roça cabocla e também da madeira que fora serrada, com destino ao
porto de São Francisco, para comercialização, FRAGA (2006).
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É preciso ressaltar a importância da ferrovia no processo de expansão capitalista,
colaborando para a colonização dessas terras, pois além de facilitar o comércio, também contribuía
para a entrada de imigrantes, que vinham a habitar estas terras como poloneses e ucranianos.
Com todas as questões que estavam ocorrendo, e juntamente com vários elementos, via-se
no caboclo cada vez mais aparente o descontentamento e assim se inicia os primeiros movimentos
para a existência de uma guerra que duraria quatro anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em conta todos os elementos que foram citados neste texto, foi possível uma
melhor compreensão dos processos de expansão capitalista que ocorreram em território
contestado. Este território, serviu de palco para os desdobramentos do conflito conhecido como
Guerra do Contestado (1912-1916), tanto numa reflexão que agrega a questão de limites como
também a relação do homem/da mulher com a terra, com suas territorialidades, seus modos de
vida e como a construção da ferrovia desestrutura essa relação, ou seja, a terra em questão colocada
como meio de sobrevivência, pois a natureza era importante e valorizada como uma despensa da
casa do caboclo, onde produziam seus alimentos, para a implantação de uma lógica que nega isso
tudo.
Outra questão que podemos citar no que diz respeito ao território contestado, refere-se à
incorporação das técnicas, da modernização trazidas propriamente pelo grupo estrangeiro Brazil
Railway Company tendo como dono Percival Farquhar que fez grande participação em vários
processos, como a construção da ferrovia e a derrubada de madeirais nativas que adentravam às
margens da estrada ferroviária.
Tendo em vista todos os aspectos destacados, conclui-se que com a entrada do capitalismo
em terras contestadas houve grandes mudanças ao ordenamento territorial. No que se refere de
forma primordial a desigualdade que a partir daí se intensificou, além disso, outro desdobramento
do processo de expansão capitalista foi a questão da implantação da propriedade privada neste
território por meio da apropriação da terra-floresta que antes servia de refúgio e morada para o
povo caboclo.
Constatamos, que a construção da estrada de ferro possibilitou não somente o fácil acesso
de regiões sulistas ao centro-oeste (como pretendido pelo Estado brasileiro) mas fora também o
principal meio para a expansão, e entrada de capital nestas terras.
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REFERÊNCIAS
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O DEBATE SOBRE O TERRITÓRIO CONTESTADO: DOS ELEMENTOS QUE LEVARAM À GUERRA A CONFORMAÇÃO
ATUAL DA MICRORREGIÃO DE UNIÃO DA VITÓRIA
Ewaldo Piruk (Universidade Estadual do Paraná - Campus de União da Vitória) E-mail: ewalldopiruk@gmail.com
Taís Débora Dalpra (Universidade Estadual do Paraná - Campus de União da Vitória)
E-mail: dalpratais@gmail.com
Diane Daniela Gemelli (Universidade Estadual do Paraná - Campus de União da Vitória) E-mail: daianegemelli@yahoo.com.br
RESUMO
O artigo tem por objetivo discutir a formação territorial do Contestado, a partir do processo de expansão do capital, por meio da construção da ferrovia, da exploração da madeira e da expulsão e desagregação do modo de vida caboclo em relação à terra e à floresta. As terras de posse no Contestado foram transformadas em propriedade privada, sendo este o principal elemento para a existência da Guerra, que ainda hoje se expressa territorialmente no Contestado. Partimos do entendimento de que a Guerra do Contestado tem repercussões territoriais até os dias atuais. Para tanto, buscamos trazer algumas reflexões preliminares sobre os municípios que compõe a Microrregião de União da Vitória, são eles: Bituruna, Cruz Machado, General Carneiro, Paula Freitas, Paulo Frontin, Porto Vitória e União da Vitória. Assim, discorremos sobre a dinâmica populacional, apresentamos dados do Índice Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), juntamente com indicadores de pobreza. Por fim, concluímos que passados 108 anos do início do conflito o Contestado continua a existir enquanto campo de disputas, sendo as condições de vida da população um dos elementos que conformam o território na perspectiva dos significados dos processos de expansão capitalista que se estabelecem temporalmente. Palavras-chave: Contestado, Terra e Território, Dinâmica populacional e social.
INTRODUÇÃO
Este trabalho decorre das contribuições e reflexões de duas pesquisas em andamento e em
caráter inicial que estão sendo desenvolvidas pelos autores deste artigo no âmbito do Programa de
Iniciação Científica da Unespar. As pesquisas têm a preocupação de trazer à luz diferentes
elementos e fenômenos que estão em cena no processo de formação do Contestado e que
contribuem para o entendimento da conformação deste território na atualidade.
A Guerra do Contestado se deu primeiramente quando o governo brasileiro cede
significativas áreas de terra ao grupo Farquhar para a construção da linha férrea que corta o
território Contestado, com o pretenso motivo de preencher aquilo que era entendido enquanto
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sertão vazio (catarinense e paranaense). Também, outro motivo, era o de fixar imigrantes nas terras
devolutas, mas essas terras eram ocupadas por vários posseiros na região, de modo que para
colonizá-las era preciso retirá-los das terras, assim, dando origem ao conflito que conhecemos
como Guerra do Contestado (1912-1916) (GEMELLI, 2018).
O grupo do empresário norte-americano Percival Farquhar (1865-1953), por meio da
criação da empresa Brazil Railway Company conseguiu várias concessões de serviços públicos no
Brasil, dentre eles, um projeto que visava constituir uma grande rede viária na América do Sul,
assim foi construída a ferrovia no Contestado, seguida de um projeto de colonização que visava a
instalação de pequenas propriedades por meio do incentivo à migração europeia (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS, 2009).
A Southern Brazil Lumber and Colonization Company ou como é conhecida no território do Contestado,
a Lumber, foi uma empresa subsidiária da Brazil Railway Company. Esta empresa recebe a concessão
do governo brasileiro para explorar as terras em torno da linha férrea São Paulo – Rio Grande do
Sul, entre os estados do Paraná e de Santa Catarina, no Contestado instalou serrarias onde
atualmente são os municípios de Três Barras e Calmon (FRAGA, 2006; GEMELLI, 2018).
Passados 104 anos do término oficial da Guerra do Contestado se faz necessário
compreender como esse território foi afetado pelo descaso dos governos a nível federal e estadual,
onde são registrados baixos índices de qualidade de vida que se refletem, por exemplo, no IDH-M
e na taxa de pobreza.
De acordo com Fraga (2013) a região na qual se desenrolaram os episódios envolvendo a
Guerra do Contestado encontrava-se abaixo dos padrões de desenvolvimento regional à época da
Guerra, no entanto, passados mais de 100 anos e vários processos de desenvolvimento constata-se
que “tanto a população urbana quanto a rural apresentam baixos índices de qualidade de vida, se
comparada com outras regiões desenvolvidas de Santa Catarina e do Paraná” (FRAGA, 2013, p.
370).
Neste trabalho, apresentamos e analisamos alguns dados quanto a dinâmica populacional e
social de alguns municípios do Contestado paranaense e que formam a microrregião de União da
Vitória, são eles, General Carneiro, Cruz Machado, Bituruna, Porto Vitória, Paulo Frontin, Paula
Freitas e União da Vitória. Acreditamos que este debate seja representativo para compreender a
formação territorial do Contestado, bem como seu ordenamento atual, assim, a microrregião de
União da Vitória está inserida no território que foi palco da Guerra do Contestado, evento que
ainda hoje tem influenciando nas dinâmicas sociais e econômicas dos municípios.
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METODOLOGIA
As etapas dessa pesquisa compreendem revisão bibliográfica, levantamento e tabulação de
dados. Para tanto, neste artigo, nos utilizamos de gráficos e tabelas como ferramentas de
compreensão e análise das informações apresentadas. Nos valemos de dados disponíveis nos
bancos de dados do IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social e
do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística com a finalidade de debater a dinâmica
populacional, o IDH-M e a taxa de pobreza nos municípios que compõem a microrregião de União
da Vitória.
A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO CONTESTADO
A Guerra do Contestado foi um conflito ocorrido entre 1912-1916 onde na atualidade
corresponde ao sudeste do Paraná, planalto norte e parte da região serrana e oeste catarinense. Foi
um episódio marcado por fatores de ordem social, política, econômica, cultural e religiosa.
De 1912 a 1916, ocorreram em Santa Catarina, numa área em litígio com o vizinho Paraná, os fatos mais sangrentos das suas histórias, quando a população do Planalto pegou em armas e deu o grito de guerra, no episódio que ficou conhecido por Guerra do Contestado. Foram várias as causas do conflito armado, pois na mesma época e no mesmo lugar, ocorreu um movimento messiânico de grandes proporções, uma disputa pela posse de terras, uma competição econômica pela exploração de riquezas naturais, e uma questão de limites interestaduais (FRAGA, 2006, p. 76).
Sendo assim, neste território de disputa foram vários os motivos que levaram à Guerra,
dentre eles podemos citar a questão de limites entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, o
movimento messiânico, a desocupação das terras e a instalação de uma empresa estrangeira, a Brazil
Railway Company que recebeu autorização do governo para a explorar as matas nativas da região.
A Guerra do Contestado foi um elemento fundamental para definir o atual território de
Santa Catarina e do Paraná, além de constituir a Região denominada do Contestado Catarinense e
Sul Paranaense (conforme mostra a figura a seguir), onde desenrolou-se uma das maiores guerras
civis do continente americano com o genocídio de milhares de camponeses pobres (FRAGA,
2006).
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Figura 1: Região do Contestado
Fonte: FRAGA (2010).
Na Figura 1 podemos observar a região do Contestado, entre os Estados do Paraná e Santa
Catarina, que segundo Afonso (1998) compreende uma área de 30.000 a 40.000 quilômetros
quadrados.
O desenrolar da guerra manifesta a existência de vários conflitos sociais estabelecidos
territorialmente, dentre eles destacam-se, sobremaneira, quatro, sendo: 1) a expulsão da população
cabocla que habitava a região; 2) o avanço do capital imperialista nas terras de posse, trabalho e
existência; 3) a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, e, 4) a concessão das terras de posse
da população cabocla para a exploração madeireira (GEMELLI, 2018). Diante destes processos,
Fraga (2006) afirma que o território do Contestado, sobretudo no período pós-guerra, passou a ser
rapidamente ocupado por migrantes europeus e das colônias do Rio Grande do Sul, que ocuparam
as terras de posse dos caboclos e das caboclas, concedidas sob domínio e direito de colonização da
Companhia Lumber.
A intensificação da exploração da madeira nativa no Contestado pela empresa Lumber fez
com que os caboclos e as caboclas começassem a ser expulsos e expulsas de suas terras, já que não
tinham como justificar a sua posse. Para auxiliar na retirada dos caboclos e das caboclas das terras,
Farquhar montou uma milícia própria, que utilizava de violência contra a população.
De acordo com Gemelli (2018) essas práticas inflamaram as disputas no Contestado, que
envolveu de um lado, o capital madeireiro e de outro os caboclos e as caboclas que viviam na terra
há pelo menos um século. Assim, esses elementos, de acordo com a autora, nos fazem entender a
expansão geográfica do capital no Território do Contestado, a partir dos trilhos do trem e da
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exploração madeireira, assentados na espoliação da natureza e do território, desagregando modos
de vida e promovendo a desarrumação socioambiental.
Sendo assim, para a construção da linha férrea, o governo brasileiro cedeu a madeira e o
direito à venda das terras, que ficassem até 15 quilômetros de cada lado da ferrovia como forma de
pagamento para a empresa Lumber. Na região havia importantes maciços florestais com grande
número de espécies como a imbuia (Ocotea porosa) e a araucária (Araucaria angustifolia) que foram as
principais árvores que se transformaram em mercadoria para a exploração capitalista da época. Para
se estabelecer a Lumber precisava de terras vazias, sem gente, mas como Gemelli (2018) cita estas
terras não eram vazias, ou seja, não existia um sertão inabitado, de modo que para construir a
ferrovia, era preciso retirar das terras concedidas ao Grupo Farquhar, homens e mulheres que nelas
viviam há décadas.
Portanto, as terras de posse no Contestado foram transformadas em propriedade privada,
sendo este o principal elemento para a existência da Guerra, que ainda hoje se expressa
territorialmente no Contestado. Além dos interesses econômicos em torno da madeira que fora
transformada em mercadoria como forma de pagamento à construção da ferrovia, a Lumber recebeu
as terras às margens da ferrovia que deveriam ser destinadas a projetos de colonização.
Objetivando rapidamente colonizar as terras que havia obtido em pagamento pela construção da estrada de ferro, a Brazil Railway, em 1911, tratou de colocar para fora de seus domínios todas as pessoas que ocupavam terras e que não possuíam títulos de propriedade. Tal iniciativa, bem como a própria concessão feita à companhia, contrariava a chamada Lei de Terras de 1850. Mas o governo do Paraná reconheceu os direitos da empresa, o que não foi de estranhar, pois Affonso Camargo, vice-presidente do Estado, era advogado da Brazil Railway (FRAGA, 2006, p. 60).
Segundo Valentini e Radin (2012) a construção da ferrovia era considerada um símbolo de
modernidade na época, pois foi importante para explicar a expansão capitalista, que provocou a
cobiça sobre o controle da terra próxima a ferrovia, de modo, a transformar a terra em mercadoria,
e assim impulsionando o processo de colonização da região. De fato, o processo de colonização
teve aspectos peculiares, o que provocou vários conflitos entre as populações locais expropriadas
de suas terras e o governo que queria ocupar o dito sertão vazio.
A formação territorial do Contestado comporta aproximações e correspondências do que
era este território no período que antecede o conflito e no pós-guerra, ou seja, ainda permanece a
terra concentrada nas mãos de poucos, como os coronéis locais donos de grandes latifúndios e
com influência política e econômica. O que mudou é que ao invés da terra ser apropriada pelo
capital internacional, agora esse processo ocorre pelas madeireiras locais. A fonte de acumulação
do capital já não é mais a araucária, mas sim o pinus (monocultura de árvores) que é vantajoso
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somente na perspectiva de reprodução do capital e que provoca a homogeneização da paisagem e
a degradação da natureza e do trabalho. Assim, esse novo espaço de acumulação no Contestado
ganha destaque na apropriação da natureza como um potencial mercadológico, estabelecido pela
indústria da madeira que se ergueu territorialmente durante a construção da linha férrea
(GEMELLI, 2018).
O Território Contestado, como espaço de acumulação, vive um segundo momento, no que diz respeito à relação entre os projetos de desenvolvimento antagônicos e inconciliáveis, quando da total pilhagem da floresta nativa e incorporação dos monocultivos, (sobretudo Pinus, mas também eucalipto) como alternativa econômica à indústria da madeira já territorializada (GEMELLI, 2018, p. 126).
Entendemos que o ocorrido no Contestado foi uma forma de expansão geográfica do
capital no território, por meio da construção da ferrovia, da exploração da madeira e da expulsão e
desagregação do caboclo e cabocla em relação a terra e a floresta. Isso transformou a forma de uso
do território, a partir da exploração da madeira para exportação e a venda das terras antes ocupadas
pelas famílias caboclas.
O território, sobretudo a partir da década de 1970, assume outra conformação, a partir da
territorialização do pinus, como um elemento da degradação da natureza e do trabalho, que
encontra correspondência nos significados trazidos pelos trilhos do trem e pela expansão do modo
de produção capitalista no campo. Assim, de acordo com Gemelli (2018) aproximadamente 30%
do quantitativo das terras com pinus no Brasil, encontram-se no Contestado.
DINÂMICA POPULACIONAL E SOCIAL DOS MUNICÍPIOS QUE FORMAM A
MICRORREGIÃO DE UNIÃO DA VITÓRIA
Há poucos estudos que discutem o Contestado paranaense, é certo que a área territorial do
conflito é maior em Santa Catarina do que no Paraná, como ilustra a Figura 01. Ainda assim, não
é possível compreender a formação territorial do Paraná sem considerar este importante evento.
Entendemos que a Guerra do Contestado foi representativa tanto para a definição dos limites
político-administrativos do estado quanto para a conformação territorial em sentido mais amplo,
isto é, considerando as dinâmicas sociais e econômicas que se vinculam com os fenômenos
geográficos que se processam desde a Guerra.
Nesse sentido, buscamos compreender como ainda existem permanências da Guerra do
Contestado na microrregião de União da Vitória. Para tanto, vamos nos utilizar dos dados
disponíveis no IPARDES e no IBGE, relativos à população rural e urbana, o IDH-M e o índice de
pobreza dos municípios que fazem parte da referida microrregião.
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Com isso, buscamos analisar como na atualidade os municípios que fizeram parte do
Território do Contestado durante a Guerra, apresentam dados que servem de alerta para
compreender a dinâmica social e econômica, ou seja, o fim da guerra não foi capaz de solucionar
os problemas socioeconômicos, ao contrário, 108 anos após o início do conflito há um
agravamento no sentido da precariedade das condições de vida da população.
O primeiro elemento que trazemos para o debate diz respeito aos dados populacionais e a
dinâmica rural e urbana nos municípios pesquisados (Tabela 01). Entendemos que são
representativos ao passo que podem revelar a continuidade do processo iniciado na Guerra, qual
seja, a negação da terra enquanto condição de existência social. Assim, a saída das pessoas do campo
e o consequente aumento populacional urbano pode estar relacionado, em grande medida, ao
processo de expansão capitalista no campo associado à concentração fundiária e econômica.
Tabela 01: População censitária urbana e rural (1991-2000- 2010)
1991 2000 2010
Município Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana
União da Vitória 3.807 40.201 2.931 45.591 2.752 49.983
Bituruna 7.277 5.575 8.227 7.506 5.981 9.899
General Carneiro 5.209 6.078 4.996 8.903 4.100 9.569
Paula Freitas 3,192 1.473 2.860 2.200 2.686 2.748
Porto Vitória 1.918 1.854 1.835 2.216 1.785 2.235
Paulo Frontin 4.985 1.573 4.813 1.752 4.740 2.173
Cruz Machado 14.095 2.473 14.208 3.459 11.983 6.057
Fonte: IPARDES, 2020. Organização: Os autores, 2020.
Ao analisar os dados da população censitária nos municípios da microrregião de União da
Vitória identificamos disparidades entre as dinâmicas urbana e rural. Observamos, desde uma
importante concentração populacional, sobretudo urbana, em União da Vitória, que contabiliza
45% do total de habitantes da microrregião, até municípios com maior população rural do que
urbana, caso de Paulo Frontin e Cruz Machado com, respectivamente, 68% e 66% da população
vivendo no campo, outros com indicadores demográficos, urbano e rural, consideravelmente
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próximos, como observado em Paula Freitas e Porto Vitória, e, por fim, Bituruna e General
Carneiro que apresentam comportamentos muito semelhantes, isto é, diminuição da população
rural e aumento da população urbana, ainda que representem quantitativos importantes de
moradores vivendo no campo, respectivamente, 37% e 30% do total de habitantes.
O município de União da Vitória apresentava, já no ano de 1991, uma significativa
população urbana em detrimento da rural, sendo que isso se intensificou na série histórica analisada.
Isso se justifica, pois o município pode ser considerado um polo microrregional, onde atualmente
estão localizadas as principais empresas ligadas a cadeia da monocultura de árvores (serrarias,
fábricas de compensados, esquadrilhas de madeira e etc.), também podemos destacar o comércio
local que atende a todos os municípios da microrregião, assim, gerando postos de trabalho que
atraem pessoas do campo e da cidade, inclusive de outros municípios. Esse lugar de destaque de
União da Vitória na economia regional não é uma condição recente, ao contrário, no período pós-
Guerra o município chegou a figurar entre os mais representativos na economia paranaense,
sobretudo, devido a dinâmica econômica atrelada à exploração da madeira nativa e da erva mate.
Em seguida apresentamos uma tabela com os dados referentes ao IDHM (2010) dos
municípios de estudados.
Tabela 02: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (2010)
Município IDH-M IDH-M-
Longevidade
IDH-M-
Educação
IDH-M-
Renda
General Carneiro 0,652 0,816 0,532 0,638
Cruz Machado 0,664 0,845 0,545 0,635
Bituruna 0,667 0,829 0,556 0,645
Porto Vitória 0,685 0,796 0,600 0,674
Paulo Frontin 0,708 0,668 0,639 0,688
Paula Freitas 0,717 0,847 0,622 0,699
União da Vitória 0,740 0,837 0,680 0,713
Fonte: IPARDES, 2020. Organização: Os autores, 2020.
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Segundo o IBGE, o Índice de Desenvolvimento Humano do estado do Paraná é de 0,749.
De acordo com os dados apresentados na Tabela 02 vemos a repercussão do IDH-M no
Contestado, de modo que todos os municípios estudados possuem indicadores inferiores à média
estadual. Apenas Paulo Frontin, Paula Freitas e União da Vitória possuem indicadores superiores
a 0,7, os demais encontram-se na casa de 0,6. Cabe ressaltar que o indicador referente à longevidade
é responsável por melhorar o IDH-M de todos os municípios, assim, quando analisamos os
indicadores que englobam a educação e a renda é possível perceber o rebaixamento da condição
de vida das pessoas.
Isso já havia sido constatado por Fonseca (2019) ao estudar os municípios de Paula Freitas,
Bituruna e General Carneiro, agora, percebemos que tais indicadores não são restritos aos três
municípios, mas fazem parte da realidade da microrregião de União da Vitória. Nesse sentido,
concordamos com o autor quando diz, “a condição de vida da população dos municípios estudados
seria consideravelmente piorada caso a variável longevidade não apresentasse indicadores
significativamente positivos quando comparados àqueles que medem a renda e o acesso à
educação” (FONSECA, 2019, p. 225).
Gemelli (2018) ao discutir o IDH-M no Contestado pontua que tais indicadores têm relação
com o processo de desenvolvimento desigual e combinado vinculado ao processo de expulsão da
população cabocla de suas terras, isso porque, ao se negar a terra também dificulta-se algumas das
questões mais elementares à vida humana, como o direito à alimentação e ao trabalho digno. Assim,
ao passo que o Contestado atravessa o processo de apropriação da terra-floresta, também vê o
aprofundamento das desigualdades sociais que se manifestam nos indicadores sociais e nas
condições reais de vida da população e que se desdobram, por exemplo, no índice de pobreza que
apresentamos na sequência.
O Índice de Pobreza utilizado neste trabalho foi medido pelo IBGE a partir dos
levantamentos realizados no Censo Demográfico de 2010. Com base nos dados de referência e
levando em consideração a metodologia empregada, são considerados pobres aqueles que em 2010
possuíam renda per capita igual ou inferior a R$ 140,00, sendo que o salário-mínimo que serve de
parâmetro para o ano era de R$ 510,00.
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Gráfico 01: Índice de pobreza (%) nos municípios da microrregião de União da Vitória (1991-
2000-2010)
Fonte: IPARDES, 2020. Organização: Os Autores, 2020.
Ao apresentarmos os dados referentes à pobreza destacamos que estão disponíveis as
informações correspondentes apenas ao ano de 2010. Devido a não atualização dos dados há uma
incógnita no sentido de sabermos se houve aumento, redução e/ou manutenção das taxas de
pobreza nos municípios até o ano de 2020.
Ao analisarmos o Gráfico 1 é possível visualizar a redução nos indicadores de pobreza em
todos os municípios na série histórica apresentada, ainda assim, destaca-se que apenas União da
Vitória possui indicador inferior a dois dígitos (9,46%), os demais municípios apresentam taxas de
pobreza superiores a casa dos 10%. Com os piores índices destacam-se os seguintes municípios,
Cruz Machado (29,04%), Bituruna (21,04%) e General Carneiro (20%).
O indicador de pobreza no ano de 2010 no Paraná era de 6,46%, assim, observa-se que
todos os municípios da microrregião de União da Vitória possuem indicador superior à média
estadual. Para Fonseca (2019) a pobreza pode ser explicada pela presença do latifúndio silvicultor
(produtor de pinus) que gera ausência de diversidade produtiva no campo e a consequente
diminuição na produção de alimentos, além das poucas possibilidades de emprego no campo e na
cidade.
A pobreza, fome, não acesso à saúde, educação, os parcos empregos existentes, a ineficiência da infraestrutura dita “moderna”, como acesso asfáltico a diversos municípios etc., são as marcas da lógica do desenvolvimento no Território Contestado,
0
10
20
30
40
50
60
70
Cruz Machado Bituruna GeneralCarneiro
Paula Freitas Paulo Frontin Porto Vitória União daVitória
1991 2000 2010
%
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que o dito progresso/desenvolvimento, sob o sistema metabólico do capital tenta apresentar como vantajoso e ideal para aquela população (GEMELLI, 2018, p. 154-155).
Nessa mesma perspectiva Fraga (2013) afirma que que na região antes contestada e na qual
ocorreu uma importante guerra civil camponesa, atualmente grande parte da população vive sob
condições de pobreza e miséria. Assim, para o autor, “a região do Contestado é um Nordeste
brasileiro, na sua porção mais pobre, encravado numa pseudoeuropa brasileira, com níveis de
pobreza muito equivalente” (FRAGA, 2013, p. 385)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Guerra do Contestado (1912-1916), ainda não acabou para os caboclos e as caboclas,
onde ainda permanece um conflito pela posse das terras e pelo direito de se ter uma condição de
vida digna que foi negada aos antepassados desde à Guerra. Muitos caboclos e muitas caboclas
perderam suas vidas por lutarem por esse direito fundamental, o direito de ter acesso à terra para
produzir e trabalhar, de modo que a questão de limites entre os estados do Paraná e Santa Catarina
foi apenas um elemento envolvido no episódio e, que, de fato, já foi resolvido, diferentemente da
questão socioeconômica que centra-se na desigualdade.
Em contraponto à expulsão e à desagregação da população cabocla de suas terras e de seus
modos de vida, há um segundo momento da história, tendo o Contestado como um espaço de
acumulação, com isso, a monocultura do pinus representa a contraposição ao modo de vida
caboclo ao impossibilitar a diversidade das florestas e da produção cabocla. Sendo assim, “a
História do Contestado é, ainda, uma história em construção. Seus efeitos atuam ainda sobre a
formação cultural e ideológica da região, e o advento da modernidade não foi capaz de destruir ou
dominar as referências deste imaginário” (BUENO, 2012, p.149).
De fato, os caboclos e as caboclas dessas terras sofreram e ainda sofrem por terem alguns
direitos continuamente negados. Esse processo se inicia no final do século XIX e início do século
XX, quando o capitalismo intensifica sua expansão nestas terras, a chamada modernidade passa a
engolir as florestas para abastecer mercados externos e dá lugar a ferrovia onde antes somente se
tinha o caminho das tropas, as terras de posse do povo caboclo passam a ter valor de mercado e
delas são expulsos. E, atualmente, a constante expansão geográfica do capital no território segue
sendo uma marca do Contestado.
Marca essa que tem repercutido espacialmente nos diferentes momentos do tempo
histórico. De modo que o impedimento no acesso à terra a uma parcela da população tem gerado
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a pobreza e se desdobrado em outras negações como a falta de alimento, a precariedade do acesso
saúde, à educação e ao emprego que permita viver dignamente. Em contrapartida, também se
observa a concentração de terras e a existência de uma dinâmica produtiva que contribuem para o
agravamento das condições socioeconômicas que afetam a vida da população que atualmente vive
no Contestado. Sobre isso, trouxemos alguns elementos neste texto ao abordarmos o IDH-M e a
taxa de pobreza nos municípios que compõe a microrregião de União da Vitória, mas, sinalizamos
que são levantamentos preliminares, no decorrer da pesquisa outras informações serão levantadas
e analisadas.
Por fim, passados 108 anos da Guerra do Contestado do início do conflito, podemos dizer
que a ferrovia já não tem mais centralidade, inclusive, está desativada há anos, e a população que
descende daqueles e daquelas que lutaram na Guerra vivem à mercê de um processo marcado pela
desigualdade. Conforme afirma Fraga (2013, p. 390) o “[...] Contestado se caracteriza como um
enorme bolsão de miséria em Santa Catarina, o que não é diferente na parte que coube ao Paraná
depois da ‘partilha’ do território, no acordo de 1916, que ‘colocou fim’ numa guerra genocida de
pobres não brancos – a Guerra do Contestado”.
REFERÊNCIAS
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ONDE QUEM FORMA SE FORMOU: VÍNCULOS INSTITUCIONAIS E A (RE)PRODUÇÃO DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA
Vagner André Morais Pinto (Universidade Estadual de Ponta Grossa – Campus Uvaranas)
E-mail: vampmorais@gmail.com
RESUMO
O objetivo deste artigo é cartografar os vínculos institucionais dos docentes dos programas de pós-graduação em Geografia no Brasil. O entendimento da produção científica na área não deve desconsiderar as demarcações dos diferentes contextos formativos e das disposições acadêmicas, pois, a produção dos saberes não se estabelece de modo autônomo e descontinuado da realidade socioespacial. A operacionalização da pesquisa consistiu no estabelecimento de uma rede, via software livre Gephi, das procedências institucionais destes profissionais com base nos dados disponíveis na Plataforma Sucupira – 1130 docentes permanentes de 72 programas acadêmicos – e complementadas na Plataforma Lattes. Na sequência o conjunto selecionado foi arranjado sob o critério de mais conexões recíprocas, cuja resultante compôs seis módulos. Os resultados indicam proeminência dos programas mais antigos nos quadros docentes tanto em termos endógenos quanto exógenos. Além dos cursos precursores na área, localizados majoritariamente no Sudeste, conexões significativas foram verificadas também com instituições estrangeiras de países da Europa e da América do Norte. Assim, o estudo trata de uma das inúmeras conjunturas passíveis de serem exploradas na ciência geográfica sobre relações entre espacialidades acadêmicas e contextos formativos. Palavras-chave: Espacialidade, Pós-graduação, Relações sociais.
INTRODUÇÃO
O intento nesta reflexão consiste em cartografar os quadros docentes dos programas de
pós-graduação em Geografia no Brasil em termos de suas respectivas formações e atuações
institucionais. Enquanto agentes produtores e reprodutores do conhecimento científico, cuja
compreensão do produto e da pertinência de suas atividades remonta, fundamentalmente, aos seus
respectivos contextos formativos e profissionais, a consideração da inteligibilidade destas
espacialidades acadêmicas se mostra necessária.
No curso de duas décadas ocorreu um expressivo aumento do número de programas de
pós-graduação no território brasileiro. Este processo não o foi diferente na Geografia, a área
atualmente registra 76 cursos stricto sensu, o que corresponde a mais do que o triplo em relação aos
19 existentes em 1998 (DANTAS, 2017). Acompanhado deste fenômeno, também ocorreu um
processo de interiorização destes cursos, ampliando a oferta para além do Sudeste e de algumas
capitais no Sul e Nordeste visando mitigar assimetrias regionais e promover um desenvolvimento
mais generalizado no território nacional (SANT’ANNA NETO, 2014).
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Todavia, segundo terminologia utilizada por Dantas (2017) na última avaliação de área da
CAPES, os programas de pós-graduação em Geografia no país estariam hierarquizados em três
categorias: área core (das metrópoles São Paulo e Rio Janeiro, com evidente destaque para USP e
UFRJ); periferia próxima (interior de São Paulo, com UNESP-PP e UNICAMP, e do Rio, UFF, e
Minas Gerais, sobressaindo UFMG); e periferia distante (nas regiões Nordeste, como UFC e
UFPE; Sul, com UFRGS e UFPR; e Centro-Oeste, UFG e UnB).
Neste sentido, um estudo de Sposito (2016) interessado na compreensão do intercâmbio
entre os programas de pós-graduação, a partir dos membros externos convidados para bancas de
mestrado e doutorado em Geografia no país, identificou conexões muito expressivas e intensas
entre docentes da USP, UFRJ e UNESP-PP. Conexões menos salientes, mas com reciprocidade
razoável, foram observadas entre pesquisadores de universidades que poderiam ser designadas de
periferia próxima e das periferias distantes.
O entendimento de tais assimetrias reporta fundamentalmente para relações em que o
poder é exercido, o seja em menor ou em maior grau. Fourez (1995) ressalta que o conhecimento
engendra o poder e, por conseguinte, a possibilidade de decisão pautada pela política. Torna mais
complexa a conjuntura acadêmica as demandas das diferentes grades de interesse e de leitura da
sociedade, como o são, por exemplo, a econômica, a feminista e a ecologista, pois distintas
diretrizes morais e jurídicas são adotadas e defendidas por cada uma. Desta feita, mudanças no
sistema de ensino e fomento para a pesquisa reverberam diretamente nestas articulações no espaço
acadêmico dada a forte influência do campo político neste contexto, sobretudo, em função do
custo econômico da atividade científica (BOURDIEU, 2004). Estas características engendram
ações de força, persuasão, resistência e também aliança, nas quais avanços e retrocessos ditam a
tônica dos debates.
METODOLOGIA
Os espaços acadêmicos da Geografia produzida no país são configurados em aspectos
diversos como a política, economia, temporalidades, poder e, de um modo mais amplo, mediados
por relações sociais e institucionais. Assim como em outros setores de atividades humanas
disparidades existem e, no caso dos programas de pós-graduação em Geografia no país, são
significativas.
Uma via para o entendimento e caracterização desta conjuntura é o vínculo institucional
dos integrantes e, mais do que isso, (re)produtores do conhecimento geográfico: os docentes destas
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instituições. O recorte analítico, então, consistiu nas instituições de doutoramento dos 1.130
docentes permanentes dos 72 programas de pós-graduação em Geografia com oferta de cursos
acadêmicos.
Primeiramente, conforme ilustra a Figura 1, estas informações foram extraídas dos
conjuntos presentes na Plataforma Sucupira e complementadas via currículos da Plataforma Lattes
(1). Na sequência, este conjunto foi refinado e padronizado via software OpenRefine (2) e exportado
em planilhas .csv passíveis de ajustes finais na entrada e codificação de dados, desta vez no pacote
LibreOffice (3). Por fim, com o material preparado, foram elaboradas redes IES de doutoramento—
IES de atuação no Gephi (4).
Figura 1: Esquema metodológico da elaboração de redes
Fonte: O autor (2020).
Uma rede é uma relação binária caracterizada, neste caso, pela conexão entre uma ou mais
palavras (nós) através de segmentos de reta (arestas) cuja representação visual é denominada grafo
(SILVA e SILVA, 2016). Na visualização da rede, a Figura 2, foram utilizados dois parâmetros
estatísticos. O primeiro, grau de saída, consiste na quantidade de conexões estabelecidas de um nó
para o(s) outro(s). Quanto mais conexões um nó forma, neste caso instituições recebem de outras,
ou dela mesma (endogenia), maior o grau e o tamanho dos nós emissores. A segunda estatística
aplicada foi a de modularidade. Este parâmetro define clusters, conjuntos de nós fortemente
conectados a partir do acréscimo, ou não, de conexões consideradas pertinentes para o grupo de
nós em questão. Cada módulo de conexões é representado com coloração específica e abarca
diferentes percentuais na topologia da rede (MEDEIROS et al., 2016). A fim de conferir uma
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melhor visualização do grafo em questão foram excluídos os nós com conexões abaixo da média
geral: 4,952. Também foram agrupadas as instituições estrangeiras por país de origem.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Figura 2 representa a topologia de conexões entre as instituições de doutoramento e as
instituições de atuação do conjunto de docentes dos programas de pós-graduação em Geografia
no Brasil.
Figura 2: Brasil: Topologia de conexões entre instituições de doutoramento e de atuação entre
docentes de pós-graduação em Geografia
Fonte: O autor (2020).
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Dentre os seis módulos o de coloração avermelhada e com proeminência da Universidade
de São Paulo (USP) é o que abarca a maior parcela da topologia da rede. Nela se verificam conexões
majoritariamente no Sul do país, com a Universidade de Campinas (UNICAMP) e com a França,
país com instituições mais vinculadas. Com quase 25% da topologia da rede, o módulo composto
por Universidade Estadual Paulista-Câmpus Rio Claro (UNESP-RC) e as principais IES de Minas
Gerais e Goiás, é o segundo mais volumoso. A Universidade Estadual Paulista - Campus Presidente
Prudente (UNESP-PP) é o nó principal do conjunto que abarca instituições próximas no Paraná e
Mato Grosso do Sul, assim como no Norte, dividindo a influência na região com o módulo
capitaneado pela USP. Na sequência temos módulos com influência mais circunscrita ao estado do
Rio de Janeiro e no Nordeste, que somados correspondem a pouco mais de 30% das conexões do
grafo.
Em um primeiro plano de análise, é necessária a consideração do histórico da
implementação dos programas de pós-graduação em Geografia. A centralidade de conexões nas
universidades paulistas e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é significativamente
relacionável com a presença mais longeva e influente destes espaços. Por exemplo, ao analisar a
ementa das disciplinas de Epistemologia de 60 programas de pós-graduação na área no país, César
(2019) verificou que dentre os dez autores com mais obras recomendas seis são de procedência
e/ou atuação institucional destes centros: Milton Santos, Ruy Moreira, Antônio Carlos Robert de
Moraes, Paulo César da Costa Gomes, Iná Elias de Castro e Roberto Lobato Corrêa. Outro aspecto
pertinente para a análise é o da endogenia institucional, o qual é deveras visível no nó ilustrativo da
USP. Além da longevidade dos cursos ofertados, há que se considerar também o campo de
possibilidades e o incremento de capital associável à continuidade de formação em um dado âmbito
(SANT’ANNA NETO, 2014 e BOURDIEU, 2004).
Tal como explana Velho (2003), as trajetórias que os indivíduos cursam adquirem maior
consistência com o delineamento dos projetos de vida com metas específicas, contudo este
processo não é solitário e arbitrário, pois,
[...] os projetos individuais sempre interagem com outros dentro de um campo de possibilidades. Não operam num vácuo, mas sim a partir de premissas e paradigmas culturais compartilhados por universos específicos. Por isso mesmo são complexos e os indivíduos, em princípio, podem ser portadores de projetos diferentes, até contraditórios. Sua pertinência e relevância serão definidas contextualmente (VELHO, 2003, p. 46, grifo do autor).
Para Foucault (1984) heterotopias são espaços que, contrariamente às utopias,
estabelecessem uma contestação simultaneamente mítica e real do espaço em que julgamos, ou
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gostaríamos, de viver. Nestes termos, é importante pontuar duas características heterotópicas na
instituição do espaço acadêmico. Uma é a pretensa justaposição em um só lugar de vários espaços
e posicionamentos, mesmo que virtuais e efêmeros. Em uma época de vivência cada vez mais
pautada em um contexto técnico-científico-informacional (SANTOS, 2006) são frequentes
videoconferências, trocas de e-mail e inúmeras outras transações de ideias entre intelectuais através
da Web, conectando, assim, espacialidades distintas e distantes por meio de janelas digitais. Outro
elemento heterotópico se refere às frequentes relações que instituímos entre temporalidades atuais
e pretéritas, numa sensação de simetria de heterocronias. Seja o prazo estabelecido para a entrega
de um artigo, relatório, parecer, monografia e afins; ou no tocante ao próprio diálogo e reflexão
estabelecidos para a confecção destes trabalhos que, necessariamente, dependem do acesso a
outras obras, as quais contêm em si, intrinsecamente, o acúmulo de tempo dispendido nesta tarefa
por intelectuais de outras gerações. Bem como as acomodações físicas de ensino e pesquisa
conservam elementos construídos em outras temporalidades, intenções e possibilidades técnicas,
resultando também em um acúmulo temporal sob forma de rugosidades espaciais (SANTOS,
2006).
Apesar do tradicionalismo associado às universidades, sobretudo no concernente ao ensino,
por tal exercício estar associado à preservação e a transmissão de valores para as gerações mais
jovens, a realidade sócio-espacial é dinâmica e complexa. Como argumenta Massey (2009) o modo
como o espaço é imaginado, seja no trabalho intelectual, na vida social ou na prática política,
importa. Ao conceber o espaço como tão somente forma e materialidade e as instituições como
entidades autônomas e imutáveis, negamos o caráter múltiplo e sempre inacabado das relações
humanas, bem como do inerente exercício de poder pelas mesmas. Deste modo, é problemática
uma concepção de lugares como tendo identidades singulares e essenciais, pois “o que dá a um
lugar sua especificidade não é uma história longa e internalizada, mas o fato de que ele se constrói
a partir de uma constelação particular de relações sociais, que se encontram e se entrelaçam num
locus particular” (MASSEY, 2000, p. 184).
Neste sentido, em espaços institucionalizados como a universidade, apesar da pretensa
impessoalidade dos sistemas legais e burocráticos, os projetos individuais, seja de alunos no começo
da graduação ou na pós, sejam de professores colaboradores ou permanentes, implicam em maior
ou menor grau, no desempenho em disciplinas e concursos, no prosseguimento, interrupção ou
abandono dos cursos, da transmissão de credibilidade ou incredulidade entre pares, dentre muitas
outras conjunturas. Portanto, de um modo geral, “a viabilidade de suas realizações vai depender do
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jogo e interação com outros projetos individuais ou coletivos, da natureza e da dinâmica do campo de
possibilidades (VELHO, 2003, p. 47). Devendo ser salientado, sobretudo no contexto formativo e
transformador da academia, que tanto “os projetos, como as pessoas, mudam, ou as pessoas mudam
através de seus projetos (VELHO, 2003, p. 47).
Assim, este estatuto específico de uma comunidade científica é formado por
reconhecimentos de autoridade tanto internos (técnica) quanto externos (social) (FOUREZ, 1995).
A autoridade, por conseguinte, é inerente ao exercício de poder em espaços institucionais, uma vez
que “repousa no consentimento, na adesão de vontades pelo reconhecimento de uma superioridade
de ordem moral, intelectual, de competência, de coragem, da experiência, ou seja, de valores ou de
funções que aqueles que detêm a autoridade representam” (CASTRO, 2010, p. 103). Também é
fortemente vinculada a este contexto o conceito de credibilidade, visto que ele
[...] facilita a síntese das noções econômicas (como o dinheiro, o orçamento e o rendimento) com as noções epistemológicas (certeza, dúvida e prova) [...] A noção de credibilidade permite ligar uma rede de conceitos, tais como concessão de crédito, referências profissionais (em inglês, credential), o crédito dado às crenças ("credo", "crível") e as contas a serem prestadas ("prestar contas de seus atos", "prestação de contas", “credito em conta"). Isso fornece ao observador uma visão homogênea da construção dos fatos e embaralha as divisões arbitrárias entre os fatores econômicos, epistemológicos e sociológicos (LATOUR; WOLGAAR, 1997, p. 270-271).
Ademais, as especificidades da comunidade científica podem ser compreendidas através do
conceito de campo. Elaborado por Pierre Bourdieu, este constructo teórico consiste na busca
compreensiva de um dado tipo de atividades humanas (ciência, literatura, política, economia, etc.)
com vistas de escapar da suposição da existência de certa partenogênese - engendramento próprio
sem a intervenção do contexto social - ou meramente enquanto derivada de uma relação direta
entre o texto, a coisa em si, e o contexto, fatores externos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo foi evidenciado o quadro formativo e de influência institucional do conjunto
docente ciência geográfica no nível de pós-graduação. Em um primeiro plano foram estabelecidos
seis conjuntos de programas com relativa conexão quanto à realização do doutorado pelos
pesquisadores da área. Apesar da proeminência da Universidade de São Paulo nesta configuração,
outras instituições no Sudeste também são nós importantes de influência no restante do país.
O espaço acadêmico é relacional, constantemente transformado e instituído por relações
de poder específicas envolvendo disputas entre atores na conquista e na manutenção de objetos
materiais e simbólicos, com tais relações ocorrendo a partir de um jogo escalar intenso e de
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negociações que são inerentemente políticas. Desta feita, investigações que ressaltem o caráter
formativo pela academia são muito potentes devido à ampla gama de variáveis possíveis de serem
analisadas e, fundamentalmente, por promoverem um debate em busca de mais valorização,
cooperação e respeito na coetaneidade universitária.
REFERÊNCIAS
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DIFICULDADES ENFRENTADAS NA APLICAÇÃO DA LEI 10.639 NO COMBATE AO RACISMO NO BRASIL: DOS LIVROS DIDÁTICOS A BAIXA QUALIFICAÇÃO DOCENTE: ESTUDO DE CASO EM UMA
ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL EM CAMPINAS
Matheus Anézio Pereira Gusmão (Universidade Estadual de Campinas) E-mail: matheus_gusmao@yahoo.com.br
RESUMO O objetivo deste trabalho busca, entendendo-a como ferramenta na luta contra o racismo
no Brasil e da potencialidade que a escola tem para contribuir nessa discussão, discutir a implementação da Lei 10.639/2003, lei esta pautada no ensino de história africana e dos afro-brasileiros nas unidades escolares brasileiras. Assim, a partir de um estudo de caso realizado em uma unidade escolar localizada em Campinas – SP e mediante análise da aplicação da mesma lei na disciplina de geografia ministrada para os terceiros anos do ensino médio, concluiu-se que há duas dificuldades que se sobressaem no tocante as temáticas em torno da lei e em como elas podem ser aplicadas de forma qualificada como ferramenta de combate ao racismo, sendo ambas discutidas no corpo do texto. A primeira refere-se ao conteúdo dos livros didáticos enquanto a segunda pauta-se na baixa qualificação dos docentes para trabalharem os respectivos conteúdos. A metodologia baseou-se em leituras de referências bibliográficas que versem sobre os determinados assuntos, na análise de um livro didático utilizado na escola e também na coleta de um relato do professor de geografia da unidade escolar. Por fim, partindo de uma perspectiva qualitativa, observa-se também que há longos percalços a percorrer no caminho para que o ensino de história africana e afro-brasileira possa ser aplicado nas escolas brasileiras, desta forma dificultando, também, a luta contra o racismo. Palavras-chave: Lei 10.639, Livros didáticos, Ensino de Geografia.
INTRODUÇÃO
Tornado obrigatório no ensino fundamental e médio pela lei 10.639, sancionada em 9 de
janeiro de 2003 durante o mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o ensino de História
da África e dos Afro-Brasileiros multiplicou a criação de cátedras destas disciplinas nas
universidades públicas e privadas brasileiras, além da obrigatoriedade de estes temas serem
abordados nas escolas brasileiras. Trata-se, como nos mostra Araujo (2017) de uma forma de ação
afirmativa para a população negra, conforme explica o próprio documento, que apresenta as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, no momento de sua introdução
O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais,
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antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo1 e as discriminações que atingem particularmente os negros. Nesta perspectiva, propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada (BRASIL, 2004, p. 10).
Esta breve introdução serve para elucidar o fato de que a Lei 10.639 trata-se de um
dispositivo federal aprovado pelo presidente da república brasileira e que a mesma é de importância
primordial na luta contra o racismo na medida em que, ao abordar temáticas em relação à história
dos africanos e afro brasileiros, pode vir a contribuir para desconstruir visões de mundo e
estereótipos deturpados. Portanto, é de se esperar que tal lei seja de fato cumprida nas múltiplas
instituições vinculadas à educação brasileira; sejam elas as universidades, sejam elas as escolas
básicas.
No entanto, observa-se que há, nesses mesmos espaços citados anteriormente, a existência
de dificuldades para se aplicar esta lei de forma fidedigna e também de combate ao citado problema
que atinge a sociedade brasileira. De forma sucinta, consideramos, a partir das referências utilizadas,
que há duas questões em torno desses obstáculos.
Uma delas refere-se ao conteúdo presente nos livros didáticos, material este utilizado nas
salas de aula das inúmeras escolas presentes no território brasileiro; além disso, há outra questão
que julgamos pertinente no que tange aos embaraços envolvidos na aplicação das temáticas
propostas pela Lei 10.639: trata-se da dificuldade enfrentada pelos professores, no momento da
realização de suas respectivas graduações, de acesso aos conteúdos tangenciados pela já citada lei.
Desta forma, e partindo dessas duas proposições, o objetivo deste trabalho busca abordar
as dificuldades existentes na aplicação da Lei 10.639 como ferramenta para luta contra o racismo
nos âmbitos das instituições de ensino brasileiras. Para isso, faremos um recorte para uma unidade
escolar localizada no município de Campinas, estado de São Paulo, a partir da análise de um livro
didático disponibilizado na escola e também de um breve relato do professor responsável pela
disciplina de geografia no terceiro ano do ensino médio, que segundo o currículo do Estado de São
Paulo, elaborado em 2011, deve trabalhar as seguintes temáticas no 3º bimestre: “O continente
africano”, “África: sociedade em transformação”, “África e Europa” e “África e América”.
Além disso, este trabalho almeja contribuir para a discussão em torno das problemáticas
1Racismo aqui entendido enquanto algo cultural, “não mais do que um elemento de um conjunto mais vasto: a opressão sistematizada de um povo [...] Assiste-se à destruição dos valores culturais, das modalidades de existência.” (FANON, 2008, p. 37-38)
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envoltas na aplicação desta Lei federal de 2003 em uma unidade escolar e, a partir dos argumentos
elucidados, isto é, dos dois pressupostos discutidos, trazer as questões presentes nesta mesma
unidade de modo a somar aos argumentos já disponíveis em outros trabalhos para assim avançar-
se na aplicação da Lei 10.639 e do combate ao racismo em todo o país.
Posto isso, Santos (2011) nos traz que a lei 10.639,
“ (...) reposiciona o negro e as relações raciais na educação – transformando em denúncia e problematização o que é silenciado (como, p. ex., o racismo no cotidiano escolar), chamando a atenção para como conhecimentos aparentemente “neutros” contribuem para a reprodução de estereótipos e estigmas raciais e para o racismo. A 10.639 nos coloca o desafio de construir uma educação para a igualdade racial, uma formação humana que promova valores não racistas.” (SANTOS, 2011, p.4)
Ainda de acordo com Santos (2011) há diversas dimensões do ensino de geografia que
contribuem para as percepções em relação ao mundo e que conferem poder a indivíduos e grupos
nas mais variadas relações e interações. Nesse sentido, acredita-se que os livros didáticos servem
justamente como uma das ferramentas que corroboram para o citado entendimento do mundo.
Posto isso, podemos estabelecer a importância deste material didático - isto é, os livros -
no sentido de fornecer forte peso na cultura das escolas com uma autoridade indiscutível e
convincente para alunos, professores e o sistema escolar através de suas representações, mapas,
gravuras, desenhos, pinturas, fotografias e conceitos. Segundo Choppin (2002) citado por Ferracini
(2012)
os livros escolares assumem múltiplas funções, que podem ser ideológicas e culturais. Isso porque é um instrumento que exerce de maneira explícita e rígida diferentes formas e modelos na educação, seja no modelo formal das escolas, seja no modelo informal dos cursos a distância. (FERRACINI, 2012, p. 26)
Além disso, para o autor, “os livros escolares são documentos oficiais que influenciaram [e
ainda influenciam] a sociedade [e] que difundem a narrativa oficial do Estado a respeito de temas
determinados” (Ferracini, 2012, p. 29) - e nisto enquadra-se as temáticas entorno do continente
africano e de sua cultura, economia, organização política, cosmovisões e filosofia de seus povos.
Assim, é importante a análise destes materiais por considerar que estes, segundo Ferracini (2012,
p. 27), “criam valores e moldam diferentes visões de mundo”, ou, como afirma Silva (1999) o
currículo escolar expressa um campo de disputa acerca das definições do real. Sobre o currículo
escolar, Candau & Moreira (2007) afirmam que este
“representa, assim, um conjunto de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significados no espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais. O currículo é, por consequência, um
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dispositivo de grandes efeito no processo de construção da identidade do(a) estudante.” (CANDAU; MOREIRA, 2007, p. 28)
De modo a verificar como essas questões aqui levantadas até o momento estão presentes
nos livros didáticos, utilizaremos um exemplar selecionado por uma unidade escolar localizada em
Campinas para ser trabalhado nos terceiros anos do ensino médio. Trata-se do livro
“GEOGRAFIA: LEITURA E INTERAÇÃO” lançado pela editora Leya, em 2016.
Ao analisar o presente material didático, observa-se que há dois capítulos que abordam as
temáticas em torno dos conteúdos relacionados aos estudos sobre a África. Os referidos capítulos
são: Blocos econômicos da América Latina e da África (9) e Conflitos na África e na América (10).
O primeiro tem por objetivo, após expor que o continente é pobre e tem passado por
diversos conflitos, trazer aspectos econômicos do continente africano e de como o mesmo tem se
organizado para desenvolver suas relações econômicas e promover a integração continental de
quantos países for possível.
Já o segundo aborda conflitos que existem no continente africano, sobretudo motivados
por questões que envolvem o domínio por recursos naturais, mas também embates étnicos
motivados por disputas por regiões que se seguiram após os processos de independência.
Embora essas questões de fato existam no continente, abordá-las de modo especifico, sem
trazer também outras perspectivas sobre o mesmo continente, como por exemplo, o fato de ter
sido na África onde se desenvolveu inúmeras civilizações, como Kemet e Kush (DOVE, 2002), ou
que os africanos dominavam técnicas de navegação, astronomia, matemática em tempos
longínquos (NASCIMENTO, 2008) possibilita a criação de imaginários negativos sobre o
continente e, consequentemente, sobre seus povos.
Se o racismo se constitui também das formas como se deturpa determinadas culturas
(FANON, 2008) – enquadrando aqui as culturas dos povos africanos - os livros didáticos, enquanto
mecanismo utilizado nos processos de ensino, podem ter o poder de desconstruir essas visões de
mundo criadas. Nesse sentido, se o objetivo da lei 10.639 é combater o racismo através das
instituições escolares e tendo os livros didáticos como ferramenta, é preciso que se investigue como
esses materiais estão sendo elaborados e disseminados nas escolas.
Dito isso, há outras questões em torno do fato de que a partir da aplicação desta lei muitos
professores atuantes nas escolas não haviam tido ou mesmo atualmente não possuem - como é o
caso da Unicamp, por exemplo -, em sua grade curricular universitária, acesso a essas temáticas, o
que leva a uma certa dificuldade em se trabalhar, durante a docência nas unidades escolares, os
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conteúdos em torno dos povos africanos e afro diaspóricos.
Santos (2011) relata justamente isso em um artigo publicado. Segundo ele uma das
dificuldades relacionadas à aplicação da lei refere-se a um ambiente escolar composto
majoritariamente por atores que não foram preparados para construir uma educação anti-racista,
bem como materiais pedagógicos inadequados e portadores de aspectos que oferecem sustentação
à reprodução do racismo.” (SANTOS, 2011, p. 7, grifo nosso) Ademais, Oliveira (2015, p. 165)
afirma que outros obstáculos são “desconhecimento da lei, despreparo dos professores e
profissionais das escolas, má formação nas universidades, professores sobrecarregados com rotinas
de trabalhos intensas, preconceito, estereótipo, estigma e equívoco em material didático e práticas
de ensino”.
Consideramos importante trazer um breve relato do professor de geografia da escola. Ao
ser perguntado se havia tido alguma disciplina referente ao continente africano ou cultura africana
ou afro-brasileira durante sua graduação, o professor deu a seguinte resposta:
“não, na época em que fiz graduação, na metade da primeira década dos anos 2000, não tive nenhum contato com as temáticas. O material que abordo em sala de aula parte do que é disponibilizado nos documentos institucionais direcionados à escola. No entanto, creio que são muito superficiais.”
Outro ponto em torno da aplicação desta lei e que julga-se necessário aludir refere-se ao
tempo disponível para o docente abordar as temáticas em torno da Lei 10.639. O docente deve
abordar o conteúdo no terceiro bimestre do ano letivo, que ocorre entre os meses de agosto e
setembro, ou seja, o professor possui apenas dois meses distribuídos em duas aulas semanais - e
estas sendo as duas últimas aulas. Soma-se a essas questões, um outro ponto que se refere ao
cansaço apresentado pelos alunos, mas também entre os professores e que certamente influencia
na dificuldade de aprendizagem. Ele - professor - acaba tendo que fazer recortes sobre as devidas
temáticas, como, por exemplo, dar ênfase a questões relacionadas aos fatores físicos, geográficos,
climáticos, geomorfológicos do continente africano, ou da economia para assim encaixar dentro de
um determinado tempo bimestral, acarretando qualitativamente na abordagem disciplinar.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir dos argumentos levantados no corpo do texto, observa-se que há longos percalços
a percorrer no caminho para que o ensino de história africana e afro-brasileira possa ser aplicado
nas escolas brasileiras de forma qualificada. Em relação aos livros didáticos, a partira da leitura do
artigo de Santos (2011) percebe-se que a dificuldade para que se mude a perspectiva utilizada pelos
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mesmos esbarra em questões normativas, sobretudo. Ainda, há também o fato de que o professor
não possui autonomia necessária para criticar ou até mesmo não cumprir com a programação
disponíveis nesses mesmos materiais.
No que tange a formação docente para o ensino de história e cultura africana e afro
brasileira, as trilhas são também permeadas por muitos obstáculos. A questão não está vinculada
apenas ao fato de que o professor – no caso, de geografia – precisa ter uma formação mais
qualificada já na graduação, com disciplinas que abordem as temáticas sobre o continente africano.
A partir de Santos (2011) é possível constatar que somente isso não basta. Ora, o continente
africano, os africanos tanto residentes na África quanto na diáspora não podem ser explicados a
partir somente da geografia. É preciso também que a filosofia, sociologia, história, artes, etc
também tenham acesso a essa mesma qualificação docente durante o período da graduação sem se
esquecer também da importância do planejamento educacional de pensar na forma de estabelecer
um currículo que consiga fazer com que todas essas disciplinas dialoguem de forma harmônica,
deste modo potencializando e qualificando as temáticas em torno da lei 10.639.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enquanto um elemento criador de desigualdades e percepções perversas sobre as pessoas
africanas e afro brasileiras, o racismo precisa ser discutido e posteriormente combatido. Nesse
sentido, a lei 10.639 tem exatamente essa potencialidade: de tentar, através das instituições
educacionais, contribuir para a discussão em torno do racismo existente e também propor formas
de combatê-lo. Uma delas, acredita-se nesse trabalho, foi levantada: é necessário tentar olhar para
o continente africano para além de lócus que forneceu escravos e que tem em alguns países
situações de dificuldades socioeconômicas. É preciso um olhar mais amplo. É preciso mostrar toda
a complexidade, culturas, riquezas e contribuições que os povos do continente africano deram ao
longo dos tempos. A partir disso, acredita-se, é possível desconstruir estereótipos e percepções de
mundo criadas.
No entanto, para que isso ocorra é preciso organização sobretudo dos setores vinculados
às escalas de ações dos órgãos vinculados a elaboração de materiais didáticos e, não menos
importante, qualificação. São essas as conclusões tiradas ao se analisar as temáticas e as
circunstâncias presentes na aplicação da lei 10.639 em uma escola localizada em Campinas – SP.
Espera-se que esse trabalho tenha contribuído para as discussões presentes sobre a temática que o
envolve, mas também sobre aquelas que ainda estão por vir.
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REFERÊNCIAS
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FERRACINI, R. A. L. A África e suas representações no(s) livro(s) escolares de Geografia no Brasil - 1890 - 2003. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 229. 2012 FERRO, Marc. História das colonizações: das conquistas as independências, séculos XIII a XX. São Paulo. Cia. das Letras, 1996, 463 p. PEREIRA, A. O movimento negro brasileiro e a lei 10.639/03. Da criação aos desafios para a implementação. Revista Contemporânea de Educação, v. 12, p. 13-30, 2017 OLIVEIRA, D. A. Possibilidades de leitura do continente africano a partir do ensino de geografia: Uma avaliação preliminar dos impactos da lei 10.639/03. In: Formação de professores de geografia: diversidade, práticas e experiências. Org. BEZERRA, A. C. A.; LOPES, J. J. M.; FORTUNA, D. (2015) 1ª. ed. NITEROI: Editora da Universidade Federal Fluminense EDUFF, 2015. v. 500. 298p SANTOS, R. E. dos. A lei 10.639 e o ensino de geografia: construindo uma agenda de pesquisa-ação. Revista Tamoios. Ano VII. nº 1, 2011 - ISSN 1980-4490
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VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DO LIXÃO DE TRAIRI, CEARÁ
Carolaine dos Santos Barbosa (Universidade Estadual do Ceará - Polo UAB Itapipoca)
E-mail: carolainegeografia@gmail.com
Leidiane Priscilla de Paiva Batista (Universidade Federal do Ceará - Instituto de Ciências do Mar) E-mail: leidianepriscilla@gmail.com
Edson Oliveira de Paula (Universidade Federal do Ceará - Campus do Pici)
E-mail: edsonoliveirapx@gmail.com
RESUMO
A produção crescente de resíduos sólidos em grandes áreas urbanas, aliada a ausência de aterro sanitário e ao descarte inadequado, resulta em volumosos lixões expostos ao ar livre, gerando vários problemas socioambientais. Em decorrência da exclusão social e da pobreza, estes espaços são uma alternativa de geração de renda para milhares de pessoas através da atividade de catação de materiais recicláveis. Os catadores são expostos às condições de trabalho insalubres e precárias, evidenciando a vulnerabilidade socioambiental a que estão sujeitos. O presente artigo objetivou analisar as vulnerabilidades socioambientais vivenciadas pelos catadores de materiais recicláveis que atuam no lixão do município de Trairi, Ceará, Brasil. Para isso, realizou-se observação participante e entrevistas parcialmente estruturadas com estes catadores. No espaço do lixão trabalham aproximadamente vinte e cinco catadores de materiais recicláveis, entre homens e mulheres com idade entre 25 e 65 anos. Constatou-se que eles estão submetidos as condições de trabalho precárias, que incluem falta de itens, exposição a resíduos sólidos hospitalares, fumaças de queima de lixo, dentre outros. Logo, estão suscetíveis a riscos que podem reduzir a saúde física e mental. Entre as principais dificuldades enfrentadas pelos catadores, estão: falta de material adequado para trabalhar; a longa distância do local; os baixos preços a que são repassados os materiais recicláveis coletados; a forma como o lixo chega para catação, sem haver uma pré-seleção. Desta forma, notou-se a necessidade de uma organização dos mesmos em cooperativas, para que possam ser melhor amparados e buscarem, junto ao poder público, melhorias na qualidade de trabalho, assim como, de políticas públicas. Sugere-se a criação de um plano municipal de gerenciamento dos resíduos sólidos, que promova a fiscalização do descarte desses tipos de resíduos; a coleta seletiva do lixo; e que vise disponibilizar equipamentos de proteção individual e conscientizar os catadores sobre a importância de utilizá-los. Palavras-chave: Resíduos Sólidos Urbanos, Vulnerabilidade Socioambiental, Lixo urbano.
INTRODUÇÃO
A população planetária tem crescido exponencialmente, ultrapassando a quantidade de 7
bilhões de indivíduos, distribuídos por toda parte da Terra, um crescimento exagerado de 2 bilhões
de pessoas nos últimos 25 anos (IBGE, 2010). As áreas urbanas recebem uma maior quantidade
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de pessoas, resultando no uso elevado de serviços ecossistêmicos, cuja produção e consumo de
bens gera resíduos para o ambiente.
O crescimento populacional, o consumo elevado e o descarte inapropriado de resíduos
sólidos poderão causar graves problemas ambientais, sociais e sanitários, principalmente em
grandes áreas urbanas. Assim, há a produção crescente de resíduos sólidos, de modo que, por conta
do descarte inadequado e da ausência de aterro sanitário em algumas cidades ficam expostos ao ar
livre, gerando vários problemas socioambientais. Mesmo após a publicação da Lei 12.305/2010 e
a obrigatoriedade dos municípios encerrarem as atividades nos Lixões até 2014, essa prática ainda
é comum no Brasil, consistindo no depósito de resíduos sob o solo, sem qualquer tipo de
tratamento (PEREIRA, 2013).
Aliadas à exclusão social e a pobreza essa crescente geração de resíduos surge como uma
alternativa de renda para milhares de pessoas através da atividade de catação de materiais recicláveis
existentes nas ruas e nos depósitos de lixo ao ar livre, os “lixões”. Estes trabalhadores informais
têm que coletar um número considerável de materiais por dia em busca da subsistência de suas
famílias.
Segundo LISBOA (2013), são em torno de 400 mil catadores de resíduos sólidos em todo
o Brasil. Se somados os membros das famílias, chegam a 1,4 milhão de brasileiros sobrevivendo
dessa atividade. As condições de trabalho são insalubres e precárias, demonstrando a
vulnerabilidade socioambiental a qual estão expostos e a falta de políticas públicas inclusivas que
melhorem a qualidade de vida (BOSI, 2008). Diante do exposto, o presente artigo visou analisar as
vulnerabilidades socioambientais e as condições de trabalho a que estão sujeitos os catadores de
materiais recicláveis que atuam no lixão do município de Trairi, Ceará, litoral nordestino brasileiro.
O município de Trairi está situado no litoral oeste do estado do Ceará, Brasil. Possui, de
acordo com o Censo Demográfico de 2010, em torno de 51.422 habitantes e uma unidade territorial
com extensão de 924,56 km². Trairi se divide política e administrativamente em sete distritos: Sede,
Mundaú, Canaã, Córrego Fundo, Flecheiras, Gualdrapas e Munguba. Limita-se ao norte com o
Oceano Atlântico; ao leste com o município de Itapipoca; ao sul, com as cidades de Tururú, Umirim
e São Luís do Curú; ao oeste com os municípios de São Gonçalo do Amarante e Itapipoca.
As principais atividades econômicas do município são o comércio, a prestação de serviços,
a agropecuária, a pesca e a extração mineral. Há ocorrência, na região, de depósitos de diatomita e
argila, utilizadas para fabricação artesanal de tijolos e telhas, e como matéria-prima para a confecção
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de elementos filtrantes e isolantes. Na produção extrativa destacam-se, ainda, a castanha de caju e
as algas marinhas (PDPT, 2009).
O lixão municipal de Trairi começou a se formar na década de 70, quando o lixo
produzido pelos moradores e estabelecimentos da cidade era jogado num terreno da Prefeitura
Municipal de Trairi, que ficava ao longo da rodovia CE 163. O lixo era jogado em valas que haviam
sido deixadas após a construção da rodovia de acesso à cidade. Com o aumento da demanda de
lixo, foi necessário encontrar outro espaço que fosse mais afastado, para que o odor não
prejudicasse as atividades turísticas.
Há cerca de trinta anos, o lixão da cidade passou a ser localizado, no bairro periférico Alto
São Francisco, a 2 km da sede municipal. Ocupa uma área de 86.328.10 m² e recebe o lixo dos sete
distritos do município. O lixão fica próximo à Escola Estadual de Educação Profissional José
Ribeiro Damasceno, ao Complexo Penitenciário do Município de Trairi e a um residencial do
Projeto Minha casa, minha vida, do Governo Federal, que abriga cerca de trezentas famílias, em
sua maioria, em situação de vulnerabilidade social.
METODOLOGIA
Inicialmente, realizou-se levantamento documental e entrevista com funcionários da
Secretaria de Meio Ambiente e Turismo do município de Trairi, por meio das quais buscou-se
coletar informações sobre a gestão dos resíduos sólidos na cidade.
Na pesquisa de campo, foram feitas oito visitas ao lixão de Trairi, nas quais buscou-se
estabelecer uma relação de convivência com os catadores e compreender as dinâmicas sociais do
lixão, seu funcionamento e regras estabelecidas. Para isso, realizou-se observação participante e
entrevistas parcialmente estruturadas, com tópicos fixos e tópicos redefinidos ao longo da aplicação
do questionário, com o intuito de canalizar o diálogo para o objeto pesquisado (ALBUQUERQUE;
LUCENA; ALENCAR, 2010, 2002).
As entrevistas foram realizadas sempre no turno da manhã, horário no qual há fluxo
elevado de caminhões descarregando lixo, consequentemente é quando há maior número de
catadores. Entrevistou-se dez catadores, dentro de um universo amostral de vinte e cinco pessoas.
A seleção foi aleatória, utilizando-se como único critério a disponibilidade do trabalhador em
participar da pesquisa. Os entrevistados foram para provenientes de várias localidades do entorno
do lixão: residencial Nossa Senhora do Livramento, Alto são Francisco, Campo de Aviação,
Córrego São Gonçalo e Muribeca.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
No espaço do lixão trabalham aproximadamente vinte e cinco catadores de materiais
recicláveis, entre homens e mulheres. Os catadores possuem entre 25 e 65 anos e veem nessa
atividade a única opção de sustento de suas famílias, expressando, em suas falas, sentimentos de
desamparo e fracasso. Há ainda a presença de jovens, muito raramente, que fazem o trabalho de
forma temporária. Nas visitas realizadas, não foi notada a presença de crianças trabalhando no
lixão. Percebeu-se, ainda, a presença de idosos nessa atividade, embora a quantidade de indivíduos
dessa faixa etária tenha sido menos representativa.
Os catadores não estão vinculados a nenhuma entidade, cooperativa, associação
comunitária ou sindicato e não possuem infraestrutura e local para separar, tratar e armazenar os
resíduos sólidos coletados no lixão. Isto expõe a vulnerabilidade e desvalorização do trabalho destas
pessoas e a negligência que as autoridades competentes do município de Trairi lidam com a
problemática.
Os trabalhadores realizam a triagem e o armazenamento dentro de barracas improvisadas
com sacos plásticos, papelão e pedaços de madeira em áreas localizadas dentro do lixão.
Evidenciando a precariedade do serviço e a dificuldade em realização do mesmo, agravados pelo
calor e mau cheiro intensos.
O trabalho dos catadores é diário e exaustivo. Cada caminhão que chega traz uma série
de resíduos, entre eles restos de animais mortos, resíduos sanitários, resto de alimentos,
embalagens, objetos perfurocortantes, dentre outros. Estes materiais são vasculhados pelos
catadores em busca de algo que sirva para ser reciclado. Estes, após serem selecionados, são
separados, conforme sua composição. Os materiais selecionados são: papelão, latas de metal,
papéis, vidros e plásticos. Os catadores armazenam esses materiais de forma improvisada,
vendendo-os, posteriormente, para uma empresa.
É muito comum que, entre os resíduos sólidos urbanos no lixão de Trairi, se encontre os
Resíduos Sólidos de Saúde (R.R.S.). De acordo com os catadores entrevistados, o Hospital
Municipal de Trairi e os Postos Municipais de Saúde da Família descartam o lixo hospitalar neste
local, porém, essa informação não foi confirmada oficialmente. Os R.R.S. descartados sem controle
representam uma ameaça em potencial para a saúde pública, principalmente dos catadores que se
submetem á horas exaustivas de trabalho em meio a esses materiais. Esses resíduos são
considerados altamente perigosos, segundo a classificação da normativa NBR 10004. Conforme a
resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente n.º 358/2005 e Resolução da Diretoria
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Colegiada n.º 306/2004, devem ser acondicionados em recipientes especiais, destinados e dispostos
adequadamente.
Para a prevenção de doenças, seria ideal que todos os catadores usassem luvas na proteção
a objetos perfurocortantes e/ou contaminados. Contudo, durante a catação dos resíduos sólidos
apenas 37% dos catadores afirmaram utilizar luvas. Os demais, 63%, não utilizam nenhum outro
tipo de proteção para mãos (Fig. 1). Este achado corrobora com estudo realizados com catadores
das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, no qual concluiu-se que são comuns a não utilização
de equipamentos de proteção individual na rotina de catadores de materiais recicláveis e que isto
pedira evitar acidentes de trabalhos comuns entre eles (CASTILHOS JUNIOR et al, 2013).
Figura 1: Percentual do uso de luvas pelos catadores do lixão de Trairi, CE
Elaboração: Os autores (2019).
A falta de equipamento de proteção ocorre por diversos motivos, dentre eles, a falta de
informações e orientação no trabalho e a baixa renda. A falta de uso de equipamentos de proteção
individual pelos trabalhadores, durante a coleta, a triagem, armazenamento e venda dos resíduos
sólidos, contribui para a incidência de problemas de saúde nesses profissionais pela maior
possibilidade de exposição a acidentes, animais peçonhentos e agentes infectocontagiosos
(CAVALCANTE; SILVA; LIMA, 2016). Todos os resíduos sólidos quando descartados em local
ao ar livre acarretam sérios problemas para o meio ambiente, prejudicando a saúde humana
(PEREIRA; MELO, 2008).
Em relação à saúde dos trabalhadores, quando perguntados se já adquiriram alguma a
durante o exercício do trabalho, 57% afirmaram que sim e 43% disseram que não. Os riscos à saúde
dos catadores podem ser químicos, biológicos (pelo contato dos trabalhadores com uma elevada
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diversidade de microrganismos patogênicos residentes no lixo) e físicos (SANTOS; SILVA, 2009).
Estes podem se agravar conforme a quantidade de anos que o indivíduo passa exercendo a mesma
atividade e exposto aos mesmos elementos.
Quando perguntados sobre os tipos de enfermidades adquiridas, o maior percentual foi o
de verminose, seguido por doenças de pele e respiratórias. Abaixo, apresentam-se os tipos de
enfermidades adquiridas pelos catadores.
Quadro 1: Percentual dos tipos de doenças que ocorrem entre os catadores do lixão de Trairi,
CE
Tipos de doenças Percentual de catadores
Pele 16%
Verminose 23%
Respiratória 11%
Elaboração: Os autores (2019).
Muitas vezes os catadores precisam disputar espaço com a grande quantidade de urubus
que frequenta o lixão. A presença dessas aves é constante, uma vez que são atraídos pelo odor e se
alimentam de carne putrefata de outros animais. Os lixões possuem um alto índice de poluição,
por não haver restrição do que é descartado, portanto, é altamente contaminado. Além dos urubus,
o lixão atrai toda sorte de insetos e roedores que podem transmitir doenças.
As queimadas no lixão do Trairi, segundo os entrevistados, são constantes. Eles reclamam
da grande quantidade fumaça e do odor forte. Inclusive, alguns alegaram problemas respiratórios
ocasionados pela inalação de grande quantidade de fumaça.
Além de problemas de saúde, os catadores foram perguntados sobre outras dificuldades
enfrentadas no lixão. As respostas foram variadas: falta de equipamentos adequados para trabalhar;
a longa distância do local; os baixos preços a que são repassados os materiais coletados; a forma
como o material chega misturada para catação, uma vez que não há coleta seletiva no município.
Apesar das condições precárias e insalubres e dos riscos a que estão submetidos, 66% dos
catadores gostam de trabalhar no lixão. Segundo eles, esta foi a única opção vislumbrada para
obtenção de renda e eles não se sentem inseridos na sociedade. Demonstraram, em suas falas,
afeição pelo lixão, por este ser a fonte de sustento para eles e suas famílias.
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Independente de gostarem ou não do trabalho no lixão, as mulheres expressaram evidente
preocupação com o futuro de seus filhos. Em suas falas, apresentaram uma preocupação maior,
quando comparadas as falas dos homens, em trilhar um caminho diferente, em que o lixão não faça
parte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os catadores de materiais recicláveis do município de Trairi, Ceará, estão submetidos as
condições de trabalho precárias, que incluem falta de itens de proteção individual, exposição a
resíduos sólidos hospitalares, fumaças de queima de lixo, dentre outros. Logo, estão em situação
de vulnerabilidade socioambiental, tornando-os suscetíveis a riscos que podem reduzir a saúde
física e mental.
Entre as principais dificuldades enfrentadas pelos catadores, estão: falta de material
adequado para trabalhar; a longa distância do local; os baixos preços a que são repassados os
materiais recicláveis coletados; a forma como o lixo chega para catação, pois não há uma pré-
seleção. Desta forma, notou-se a necessidade de uma organização dos mesmos em cooperativas,
para que possam ser melhor amparados e buscarem, junto ao poder público, melhorias na qualidade
de trabalho.
Uma vez que se observou a presença de R.R.S. descartados sem controle no lixão de
Trairi, destaca-se o perigo em potencial que estes representam para a saúde pública, principalmente
para os catadores, que se submetem a horas exaustivas de trabalho em meio a esses materiais.
Destaca-se a relevância desses trabalhadores terem acesso a equipamentos de proteção individual,
como luvas de proteção, botas e protetores auriculares e conscientizar os catadores sobre a
importância de utilizá-los
Diante do exposto, a falta de assistência que os catadores de materiais recicláveis recebem
no poder público municipal agrava a vulnerabilidade a que eles estão submetidos. Assim, aponta-
se a necessidade de um plano de gestão para resíduos sólidos no município de Trairi, que inclua a
coleta seletiva do lixo, a criação de uma cooperativa e o bem-estar dos catadores.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de; LUCENA, Reinaldo Farias Paiva de; ALENCAR, Nelson Leal. Métodos e técnicas para coleta de dados etnobiológicos. In: ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de; LUCENA, Reinaldo Farias Paiva de; CUNHA, Luiz Vital Fernandes Cruz da.
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NOVA IGUAÇU É VERDE? A REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO RURAL E DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA CIDADE
Gabriel Barbosa Gomes de Oliveira Filho (Universidade Estadual do Rio de Janeiro - Campus
Francisco Negrão de Lima) E-mail: gabrielbarbosa@id.uff.br
RESUMO
A interação e complementaridade entre os espaços urbano e rural do município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, são analisadas com base na dimensão social do patrimônio natural da cidade. Considerando a relevância do conhecimento geográfico e da utilização de mapas em seu ensino para a consciência do espaço rural e das áreas de proteção ambiental da cidade, realizou-se um levantamento de dados da área do município destinada ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). A fim de ilustrar a sobreposição de unidades de conservação no território iguaçuano, expondo a proporção que ocupa e localizando geograficamente em relação ao espaço urbano. A importância disto reside em aplicar o conhecimento geográfico articulando sua dimensão teórica com a empiria, situando conceitos como espaço e lugar na parte do mundo mais próxima do estudante, leitor ou cidadão iguaçuano: o seu próprio lugar. O resultado do trabalho permite concluir que 70% do território iguaçuano é composto de unidades de conservação (UCs) federais, estaduais e municipais. E que essas áreas protegidas envolvem as áreas rurais destinadas à produção agrícola, despontando ali a presença do agroturismo. Palavras-chave: Espaço Rural, Unidades de Conservação, Nova Iguaçu.
INTRODUÇÃO
A paisagem cada vez mais urbana de Nova Iguaçu, na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, com altos prédios que fecham a vista de suas montanhas, contrasta com a importância de
seus marcos naturais e da sua produção agrícola em sua história. Tais quais o Rio Iguaçu, por onde
se escoava a produção para a Guanabara; e a Serra do Mar, por onde passava a Estrada Real do
Comércio. Ambos simbolizados no brasão da cidade e, agora, com cada vez mais proteção da
legislação ambiental.
Embora não seja lembrada por seu patrimônio ambiental, o município de Nova Iguaçu tem
aproximadamente 70% de seu território transformados em unidades de conservação (UCs). Os
tempos de “Capital da laranja” ficaram para trás e, atualmente, o território iguaçuano abriga uma
reserva biológica federal e uma reserva particular, um parque municipal e um estadual, além de dez
áreas de proteção ambiental municipal e mais três estaduais.
O presente trabalho busca responder o questionamento aludido no título sobre a falta de
conhecimento e interação dos cidadãos iguaçuanos quanto ao espaço rural e ao patrimônio
ambiental da cidade e da Região da Baixada Fluminense em geral. Analisando a relação entre o
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espaço rural e o espaço urbano iguaçuano, as áreas de proteção ambiental, a localização da
produção agrícola remanescente e o agroturismo.
Para isto, vai levantar dados para uma representação da área do município destinada ao
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), instituído pela Lei n.º 9.985,
de 18 de julho de 2000. De forma subsidiária, contrastar isto com um panorama da situação em
que se encontram, a partir de seus planos de manejo, conselho gestor, sede e divulgação.
Finalmente, pretende-se ilustrar a sobreposição de unidades de conservação no território
iguaçuano, expondo a proporção que ocupa.
O trabalho justifica-se pelo pouco material disponível para o ensino e pesquisa sobre essas
áreas, e a falta de uma listagem atualizada dessas Unidades de Conservação. O propósito também
abarca a promoção e conscientizar de estudantes e da população em geral sobre a importância
dessas áreas, e produção de dados que instrumentalizem processos de educação ambiental na
Baixada Fluminense.
METODOLOGIA
O presente trabalho é uma análise da interação e complementaridade entre os espaços
urbano e rural, a partir do estudo de caso do município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense,
focado na dimensão social de seu patrimônio natural. Considerando, aqui, a relevância do ensino
da Geografia e da utilização de mapas para consciência do espaço rural e do patrimônio ambiental
da cidade.
Trata-se de uma disciplina complexa e multifacetada, mas antes de tudo, uma disciplina
ancorada na realidade empírica, no mundo. Em decorrência disto, seu estudo deve sempre articular
os conhecimentos teóricos (como os passados em sala de aula e nos livros), com o mundo empírico.
Como por exemplo, utilizando instrumentos didáticos que representem a parte do mundo mais
próxima do estudante: o seu próprio lugar.
Parte da noção de espaço, o lugar é essencial para o pensamento geográfico, visto que é ali
que as sociedades ocupam, habitam e estabelecem laços afetivos e relações de sobrevivência.
(ARCHELA, GRATÃO e TROSTDORF, 2004, p. 129). Como teoria e prática são indissociáveis,
a representação é uma forma de incorporar elementos do mundo em que o saber geográfico se
manifesta. É uma forma de conhecer o espaço, constituindo-se importante metodologia à prática
educativa geográfica:
Na história das civilizações constata-se a necessidade humana de conhecer o espaço e, consequentemente, apreender informações sobre o mesmo, atribuindo-lhe valores.
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Outrossim, também se tornou um imperativo a comunicação entre os homens, por meio de símbolos. Desse modo, a representação é concebida enquanto uma construção histórico-social, que apreende características de tempo/espaço e representa aquilo que adquire importância espacial e simbólica. Como forma de linguagem imbuída de signos e valores, a representação afigurasse um instrumento de comunicação e uma ferramenta metodológica eficiente no que se refere às práticas educativas” (DIAS, LIMA e MORAIS, p. 02).
Uma das representações mais comuns de se utilizar é o atlas municipal, um documento que
carrega uma profunda reflexão geográfica e epistemológica por detrás (vide CARREIRO, 2003; ou
ALMEIDA, 2003). Alguns dados, entretanto, não são encontrados no Atlas da cidade ou estão
desatualizados em relação às novas legislações. É o caso, por exemplo, do direito ambiental e a
representação das unidades de conservação na cidade de Nova Iguaçu. Reforçando a ideia de uma
cidade completamente relacionada ao urbano no imaginário da população.
A elaboração da representação proposta aqui para a relação entre espaço rural e urbano da
cidade de Nova Iguaçu está fundamentada instrumentalmente nos levantamentos de dados - a
legislação afim e do conteúdo didático disponível, como atlas e portais da cidade na internet – e
materialmente no software Google Earth para a produção dos mapas. A reflexão crítica sobre esta
representação é parte do acúmulo epistemológico que constrói um conhecimento emancipador
para o conhecimento geográfico. Ou seja, a representação não só auxilia no estudo: quando
refletida criticamente auxilia, desde a prática, a rever velhos paradigmas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O território de Nova Iguaçu, com 520,807 quilômetros quadrados, tem suas áreas naturais
tombadas pelo Estado, uma vez que conformam Sistema Orográfico Serra do Mar/Mata Atlântica
junto a outros 37 municípios no Estado do Rio de Janeiro, além de suas UCs integrarem os
mosaicos Carioca e Central Fluminense. Além das Áreas de Proteção Permanente (APPs) – como
aquelas ao longo dos córregos, nascentes e demais cursos d´água - instituídas pelo Código Florestal
(Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), que ficaram de fora da presente análise.
As legislações - municipal, estadual e federal - permitiram concluir que a cidade possui UC
das três esferas, tanto de proteção integral quanto de uso sustentável, conforme tabela abaixo. São
elas: a Rebio de Tinguá e a RPPN Sítio Paiquerê (ambas federais); as APAs estaduais de Gericinó-
Mendanha, do Rio Guandu e do Alto Iguaçu; o Parque Estadual do Mendanha; o Parque Municipal
de Nova Iguaçu (Parque do Vulcão); e as APAs municipais de Morro Agudo, Guandu-Açu,
Tinguazinho, Rio D’Ouro, Tinguá, Jaceruba, Retiro e da Posse/Guarita. Além de previsão de
outras duas municipais: APA Parque Municipal das Paineiras e APA Maxambomba.
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São sobrepostas as áreas da APA Estadual do Alto Iguaçu sobre a APA Tinguá (e esta,
sobre a RPPN S. Paiquerê) e parte da APA Retiro. Além da APA Estadual do Rio Guandu se
sobrepor à parte da APA Guandu-Açu. A APA Estadual Gericinó/Mendanha se sobrepõe a toda
a área do Parque Estadual do Mendanha e do Parque Municipal de Nova Iguaçu. Ressalta-se que
isto não cria conflito, na verdade é possível gerir de forma integrada o patrimônio ambiental.
Tabela 1: UCs Federais, Estaduais e Municipais de Nova Iguaçu e sua previsão legal
Elaboração: O autor (2020).
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Figura 1: Sobreposição de UCs em N.I. Elaboração própria através do Google Earth. Legenda:
Verde = Federal; Azul = Estadual; Marrom = Municipal
Elaboração: O autor (2020).
Colocando, sob o mapa de Nova Iguaçu, as áreas das UCs da União, do Governo Estadual
e do Município, com seus nomes, temos o seguinte resultado final:
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Figura 2: UCs em Nova Iguaçu. Elaboração própria através do Google Earth. Legenda: Verde =
Federal; Azul = Estadual; Marrom = Municipal
Elaboração: O autor (2020).
Ao elaborar a inédita representação acima, uma questão surge imediatamente: como pode
a cidade ser imaginada como extremamente urbana, quando grande parte de seu território é
protegido por complexa rede de sobrepostas de Unidades de Conservação das mais diversas esferas
(federais, estaduais e municipais) e grau de restrição. Através de uma análise da legislação ambiental,
foi possível estabelecer aproximadamente o total de hectares destinados à proteção ambiental no
município de Nova Iguaçu, descontadas as sobreposições. Conforme tabela abaixo:
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Tabela 2: UCs e seu tamanho
Elaboração: O autor (2020).
A conta da proporção realmente impressiona, vez que a parcela do território destinado para
UCs é imensa, chegando a aproximadamente 70%. O contraste destes dados com a realidade
vivenciada no município, suscita questionamentos sobre a efetividade da legislação ambiental e do
SNUC.
Neste sentido, foram levantados quatro critérios sobre cada uma dessas UCs com objetivo
de refletir se a legislação implica necessariamente na concretização de sua previsão, no sentido de
desvendar se na prática a larga proteção ambiental prevista na legislação brasileira e em sua
Constituição se traduz em realidade: a situação delas a partir dos Planos de Manejo, Comitê Gestor,
Sede e Site online.
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Tabela 3: UCs analisadas a partir de 4 critérios.
Elaboração: O autor (2020).
O levantamento de dados e a representação apresentada neste trabalho permite algumas
conclusões. Em primeiro lugar, impressiona a quantidade de 70% do território iguaçuano estar
destinado à proteção ambiental, em consonância com o SNUC (como APAs, Parques e Rebio). O
mapa de sobreposições mostra a profusão de legislações protetivas ao meio ambiente, ao mesmo
tempo que levanta o questionamento de sua efetividade. Neste sentido, foi possível observar que
as UCs federais e estaduais, como um todo, estão em estágio de funcionamento mais avançado que
as UCs municipais. E que muitas UCs ainda parecem estar no papel.
Estes dados revelam, ainda, uma peculiaridade do espaço rural da cidade de Nova Iguaçu:
ela está envolta ou inserida em áreas de proteção ambiental de uma das cidades com maiores
números de habitantes da região metropolitana do Rio de Janeiro. A relação dessas áreas de
proteção com a área rural se intensifica na medida em que as áreas de produção agropecuária da
cidade concentram-se no entorno das áreas de proteção ambiental: Tinguá, APA Gericinó-
Mendanha e Rio Guandu. Neste sentido, a consolidação das áreas rurais impede que o processo de
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urbanização alcance os limites das áreas de preservação, funcionando como um cinturão de
proteção e amortecimento (CMNI/EMATER, 2010, p.08).
A produção agrícola remanescente tem sua principal expressão na cultura do aipim,
concentrada na região de Tinguá, envolta por expressivas áreas de proteção. O impacto positivo
da agricultura familiar agricultura urbana e periurbana na cidade é relatada por pesquisadores que
foram à campo. Como a Viviane Lança (2013 , p. 133), que constatou funcionar como alternativa
de não degradação ambiental, promovendo melhoria na qualidade de vida dos que a praticam e
moram em seu entorno, mesmo em região tão densamente povoada, na segurança alimentar,
proteção da biodiversidade, saúde da população urbana e resguardo dos saberes tradicionais de
agricultores.
Figura 3: Mapa da Produção agrícola da cidade de Nova Iguaçu em 2010
Fonte: CMNI/EMATER, 2010, p.07
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Por conta desta relação, o espaço rural da cidade tem sua importância exponencializada
através do agroturismo. Que se desenvolve a partir das fazendas e sítios voltados ao turismo local
com piscinas e áreas de recreação nos rios, e o evento rural mais famoso da cidade: a Festa do
Aipim de Tinguá. Especialmente pela existência do distrito rural histórico de Iguaçu Velha, onde
encontra-se um patrimônio arquitetônico, cultural e histórico valiosíssimos, registros da ocupação
da região desde o século 18 (a Freguesia tornou-se a Villa de Iguassú, em 15 de janeiro de 1833, e
durou até sua transição para outra localidade na beira da Estrada de Ferro D. Pedro II em 1891:
sede do atual município de Nova Iguaçu, nome que ostenta desde 1916). Esta região é uma área
atualmente protegida como APA (do Alto Iguaçu) e cercada pela Rebio de Tinguá, contando com
resquícios importantes da vida dos antigos moradores da região, como uma ruína de Fazenda
antiga, senzala, cemitério, portos no Rio Iguaçu (hoje secos), escadaria e torre sineira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma abordagem positivista do direito ambiental e da legislação afim pode acabar por
atrapalhar a análise das complexas relações e interações que se dão no espaço rural e nas áreas
protegidas, especialmente os conflitos socioambientais em áreas de unidades de conservação. Uma
análise empírica da temática, com aprofundamento posterior desta pesquisa, inclusive por meio de
ferramentas modernas de geoprocessamento, pode resultar na superação de paradigmas antigos na
apreensão da legislação ambiental, contribuindo para o olhar geográfico em áreas de proteção.
Uma necessidade observada nesta análise é que a Prefeitura e a Câmara Municipal da cidade
publiquem em seu site as UCs do território iguaçuanos, a exemplo de outras prefeituras próximas
(por exemplo, a de Petrópolis no site
<http://www.petropolis.rj.gov.br/sma/index.php/protecao-e-conservacao/unidades-de-
conservacao.htm>). É possível também envolver mais a sociedade com as áreas de proteção, em
primeiro lugar conscientizando de sua existência: são exemplos de atividades com essa finalidade
o concurso para criação de logos das APAs que ainda não possuem, a publicação de Atlas das UCs
do Município (a exemplo da prefeitura de Niterói).
Como forma de consolidar sua existência, é preciso que todas as UCs possuam Plano de
Manejo, Comitê Gestor, Sede e um site online com informações que promovam sua
sustentabilidade como projeto à longo prazo. A Rebio Tinguá é a única UC em Nova Iguaçu que
possui Plano de Manejo e um Conselho de Gestão atuante no sentido dos 4 critérios propostos, o
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que pode evidenciar a fragilidade das demais UCs no processo de conservação dos recursos naturais
do município.
Observa-se que a proteção na lei não equivale a dizer que na prática a realidade reflete essa
proteção, mas resta necessário novas pesquisas empíricas de modo a revelar como tem se dado a
implementação dessas UCs e o motivo de serem criadas no papel sem motivação política de
implementá-las fora dele. Por exemplo, uma pesquisa na Câmara de Vereadores a fim de entender
o surgimento de previsões do Plano Diretor para a criação da APA do Parque Municipal das
Paineiras e da APA Maxambomba, e o motivo de não ter ocorrido mais nenhum ato para sua
criação.
O espaço rural da cidade Nova Iguaçu, com seus sítios pequenos e suas áreas protegidas,
através de um olhar mais atento permite desvelar símbolos, espaços e histórias essenciais para a
cidade; e que, longe dali, seus moradores majoritariamente reunidos no centro urbano parecem
desconhecer. Ou, mesmo os turistas eventuais, visitam apenas como algum lugar para uma
“esticada”, viagem ou passeio, visto que do centro da cidade até o distrito pode demorar uma hora
em carro. Faltando aos moradores da parte urbana da cidade tomarem ciência ou maior consciência
da importância deste imenso patrimônio ambiental e da agricultura familiar urbana e periurbana na
zona rural iguaçuana.
Espera-se que a representação das UCs propostas, auxilie à compreensão do espaço rural
iguaçuano e de todo o patrimônio ambiental que existe na cidade, especialmente as áreas já
protegidas como unidades de conservação, e a importância de acompanhar a gestão e iniciativas do
ICMBio, do INEA e da SEMADETUR sobre as UCs do município.
REFERÊNCIAS
ARCHELA, Rosely Sampaio; GRATÃO, Lucia Helena B.; TROSTDORF, Maria AS. O lugar dos mapas mentais na representação do lugar. GEOGRAFIA (Londrina), v. 13, n. 1, p. 127-142, 2004. ALMEIDA, Rosângela Doin de. Atlas municipais elaborados por professores: a experiência conjunta de Limeira, Rio Claro e Ipeúna. Cadernos Cedes, p. 149-168, 2003. CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇU. Agropecuária e área rural em Nova Iguaçu. CMNI/EMATER-Rio, Nova Iguaçu, 2010. Disponível em: www.cmni.rj.gov.br/noticias/producao_agropecuaria_nova_iguacu.pdf. Acesso em 31/08/2020. CARREIRO, Maria Silvia Almeida. Um olhar geográfico sobre a construção do Atlas Municipal e Escolar de Rio Claro. Centro de Estudos Educação e Sociedade, 2003.
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DIAS, Angélica Mara de Lima; LIMA, Jeyson Ferreira Silva de; MORAIS, Ione Rodrigues Diniz. Ensino de Geografia: Linguagem, Representação e Símbolos. IV Fórum Internacional de Pedagogia, Parnaíba: 2012. LANÇA, Viviane Soares. Desafios para políticas de apoio à agricultura familiar em área periurbana: O caso da cooperativa Univerde - Nova Iguaçu/RJ. Dissertação (Mestrado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. NOVA IGUAÇU. Lei n. 4.092 de 28 de junho de 2011. Institui o plano diretor participativo e o sistema de gestão integrada e participativa da cidade de Nova Iguaçu, nos termos do artigo 182 da Constituição Federal, do capítulo III da lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade e do art. 14, § 3º da lei orgânica da cidade de Nova Iguaçu. PREFEITURA DE NOVA IGUAÇU. Atlas Escolar da Cidade de Nova Iguaçu. Secretaria Municipal de Educação e Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente da Prefeitura de Nova Iguaçu. Nova Iguaçu. 2004. Disponível em: http://www.novaiguacu.rj.gov.br/arquivos/atlasescolar.pdf. Acesso em: 09 setembro. 2020
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RESUMOS EXPANDIDOS
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A UTILIZAÇÃO DE JOGOS DE TABULEIRO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA NO
COLÉGIO ESTADUAL PADRE JOÃO WISLINSKI, CURITIBA/PR
Debora Cristina Lopes (SEED/PR)
E-mail: declcoxa@gmail.com
INTRODUÇÃO
Ensinar é um ato complexo que exige do professor se reinventar na busca de novas
estratégias de ensino, com o objetivo de atingir todos os alunos, possibilitando sua participação
ativa.
Lima e Vlach (2002) ressaltam a importância da utilização de novas metodologias de ensino,
que venham ao encontro das necessidades concretas dos alunos, para que se possa produzir saberes
autênticos.
A utilização de jogos no ensino é uma importante ferramenta para a diversificação dos
recursos didáticos, pois possibilita uma aproximação dos estudantes com o conteúdo trabalhado,
favorecendo a ludicidade, socialização e trabalho em equipe.
Neste sentido Medeiros, Patrício e Santos (2018, p. 03) apontam que: "O aluno, antes visto
como sujeito passivo que apenas ouve as aulas sem participação alguma, passa agora a agir e a
participar das aulas de forma mais interativa, brincando”.
No ensino de Geografia, a utilização de jogos é uma das formas de ensinar os conteúdos
de maneira crítica, significativa e interativa aos educandos. Silva e Muniz (2012, p. 65) destacam
que “os jogos representam uma ferramenta instigante para o ensino da Geografia, pois têm um
caráter desafiador, permitem desenvolver a capacidade ativa de raciocínio e trabalhar a vontade de
autossuperação”.
Neste contexto, o objetivo deste trabalho refere-se à elaboração e aplicação de um jogo de
tabuleiro com a temática "Conflitos do século XX", com quatro turmas do oitavo ano (8ºA, 8ºB,
8ºC e 8ºD) do Colégio Estadual Padre João Wislinski, localizado no bairro Santa Cândida, no
Município de Curitiba/PR.
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METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DO JOGO DE TABULEIRO
Um dos conteúdos programáticos trabalhados em Geografia no oitavo ano do Ensino
Fundamental, refere-se à Guerra Fria. Porém, por vezes, os alunos encontram dificuldades em
entender as motivações de tal conflito, visto que os conteúdos referentes às Grandes Guerras só
serão trabalhados no nono ano, na disciplina de História.
Assim, foram trabalhados os fatos que levaram à Guerra Fria, utilizando, para isso, aula
expositivo-dialogada e recursos audiovisuais. Desta forma, buscou-se apresentar o conteúdo
proposto e provocar reflexão sobre as consequências da Guerra Fria no contexto mundial.
Posteriormente foi proposto aos alunos a elaboração de um jogo de tabuleiro cuja temática
envolvesse os Conflitos Mundiais do século XX.
Os materiais utilizados para elaboração do jogo e sua execução foram: cartolina, canetinhas
coloridas, lápis, régua, tesoura, caneta azul/preta, dado e peões de tabuleiro.
Os alunos foram organizados em grupo de três a cinco integrantes. Na primeira aula foi
explicado como funciona um jogo de tabuleiro e solicitado que elaborassem quinze questões sobre
a temática estudada. Foi explicado que tais questões seriam utilizadas no jogo. Ao final da aula as
questões foram recolhidas para correção.
Na segunda aula foram elaboradas as cartas, utilizando as questões produzidas
anteriormente e a construção das regras do jogo pelo grupo.
Para produção das cartas, foi sugerido aos grupos, que utilizassem metade de uma cartolina
e que cada carta tivesse a medida de 8cmX8cm. As cartas têm por finalidade apresentar as perguntas
elaboradas anteriormente e possibilitar, conforme as regras do jogo, avanços no tabuleiro.
Com relação às regras, foi dada liberdade para os grupos quanto à sua criação, sendo
apresentadas apenas sugestões (avanço no tabuleiro em caso de acerto da questão e retorno em
caso de erro).
Na terceira aula e quarta aula, os alunos deveriam construir o tabuleiro do jogo, para, em
seguida, os grupos passassem a disputar os jogos entre si (foto 1).
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Foto 1: Jogos de tabuleiro elaborados pelos anos do oitavo ano
Fonte: acervo pessoal, 2020.
Em algumas turmas, a pedido dos alunos, optou-se em repetir a realização dos jogos, em
parte do horário de mais uma aula, demostrando o interesse dos educandos pela prática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a organização dos grupos, até a aplicação dos jogos foi possível perceber um grande
envolvimento dos alunos com a atividade.
A dinâmica da sala de aula exige do professor não apenas o domínio dos conteúdos, mas a
utilização de recursos didáticos adequados e que estimulem a curiosidade dos alunos. A práxis
pedagógica realizada em sala de aula evidenciou a importância de atividades lúdicas como
ferramenta para o ensino da Geografia.
Após a atividade os alunos foram questionados sobre as suas impressões da experiência,
ocasião em que se manifestaram positivamente sobre, mostrando que o uso de jogos em sala de
aula favoreceu o ensino e a aprendizagem de maneira espontânea e prazerosa.
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REFERÊNCIAS
LIMA, M. H.; VLACH, V. R. Geografia escolar: relações e representações da prática social. Caminhos de Geografia. Vol. 3, n° 5, p. 44-51. Fev/2002. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/15289/8588>. Acesso em: 08 set. 2020. MEDEIROS, M. C. S. ; PATRÍCIO, M. C. M. ; SANTOS, A. P. . Produção de jogos como recursos didáticos no processo de ensino-aprendizagem da Geografia e Meio Ambiente. Revista de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, 2018. Disponível em: <https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/11/produo-de-jogos-como-recursos-didticos-no-processo-de-ensino-aprendizagem-da-geografia-e-meio-ambiente>. Acesso em: 08 set. 2020. SILVA, V.; MUNIZ, A. M. V. A Geografia escolar e os recursos didáticos: o uso das maquetes no ensino-aprendizagem da Geografia. Geosaberes, Fortaleza, v. 3, n. 5, p. 62- 68, jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.geosaberes.ufc.br/geosaberes/article/view/117>. Acesso em: 08 set. 2020.
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A URBANIZAÇÃO DO EXTREMO SUL BAIANO E SUAS RELAÇÕES COM O MUNÍCIPIO DE TEIXEIRA DE FREITAS – BA: O
DESMATAMENTO CAUSADO PELAS INDÚSTRIAS MADEIREIRAS ENTRE 1940 A 2000
Walisson Deoclecio Quadros (Universidade do Estado da Bahia - X/Universidade do Norte do Paraná)
E-mail: walissonquadros@gmail.com
INTRODUÇÃO
A urbanização na América Latina passou por processos acelerados e conturbados, os frutos
urbanizadores plantados no século XX são colhidos “podres” no século XXI, o Brasil, não ficou
de fora quando se fala em falta de planejamento urbano e crescimento desordenado causando sérias
consequências sociais, políticas, econômicas e ambientais.
Segundo Ruben George (2010) a industrialização do Brasil intensificou a partir do final da
segunda guerra mundial, a necessidade de abastecimento de produtos importados possibilitou a
produção no espaço nacional, logo com a indústrias as massas trabalhadoras migram do campo (o
Brasil ainda era considerado um país agrário, visto que, exportava matéria – prima e importava
produtos manufaturados.
A urbanização carrega em si a necessidade de consumo de bens duráveis e não-duráveis,
grandes indústrias cresceram no Brasil dando espaço ao setor primário crescer em nome do
“desenvolvimento” ou “modernização” nacional. No entanto, o consumo interno e externo de
matéria-prima aumentou a demanda na indústria madeireira, o Extremo Sul Baiano, foi uma região
vítima do desmatamento desenfreado.
Este projeto, tem por objetivo analisar a chegada da indústria madeireira na região do
extremo Sul baiano e sua relação com o desmatamento e urbanização do município de Teixeira de
Freitas – BA, que no último censo (2017) o IBGE constatou o número de 161.690 habitantes, em
uma pesquisa quantitativa, entrevistas com moradores antigos da região para a coleta dados de
pesquisa, partindo também de revisões bibliográficas.
DESENVOLVIMENTO
Segundo Jurandyr Sanches (2011), entre todos os avanços sociais (incluindo o técnico e
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científico), alguns processos de modernização em países ricos ou pobres está correlacionado com
a industrialização, consequentemente, com a degradação e alteração do espaço natural. Além da
alteração na fauna e flora, as relações sociais também são alteradas, o homem, no processo de
desenvolvimento da humanidade, tornou-se o maior predador de todos, se adaptando a qualquer
condição de vida: econômica, climática e afetiva. Em todo desenvolvimento da sociedade, o
homem, por si, acatou várias formas de sobrevivência, se organizou como sociedade e considerou-
se o animal mais inteligente do globo terrestre, mas, quanto mais desenvolve em sua sociedade,
mesmo sendo parte da natureza, extrai todos recursos naturais sem se importar com as alterações
no meio ambiente. Ainda de acordo com o autor, o processo de industrialização gera
desmatamento em grande escala, já que, as empresas madeireiras se aproveitam do processo de
urbanização para “limpar a área do município”.
Segundo Daniel Rocha (2015), o município teixeirense era basicamente composto por mata
atlântica, além de ser uma rota comercial entre o rio Alcobaça e Itanhém. A maior parte da
população presente na região era negra, pois, alguns escravos libertos fizeram comércios em
pequenas trilhas dentro da mata, onde se instalou o nome pejorativo a região como “comércio dos
pretos” ou “rota dos macacos”. Em 1950 uma empresa madeireira se instalou no extremo Sul
baiano abrindo rodovias que interligavam pontos de escoamento para o mar, como os municípios
de Caravelas – BA e Nova Viçosa – BA, após a chegada da indústria madeireira o fluxo migratório
intensificou para região, que até então era considerada mata nativa, ocasionando várias
consequências ambientais para o Extremo Sul baiano.
Ramon Rafaello (2017), descreve em seu artigo que entre os anos de 1945 a 1990, a mata
atlântica reduziu drasticamente sua densidade, abrindo áreas para o cultivo de agropecuária e
construção de moradias, as empresas responsáveis em desmatar essa área, foram Eliozípio Cunha
S/A e a BRALANDA.
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Figura 1: Desmatamento na região
Fonte: https://image.slidesharecdn.com/carbonocaravaprojectsouthernbahia-chrisholvorcem-101216135628-
phpapp01/95/pes-course-porto-seguro-carbono-carava-project-southern-bahia-chris-holvorcem-3-
728.jpg?cb=1292507895
Podemos observar na imagem acima a perda de vegetação da região, com a chegada da
indústria madeireira intensificou o aumento populacional da região teixeirense, pois, precisava-se
de mão de obra intensa para abrir novas rotas comerciais e para trabalhar diretamente na derrubada
de arvores. Logo, os trabalhadores começaram a trazer famílias para residir no novo polo industrial,
aumentando a economia local. A reorganização econômica da região, possibilitou um número
enorme de empregos, as indústrias madeireiras em 1990 desmataram quase toda região, tendo que
se reinventar a partir da monocultura do eucalipto para extrair a celulose e não atribuir a crise nesse
mercado.
A imagem a seguir mostra a região dominada pela monocultura no eucalipto, retirada do
google maps. (MESSIAS, Thiara, et al., 2008)
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Figura 2: Monocultura de Eucalipto
Fonte: Google Maps, 21/03/2020.
Desde o último censo do IBGE foi constatado que a região é economicamente dominada
pelo comércio, indústria madeireira e o agronegócio. A indústria madeireira esteve se reinventando
a partir dos séculos movimentando a economia local, atraindo novos habitantes e tornando a região
atormentada pela monocultura do eucalipto, degradando a fauna e a flora da região, desmatando o
pouco de área preservada que o extremo Sul possui, além dos impactos ambientais, as empresas
estão diretamente ligadas aos impactos sociais, desapropriando indígenas e quilombolas das suas
terras, as vezes, oferecendo pequenas quantias em dinheiro para os mesmos se retirarem de suas
terras e ceder espaço para o “progresso”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A indústria madeireira sugou e ainda suga os “nutrientes” do extremo Sul baiano,
atualmente, próximo ao munícipio de Teixeira de Freitas possui apenas 01 parque de preservação
com 22500 hectares, essa área é marcada pelos conflitos com latifundiários e Indígenas pataxó Hã-
Hã-Hãe que por sua vez possuem conflitos com legisladores que delimitam ações do grupo no
Parque nacional Monte Pascoal.
O “desenvolvimento” da região ainda é marcado pelo desmatamento e concentração de
terras nas mãos de poucas pessoas, algumas destas ligadas ao período colonial. A indústria teve seu
papel na abertura do desmatamento, nos dias atuais utiliza da monocultura para continuar instalada
na região, no entanto, não invade áreas preservadas, mas tenta comprar ou expulsar moradores
remanescentes quilombolas da região que se torna um problema social.
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As atuais lutas para manter as zonas protegidas são com os produtores do agronegócio, a
maior parte da região está sendo tomada pelos pastos, onde, incêndios clandestinos são realizados
e as áreas queimadas cedidas para os produtores com o compromisso de gerar empregos, enquanto
os indígenas não podem utilizar da preservação para seu sustento ou realização de ritos culturais.
REFERÊNCIAS MESSIAS, Thiara de Almeida. SANTOS, Ana Maria Moreau. SANTANA, Mauricio Moreau. PIRES, Mônica de Moura. FONTES, Edince Oliveira. GÓES, Liliane Matos. Reorganização socioeconômica no extremo sul da Bahia decorrente da introdução da cultura do eucalipto. Sociedade & Natureza. Urbelândia. v. n. 2. p. 5-18, Dezembro., 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sn/v20n2/a01v20n2 acesso no dia 10/03/2020 OLIVEN, RG. Urbanização e mudança social no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein, 2010. RAFAELLO, Ramon. Impactos socioambientais da BRALANDA no sul da Bahia, 2017. Disponível em: http://desacato.info/impactos-socioambientais-da-bralanda-no-sul-da-bahia/#_ftn2 acesso realizado no dia 03/03/2020. SANCHES ROSS, Jurandyr L. Geografia do Brasil. 6 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.
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BREVES REFLEXÕES SOBRE O MÉTODO E OS CONCEITOS DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA NO CONTEXTO DO ENSINO
Suelen Terre de Azevedo (Universidade Estadual de Maringá/UNIOESTE – Campus M. C. Rondon)
E-mail: suelenterre@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende refletir sobre a formação do pensamento geográfico no ensino. Para
alcançar nossa proposta objetivamos compreender como se desenvolve a análise geográfica,
ressaltando a importância do método geográfico. Como procedimentos metodológicos foi
realizada revisão bibliográfica, para pautar a discussão teórica sobre o ensino da Geografia, a partir
da formação do pensamento geográfico. O tema se justifica pela relevância do desenvolvimento
do aluno e de seu raciocínio geográfico nas escolas, considerando que a análise geográfica busca
observar como a sociedade está situada no tempo em interação com o espaço geográfico.
Este movimento, de tempo e espaço é percebido pelos objetos que vão desempenhando
uma ação ou função. Assim, este resumo expandido está subdividido em três seções, a primeira
sobre “A Geografia e sua construção como ciência”, discorre sobre a evolução do pensamento
geográfico. A segunda sobre “A importância do método Geográfico”, discutindo sobre como o
método geográfico é fundamental para a promoção do raciocínio e análise geográfica. A terceira se
intitula “Os conceitos geográficos e o objeto de estudo da Geografia” promovendo o entendimento
de que o ensino da Geografia perpassa na clareza dos conceitos e do objeto da Geografia como
fundamentais para a prática da análise geográfica.
A GEOGRAFIA E SUA CONSTRUÇÃO COMO CIÊNCIA
A ciência geográfica já passou por várias modificações epistemológicas. Para compreender
esse processo, devemos entender as correntes do pensamento geográfico e os paradigmas mais
atuantes no decorrer da história. Também se destaca, a importância da didática da Geografia e sua
própria evolução em cada período paradigmático.
De acordo com Moraes (2005), o termo Geografia já era utilizado na antiguidade clássica.
Mas, é no pensamento Grego que o conhecimento em Geografia se difunde, mesmo que de modo
disperso, através de Tales e Anaximandro nos estudos sobre a Geodésia e por Heródoto na
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descrição dos lugares. Neste sentido, é relevante indicar os estudos de outros pensadores, que não
são considerados específicos da Geografia, como Hipócrates e a relação homem meio, Aristóteles
e a discussão sobre lugar, a relação homem-natureza, a Meteorologia entre outras descrições
regionais.
Entre os pensadores gregos, Ruy Moreira (2012) destaca Estrabão sendo considerado o
criador da Geografia no século I. Naquele período, o saber geográfico estava interessado em
compreender a construção do mundo a partir da felicidade e da vida do homem. Estes
conhecimentos geográficos, vão sendo mencionados dentro de distintas áreas, não se tratando de
temáticas específicas da Geografia. Cabe destacar, que até o final do século XVIII, a Geografia não
era considerada uma disciplina sistematizada.
A Geografia Tradicional ou Clássica surgiu no século XIX na Alemanha e na França, este
período marcou a definição da Geografia como ciência, onde se estabeleceu o seu objeto de análise,
o espaço, este sendo definido no sentido de conhecer e analisar os fenômenos geográficos, sua
distribuição e interação na superfície terrestre. Anterior a este momento, a Geografia era
sistematizada e considerada como conhecimento de síntese, ou seja, aquela que apenas descrevia a
superfície terrestre. Uma das caraterísticas deste período foi à demarcação de dicotomias, que
categorizavam a ciência em Geografia Física e Geografia Humana, Geografia Geral e Geografia
Regional. Este entendimento foi baseado pelo positivismo lógico, com a finalidade do
conhecimento ser objetivo e empírico (CHRISTOFOLETTI, 1985).
Após este período há uma mudança metodológica denominada de Nova Geografia ou
Geografia Quantitativa, onde as pesquisas eram caraterizadas pela quantificação e estatísticas, com
o objetivo de realizar uma leitura geográfica mais precisa, ainda pautada no positivismo, porém
abordando mais a característica quantitativa e menos a descritiva. O movimento de renovação da
Geografia é marcado por outras correntes do pensamento geográfico. Em 1960 surge a Geografia
Humanística e a Geografia Radical. Esta mudança promoveu uma ciência que busca valorizar a
percepção e as experiências dos indivíduos, ligadas à fenomenologia e as emoções. A Geografia
Radical, conhecida também como Geografia Crítica, foi baseada no materialismo histórico e
dialético. Nesse momento, a Geografia se torna mais atuante através do posicionamento crítico.
Neste sentido, a ciência geográfica passou a estudar os movimentos sociais, lutar por direitos
humanos, e assim quebrar os padrões espaciais buscando entender relações sociais mediante o
espaço (CHRISTOFOLETTI, 1985).
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A Geografia escolar no Brasil, também acompanhou as mudanças que ocorreram no
pensamento geográfico, Faria (2012) elenca estes momentos do seguinte modo:
1) o período compreendido entre a entrada da Geografia na escola básica, em meados do século XIX, até sua afirmação como conhecimento científico na escola básica na década de 30; 2) o período que se estende da modernização da educação em 30, passando pela reorganização dos currículos em função das reformas estruturais propostos pela Escola Nova e a fundação da Associação dos Geógrafos Brasileiros AGB, em 34, até o advento do regime militar, na década de 60; 3) O (sic) período militar, com a ideologização da educação, a dissolução e a reentrada da Geografia no currículo escolar; e 4) o período que se estende do final da década de 70 – com mudanças profundas no interior da Geografia e na democratização da sociedade brasileira – com profundas implicações nos programas e currículos de Geografia da escola básica, até o período atual. (FARIA, 2012, p. 22- 23).
Cabe ressaltar, que as mudanças promovidas no ensino da Geografia pela Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) não são objeto de estudo deste texto, mas como se trata de uma
reforma educacional, ressaltamos que as mudanças promovidas nos conteúdos e na atuação dos
professores será outro marco para as transformações do ensino da Geografia escolar. Azambuja
(2018, p. 15) aponta que: “Na atualidade, a renovação paradigmática desafia a instituição escolar
para a superação desse ensino marcado pelo uso dos manuais e de repasses de conteúdos
previamente definidos.” Assim, promover o raciocínio geográfico no ambiente escolar, se torna
imprescindível para a garantia da autonomia e formação do pensamento crítico.
A IMPORTÂNCIA DO MÉTODO GEOGRÁFICO
Dentro da ciência geográfica, as apropriações dos conceitos geográficos (espaço-
geográfico, paisagem, região, lugar e território) permitem ao indivíduo o desenvolvimento do
raciocínio geográfico (AZAMBUJA, 2018). Para despertar o olhar geográfico nos alunos, se torna
necessária a escolha do método da Geografia, que é fundamental para desenvolver a análise
geográfica. Entretanto, a clareza do objeto de estudo da Geografia, também se faz evidente.
Quando o aluno compreende o objeto da Geografia como espaço geográfico, ele assimila o
entendimento do espaço e as relações que nele ocorrem. Azambuja (2018 p. 16) afirma que: “A
análise geográfica é a interpretação da realidade social histórica, referenciando a dimensão
socioespacial dessa realidade enquanto produto e processo da dinâmica da natureza e da natureza
socializada, humanizada.”
Todas as fases da história do pensamento geográfico possibilitaram a transformação na
forma de ser, pensar e fazer a Geografia, pois o conhecimento passou a contribuir de forma atuante
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na sociedade. Oliveira (1987) revela que o período da Geografia crítica foi importante para o
currículo escolar, realizando um questionamento seguido de reflexão:
O método dialético é inquietante e agitador, pondo em xeque como será esta realidade no futuro e refletindo sobre qual será o futuro que queremos? Através deste método não se transmite conceito ao aluno, mas a partir da realidade concreta de sua vida o conceito vai sendo construído. O conceito é fruto de um processo de aprendizado, ou seja, oferece-se à criança condições para que ela vá entrando em contato com todos os componentes da realidade que interferem no conceito que vai ser estudado e coloca-se a criança o mais próxima possível da situação concreta onde o conceito nasce ou aparece. A partir daí a descoberta é do aluno, obviamente estimulado pelo professor (OLIVEIRA, 1987, p. 22).
Assim como todo o ensino, o de Geografia tem uma grande importância para a educação.
Deve-se levar em conta que todo o ensino é uma parte fundamental para a formação de uma
pessoa, principalmente a de seu caráter, de forma, a ressaltar que, a parte da vida em que a criança
passa na instituição de ensino torna-se fundamental para toda a sua vida. Sobretudo, no sentido de
que o conhecimento geográfico deve ser ensinado ao aluno com o objetivo de formar uma visão
crítica sobre o mundo, no qual o aluno não apenas aceita tudo o que vê no decorrer de sua vida,
mas que resulta, através de sua reflexão, em um movimento inclusivo de saberes.
O acerto do método é pertinente para que possamos desenvolver um sistema coerente de
ideias. Podendo ser definido de diferentes formas, na visão da própria vivência, nos conceitos
utilizados, nos pesquisadores de referência, entre outros. Assim, também, são necessários os
instrumentos técnicos, pois, ao elaborar um estudo geográfico, é preciso compreender o
movimento que ocorre nesse espaço. Este movimento é espacial sendo delimitado nas escalas:
local, regional, nacional e mundial. E esse movimento também é temporal, remetendo ao passado
e presente.
Através do exposto, identificamos a ciência geográfica em sua dinâmica. Representando a
totalidade da organização socioespacial, para que consigamos compreender o objeto da geografia,
ou seja, o espaço geográfico.
OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS E O OBJETO DE ESTUDO DA GEOGRAFIA
A contribuição da Geografia para buscar entender a transformação da natureza e as relações
humanas construídas, baseia-se através dos conceitos geográficos como discorre Corrêa (2011, p.
16):
Como ciência social a Geografia tem como objeto de estudo a sociedade que, no entanto, é objetivada via cinco conceitos chave que guardam entre si forte grau de parentesco, pois todos se referem à ação humana modelando a superfície terrestre: paisagem, região, espaço, lugar e território.
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Através dos conceitos-chave paisagem, região, espaço geográfico, lugar e território,
também se tornam categorias de estudos geográficos: escala, rede, espacialidade, territorialidade e
regionalização. Na perspectiva teórica o professor considera os assuntos cotidianos para explicar
sobre a teoria. No caso da Geografia, onde o objeto de estudo é o próprio homem e a sua relação
com o espaço, o lugar onde vive e ocorrem as suas relações sociais, devemos ressaltar o modo em
que esta é ensinada, pois nada melhor do que mostrar aos alunos a realidade em que vivem,
relacionando-a com o conteúdo que estudam.
O processo de construção do conhecimento que acontece na interação dos sujeitos com o meio social, mediado pelos conceitos (sistema simbólico), é um processo de mudança de qualidade na compreensão das coisas do mundo. Não é um processo linear, nem de treinos, mas de construção pelos alunos de conhecimentos novos, na busca do entendimento das suas próprias vivências, considerando os saberes que trazem consigo e desvendando as explicações sobre o lugar (CALLAI, 2014, p. 88).
Sobre as categorias do método geográfico definidas por Santos (1985), que são a estrutura,
o processo, a função e a forma. O autor estabelece que estas categorias são condição para que a
realidade seja interpretada pela Geografia. Neste entendimento, os elementos e fatos se
caracterizam por complexos geográficos, e não podem ser estudados de modo isolado, devendo
ser combinados e associados. Destarte, o espaço geográfico é “formado por um conjunto
indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá.” (SANTOS, 2006,
p.39). Isto resulta na relação entre o objeto e o método, remetendo sobre a indissociabilidade dos
objetos e das ações, contribuindo para o entendimento de um território utilizado
Portanto, os conceitos geográficos são as ferramentas que utilizamos para compreender o
espaço geográfico. O território usado está em permanente construção e atualização, levando em
consideração a periodização dos tempos. Através do contexto socioespacial, são demostradas as
relações sociais na paisagem. Neste sentido, a Geografia estuda a sociedade pela dimensão espacial,
incluindo a natureza. Dessa maneira, o objeto de estudo da Geografia é a relação entre natureza e
sociedade, considerando que o espaço é um todo (AZAMBUJA, 2018). Os conceitos de lugar e
região desempenham a função de definir determinado espaço. A região representa a identidade e
os lugares funcionais do todo, portanto, os lugares não existem isoladamente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através dos conteúdos, construímos nossa capacidade de discernir a informação, para além
do senso comum. Isto promove nos sujeitos a capacidade de aprender novos saberes, e através
deles, mudar seus projetos tendo a competência de realizar novas escolhas. Neste sentido, a escola
é o lugar de desenvolver o conhecimento, e coletivamente realizar a apropriação da ciência.
A formação do raciocínio geográfico perpassa pelos paradigmas da Geografia atuantes, pelo
processo de ensino-aprendizagem, pela elaboração de temáticas e conteúdo. Mas, sobretudo pelo
método geográfico, evidenciando que os conceitos, categorias e teorias que promovem a condição
científica na Geografia, para que esta seja transmutada em aprendizado geográfico.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Leonardo Dirceu de. A Geografia do Brasil na Educação Básica: Uma didática para o ensino da formação socioespacial brasileira. Curitiba: CRV, 2018.
CALLAI, Helena Copetti. Estudar o lugar para compreender o mundo. In: CASTROGIOVANNI, A. C. (Org.). Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano. 11. ed. Porto Alegre: Mediação, 2014. p. 71-114.
CHRISTOFOLETTI, Antonio. Perspectivas da Geografia. 2. ed. São Paulo: DEFEL, 1985.
CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço: um conceito-chave da Geografia. In: CASTRO, Iná Elias de e outros (Org.). Geografia: conceitos e temas. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
FARIA, Marcelo Oliveira de. Em busca de uma epistemologia de Geografia escolar: a transposição didática. Salvador, BA. Tese de Doutorado. Doutorado em Educação. Programa de doutorado em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED – UFBA) 2012.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: Pequena História Crítica. 20. ed., São Paulo: Annablume, 2005.
MOREIRA, Ruy. O que é Geografia. 2. ed. (2. reimpr.), São Paulo: Brasiliense, 2012.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A natureza da proposta curricular de Geografia da CENP – 1.o grau. In: Boletim do III Encontro Local de Professores de Geografia, São Paulo: AGB/APEOESP, abril de 1987 (p. 17- 23).
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção / Milton Santos. - 4. ed. 2. reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. - (Coleção Milton Santos; 1).
SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985. 88 p.
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RITA DE REDENÇÃO: PANDEMIA, FÉ E DEVOÇÃO
Bruno de Castro Santos (Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Quixadá)
E-mail: brunocastro.ifce@gmail.com
Emílio Tarlis Mendes Pontes (Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Quixadá)
E-mail: emilio.pontes@ifce.edu.br
INTRODUÇÃO
A religião é algo inerente na cultura do povo. Ela tem uma relação intrínseca com o espaço
e tal conexão norteia o modo de vida das pessoas. Partindo da premissa de que o Brasil é um país
majoritariamente católico, a pesquisa em tela se debruçará sobre a festa de Santa Rita de Cássia em
Redenção/Ceará e analisará a importância desta para a dinâmica socioespacial da referida cidade.
“A relação entre o sagrado e os lugares se insere numa ordem pela qual a experiência religiosa
engendra formas espaciais, reunindo um sistema de símbolos capaz de tornar os lugares em algo
humanamente significativo.” (COSTA, 2013, p. 18).
A materialidade e a imaterialidade, bem como o sagrado e o profano caminham ladeados
na transformação do espaço da cidade e através dessas dualidades a dinâmica urbana, cultural e
social são significativamente alteradas no período festivo. Costa (2013) afirma que o espaço é
transformado pela cultura e, pode ser expresso através das práticas religiosas que dominam um
determinado lugar. Essa afirmativa fica patente na relação espaço e religião durante o mês de
setembro em Redenção. Distando 61 km da capital Fortaleza e localizada na região do Maciço de
Baturité, a cidade possui uma população de 26.415 habitantes. (IPECE, 2017). Foi fundada em
1868 e sua toponímia é em homenagem à cidade que serviu de exemplo como primeiro munícipio
do Brasil a abolir seus escravos, fato ocorrido em 1° de janeiro de 1883.
A população é, em sua maioria, católica e Nossa Senhora da Imaculada Conceição é
aclamada padroeira da cidade, entretanto, Santa Rita tem uma maior representatividade e não
obstante, muitas pessoas acreditam que ela é a padroeira. A Co-padroeira tem uma Igreja dedicada
à sua devoção e que se encontra no sopé do Monte das Graças.
Esse trabalho tem por objetivo analisar como a pandemia da Covid-19 modificou
significativamente a dinâmica sociocultural da festa de Santa Rita, no ano de 2020. Os espaços da
cidade não foram aproveitados pela população em virtude da Covid-19 e a dualidade sagrado-
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profano não pode ser contemplada em sua essência como ocorrera nos anos anteriores. Este
trabalho traz como metodologia um estudo de caso sobre a festa da Co-padroeira de Redenção e
é pautado bibliograficamente em autores como COSTA (2013) e FREITAS (2014).
Fotografia 1: Igreja de Santa Rita de Cássia (ao fundo) e Capela de São Miguel – Redenção/CE
Fonte: o autor (2020)
FESTA DE SANTA RITA - MAIS DE UM SÉCULO DE FÉ E TRADIÇÃO
Para que esta pesquisa consiga alcançar os seus leitores é necessário que haja um
esclarecimento de como essa fé e devoção à Santa Rita iniciou em Redenção. O ano era 1917 e
[...] quando o pároco de Redenção, o padre Luís de Carvalho Rocha, fez uma viajem [sic] a Roma, acompanhando o arcebispo da Arquidiocese de Fortaleza, Dom Manuel da Silva. Monsenhor Luís Rocha estava visitando os jardins e o zoológico local quando um pássaro lhe feriu o olho e ele muito aflito fez uma promessa à Santa Rita de Cássia que se ficasse bom do olho traria para Redenção a imagem da Santa, faria uma capela ao "Pé da Serra" e divulgaria a devoção a Santa Rita de Cássia. (FREITAS, 2014, p. 16)
A fé reflete o íntimo, é singular e intrínseco das pessoas. Através dela, milagres são
alcançados e isso traz uma relação exclusiva com o divino. Assim, “o sagrado introduz uma ruptura
entre o natural e o sobrenatural, mesmo que os seres sagrados sejam naturais como a água, o fogo,
os animais. É sobrenatural a força ou a potência para realizar aquilo que os homens julgam
impossível efetuar, contando com as forças e a capacidade humana.” (COSTA, 2013, p. 20)
O padre Luís de Carvalho Rocha conseguiu alcançar sua graça, ficou curado do olho e assim
cumpriu sua promessa e aos “22 de setembro de 1917, na visita pastoral do arcebispo
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metropolitano Dom Manuel, foi benta a atual imagem de Santa Rita.” (FREITAS, 2014, p. 16).
Iniciava-se a devoção e os festejos em homenagem à Santa Rita de Cássia em Redenção. Em 2017,
a fé à Santa das causas impossíveis completou seu primeiro centenário. Contudo em 2020, em
função da pandemia da Covid-19, não houve a tradicional festa com os parques de diversão,
barracas e multidão nas ruas da cidade.
A PANDEMIA DA COVID-19 E SUAS IMPLICAÇÕES NA ROTINA DA FESTA
Iniciada na China no final de 2019, a Covid-19 mudou drasticamente a rotina das pessoas
ao redor do mundo e já ceifou mais de um milhão de vidas. A população mundial teve que
modificar hábitos e a partir de março de 2020 foi implementado um processo de isolamento social,
com o intuito de minorar os prejuízos nos países. Escolas, universidades, industrias, comércios e
serviços tiveram suas rotinas alteradas e isso trouxe sequelas sociais drásticas.
No Brasil, o primeiro caso foi notificado em 26 de fevereiro e até o dia 13 de outubro deste
ano, foram notificados 5.113.628 casos confirmados e 150.998 óbitos. (PAINEL
CORONAVIRUS, 2020). A Covid-19 adentrou em todas as regiões do Brasil e em Redenção não
foi diferente. Desde março do corrente ano, houve um processo de isolamento social e isso atingiu
todas as esferas da sociedade redencionista.
A Igreja Católica não ficou alheia a tal situação e as missas passaram a ser realizadas de
forma virtual, assim como a festa de Santa Rita. Tradicionalmente, acontece no mês de setembro
e, em 2020, foi iniciada no dia 10 e encerrou-se no dia 20 do referido mês. Anualmente, traz
mudanças relevantes no cotidiano da cidade. Parques de diversões e barracas de comidas e bebidas
são instaladas na Praça do Obelisco, visto que o evento se situa entre a Praça da Matriz e a do
Obelisco. O comércio da cidade é aquecido, as lojas de roupas e calçados ficam cheias, as
distribuidoras de bebidas alavancam suas vendas e durante as noites do novenário, pessoas de
diversas localidades do município e até redencionistas que moram em outros estados chegam para
apreciar Santa Rita, bem como os espaços profanos da festa.
Contudo, neste ano, a pandemia barrou as transformações socioculturais da festa de Santa
Rita. As missas aconteceram virtualmente e a procissão que abre a festa ocorreu sem a multidão
que acompanha a imagem até a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Os parques não vieram,
o comércio não foi aquecido, as pessoas não foram às ruas festejar. Foi um ano atípico e
extremamente adverso para Redenção que sempre tem na festa de Santa Rita o ápice de
congregação popular.
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Surgiram rumores de que populares estavam preparando caravanas para acompanhar o
regresso da imagem de Santa Rita na última noite e assim o Padre resolveu antecipar o retorno para
a Igreja. Consuetudinário, a procissão de regresso ocorre no final da tarde, todavia este ano,
excepcionalmente, Santa Rita foi reconduzida, às 13 horas. Assim sendo, depois de 11 noites,
exatamente no dia 20 de setembro, encerrava-se o atípico novenário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia da Covid-19 é uma das grandes atrocidades que acometeu a humanidade no
século XXI. Espalhou-se por todos os continentes e transformou o cotidiano das pessoas ao redor
do mundo. No Brasil, causou danos significativos, como mortes desenfreadas, enfraqueceu a
economia e revelou uma nova versão social: o isolamento compulsório.
As diversas atividades sociais tiveram que ser interrompidas. De escolas a Igrejas, tudo teve
que ser fechado visando a contenção da Covid-19. Somente serviços essenciais conseguiram
sobrepujar o vírus. Tempos difíceis se instalaram e ainda não se tem uma previsão concreta para
uma normalidade.
Em se tratando da tradicional e centenária festa de Santa de Rita de Redenção, esta não
pôde ser efetivada nos moldes anteriores com parques de diversões, barracas de comidas típicas e
bebidas, festa dançante nas praças e clubes e nem missas presenciais, bem como as habituais
procissões, ou seja, a dinâmica sociocultural profana foi estritamente atingida pela pandemia. Os
espaços sagrados foram conduzidos com missas virtuais, mostrando que a fé dos devotos da Santa
das causas impossíveis não poderia ficar sem sua festa devocional.
REFERÊNCIAS
COSTA, O.J.L. Os lugares sagrados na perspectiva da geografia da religião. Revista GeoUECE
- Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE Fortaleza/CE, v. 2, nº 1, p. 18-28,
jan./jul. 2013. Disponível em http://seer.uece.br/geouece
FREITAS, Maria Valdelia Carlos Chagas de. Santa Rita de Redenção: devoção à santa das
causas impossíveis. 2014. 45 f. TCC (Graduação) - Curso de Bacharelado em Humanidades,
Instituto de Humanidades e Letras, Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-
Brasileira, Redenção, 2014.
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IPECE. Perfil Municipal 2017 Redenção. Disponível em: https://www.ipece.ce.gov.br/wp-
content/uploads/sites/45/2018/09/Redencao_2017.pdf. Acesso em: 05 out. 2020
Ministério da Saúde (BR). Painel coronavírus [Internet]. Brasília: Ministério de Saúde; 2020
[citado 2020 outubro 13]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
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ESPECIALIZAÇÃO REGIONAL E A PRODUÇÃO VITIVINÍCOLA NO RIO GRANDE DO SUL: NOTAS INTRODUTÓRIAS
Taís Andriéli Ramme Schoenberger (Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó) E-mail: taisramme1999@gmail.com
Tiago Wilian Rocha Dalmora (Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó)
E-mail: tiagowiliamrochadalmora@gmail.com
INTRODUÇÃO
A Vitivinicultura compreende o cultivo de uvas bem como a fabricação de vinhos, de
acordo com o IBRAVIN (2020), o Brasil atualmente apresenta uma área total de 82 mil Hectares
destinada ao ramo, somando 1,1 mil vinícolas sendo o quinto maior produtor no hemisfério Sul
do planeta. No país, devido à grande extensão territorial e diversidade em seu meio natural, a
atividade econômica apresenta características diferentes em relação ao cultivo das videiras, o ramo
vitivinícola no Brasil é composto por diversas cadeias produtivas, com variedades de uvas e vinhos
(PROTAS, CAMARGO e MELO, 2002; CAMARGO, MAIA e RITSCHEL, 2010). Um dos
Estados com grande produção de uva e vinho no território brasileiro é o Rio Grande do Sul, que
em 2019, foi o maior produtor da fruta, produzindo um total de 667 018 Toneladas de uva em
cerca de 46 mil hectares de área colhida (IBGE, 2020).
Com base nessas informações desenvolveu-se este trabalho1 com o objetivo de
compreender e apresentar de maneira introdutória às bases histórico-geográficas da produção Sul
Rio-grandense de Uva e Vinho, bem como a constituição de uma especialização regional produtiva
na região serrana do Estado. A pesquisa assume-se de maneira exploratória com análises de
referenciais bibliográficos como Santos e Silveira(2016), Protas, Camargo e Melo (2002), Camargo,
Maia e Ritschel (2010) e Manfio (2019), e de relatórios e dados tabulares de instituições como o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2020), Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária- EMBRAPA (2020) e Instituto Brasileiro do Vinho IBRAVIN (2020). A última
dimensão da pesquisa deu-se através da mensuração de dados estatísticos com a elaboração de
material cartográfico com os Softwares, Philcarto e Inkscape.
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DESENVOLVIMENTO
Segundo Rosa e Simões (2004), a cultura vitivinícola está presente no Brasil há muitos anos,
e vem passando por mudanças significativas ao longo das últimas décadas, onde o setor da uva se
modifica conforme as necessidades de produção e do consumo dos seus mercados. Para Protas,
Camargo e Mello (2002), a introdução das primeiras videiras no país deu-se com a colonização
portuguesa por volta do ano de 1532, no atual Estado de São Paulo, expandindo-se,
posteriormente, para outras regiões do país.
A atividade vitivinícola inserida no Rio Grande do Sul, segundo Manfio (2019), se deu
inicialmente pelos imigrantes alemães que buscavam fixar suas raízes em terras gaúchas através da
agricultura de subsistência e posteriormente, com a colonização italiana, o cenário muda e
inicialmente se dedica a produção para consumo diário na região, e também para a economia local,
e em seguida a vitivinicultura do Estado se expande por todo o território nacional (ROSA e
SIMÕES, 2004; MANFIO, 2019). Na Serra Gaúcha, “a vitivinicultura se tornou a principal
atividade econômica da região, a paisagem dos vinhedos se consagrou como a grande “marca” do
lugar, é um símbolo identitário da região, caracteriza e representa o viticultor, descendente de
imigrantes italianos” (PIEROZAN; MANFIO; MEDEIROS, 2017, p. 4719 Apud. MANFIO,
2019, p. 436)
Conforme mostra o mapa a seguir, a Região Serrana compreende a maior concentração da
produção de uva do Estado, especialmente nos municípios de Bento Gonçalves, e Caxias do Sul,
que no ano de 2017, produziram respectivamente, 116. 427 toneladas e 70 .340 toneladas da fruta,
além disso, é importante salientar que a Região Geográfica Intermediária de Caxias do Sul
apresentava um elevado contingente de mão de obra empregada no cultivo do produto (31 924
pessoas).
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Mapa 1: Rio Grande do Sul Produção de Uva por Município em 2017
Fonte: IBGE, 2020. Elaboração: Dalmora (2020).
”
Para Rosa e Simões (2004), entre outros fatores que condicionaram o desenvolvimento do
ramo agroindustrial vitivinícola, destaca-se o clima, que terá impacto na quantidade produzida e na
qualidade das uvas e dos vinhos. No período que antecede a colheita da uva, a umidade da serra
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regional é elevada, principalmente no verão, o que acaba sendo prejudicial para a produção, pois a
qualidade da uva diminui e facilita o ataque das pragas nos vinhedos, devido à essa influência
climática, os produtores regionais tiveram de cultivar as espécies de vinhas americanas, que se
apresentam mais robustas e mais resistentes às pragas trazidas pelo clima úmido, fato este que
determinou um certo padrão brasileiro de qualidade das uvas de espécies da Vitis vinifera. (ROSA,
SIMÕES, 2004).
Além disso, a Serra Gaúcha se destaca também, pela fragmentação territorial, ou seja, a
região se caracteriza pela produção de uva nas pequenas propriedades rurais, pois a topografia
serrana dificulta a mecanização nos vinhedos, consequentemente a mão-de-obra é
caracteristicamente familiar. Esses fatores ajudam a compreender a organização desses pequenos
produtores serranos em forma de cooperativas, que assumem papel fundamental na consolidação
do cenário vitivinícola daquela região, além da presença de pequenos produtores vinícolas, que
constituem as pequenas cantinas do subespaço rio-grandense (ROSA, SIMÕES, 2004).
Por fim, é importante mencionar como Rosa e Simões (2004, p. 78), definem como a
Indústria Vinícola do Estado do Rio Grande do Sul, “pode ser dividida em três categorias:
pequenos produtores (cantinas), em geral situados em áreas rurais; cooperativas de produtores; e
produtores médios e grandes, que possuem características de empresas comerciais”. Municípios
serranos da Unidade Federativa, como os supracitados apresentam grandes contingentes de mão
de obra empregada e um significativo número de unidades locais produtoras de vinho, segundo o
IBGE (2020) Bento Gonçalves, em 2017 detinha de 1 163 pessoas empregadas na produção da
bebida, e Flores da Cunha, cerca de 748 pessoas.
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Com base no trabalho, pôde-se evidenciar, primariamente, como a produção vitivinícola
brasileira concentra-se em certos Estados e regiões, como o Vale do São Francisco, mas sobretudo
no Rio Grande do Sul, neste Estado, o subespaço mais caracterizado com uma especialização
regional produtiva vitivinícola, compreende a Região Serrana, esta região apresenta diferentes
“condições técnicas e sociais” (SANTOS e SILVEIRA, 2016, p.136 ) que sustentam tal
especialização regional, entre os fatores histórico-geográficos que fomentam essa organização
espacial, destaca-se o meio natural, a forte presença de Imigrantes e descendentes Italianos, a
estrutura fundiária e a organização industrial da região. Por fim, deve-se ressaltar que este trabalho
teve por objetivo tratar notas introdutórias acerca do assunto e que as pesquisas devem ser seguidas
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a fim de compreender outras questões ligadas ao setor.
REFERÊNCIAS
CAMARGO, Umberto Almeida; MAIA, João Dimas Garcia; RITSCHEL, Patrícia. Embrapa Uva e Vinho: novas cultivares brasileiras de uva. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2010. 64 p. EMBRAPA. Disponível em: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/872373/1/LivroPatriciaFinal1.pdf . Acesso em: 03 out. 2020. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sistema IBGE de Recuperação Automática: sidra. SIDRA. 2020. IBGE. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/pimpfbr/brasil . Acesso em: 02 out. 2020. INSTITUTO BRASILEIRO DO VINHO. Dados estatísticos. 2020. IBRAVIN. Disponível em: https://www.ibravin.org.br/Dados-Estatisticos . Acesso em: 03 out. 2020. MANFIO, Vanessa. A vitivinicultura no espaço geográfico do Rio Grande do Sul, Brasil: uma abordagem sobre a Campanha Gaúcha. Caminhos de Geografia, v. 20, n. 70, p. 433-447, 2019. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/43390 . Acesso em 03 out. 2020. PROTAS, JF da S.; CAMARGO, Umberto Almeida; DE MELLO, L. M. R. A Viticultura brasileira: realidade e perspectivas. In: Embrapa Uva e Vinho-Artigo em anais de congresso (ALICE). In: SIMPÓSIO MINEIRO DE VITICULTURA E ENOLOGIA, 1., 2002, Andradas, MG. Anais... Viticultura e Enologia: atualizando conceitos. Caldas: EPAMIG, 2002., 2002. Disponível em: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/539461/1/ProtasSMVEp17322002.pdf Acesso em 03 out. 2020. ROSA, Sérgio Eduardo Silveira da; SIMÕES, Pedro Martins. Desafios da vitivinicultura brasileira. BNDES Setorial. Rio de Janeiro. n. 19. p. 67-9 2004. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/2603. Acesso em 07 out. 2020. SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século xxi. 19. ed. Rio de Janeiro: Record, 2016. 475 p.
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A IMPORTÂNCIA DOS PARQUES URBANOS PARA A SAÚDE HUMANA: O CASO DO ECOPARQUE NA CIDADE DE CHAPECÓ/SC
Eduarda Rebelatto Brandalise (Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Chapecó e
Erechim) E-mail: brandalise.duda@gmail.com
Priscila Daiane Pavan (Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Chapecó e Erechim)
E-mail: prisciladpavan@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A relação entre os seres humanos e a natureza é a forma primordial das pessoas se
estabelecerem no mundo. Isso porque os recursos naturais são necessários para a sobrevivência,
seja em sua utilidade para o cultivo, para o desenvolvimento de tecnologias, para atividades de lazer
e arte.
Para que os recursos naturais sejam preservados e conservados, o Estado precisa intervir a
partir das políticas públicas nas atividades antrópicas, permitindo seu uso racional. Dessa maneira,
as Unidades de Conservação, Áreas de Preservação, e áreas verdes (como os parques urbanos), são
criadas com o propósito de possibilitar qualidade de vida para a população (FACCO; JACOSKI,
2013).
Os parques urbanos são reconhecidos como um tipo de área verde, pois apresentam
predomínio de vegetação, independente do seu porte, e que integram o meio ambiente construído,
além de outras características naturais que agregam diferentes funções, a saber: estética, ecológica
e de lazer (NUCCI, 2001; MASCARÓ, 2002). Segundo Facco e Jacoski (2013, p. 9), “a criação de
espaços verdes em áreas urbanas contribui em muito para a qualidade de vida da população,
possibilitando um ambiente propício para atividades de recreação, lazer e prática de exercícios
físicos”.
Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho, é ressaltar a importância dos parques
urbanos na qualidade da vida humana, considerando como estudo de caso o Ecoparque da cidade
de Chapecó-SC. Para tanto, o procedimento metodológico utilizado neste estudo foram pesquisas
teóricas em livros e estudos acadêmicos que tratam da relação da qualidade de vida e parques
urbanos.
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DESENVOLVIMENTO
A cidade de Chapecó, está localizada no Oeste do estado de Santa Catarina, a
aproximadamente 550 km de distância da capital, Florianópolis. De acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a estimativa da população do município para o ano
de 2019 era de 220.367 habitantes distribuídos em uma área de 626 km². A população cresceu
muito, sobretudo, a partir de 1970, quando sua população ultrapassou os 49 mil habitantes para
183.530 habitantes em 2010. O aumento populacional de Chapecó ao longo das últimas décadas
foi fortemente influenciado pelas instalações de agroindústrias (FACCO et al. 2014).
Atualmente, em seu município, existem seis parques urbanos, que são: o Parque Ângelo
Sartori ou Parque Palmital, Parque das Palmeiras, Parque Alberto Fin, Complexo Esportivo
Verdão, Parque Claudio Machado e o Ecoparque. Para esta pesquisa, optou-se pelo estudo do
Ecoparque, devido a sua localização mais central, oferecendo maior acessibilidade a grande parte
da população municipal e visitantes.
O Ecoparque encontra-se no Bairro Passos dos Fortes (Figura 1), próximo ao 2º Batalhão
da Polícia Militar. Localizado em uma área de proteção permanente, o parque conta com uma área
de 43.000,00 m², e seu gerenciamento é feito pela Prefeitura Municipal de Chapecó, sem
interferência privada (FACCO; JACOSKI, 2013). O intuito do parque é voltado para a prática de
exercícios físicos, especificamente caminhadas/corridas. O local também conta com academia ao
ar livre, parque infantil, palco de apresentações, anfiteatro e banheiros públicos.
Figura 1: Localização do Ecoparque no município de Chapecó – SC
Fonte: Google Earth, 2020
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O Ecoparque tem uma grande relevância para a população chapecoense, uma vez que
percebemos que a presença de vegetação é importante para a qualidade de vida das pessoas
(FACCO; JACOSKI, 2013; MILANO, 1984). Segundo Londe e Mendes (2014),
Os problemas urbanos enfrentados na atualidade, tais como poluição do ar e da água, enchentes, ruídos em excesso, entre outros, causam sérios prejuízos à saúde física e mental da população. Além disso, o aumento populacional e a expansão das cidades, aliada à falta de políticas públicas eficazes, capazes de ordenar este crescimento com a manutenção das áreas verdes, tem provocado a redução da vegetação nas urbes, tornando as cidades cada vez menos acolhedoras ambientalmente para a ocupação humana (LONDE; MENDES, 2014, p. 268).
Nesse sentido, as áreas verdes buscam trazer benefícios para a saúde e o bem-estar da
população, pois entende-se que as suas funções ecológicas, sociais e de lazer, podem contribuir de
maneira eminente, para a melhoria da qualidade ambiental e da vida (LONDE; MENDE, 2014).
A vegetação presente em áreas verdes, auxilia na diminuição da poluição do ar e na incidência de
radiação solar, trazendo conforto térmico para o citadino, deixando os ambientes próximos mais
frescos, uma vez que a folhagem das árvores age como anteparo protetor das superfícies localizadas
abaixo ou nas suas proximidades (MARTELLI; SANTOS JR, 2015; ROMERO, 2000). Segundo
Facco e Jacoski, “as áreas verdes propiciam saúde ambiental à cidade, representando a
sustentabilidade proposta, para que haja harmonia entre o homem e a natureza” (FACCO;
JACOSKI, 2013, p. 120).
Para Oliveira (1996) os benefícios da vegetação no ambiente urbano estão presentes em
diversos fatores. Dentre eles, a contribuição ao estabelecimento de microclimas, melhoria na
qualidade do ar, aparência estética da paisagem urbana, aumento do conforto ambiental, e
valorização de áreas de convívio social.
De acordo com Milano (1984), a vegetação influencia na qualidade do ambiente, atuando
como um importante elemento que auxilia na diminuição do estresse. Para Cunha (1997), o
cotidiano urbano contemporâneo demanda a necessidade de espaços verdes como uma forma de
refúgio ao sentimento de inquietação trazido pela cidade.
Desta forma, os parques urbanos propiciam saúde ambiental à cidade, bem como, diversos
benefícios psicológicos, sociais e físicos para a população local e visitantes, que procuram um
contato mais próximo com a natureza. A população que reside em apartamentos, muitas vezes não
têm a presença de vegetação em sua moradia, e aproveitam esses espaços para descanso. Segundo
Martelli e Santos Jr (2015), a inexistência dessas áreas verdes urbanas demonstra o descaso do poder
público com a saúde física e mental dos cidadãos.
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Com base nas considerações apontadas, compreende-se que o Ecoparque de Chapecó
contribui para a melhoria da qualidade de vida humana, bem como, a qualidade ambiental da cidade.
O contato com ambientes naturais associado à prática de exercícios físicos, e atividades de lazer,
contribuem positivamente para a saúde e bem estar das pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões apresentadas demonstram que os parques urbanos proporcionam benefícios
sociais, físicos e psicológicos para a vida de uma população e seus visitantes, pois além da
harmonização dos seus espaços, permitem práticas de lazer, descanso, distração, interação social e
atividades físicas.
Neste contexto, para que se tenha uma boa qualidade social e física nestes espaços, é preciso
que estes apresentem fácil acesso, estrutura apropriada, segurança, preservação ambiental e
manutenção dos equipamentos. Para tanto, se faz necessário a criação de projetos, ações públicas
e um planejamento urbano eficiente, considerando a opinião e a necessidade da população local.
REFERÊNCIAS
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MILANO, M.S. Avaliação e análise da arborização de ruas de Curitiba-PR. 1984. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná. NUCCI, J.C. Qualidade ambiental e adensamento urbano. São Paulo: Fapesp, 2001. OLIVEIRA, C.H. Planejamento ambiental na cidade de São Carlos (SP) com ênfase nas áreas públicas e áreas verdes: diagnóstico e propostas. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Ecologia Urbana.) – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos. 132 p. São Carlos, 1996. ROMERO, M.A.B. Princípios bioclimáticos para o desenho urbano. 2. Ed. São Paulo: Pró-Editores, 2000.
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RESUMOS
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INDUSTRIALIZAÇÃO NO EIXO SUL GLOBAL - CONTRIBUIÇÕES PARA O URBANO DO BRASIL E DA CHINA
Mayara Bormann Azzulin (Universidade Tecnológica Federal do Paraná)
E-mail: azzulin@alunos.utfpr.edu.br
Valdir Fernandes (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) E-mail: vfernandes@utfpr.edu.br
RESUMO Ao longo da história pode ser observado que no eixo Sul Global a industrialização
aconteceu posteriormente, comparada ao Norte Global. No caso do Brasil e da China, ambos
tiveram a implantação da indústria no mesmo período, início do século XX. Similarmente também
é observado no mesmo momento a intensa urbanização em ambos países. A industrialização
objetivava como principal função a não dependência de importações oriundas da União Europeia
e dos Estados Unidos e também uma agregação maior no desenvolvimento econômico. Como
consequência, a industrialização trouxe também a transformação cultural e incrementou o
surgimento de novas cidades, alterando o traçado dessas e no seu formato de adensamento. Por
mais que o surgimento das indústrias nas cidades tenha acontecido de forma semelhante,
relativamente parecido com os padrões de industrialização soviética na qual via-se investimentos
para o urbano-industrial, nota-se que a China em um curto período de tempo (1960 a 1978)
desenvolve um padrão diferente de "criação" do urbano. A urbanização chinesa, com uma política
de visão distinta, surge em conjunto com outros de seus possíveis potenciais sendo os principais
eixos: industrialização, agricultura e a educação. Já no Brasil, identifica-se um modelo de
urbanização, ou a sua expansão, sendo ainda ligada e orientada para as políticas industriais ou até
mesmo a demarcação dos territórios brasileiros. Porém, comparando a outros países, o país ainda
possui dependência tecnológica, inclusive da própria China. No caso do Brasil, a independência da
importação ainda é vista, já que a grande maioria das indústrias são de origem europeia ou
americana, que além de exportarem grande parte do capital ainda detém o saber tecnológico.
Palavras-chave: Industrialização, Urbanização, Brasil, China.
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IMIGRAÇÃO HAITIANA PARA O PARANÁ: EXPECTATIVAS E DESAFIOS
Joselene Ieda dos Santos Lopes de Carvalho (UNIOESTE - Campus Marechal Cândido Rondon) E-mail: joohieda@hotmail.com
RESUMO
Esta apresentação faz parte de minha tese de Doutorado da qual entrevistei imigrantes haitianos e haitianas que moravam na cidade de Cascavel, localizada na região Oeste do Paraná. Através da metodologia da História Oral (PORTELLI, 2007), dentre os anos de 2016 a 2020 realizei as entrevistas buscando destacar três elementos principais nas narrativas: i) trajetória de vida – como viviam no Haiti, suas experiências de trabalho, estudos, moradia; ii) trajetória de imigração – o contexto da imigração se tornou objeto de investigação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que destacou que a maioria dos imigrantes haitianos chegavam na fronteira do Acre através do tráfico ilegal de pessoas (MAMED, 2016); iii) trajetória de trabalho e de luta – levando em consideração a cidade em que estavam morando no momento da entrevista, Cascavel, e também as demais cidades no Brasil e/ou em outros países que já tivessem percorrido. Sobre as trajetórias de luta, a partir de 2016 os haitianos organizaram a Associação Haitiana de Cascavel, buscando de maneira autônoma lutar por políticas públicas municipais. Sendo assim, desde 2010 quando houve um aumento considerável da imigração haitiana para o Brasil, o que fez com que não apenas os centros urbanos como São Paulo recebessem esses trabalhadores, mas também cidades do interior, como é o exemplo de Cascavel, acentuou-se a exploração da mão de obra destes imigrantes em trabalhos precários, principalmente na linha de produção das agroindústrias da carne na região Sul do Brasil e na construção civil. Como referencial teórico-metodológico compreendo que o conceito destacado por Marx (2003) de “exército industrial de reserva” se traduz nas experiências dos imigrantes haitianos, que entre pressões e limites, buscam maneiras para sobreviver. Dessa forma, busco apresentar como nas narrativas, os haitianos que se tornaram imigrantes para o trabalho, interpretam suas próprias experiências na expectativa que possam não apenas melhorar suas vidas, mas também a de seus familiares que permaneceram no Haiti. Palavras-chave: Imigração haitiana, Trabalhadores, História Oral.
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AS PECULIARIDADES DO CONCEITO DE LUGAR E O UNIVERSO HARRY POTTER
Marisa Rocha Bezerra (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – Campus Mossoró) E-mail: marisabbezerra@gmail.com
Paulo da Silva Santos (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – Campus Mossoró)
E-mail: Silvasantospaulo982@gmail.com
Erik Albino de Sousa (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – Campus Mossoró) E-mail: erikalbino2018@gmail.com
RESUMO Para compreender o espaço geográfico é preciso entender e analisar as especificidades dos
conceitos chaves que compõe a ciência geográfica. Entre os conceitos chaves está o lugar, sendo este tratado no presente trabalho, com base na análise da obra de gênero fantasia, Harry Potter. O lugar pode ser definido e caracterizado mediante a identidade com o meio e afinidade com as peculiaridades que compõe cada espaço. Despertando também, os sentimentos de apego e pertencimento de baixa e alta intensidade. Na contemporaneidade, o ensino de geografia tem utilizando cada vez o uso de metodologias alternativas, como jogos, aplicativos, memes, filmes, dentre muitas outras, no intuito de uma melhor mediação em sala de aula; buscando entre aluno e professor, uma construção de conhecimento de forma crítica. No que tange a obra de Harry Potter, se trata de uma série de livros, que inspiraram os filmes, é de autoria feminina, mais conhecida por seu pseudônimo J.K Rowling, cuja nome completo é Joanne Rowling. Os livros foram finalizados no período de 1998-2007. À adaptação nos cinemas do primeiro livro, Harry Potter e a pedra Filosofal teve estreia no ano de 2001. Toda a obra, se tratando de aventuras e fantasia, conta a história de um grupo de crianças bruxas a bruxos, que nos livros e adaptações finais passam pela adolescência e a fase adulta, na formação em uma escola de magia e bruxaria, Hogwats. O personagem principal, cuja leva o nome da saga, e com a qual sua vivência nessa escola carrega as peculiaridades do conceito de lugar, que é um espaço que temos um afeto, laços, vem trazendo consigo uma representatividade no cotidiano do indivíduo. Harry, é órfão e mesmo tendo seus tios como vínculo sanguíneo, encontra vínculo familiar nas suas amizades em Hogwats, em especial com Hermione, Rony e na sequência com Sirius Black (padrinho de Harry). Nas cenas dos filmes é demonstrado que Harry, não é aceito na casa dos tios, que também deixam claro a rejeição pela natureza do menino, bruxo. No entanto, ao chegar em Hogwats, havia uma identificação e aceitação por partes de todos. Já que na escola ninguém era considerado diferente. Observa-se que a escola adentra na ideia de pertencimento, pois, é pronunciado várias vezes pelo personagem que Hogwats era sua verdadeira casa, seu lar. Porém, o conceito de lugar não somente é aplicado na individualidade de Harry Potter. Uma das professoras, Siblia Trelawney, ao ser expulsa da escola de magia, disse que também não considerava outro lugar como lar, a mesma morava a mais de dezesseis anos na escola. A partir disso, é esperado uma interação a essa metodologia a ser aplicada em sala que viabilize uma compreensão a partir das cenas que retratem o conceito de lugar juntamente com as ideias que este acarreta tais como identificação, identidade e espaço vivido, dotado de significados. Palavras-chave: Ensino de Geografia, Metodologias Alternativas, Filmes.
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NEOLIBERALISMO E NATUREZA: A PRIVATIZAÇÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS NA ILHA GRANDE (RJ)
Johana Maiy Alecrim Alves Gomes (Universidade Federal Fluminense) E-mil: johana.gomes@hotmail.com
RESUMO A maior ilha do estado do Rio de Janeiro tem o nome de Ilha Grande, e é distrito do
município de Angra dos Reis. É a Ilha que nomeia a Baía da Ilha Grande, no sul do estado, que por sua vez abrange o município de Paraty e uma parcela do município de Mangaratiba, além da já citada Angra dos Reis. A Ilha está totalmente inserida em Unidades de Conservação, que são o Parque Estadual da Ilha Grande, a Reserva Biológica da Praia do Sul, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro e a Área de Proteção Tamoios, sendo as duas primeiras de proteção integral, isto é, uso restritivo à habitação humana, e as últimas de uso sustentável, ou seja, permissivas à ocupação. A Ilha Grande é, portanto, uma grande área ambientalmente protegida. Na última década, a Ilha vem sendo alvo do avanço do controle do empresariado através dos dispositivos legais ambientais, isto é, através das unidades de conservação são impostas – pelo Estado e pela iniciativa privada – diversas novas modificações, que não levam em consideração a vontade dos moradores das diversas localidades e vilas. Esse processo não é exclusivo da Ilha, já que diversos parques nacionais e estaduais foram inseridos em processos de concessão privada. Buscando entender os interesses e discursos envolvidos no processo de estabelecimento de áreas ambientalmente protegidas, a pesquisa tem como objetivo investigar o avanço da apropriação privada da natureza, analisando o cenário nacional, mas tendo como foco investigativo a Ilha Grande, no período entre 2009 e 2019. Dentre os procedimentos metodológicos, estão a pesquisa documental, a partir da análise de legislação ambiental e turística, além de trabalhos de campo realizados entre 2016 e 2019, que consistiram na presença em audiências públicas e na realização de entrevistas abertas, e pesquisa bibliográfica sustentada em autores estudiosos da temática. Em relação aos resultados, foram realizadas duas investidas de apropriação privada da natureza através da APA Tamoios, em 2009 e 2012, e em 2015 foi a vez do Parque Estadual (PEIG), quando este foi escolhido para ser o projeto piloto de gestão privada de unidades de conservação do estado do Rio de Janeiro. A Lei n° 7.061 foi aprovada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 2015 e tornou possível o estabelecimento de Parcerias Público Privadas para a gestão de unidades de conservação estaduais, além da limitação do número de visitantes e cobrança de taxa permanência. A Ilha Grande foi escolhida pelo governo estadual como projeto piloto. Hoje, a nível nacional, todo esse processo tem a sistematização em um programa governamental iniciado em 2016, nomeado “Projeto Parcerias Ambientais Público-Privadas”, o PAPP, que busca formular e aplicar modelos de PPPs em unidades de conservação, estratégia de gestão característica do neoliberalismo, racionalidade que direciona a política ambiental do país hoje. Palavras-chave: Unidades de Conservação, Ilha Grande, Neoliberalismo.
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A CENTRALIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (IES): FATOR PARA A MOBILIDADE ESPACIAL DA POPULAÇÃO
Rodrigo Emanoel de Sousa Almeida (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – Campus
Mossoró) E-mail: rodrigoalmeida@alu.uern.br
Héllen Jamilly Benevides (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – Campus Mossoró)
E-mail: hellenjamilly@hotmail.com RESUMO
As diferenças entre os lugares pela ausência ou diversidade de serviços ofertados ainda se fazem presente nas discussões e problemáticas que dialogam com as mais variadas ciências. O que antes Walter Christaller abordaria sobre a Teoria do Lugares Centrais (TLC) no sul da Alemanha, onde a cidade teria papel central na oferta de bens e serviços mais diversos possíveis e que, a mesma poderia influenciar de forma hexagonal outros centros menores, sendo motivo de discussão nas ciências demográfica, sociológica, económica, geográfica e dentre outras. Objetiva-se analisar a centralidade das instituições de ensino superior no contexto regional através da mobilidade realizada por estudantes tendo como finalidade os cursos de graduação. A expansão e interiorização de instituições que ofertam a educação superior reflete nos novos contrastes da dinâmica populacional, antes detida nos grandes centros urbanos, vem ocupando papel importante nas ditas cidades médias ou nos centros regionais de destaque dos estados. Essa realidade não só permitiu os estudantes percorrerem menores distâncias como também exacerbou as desigualdades regionais existentes. Para o presente trabalho optou-se pela leitura bibliográfica de cunho teórico em artigos, revistas, livros, dissertações e teses, como forma de aprofundar a discussão sobre centralidade. Além de contar com a coleta de dados pela plataforma do IBGE, e-MEC e INEP, que contém a disponibilização do Censo da Educação Superior, informando o quantitativo de instituições nas capitais e nas cidades interioranas, número de cursos disponíveis, número de matriculas, estudantes naturais e aqueles que tem sua origem em outro município. E por fim, porém mais didático, será utilizado dados referentes a pesquisa “Regiões de Influência das Cidades-REGIC” que mostrará os níveis de centralidade da oferta do ensino superior nas cidades brasileiras. Em 2018 cerca das 2.537 IES, apenas 904 ficavam nas capitais enquanto 1.633 no interior. Maioria dessas concentra-se no Sudeste e no Nordeste, espraiando-se para além das regiões metropolitanas. Outro ponto crucial para esta centralidade foi o avanço de políticas públicas ao acesso e universalização ao ensino superior, facilitando a opção do estudante em escolher por instituições mais próximas. Dessa forma, pretende-se fazer uma discussão acerca da influência exercida pelas cidades que detém dessas instituições no contexto regional, auxiliando no raio de alcance atingida por essas, além das abordagens feitas sobre acessibilidade tanto ao ensino superior como a própria mobilidade através dos deslocamentos realizados por meio dos transportes estudantis, sobre as redes que possibilitam a fluidez desses deslocamentos e o acesso as cidades ofertantes, fixos (instituições), fluxos (ação de move-se), conjuntos de objetos (diversidade de instituições) e sistema de ações (grupos de estudantes que realizam a mobilidade). Para isso, será utilizado autores como Milton Santos, Roberto Corrêa, Encarnação Spósito, Rosana Baeninger e Olga Becker. Palavras-chave: Centralidade, Ensino Superior, Mobilidade Populacional.
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CONCEPÇÕES E ESTIMATIVAS ACERCA DA FORMA DA TERRA E SUA REPRESENTAÇÃO NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO
OCIDENTAL: DA ANTIGUIDADE ÀS VIAGENS DE DESCOBRIMENTO (XV-XVIII)
Diego Maguelniski (Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Francisco Beltrão) E-mail: diegomag.com@gmail.com
Fabrício Pedroso Bauab (Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Francisco Beltrão)
E-mail: fabriciobauab@yahoo.com.br
RESUMO O presente estudo busca, através de uma extensa pesquisa bibliográfica, delinear e abordar
as principais concepções cosmográficas e estimativas acerca da forma do planeta Terra, nossa morada, na história do pensamento geográfico Ocidental. Para tanto, definimos um recorte temporal que vai desde os primeiros registros escritos gregos, por volta do século VIII a.C., até meados do século XVIII, quando as contribuições das teorias de Isaac Newton (1643-1727) e de René Descartes (1596-1650), sobre o formato da Terra, foram testadas em campo, nos experimentos geográficos de Pierre-Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759) e Charles-Marie de la Condamine (1701-1774). Para cumprir nossos objetivos, procuramos nos servir de amplo repertório bibliográfico (livros, artigos, teses, dissertações), para poder dissertar sobre as principais características do pensamento geográfico em diferentes momentos da história do Ocidente. Ao mesmo tempo, contamos com as contribuições de pesquisadores da história e da epistemologia da Ciência, como Boorstin (1989), Dreyer-Eimbcke (1992), Kimble (2005), Koyré (2001), Kuhn (2002;2011), Rossi (2001), Bauab (2012), Santos (2002), Brotton (2014), Carvalho (2006), entre outros. Para abordar as variadas concepções cosmográficas, incluídas dentro de nosso recorte de estudo, adotamos a consulta a várias obras de fontes primárias, estabelecendo, assim, melhores ligações com o pensamento geográfico de cada período e espaço estudado. Até o momento, nosso estudo discutiu dois períodos históricos do pensamento geográfico do Ocidente: a Idade Antiga (VIII a.C. – IV d.C.) e a Idade Média (V-XV). Na Idade Antiga nos limitamos às concepções cosmográficas e estimativas sobre a forma da Terra das civilizações grega e romana; na Idade Média, estudamos as concepções cosmográficas cristãs e, as alternâncias da Ciência Ocidental, na Europa Medieval. Como perspectiva de continuação de nosso trabalho, nossas investigações pretendem abordar as mudanças observadas nas concepções geográficas ocidentais a partir dos empreendimentos de descobrimentos geográficos dos séculos XV à XVIII; também, discutiremos sobre o complexo conceito de Descobrimento a partir das considerações de Bornheim e Subirats (1998), entre outros; por fim, trataremos da formação da ciência moderna europeia e sua ligação para com os empreendimentos de exploração geográfica, incluindo, dentro outros, as viagens de Marpetuis e La Condamine, ambos no século XVIII, retratando o gradual processo de desvelamento da superfície terrestre e a confirmação da esfericidade da Terra. Palavras-chave: Forma da Terra, Pensamento geográfico, Ocidente.
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AS CONTRIBUIÇÕES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DO PROFESSOR INICIANTE
Debora Cristina Lopes (Universidade Federal do Paraná - Campus Reitoria) E-mail:declcoxa@ufpr.br
RESUMO O início da docência é um período importantíssimo para a vida profissional, repleto de
expectativas e incertezas. Este período tem início nas atividades de estágio e prática de ensino durante o curso de formação inicial e compreende os primeiros anos na profissão, nos quais os professores fazem a transição de estudantes a docentes. Entende-se a formação de professores como um processo contínuo de desenvolvimento, sendo assim, as possibilidades de aprendizagem ocorrem em todas as etapas da vida profissional docente, sendo o estágio um momento ímpar, em que se possibilita pôr em prática, com supervisão, as aprendizagens obtidas durante a formação inicial. A pesquisa tem por objetivo analisar as dificuldades encontradas pelo professor iniciante (estudante em formação) em sua prática docente e o papel da Universidade como instituição formadora. A escolha por essa temática se deve à própria experiência enquanto professora iniciante e as dificuldades encontradas no início da carreira, como: o medo de não dar conta das atribuições; a dificuldade ao planejar as aulas e atividades; as frustrações como o desinteresse dos alunos; e a falta de apoio encontrada na Escola. A pesquisa bibliográfica baseia-se em autores como: Mizukami (2003), Tardif (2006), Lima e Pimenta (2006) e Guarnieri (2012). Como metodologia optou-se pela realização de entrevistas com 33 (trinta e três) estudante do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná, realizadas no mês de setembro de 2020, via formulário do Google. A entrevista contou com 24 (vinte e quatro) questões entre múltipla-escolha e dissertativas que abordaram o perfil do estudante, papel do estágio na formação docente e dificuldades encontradas na realização das disciplinas de estágio. Para a análise das respostas foram definidas três categorias: 1) Contribuições do curso de formação inicial na prática docente; 2) Dificuldades encontradas na realização do estágio; 3) Importância dos Estágio Supervisionado na formação docente. Como resultados foi apontado que os estudantes percebem grande contribuição do estágio supervisionado em sua formação, que conseguem perceber a relação entre teoria e prática, assim como a contribuição de todas as disciplinas em sua prática. Os principais problemas apontados pelos entrevistados na realização do estágio referem-se a: carga horária excessiva de observação e pequena de regências, pouco apoio dos profissionais da unidade de estágio, supervisão na escola pouco eficiente, poucos encontros na universidade para compartilhar as experiências vivenciadas no estágio e escassez de momentos em que são discutidos como tratar situações reais de sala de aula. Palavras-chave: Estágio Supervisionado, Formação Inicial, Professor Iniciante.
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INSERÇÃO URBANA E O DIREITO À CIDADE: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EM UNIÃO DA VITÓRIA -
PARANÁ
Vagner Luis Carneiro de Campos (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná - Campus União da Vitória)
E-mail: vagnerluiscampos23@gmail.com
Patricia Baliski (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná - Campus União da Vitória)
E-mail: patricia.baliski@ifpr.edu.br RESUMO
O presente trabalho, relacionado a um projeto de pesquisa em desenvolvimento, objetiva verificar se a obtenção da moradia em União da Vitória, produzida no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, garante o direito à cidade, através do acesso a equipamentos e serviços públicos próximos ou no interior dos conjuntos habitacionais estudados: Guerino Massignan, Horst Waldraff I e Horst Waldraff II. O direito à cidade é uma grande discussão pautada por movimentos sociais, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e por alguns governantes. Depois das grandes manifestações ocorridas no Brasil, em 2013, esse assunto começou a estar mais presente nas demandas e pautas do país pelos movimentos da sociedade civil e com maior frequência nos discursos de alguns candidatos políticos. O processo de urbanização das cidades brasileiras, pela forma como se desenvolveu, desigual e excludente, reforça ainda mais a necessidade das discussões sobre o direito à cidade, compreendendo o debate que considera políticas públicas voltadas à educação, saúde, segurança, assistência social, cultura, lazer e moradia. Portanto, percebe-se a relevância dessa discussão em União da Vitória. A metodologia adotada para o desenvolvimento desta pesquisa consistiu no levantamento e mapeamento da localização das escolas, unidades de saúde, centros de referência de ação social, centros especializados de assistência social e equipamentos de esporte e lazer nos bairros onde se localizam os conjuntos habitacionais, com dados obtidos principalmente nas secretarias de Assistência Social, Educação, Saúde, Esporte e Cultura do município de União da Vitória. Também foram utilizados dados do PARANACIDADE e atividades de campo. Do mesmo modo, realizou-se uma análise das condições de mobilidade urbana dos conjuntos em relação às demais áreas da cidade: para isso, utilizaram-se informações dos itinerários das linhas de transporte que atendem aos conjuntos analisados. Entre os resultados obtidos, verificou-se que os três conjuntos habitacionais estão localizados geralmente a mais de quinhentos metros de distância em relação a equipamentos e serviços públicos de saúde, educação, assistência social e esporte e lazer, salvo poucas exceções, o que obriga os moradores a realizarem deslocamentos consideráveis cotidianamente. Salienta-se que a distância de análise teve como referência seu uso para esse fim por outros municípios brasileiros. No que se refere à segurança pública e assistência social, a distância dos conjuntos destes equipamentos e serviços amplia-se, implicando em deslocamentos ainda maiores. Por fim, concernente à mobilidade, constatou-se a existência de uma única linha urbana, responsável pela ligação dos três conjuntos habitacionais com o centro da cidade. Como a pesquisa está em andamento, a próxima etapa consiste em verificar a
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infraestrutura e acessibilidade no interior dos conjuntos habitacionais populares e a caracterização dessas áreas considerando a renda, população e escolaridade. Com base nos resultados, constata-se que a localização dos três conjuntos impõe uma série de dificuldades cotidianas aos seus moradores, afinal, são necessários deslocamentos consideráveis para a obtenção dos serviços mais essenciais. Isso permite realizar questionamentos, mesmo que preliminares, se o direito à cidade está se efetivando ou há ainda uma dissociação entre políticas públicas habitacionais das urbanas, algo característico dos programas de moradia anteriores. Palavras-chave: Direito à Cidade, Moradia Popular, Programa Minha Casa Minha Vida.
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HIP-HOP E TERRITORIALIZAÇÃO DO CORPO MARGINALIZADO: O CASO DO PROJETO “A RUA DANÇA A CIDADE”
Paula Damasio Mincov (Centro Universitário Filadélfia – Campus Londrina) E-mail: paulamincov@gmail.com
Rafaela Girioli Alcantara Panissa (Centro Universitário Filadélfia – Campus Londrina)
E-mail: pani.rafa96@gmail.com
Caroline Santos de Oliveira (Universidade Estadual de Londrina) E-mail: carol.santosoliveira@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho propõe compreender, a partir do estudo de caso do projeto “A Rua Dança a Cidade” do município de Londrina (PR), as interlocuções acerca das territorialidades dos corpos a partir de expressões culturais desenvolvidas em espaços, de forma a abarcar indivíduos em situação de vulnerabilidade social que conformam a pertença do corpo em meio ao território. Saquet (2011), disserta acerca da territorialidade enquanto um fato temporal que pode ocorrer através das relações sociais e da apropriação do espaço geográfico de forma concreta ou simbólica, dialogando com ritmos históricos e cotidianos do indivíduo-coletivo, constituindo identidades e pertenças em detrimento de seus elementos culturais, políticos e econômicos. Desta maneira, em decorrência do corpo (indivíduo) enquanto entidade porosa, assumir tudo aquilo que o espaço lhe introduz, assim como o espaço introjeta tudo aquilo que lhe é exposto (HARVEY, 2011), compreende-se que as expressões culturais, sendo objeto do presente estudo o hip-hop, promovem indissociavelmente ao território o processo de territorialidade dos corpos. Orientando-se pelos preceitos de Furtado (2012), pode-se caracterizar como tribos urbanas as formas de socialização daqueles que vivenciam do hip-hop, o qual, segundo Alves e Dias (2004), corresponde a um estilo de dança que traz consigo a reflexão do entorno da cidade – tendo origem em Nova Iorque, em meados dos anos 60. Conhecido como Break Dance, sua tradução é carregada de projeções simbólicas e culturais uma projeção de esforços internos em sua “linguagem corporal” mostrando o contexto em que os bairros negros e latinos estavam inseridos (classes sociais marginalizadas), lutando contra a segregação. Esses indivíduos compartilham de ideologias pautadas na reinvindicação de direitos e empoderamento, fortalecendo vínculos intimamente ligados às expressões artísticas que constituem a materialização dos fundamentos ou identidade do hip-hop. Em vista disso, têm-se os espaços para as batalhas de rap, onde o Break Dance e o grafite incorporam como materialidade as falas dos MC’s e os ritmos dos DJ’s, traduzindo as problemáticas sociais vivenciadas, conformando as territorialidades desses grupos. O processo metodológico se estruturou a partir da realização de pesquisa bibliográfica, levantamento de campo e o uso da técnica “entrevista em profundidade”, dissertada por Duarte (2005), com membros do projeto cultural “A Rua Dança a Cidade”, transformando os entrevistados passivos em sujeitos ativos à pesquisa. A partir da entrevista, foi possível aferir o objetivo do projeto, que em 2004 passaram a atender em torno de 180 pessoas ao entrar para o PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura –, tendo como principal proposta atingir os bairros com maior índice de vulnerabilidade, utilizando o hip-hop como forma de reflexão e traçando valores estruturados
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como método de conscientização e proporcionando a reeducação do estigma de violência atrelado ao hip-hop, utilizando-se da dança como forma de expressão e dando ênfase a referências culturais para dar uma voz, identidade e pertença aos alunos, conformando o processos de territorialização do corpo marginalizado. Vê-se, por meio da pesquisa de campo e das entrevistas de cunho qualitativo que se trata de como as expressões artísticas constroem a territorialidade com pautas de caráter reivindicatório. Palavras-chave: Territorialidade, Hip-hop, Identidade.
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PENSAR, LER E OUVIR GEOGRAFIA: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA NAS MÚSICAS DA BANDA BAIANASYSTEM
Alex Cavalheiro Moreira (Universidade Federal de Pelotas) E-mail: alexcavalheiro44@gmail.com
RESUMO
Este resumo tem a intenção de registrar o desenvolvimento de um trabalho que versa sobre a Geografia humana e cultural. Na tentativa de compreender de que forma a Geografia pode ser identificada nas músicas populares brasileiras e, com isso, promover o olhar geográfico para os mais diversos setores de nossa produção científica e cotidiana. Através de produções musicais brasileiras, com o recorte de três obras da banda BaianaSystem, se tem a intenção de identificar os aspectos, conceitos e objetos trabalhados pela Geografia dentro das letras das canções da banda, a pesquisa tem caráter bibliográfico com base nas narrativas construídas pela banda em suas músicas. A análise será feita nas seguintes obras: Dia da Caça, Colar de Miçangas e Sulamericano, buscando compreender as geografias presentes através de uma análise minuciosa, com intenção de identificar e compreender de que forma os conceitos da geografia são desenvolvidos. Vale ressaltar que esse trabalho está em processo de desenvolvimento inicial, em que após a escolha das músicas citadas acima, prosseguimos com a análise, que chamarei aqui, de geográfica. Os objetivos consistem em identificar a Geografia presente nas canções, compreender a articulação de conceitos geográficos às canções, mesmo que de forma indireta, refletir de que forma uma música pode agir na ampliação do olhar geográfico e a compreensão dos objetos da geografia. Espera-se que com isso, a ciência se torne mais dinâmica, promovendo a articulação com outras áreas do conhecimento, tecendo considerações sobre Geografia, cultura, identidade e território. Nesse sentido, julgamos fundamental buscar as geografias desenvolvidas em diferentes contextos. Dessa forma esse trabalho apresenta sua relevância, pois se trata de mais uma tentativa de promover a ciência geográfica a partir de diferentes contextos e concepções, comprovando a presença da Geografia na obra da banda. Pretende-se, com essa proposta, que a compreensão acerca da Geografia se torne mais palpável, e que seja possível analisar e extrair os elementos geográficos das músicas da banda BaianaSystem, promovendo a interdisciplinaridade geográfica. Pois com esse trabalho é possível chegar em espaços e tecer diálogos que podem ampliar a transformação do olhar, priorizando a análise geográfica sobretudo no cotidiano e sobre as produções culturais brasileiras, que retratam a Geografia de forma pura, e muitas vezes, indiretamente. Essa proposta se soma ao acervo de reflexões geográficas para que possamos pensar uma nova Geografia, estabelecendo comunicações entre cultura, Geografia, sociedade, música e identidade. Para isso, é necessário se ater aos objetivos e a forma de produzir ciência para que seja possível afirmar a relevância de produções nesse sentido. Ao identificar a Geografia em distintos segmentos da sociedade podemos possibilitar o olhar geográfico, que é extremamente necessário para a promoção da ciência e de novos diálogos dentro do espaço acadêmico e comunitário. Fazendo com que a Geografia seja percebida para além das produções acadêmicas. Dando o papel de protagonista para as geografias compostas pela banda BaianaSystem. Palavras-chave: Ciência, Olhar geográfico, Música popular brasileira.
XIV SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA “O fazer geográfico no Sul Global: espacialidades e temporalidades
diversas” Outubro e novembro de 2020
ISSN 1984-1353
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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: PROGRAMA OBSERVATÓRIO POLONÊS DA UNESPAR
Alcimara Aparecida Föetsch (Universidade Estadual do Paraná - Campus União da Vitória) E-mail: alcimara.foetsch@unespar.edu.br
Everton Luis Batili (Universidade Estadual do Paraná - Campus União da Vitória)
E-mail: evertonluisbatili@gmail.com
Bruna Eduarda Gonçalves dos Santos (Universidade Estadual do Paraná - Campus União da Vitória)
E-mail: brunawnneduarda@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho objetiva socializar as ações do Programa de Extensão intitulado “Observatório Polonês da Unespar” que vincula-se à Área Temática “Cultura” do Plano Nacional de Extensão Universitária (FORPROEX) por meio da linha “Patrimônio Cultural, histórico, natural e imaterial”. Classifica-se dentro da Grande Área das Ciências Humanas, na Área da Geografia (CNPq) e destina-se à comunidade polonesa da região de Porto União da Vitória (SC/PR), aos interessados e estudiosos da temática. Congrega professores, pesquisadores, estudantes, descendentes de poloneses, simpatizantes e representantes de associações étnico-culturais nacionais e internacionais. O objetivo é superar a fragmentação e a desarticulação das ações promovendo um extensionismo universitário convergente, reflexivo e articulado, potencializando esta agenda multidisciplinar cultural por meio de encontros de socialização, pesquisas científicas, relatos de memória, eventos, documentários, cantos, danças, cursos temáticos, visitas às comunidades, grupos de estudo, concursos, integrações étnicas, manifestações artísticas, recepções aos visitantes, estudo do idioma, culinária, artesanato e folclore. Participam professores, pesquisadores, estudantes, músicos, terapeutas, administradores, dançarinos, assistentes sociais, engenheiros, gastrônomos, arquitetos, trabalhadores, artesões, agricultores, donas de casa, aposentados, artistas, advogados, empresários, cada qual com seu olhar, vivência, memória e contribuição. Trata-se de um esforço coletivo no sentido de resgatar, sistematizar e agrupar ações e atividades que vêm sendo desenvolvidas pela Unespar, especialmente nos cursos de Geografia, História, Pedagogia, Letras e Matemática, notadamente com pesquisas nas áreas de identidade linguística, instituições escolares, cultura e etnicidade, cemitérios étnicos, patrimônio cultural, etnomatemática, identidade de gênero e violência. O Programa tem como parceiro o “Clube Literário Wladyslaw Reymont (CLWR)” de Porto União da Vitória que desenvolve ações e atividades de forma a enaltecer a identidade trazida pelos imigrantes nos séculos XIX e XX articulando-a com a Polônia contemporânea por meio da atuação de quatro seções temáticas intituladas: Estudos literários, da identidade, cultura e língua polono-brasileira; Arte e cultura polonesa; Turismo Polônico; e, Expressões culturais polonesas. Palavras-chave: Poloneses, Porto União da Vitória (PR/SC), Extensionismo universitário.
XIV SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA “O fazer geográfico no Sul Global: espacialidades e temporalidades
diversas” Outubro e novembro de 2020
ISSN 1984-1353
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SACRALIZAÇÃO DA NATUREZA E A SIMBOLOGIA DA MORTE: A RESSIGNIFICAÇÃO DA PAISAGEM RELIGIOSA NOS CEMITÉRIOS
DE ANJOS DE SÃO JOÃO MARIA
Alcimara Aparecida Föetsch (Universidade Estadual do Paraná - Campus União da Vitória) E-mail: alcimara.foetsch@unespar.edu.br
Felipe Luiz Mokochi (Universidade Estadual do Paraná - Campus União da Vitória)
E-mail: felipemokochi@gmail.com
RESUMO Quando se fala em São João Maria, Santo beatificado pelo povo no Sul do Brasil, são
comuns várias referências a rituais de cura, batismo, oferendas, rezas e promessas que alimentam uma paisagem religiosa sui generis marcada pela sacralização dos elementos da natureza: o pocinho (ou olho d’água) que batiza/cura e a árvore de cedro (Cedrela fissilis) que brota quando plantada em forma de cruz. Todavia, no município paranaense de São Mateus do Sul um componente diferenciado deste cenário se torna recorrente e, estranhamente, não é mencionado na literatura regional. Tratam-se dos cemitérios de anjos e/ou cemitérios de criancinhas, pequenas sepulturas de natimortos ou recém-nascidos que destoam da paisagem do entorno e ressignificam estes espaços de fé, ritual e peregrinação. Percebê-los, visibilizá-los e estudá-los significa reconhecer uma religiosidade popular que, marginalizada, deu conta de criar e recriar distintas formas de manifestar suas crenças materializando-as na paisagem e resguardando-as na memória – um catolicismo rústico enquanto expressão de resistência, perseverança e referência à vida ancestral. Neste cenário, trilhando o caminho da filosofia dos significados por meio da Fenomenologia e fazendo uso das bases teórico-metodológicas da Geografia Cultural na perspectiva da Religião, objetiva-se perceber de que forma estes espaços sagrados associados a São João Maria foram sendo ressignificados por meio da sacralização da natureza e da simbologia da morte. Para tanto, foi construída inicialmente uma cadeia de informantes (snowball) que, associada a um intenso trabalho de campo, permitiu organizar um mapa temático desta religiosidade popular visibilizando 33 espaços tidos como sagrados e associados pelas comunidades a São João Maria. Destes, 13 possuem cemitérios e 7 foram selecionados para o aprofundamento nesta pesquisa por estarem estrategicamente distribuídos na extensão do município e apresentarem melhores condições de conservação. Nestes cemitérios de anjos e/ou criancinhas, pretende-se captar a materialidade visível por meio da leitura da paisagem enquanto texto decodificando os elementos geossimbólicos que a compõe, além de apreender a dimensão imaterial destes lugares de memória por meio da oralidade. Trata-se, portanto, de investigar o sagrado em sua dimensão espacial, decodificando a paisagem religiosa de São João Maria, compreendendo suas ressignificações para além da sacralização da natureza. Por fim, é significativo e oportuno pautar uma discussão acerca da Educação Patrimonial, isso porque, por vezes, na ânsia por proteger suas heranças culturais, os lugares acabam por ser homogeneizados e renovados numa perspectiva de modernidade incompatível com sua essência. Palavras-chave: Sacralização da natureza, Cemitérios de Anjinhos, São João Maria.
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