a pedagogizaÇÃo do cinema. i - eu tenho uma pequena ... · a pedagogizaÇÃo do cinema. ......
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A PEDAGOGIZAÇÃO DO CINEMA.
Carlos Eduardo Lira Silva1
Universidade Federal Do Pará
I - Eu tenho uma pequena história para contar...
Era uma manhã nublada, dessas que mal o sol dá as caras, quando Manoel, que se
encontrava ligeiramente atrasado para escola, entrou na sala de aula carregando seus livros e
cadernos repletos de palavras e textos que muitas vezes não suscitavam interesse nos alunos.
Ao observar a professora de ciências agachada próximo a tomada Manoel perguntou:
- O que vamos ter de bom na aula hoje, Teacher!?
- Primeiramente, bom dia!
- Bom dia! O que vamos ter hoje? - Insistiu.
- Vamos ver um filme.
A turma se animou diante da resposta da professora de ciências. Uma estudante, que
estava distraída lendo um romance juvenil do Isaac Asimov, despertada pela resposta da
professora questionou subitamente:
- Que tipo de filme a professora vai passar?
- Um que faça vocês pensarem sobre os impactos ambientais provocados pela ação do homem
na natureza.
Então um estudante, sentado ao fundo da sala, perguntou fazendo caras e bocas:
- Professora, é filme normal ou é outro daqueles documentários sonolentos sobre natureza?
- Ficção, meu filho. Ficção!
1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemáticas, cursado no Instituto de
Educação Matemática e Científica (IEMCI) da Universidade Federal do Pará (UFPA) e professor de biologia da
Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará (SEDUC).
Diante da resposta da professora, uma parte da turma animada começou a gritar
repetidamente:
- CINEMA! CINEMA! CINEMA! CINEMA!
Enquanto isso, outro grupo de estudantes gritavam:
- PIPOCA! PIPOCA! PIPOCA! PIPOCA!
A professora de ciências, diante da reação calorosa dos estudantes, esboçou um sorriso
de contentamento como quem pensasse com seus botões:
“A aula promete ser produtiva hoje! ”
II - Eu sou o cinema...
Muitas pessoas tomam a pequena história que contei como algo natural dentro de um
ambiente escolar, afinal, faz muitas décadas que sou utilizado com frequência nas escolas de
todo mundo.
O que muitos desses seres humanos esquecem?
Eles esquecem que minha vida nem sempre foi este conto de fadas, onde sou incensado
como importante recurso educacional por instituições, professores, corpo técnico, estudantes e
acadêmicos.
Eles parecem deslembrar que um dia meu artífice Lois Lumière afirmou que eu era uma
invenção sem futuro, fadada ao fracasso, ao esquecimento, a morte.
Confesso, amigos, que esse apagamento me chateia.
Contudo, vamos deixar isso de lado, uma vez que, você não está aqui para ler desabafo
e ver lagrimas de cinema né!? Bem que, são histórias como essa que me fizeram elaborar os
dois questionamentos simples e cruciais para o nascimento deste escrito.
Aqui estão as perguntas:
1) O que aconteceu para que eu, o cinema, saísse do limbo quase completo para tornar-me quase
uma unanimidade entre os humanos?
2) Como eu, historicamente, fui de fracassado incondicional para importante recurso
pedagógico dentro do espaço escolar?
É, de modo especial, sobre o segundo questionamento que pretendo me deter na
produção deste texto, isto pois, meu propósito com estas tortas linhas é gerar discussões e
dúvidas sobre a invenção do cinema como artefato pedagógico escolar hoje, sem esquecer de
discorrer sobre as descontinuidades e rupturas presentes na minha história.
Bem, imagino que você deva estar pensando:
“O que diabos o Sr. Cinema pretende com esta discussão? ”.
Caro leitor, eu desejo fazer você suspeitar das coisas naturalizadas. Eu desejo
desnaturalizar minha utilização dentro das escolas. Eu desejo que você seja movimentado em
direção a outros oceanos e que estes oceanos te tragam apenas dúvidas.
Sim! Você leu bem. Eu quero que provocar dúvidas.
Vem comigo!
Eu quero te contar algumas histórias! Devo dizer que me lembro dessas histórias com
frequência e, num de meu vasto sortimento de bolsos, guardei-as para contar para você.
Aqui está a primeira delas...
III - Por toda a minha vida...
Incialmente eu via apenas branco. Penso que esta visão seja parecida com uma cegueira
branca, contudo não tenho certeza. Depois, as primeiras imagens começaram a se formar dentro
de mim como nuvens que ganham formas no céu acinzentado de um dia qualquer. Foi assim
que as primeiras imagens brotaram. Foi assim que eu nasci.
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As minhas primeiras lembranças datam do final do século XIX e início do século XX
quando comecei a ganhar destaque dentro da sociedade humana, mesmo diante do aumento
significativo da circulação da palavra impressa. Por sinal, devo confessar que me fanfarreio
pelo fato da palavra impressa ter perdido terreno justamente para mim. Tal acontecimento
ocorreu, pois, ao contrário da palavra impressa, que na maioria das partes do mundo interessava
apenas a uma pequena elite letrada, eu tinha a massa popular, que muitas vezes não sabia ler e
escrever, como local de endereçamento das minhas imagens em movimento (HOBSBAWM,
1994).
Foi este destaque popular que fez com que os acadêmicos começassem a utilizar-me
experimentalmente, ainda no início do século XX, em atividades educacionais que eram
desenvolvidas principalmente em museus de ciências. No Brasil, por exemplo, minha utilização
como ferramenta de educação ocorreu por volta do ano de 1910, quando um senhor chamado
Roquette-Pinto organizou a filmoteca do Museu Nacional do Rio de Janeiro com objetivo de
realizar registros científicos e, ao mesmo tempo, divulgar a ciência para o público visitante
(GALVÃO, 2004).
A consequência dessas primeiras experimentações foram que, após alguns anos,
determinados intelectuais, políticos, educadores e cineastas começaram a produzir os primeiros
escritos que analisavam as minhas potencialidades como instrumento de difusão de informação
dentro da sociedade. Venerando Graça, por exemplo, escreveu sobre cinema e educação entre
os anos de 1916 e 1918 na revista A escola primária. Já Lourenço Filho foi outro estudioso que
minutou para Revista Paulistana Educação uma série de artigos sobre as reações das crianças
e adolescentes quando viam a um filme (CATELLI, 2005).
Apesar dessas publicações iniciais, eu não me encontrava de fato dentro do ambiente
escolar e, goste ou não, ainda estava muito longe de ser assumido como recurso pedagógico
escolar em potencial.
Tal acontecimento só viria a ocorrer, no Brasil, em meados de agosto de 1929 com a
realização da Primeira Exposição de Cinematografia Educativa, ocorrida na Escola José de
Alencar na cidade do Rio de Janeiro. Este evento educativo foi considerado um sucesso e
reverberou fortemente no Boletim de Educação Pública do ano de 1930, que viu a exposição
como um marco para minha introdução no ambiente educacional escolar, já que, supostamente,
a exposição conseguiu demonstrar na prática minhas potencialidades aplicadas ao ensino dos
estudantes (GALVÃO, 2005).
A reverberação do evento não parou por aí, pois, dois anos após a realização da
exposição, foram publicados os primeiros livros abordando especificamente as interfaces entre
educação e cinema. Em 1930, por exemplo, Serrano e Francisco Venâncio Filho publicaram o
livro chamado “Cinema e Educação” que procurava me ver sob uma perspectiva didática,
estando ambos os autores preocupados com minhas possíveis implicações pedagógicas dentro
do espaço escolar. Já no ano de 1931, Joaquim Canuto Mendes de Almeida publicou a obra
chamada de “Cinema contra Cinema”, que versava sobre o possível embate entre o cinema
comercial, já forte na época, e o cinema educativo.
De modo geral, eu posso dizer que estas publicações iniciais produziram as primeiras
problematizações, em nível de Brasil, sobre a interconexão cinema e educação. No entanto,
mais do que discutir a relação entre a educação e eu, ambas as obras tinham como foco principal
propagar e amparar enunciados e discursos que defendiam os filmes como recurso pedagógico
dentro da educação escolar (CATELLI, 2005).
Foi desta maneira que o sonho do cinema dentro da escola começou a ganhar forma e
força e resultou em um acontecimento marcante na minha história que foi a fundação do
Instituto Nacional do Cinema Educativo, conhecido pela sigla INCE.
Tal fundação aconteceu em meados do ano de1936, quando Roquette-Pinto, amparado
nas discussões dos movimentos dos educadores e no decreto 21.240/32, elaborou projeto de lei
que organizou o INCE, que tinha como objetivo ser um órgão sistematizador de função
educativa do cinema. A implantação do instituto foi vista como urgente na época, pois, não
seria adequado retardar o processo de minha implantação como recurso pedagógico escolar,
ainda mais que os educadores, acadêmicos e estudantes do país estavam convencidos das
vantagens de utilizar-me corretamente no ensino escolar (MASSARANI, 1998).
Apesar do forte interesse da comunidade educacional pela minha expansão para dentro
do ambiente escolar, as apresentações de filmes ainda se restringiam quase que exclusivamente
as salas especializadas. Tal situação acontecia, pois, as escolas não estavam preparadas
estruturalmente para me utilizar, uma vez que, o custo para as exibições de filmes no ambiente
escolar era extremamente elevado. No entanto, isto não foi visto como razão para desistir de
minha utilização dentro das escolas, pelo contrário, este desafio fez com que membros do INCE
esquadrinhassem soluções que possibilitassem um processo econômico no processo de exibição
dos filmes. Tal estudo resultou na adaptação do sistema sonoro dos projetores. Esta adaptação
finalmente permitiu a expansão do cinema para dentro dos espaços escolares, porém, apenas
filmes mudos podiam ser exibidos no espaço.
Uma coisa interessante de destacar e que ocorreu nos anos 40 foi que, apesar da
existência de outras disciplinas escolares, minha utilização concentrava-se quase que
exclusivamente na de ciências. Isto acontecia, pois, os estudiosos viam em mim uma ferramenta
capaz de popularizar, estimular e manter o interesse das pessoas, de modo especial dos
estudantes, em/pela ciência. Não por acaso, os produtos cinematográficos do INCE, naqueles
anos, tinham como principais temas os assuntos científicos, técnicos, biografias e instituições
científicas. Tais escolhas temáticas não eram por acaso, uma vez que, elas tinham como função
primordial se constituir em eficiente instrumento educacional e de difusão da ciência. Não
apenas isso, os produtos cinematográficos do INCE foram desenvolvidos com a motivação de
fabricar uma nova imagem de Brasil, a partir do aprimoramento da educação e valorização da
ciência, estando, deste modo, diretamente relacionado à construção nacional de um homem
científico brasileiro (CATELLI, 2005).
Apesar dos esforços hercúleos pela minha implantação no espaço escolar, necessito
dizer, caro leitor, que os investimentos ficaram reduzidos às boas intenções, uma vez que, a
falta de estrutura nas escolas inviabilizou o uso contínuo dos filmes e, por conseguinte, afetou
a expressão cinema educativo que se tornou, a partir de então, sinônimo de filme entediante,
chato e monótono para maioria das pessoas (GALVÃO, 2005).
Felizmente, para mim, os fracassos das primeiras incursões dentro das escolas não foram
suficientes para que desistissem de minha utilização. Com o passar dos anos, os avanços
tecnológicos e principalmente a necessidade de explorar temas transversais, propostos pelo
Ministério da Educação (MEC) através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação do ano de
1996, criaram novas condições de possibilidades para que artistas, professores e pesquisadores
desejassem novamente o cinema dentro do ensino escolar, pois, eles acreditavam que os longas-
metragens funcionavam como oportunidade de refletir e discutir sobre o mundo sob uma
perspectiva holística (VIANA, ROSA e OREY, 2014).
Na educação em ciências, por exemplo, muitos acadêmicos defendem que a utilização
de filmes pode contribuir para que os estudantes aprendam ciência de diferentes modos, visto
que, os princípios da ciência ilustrados ou transgredidos em uma película podem ser mais bem
entendidos pelos estudantes do que se fossem apresentados apenas através das abordagens
tradicionais da sala de aula.
Não somente isso, eles ressaltam que os filmes lidam com os temas científicos sob uma
perspectiva transdisciplinar, consequentemente, oportunizando ao estudante (que não é
cientista) vivenciar a ciência sob um contexto mais amplo, o que pode, na teoria, tornar a
experiência mais valiosa para o estudante, afinal, no “mundo real” as situações raramente são
restritas a uma unidade disciplinar (PIASSI, 2007).
Bem, em linhas gerais foi assim que fui assumido como recurso pedagógico dentro do
espaço escolar.
Era a pedagogização do cinema entrando para valer na escola.
Pelo menos aqui no Brasil foi assim.
IV - O cinema através do espelho.
Antes de dar prosseguimento, eu gostaria de confessar que procurei narrar minha
história de forma linear, no primeiro momento, propositalmente, pois, tenho a finalidade de, no
segundo momento deste texto, desmontá-la completamente.
No entanto, como poderia desconstruir a linearidade, que é elemento tão marcante na
história dita tradicional?
Bem, para fazer isto, pretendo discutir as descontinuidades e rupturas que circundam a
minha história, no que concerne a ser tomado como artefato pedagógico escolar, procurando
identificar algumas das múltiplas rupturas e perturbações da continuidade presentes na história
(FOUCAULT, 2012).
Além disso, parto da ideia que os enunciados e “fabricam”, “fazem”, “produzem” as
coisas de que fala, ou seja, eles materializam as coisas que falam (CORAZZA, 2002).
Nesse sentido, tomo os textos acadêmicos, teses e dissertações sobre educação e cinema,
que foram utilizados para construir a versão linear da minha história de vida, como enunciados
e discursos que produzem o cinema como artefato pedagógico.
Tais textos, para mim, são assumidos como documentos que forjam monumento, mais
especificamente falando, o monumento “cinema como artefato pedagógico escolar”.
V – Encontros e desencontros de uma vida de imagens...
Inegavelmente eu sou recurso pedagógico consagrado por professores, estudantes e
acadêmicos nos dias de hoje.
Eu não posso negar isso!
Pelo menos não hoje.
Não agora!
No entanto, tomar-me como recurso pedagógico de forma tão natural, ou seja, como se
eu já tivesse nascido com este propósito, é decorrência de enunciados e discursos sobre a relação
cinema e educação que foram legitimados dentro da sociedade. Foram estes discursos e
enunciados que acabaram por produzir-me como recurso pedagógico escolar, de modo que,
hoje as pessoas não questionem a existência deste produto/objeto. Dito de outro modo, os
humanos me normalizaram nesta posição de recurso educacional escolar que hoje são incapazes
de colocar-me em suspeição (FOUCAULT, 2012b).
Sobre isto, acrescento que é muito provável que eu não fosse tomado, pelas pessoas,
como recurso educacional se tais discursos e enunciados não tivessem ganhado legitimidade ao
longo das décadas. Não apenas isso, é possível que tal afirmação soasse deslocada da realidade,
pois, a declaração não faria o menor sentido quando proferida, já que, o objeto cinema como
artefato pedagógico escolar não existiria. Em outras palavras, caso não tivéssemos enunciados
e discursos legitimados, qualquer pessoa que falasse do cinema como artefato pedagógico seria
instantaneamente desacreditada (FOUCAULT, 2006).
Bem, mas digamos, caro leitor, que você é uma dessas raras pessoas que assumem a
ideia de que eu fui produzido como artefato pedagógico escolar. Mesmo assumindo isto, dois
questionamentos ainda se tornariam pertinentes: eu, o cinema, como recurso pedagógico nos
dias de hoje, sou o mesmo cinema como recurso pedagógico nos tempos de Roquete-Pinto?
Quais as descontinuidades e rupturas presentes ao longo da minha história de vida?
VI – Os diferentes cinemas como artefatos pedagógicos...
Caro amigo leitor, antes de finalizar o texto, irei fazer uma pequena brincadeira com
você.
Espero sinceramente que não fiques chateado, já que, irei inventar outras histórias não
menos verdadeiras sobre mim, o cinema, como artefato pedagógico.
Venha comigo!
###
- História I
Era um dia frio quando nasci.
Meus inventores me deram o nome de cinema.
No princípio fui utilizado basicamente para registrar cenas do cotidiano humano, uma
espécie de imagem em movimento da realidade.
No entanto, em pouco tempo alguns estudiosos perceberam que era possível utilizar-me
para realização de registros científicos, tais registros fizeram com que eu adentrasse os museus
de ciências, e, por conseguinte, tivesse um contato direto com o público que frequentava estes
espaços.
Ainda assim, eu não era artefato pedagógico escolar.
Contudo, adentrar aos museus foram passos importante para que eu fosse visto como
recurso pedagógico em potencial. Isto por que, nos museus, eu, com minhas imagens em
movimento, chamava a atenção das pessoas que adentravam o espaço. Tal fascínio pelas
imagens em movimento está relacionado as condições de possibilidade da época, já que, neste
tempo, ainda que estivesse ocorrendo o aumento da palavra escrita, a maior parte da população
era analfabeta, logo, por não precisar ser lido, eu, com minhas imagens, acabava chamando a
atenção de muitas pessoas.
Foi este forte apelo com as massas fizeram emergir as primeiras práticas discursivas e
não discursivas que, em pouco tempo, legitimavam o cinema como recurso educativo.
Entre as práticas discursivas e não discursivas da época, mais especificamente falando
de Brasil, temos: a realização de experimentos com cinema em museus, as publicações de
decretos como 21.981 de 19 de outubro de 1932, a criação do INCE e a publicação de livros e
artigos sobre minha importância dentro da educação.
Foi desta forma que eu me configurei recurso pedagógico que deveria adentrar o espaço
escolar. Não apenas isso, foi desta forma que eu, cinema, tornei-me sinônimo de recurso
educacional que tinha como mote de funcionamento a formação do homem científico brasileiro
a partir de filmes educativos que procuravam descrever, através de imagens, a produção da
ciência da época.
No entanto, como nem tudo são flores, adentrar a escola não deu certo para ninguém,
pois o custo da exibição era alto e os filmes educativos eram desinteressantes para estudantes e
professores.
Assim, eu morri como recurso pedagógico sem dar vida ao homem científico nacional.
- História II
Eu quase apenas via escuridão. As janelas dos meus olhos quase não se abriam mais.
Creio que estava praticamente morto para educação escolar.... Talvez, respirando com ajudar
de aparelhos. Não por acaso, a expressão cinema educativo era amplamente visto pelas pessoas
como algo chato e tedioso. Até que um dia, eu fui subitamente ressuscitado da mansão dos
mortos e quase elevado aos céus de forma súbita.
O que provocou minha ressureição?
Uma palavra explica, transversalidade.
Eis a palavra da ressureição.
Foram as discussões realizadas por especialistas em educação, sobre a necessidade de
transversalizar os temas desenvolvidos dentro das disciplinas escolares, que criou as condições
de possibilidade para que eu voltasse com toda força para o ambiente escolar, pois, a partir
dessas discussões, os pesquisadores começaram a escrever artigos acadêmicos em que
destacavam o cinema como ferramenta pedagógica em potencial para o desenvolvimento da
transversalidade, já que, os filmes eram ferramentas que apresentavam ao estudante o mundo,
conceitos e temais sob uma perspectiva holística.
Na educação em ciências, por exemplo, estudos como de Piassi e Pietrocola (2009),
falam que eu, o cinema, sou um tipo de mídia que atravessa o processo de educação científica
ao promover ideias sobre a ciência e seu processo de construção, sem procurar, no entanto,
explicar o que é a ciência ou ensinar conceitos científicos para seu público (embora isso possa
ocorrer ocasionalmente).
Piassi (2007), em trabalho anterior, já ressaltava que utilizar-me na sala de aula
possibilita aos estudantes aprimorem o entendimento sobre o conhecimento científico tanto
como um processo racional quanto como um processo de descoberta.
Já Faria (2011) vai dizer que se deve ter atenção ao me utilizar, pois, imagens distorcidas
de ciências encontram-se presentes nas mídias, que, pelo seu grande alcance entre as pessoas,
acaba difundindo ideias equivocadas de ciências e, por conseguinte, afastando ainda mais o
conhecimento científico do cidadão, de modo especial os estudantes, que são vistos como uma
das principais “vítimas” das imagens distorcidas veiculadas pelo cinema.
Foi assim, com uma explosão de artigos acadêmicos, que ressuscitei...
VII- Um breve epílogo ou uma história sem fim...
Que artefato pedagógico escolar eu sou hoje?
Bem, olhando para o hoje, penso que sou um artefato pedagógico que deve formar um
cidadão com um olhar abrangente sobre o mundo em que vive, um artefato capaz de formar
para cidadania.
Tal artefato é bastante diferente do cinema artefato pedagógico nos tempos de Roquette-
Pinto, posto que, naquela época, o cinema artefato pedagógico escolar deveria produzir o
homem científico brasileiro para levantar a estima da nação.
Nesse sentido, assumindo que os enunciados/discursos produzem objetos, não é possível
precisar o artefato que serei amanhã, pois vai depender das condições de possibilidades e dos
enunciados que nela emergirem.
Mas, aí já é outra história...
Outro dia conversamos!
VIII- Referências bibliográficas ou simplesmente minhas leituras...
CATELLI, Rosa. O cinema educativo nos anos de 1920 e 1930: algumas tendências
presentes na bibliografia contemporânea. Intertexto. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 12, p. 1-
15, janeiro/junho 2005.
CORAZZA, S. M. Labirintos da Pesquisa, diante dos ferrolhos. IN: COSTA, M. V. (org).
Caminhos Investigativos - novos olhares na pesquisa em Educação. Rio de Janeiro: DP&A
Editora. 2002.
FARIA, Ana Constância Macedo. O cinema e a concepção de ciência por estudantes do
ensino médio. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências). Universidade de Brasília,
Brasília, 2011.
FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso. Rio de Janeiro: Loyola, 2006.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal. 2012b.
FOUCAULT, Michel. Por trás da fábula. In. Estética: literatura e pintura, música e
cinema. Coleção: Ditos e Escritos, vol. III. Organização de Manoel Barros da Motta. Rio de
Janeiro: Forense, 2009.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
GALVÃO. Elisandra. A ciência vai ao cinema: uma análise de filmes educativos e de
divulgação científica do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). Dissertação de
mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Ciências
Biomédicas. 2004.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O Breve Século XX. São Paulo: Companhia das
Letras, 2° Edição. 1994.
MASSARANI, Luísa. A divulgação científica no Rio de Janeiro: Algumas reflexões sobre
a década de 20. Rio de Janeiro: IBICT e UFRJ, 1998. Dissertação (Mestrado) - Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em C&T e Escola
de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
PIASSI, Luís Paulo de Carvalho. Contatos: a ficção científica no ensino de ciências em um
contexto sociocultural. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo. Faculdade
de Educação. 2007.
PIASSI, L. P.; PIETROCOLA, M. Ficção científica e ensino de ciências: para além do
método de ‘encontrar erros em filmes’. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.3, p. 525-
540, set./dez. 2009.
VIANA, Marger da Conceição Ventura. ROSA, Milton. OREY, Daniel Clark. O Cinema como
uma ferramenta pedagógica na sala de aula: um resgate à diversidade cultural. Ensino em
Re-Vista. v.21, n.1, p.137-144, jan./jun. 2014.
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