a argumentação na comunicação empresarial

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A argumentao na comunicao empresarial Desidrio Murcho A estrutura destas pginas a seguinte. Comearei por mostrar por que motivo a argumentao importante na comunicao empresarial. Para isso terei de esclarecer o que quer dizer argumentao. De seguida tentarei oferecer uma tipologia dos diversos argumentos. Por fim, procurarei dar uma ideia de algumas regras gerais no que respeita redaco de relatrios, teses ou trabalhos acadmicos.

A importncia dos argumentos

Qual a importncia dos argumentos para profissionais de comunicao empresarial? O objectivo de um profissional desta rea, muitas vezes, no apenas informativo: no se trata apenas de transmitir informao sobre um certo estado de coisas. Por vezes, o objectivo influenciar uma deciso ou uma opinio. Acontece que s h duas maneiras de influenciar uma deciso ou uma opinio: atravs da persuaso ilcita ou atravs da argumentao. Na persuaso ilcita procura-se enganar o destinatrio atravs de todos os recursos que vo desde o uso da fora fsica at s mais rebuscadas formas de trapaa, de que so especialistas sobretudo os maus polticos, os maus jornalistas e os maus especialistas em marketing e publicidade.

Sempre que se fala de argumentos surge algum que, com ares de sofisticao intelectual, afirma uma de duas coisas (ou at as duas ao mesmo tempo, se for verdadeiramente extravagante): ou que no h objectividade ou que para convencer as pessoas temos de usar recursos que no se compadecem com as "regras acadmicas" da argumentao. Poderamos discutir brevemente o tpico da objectividade, mas no esse o nosso tema; basta-nos pensar que no bvio que nada seja objectivo. Quem pensa isto tem de procurar persuadir-nos. Como? Argumentando? Mas se a sua posio que os argumentos carecem de fora objectiva, tambm os seus argumentos no tm fora para nos persuadir. Deixemos isto de lado. Detenhamo-nos na ideia de que se queremos convencer as pessoas temos de usar recursos que excedem o domnio da argumentao estritamente acadmica. Quem estiver interessado em ver um poltico a defender esta ideia basta pedir-me a cassete de vdeo em que o Pacheco Pereira o faz, com ares de sofisticao intelectual, no antigo programa "Flashback" da SIC.

H uma distino crucial, que pessoas como o Pacheco Pereira desconhecem, entre o que acontece de facto e o que devia acontecer. Acontece de facto que h imensas pessoas a roubar outras pessoas; acontece de facto que h pessoas a matar injustamente outras pessoas; acontece que h pessoas a violar crianas. Tudo isto acontece de facto. Mas no devia acontecer. Est errado que acontea. sempre triste ver uma pessoa com responsabilidades pblicas a defender a arte da aldrabice s porque expedita. Por mais expedita que seja, est errada. Est profundamente errada. E tem a consequncia infeliz de no conduzir s melhores decises; se conseguimos convencer algum ilicitamente no h a garantia de a termos convencido a tomar a melhor deciso.

J se v que, ainda que no caso de um profissional de comunicao empresarial a expedincia aconselhasse a arte do engano e da aldrabice, isso no seria um bom argumento a favor do engano e da aldrabice. A expedincia no nos aconselha a fazer o que devemos fazer; a expedincia aconselha-nos a ser aldrabes, ladres e assassinos. Quem quiser optar pela expedincia j sabe o que o espera.

No entanto, tenho dvidas de que o engano e a aldrabice levem longe um profissional de comunicao empresarial. Isto porque os destinatrios destes profissionais so em parte quadros superiores, habituados a tomar decises cuidadosamente, pesando os prs e os contras. Duvido que as tcnicas que talvez funcionem com o eleitorado tenham efeito nos quadros superiores.

Por outro lado, h uma coisa que os partidrios da expedincia esquecem sistematicamente quando defendem o seu ponto de vista: que os destinatrios no so sempre os outros; ns tambm somos destinatrios. Acontece o mesmo com os ladres: acham que tm o direito de roubar, mas acham que os outros no tm o direito de os roubar a eles. Por isso, ainda que existam pessoas moralmente deplorveis a favor da expedincia, querero mesmo assim conhecer as regras da arte de argumentar a fim de evitarem ser vtimas da trapaa dos outros (tal como os ladres apesar de serem ladres fecham a porta do carro chave). Todavia, isto deve ficar claro para todos: aqueles que procuram no ser enganados mas que procuram enganar so moralmente deplorveis.

Esclarecidas as coisas voltemos ao nosso tema: qual afinal a importncia dos argumentos? Os argumentos so importantes porque com base neles que tomamos decises desde as decises pessoais at s decises profissionais. Uma empresa tem de tomar decises constantemente. Essas

decises apoiam-se em razes, ou informaes, ou dados. Com base nos nossos objectivos empresariais e nos dados disponveis tomamos uma deciso. Mas os dados disponveis no se organizam sozinhos; no so uma espcie de sinais de trnsito claramente dispostos que indicam onde devemos virar se queremos ir para determinado stio. Os dados e as informaes s podem ser a base para a tomada de decises se estiverem organizados; caso contrrio, no passam de um agregado amorfo de dados e informaes sem qualquer valor para a tomada de decises, como um monte de sinais de trnsito dispostos sem nenhuma organizao especial.

Argumentar usar essas informaes e esses dados para que constituam verdadeiros sinais de trnsito que nos dizem onde virar se quisermos ir para determinado stio. Argumentar organizar dados e informaes de forma a mostrar qual a melhor deciso a tomar.

A argumentao

Penso que o leitor j comeou a ter uma ideia quanto importncia dos argumentos na comunicao empresarial. Mas agora pode perguntar-se: poder a argumentao ser ensinada? No ser a argumentao uma arte e como arte algo que pertence ao domnio da intuio e da subjectividade, contrastando por isso com a objectividade e o carcter estritamente cognitivo da cincia? Quem responde afirmativamente a esta pergunta cptico quanto possibilidade de se ensinar uma arte. A arte seria qualquer coisa intuitiva, misteriosa e incompreensvel, imprpria para um ensino sistemtico e objectivo. Consequentemente, tambm a argumentao no seria passvel de ser ensinada: seria uma coisa inteiramente subjectiva.

Acho que esta ideia est errada. Para mostrar por que acho que esta ideia est errada tenho de falar da diferena entre condies necessrias e condies suficientes. Na verdade j falei tantas vezes sobre condies necessrias e condies suficientes que ouvir falar nesta distino comea a ser uma condio suficiente para eu fugir cuidadosamente ao assunto.

Uma condio necessria apenas a consequente de uma condicional; e uma condio suficiente apenas a antecedente de uma condicional. Mas o que uma condicional? uma frase da forma se (qualquer coisa), ento (qualquer outra coisa). Por exemplo: "Se ele no chumbou, ento teve pelo menos 10 valores". Esta frase afirma que uma condio necessria para no chumbar ter pelo menos 10 valores. No possvel passar se no

tivermos pelo menos 10 valores. Mas no necessrio ter dez valores, como bvio: podemos ter 17, se formos sortudos. Por isso podemos afirmar que apesar de ser uma condio necessria para passar ter pelo menos 10 valores, ter exactamente 10 valores no uma condio necessria; no entanto, uma condio suficiente. Basta ter exactamente 10 valores para passar.

Por vezes usa-se a expresso condio sine qua non, que significa sem a qual no. Uma condio sine qua non uma condio necessria.

Tive de falar nisto para se poder perceber o que significa dizer que defendo que apesar de o domnio de regras claras e objectivas no ser uma condio suficiente para o domnio de uma arte, no entanto uma condio necessria. Isto quer dizer que apesar de uma pessoa conhecer e dominar todas as regras de uma arte como a pintura ou o piano, no se segue que seja um grande pintor ou um grande pianista; mas se no dominar essas regras no conseguir de certeza ser um grande pintor ou um grande pianista. Na verdade, nem consegue ser um pintor nem um pianista, quanto mais um grande pintor ou um grande pianista.

O mesmo acontece com a argumentao. No possvel garantir o virtuosismo argumentativo quando se aprende as regras da argumentao. Mas se no aprendermos as regras da argumentao de certeza que nunca dominaremos a argumentao. Alis, o mesmo acontece com as cincias. Mesmo que algum domine todas as leis da fsica ou todos os teoremas da matemtica, no h a garantia de que essa pessoa seja um grande fsico ou um grande matemtico; mas no possvel ser um grande fsico ou um grande matemtico sem dominar esses aspectos tcnicos.

Tipos de argumentos

Tentei mostrar a importncia dos argumentos na actividade dos profissionais de comunicao empresarial e defendi que o domnio das regras da argumentao uma condio necessria para argumentar com eficcia. Mas o que exactamente um argumento? Um argumento uma certa quantidade de informao ou dados organizados de forma a sustentarem uma certa deciso, opinio ou teoria. Chama-se "premissas" a essa informao ou dados; e chama-se "concluso" deciso, opinio ou teoria que queremos defender. Por exemplo, podemos desejar fazer uma proposta para vender um certo servio a uma empresa. Temos de conseguir

convencer os quadros dessa empresa de que vale a pena contratar os nossos servios. Para isso temos de organizar um conjunto de informaes relativas nossa empresa, relativas empresa cliente e relativas aos ganhos e custos do servio que queremos vender. Organizar toda essa informao para que a concluso legtima seja a contratao dos nossos servios argumentar a favor da contratao dos nossos servios. Nunca nos devemos esquecer, claro, que podemos estar (e muitas vezes estamos) na posio inversa, isto , a avaliar as propostas de vrias empresas que pretendem vender-nos um certo servio. Se no dominarmos a argumentao no saberemos escolher a melhor proposta; se no dominarmos a argumentao no saberemos submeter boas propostas.

Agora que j sabemos em geral o que um argumento, podemos perguntar: os argumentos, alm de poderem ser bons ou maus, so todos do mesmo tipo? No. Os argumentos no so todos do mesmo tipo. H vrios tipos de argumentos. As duas grandes categorias em que se dividem os argumentos so os vlidos e os informais.

Os argumentos vlidos so os mais seguros porque oferecem uma garantia incrvel: logicamente impossvel que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua concluso falsa. Os argumentos informais no oferecem este tipo de garantia. Num bom argumento informal, como um bom argumento indutivo, no logicamente impossvel que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua concluso falsa; pode ser impossvel, mas no logicamente impossvel e isto torna mais difcil decidir se ou no impossvel que as premissas sejam verdadeiras e a concluso falsa.

Com a caracterizao dos dois grandes tipos de argumentos ficmos j com uma ideia do que um argumento correcto ou vlido: um argumento que sustenta a verdade da concluso, dada a verdade das suas premissas. E j vimos que a diferena entre os argumentos vlidos e os argumentos informais o facto de estes ltimos, ao contrrio dos primeiros, no garantirem em termos meramente lgicos a verdade da concluso dada a verdade das premissas.

Aos bons argumentos, os chamados argumentos correctos ou vlidos, opem-se os maus argumentos, os chamados argumentos incorrectos ou invlidos. O que um argumento invlido ou mau? Um argumento invlido um argumento que no sustenta a verdade da sua concluso. Se um argumento for invlido as premissas, ainda que sejam todas verdadeiras, no sustentam a concluso. O que significa que uma pessoa pode concordar com todas as premissas, mas recusar a concluso. Por isso que os bons

argumentos, vlidos ou informais, so to importantes: so os nicos que nos conduzem s suas concluses.

Mas repare-se numa subtileza. Dado um argumento vlido podemos afirmar que ele conduz a uma concluso verdadeira? A resposta, talvez surpreendente, no. Um argumento vlido s conduz a uma concluso verdadeira se todas as suas premissas forem verdadeiras. A verdade das premissas e a validade do raciocnio conduzem, ambos e apenas ambos, verdade da concluso. Por isso, na argumentao, a verdade e a validade andam de mos dadas, e preciso dar tanta ateno validade ou correco dos nossos raciocnios quanto verdade das premissas usadas.

H 4 tipos de argumentos informais:

1.Nos argumentos com base em exemplos as premissas consistem num conjunto de exemplos que visam sustentar a concluso. 2.Nos argumentos por analogia as premissas estabelecem uma relao de semelhana entre duas coisas. Afirma-se que uma vez que num certo caso X se defende que Y ento no caso Z se deve defender tambm Y porque X semelhante a Z. 3.Nos argumentos de autoridade citam-se certas fontes e especialistas que dispem de dados fidedignos de que ns no dispomos. 4.Os argumentos causais visam estabelecer uma relao causal entre dois ou mais tipos de fenmenos. Cada um destes tipos de argumentos tem regras prprias, que podem ser preliminarmente estudadas no livro "A Arte de Argumentar", de Anthony Weston.

Algumas regras gerais

Vou agora, para terminar, falar de algumas regras gerais da arte de argumentar. Antes, porm, tenho de alertar o leitor para uma coisa. Hoje em dia est um pouco na moda, em alguns pases, a retrica. No se confunda a retrica de que em geral se fala com a argumentao de que falo aqui. A retrica de que em geral se fala a arte de enganar; a arte de usar todos os dispositivos possveis para influenciar o auditrio, apelando para os seus instintos mais baixos, ou para argumentos que parecem razoveis mas no o so (as falcias). Da que os amantes da retrica

tenham a tendncia para dizer que a retrica ultrapassa as limitaes da lgica. Sejamos claros: se um argumento for mau, ou incorrecto, ou invlido, por mais retrica que se use, por mais que esse argumento funcione junto das pessoas em geral, continua a ser um mau argumento e quem est a us-lo est a enganar as pessoas. No h maneira de a retrica ultrapassar a lgica porque no h maneira de a retrica tornar um mau argumento num bom argumento; claro que a retrica pode tornar um argumento claramente mau num argumento que parece bom e capaz de enganar as pessoas. Mas o leitor j sabe o que eu acho acerca destas posies que defendem a expedincia em detrimento da honestidade.

S mais uma questo antes de avanarmos. Toda a gente devia estudar lgica formal. o estudo da lgica formal que nos d a formao bsica necessria para desempenhar melhor as nossas capacidades argumentativas, que nos ajuda a avaliar melhor os argumentos com que somos confrontados, e que nos permite depois compreender muito melhor a lgica informal, isto , a argumentao.

Vamos ento a algumas regras gerais.

altamente improvvel que se consiga defender bem uma proposta se no se tiver pensado cuidadosamente nas razes que as sustentam. E nunca devemos imaginar que pensmos cuidadosamente numa proposta se no tivemos em conta os argumentos contra a nossa proposta. Para defender bem uma certa proposta preciso compreender bem as propostas contrrias. Temos de faz-lo cuidadosamente. Temos de nos colocar na posio de algum que no quer concordar com a nossa proposta: que argumentos poder essa pessoa apresentar?

Quando pensamos nas razes que sustentam a nossa proposta temos de fazer uma seleco do que verdadeiramente importante. prefervel apresentar trs boas razes a favor de uma proposta do que 10 razes em que umas so fracas e outras fortes. Depois de feita essa seleco temos de estudar cuidadosamente o tipo de argumentos que poderemos usar. Cada tipo de argumento tem as suas regras. Se usarmos um argumento dedutivo, tem de ser logicamente vlido; se usarmos um argumento causal, temos de mostrar claramente que h de facto uma relao de causalidade e no apenas uma coincidncia. Em todos os casos, temos de demarcar claramente as nossas concluses das nossas premissas. E em todos os casos temos de nos lembrar que as nossas premissas tm de ser claramente verdadeiras; se forem falsas, o argumento irrelevante ainda que seja vlido.

E temos de ter cuidado para no cometer falcias. As falcias so erros de raciocnio comuns porque so argumentos incorrectos que parecem correctos. Se estivermos familiarizados com as falcias, no nos deixaremos enganar quando algum nos tenta convencer com uma falcia; e se formos honestos, no usaremos falcias, apesar de sabermos que a probabilidade de sucesso elevada.

Devemos usar uma linguagem constante ao longo da nossa proposta ou relatrio. No devemos usar sinnimos para tornar o texto variado. Um dos maiores defeitos da escrita dos portugueses, alm da prolixidade, o uso de sinnimos. Veja-se a regra 6 do livro de Weston. Quando nos esforamos por no repetir termos acabamos por obscurecer as relaes existentes entre as diferentes premissas e a concluso do nosso argumento. Um texto elegante no um texto que sacrifica a clareza lgica variedade lexical; um texto elegante aquele que sem sacrificar a clareza lgica no todavia repetitivo.

Desidrio Murcho Nota: Este o texto de uma conferncia proferida na Escola Superior de Comunicao Social, em Lisboa. Agradeo a Ana Mafalda Gomes a organizao e o convite e aos colegas e estudantes que me ajudaram a compreender melhor o papel da argumentao na comunicao empresarial. A argumentao em filosofia Desidrio Murcho Oferecem-se neste apndice alguns instrumentos complementares para a redaco e avaliao de argumentos. Os instrumentos aqui expostos so particularmente importantes para a redaco e avaliao de ensaios argumentativos em filosofia, onde o risco de errar no amenizado pelos dados da experincia. Por este motivo, a nfase toda colocada nos argumentos dedutivos. O objectivo oferecer aos estudantes, sobretudo os de filosofia, a possibilidade de exercer as suas faculdades crticas, argumentando a favor do que pensam acerca dos mais diversos problemas, teses e argumentos filosficos.

A estrutura deste apndice a seguinte: as trs primeiras seces tratam da validade de argumentos e da avaliao de condicionais; as duas seces seguintes apresentam duas falcias comuns que tm de ser detectadas e evitadas; introduz-se depois algum simbolismo lgico, assim como algumas

regras de transformao, teis para avaliar alguns argumentos filosficos; o apndice termina com dois exemplos de argumentos filosficos que o leitor j pode agora avaliar, com os instrumentos oferecidos ao longo deste livro.

Validade e correco Um argumento dedutivo vlido qualquer argumento dedutivo que obedea s regras da lgica, algumas das quais foram apresentadas no captulo VI. A definio semntica de argumento dedutivo vlido a seguinte: um argumento dedutivo vlido se, e somente se, nos casos em que as premissas so verdadeiras, a concluso tambm verdadeira. Por exemplo:

Se o conhecimento possvel, os cpticos esto enganados. O conhecimento possvel. Logo, os cpticos esto enganados.

Dada a verdade das duas premissas, a concluso tambm verdadeira. Claro que se as premissas forem falsas, a concluso tanto pode ser falsa como verdadeira. A validade dedutiva do argumento s nos garante a verdade da concluso caso as premissas sejam verdadeiras. Por outras palavras, um argumento dedutivo vlido garante que nunca podemos ter as premissas verdadeiras e a concluso falsa.

Considere-se agora o seguinte argumento:

O mundo exterior existe. O mundo exterior no existe. Logo, Deus existe.

Pela definio dada, este argumento vlido, apesar de poder parecer o contrrio. A indeciso nasce do facto de no ser possvel atribuir a verdade simultaneamente s duas premissas, porque estas so inconsistentes. Mas j se torna claro o facto de este argumento ser vlido se fizermos a seguinte considerao: precisamente pelo facto de as premissas no poderem nunca ser simultaneamente verdadeiras, segue-se que nunca podemos ter as premissas verdadeiras e a concluso falsa. Logo, o argumento vlido, pois isso precisamente que caracteriza os argumentos vlidos.

Considere-se este outro argumento:

Deus existe. Logo, o mundo exterior existe ou o mundo exterior no existe.

primeira vista pode parecer que este argumento no vlido. Mas se tivermos mais ateno verificamos que se trata, de facto, de um argumento vlido. Mais uma vez: dada a verdade da premissa, a concluso pode ser falsa? Bom, fcil ver que a concluso nunca pode ser falsa. Logo, tambm no falsa dada a verdade da premissa. Logo, um argumento vlido.

O objectivo destes dois exemplos de argumentos vlidos que aparentemente no o so distinguir a validade de um argumento da sua relevncia. Apesar de os dois argumentos acima serem vlidos, eles no so relevantes. Porqu? Porque o primeiro vlido custa da inconsistncia das premissas; e o segundo vlido custa do facto de a concluso ser sempre verdadeira. Temos assim de perceber que o que nos interessa num ensaio argumentativo, quer estejamos a escrev-lo, quer estejamos a avali-lo, no a validade dos argumentos tout court, mas um caso especial de validade, a que podemos chamar relevncia. Assim, para decidir se um argumento relevante, temos de usar a seguinte definio: um argumento dedutivo vlido relevante se, e somente se: 1) todas as premissas podem ser simultaneamente verdadeiras; 2) a concluso pode ser falsa.

Perante um argumento dedutivo qualquer, o leitor deve usar a seguinte rotina para verificar a sua relevncia:

1. Verificar se um argumento vlido, pela definio semntica dada. 2. Verificar se todas as premissas podem ser simultaneamente verdadeiras. 3. Verificar se a concluso pode ser falsa.

Um argumento s relevante se passar os trs testes. Se passar apenas um ou dois, no relevante.

Condicionais

As condicionais so canonicamente expressas na forma Se..., ento.... Mas a verdade que existem muitas formas de exprimir condicionais. Esta seco oferece uma lista de algumas dessas formas.

O leitor deve recordar as regras 2, 4 e 6, assim como a regra C4: a clareza na exposio dos seus argumentos fundamental. Algumas das formas de exprimir condicionais so de evitar, pois s servem para obscurecer o que de outra forma seria uma condicional facilmente compreensvel e tambm facilmente criticvel. Esta seco til para avaliar argumentos cuja estrutura lgica est escondida (geralmente atrs de uma hecatombe lexical que impede o leitor de pensar, isto , de avaliar criticamente o que o autor est a afirmar).

O primeiro facto: muitas vezes, o ento elidido, como em

Se Deus no existe, a tica no possvel.

que significa precisamente o mesmo que

Se Deus no existe, ento a tica no possvel.

Outros factos menos evidentes:

Se A, ento B

pode exprimir se como

1. A somente se B. 2. A s se B. 3. A implica B.

4. A s no caso de B. 5. A s na condio de B. 6. A condio suficiente de B. 7. B condio necessria de A. 8. B se A. 9. S se B que A.

No se deve usar a lista acima para fazer variar a forma como, ao longo de um ensaio, se exprimem condicionais. Lembre-se da regra 6, que se aplica tambm s partculas lgicas: se comeou por dizer Se A, ento B, no afirme de seguida C s se D, para tornar o texto variado; afirme antes Se C, ento D. Um texto no um espectculo de variedades e a elegncia literria no vale nada se for conseguida custa da clareza, porque uma forma luminosa para um contedo obscuro ( como um automvel com uma excelente pintura, mas com o motor avariado).

O que costuma fazer mais confuso so as noes de condio necessria e condio suficiente. A lista acima permite saber exactamente o que uma condio suficiente (a antecedente de uma condicional) e uma condio necessria (a consequente de uma condicional). Mas os exemplos seguintes tornaro claras estas noes:

Estar inscrito em Filosofia uma condio necessria para passar a Filosofia. Mas estar inscrito em Filosofia no uma condio suficiente para passar a Filosofia.

Ter 10 valores uma condio suficiente para passar a Filosofia. Mas ter 10 valores no uma condio necessria para passar a Filosofia.

Argumentos e condicionais

Muitos argumentos so expostos sob a forma de uma condicional, como

Se no existir livre-arbtrio, a responsabilidade moral no possvel.

Para avaliar a verdade de uma condicional usam-se precisamente as mesmas regras que se usam para avaliar a validade de um argumento. A diferena consiste agora em tomar a antecedente da condicional em vez das premissas, e a sua consequente em vez da concluso. Assim, uma condicional pode funcionar como um argumento vlido se, e somente se, nos casos em que a antecedente verdadeira, a consequente tambm for verdadeira. Por outras palavras, uma condicional pode funcionar como um argumento vlido se, e somente se, for uma verdade lgica.

Note-se que uma condicional pode ter antecedentes ou consequentes complexos:

1. Se Deus e o mundo existem, ento Deus existe. 2. Se Deus existe, ento Deus ou o mundo existem.

Nos casos de condicionais com antecedentes ou consequentes complexos, aplica-se a mesma distino que j introduzimos anteriormente: para que se aceite uma condicional verdadeira como relevante necessrio que a sua antecedente possa ser verdadeira e que a sua consequente possa ser falsa. As duas condicionais anteriores so verdadeiras e relevantes, mas as duas seguintes no so relevantes, apesar de serem verdadeiras:

1. Se o mundo exterior existe e o mundo exterior no existe, Deus existe. 2. Se Deus existe, ento o mundo exterior existe ou o mundo exterior no existe.

Falcia da inverso da condicional

Uma falcia comum, no exposta na lista do autor, a seguinte:

Se no existir livre-arbtrio, a responsabilidade moral no ser possvel. Logo, se a responsabilidade moral no for possvel, no existir livrearbtrio.

A forma lgica desta falcia a seguinte:

Se A, ento B. Logo, se B, ento A.

fcil verificar que se trata de uma falcia com o exemplo seguinte, que tem a mesma forma lgica do que o anterior:

Se nasceste em Lisboa, s portugus de naturalidade. Logo, se s portugus de naturalidade, nasceste em Lisboa.

Repare-se no mtodo informal que usei aqui para tornar evidente que este argumento falacioso: mantendo a sua forma lgica intacta, substitu as frases de maneira a obter uma premissa verdadeira e uma concluso falsa. O leitor com poucos conhecimentos de lgica pode sempre usar este mtodo para testar a validade dos seus argumentos, ou dos de outrem. Se conseguir imaginar um caso em que todas as premissas so verdadeiras e a concluso falsa, o argumento ser invlido. Mas se no o conseguir, isso no implica que o argumento seja vlido: pode sempre haver uma possibilidade em que o leitor no pensou. A nica forma de saber inequivocamente que um argumento vlido atravs de processos formais, sintcticos ou semnticos, que no cabe aqui explicar. Mas as regras 24-29 abrangem as formas de raciocnio simples mais comuns.

Falcia da causa nica

Esta talvez a falcia mais popular. Como uma falcia do clculo de predicados, Weston no a incluiu na sua lista. Mas to comum que o leitor deve estar alertado, no s para no a cometer inadvertidamente nos seus argumentos, como para poder detect-la nos argumentos das outras pessoas.

Todas as coisas tm uma causa. Logo, tem de haver algo que seja a causa de tudo.

Este argumento usado em particular para defender a existncia de Deus, que depois identificado com a causa de todas as coisas. Mas a mesma forma lgica pode surgir inadvertidamente em vrios argumentos.

Verifica-se que este argumento invlido considerando os seguintes exemplos, que tm a mesma forma lgica do que o anterior:

Todas as pessoas tm uma me. Logo, tem de haver algum que seja a me de toda a gente.

Todos os nmeros tm um sucessor. Logo, tem de haver um nmero que seja o sucessor de todos os nmeros.

Nestes dois argumentos, as premissas so verdadeiras e as concluses so falsas. Logo, na sua forma geral,

Todos os x tm um y. Logo, tem de haver um y para todos os x.

a premissa pode ser verdadeira e a concluso falsa. Logo, esta forma de argumento dedutivo no vlida.

Esta falcia particularmente clara para as pessoas que sabem lgica formal, sendo conhecida por falcia da inverso dos quantificadores.

Smbolos lgicos

Apresento a seguir alguns smbolos lgicos e algumas regras de transformao bsicas, que podero servir como uma introduo lgica. Por outro lado, ajudaro qualquer pessoa a exercer o seu poder crtico sobre argumentos informais onde ocorra algum deste simbolismo. Os argumentos

dedutivos podem ser muito complexos, e tambm aqui o simbolismo ajuda, porque torna mais simples a sua avaliao.

As palavras-chave que ocorrem nos argumentos dedutivos, e das quais depende a sua validade, como se,...ento..., e, ou e no, so operadores lgicos e simbolizam-se assim:

1. Se A, ento B: A B (ou: A B) 2. No A: A (ou: ~A) 3. A ou B: A B 4. A e B: A B (ou: A & B) 5. A se e somente se B (ou: A se e s se B): A B 6. Todos os objectos x tm o predicado P: xPx 7. Existe pelo menos um objecto x que tem o predicado P: x;Px

As regras de transformao permitem-nos mudar as frases existentes para outras logicamente equivalentes. Conhecer algumas delas torna-se importante para avaliar argumentos que no pertencem a nenhuma das formas vlidas apresentadas no Captulo VI, como:

Ou Deus existe, ou a vida no tem sentido. Mas a vida tem sentido. Logo, Deus existe.

Listam se a seguir algumas regras para realizar estas transformaes. Cada regra consiste num par de frmulas, separadas por . Este smbolo significa que o que est sua esquerda pode substituir-se pelo que est sua direita e vice versa.

T1. A A T2. A B A B T3. A B B A

T4. (A B) A B T5. A B (A B) (B A) T6. A B (A B) (A B) T7. (A B) (A B) (A B) T8. A B A B T9. A B B A T10. (A B) A B T11. (A B) A B T12. A B B A

Retomando o exemplo dado acima, agora fcil compreender que a forma do argumento original era

B A A Logo, B.

Mas, as regras T9 e T2 permitem substituir a primeira premissa por A B:

AB A Logo, B

agora claro que se trata de um caso simples de modus ponens:

Se a vida tem sentido, Deus existe. A vida tem sentido. Logo, Deus existe.

Dois exemplos

A ambiguidade, ou equivocidade, j foi abordada na regra 7 e surge tambm na lista de falcias (falcia da palavra ambgua). Mas esta falcia adquire por vezes contornos de uma razovel complexidade, que justificam um tratamento mais detalhado.

No fundo, trata se sempre de usar uma certa expresso ambgua ou equvoca, mudando depois a sua interpretao quando confrontados com argumentos desfavorveis. Repare se na seguinte ideia:

P. O filsofo, e consequentemente a filosofia, no algo que exista independentemente de uma histria, de uma cultura, de uma lngua; antes uma manifestao de um tempo, de um lugar, de uma mentalidade, de uma sociedade.

Esta ideia, aparentemente pacfica, por vezes usada como premissa para a concluso seguinte:

C. A filosofia est de tal forma contextualizada historicamente que tem de ser avaliada no contexto histrico que a legitima. O nosso trabalho consiste na descrio contextualizada do que os filsofos escreveram, e no na discusso das teses, argumentos e problemas que eles discutiram; no podemos concordar nem discordar, no podemos argumentar nem discutir com os filsofos, porque isso seria no compreender o carcter histrico da filosofia, seria descontextualizar a filosofia da sua histria.

A ideia que serve de premissa a esta tese acerca do carcter histrico da filosofia ambgua e pode substanciar-se em duas teses muito diferentes:

P1. As teses, os argumentos e os problemas da filosofia tm uma histria e so influenciados por diversos factores histricos, tal como os filsofos.

P2. A teses, os problemas e os argumentos da filosofia s so respectivamente verdadeiras, pertinentes e vlidos no tempo em que foram proferidos, mas no depois disso.

O leitor percebe imediatamente que a tese P1 verdadeira, mas trivial. E que a tese P2 de tal maneira forte, que so necessrios argumentos poderosos para nos convencer da sua verdade.

Acontece que a concluso C s pode derivar-se da tese P2, que por ser to forte precisa de ser cuidadosamente defendida; mas no da tese P1, que realmente no precisa de ser defendida, por ser trivial.

O que se observa por vezes uma estratgia que consiste em defender C partindo da premissa P. Confrontado com argumentos simples que contrariam P2, que na realidade a nica interpretao de P que sustenta C, o autor da tese historicista defende-se afirmando que tem P1 em mente, mas no P2. Mas acontece que P1 no implica C. Repare-se que a estratgia exactamente a mesma daquela que foi discutida na regra 7 e na falcia da palavra ambgua apenas um pouco mais complicada porque a ambiguidade no reside agora sobre uma nica palavra, mas sobre toda uma premissa.

Na realidade, tudo se torna ainda mais complicado porque em geral nunca se chega de facto a formular claramente a tese C, mas apenas P. Ao invs, C est a todo o instante a ser sugerida e a ser suposta, e na verdade a teoria que sustenta todo o discurso. C o pano de fundo sobre o qual se constri uma complicada teia de frases complexas, mas nunca claramente expressa, pois isso mostraria imediatamente que se est a defender a interpretao P2 e no a P1. Desta forma, cria-se a iluso suficiente para parecer que se defende P1, que trivial, e que portanto no levanta objeces; mas retiram-se consequncias de P2.

As coisas tornam-se ainda mais complicadas quando no plano terico se defende a filosofia como uma actividade crtica e reflexiva, mas no plano prtico se verifica que est subjacente a tese C, que identifica afinal a filosofia com a filologia, tornando o estudante de filosofia num antiqurio do texto filosfico.

Com tudo o que j aprendeu com este livro, o leitor est agora em condies de comear a discutir e a avaliar, isto , comear a pensar sobre os argumentos, teses e problemas filosficos.

Tomemos um exemplo:

O prprio facto de o Universo existir, com tudo o que ele contm, uma evidncia segura de que os cpticos se colocam numa perspectiva a que poderamos chamar errnea. Na verdade, o conhecimento uma possibilidade em aberto se o Universo, ou o Todo, existe, assegurando assim a facticidade do prprio Ser e a eloquente negao do Nada. Por outro lado, abre-se um abismo dilacerante no seio mesmo desta questo, pois a prpria intangibilidade teortica do conhecimento se apresenta em alternativa paralela intangibilidade da perspectiva cptica, o que, convenhamos, no corresponde prpria existncia do Todo, nem negao do Nada.

Quero deixar como exerccio ao leitor a discusso crtica deste argumento. Mas para isso impe-se uma ajuda.

O primeiro passo para avaliar este argumento consiste em pr a descoberto o que realmente est a ser afirmado. O resultado desse trabalho o seguinte:

Se o universo existe, o conhecimento possvel. Ou o conhecimento no possvel, ou os cpticos esto enganados. Mas o universo existe. Logo, os cpticos esto enganados.

Uma vez clarificado o raciocnio realizado, j podemos discutir a sua validade, para depois discutirmos a verdade das suas premissas e da sua concluso. Repare-se que mesmo que este argumento seja vlido, a concluso s tem de ser admitida como verdadeira se se admitirem como verdadeiras todas as premissas.

Repare na forma obscura como o argumento est originalmente expresso, escondendo o raciocnio realizado, atravs duma espcie de espectculo de variedades lexical. O resultado desta forma de expresso a inibio das faculdades crticas do raciocnio e a consequente falncia da possibilidade de discusso. Se no quer que as suas ideias sejam discutidas, no as exprima; se as exprimir, faa-o da forma mais clara possvel. O objectivo a

que deve dirigir-se a verdade, e no a iluso de que a alcanou s porque se exprimiu de forma to obscura que ningum foi capaz de reagir criticamente ao que afirmou.

Por outro lado, quando se deparar com um argumento deste gnero, no se deixe amedrontar, nem o recuse liminarmente como ininteligvel. Faa um genuno esforo de compreenso. Procure pr a descoberto o raciocnio subjacente; avalie a sua validade; e discuta depois as suas premissas e a sua concluso o melhor que puder. No final verificar que ganhou duas coisas: treinou a sua capacidade crtica e, mesmo que no tenha descoberto uma tese, um problema ou um argumento interessantes, descobriu pelo caminho alguns erros, algumas trivialidades, ou alguns disparates contra os quais ficou entretanto alertado. Na procura da verdade, a descoberta do erro um passo muito importante. ( tambm por isso que deve escrever os seus argumentos o mais claramente possvel: para que os seus leitores possam ajud-lo a descobrir os erros que voc no foi capaz de descobrir sozinho.) Lgica e argumentao Desidrio Murcho King's College London "Uma das razes mais importantes para estudar filosofia aprender a formar e defender pontos de vista prprios." Mark Sainsbury

A argumentao um instrumento sem o qual no podemos compreender melhor o mundo nem intervir nele de modo a alcanar os nossos objectivos; no podemos sequer determinar com rigor quais sero os melhores objectivos a ter em mente. Os seres humanos esto ss perante o universo; tm de resolver os seus problemas, enfrentar dificuldades, traar planos de aco, fazer escolhas. Para fazer todas estas coisas precisamos de argumentos. Ser que a Terra est imvel no centro do universo? Que argumentos h a favor dessa ideia? E que argumentos h contra ela? Ser que Bin-Laden responsvel pelo atentado de 11 de Setembro? Que argumentos h a favor dessa ideia? E que argumentos h contra? Ser que foi o ru que incendiou propositadamente a mata? Ser que o aborto permissvel? Ser que Cristo era um deus? Ser que criaremos mais bemestar se o Estado for o dono da maior parte da economia? Ser possvel curar o cancro? E a Sida? O que a conscincia? Ser que alguma vez houve vida em Marte? Queremos respostas a todas estas perguntas, e a muitas mais. Mas as respostas no nascem das rvores nem dos livros estrangeiros; temos de ser ns a procurar descobri-las. Para descobri-las

temos de usar argumentos. E quando argumentamos podemos enganarnos; podemos argumentar bem ou mal. por isso que a lgica importante. A lgica permite-nos fazer o seguinte:

1.Distinguir os argumentos correctos dos incorrectos; 2.Compreender por que razo uns so correctos e outros no; e 3.Aprender a argumentar correctamente. Os seres humanos erram. E no erram apenas no que respeita informao de que dispem. Erram tambm ao pensar sobre a informao de que dispem, ao retirar consequncias dessa informao, ao usar essa informao na argumentao. Muitos argumentos incorrectos no so enganadores: so obviamente incorrectos. Mas alguns argumentos incorrectos parecem correctos. Por exemplo, muitas pessoas sem formao lgica aceitariam o seguinte argumento:

Tem de haver uma causa para todas as coisas porque todas as coisas tm uma causa.

Contudo, este argumento incorrecto. A lgica ajuda-nos a compreender por que razo este argumento incorrecto, apesar de parecer correcto. Chama-se "vlido" a um argumento correcto e "invlido" a um argumento incorrecto. Do ponto de vista estritamente lgico no h qualquer distino entre argumentos invlidos que so enganadores porque parecem vlidos, e argumentos invlidos que no so enganadores porque no parecem vlidos. Mas esta distino importante, e por isso alguns autores reservam o termo "falcia" para os argumentos invlidos que parecem vlidos1. Como evidente, so as falcias que so particularmente perigosas. Os argumentos cuja invalidade evidente no so enganadores e se todos os argumentos invlidos fossem assim, no seria necessrio estudar lgica para saber evitar erros de argumentao.

H muitos aspectos da argumentao que no so estudados pela lgica; por exemplo, alguns aspectos psicolgicos. Algumas pessoas aceitam argumentos invlidos pensando que so vlidos; outras, recusam argumentos vlidos pensando que so invlidos. H vrios tipos de factores que explicam estas atitudes: factores psicolgicos, sociolgicos, histricos, patolgicos, etc. A lgica no estuda estes aspectos da argumentao, que so estudados pela psicologia, sociologia, histria e psiquiatria.

A lgica tambm no estuda o que as pessoas aceitam como argumentao vlida, tal como a histria no estuda o que as pessoas pensam sobre o passado. A histria estuda o prprio passado e no o que as pessoas pensam dele, se bem que tenha em conta o que as pessoas pensam do passado nomeadamente para determinar se o que as pessoas pensam do passado ou no verdade. Do mesmo modo, a lgica no estuda o que as pessoas aceitam como argumentao vlida, mas a prpria argumentao vlida, se bem que tenha em conta o que as pessoas aceitam como argumentao vlida nomeadamente para determinar se o que as pessoas aceitam como argumentao vlida ou no efectivamente argumentao vlida.

"Argumento", "inferncia", e "raciocnio" so termos praticamente equivalentes. Fazer uma inferncia apresentar um argumento, e raciocinar retirar concluses a partir de premissas. Pensar em grande parte raciocinar. Um argumento um conjunto de afirmaes de tal forma organizadas que se pretende que uma delas, a que se chama "concluso", seja apoiada pelas outras, a que se chamam "premissas"2. O que se pretende num argumento vlido que as suas premissas estejam de tal forma organizadas que "arrastem" consigo a concluso. Uma boa analogia pensar nas premissas e na concluso como elos de uma corrente; se o argumento for vlido, "puxamos" pelas premissas e a concluso vem "agarrada" a elas; se for invlido, "puxamos" pelas premissas mas a concluso no vem "agarrada" a elas.

Eis alguns exemplos de argumentos:

1.No podemos permitir o aborto porque o assassnio de um inocente. 2.Dado que os artistas podem fazer o que muito bem entenderem, impossvel definir a arte. 3.Considerando que sem Deus tudo permitido, necessria a existncia de Deus para fundamentar a moral e dar sentido vida. 4.Se Scrates fosse um deus, seria imortal. Mas dado que Scrates no era imortal, no era um deus. Nem sempre fcil determinar qual a concluso e quais so as premissas de um dado argumento; mas esse o primeiro passo para que o argumento possa ser discutido. No caso do argumento 1 a concluso "No podemos permitir o aborto" e a premissa "O aborto o assassnio de um inocente". No caso do argumento 2 a concluso " impossvel definir a arte" e a premissa "Os artistas podem fazer o que muito bem entenderem". O

argumento 3 mais prolixo: a concluso " necessria a existncia de Deus para fundamentar a moral e dar sentido vida" e a premissa "Sem Deus tudo permitido".

Para tornar a discusso de argumentos mais fcil podemos reformul-los, separando claramente cada uma das premissas da concluso. Chama-se "representao cannica" a esta maneira de representar os argumentos. O argumento 4 pode ser canonicamente representado como se segue:

Se Scrates fosse um deus, seria imortal. Scrates no era imortal. Logo, Scrates no era um deus.

evidente que esta forma de apresentar argumentos artificiosa. Mas o primeiro passo para que se possa discutir argumentos, pois s assim se torna claro quais so as premissas e qual a concluso. Esta forma de representar argumentos j fruto do trabalho de anlise de argumentos.

Reformular argumentos, apresentando-os na sua forma cannica um exerccio imprescindvel no estudo da lgica. Claro que os argumentos dados para reformular no podero ser demasiado complexos, pois s algum j familiarizado com a lgica ou um especialista poder reformular argumentos cuja estrutura seja demasiado complexa. Mas no podero ser to simples que surjam como artificialismos sem qualquer relao com a argumentao real que se encontra nos ensaios dos filsofos. O objectivo do estudo da lgica desenvolver as seguintes capacidades, face a um ensaio filosfico ou outro:

1.Identificar a concluso ou concluso principal; 2.Identificar as premissas, incluindo eventuais premissas implcitas; 3.Distinguir diferentes argumentos, explcitos ou aludidos, que o ensaio apresenta. Estas capacidades permitem discutir as ideias dos filsofos e adoptar uma posio crtica. Sem ela, resta a parfrase e o monlogo sem rumo, a que habitualmente se chama "comentrio de texto" e "problematizao".

Nos pargrafos precedentes definiu-se e caracterizou-se a lgica, definindo a noo de argumento, apresentando vrios exemplos, e dando uma ideia intuitiva de argumento vlido e invlido. desta forma que tem de se proceder. Definir a lgica atravs da raiz etimolgica da palavra "lgica" nada esclarece. E dar exemplos de quebra-cabeas, que muitas vezes no envolvem quaisquer argumentos, mas apenas truques e trocadilhos, enganador. A lgica deve ser apresentada como o que realmente : um estudo de alguns aspectos importantes da argumentao, que nos permite distinguir os argumentos vlidos dos invlidos. A lgica no uma espcie de "jogo simblico" nem de "quebra-cabeas".

Finalmente a lgica no o estudo das condies de "coerncia" do pensamento. A lgica estuda a validade e no a coerncia da argumentao. Um argumento pode ser perfeitamente coerente e ser invlido, como no exemplo seguinte:

Se a vida no sagrada, o aborto permissvel. Mas a vida sagrada. Logo, o aborto no permissvel.

Exerccios3 1."A lgica estuda o discurso". Concorda? Porqu? 2.Reformule o seguinte argumento na forma cannica: "Dado que os animais no tm deveres, no tm direitos. Como os touros so animais, podemos concluir que no tm direitos". 3."A lgica um mero jogo simblico". Concorda? Porqu? 4.Ser que todos os textos so argumentativos? Porqu? 5.Ser que a lgica estuda todos os aspectos da argumentao? Porqu? 6.O que um argumento? D alguns exemplos. 7."A lgica muito limitada porque no estuda todos os factores que provocam a adeso do auditrio a um dado argumento." Concorda? Porqu? 8."A lgica estuda as condies de coerncia do discurso." Concorda? Porqu? A importncia do rudo

Quando os filsofos ou as pessoas em geral defendem ideias no apresentam os seus argumentos sob a forma cannica. Vejamos o seguinte exemplo:

evidente que a vida absurda. Nem se compreende como possvel pensar outra coisa. Se a vida no fosse absurda, no haveria tanto sofrimento. Pense-se s nos terramotos, cheias, secas, fome, doenas, etc. Por outro lado, se for tudo uma iluso, a vida absurda. Isto porque ou verdade que o sofrimento existe ou ento tudo uma iluso.

Uma formulao cannica do argumento a seguinte:

Ou o sofrimento existe ou tudo uma iluso. Se a vida no for absurda, no haver sofrimento. Se tudo for uma iluso, a vida absurda. Logo, a vida absurda.

Repare-se no "rudo" que acompanha o argumento tal como foi formulado originalmente. Por "rudo" entende-se tudo o que no desempenha qualquer papel lgico no argumento, em nada contribuindo para a sua validade4. muito importante dar ateno ao "rudo" no estudo da lgica, pois este est geralmente presente nos argumentos reais, e necessrio saber detect-lo e a elimin-lo. Evidentemente, necessrio que os nveis de rudo a introduzir nos exerccios sejam progressivamente maiores, medida que se aprende a analisar melhor a argumentao.

No h receitas automticas para determinar o que rudo e o que no . Mas a importncia de saber distinguir o essencial do acessrio no podia ser maior, sobretudo se queremos saber argumentar condio sem a qual no poderemos intervir de forma rigorosa em qualquer tipo de discusso.

Exerccios 1.Formule o seguinte argumento na sua forma cannica, eliminando o rudo: "Ser que devemos prender o inocente bode expiatrio para acalmar uma multido em fria, que ameaa violncia em massa? A resposta evidente para qualquer pessoa sensata. Contudo, se formos utilitaristas, teremos de

dizer que sim, pois feitas as contas as consequncias de prender um inocente so preferveis ao que pode fazer uma multido em fria. Isto de tal modo absurdo que constitui, por si, uma refutao do utilitarismo." Validade e verdade O termo "validade" tem em filosofia e lgica um significado especializado, diferente do seu significado popular. No dia-a-dia usa-se o termo "validade" para dizer que algo tem valor, que interessante, que deve ser tido em considerao; assim, comum dizer que uma dada afirmao vlida. Contudo, do mesmo modo que "massa" em fsica no quer dizer esparguete e que "altura" em msica no quer dizer volume porque so termos especializados , tambm em filosofia e lgica "validade" no quer dizer que algo tem valor. A validade uma propriedade exclusiva dos argumentos; no se aplica, neste sentido especializado, a afirmaes. Por outro lado, a verdade uma propriedade exclusiva das afirmaes que compem os argumentos as premissas e a concluso mas no dos prprios argumentos. No se pode, pois, dizer que um argumento verdadeiro nem que uma afirmao vlida.

Como veremos, h dois tipos principais de validade: a dedutiva e a nodedutiva. Vamos para j deter-nos na validade dedutiva, pois a mais simples de compreender e a base para compreender a validade nodedutiva. A validade dedutiva define-se do seguinte modo: um argumento dedutivo vlido se, e s se, impossvel as suas premissas serem verdadeiras e a sua concluso falsa. Esta definio est correcta, mas compreende-se melhor5 se se disser que num argumento dedutivo vlido impossvel as premissas serem verdadeiras e a concluso falsa, e se ao mesmo tempo se apresentar exemplos relevantes:

1)

Scrates e Aristteles eram gregos. Logo, Scrates era grego.

intuitivamente bvio que impossvel a premissa ser verdadeira e a concluso falsa. por isso que este argumento dedutivamente vlido. Claro que o tipo de argumentos dedutivamente vlidos que interessam na argumentao, filosfica ou outra, so mais complexos do que este. E como veremos na prxima seco a validade no uma condio suficiente para que um argumento seja bom, apesar de ser uma condio necessria.

No fcil compreender a noo de validade porque esta implica a capacidade para pensar em possibilidades. Os inspectores de circunstncias, que abordaremos no Captulo 4, permitem compreender a noo de validade porque a tornam manipulvel. Para j, importa desfazer algumas ideias falsas sobre a validade.

Em primeiro lugar, no basta que um argumento tenha premissas e concluso verdadeiras para ser vlido. Vejamos o seguinte argumento:

2)

Scrates era um filsofo. Logo, Kant era alemo.

intuitivamente bvio que este argumento invlido, apesar de a premissa e a concluso serem verdadeiras. Intuitivamente, compreende-se porqu: porque no h qualquer conexo entre a premissa e a concluso; isto , porque o facto de a premissa ser verdadeira no tem qualquer relao com o facto de a concluso ser verdadeira. Esta ideia intuitiva de conexo pode ser usada para clarificar a noo de validade, recorrendo referida analogia entre argumentos e correntes: quando os argumentos so vlidos as premissas esto conectadas com a concluso. por isso que o argumento acima invlido: porque a premissa no est conectada com a concluso.

Esta ideia de conexo torna-se real ao trabalhar com inspectores de circunstncias. Em termos rigorosos, exprime-se esta conexo do seguinte modo: num argumento dedutivamente vlido no h qualquer circunstncia na qual as premissas sejam verdadeiras e a concluso falsa. O problema com o argumento acima que a concluso de facto verdadeira, mas no verdadeira em todas as circunstncias possveis em que a premissa verdadeira.

Um teste intuitivo que imprescindvel dominar (e que, uma vez mais, os inspectores de circunstncias tornam manipulvel) o seguinte: Ser possvel imaginar uma circunstncia na qual as premissas de um argumento sejam verdadeiras e a concluso falsa? Se for, o argumento dedutivamente invlido; se no for, o argumento vlido. Este exerccio

estimulante e uma boa base para a compreenso correcta da validade. Regressemos ao argumento 2; poderemos imaginar uma circunstncia em que a premissa verdadeira e a concluso falsa? Sem dvida que sim: Imagine-se que Kant tinha nascido em Frana; esta circunstncia torna a concluso falsa, mas perfeitamente compatvel com a premissa. por isso que o argumento invlido: possvel que a premissa seja verdadeira e a concluso falsa apesar de serem ambas, de facto, verdadeiras. Comparese com o argumento 1: Imagine-se que Scrates no era grego. Nesta circunstncia, a concluso falsa; mas a premissa tambm falsa. por isso que o argumento vlido: qualquer circunstncia que se imagine que torne a concluso falsa torna a premissa igualmente falsa.

Outra propriedade dos argumentos vlidos que gera confuses a seguinte: Um argumento vlido pode ter premissas e concluso falsas. Vejamos um exemplo:

3)

Scrates e Aristteles eram egpcios. Logo, Scrates era egpcio.

Tanto a premissa como a concluso so, de facto, falsas; mas o argumento vlido. vlido porque apesar de a premissa e a concluso serem de facto falsas, impossvel que a premissa seja verdadeira e a concluso falsa e isso que conta na validade dedutiva. Uma vez mais, levantam-se dificuldades porque a noo de validade exige que se pense no apenas nas coisas tal como so, mas nas coisas tal como poderiam ter sido. Ora, o argumento vlido precisamente porque as coisas no poderiam ter sido de tal maneira que a premissa fosse verdadeira e a concluso falsa. necessrio procurar imaginar uma circunstncia na qual a premissa seja verdadeira e a concluso falsa e no se consegue imaginar tal circunstncia, pois no existe. Imagine-se que a premissa era verdadeira: que Scrates e Aristteles eram egpcios. Nesta circunstncia, tambm a concluso verdadeira. Logo, o argumento vlido.

Em suma: um argumento dedutivo pode ser vlido apesar de ter premissas e concluso falsas; e pode ser invlido apesar de ter premissas e concluso verdadeiras. Isto acontece porque a validade uma propriedade da conexo entre as premissas e concluses, e no uma propriedade das prprias premissas e concluses. Num argumento dedutivo vlido s no

pode acontecer o seguinte: que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua concluso falsa. Todas as outras hipteses so possveis. Por outro lado, num argumento invlido, tudo pode acontecer precisamente porque no h qualquer conexo entre as premissas e a concluso. Podemos assim elaborar a seguinte tabela:

Premissas verdadeiras Premissas falsas Concluso verdadeira Vlido ou invlido Vlido ou invlido Concluso falsa Invlido Vlido ou invlido

Exerccios 1.O que a validade dedutiva? 2.Ser que uma afirmao pode ser vlida? Porqu? 3.Ser que um argumento pode ser verdadeiro? Porqu? 4.Ser que um argumento invlido pode ter uma concluso verdadeira? Porqu? 5.Apresente trs exemplos de argumentos invlidos com concluses verdadeiras. 6.Poder um argumento vlido ter uma concluso falsa? Porqu? 7.Poder um argumento invlido com uma premissa falsa ter uma concluso verdadeira? Porqu? 8.Apresente trs argumentos vlidos com concluses falsas. 9.Confrontado com um argumento, Joo afirmou que tanto as premissas como a concluso eram verdadeiras mas que, apesar disso, o argumento devia ser rejeitado por ser invlido. Como pode Joo justificar a sua atitude? 10.Joo estava incerto sobre a verdade de duas afirmaes, chamemos-lhes 1 e 2. Miguel apresentou-lhe um argumento com trs premissas, 1, 2 e 3, e uma concluso C. Examinando o argumento, Joo afirmou que apesar de considerar 3 uma verdade segura, como C era uma falsidade evidente e o argumento vlido, podia concluir que pelo menos uma das premissas 1 ou 2 era falsa. Joo raciocinou bem? Porqu? Argumentos slidos Um argumento vlido pode ter uma concluso falsa, desde que pelo menos uma das suas premissas seja falsa. Dado que o que interessa na argumentao chegar a concluses verdadeiras, os argumentos

meramente vlidos no tm interesse. por isso importante compreender a noo de argumento slido.

Um argumento slido obedece a duas condies: vlido e as suas premissas so verdadeiras. impossvel que um argumento dedutivo slido tenha uma concluso falsa. Vejamos o seguinte exemplo:

Todos os animais ladram. Os pardais so animais. Logo, os pardais ladram.

Este argumento vlido, mas no slido a primeira premissa falsa porque nem todos os animais ladram. Na argumentao muito importante usar premissas verdadeiras e argumentos vlidos, pois s estas duas condies garantem concluses verdadeiras. E se um dado argumento for vlido mas a sua concluso falsa, pelo menos uma das suas premissas falsa.

Os argumentos slidos esto mais prximos do que interessa na argumentao. Mas ainda no chega, pois h argumentos slidos sem qualquer interesse para a argumentao. Vejamos o seguinte exemplo:

A neve branca. Logo, a neve branca.

Este argumento vlido: impossvel a premissa ser verdadeira e a concluso falsa. E slido: a premissa verdadeira. Mas bvio que o argumento no bom. Isto acontece porque num argumento bom as premissas tm de ser menos discutveis do que a concluso6. Muitos argumentos no so bons porque partem de premissas que no so menos discutveis do que a concluso; por exemplo:

Se Deus existe, a vida faz sentido. Deus existe.

Logo, a vida faz sentido.

Este argumento mau porque as suas premissas no so menos discutveis do que a sua concluso. Este argumento pode ser o resumo de uma argumentao mais vasta em que se defenda cuidadosamente cada uma das premissas. Mas, nesse caso, mais uma vez, esses argumentos tero de partir de premissas menos discutveis do que as concluses.

A noo do que mais ou menos discutvel sem dvida relativamente vaga e contextual; mas exibe uma condio necessria para que um argumento seja bom. E importante ter conscincia dela para que no se crie a crena falsa de que a validade intil para a argumentao e para a filosofia.

Exerccios 1.Poder um argumento slido ter uma concluso falsa? Porqu? 2."A argumentao intil porque um argumento slido pode no ser bom." Concorda? Porqu? 3.Poder um argumento slido no ser vlido? Porqu? 4.Considere os seguintes argumentos: "O aborto no permissvel porque a vida sagrada." "As touradas so permissveis porque os animais no tm qualquer relevncia moral." Sero estes argumentos bons? Porqu? 5.Poder um argumento bom no ser slido? Porqu? 6.Poder um argumento bom no ser vlido? Porqu? Validade formal e material H um uso popular do termo "validade" que provoca confuses. Trata-se do uso em que se ope a "validade material" "validade formal". Dizer que uma afirmao como "A neve branca" tem "validade material" apenas dizer que a afirmao verdadeira; dizer que uma afirmao como "Os crculos so quadrados" no tem "validade formal" apenas uma maneira confusa de dizer que essa afirmao falsa por ser uma contradio7.

Esta terminologia obscurece a ideia subjacente: s olhando para o mundo se pode descobrir que uma afirmao como "A neve verde" no verdadeira, mas podemos descobrir pela pura reflexo sobre os conceitos usados que uma afirmao como "Os tringulos tm quatro lados" falsa. Assim, esta no uma distino entre validade e verdade, mas entre afirmaes cujo valor de verdade pode ser conhecido a priori (podemos saber a priori que os tringulos no tm quatro lados) e afirmaes cujo valor de verdade s pode ser conhecido a posteriori (s a posteriori podemos saber que a neve no verde).

Assim, nem a "validade formal" nem a "validade material" so formas de validade, mas sim diferentes maneiras de uma afirmao ser verdadeira ou falsa. Esta terminologia tem de ser abandonada, pois no faz seno lanar a confuso entre a validade e a verdade.

Exerccios 1."A lgica irrelevante para a filosofia porque se ocupa unicamente da validade formal". Concorda? Porqu? Verdade como adequao A lgica no est comprometida com a teoria da verdade como adequao ou correspondncia. A noo de validade da lgica independente de qualquer teoria filosfica acerca da verdade; todas as teorias filosficas acerca da verdade so compatveis com a noo de validade da lgica. Tudo o que a noo de validade determina a impossibilidade de num argumento dedutivo vlido as premissas serem verdadeiras e a concluso falsa independentemente da teoria adoptada para explicar o que a verdade.

Por outro lado, o que caracteriza a teoria da verdade como adequao ou correspondncia no o seguinte esquema a que se chama "descitacional":

A frase "P" verdadeira se, e s se, P.

Um caso particular deste esquema o seguinte:

A frase "A neve branca" verdadeira se, e s se, a neve branca.

Este esquema no caracteriza a teoria da verdade como adequao ou correspondncia. Este esquema compatvel com todas as teorias da verdade as teorias deflacionistas, descitacionais, coerentistas, etc.8

Assim, nem verdade que a lgica esteja comprometida com a teoria da verdade como adequao ou correspondncia, nem verdade que a teoria da verdade como adequao ou correspondncia se caracterize por adoptar o esquema descitacional. A lgica compatvel com qualquer teoria da verdade e qualquer teoria da verdade compatvel com o esquema descitacional.

Exerccios 1."A lgica irrelevante porque pressupe a verdade como correspondncia, o que um mito." Concorda? Porqu? As trs leis do pensamento Por "lgica clssica" entende-se a lgica proposicional e a lgica de predicados que tem origem em Gottlob Frege (1848-1925) e Bertrand Russell (1872-1970). Chama-se "clssica" a esta lgica para a distinguir de outras lgicas modernas que so extenses ou desvios dela, como as lgicas intuicionistas, as lgicas livres, as lgicas modais, as lgicas temporais, as lgicas relevantes, etc.9

No verdade que a lgica seja muito limitada por se basear em trs leis: a identidade, o terceiro excludo e a no-contradio. Apesar de ser verdade que a lgica clssica tem vrias limitaes, no se baseia de forma alguma nestas trs leis. Por outro lado, vrias lgicas modernas violam essas trs leis: as lgicas paraconsistentes violam a lei da no-contradio; e as lgicas intuicionistas violam a lei do terceiro excludo. Alm disso, a lei da identidade no usada na silogstica nem na lgica proposicional; e h lgicas de predicados sem identidade.

Apesar de ter ultrapassado grande parte das limitaes e das deficincias da lgica aristotlica, a lgica clssica tem limitaes tal como a fsica actual tem limitaes. por isso que h muitas lgicas modernas alm da clssica, desenvolvidas a partir dos anos 30 do passado sculo. Todavia, a lgica clssica a matriz em relao qual as outras lgicas se definem; o estudo da lgica comea pela lgica clssica.

Em qualquer caso, falso que existam trs leis do pensamento, mesmo que se tenha em vista unicamente a lgica clssica e a silogstica. Antes de mostrar porqu conveniente ver por que razo o prprio modo como habitualmente se formulam as pretensas trs leis do pensamento deficiente. Uma formulao comum a seguinte:

1.A = A. 2.A ou no-A. 3.A e no-A. Este modo de formular as pretensas trs leis deficiente porque em 1 o "A" simboliza uma coisa, e em 2 e 3 simboliza outra. Comecemos com 2 e 3. A letra "A" uma varivel proposicional. Isto , assinala um lugar vazio que s pode ser preenchido com um tipo de coisa: afirmaes que exprimam proposies. Uma afirmao algo como "O Joo lisboeta" ou "Os estudantes de filosofia que no sabem lgica tm de a estudar". assim que se, em 2, no lugar de "A" se colocar "O Joo lisboeta" obtm-se uma afirmao logicamente verdadeira: "O Joo lisboeta ou o Joo no lisboeta" (ou, abreviadamente, "O Joo lisboeta ou no"). Esta afirmao encarada na lgica clssica como uma verdade lgica10. E se se substituir o "A" de 3, obtm-se uma falsidade lgica: "O Joo lisboeta e o Joo no lisboeta" (ou, abreviadamente, "O Joo e no lisboeta"). A ideia de 3 que qualquer afirmao que se use em lugar de "A" produz uma falsidade lgica.

Todavia, no se pode fazer a mesma substituio em 1. Pois dizer "O Joo lisboeta = O Joo lisboeta" no faz sentido: um erro sintctico. Isso evidente quando se substitui o smbolo "=" pelo que o smbolo quer dizer, "": "O Joo lisboeta o Joo lisboeta". Assim, em 1 o smbolo "A" no uma varivel proposicional; no um smbolo que se possa substituir por uma afirmao. Pelo contrrio, um smbolo que s pode substituir-se por um nome prprio. Se em 1 se substituir "A" por um nome, obtm-se algo que faz sentido: "O Joo o Joo", ou "Lisboa Lisboa". Obtm-se uma verdade lgica. Mas a verdade lgica que se obtm pertence a uma categoria diferente das anteriores: uma verdade lgica que s pode ser captada numa lgica de predicados, e no numa lgica proposicional, como acontecia com as anteriores11.

A maneira correcta de exprimir as proposies 1, 2 e 3 a seguinte:

1.n = n 2.P ou no-P 3.No-(P e no-P) 1 exprime esta verdade lgica simples: o objecto n idntico a n. Esta verdade lgica resulta de uma verdade lgica mais geral, que se exprime assim: x x = x (todos os objectos so idnticos a si mesmos). 2 exprime a verdade lgica conhecida como "terceiro excludo". E 3 exprime a verdade lgica conhecida como "no-contradio".

n simboliza um nome prprio qualquer, como "Scrates" ou "Lisboa", dando origem a afirmaes como "Scrates Scrates", "Lisboa Lisboa", etc. P uma varivel proposicional que pode ser substituda por qualquer afirmao que exprima uma proposio, como "Scrates era grego".

A lgica no um amontoado de smbolos. preciso saber o que simbolizam os smbolos, e preciso ser consistente no seu uso um erro usar "A" para simbolizar indiferentemente afirmaes e nomes. Em geral, n, m, o, etc., so os smbolos que se usam para nomes e P, Q, R, etc., so os smbolos que se usam para afirmaes. Pode-se usar outros smbolos, mas necessrio explicar o que simbolizam os smbolos usados e usar os smbolos de forma consistente.

Compreendidas as pretensas trs leis do pensamento e os smbolos usados para as representar, preciso esclarecer que estas leis no podem ser os "pontos de partida" da lgica. impossvel fazer um sistema de lgica que d conta quer do pensamento proposicional quer do pensamento predicativo s com estas trs leis como ponto de partida. Na verdade, impossvel fazer um sistema de lgica com qualquer nmero de "leis", se com isto queremos falar de verdades lgicas. No possvel construir um sistema de lgica sem regras de inferncia12, e as verdades lgicas no so regras. Podemos usar verses destas leis como regras, com algumas modificaes, mas mesmo assim ser impossvel fazer um bom sistema de lgica que tenha unicamente os princpios 1, 2 e 3 como regras.

Em concluso: no h qualquer sentido no qual se possa dizer que, literalmente, as trs leis apresentadas so os fundamentos lgicos do pensamento. Pode-se fazer vrios sistemas de lgica com diferentes regras, mas no se pode fazer sistema de lgica algum que tenha apenas estas trs leis como regras.

tambm falso que as trs leis sejam princpios psicolgicos do pensamento. Em primeiro lugar, cabe aos psiclogos cognitivos determinar quais so as leis que subjazem maneira como as pessoas pensam. Mas sejam essas leis quais forem, tero de ser regras e no verdades lgicas. Em segundo lugar, ainda que as trs leis sejam verdades lgicas que qualquer pessoa imediatamente reconhece como tal, este facto no tem qualquer relevncia lgica. O que as pessoas imediatamente "reconhecem" como uma verdade lgica pode no ser realmente uma verdade lgica, do mesmo modo que muitos argumentos que muitas pessoas sem formao lgica "reconhecem" como vlidos so falcias. Em todo o caso, ao falar do que as pessoas intuitivamente reconhecem como vlido no h razo alguma para incluir as trs leis e excluir formas argumentativas vlidas como o modus tollens ou o modus ponens, que alm de perfeitamente intuitivos so estes sim fundamentais (num certo sentido) em qualquer sistema de lgica.

Quando se estuda lgica percebe-se que nunca necessrio usar as trs leis da lgica. Se fossem leis fundamentais, no seria possvel estudar lgica proposicional nem de predicados (ou lgica silogstica) sem usar estas trs leis. Dado que possvel, as trs leis no so de modo algum fundamentais.

Filsofos como Aristteles, Leibniz e Kant pensaram que estas trs leis eram de algum modo fundamentais. Todavia, curioso notar que Aristteles no usou os trs princpios para erguer o seu sistema de lgica silogstica. Por outro lado, o conhecimento que os filsofos anteriores ao sc. XX tinham da lgica era limitado, desconhecendo os enormes desenvolvimentos contemporneos, que permitiram pela primeira vez compreender com preciso o que um sistema dedutivo completamente rigoroso. Antes do sc. XX poderia parecer intuitivamente que os trs princpios em causa teriam de figurar num lugar proeminente em qualquer lgica; mas a lgica contempornea mostrou que isso no verdade. E as lgicas no-clssicas mostram que podemos construir sistemas de lgica nos quais os princpios do terceiro excludo e da no-contradio no so respeitados.

Exerccios 1.O que uma varivel proposicional? D alguns exemplos do seu uso. 2.O que um nome? D alguns exemplos. 3.* "A lgica muito limitada porque se apoia exclusivamente nas trs Leis do Pensamento." Concorda? Porqu?

4.* "As trs Leis do Pensamento so fundamentais no sentido em que a lgica se desenvolve a partir delas." Concorda? Porqu? 5.* Por que razo no se pode chamar "lgica moderna" lgica clssica? 6.* Com a ajuda de um dicionrio de filosofia, d exemplos do tipo de argumentos que so estudados, respectivamente, pela lgica modal, pela lgica dentica e pela lgica temporal. 7.* Com a ajuda de um dicionrio de filosofia, caracterize brevemente as lgicas intuicionistas, as lgicas livres e as lgicas paraconsistentes. 8.* "A lgica no serve para nada. Afinal, os grandes filsofos do passado no sabiam lgica, e apesar disso foram grandes filsofos." Concorda? Porqu? Notas 1.Distingue-se por vezes falcias de sofismas, havendo no segundo caso inteno de enganar. Mas esta distino irrelevante para a compreenso da argumentao. 2.Um argumento s pode ter uma concluso, mas pode ter vrias premissas. 3.Os exerccios assinalados com * no se destinam a estudantes; so exerccios que procuram ajudar os professores a ter uma compreenso mais correcta da lgica. 4.Mas dando muitas vezes a impresso contrria da que seja necessrio aprender a eliminar o rudo: para conseguir pensar quando o rudo um convite para parar de pensar e aceitar o que o autor quer. 5.Nomeadamente, porque s depois de estudar lgica proposicional se est em condies de compreender plenamente o que significa a expresso que tipicamente se usa nas definies: "se, e s se". 6.Esta regra muitas vezes violada no curso normal da argumentao; comum ouvir argumentos contra o aborto, por exemplo, com base em premissas religiosas que esto longe de ser menos discutveis do que a concluso desejada. necessrio ter em mente que a fora de um argumento vlido precisamente igual plausibilidade da sua premissa menos plausvel. 7.Na verdade, uma afirmao como "Os crculos so quadrados" no , estritamente falando, uma contradio lgica; apenas uma contradio conceptual, do mesmo modo que "H solteiros casados" no uma contradio lgica formal. Voltaremos a este tema.

8.O artigo "Verdade, teorias da", de Paul Horwich, uma boa introduo s diferentes teorias da verdade (in Enciclopdia de Termos Lgico-Filosficos, org. por Joo Branquinho e Desidrio Murcho, Gradiva, Lisboa, 2001). 9.Destas, as lgicas modais so, filosoficamente, as mais importantes, sendo os seus rudimentos imprescindveis para estudar metafsica. No livro Essencialismo Naturalizado, de Desidrio Murcho (Angelus Novus, Coimbra, 2002), encontra-se uma exposio acessvel desses rudimentos. 10.Repare-se que "A ou no-A" no uma verdade lgica. apenas um esquema que nos permite gerar verdades lgicas quando substitumos "A" por uma frase qualquer. No Captulo 4 compreenderemos melhor o que so verdades e falsidades lgicas. 11.Veremos no Captulo 5 a diferena entre a lgica proposicional e a lgica de predicados. 12.O humorstico e clssico artigo de Lewis Carroll, "What the Tortoise said to Achilles" (Mind, 1895, reimpresso em 1995) mostra precisamente este aspecto: num sistema dedutivo sem regras somos empurrados para uma regresso ad infinitum de cada vez que queremos fazer uma deduo, e nunca a conseguimos fazer. Cf. o artigo "Regras de Inferncia", de Desidrio Murcho, em Enciclopdia de Termos Lgico-Filosficos, org. por Joo Branquinho e Desidrio Murcho (Gradiva, Lisboa, 2001). Neste pequeno artigo pretendo apresentar de forma resumida alguns dos pontos que abordo no seminrio Argumentao Slida. Leia tambm alguns trechos de meu livro sobre pensamento crtico e argumentao. Veja algumas transparncias do seminrio.

Argumentos Fazem Parte De Nossa Vida

Boa parte de nosso dia-a-dia consumida em atividades que lidam com linguagem. Falamos ao telefone, escrevemos memorandos, respondemos a e-mails, participamos de reunies. Uma parte do que escrevemos e lemos tem carter meramente informativo. Mas uma parte substancial (e talvez de grande importncia) tem a ver com textos que lidam com argumentaes. Argumentar defender um ponto de vista atravs do suporte com premissas. No seminrio fazemos uma explanao detalhada das formas ideais de argumento, distinguindo-as de outras estruturas de comunicao (opinies, descries, questes, explicaes, etc). No argumento escrevemos algumas premissas e, atravs delas, suportamos e concluimos algo. Portanto, um argumento uma defesa de uma alegao que fazemos.

Onde Usamos Argumentao?

Se voc estiver propondo um aumento de salrio, se estiver apresentando uma nova idia para a diretoria, se estiver justificando uma deciso que tomou, em todos esses casos voc ir lidar com a construo de argumentos para suportar suas alegaes. Se estiver sendo atacado, se sua deciso est sendo criticada, se algum subordinado estiver "inventando uma estria" para escapar de responsabilidade, nesses casos voc tambm estar lidando com a interpretao e avaliao de argumentos oponentes. Em quase todos os casos, manipular argumentos pode ser uma tarefa penosa e difcil, que requer boa dose de ateno. Veremos neste breve artigo que isto uma tarefa que pode ser facilitada quando se conhece algumas tpicas falcias de argumentao.

O Que So Falcias de Argumentao?

Falcias so erros tpicos de estrutura, composio, coerncia, aceitabilidade ou suporte de argumentos. H tantos desses erros (no seminrio apresentaremos a voc mais de 35 tipos) que d para construir muita bobagem.

Durante o seminrio veremos vrios exemplos prticos de falcias, mas aqui vamos nos concentrar apenas em uma infeliz passagem:

O escritor Mario Vargas Llosa recentemente posicionou-se contrrio interveno do governo na publicidade de cigarros. O Governo quer proibir certos tipos de propaganda e isto provocou esta reao de Vargas Llosa:

"O lcool e uma dieta pobre tambm so grandes assassinos. Deve o governo regular o que vai nossa mesa? A perseguio indstria do fumo pode parecer justa, mas pode tambm ser o comeo do fim para a liberdade" Veja 23 Ago/2000, pg 36

Nunca li nada do Vargas Llosa, portanto no posso afirmar nada sobre sua qualidade como escritor. Parece que tido como um dos grandes. Mas esse seu argumento de arrancar os cabelos. Para a anlise que se segue, tenham em mente a seguinte estrutura:

{ premissa, premissa, premissa...} ---> "Governo no deve proibir a propaganda de cigarros"

Veja o que d para dizer de seu texto (clique nos links para ver uma transparncia sobre a falcia):

"O lcool e uma dieta pobre tambm so grandes assassinos."

Non sequitur Alcool e dieta pobre nada implicam em relao proposio do governo de proibir propaganda do fumo Analogia Imprpria Dieta pobre no possui semelhanas interessantes com o fumo; no , por exemplo, um vcio ou algo que a pessoa tenha dificuldades de se livrar (exceto se sua situao econmica for precria!) Red Herring Tentativa de desviar o foco do problema para outros mais fceis de atacar (proibir propaganda de bebidas alcolicas seria um ato mais fcil de atacar, por causa do maior clamor pblico em contrrio)

"Deve o governo regular o que vai nossa mesa?"

Apelo Emoo Apela-se ao medo coletivo de o governo influir em nossa mesa, em uma tentativa de associao com estados ditatoriais Apelo ao Ridculo Tentativa de desacreditar o argumento do governo baseado em uma sugesto cmica e ridcula

"A perseguio indstria do fumo pode parecer justa..."

Acento Imprprio A frase "pode parecer justa" estaria implicando que o ouvinte deve pr-julgar a proposta do governo como sendo enganadora, escondendo intenes maliciosas. Isto j prepara o leitor para tentar achar pontos falhos na argumentao do governo, mesmo que esses pontos no existam.

"...mas pode tambm ser o comeo do fim para a liberdade"

Descida Escorregadia No h como justificar que essa proibio em particular v descambar para o total tolhimento da liberdade dos indivduos, algo muito mais srio

Quantas falhas, no ? Talvez a principal falha seja a ltima, a descida escorregadia. No porque o governo intervm na propaganda de fumo que devamos esperar sua interveno em todas as liberdades individuais. Este argumento no vlido mesmo em uma situao muito mais forte, aquela na qual o governo estivesse proibindo as pessoas de fumar (ou seja, tornando o ato de fumar ilegal). Mesmo nesse caso, sem ver quais so os argumentos do governo para fazer isso, no d, a priori, para usar desse subterfgio (veja quadro ao lado). O argumento de Llosa nada diz contra as razes que devem ter sido usadas para suportar a iniciativa do governo. Permitir a propaganda de cigarros indiscriminadamente pode conduzir certas pessoas (principalmente jovens menores) a buscar o tipo de satisfao apresentada nos anncios tpicos, como sensao de independncia, juventude, vigor fsico, relacionamento social, facilidades sexuais, todos valores desejveis mas sem nenhuma relao direta com o vcio do fumo. Proibindo Totalmente o Fumo: necessariamente injustificvel? Suponha que o governo proponha ao congresso proibir o fumo de cigarros normais, em todo o territrio nacional. Por essa proposta, ningum mais poderia fumar um cigarro sem ser preso e processado. certamente uma medida altamente impopular e sujeita a toda sorte de crticas, podendo ser encarada por alguns como "o fim das liberdades individuais". Mas a questo : podemos julg-la invlida sem ouvir os argumentos do governo? possvel descartar essa proposta simplesmente porque ultrajante? Imagine que um grande grupo de respeitados cientistas tenha, consensualmente, descoberto que o fumo produz gases raros e previamente desconhecidos que, acima de determinada concentrao na atmosfera, provocam cncer generalizado em todas as pessoas do planeta, mesmo nas no fumantes. Imagine que estejamos a ponto de superar essa concentrao limite, a partir da qual os danos aos pulmes so irreparveis.

Evitar que se supere esse patamar seria, obviamente, motivo suficiente para tornar o ato de fumar justificadamente ilegal, pois a sobrevivncia da humanidade estaria em risco! A situao altamente hipottica mas demonstra que nunca podemos rejeitar um argumento sem ouvir suas premissas. Se desejamos atacar o argumento, teremos que atacar as premissas que o suportam (validade, aceitabilidade, suporte, etc).

Associar esses valores universalmente aceitos com o vcio do fumo seria um abuso injustificvel da publicidade de cigarros. essa linha de raciocnio que Vargas Llosa deveria ter se preocupado em atacar, caso quisesse criticar com sucesso a iniciativa do governo. Frases sobre Argumentao "Um nico bom argumento vale mais do que muitos argumentos melhores." (Tristan Bernard)

"A melhor maneira de responder a um mau argumento deix-lo continuar." (Sydney Smith)

"O objetivo da argumentao, ou da discusso, no deve ser a vitria, mas o progresso." (Joseph Joubert)

"Se no conseguir responder ao argumento de uma pessoa, nem tudo est perdido. Pode sempre chamar-lhe nomes." (Elbert Hubbard)

"Quando voc no tiver bases para uma argumentao, abuse das acusaes." (Ccero)

"Argumentao uma troca de conhecimentos; discusso uma troca de ignorncias." (Robert Quillan)

"O argumento derivado da autoridade tem grande fora na lei." (Edward Coke)

"Quem no pode atacar o argumento ataca o argumentador." (Paul Valry)

"Os mais falsos argumentos podem mostrar um dio correto." (Karl Kraus)

"Um argumento um raciocnio que d credibilidade a uma coisa duvidosa." (Ccero)

"Protgoras diz que todo o argumento permite sempre a discusso de duas teses contrrias, inclusive este de que a tese favorvel e contrria so igualmente defensveis." (Protgoras)

"Por mais violento que seja o argumento contrrio, por mais bem formulado, eu tenho sempre uma resposta que fecha a boca de qualquer um: 'Vocs tm toda a razo'." (Millr Fernandes)

"Argumentar com uma criana bom desde que voc compreenda os argumentos dela sem destruir os seus." (John Mason Brown)

"A clareza de uma causa diminuda pela argumentao." (Ccero)

"O silncio um dos argumentos mais difceis de refutar." (Josh Billings)

"S os intelectualmente perdidos aceitam argumentar." (Oscar Wilde)

"Quem exagera o argumento prejudica a causa." (Georg Wilhelm Friedrich Hegel)

"S senhor do argumento, e as palavras viro." (Cato)

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