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A necessidade do Processo Cautelar frente à atual perspectiva das tutelas
de urgência
Pietro Miorim1
O Estado, ao tomar para si a tarefa de assegurar a ordem jurídica, abolindo
como regra geral a justiça pelas próprias mãos, assumiu o compromisso de disciplinar a
relações intersubjetivas prevista nas normas por ele editadas. Com o intuito de cumprir
de maneira satisfatória a sua função, criou organismos judiciários, que se exteriorizam
por meio da pessoa física do juiz.
Porém, é necessário que seja facultado a todos os tutelados pelo Estado o
acesso à Justiça. Para tanto, a Constituição Federal de 1988 reconheceu direitos e
garantias aos cidadãos que litigam em juízo, bem como os garantiu acesso ao Judiciário.
Contudo, a prestação jurisdicional, em muitos casos, precisa ser célere para que
tenha efetividade, pena de, ao momento da prolação da decisão final, tornar-se inútil, o
que em um aspecto mais amplo pode acarretar também o desprestígio do Poder
Judiciário e da noção de Justiça como um todo.
Como remédio a esses casos urgentes, em que não é possível esperar a demora
da decisão final, foi introduzido o sistema das tutelas de urgências, que possui como
espécies a antecipação da tutela e as medidas cautelares.
Melhor dizendo, as tutelas de urgência foram adotas pelo ordenamento
brasileiro com o objetivo de resguardar o direito certo do demandante, evitando o
perecimento do bem jurídico a ser tutelado, seja pelo transcurso do tempo ou por
qualquer outro meio lesivo.
Apesar da antecipação de tutela e as medidas cautelares visarem à efetividade
da jurisdição, cada uma possui os ditames específicos a sua natureza, não podendo ser
confundidas. Nesse ponto é que muitos operadores empregavam erroneamente a
adequada técnica processual ao caso concreto, pois utilizavam indistintamente uma
espécie pela outra, obrigando magistrados mais atentos e apegados ao formalismo a
extinguirem as demandas sem a resolução do mérito. Isso, por consequência, acarretava
danos aos litigantes.
1 Advogado. Especializando em Processo Civil pela Faculdade IDC. Ex-aluno da Escola Superior da
Magistratura do RS (ESM-AJURIS). Bacharel em direito pelo Centro Universitário Franciscano
(UNIFRA).
Em função destas dificuldades foi acrescentado pela Lei 10.444/02, o § 7º, ao
art. 273, do Código de Processo Civil brasileiro, que permitiu a fungibilidade entre
antecipação de tutela e a medida cautelar.
Desta forma, este trabalho pretende verificar a subsistência ou a derrocada do
processo cautelar frente à possibilidade de requerer-se medida cautelar no âmbito do
processo de conhecimento, principalmente após a introdução da fungibilidade das
tutelas de urgência, inserida pelo § 7º, do art. 273 do Código de Processo Civil
brasileiro, através da Lei 10.444/02.
A antecipação de tutela é uma das técnicas de cognição sumária2, mais
especificamente um dos casos de tutelas de urgência. Tem como finalidade conceder ao
autor o resultado prático que ele procura obter através da própria tutela principal, porém
apresenta eficácia limitada no tempo, isto é, caráter provisório, podendo ser confirmada
ou revogada pela sentença que julgar o mérito da demanda proposta pelo autor. Em
outras palavras “é provimento que antecipa fruição – ainda que em caráter provisório –
do bem da vida que o autor busca obter” (ZAVASCKI, 1997, p. 177).
Ao tratar do assunto, Ernane Fidélis dos Santos (2006, p. 401), ensina:
Na antecipação de efeitos satisfativos, cuida-se, antes, de
proteção realmente efetiva a um direito subjetivo, de forma que,
se a evidência é tanta, mais danosa passa a ser a protelação do
exercício do direito do que a remota possibilidade de sua
inexistência. Essa é a razão pela qual, tendo a antecipação como
fim imediato não a eficácia propriamente dita do processo, mas
o próprio direito a se proteger.
Importante ressaltar que a tutela antecipada não pode ser mais ampla nem de
natureza diversa daquela pedida na inicial, devendo respeitar os limites subjetivos e
objetivos da demanda, de forma que “não se pode antecipar algo que de antemão já se
sabe que será impossível de obter em caráter definitivo” (DINAMARCO, 1995, p.
140)3.
2 Para Luiz Gustavo Tadin (2006, p. 73), cognição sumária é menos aprofundada no sentido vertical. É
própria das situações de aparência, ou seja, dos juízos de probabilidade. Trata-se da cognição relativa aos
procedimentos que não permitem, em razão de uma determinada situação, a cognição aprofundada do
objeto deduzido em juízo. 3 Quanto ao tema o Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2004a), já decidiu no seguinte teor: “Recurso
Especial. Processo Civil. Decisão. Antecipação de tutela. Limites. Efeitos. Vinculação ao pedido final.
Congruência. Provimento definitivo. 1 – Os efeitos da decisão que defere o pedido de antecipação de
tutela devem ser aqueles constantes do conteúdo dispositivo de uma eventual sentença de procedência da
ação. 2 – Os efeitos da decisão antecipatória não podem ir além do que se pretende obter em definitivo,
ou seja, além do pedido final formulado pelo autor da demanda...” (Resp 694.251/AM, Relator: Ministro
Fernando Gonçalves).
Luiz Gustavo Tardin, ao comentar o tema, aduz que:
Constitui decisão extra petita aquela que antecipa os efeitos da
tutela concedendo ao autor bem diverso daquele almejado no
pedido principal. Assim como representa decisão ultra petita
aquela cuja tutela antecipada entrega ao demandante o bem
perseguido e o outro não inserido no pedido principal. A decisão
infra petita, por seu turno, será aquela em que o juiz não
apreciar os pleitos antecipatórios formulados (2006, p. 122-123,
grifo do autor).
No mesmo sentido é o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco (1995, p.
139-140), o qual acrescenta ainda que:
Na prática, a decisão com que o juiz concede a tutela antecipada
terá, no máximo, o mesmo conteúdo do dispositivo da sentença
que concede a definitiva e a sua concessão equivale, mutatis
mutandis, à procedência da demanda inicial – com a diferença
fundamental representada pela provisoriedade.
Busca-se com a antecipação de tutela, os efeitos potencialmente decorrentes do
conteúdo da sentença exauriente do mérito da lide, ou seja, perquirir se o adiantamento
parcial ou total da própria fruição do direito, para que este não sofra nenhum prejuízo ou
pereça (ZAVASCKI, 2000).
Porém, conforme Zavascki ensina, os efeitos da antecipação de tutela somente
contribuirão para a efetividade do processo quando,
por sua natureza, se tratar de efeitos (a) que provoquem
mudanças ou (b) que impeçam mudanças no plano da realidade
fática, ou seja, quando a tutela comportar, de alguma forma,
execução. Execução em sentido mais amplo possível: pela via
executiva lato sensu, pela via mandamental ou pela execução
propriamente dita (2000, p. 83, grifo do autor).
O professor tenta explicar que frente aos dois diferentes tipos de tutela
satisfativas: as tutelas de certificação de direitos (declaratória, constitutiva e
condenatória) e as tutelas de efetivação (realização dos direitos, tutela executiva, em
sentido amplo), somente estas últimas poderão ter seus efeitos antecipados pelo
dispositivo do art. 273 do CPC (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2007).
As antecipações de tutela representam verdadeiros instrumentos de proteção
estatal, além de técnicas preocupadas com a efetividade da atividade judicial. São
conferidas em demandas matizadas por situações em concreto, que exigem providência
de natureza emergencial para satisfazer os litigantes, no plano material ou processual,
diante de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, porém inaptas para produzir
coisa julgada material (TONETTO, 2004; VAZ, 2006).
Imprime-se por meio das tutelas de urgência satisfativas efetividade à atividade
judicial, fazendo com que seja cumprida a missão constitucional de garantir ao cidadão
acesso à ordem jurídica justa, exteriorizada nas condições necessárias para o pleno
exercício do direito material (DIAS, 2005).
Na concepção de Luiz Orione Neto (2004, p. 42):
[...] a tutela jurisdicional urgente [tanto cautelar quanto
antecipatória] tem por escopo evitar dano irreparável ou de
difícil reparação, de molde a evitar que a demora ou tardança do
processo possa trazer prejuízos a quem tem razão, seja em
virtude de risco de ineficácia da execução, seja pelos obstáculos
que o réu maliciosamente põe ao andamento normal do
processo.
De qualquer maneira, sabendo que por meio da antecipação de tutela o Estado
promove uma invasão precoce na esfera patrimonial do demandado, autorizada ante a
necessidade de garantir a efetividade da jurisdição, é imprescindível o preenchimento
dos pressupostos estampados no art. 273 do CPC para seu deferimento.
A começar pelo caput do presente artigo é necessário, em primeiro plano, o
requerimento da parte, pois em sintonia com os demais institutos do Código de Processo
Civil que estabelecem o princípio da demanda4 por conta da inércia da jurisdição e por
força da necessária imparcialidade do juiz adstrito com a impossibilidade de atuação
compulsória do direito material, optou o ordenamento em impedir o Julgador de
conceder a tutela antecipada ex officio (TARDIN, 2006).
Calmon de Passos (2005, p. 32) afirma em seu trabalho que jamais poderá ser
concedida a tutela antecipada de ofício, sustentando que a própria lei não oferece tal
exceção, clamando sempre a iniciativa do interessado para que haja a concessão da
medida. Salienta ainda que não se deve confundir o dever do Magistrado de velar pelos
interesses indisponíveis - uma vez provocado pela parte - com o poder de iniciativa, que
a ele é vetado pela aplicação do princípio da inércia.
4 Segundo Rui Portanova (2001, p. 114-118), princípio da demanda está previsto no art. 2º e também no
art. 262 do CPC, e tem por finalidade dar ao cidadão, e não ao juiz, a iniciativa de movimentar ou não a
máquina jurisdicional, ou seja, o cidadão tem plena liberdade e autonomia para movimentar o Poder
Judiciário como, quando e na medida em que quiser. Nada ou ninguém pode evitar o uso desse direito. No
exercício deste princípio, a parte pode apresentar seu direito de forma total ou parcial e da maneira que
melhor lhe contentar, podendo ainda renunciar e/ou desistir desse direito antes ou depois de intentada a
ação (dentro dos limites previstos na norma).
Porém em casos de extrema urgência, onde a inércia da iniciativa judicial
poderia resultar posteriormente em ineficácia da execução, parte da doutrina vislumbra
a possibilidade de concessão de antecipação de tutela ex officio pelo Magistrado.
Posição esta tomada por Bedaque:
Não se podem excluir, todavia, situações excepcionais em que o
juiz verifique a necessidade de antecipação, diante do risco
iminente de perecimento do direito cuja tutela é pleiteada e do
qual existam provas suficientes de verossimilhança. Nesses
casos extremos, em que, apesar de presentes os requisitos legais,
a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional não é requerida
pela parte, a atuação ex officio do juiz constitui o único meio de
se preservar a utilidade do resultado do processo (2003, p. 378).
Em continuação da leitura do caput do art. 273, encontram-se mais dois
pressupostos denominados genéricos, pois serão sempre requisitos essenciais para a
concessão de qualquer espécie de antecipação de tutela: a existência de prova
inequívoca e a verossimilhança das alegações (ZAVASCKI, 2000). Convém esclarecer
que verossímil é aquilo que aparenta ser verdadeiro, não é prova pré-constituída, mas
sim a que permite, por si só ou em conexão necessária com outras também já existentes,
pelos menos em juízo provisório, definir o fato, isto é, tê-lo por verdadeiro (SANTOS,
2006).
Já Athos Gusmão Carneiro (2006a, p. 28) entende que o juízo de
verossimilhança repousa na forte convicção de que tanto as questões de fato como as de
direito, induzem o requerente da antecipação de tutela, a merecer a prestação
jurisdicional em seu favor. Destaca ainda que juízo de verossimilhança é conceito
relativo, pois aquilo que é verossímil para certo juiz pode não sê-lo para outro.
Quanto à prova inequívoca, primeiramente, deve-se salientar que “prova
alguma será inequívoca, no sentido de absolutamente incontestável” (CARNEIRO,
2006a, p. 24). Frente a isso se pode concluir que prova inequívoca deve ser considerada
aquela que não se possa ter qualquer dúvida a seu respeito, isto é, que demonstre um
elevado grau de veracidade e probabilidade para o convencimento do Julgador
(SANTOS, 2000).
Cabe salientar que a doutrina costuma endereçar críticas quanto à redação do
art. 273 no que concerne aos requisitos mencionados. Entendem que a prova inequívoca
não conduziria ao mero juízo de verossimilhança. De modo geral, se têm preferido
conceituar prova inequívoca e verossimilhança como requisito único que se completam
dentro de um critério de acentuada probabilidade. Em outras palavras, a antecipação se
legitima pelo juízo do julgador, no que concerne ao provável e não certo (SANTOS,
2006). Dinamarco ao relatar em sua obra a necessidade de aproximação entre as duas
locuções “contraditórias” (prova inequívoca e verossimilhança) contidas no texto do art.
273 chega ao conceito de probabilidade, a qual entende ser portadora de maior
segurança do que a verossimilhança:
[...] é situação decorrente da preponderância dos motivos
convergentes à aceitação de determinada proposição, sobre os
motivos divergentes. As afirmativas pesando mais sobre o
espírito da pessoa, o fato provável; pesando mais negativas, ele
é improvável (Malatesta). A probabilidade, assim conceituada, é
menos que a certeza, porque lá os motivos divergentes não
ficam afastados, mas somente suplantados; e é mais que a
credibilidade, ou verossimilhança, pela qual na mente do
observador os motivos convergentes e os divergentes
comparece, em situação de equivalência e, se o espírito não se
anima a afirmar, também não se ousa a negar (1995, p. 143).
No mesmo sentido, porém com algumas ponderações, Ernane Fidelis dos
Santos assevera que:
para a tutela antecipatória, diz-se que convencimento da
verossimilhança nada mais é do que um juízo de certeza, de
efeitos processuais provisórios, sobre os fatos em que se
fundamenta a pretensão, em razão de inexistência de qualquer
motivo de crença em sentido contrário. Prova existentes, pois,
que tornam o fato, pelo menos provisoriamente, indene de
qualquer dúvida. Não havendo a prova concludente, mas sendo
fortes os motivos de crença, a verossimilhança não deixa de
existir, mas, neste caso, o juízo de máxima probabilidade [...]
cede lugar à simples possibilidade, mera aparência que pode
revelar o fumus boni iuris, informador apenas da tutela cautelar
(2000, p. 204, grifo do autor).
Porém, há quem entenda que sugerir que a concessão fique baseada em juízo
de probabilidade é simplesmente trocar a expressão verossimilhança, no texto
normativo, por probabilidade, alterando o problema sem objetivamente resolvê-lo. Se o
juiz se convenceu de ser provável a alegação, é sinal de que a prova teve por força a
virtude de convencê-lo dessa probabilidade (MOREIRA, 2001). Diante dessa situação,
Barbosa Moreira propõe alternativa com apoio em proposição diversa:
Se a força persuasiva da prova está suficiente indicada no trecho
‘desde que [...] se convença’, e não se presume na lei a
existência de palavras inúteis, outro deve ser o significado do
adjetivo na locução ‘prova inequívoca’. Raciocinemos, pois, a
partir daí. “Inequívoca” é o antônimo de ‘equívoca’. Consoante
ensinam os dicionários, “equívoco” significa aquilo ‘que tem
mais de um sentido ou se presta a mais de uma interpretação’.
Um sinônimo de ‘equívoco’ seria ‘ambíguo’, e o antônimo
perfeito, ‘unívoco’, definido como “palavra, conceito ou atributo
que se aplica a sujeitos diversos de maneira absolutamente
idêntica’. Nessa óptica, será equívoca a prova a que se possa
atribuir mais de um sentido; inequívoca, aquela que só num
sentido seja possível entender – independentemente, note-se, de
sua maior ou menor força persuasiva (2001, p. 104, grifo do
autor).
De outra parte, Marinoni entende que deve ser aplicada ao caso, a teoria sueca
da verossimilhança preponderante, onde basta para a procedência ou para a
improcedência da antecipação de tutela, um grau mínimo de probabilidade. Pondera
ainda que “decidir com base na verossimilhança preponderante, quando da tutela
antecipada, significa sacrificar o improvável em benefício do provável” (2006, p. 213).
Compete ressaltar que a prova inequívoca se distingue da fumaça do bom direito,
requisito este das medidas acautelatórias. Aquela faz supor prova mais robusta, que não
apresente dubiedade, requerendo do magistrado uma cognição mais aprofundada do que
a exercida na fumaça do bom direito, a qual apenas toca a obscura superfície de um
direito (MAGALHÃES, 1997; SANTOS, 2000).
A respeito dos denominados pressupostos alternativos, isto é, aqueles que
apenas um deles precisa estar presente junto com os concorrentes ou genéricos, o art.
273, do CPC, prevê dois casos: o receio de dano irreparável ou de difícil reparação
(inciso I) e, o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu
(inciso II). O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é o mesmo
periculum in mora exigido para a concessão de medidas cautelares, traduzindo-se na
apreensão de um dano ainda não ocorrido, por mais que este seja continuado ou
instantâneo, preenchido de circunstâncias fáticas objetivas e de probabilidade
comprovada. (TONETTO, 2004; TARDIN, 2006).
Quanto ao manifesto propósito protelatório do réu, a doutrina interpreta que o
legislador pátrio criou uma possibilidade na norma em que não se necessita dos
pressupostos de urgência e dano, ligados tão-somente à ideia central de que a firme
aparência do direito do autor, unido com a falta de consistência da defesa apresentada
pelo réu, autorizam a satisfação antecipada, mesmo que provisória, do bem da vida
perquirido pelo autor (CARNEIRO, 2006a). Andressa Bossi Tonetto em exposição
sobre a concessão de antecipação de tutela fundada no abuso de defesa do réu, aponta
que:
[...] nesse caso, a concessão da medida satisfativa terá por
fundamento a maior consistência da verossimilhança do direito
alegado pelo autor, ao passo que a atitude incoerente do réu
servirá tão-somente para questionar a seriedade de sua
contestação. Com isso, pretende-se ressaltar que a antecipação
de tutela não restará deferida com o intuito de castigar o réu,
mas sim demonstrar que seu comportamento fora um plus no
convencimento do Magistrado quanto à provável veracidade do
direito pleiteado (2004, sp.).
Cumpre salientar que, para haver a concessão da tutela antecipada, deve-se
vislumbrar a possibilidade de reversibilidade da medida, conforme dispõe o §2º do art.
273, “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado” (BRASIL, 2006, p. 419). Da presente
norma, primeiramente, se deve compreender que o perigo de irreversibilidade está
relacionado com o aspecto material da situação. Isto quer dizer que há a necessidade de
que o quadro fático alterado pela concessão da tutela possa ser reconstituído ao seu
estado primitivo (SANTOS, 2006). Porém, a doutrina não é uníssona quanto a este
ponto, existindo o entendimento de que deve ser aplicado os princípios da
proporcionalidade e probabilidade à cada caso, indiferentemente de haver meios para a
posterior reparação. Nesta linha de raciocínio Magalhães explica que,
se não há outro modo para evitar um prejuízo irreparável a um
direito que se apresenta como provável, deve admitir que o juiz
possa provocar um prejuízo irreparável ao direito que lhe pareça
improvável. Nesses casos deve ocorrer a ponderação dos bens
jurídicos em jogo, aplicando-se o princípio da
proporcionalidade, pois, quanto maior foi o valor jurídico do
bem a ser sacrificado, tanto maior deverá ser a probabilidade da
existência do direito que justificará o seu sacrifício (1997, p.
266, grifo nosso).
No que diz respeito às medidas cautelares, trata-se também de espécies do
gênero tutelas de urgência5. Possuem cognição sumária
6, incompleta e não exaurientes e
5 Confunde-se, por vezes, cautelaridade com urgência. As medidas de urgência visam evitar ou minimizar
os efeitos do perigo. Não confunda tutela de urgência com tutela cautelar, esta última modalidade da
primeira. Com efeito, a tutela de urgência visa evitar ou minorar os efeitos de lesão a direito, tendo por
pressuposto negativo a sua consumação. Como sempre se vinculou a tutela cautelar ao perigo, até
inconscientemente os autores, quando houvesse risco, identificavam a medida judicial pertinente a coibi-
lo como se cautelar fosse. O perigo não é pressuposto exclusivo das medidas cautelares, embora seja
característica inerente a todas elas (DIDIER JÚNIOR; BRAGA, OLIVEIRA, 2007, p. 512).
estão previstas nos artigos 796 a 888, do Livro III do Código de Processo Civil
Brasileiro (WAMBIER, 2005).
É um instituto com método de procedimento estruturalmente idêntico ao
processo de conhecimento, dividindo-se nas mesmas fases, porém com intensidade de
cognição abreviada e fundada em juízo de probabilidade, característica essencial do
gênero da qual pertencem (VAZ, 2007).
Distinguem-se dos demais instrumentos processuais, por serem caracterizadas
como instrumento do instrumento, ou seja, trata-se de processo a serviço de um
processo principal, com intuito de evitar ou minimizar o risco da ineficácia deste, e não
a salvaguardar o próprio direito material. Em outras palavras, tende a única e
exclusivamente “produzir um efeito assecuratório da possibilidade de realização
prática ulterior da eficácia possivelmente emergente da sentença final do processo
principal quando da procedência da ação” (ALVIM, 2000, p. 58).
Frente ao assunto, Eduardo Lamy refere que a tutela cautelar,
não corresponde a uma espécie de tutela jurisdicional, mas sim a
uma espécie de técnica pela qual se presta uma tutela
preponderantemente executiva não definitiva e urgente, por
meio de cognição sumária. Partindo-se da noção de que a tutela
jurisdicional corresponde ao resultado havido na vida dos
litigantes, como bem afirma Dinamarco, a técnica cautelar
torna-se um meio e não um fim, pois o fim é a própria tutela
jurisdicional urgente (2004, p. 290).
Portanto, as medidas cautelares visam a proporcionar ou assegurar condições
objetivas à realização dos efeitos, ou dos possíveis efeitos da sentença do processo de
conhecimento (VAZ, 2007). O que para Arruda Alvim mostra a principal função desta
medida, que é a necessidade de restabelecer o equilíbrio entre as partes “neutralizando
os males e danos que possam ser causados ao longo do tempo em que durará o
processo, com o curso normal das coisas e acontecimentos, ou, ordinariamente em
decorrência de atitudes do réu” (2000, p. 93).
Partindo-se desta rápida consideração sobre as medidas cautelares, compete
traçar o seu perfil, por intermédio de seus aspectos primordiais, que são
necessariamente: a urgência, a provisoriedade, a instrumentalidade e a sua finalidade
(RIBEIRO, 1997).
6 A exigência de cognição sumária, imposta pela natureza da tutela cautelar, insere-se definitivamente na
classe dos processos sumários, sob dois aspectos: a demanda cautelar é sumária não só sob o ponto de
vista material, como além disso exige uma forma sumária de procedimento, por via da qual ela se haverá
de realizar (SILVA, 2007, p. 60).
A urgência nas medidas em comento está intimamente relacionada com a
forma de prestação da própria tutela jurisdicional, as quais pelo modo convencional
tornaram-se insuficientes e inadequadas, impondo ao Estado proteger desde logo o
provável direito exposto a um dano iminente, adotando medida que lhe outorgue
segurança. Tal ocorre sem que o direito ora tutelado seja reconhecido como realmente
existente pelo magistrado, resultado este somente cabível em demanda satisfativa
posteriormente ajuizada (SILVA, 2007). Ovídio Baptista da Silva complementa
manifestando que:
Não se pode pensar em verdadeira tutela de simples segurança
instrumentalizada por meio de um procedimento ordinário, pois
a urgência é uma premissa inarredável de todo provimento
cautelar. A cognição exauriente que o magistrado tivesse de
desenvolver, quando fosse convocado para prestar tutela
cautelar, além de supérflua e inútil, seria incompatível com a
urgência que se presume sempre existente (2007, p. 60).
Por provisoriedade deve-se entender que a medida cautelar nasce para não
subsistir definitivamente. São consideradas pela doutrina como naturalmente efêmeras,
ou seja, são editadas com o destino de serem substituídas por uma decisão proferida no
processo principal (ORIONE NETO, 2004). É essencial lembrar que por provisório
deve-se considerar a qualificação da decisão, não necessariamente os seus efeitos, pois a
rigor haverá a subsistência dos efeitos produzidos pela medida acautelatória, desde que
sejam absorvidos ou envolvidos por decisão de natureza definitiva (ALVIM, 2000;
ORIONE NETO, 2004). Ao exemplificar a situação exposta, Arruda Alvim aduz que,
um arresto, antecedente à penhora, produz efeitos
aproximadamente equivalentes aos da penhora, sendo certo
todavia, que o arresto não alberga, em si e por si mesmo, a
possibilidade de satisfação, havendo, para isso, de ser
convertido em penhora. Ambos – o arresto e penhora – geram,
todavia, um efeito comum, que é o da indisponibilidade, não
podendo haver disposição do bem em detrimento dos resultados
úteis do processo, quando emergentes em favor do requerente da
medida cautelar (2000, p. 90, grifo nosso).
Quanto à instrumentalidade7, as medidas cautelares além de serem
consideradas instrumento do instrumento conforme discutido no início deste título,
7 Ovídio Baptista da Silva (2007, p. 38) afirma que só pode-se caracterizar a tutela cautelar como
instrumental se se estivesse a supor que o litigante que dela se serve viesse afinal a sagrar-se vencedor, no
processo satisfativo, pois do contrário a tutela cautelar e todo respectivo procedimento, armado pelo
litigante sem direito, teriam desservido ao direito e complicado inutilmente o processo. Nesse caso seria
estranho que se continuasse a ver a tutela cautelar alguma espécie de instrumentalidade.
caracterizam-se por serem destinadas a assegurar a eficácia de outra providência
jurisdicional, quer cognitiva, quer executória. O que se percebe de tal afirmação é que
as medidas cautelares não são definitivas, principalmente devido a sua cognição
verticalmente limitada8, acabando por emanar dessa cognição limitada apenas à
proteção de uma pretensão constante no processo principal (MAGALHÃES, 1997).
Para Calamandrei a instrumentalidade das medidas cautelares seria hipotética9,
pois teriam função equiparada a de uma verdadeira “polícia judiciária criada pela lei
para que o juiz se arme de um instrumento destinado a salvaguardar o imperium iudicis
e impedir que a justiça se transforme numa simples quimera” (SILVA, 2007, p. 38).
Luiz Orione Neto encerra seu pensamento quanto à instrumentalidade das medidas
cautelares referindo que:
Aunque la medida cautelar tenga un carácter estructural,
científica y legislativamente independiente, su finalidade es
claramente instrumental y está preordenada a la eficácia de una
resolución, normalmente una sentencia de condena, aún todavia
no dictada. Las medidas cautelares van enderezadas
principalmente a prevenir un peligro, y a evitar un daño, injusto,
que aparece como probable o posible, precisamente por la
duración inexcusable del proceso (apud CABIEDES, 1974, p.
13).
Visto estes aspectos, pode-se lançar algumas ideias quanto à finalidade das
medidas de cunho cautelar. Arruda Alvim vislumbra esta finalidade como um aparato
para neutralizar a ação do tempo, “em cujo decorrer foram, e ainda, poderiam ser
praticados atos, pela outra parte, que possam comprometer a pretensão pendente no
processo principal” (2000, p. 91), arrebatando sua ideia com a ponderação de que as
medidas cautelares são,
uma forma de segurança jurisdicional de uma pretensão
aparentemente fundada, em relação à qual, ao que tudo indica,
se não concedida a medida cautelar, ficaria ela comprometida,
diante do perigo existente para a sua sobrevivência, mesmo que
a sentença do processo principal viesse a acolhê-la. Quando,
possivelmente, viesse a ser havida como fundada a pretensão do
8 Cabe destacar a lição de Arruda Alvim (2000, p. 91) quanto à cognição sumária, tanto vertical quanto
horizontal: A cognição será horizontalmente sumária, quando houver limitação da matéria que pode ser
conhecida pelo juiz, como, por exemplo, nas ações possessórias, em que não se podem conhecer questões
dominiais. Verticalmente limitada será a cognição, quando esta limitação disser respeito à profundidade
do conhecimento dos fatos. 9 Quanto à instrumentalidade hipotética, Ovídio Baptista da Silva (2007, p. 38) pergunta, qual a razão
para limitar a utilização desse pelo magistrado somente aos casos em que a parte tome a iniciativa de
postulá-la, por meio de um processo cautelar a que o juiz não pode dar início ex officio, a não ser nos
apertadíssimos casos expressamente previstos em lei, como prescreve o art. 797 do nosso código?
processo principal, essa decisão apresentar-se-ia carente de
significação prática, moral ou econômica (2000, p. 93).
Para a concessão da medida cautelar é necessário o preenchimento de dois
requisitos essenciais, o fumus boni iures (fumaça do bom direito) e o periculum in mora
(perigo da demora). Deve-se ressalvar, porém, que parte da doutrina entende que os
requisitos acima não são condições de admissibilidade da medida acautelatória, mas
elementos do seu mérito (MEZZONO, 2007; ORIONE NETO, 2004). Partidário desse
entendimento, Luiz Orione Neto é categórico:
[...] justifica-se a exclusão do fumus boni iuris e do periculum in
mora do âmbito das condições gerais de admissibilidade da ação
cautelar, porque eles se inserem no mérito, sob pena,
evidentemente, de se esvaziar o mérito do processo cautelar [...]
a menos que se rompa com o sistema vigente e a concepção nela
consagrada quanto à ação e às condições da ação [...] não é
possível considerar que o fumus boni iuris e o periculum in
mora sejam ‘condições da ação cautelar’, nem mesmo
‘condições específicas’ da tutela jurisdicional cautelar (2004, p.
102).
Frente a este argumento parece pertinente tecer alguns comentários às
condições gerais da ação10
, previstas no art. 267, VI, do CPC, antes de adentrar-se,
especificamente, no estudo do fumu boni iuris e do periculum in mora.
A primeira condição geral da ação a ser tratada é a possibilidade jurídica do
pedido, que deverá ser percebida pela fusão de duas teses doutrinárias, uma que afirma
que a haverá pedido juridicamente possível quando o “ordenamento jurídico contiver,
ao menos em tese, em abstrato, portanto, previsão a respeito da providência requerida”
e outra que sustenta que somente será juridicamente possível o pedido “se inexistir
vedação expressa quanto àquilo que concretamente se está pedindo em juízo”
(WAMBIER, 2005, p. 141).
Para elucidar a questão, Orione Neto traz exemplo onde é pretendida pela
parte, uma medida cautelar inominada incidental no processo de cognição, objetivando
que um dos litigantes seja preso preventivamente, para que não exerça pressão
10
As condições gerais da ação conforme se depreende do art. 267, VI, do CPC, são respectivamente: a
possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. Marinoni (2005, p. 63), afirma
que o Processo Civil brasileiro prevê as referidas condições em virtude da teoria chamada de eclética,
devido a Enrico Tullio Liebman, brilhante processualista e professor italiano que viveu alguns anos no
Brasil. Relata também que as condições da ação seriam requisitos para sua existência. Quando não
estivessem presentes as condições, não haveria ação nem mesmo função jurisdicional.
psicológica sobre as testemunhas que foram arroladas para depor na instrução (2004, p.
104).
Já o interesse processual, ou de agir, consiste no interesse de obter uma
providência jurisdicional quanto a um direito material, ou pretensão. É a soma do
elemento de necessidade concreta de um processo, com o elemento da adequação do
provimento e do procedimento almejados (MARINONI, 2005). Entende Darci Ribeiro
que o interesse de agir, em suma, é “a soma do binômio necessidade mais utilidade, que
encontramos na cautelar quando temos que demonstrar a possibilidade de dano que é a
necessidade de impor a medida, e a sua irreparabilidade ou difícil reparação que é a
utilidade da medida (1997, p. 10, grifo nosso)”11
.
Quanto a legitimidade das partes deve-se compreender como a titularidade
ativa e passiva para a medida cautelar, ou melhor dizendo, no polo passivo da demanda
cautelar irá figurar aquele que deverá suportar os efeitos advindos da procedência do
pedido, e no polo ativo estará titular do direito ou pretensão subjetiva (RIBEIRO, 1997).
Contudo é oportuno dizer que, dependendo da imposição (antecedente ou incidente) da
medida cautelar, a legitimação apresentará características diversas. No processo cautelar
antecedente ao principal somente poderão figurar no polo da demanda os possíveis
titulares do direito da ação de conhecimento ou execução futura, enquanto que nos casos
de cautelar incidental, o exame da legitimidade das partes fica adstrito ao do processo
principal já proposto (ORIONE NETO, 2004). Darci Ribeiro complementa afirmando
que no caso em pauta,
a legitimação se amplia e a posição das partes pode sofrer
inversão em relação à causa principal já em desenvolvimento,
pois quem é autor da ação cautelar pode ser autor ou réu da ação
principal. Abre-se também, a possibilidade à terceiros
intervenientes e detentores do interesse jurídico, bem como o
Ministério Público e aos substitutos processuais, nos casos
previstos em lei (1997, p. 10).
Finalizada esta análise das condições gerais da ação, parte-se para as
“condições peculiares e específicas” que devem estar presentes em toda e qualquer
medida cautelar, pena do magistrado não conhecer do pedido formulado. A primeira
dessas condições a ser apreciada é o fumu boni iuri que consiste “em uma demonstração
razoável de um direito subjetivo favorável” (RIBEIRO, 1997), ou seja, “é a exigência
de que o direito acautelado seja tratado, no juízo da ação assegurativa, não como um
11
Para o autor o interesse de agir nas medidas cautelares está presente no periculum in mora.
direito efetivamente existente, e sim como uma simples probabilidade de que ele
realmente exista” (SILVA, 2007, p. 60).
Vale dizer, o fumus boni iuris é a plausibilidade ou probabilidade da existência
do direito material a ser esboçado na demanda principal – de conhecimento ou execução
-, a fim de evitar o seu perecimento ou qualquer tipo de modificação em sua quantidade
e/ou qualidade (ORIONE NETO, 2004).
Na lição de Ovídio Baptista da Silva sobre a “fumaça do bom direito”, este
entende que o juízo de probabilidade do direito,
para cuja proteção se invoca a tutela assegurativa (cautelar) é
não apenas pressuposto, mas igualmente exigência desta espécie
de atividade jurisdicional. Com efeito, a proteção não apenas
pressupõe a simples aparência do direito a ser protegido, mas
exige que ele não se mostre ao julgador como uma realidade
evidente e indiscutível. Quer dizer, a tutela cautelar justifica-se
porque o juiz não tem meios de averiguar, na premência de
tempo determinada pela urgência, se o direito realmente existe
(2007, p. 67, grifo do autor).
A análise da providência cautelar, não pode ser condicionada apenas à
probabilidade de que a versão postulada pelo requerente seja à verdadeira, “ou da
probabilidade de que venha a ser reconhecida a pretensão meritória da parte, mas, tão
somente, exige que se demonstre que o direito alegado é plausível” (DIAS, 2005, p.
125). O magistrado deve efetuar um exame da probabilidade hipotética de que haja um
direito a resguardar, da pretensão de mérito que se pretende proteger (DIAS, 2005).
Entretanto, se o direito a ser tutelado apresenta-se como uma realidade de indiscutível
evidência, ou seja, que convença o magistrado, quando do recebimento do pedido, de
uma certeza que lhe proporcione meios de proclamar a existência ou não, do direito, a
tutela pretendida em tal caso seria de alguma forma definitiva e satisfativa e não apenas
acautelatória (SILVA, 2006).
O periculum in mora é considerado pela doutrina como pressuposto sine qua
non de qualquer medida cautelar, pois sua demonstração apresenta-se inafastável, sendo
imprescindível que o requerente da medida comprove que o perigo de retardo, ante a
iminente ou provável lesão ao seu suposto direito, venha a lhe acarretar excessivo
encargo e/ou prejuízo (ORIONE NETO, 2004).
No mesmo sentido, Darci Ribeiro pondera que o periculum in mora constitui,
la base de las medidas cautelares no es, pues, el peligro genérico
de dano jurídico, al cual se puede, en ciertos casos, obviar com
la tutela ordinaria; sino que es, específicamente, el peligro del
ulterior daño marginal que podría devirar del retardo de la
providencia definitiva, inevitable a causa de la lentitud del
procedimiento ordinário (apud CALAMANDREI, 1945, p. 42).
É importante elucidar que não é a determinação geral de perigo, como
possibilidade ou probabilidade de um dano, que cumpri plenamente os requisitos
exigidos pelo periculum in mora para concessão da medida cautelar. O perigo deve ser
atual ou iminente e causar um dano irreparável ou de difícil reparação originária de uma
situação objetiva de perigo, que se traduz em uma razoável tese de plausibilidade de sua
ocorrência para o magistrado (RIBEIRO, 1997). A demonstração da situação de perigo
deve ser realmente objetiva, ou seja, “não pode ser uma preocupação interna do
proponente, deve trazer elementos externos, perceptíveis pelo juiz, para a comprovação
da situação cautelanda” (RIBEIRO, 1997, p. 17).
Finalmente deve-se ponderar que o risco (ou perigo) de dano corresponde a
uma situação posterior ao nascimento do próprio direito, ou deve corresponder a um
agravamento da situação perigosa preexistente, de modo que o perigo coexistente com o
nascimento da pretensão ou o preexistente (não agravado) não justifica a medida
cautelar pleiteada (THEODORO JÚNIOR, 2006; SILVA, 2006).
Feita a descrição dos elementos das medidas cautelares, pode-se realizar sua
diferenciação com o instituto da antecipação de tutela.
As medidas cautelares diferem das medidas antecipatórias pois, em primeiro
plano, possuem natureza instrumental, indicado pela sua finalidade de garantir a própria
eficácia do processo principal, já a medida antecipada tem qualitativamente reflexos do
mesmo conteúdo de que se almeja no julgamento definitivo do processo (SANTOS,
2006). Nos dizeres de Marinoni (2005, p. 202):
A tutela antecipatória confere antecipadamente aquilo que é buscado através
do pedido formulado na ação de conhecimento, enquanto que na tutela cautelar há
apenas a concessão de medidas que, diante de uma situação objetiva de perigo,
procuram assegurar a frutuosidade do provimento da ação chamada de principal.
Luis Rodrigues Wambier relata em seu trabalho outro critério frequentemente
utilizado pela doutrina para a diferenciação de ambas as tutelas:
Com a tutela antecipada, há o adiantamento total [ou parcial] da
providência final; com a tutela cautelar, concede-se uma
providência destinada a conservar uma situação até o
provimento final, e tal providência conservativa não coincide
com aquela que será outorgada pelo provimento final. Nessa
linha, medida tipicamente cautelar é aquela em que se concede
providência consistente em pressupostos para a viabilização de
eficácia da ação principal ou do provimento final, e não a
própria eficácia (2005, p. 331-332).
Frente a estas diferenciações da doutrina, a lei federal nº. 10.444/02
acrescentou o §7º, ao art. 273 do CPC, com a seguinte redação, “se o autor, a título de
antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz,
quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter
incidental do processo ajuizado”, consagrando no ordenamento brasileiro, a
fungibilidade das medidas urgentes (antecipatórias e acautelatórias)12
. Ocorre que o
presente dispositivo gerou grande polêmica entre os doutrinadores pátrios,
principalmente em relação à intenção do legislador quanto à direção/sentido desta
fungibilidade.
O princípio da fungibilidade, no âmbito do processo civil, tem como escopo
“justificar uma cambiariedade de formas e procedimentos em que não houvesse, em
tese, prejuízo substancial à finalidade a elas estipuladas” (DIAS, 2005, p. 54).
Conforme Luiz Gustavo Tardin, “possibilita uma melhor adaptabilidade do
procedimento às necessidades do direito material e às próprias aspirações sociais”
(TARDIN, 2006, p. 148).
Tal fungibilidade prestigia o objeto do ato, em prejuízo do modo como este
deveria ser efetuado. Seu emprego está vinculado a duas vicissitudes, quais sejam, a
necessidade de evitar o formalismo rigoroso e a aplicabilidade de certa forma ou
procedimento quando haja pouca clareza no sistema positivado (DIAS, 2005; TARDIN,
2006).
Eduardo Lamy (2004) ensina que não existem tutelas de natureza cautelar e
tutelas de natureza antecipatória, pois os que são referíveis e satisfativos são os
meios/medidas para que se atinja o fim de toda jurisdição, que é a prestação da tutela de
direito material. Salienta ainda que a fungibilidade abarcada pelo art. 273, §7º do CPC,
trata-se de uma fungibilidade das medidas que correspondem aos meios pelos quais o
fim é atingido, qual seja, a prestação da tutela jurisdicional urgente13
.
12
Algumas colocações a respeito da lei 10.444/02 já foram lançadas no capítulo 1 deste trabalho. 13
Para chegar à conclusão de que não existem as tutelas jurisdicionais de natureza assecuratória e
antecipatória, Eduardo Lamy parte da seguinte ideia: a classificação das espécies de tutela jurisdicional
Aos olhos de Jean Carlos Dias (2005, p. 59), o princípio da fungibilidade no
processo civil,
assume a finalidade objetiva de possibilitar, o mais rápido
possível, a atuação jurisdicional, ainda que limitando a extensão
do formalismo ao processo. Ao lado disso, há uma inegável
visão utilitarista do processo, quando este é tomado como um
meio de produção de um determinado objeto, qual seja, a
decisão judicial.
Conclui seu ensinamento quanto à fungibilidade, expondo que,
evidentemente, o princípio da fungibilidade atua de forma
residual no sentido de que deve ser invocado para regular
situações excepcionais, quando os meios ordinários não se
revelam adequados para o transporte do pedido de tutela
jurisdicional. Esse princípio não busca a eliminação da
formalidade do processo, mas a racionalidade da formalidade
como meio de obtenção de decisões judiciais (DIAS, 2005, p.
59).
Todavia, compete fazer algumas ressalvas, eis que o princípio em estudo não
requer inexoravelmente a “conversão” de um procedimento em outro para sua
aplicação. Tem-se “o exame do pedido da parte e a aceitação do meio eleito por ela,
desde que se esteja diante de uma zona cinzenta14
” (WAMBIER, 2006). A necessidade
de “conversão” não é inseparável da finalidade principal do princípio de fungibilidade,
pois em razão de dificuldades insuperáveis de ordem procedimental poderiam levar
alguém a concluir que a fungibilidade não poderia incidir, o que não é o caso
(WAMBIER, 2006).
em tutela de conhecimento, execução e cautelar não respeita o mesmo critério, qual seja, o da produção
direta ou não de efeitos fáticos, oriundos daquela espécie de tutela jurisdicional. Em princípio a tutela
cognitiva não produz efeitos fáticos com faz à tutela executiva; a chamada “tutela cautelar”, sob este
mesmo critério, também produz efeitos fáticos, inserindo-se dentro da tutela executiva e não
correspondendo a um terceiro gênero de tutela (2004, p. 290). Complementa relatando ainda que para
afirmar a existência de uma tutela cautelar ou mesmo de uma tutela antecipatória, parte-se do pressuposto
incoerente e errôneo do Código de Processo Civil de 1973, de que medida cautelar é uma espécie de
tutela jurisdicional, o qual definitivamente ela não é (2004, p. 290). Nesse diapasão, as chamadas “tutelas
de urgência” correspondem a uma única tutela de urgência: uma tutela não definitiva, que possui o caráter
da executividade e da cognição sumária. Aqueles a que se acostumou chamar de tutelas cautelar e
antecipatória constituem, na verdade, apenas medidas para a prestação da tutela urgente (2004, p. 291). 14
Esta zona cinzenta refere-se à existência de opiniões divergentes manifestadas no plano doutrinário e
jurisprudencial conflitante no país, (não importando, para fins de incidência do princípio da fungibilidade,
que haja unanimidade a respeito do tema no Tribunal) sobre qual seja o veículo correto para formular
determinado pedido ou pretensão perante o Poder Judiciário (WAMBIER, 2006, p. 135).
Trata-se a fungibilidade de um dos princípios fundamentais dos recursos cíveis.
Surgida no Código de Processo civil de 1939, no art. 81015
, sua adoção expressa no
texto do CPC/1939 estava corroborada com a extensa lista de recursos previstos neste, o
que além de dificultar o rápido andamento dos processos causava duvidas às partes, que,
não raro, ficavam sem saber qual o exato recurso para impugnar determinada decisão
judicial (ORIONE NETO, 2006).
Convém lembrar que o atual Código de Processo Civil não contém nenhuma
previsão explícita do princípio em referência. Contudo, tanto a doutrina quanto a
jurisprudência16
vêm autorizando a aplicação do princípio no âmbito processual (DIAS,
2006).
No Código de Processo Civil de 1939, eram previstos no texto legal como
pressupostos de incidência do princípio em referência: a ausência de erro grosseiro e de
má-fé (ORIONE NETO, 2006). Com o advento do novo código, grande parte da
doutrina afirma que o único pressuposto necessário para aplicação da fungibilidade seria
à presença de dúvida objetiva, na jurisprudência e/ou na doutrina, para a identificação
do recurso adequado para se pleitear a reforma de determinada decisão judicial
(ORIONE NETO, 2006).
Esta dúvida estaria relacionada com uma divergência atual, “quanto à
classificação de determinados atos judiciais e, consequentemente, quanto à adequação
do respectivo recurso para atacá-lo” (ORIONE NETO, 2006, p. 195). Todavia, por
mais que a doutrina seja uníssona quanto à aplicação apenas do pressuposto em tela,
parcela da jurisprudência não afastou a necessidade de ausência de erro grosseiro.
Configura erro grosseiro em regra “quando o recurso adequado estiver expressamente
previsto em norma jurídica própria” (ORIONE NETO, 2006, p. 200).
Os estudiosos do direito processual nacional vêm, desde a edição da Lei
10.444/02, promovendo discussões em relação à fungibilidade das medidas de urgência,
15
O art. 810, no CPC de 1939 tinha o seguinte teor: “Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte
não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à
Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento” (ORIONE NETO, 2006, p. 190). 16
Orione Neto (2006, p. 192), traz em seu trabalho algumas decisões proferidas pelo STF quanto à
admissibilidade do princípio da fungibilidade no ordenamento processual vigente: (a) O princípio da
fungibilidade dos recursos subsiste no Código de Processo Civil de 1973, a despeito de não haver este
reproduzido norma semelhante à do art. 810 do Estatuto Processual de 1939 (RE 92.314, 1º Turma do
STF, rel. Min. Thompson Flores, j. 18-3-1980); (b) O princípio da fungibilidade dos recursos, ainda que
não constante do Código de Processo Civil, é ínsito à natureza instrumental das leis processuais;
entretanto somente pode ser aplicado em casos de fundada dúvida (RE 99.334, 2º Turma do STF, rel.
Min. Francisco Rezek, j. 31-5-1983).
principalmente no que tange ao direção/sentido17
que esta deverá ocorrer, isto é, poderá
ser concedida medida qualquer cautelar requerida como se fosse antecipação de tutela
no processo de conhecimento, bem como uma medida antecipatória poderá ser
demandada no processo cautelar como fulcro no art. 273, §7º, do CPC?
Frente a esta discussão, compete referir as posições majoritárias que estão
sendo adotadas pela doutrina e jurisprudência ao longo do tempo.
Primeiramente, tem-se a ideia de que o §7º não autoriza a conclusão de que
pode ser sempre pleiteada medida cautelar no processo de conhecimento. Tal
dispositivo, partindo do pressuposto de incidência do princípio da fungibilidade no
âmbito recursal vislumbra em, algumas situações de dúvida razoável e objetiva quanto à
natureza da tutela de urgência pleiteada – se satisfativa ou cautelar -, a possibilidade de
se conceder tutela urgente no processo de conhecimento (ORIONE NETO, 2004;
MARINONI, 2006).
Não discorda desse entendimento o magistério de Luiz Guilherme Marinoni:
O §7º do art. 273 não supõe a identidade entre tutela cautelar e
tutela antecipatória ou trata da possibilidade de toda e qualquer
tutela cautelar poder ser requerida no processo de conhecimento.
Tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns casos,
pode haver confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória,
deseja apenas ressalvar a possibilidade de se conceder tutela
urgente no processo de conhecimento nos casos em que houver
dúvida fundada e razoável quanto à natureza (cautelar ou
antecipatória) (2006, p. 162)18
.
Para alguns autores não parece correto este pensamento, pois o pressuposto em
tela não consta no texto normativo, não sendo lícito aplicá-lo por analogia ao sistema
recursal, sem uma razão séria a justificar sua adequação (TARDIN, 2006). Em
comentário ao tema, Didier Júnior pondera que:
a transformação de um mesmo processo em ambiente propício
para a concessão de qualquer modalidade de tutela jurisdicional,
17
Para Didier Júnior (2003, p. 247) o sentido/direção da fungibilidades são denominadas: progressivas
quando permitida a conversão de pleito cautelar em medida antecipatória, e regressivas quando ocorre a
conversão inversa, isto é, de pleito antecipatório para cautelar.
Poderá ser usada também para indicar o sentido/direção das conversões das medidas de urgência a
designação mão-única (somente é aceita a fungibilidade de medida cautelar por antecipação de tutela), e
mão-dupla (ambos os sentidos é aceita a fungibilidade). 18
Posicionamento similar na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) pode
ser encontrado: “Ação cautelar e antecipação de tutela. fungibilidade. sustação de protesto e anulação de
título cambial. A admissão de cautelares, quando aplicável à antecipação – e vice-versa – está assim
assentada na natureza e na finalidade similares dos institutos, bem como, muitas vezes, na dificuldade
prática em distingui-los...” (Agravo de Instrumento N. 70003293487. Relator: Desembargador Luiz Ary
Vessini de Lima).
ao lado de ser providência reclamada pela doutrina, parece hoje
realidade normativa incontestável, sendo pois, um dado a ser
levado em consideração, que revela o ‘ânimo’ da reforma:
facilitar a concessão de providência urgentes [...] exigir esse
pressuposto é criar mais um problema a ser solucionado pela
jurisprudência: o que ‘é dúvida razoável’? A concessão da tutela
provisória terá mais um obstáculo a superar e a reforma, que
veio para eliminar discussões teóricas, terá criado mais uma [...]
a interpretação revela um excesso de formalismo, dificultando a
‘fungibilidade’, técnica de aproveitamento que está em total
consonância com o sistema de invalidades processuais (art. 243-
250 do CPC). Sobretudo após levar-se em conta que, nestes
casos, o juiz estará diante de uma situação de urgência (2007, p.
523).
Diante desta fundada dúvida (razoável) quanto à correta identificação da tutela
urgente, a qual é repudiada por alguns autores, Marinoni entende possível, em hipóteses
excepcionais, a concessão de tutela antecipatória ainda que tenha sido solicitada
cautelar, com fundamento na fungibilidade presente no §7º (2006, p. 163). Diante dessa
colocação, pode-se observar que,
razões de ordem formal não devem obstar que a parte obtenha a
seu favor provimento cujo sentido e função sejam o de gerar
condições à plena eficácia da providência jurisdicional pleiteada
ou a final, ou em outro processo, seja de conhecimento, seja de
execução (WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2005, p. 176).
A fungibilidade prevista no §7º não pode ser estendida para aceitar no bojo do
processo de conhecimento, cautelares típicas, ou seja, medidas cautelares com
procedimento autônomo tipificado no Livro III, Capítulo II do Código de Processo Civil
(VAZ, 2007). Na esteira desse posicionamento, que tem arrimo no pressuposto recursal
de inexistência de erro grosseiro para incidência do princípio da fungibilidade, Paulo
Afonso Brum Vaz (2007, p. 30) pondera que:
Admitir-se esta espécie de fungibilidade significaria revogar o
CPC no que diz respeito ao capítulo do Processo Cautelar,
desnecessário que restaria diante da possibilidade de se postular
medida cautelar no próprio processo de conhecimento, não
obstante a diversidade de rito. Portanto, pressupõe a
fungibilidade que se trate de medida cautelar inominada. As
cautelares específicas ou típicas, com procedimento autônomo
previsto no CPC, não admitem confusão nem engano,
constituindo erro grosseiro o requerimento por via processual
diversa da prevista no Livro III do CPC (Do Processo Cautelar),
Capítulo II (Dos procedimentos cautelares específicos).
Orione Neto (2004) orienta-se no mesmo sentido, pois para ele, se o autor faz
pedido indubitavelmente pertencente ao campo das cautelares, como no caso de um
arresto ou sequestro (cautelares típicas), não deve o magistrado conceder a medida
cautelar de forma incidental, denegando o pedido de antecipação de tutela e remetendo
o demandante para a via procedimental correta. Complementa frisando que,
entendimento em sentido oposto acabaria com o processo
cautelar, já que bastaria ao autor requerer a medida sob a forma
de tutela antecipada que essa seria concedida devido a pretensa
fungibilidade, quando na verdade o autor está fugindo dos
requisitos específicos da cautelar nominada (2004, p. 69).
Quanto à suposta fungibilidade da antecipação de tutela requerida em
procedimento cautelar, Orione Neto enquadra-se na mesma posição de Marinoni,
admitindo a fungibilidade de mão-dupla quando da existência de fundada dúvida
objetiva quanto à tutela a ser adotada. Situação refutada por Paulo Afonso Brum Vaz
em seu trabalho, onde aduz que:
Se admitida a possibilidade de se deferir antecipação dos efeitos
da tutela em processo cautelar, teríamos ferido de morte o
princípio do devido processo legal, em seu aspecto processual.
As partes têm direito subjetivo ao rito definido em lei. Pretensão
que tenha por objeto o reconhecimento da fruição do direito
material objeto do litígio deve ser vertida no processo de
conhecimento. Antecipação dos efeitos da tutela corresponde a
uma pretensão meritória de direito material, portanto, não pode
ser postulada em processo cautelar [...] Existe uma substancial
distinção entre os modelos processuais estabelecidos para cada
uma das espécies de tutela, sendo o da cautelar deficitário em
relação à antecipação da tutela. O prejuízo processual do
requerido seria evidente, seja porque os prazos são mais
exíguos, seja porque a instrução probatória no processo cautelar
é limitada, em razão da cognição superficial que o caracteriza,
ou ainda porque, sob o ponto de vista dos efeitos recursais, o
regime é diverso (VAZ, 2007, p. 32-33)19
.
19
Nesse sentido já decidiu o TJRS: “Agravo de Instrumento. Ação Cautelar Inominada Satisfativa.
Liminar Para Impedir Corte de Energia Elétrica. Impropriedade da Ação Proposta. Infungibilidade da
Ação Cautelar com a Tutela Antecipatória em Ação de Conhecimento. a) Se o autor pretende a
antecipação de providência que é o objeto precípuo da pretensão cognitiva, tem à disposição a tutela
antecipada prevista no artigo 273 do CPC que não se confunde com a ação cautelar própria para a
obtenção liminar de providências e garantias que visam à efetividade da prestação jurisdicional. b)
Inadmissível a fungibilidade entre a ação cautelar e a tutela antecipatória em ação de conhecimento,
porque se tratam de processos distintos, com ritos próprios e exigências diferenciadas no que concerne à
concessão da cautela ou tutela pretendidas...” (Agravo de Instrumento n. 70007964950. Relator:
Desembargadora Leila Vani Pandolfo Machado).
Athos Gusmão Carneiro, por sua vez, aceita a possibilidade de uma
fungibilidade sem estar apegada a qualquer dúvida em relação à natureza da tutela. Para
o jurista, em homenagem a economia processual, à eficiência e brevidade do processo,
postulada na petição inicial providência antecipatória, que na realidade trata-se de
cautelar ou vice-versa, não obsta razões para o magistrado negar a providência pleiteada
(CARNEIRO, 2006a). Na mesma direção se manifestam os ensinamentos de Humberto
Theodoro Júnior, o qual preleciona:
De maneira alguma, porém, poderá o juiz indeferir medida
cautelar sob o simples pretexto de que a parte a pleiteou
erroneamente como se fosse antecipação de tutela; seu dever
sempre será o de processar os pedidos de tutela de urgência e de
afastar as situações perigosas incompatíveis com a garantia de
acesso à justiça e de efetividade da prestação jurisdicional, seja
qual for o rótulo e o caminho processual eleito pela parte. O que
lhe cabe é verificar se há um risco de dano grave ou de difícil
reparação. Havendo tal perigo, não importa se o caso é de tutela
cautelar ou de tutela antecipada: o afastamento da situação
comprometedora da eficácia da prestação jurisdicional terá de
acontecer (2007, p. 422).
Pondera ainda que os “pressupostos de concessão das medidas cautelares são
bem menos rigorosos do que os de deferimento de uma medida antecipatória dos efeitos
da tutela” (CARNEIRO, 2006b, p. 73), o que acaba por possibilitar que “as medidas
cautelares incidentais possam ser requeridas e decididas sem necessidade de um
‘processo’ autônomo, adotando-se a mesma trilha processual das antecipações de
tutela” (CARNEIRO, 2006b, p. 73).
Em relação à fungibilidade progressiva, este defende que deve ser aceita a
possibilidade, pois existem medidas urgentes de cunho satisfativo20
que precisam ser
requeridas em caráter preparatório, não havendo outra solução a não ser requerê-las
aplicando o procedimento e as normas relativas às ações cautelares antecedentes
(CARNEIRO, 2006a). Em suas palavras afirma que:
Atualmente, à falta de outra alternativa procedimental, vem
sendo utilizado para tal fim o rito das cautelares antecedentes,
ditas preparatórias , o que implica em desvirtuamento da
fundamental distinção conceitual entre as função nitidamente
cautelar e aquela que consiste na antecipação ao demandante do
20
Em seu trabalho o Athos Gusmão Carneiro (2006-a, p. 93), traz como exemplos de medidas de tutela
antecipada “antecedentes” e de extrema urgência, os casos de necessidade de uma autorização judicial
para a transfusão de sangue a paciente menor de idade, negada pelos pais sob invocação a motivo
religioso, e a autorização judicial para sepultamento, negada pela administração do cemitério sob o
pretexto burocrático.
próprio bem da vida objeto de sua pretensão (CARNEIRO,
2006b, p. 73).
Alguns autores, como Paulo Afonso Brum Vaz, não aceitam esta alternativa,
pois consideram ser um retrocesso do regime processual, o qual adotou com o advento
da lei 10.444/2002 uma possibilidade de purificar o processo cautelar das chamadas
cautelares satisfativas. Não sendo o processo cautelar um fim em si mesmo, mas mero
instrumento para a efetivação da pretensão a ser concedida no processo principal, não
seria correto deferir-se nesta medida, pretensão que satisfizesse a lide que deste é objeto
(VAZ, 2007). Didier Júnior (2003, p. 249) propõe em seu trabalho uma solução
intermediária, quando a parte “requerer medida antecipatória/satisfativa via processo
cautelar, e o magistrado entender que os requisitos da tutela antecipada estão
preenchidos, deve ele conceder a medida, desde que determine a conversão do
procedimento para o rito comum (ordinário ou sumário, conforme seja), intimando o
autor para que proceda, se assim o desejar ou for necessário, às devidas adaptações
em sua petição inicial, antes da citação do réu...”.
Observada estas posições doutrinárias, numa primeira análise, pode-se
constatar que não subsiste a necessidade de um processo cautelar, pois as medidas que
ora seriam pleiteadas neste podem ser requeridas diretamente no processo principal
(DIAS, 2005). Porém, não é bem assim que a doutrina vem se firmando.
Pelo que se pode inferir dos casos de fungibilidade, resta para o processo
cautelar algumas utilidades, consoante leciona Didier Júnior, Braga e Oliveira (2007, p.
524):
a) como ação cautelar incidental (art. 800, CPC), tendo em vista
a necessária estabilização da demanda acautelada (arts. 264 e
294, CPC), que já fora ajuizada, e também como forma de não
tumultuar o processo com o novo requerimento; b) nas hipóteses
em que a ação cautelar é daquelas que dispensa o ajuizamento
da ação principal, exatamente porque não se trata de medida
cautelar (exibição - arts. 844/845, CPC, caução – arts. 826/838,
CPC), ou porque não se trata de medida cautelar constritiva
(produção antecipada de provas, arts. 846/851).
Outros, como Athos Gusmão Carneiro, propõem que a medidas cautelares de
caráter incidental devam ser requeridas e decididas dentro do processo de conhecimento
no mesmo diapasão das antecipações de tutela, e apenas enxergam a necessidade de um
processo cautelar para os casos em que forem requeridas medidas urgentes de cunho
satisfatório antecedentes à propositura do processo de conhecimento (CARNEIRO,
2006b). Nestes seria utilizado o rito das cautelares preparatórias enquanto existir
alternativa procedimental no ordenamento processual pátrio (CARNEIRO, 2006b).
Ovídio Baptista da Silva ao admitir a existência de ações “cautelares-
satisfativas” coaduna com a tese de Athos Gusmão Carneiro da necessidade de um
processo cautelar para concessão de medidas satisfativas. O autor acaba indo além, pois
entende que em alguns casos de urgência, em que o direito mostra-se evidente, justifica-
se a possibilidade de prestação de uma tutela satisfativa imediata suficiente a dispensar
a propositura da ação principal subsequente. Tal como prevê o Código de Processo
Civil francês ao autorizar a concessão de um référé de todas as medidas contra as quais
não se oponha aucune contestation sérieuse (2007, p. 74)21
.
A doutrina também defende que em razão da impossibilidade de fungibilidade
de medidas cautelares típicas (como visto anteriormente), estas ainda necessitariam de
um processo cautelar com base nos ritos pré-determinados pelo CPC para estes casos
(Livro III, Capítulo II). Jean Carlos Dias, um dos defensores desta tese, afirma que,
por existir um modelo legal, expressamente estipulado para
ofertar o tipo de tutela pretendida (tutelas cautelares típicas) [...]
não se pode admitir a fungibilidade plena. Destarte é vedado ao
juiz conceder em processo autônomo de natureza cautelar
medidas de natureza antecipatória, bem, como lhe é vedado a
faculdade de ofertar medidas cautelares típicas por meio de
incidência do princípio da fungibilidade em antecipação de
tutela (2005, p. 183).
No mesmo sentido é o entendimento de Paulo Afonso Brum Vaz, o qual ensina
que “a concessão de medida cautelar típica depende do procedimento previsto no CPC
para o processo cautelar, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal”
(2007, p. 36), do que se subentende a necessidade de um processo cautelar. Ademais,
leciona ainda que em casos que a parte necessite de um provimento de urgência e ainda
não possua elementos suficientes para propor a ação principal, poder-se-ia admitir o
manejo de procedimento cautelar preparatório onde fosse deduzida pretensão
21
Para tanto, o autor parte das concepções de que:
a) Satisfazer o direito é realizá-lo no plano das relações humanas. É fazer com que o núcleo de seu
conceito passe a ter existência efetiva no plano da realidade social. Este resultado nada tem a ver com o
prévio reconhecimento judicial de sua existência, eventualmente proclamada por uma sentença (2007, p.
71); e,
b) Autonomia da ação cautelar prende-se apenas à suficiência da tutela cautelar, a dispensar o litigante
que a obtenha de ajuizar a ação principal, em que o provimento cautelar venha a ser confirmado ou
revogado (2007, p. 74).
antecipatória, porém, devem ser atendidos pelo autor e examinados pelos magistrados
os pressupostos de concessão da antecipação de tutela previstos no art. 273 do CPC
(VAZ, 2007).
Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 421), não obstante o já destacado em
linhas anteriores, assevera que a utilidade da ação cautelar não desaparecerá
simplesmente pela fungibilidade existente no art. 273 do CPC, pois,
basta lembrar que as medidas preparatórias somente serão
disponibilizadas dentro da ação cautelar, já que nessa altura não
existe ainda processo principal, em cujo bojo se possa pleitear
providência de prevenção.
Além do mais, sempre que a medida cautelar se mostrar
complexa e exigir dilação probatória mais ampla, que não se
comportar na fase em que se acha o processo principal, o caso
será não de indeferir a medida conservativa, mas de admitir a
fungibilidade e ordenar que seja processada em apenso, segundo
o rito das ações cautelares.
Todavia, alguns autores, como Marinoni (2006) e Orione Neto (2004),
sustentam que prevalecerá a existência de um processo cautelar para as medidas
assecuratórias em que não se constatarem à fundada dúvida razoável quanto à natureza
da tutela pretendida, ou não se esteja diante de um erro grosseiro do requerente quanto a
medida pleiteada (ambos pressupostos de incidência da fungibilidade no âmbito
recursal).
Em razão das teses apresentadas, é possível afirmar que o processo cautelar,
como previsto hoje na legislação adjetiva, continuará subsistindo enquanto não ocorrer à
alteração do código de processo civil, porque ainda existe a necessidade de obtenção de
tutelas de urgências preparatórias, tanto de natureza cautelar, como de natureza
antecipatória, fora do âmbito do processo de conhecimento.
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