amor, fÉ e conflito: festa de sÃo benedito em machado … · 2018-04-12 · jhonatan da silva...

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Instituto de Ciências da Natureza Curso de Geografia Licenciatura JHONATAN DA SILVA CORRÊA AMOR, FÉ E CONFLITO: FESTA DE SÃO BENEDITO EM MACHADO-MG Alfenas - MG 2018

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  • Instituto de Ciências da Natureza

    Curso de Geografia – Licenciatura

    JHONATAN DA SILVA CORRÊA

    AMOR, FÉ E CONFLITO: FESTA DE SÃO BENEDITO

    EM MACHADO-MG

    Alfenas - MG

    2018

  • JHONATAN DA SILVA CORRÊA

    AMOR, FÉ E CONFLITO: FESTA DE SÃO BENEDITO

    EM MACHADO-MG

    Trabalho de Conclusão de Curso

    apresentada como parte dos requisitos

    para obtenção do título de Licenciado

    em Geografia pelo Instituto de

    Ciências da Natureza da Universidade

    Federal de Alfenas-MG.

    Orientação: Prof. Dr. Flamarion Dutra

    Alves.

    Alfenas - MG

    2018

  • JHONATAN DA SILVA CORRÊA

    AMOR, FÉ E CONFLITO: FESTA DE SÃO BENEDITO

    EM MACHADO-MG

    A banca examinadora abaixo

    assinada, aprova a Dissertação

    apresentada como parte dos requisitos

    para a obtenção do título de

    Licenciado em Geografia, pelo

    Instituto de Ciências da Natureza da

    Universidade Federal de Alfenas,

    Minas Gerais. Área de Concentração:

    Geografia Humana – Geografia

    Cultural.

    APROVADO EM:

    PROF° Dr. Ana Rute do Vale Assinatura:

    Universidade Federal de Alfenas

    PROF° Dr. Nádia Cristina da Silva Assinatura:

    CEFET – Divinópolis

    PROF° Dr. Flamarion Dutra Alves Assinatura:

    Universidade Federal de Alfenas

  • Este trabalho é dedicado à:

    Leonor Gonçalves Corrêa (in memorian)

    Edgar Gonçalves Corrêa

    Maria Josefina da Silva Corrêa

    Avelino Pio da Silva

    E a todos empenhados na constituição da

    Festa de São Benedito em Machado-MG,

    principalmente aos Congadeiros do

    município.

  • AGRADECIMENTOS

    Sou muito grato por todos aqueles que me ajudaram nessa caminhada e que

    fizeram este trabalho possível de ser realizado. Foi com um enorme prazer e carinho que

    desenvolvi este trabalho de conclusão de curso falando sobre a Festa de São Benedito

    realizado no município de Machado-MG, festividade que tenho uma profunda admiração

    e consideração.

    Agradeço primeiramente aos meus pais por terem possibilitado a realização de um

    sonho: a graduação no Curso de Geografia/ Licenciatura na Universidade Federal de

    Alfenas-MG. Acreditaram e me apoiaram nos momentos mais difíceis, servindo o tempo

    todo como um alicerce. Também agradeço à minha Irmã e meu irmão. Agradeço a todos

    os familiares que de forma direta ou indireta contribuíram para a materialização desse

    ciclo tão importante e magnífico de minha vida.

    Agradeço aos meus amigos e amigas que durante essa caminhada me

    proporcionaram momentos inesquecíveis, no qual vou lembrar para sempre. Pelas

    conversas, conselhos, pelos momentos felizes onde toda tensão acadêmica se esvaia, sem

    essas parcerias a jornada seria mais cansativa e difícil. Vocês sem dúvidas fizeram esses

    anos mais felizes.

    Possuo uma grande gratidão a todos os professores que fizeram parte da minha

    vida: desde a primeira professora que me ensinou as primeiras letras até os atuais

    professores na Academia. Em especial, agradeço ao Professor Dr. Flamarion Dutra Alves

    por ter me aceitado como orientando e pela parceria na desenvoltura desde o projeto de

    Iniciação Cientifica até a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso. Agradeço ao

    Grupo de Estudos Regionais e Socioespaciais (GERES) e Universidade Federal de

    Alfenas-MG.

    Agradeço a Biblioteca Municipal de Machado-MG, a Casa da Cultura do

    município de Machado-MG, a Associação dos Congadeiros Chico Rei de Machado- MG.

    Aos ex-presidentes da Associação dos Congadeiros professor José Vitor da Silva,

    Arnaldo da Silva e o atual presidente Claudio Aparecido de Carvalho. Aos Capitães dos

    Ternos que não vou falar os nomes para não me esquecer de alguém, sou imensamente

    grato por vocês terem me aceitado e se mostrarem dispostos a ajudar, sem vocês o

    trabalho não seria possível, muitos se tornaram grandes amigos. Agradeço a Capitã

  • General da Guarda dos ternos de Congo e secretário de Cultura do município de

    Machado-MG e ao diretor da Escola Estadual Paulina Rigotti de Castro.

    Ademais, sou grato a todos que se dedicam e trabalham arduamente para que a

    Festa de São Benedito aconteça. Este trabalho é uma pequena contribuição para uma

    enorme festividade, principalmente quando relacionada a toda sua grandeza histórica e

    cultural radicada na grandeza de seu povo constituinte.

  • “Viva o Brasil, viva Minas Gerais

    Viva o Brasil, Viva Minas Gerais

    Viva o povo dessa terra

    Morador desse lugar..”

    (Congada de Minas Gerais – Martinho da

    Vila)

  • RESUMO

    A Festa de São Benedito passou por diversas transformações ao longo dos seus mais de

    cem anos de existência, tanto por agentes internos como externos. Existe na composição

    da festividade dois espaços diferentes são eles: o sagrado e o profano, ou como os

    Congadeiros preferem chamar: espaço religioso, espaço das Congadas e espaço de

    exploração comercial. A Festa de São Benedito teve sua gênese através das populações

    marginalizadas do município, principalmente a população negra, que paulatinamente vem

    sendo retirada da centralidade festiva. Devido a isso, o presente trabalho tem como o

    principal objetivo a compreensão das territorialidades festiva, juntamente com a cultura

    do lugar buscando entender as transformações sofridas ao longo do espaço-tempo que

    culminaram em sua atual conjuntura: tanto na questão territorial como cultural. Para a

    elaboração da pesquisa foi indispensável a realização de uma revisão bibliográfica sobre

    os principais conceitos norteadores e, também, uma revisão pautada na história da Festa

    visando um melhor entendimento conjuntural do território. Ademais, houve realização de

    entrevistas com diversos membros relacionados a constituição da Festa e populares,

    acompanhado a inúmeros trabalhos de campo nas datas festivas e não festivas. A Festa

    de São Benedito em Machado-MG, desde seu início passou por diversas transformações,

    sendo uma delas o registro ou “tombamento” no ano de 2010, passando a ter três

    organizadores sendo: a Paróquia, a Associação dos Congadeiros e Prefeitura. A

    perpetuação cultural no município outrora feita somente através da educação informal,

    sendo uma cultura oral, hoje as escolas contribuem com uma educação não-formal através

    dos ternos mirins. É notório que o território referente a manifestação cultural aos poucos

    vem sendo diminuído gerando conflitos entre a economia, a parte cultural da Festa e a

    Paróquia. Ademais, cabe ressaltar que há uma falta de unicidade entre os capitães de

    ternos, o que dificulta a estruturação de uma classe mais organizada politicamente para a

    resolução dos problemas e luta por melhorias. Existe na Festa de São Benedito na parte

    profana a realização de uma feira ligada ao circuito inferior da economia. A questão

    comercial da Festa de São Benedito, junto com as manifestações culturais e parte sagrada

    juntas atraem um grande público para a festividade. Contudo, o que se pode perceber é

    que o território comercial em uma área específica está avançando sobre o território

    destinado as apresentações culturais. Outra questão que é histórica, relaciona-se a

    apropriação da Igreja sobre a Festa de São Benedito, sendo o poder relacionado a

    população de gênese e as manifestações culturais os mais esfacelados durante todo esse

    um século de Festa. Portanto, cabe ressaltar que não se trata de tentar extinguir as demais

    territorialidades, mas sim trabalhar essa questão com um princípio isonômico, buscando

    respeitar quem já estava ali há muito mais tempo, os progenitores da festividade. Devido

    a isso, é necessário trabalhar tanto na Associação dos Congadeiros como nos ternos a

    unicidade entre seus integrantes, buscando, assim, na formação política uma melhor

    instrumentalização do poder desvendando melhorias perante as apropriações culturais e

    econômicas existentes ao longo do espaço-tempo festivo.

    Palavras-chave: Cultura. Territorialidade. Poder.

  • ABSTRACT

    The Feast of St. Benedict underwent several transformations throughout its more than one

    hundred years of existence, both by internal and external agents. There are two dofferent

    spaces in the composition of the Feast: the sacred and the profane, or as the Congadeiros

    prefer to call it: reigious space, space of the Congadas and space of comercial exploration.

    The Feast of St. Benedict had its genesis through the marginalized populations of the

    municipality, especially the black population, which has slowly been withdrawn from the

    festive centrality. Due to this, the main objective of the present work is the understanding

    of the festive territorialities, together with the local culture, trying to understand the

    transformations suffered during the space-time that culminated in its current conjuncture:

    both territorial and cultural issues. For the elaboration of the research it was indispensable

    to carry out a bibliographical review on the main guiding concepts and also a review

    based on the history of the Feast aiming at a better conjunctural understanding of the

    territory. In addition, there were interviews with several members related to the

    constitution of the Feast and popular, along with numerous fieldwork on festive and non-

    festive dates. The Feast of St. Benedict in Machado-MG, since its inception underwent

    several transformations, one of them being the registration in 2010, having three

    organizers: the Parish, the Congadeiros Association and the City Hall. The cultural

    perpetuation in the municipality once only made through informal education, being an

    oral culture, today the schools contribute with a non-formal education through the little

    suits. It is well known that the territory referring to the cultural manifestation has

    gradually been reduced, generating conflicts between the economy, the cultural part of

    the Feast and the Parish. It is noteworthy that there is a lack of unity between captains of

    suits, which makes it difficult to structure a more politically organized class to solve

    problems and fight for improvements. There is at the Feast of St. Benedict in the profane

    part the holding of a fair linked to the lower circuit of the economy. The commercial issue

    of the Feast of St. Benedict, together with the cultural and sacred manifestations together

    attract a large audience for the festivity. However, what can be perceived is that a

    commercial territory in a specific area is advancing on the territory destined the cultural

    presentations. For more, it must be understood that the church has always appropriated

    the Feast of St. Benedict; being power related to population of genesis and cultural

    manifestations most crumbled during all that one century of Feast. Therefore, it is

    important to emphasize that it is not a question of trying to extinguish the other

    territorialities, but rather to work on this issue with an isonomic principle, seeking to

    respect those who have been there for much longer, the progenitors of the festivity.

    Therefore, it is necessary to work both in the Congadeiros Association and in suits the

    unicity of the Congadeiros, seeking a political formation for a better instrumentalization

    of the power seeking improvements before cultural appropriations and economic existent

    to the logo of space-time in the Feast.

    Keywords: Culture. Territoriality. Power.

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  • RESUMEM

    La Fiesta de San Benito pasó por diversas transformaciones a lo largo de sus más de cien

    años de existencia, tanto por agentes internos como externos. En la composición de la

    festividad, dos espacios diferentes son: lo sagrado y lo profano, o como los Congadeiros

    prefieren llamar: espacio religioso, espacio de las Congadas y espacio de explotación

    comercial. La Fiesta de San Benito tuvo su génesis a través de las poblaciones marginadas

    del municipio, principalmente la población negra, que paulatinamente viene siendo

    retirada de la centralidad festiva. Debido a ello, el presente trabajo tiene como principal

    objetivo la comprensión de las territorialidades festivas, junto con la cultura del lugar

    buscando entender las transformaciones sufridas a lo largo del espacio-tiempo que

    culminaron en su actual coyuntura: tanto en la cuestión territorial como cultural. Para la

    elaboración de la investigación fue indispensable la realización de una revisión

    bibliográfica sobre los principales conceptos orientadores y, también, una revisión

    pautada en la historia de la Fiesta para un mejor entendimiento coyuntural del territorio.

    Además, hubo realización de entrevistas con diversos miembros relacionados a la

    constitución de la Fiesta y populares, junto con innumerables trabajos de campo en las

    fechas festivas y no festivas. La Fiesta de San Benito en Machado-MG, desde su inicio

    pasó por diversas transformaciones, siendo una de ellas el registro en el año 2010,

    pasando a tener tres organizadores siendo: la Parroquia, la Asociación de los Congadeiros

    y Ayuntamiento. La perpetuación cultural en el municipio otrora hecha solamente a través

    de la educación informal, siendo una cultura oral, hoy las escuelas contribuyen con una

    educación no formal a través de los trajes mirins. Es notorio que el territorio referente a

    la manifestación cultural poco a poco viene siendo disminuido generando conflictos entre

    la economía, la parte cultural de la Fiesta y la Parroquia. Cabe resaltar que hay una falta

    de unicidad entre los capitanes de trajes, lo que dificulta la estructuración de una clase

    más organizada políticamente para la resolución de los problemas y lucha por mejoras.

    Hay en la fiesta de San Benito en la parte profana la realización de una feria ligada al

    circuito inferior de la economía. La cuestión comercial de la Fiesta de San Benito, junto

    con las manifestaciones culturales y partes sagradas juntas atraen a un gran público para

    la festividad. Sin embargo, lo que se puede percibir es que un territorio comercial en un

    área específica está avanzando sobre el territorio destinado a las presentaciones culturales.

    Para más, hay que entender que la iglesia siempre se apropió de la Fiesta de San Benito;

    siendo el poder relacionado con la población de génesis y las manifestaciones culturales

    lo más desfasado durante todo este siglo de la fiesta. Por lo tanto, cabe resaltar que no se

    trata de intentar extinguir las demás territorialidades, sino trabajar esa cuestión con un

    principio isonómico, buscando respetar a quienes ya estaban allí hace mucho más tiempo,

    los progenitores de la festividad. Para ello, es necesario trabajar tanto en la Asociación de

    los Congaderos como en los trajes la unicidad entre los Congadeiros, buscando una

    formación política para una mejor instrumentalización del poder buscando mejoras ante

    apropiaciones culturales y económicas existentes al logo del espacio-tiempo en la Fiesta.

    Palabras clave: Cultura. Territorialidad. Poder.

  • LISTA DE GRÁFICOS, ILUSTRAÇÕES E MAPAS

    Mapa 1 – Localização do município de Machado – MG ..................................................14

    Ilustração 1 – Características dos dois Circuitos da Economia Urbana dos Países

    Subdesenvolvidos ................................................................................................................24

    Ilustração 2 – Comemoração ao centenário com diversas fotografias históricas da

    festividade............................................................................................................................49

    Ilustração 3 – Cartaz da Festa de Congo, constituinte dos últimos três dias festivos, tida como

    manifestação profana...........................................................................................................73

    Ilustração 4 – Cartaz de divulgação, Festa de São Benedito 2017, mostrando a modificação

    tendo o espaço religioso e o espaço da Congada.................................................................75

    Gráfico 1 – Porcentagem sobre o conhecimento da história da festividade do público

    entrevistado..........................................................................................................................79

    Gráfico 2 – Porcentagem de públicos entrevistados que acham a Festa religiosa..............80

    Gráfico 3 – Porcentagem de entrevistados que já participaram de um Terno de

    Congadas..............................................................................................................................81

    Mapa 2 – Territorialidades e Conflitos na Festa de São Benedito em Machado-

    MG........................................................................................................................................83

    Mapa 3 – Manifestação do Circuito Inferior......................................................................94

    Gráfico 4 – Porcentagem de barraqueiros que trabalham por conta própria ou para

    outros....................................................................................................................................96

    Gráfico 5 – Trabalhadores que compõem as barracas..........................................................96

    Gráfico 6 – Origem das mercadorias vendidas pelos barraqueiros......................................97

    Gráfico 7 – Diminuem os preços com o decorrer da Festa .................................................98

    Gráfico 8 – Formas de pagamento......................................................................................99

  • LISTA DE FOTOGRAFIAS

    Fotografia 1 – Terreiro de Chão Batido...............................................................................37

    Fotografia 2 – Terreiro de São Benedito pós a reforma de 1967 e nova Capela.................37

    Fotografia 3 – Última reforma no terreiro...........................................................................38

    Fotografia 4 – Nova capela de São Benedito........................................................................39

    Fotografia 5 – Associação dos Congadeiros........................................................................42

    Fotografia 6 – Placa em bronze sobre o registro da Festa de São Benedito........................47

    Fotografia 7 – Fotos de ternos do município de Machado-MG, ternos novos e tradicionais

    ..............................................................................................................................................50

    Fotografia 8 – Transformação do espaço, comparação do cotidiano com o período

    festivo...................................................................................................................................53

    Fotografia 9 – Abertura da Tenda do Congo com Terno Demonstração............................54

    Fotografia 10 – Bandeira e Mastro de São Benedito............................................................55

    Fotografia 11 – Guardas cruzando as espadas.....................................................................56

    Fotografia 12 – Subida do mastro, marco simbólico inicial da festividade.........................56

    Fotografia 13 – Procissão dos Ternos Mirins da cidade de Machado-MG..........................58

    Fotografia 14 – Embaixada, agosto de 2017 ..................................................................59-60

    Fotografia 15 – Boi Bumba seguindo para o Terreiro de São Benedito..............................60

    Fotografia 16 – Retirada do Caiapó do mato, agosto de 2017.............................................61

    Fotografia 17 – Procissão – saindo da Praça Antônio Carlos em direção ao terreiro de São

    Benedito................................................................................................................................62

    Fotografia 18 – Reinado..................................................................................................63-64

    Fotografia 19 – Premiação e apresentação dos ternos de congadas do município de

    Machado-MG..................................................................................................................64-65

    Fotografia 20 – Descida do Mastro .....................................................................................66

    Fotografia 21 – Terno Demonstração...................................................................................69

    Fotografia 22 – Barracas com cadeiras do lado do fora.......................................................85

    Fotografia 23 – Terno de município de Machado-MG, se apresentando em Carvalhópilos-

    MG........................................................................................................................................87

    Fotografia 24 – Rua Airton Rodrigues Leite e os barragueiros............................................95

  • SUMÁRIO

    1. Introdução.............................................................................................................14

    2. O Organizacional: como tudo aconteceu ................................................................ 17

    3. Festa de São Benedito em Machado-MG: uma reflexão conceitual.................20

    3.1 O profano e o sagrado ..................................................................................20

    3.2 Uma reflexão ............................................................................................... 21

    3.3 A Questão econômica ................................................................................... 23

    3.4 A cultura e a sua importância para o homem................................................25

    3.5 Uma Festa de Caráter Popular.......................................................................27

    3.6 A Nova Geografia Cultural e o entendimento das expressões culturais........30

    4. Da Gênese ao Contemporâneo: uma breve história da Festa de São Benedito em

    Machado-MG..................................................................................................................32

    4.1 A crescente descentralização de um povo....................................................35

    4.2 O comércio e a constituição da Associação dos Congadeiros......................39

    4.3 As estruturas festivas....................................................................................43

    5. Período Festivo e a Transformação do Cotidiano Citadino.................................52

    5.1 A programação festiva e seus momentos......................................................54

    5.2 A Cultura Ontem e Hoje................................................................................66

    5.2.1 Entre o Sagrado e o Profano.......................................................................72

    6. A Diversidade da Territorialidade Festiva e seu Público......................................79

    6.1 O Comércio e a territorialidade festiva.........................................................82

    6.2 Políticas Públicas Para a Melhoria e as Garantias de Continuidade.............86

    6.2.1 A Cultura e o comércio..............................................................................90

    6.2.2 União de Classe em busca de melhorias....................................................91

    7. Notas sobre o Circuito Inferior da Economia........................................................94

    8. Conclusão................................................................................................................101

    9. Referências..............................................................................................................104

    10. Apêndices................................................................................................................109

  • 14

    1. INTRODUÇÃO

    O município de Machado está localizado na Mesorregião Sul/Sudoeste de Minas

    Gerais, conforme mostra o mapa 1. De acordo com o IBGE (2017) no último censo

    demográfico realizado no ano de 2010 o município tinha uma população de 38. 638

    habitantes e com uma estimativa de 41.920 habitantes para o ano de 2017. Em

    consonância com Silva (2001) a ocupação da região Sul Mineira, principalmente referente

    a localização de Machado-MG e arredores se deu somente com o término do ciclo do

    ouro. No século XVIII, mais precisamente em sua metade, começou a surgir o povoado

    de Machado e em 1881 obteve sua emancipação se tornando uma cidade.

    Mapa 1 – Localização do município de Machado – MG

  • 15

    Fonte: Elaborado pelo autor, agosto de 2017.

    A Festa de São Benedito, desde a década de quarenta do século vinte, ocorre

    tradicionalmente no mês de agosto em sua segunda quinzena. É tradicionalmente

    composta por doze dias festivos onde se encontram: nove dias ligados as questões

    religiosas (Novena) referente a programação religiosa e três dias de programações

    culturais totalizando doze dias festivos, sendo assim geralmente sua estruturação.

    Tudo indica que as origens da Festa de São Benedito em Machado-MG, advém

    do período escravocrata brasileiro onde os negros mantinham suas manifestações

    religiosas e devido à resistência resultou no sincretismo. Portanto, a festividade mantém

    em seu cerne uma forte ligação entre as manifestações culturais religiosas afro-brasileiras

    e o Catolicismo popular. Originária da zona rural, posteriormente passou a ser realizada

    na área urbana do município.

    O primeiro registro escrito da Festividade se trata do começo do século XX, no

    ano de 1914, onde foi realizada devido ao esforço da população do lugar em sua maioria

    negros e pobres. Ou seja, populações mais marginalizadas do município. A festividade

    sofreu diversas transformações ao longo de sua existência, como o incremento de um

    forte comércio. Com isso, alguns aspectos foram incorporados em detrimento de outros

    que foram retirados culminando no que a festividade é hoje com mais de um século de

    existência.

    Durante todos esses anos a Festa de São Benedito de Machado-MG, centenária e

    tradicional, tem em seu cerne manifestações culturais folclóricas: folguedos populares

    que por muito tempo foram tidos como profanos, em contrapartida as manifestações

    ligadas a Igreja Católica como sagrada. Isso perdurou por um longo período para a

    insatisfação entre os Congadeiros do município.

    A festividade passou por muitos momentos dispares entre eles os que culminaram

    em apropriações culturais e econômicas, onde o território festivo se alterou nem sempre

    voltado para os aspectos culturais. A Igreja Católica foi a principal organizadora por

    muito tempo da Festa. Com a constituição da Casa dos Congadeiros ou Associação dos

    Congadeiros, houve um “rompimento” com este poderio autoritário e mais tarde com o

    registro ou tombamento da Festa como Patrimônio Imaterial do povo machadense houve

    o incremento do poder público municipal como organizador. Para completar a dinâmica

  • 16

    territorial não se pode esquecer-se dos barraqueiros1, outro constituinte das relações

    territoriais.

    Logo, com toda essa transformação restaram as questões: será que a festividade

    ainda mantém as questões tradicionais ou se transforma de tal forma que vem perdendo

    elementos centrais de sua cultura? A festividade é de cunho popular, mas como se

    encontra essa população em relação a Festa? Ainda se encontram no cerne festivo?

    A presente pesquisa possui como objetivo geral a compreensão da territorialidade

    festiva, dos aspectos relacionados a cultura e a territorialidade do lugar e apropriações e

    transformações sofridas ao longo do espaço-tempo tanto econômicas como culturais. Os

    objetivos específicos estão relacionados: a fazer um resgate histórico da Festa de São

    Benedito em Machado-MG, analisar as territorialidades festivas e seus conflitos,

    compreender a população festiva e seus ensejos, entender a perpetuação cultural no

    município e suas transformações. Ademais, também se busca entender a economia

    existente na feira para a caracterização nos circuitos da economia de Santos (2004) e

    trabalhar a relação existente entre o espaço sagrado e profano na Festa de São Benedito

    em Machado-MG.

    Para atingir os objetivos a pesquisa foi estruturada em 5 capítulos onde no

    primeiro há realização de uma análise conceitual sobre o tema aqui proposto. O segundo

    capítulo traz a história da Festa de São Benedito em Machado-MG. Dando continuação,

    no terceiro capítulo é explorado a transformação do cotidiano citadino e as modificações

    culturais sofridas na festividade ao longo do espaço-tempo. O quarto capítulo é trabalhado

    a diversidade do público festivo e os conflitos existentes nas territorialidades festivas

    contemporâneas. No quinto e último capítulo retrata a manifestação do circuito inferior

    da economia na feira da Festa de São Benedito em Machado-MG.

    1 Vendedores que montam suas barracas no período da Festa de São Benedito.

  • 17

    2. O ORGANIZACIONAL: COMO TUDO ACONTECEU

    Para constituição da pesquisa, primeiramente foram realizadas revisões

    bibliográficas onde houve a intenção de compreender a história da Festa de São Benedito

    em Machado-MG e como a mesma surgiu. Para estes fins, foi necessário consultar tanto

    a Biblioteca Municipal, a Casa da Cultura no município de Machado-MG, o jornal Folha

    Machadense e Associação dos Congadeiros – através das reuniões mensais com os

    Capitães de terno2. Concomitantemente, houve a realização de pesquisas no campo

    teórico abordando os principais conceitos científicos discutidos neste trabalho como:

    Sagrado e o Profano, Território e a Territorialidade, Cultura, Poder, Lugar e o estudo dos

    Circuitos da Economia.

    Ademais, foram feitos inúmeros trabalhos de campo nos anos de 2016, 2017 e

    2018 cujo os interesses foram compreender as atividades que transformam os espaços e

    os configuram dando as formas ali vigentes, constituindo as paisagens do lugar. Os

    trabalhos aconteceram não somente nos dias festivos, pois, muitas entrevistas foram

    realizadas em um espaço-tempo não condizente com o calendário da Festa de São

    Benedito em Machado-MG.

    A pesquisa tem uma abordagem que leva em consideração a história oral

    valorizando os relatos, informações referentes a vivência dos indivíduos e suas histórias

    que em alguns casos se não registradas podem se perder com o tempo. De acordo com

    Lima (2006) a finalidade dessa técnica é produzir histórias, ou seja, depoimentos de

    pessoas que vivenciaram momentos importantes para o contexto da pesquisa, resultando

    na formulação de dados e informações. O autor ainda mostra que basear somente em

    relatos podem gerar equívocos. Portanto, é importante buscar para além das entrevistas

    outras fontes como complementação do tema abordado.

    Além disso, compreender as simbologias inerentes aos espaços sendo ela sagrada

    ou profana se tornou necessário. Ademais, houve observações sobre a forma de

    perpetuação e transformação cultural no município referente a Festa de São Benedito em

    2 Terno: Grupo de pessoas que dançam o congo onde se têm os santos e um nome para a identificação do

    grupo. O número de participantes dos ternos chegam a ter grande variabilidade no município, podendo ser

    de 30 integrantes a até mesmo terno com mais de 100 integrantes

  • 18

    Machado-MG. Para mais, nos momentos nos quais as hierofanias3 se fazem presentes é

    essencial a presença do pesquisador.

    A pesquisa de campo deve ser incentivada como instrumento metodológico,

    pois permite ao pesquisador uma maneira privilegiada de obtenção de dados

    etnográficos confiáveis da religiosidade do crente em suas manifestações na

    paisagem religiosa e no lugar sagrado. (ROSENDAHL, 2012, p. 27).

    Entender o público festivo também foi uma preocupação. Logo, foram realizadas

    entrevistas no ano de 2016 com o público participante para assimilar a diversidade festiva:

    abordando os diversos seguimentos ali existentes. Por isso, foram realizadas 40

    entrevistas com atores sociais dispares presentes na festividade e escolhidos de forma

    aleatória. Com isso, houve a intenção de compreender a dinâmica existencialista do lugar

    junto a questão fenomenológica atribuída aos diferentes ensejos estabelecidos pelo

    público da Festa.

    De acordo com Holzer (2010), a ontologia contemporânea traz para a discussão o

    mundo que construímos e a representação do ser pautada nas divergências existenciais.

    Assim será abordado a geograficidade do lugar, essencialmente, culminando na questão

    do ser-no-mundo onde o espaço passa a ser adjetivado.

    Em relação às entrevistas realizadas com os barraqueiros, foram feitas através de

    uma amostra referente a 20% dos comerciantes ali presentes em seus diversos

    seguimentos comerciais como: vestimentas, eletrônicos, utensílios domésticos, entre

    outros. O número aproximado de barraqueiros em 2016 foi 300, logo houve a realização

    de 60 entrevistas nesta territorialidade. As entrevistas referentes aos barraqueiros foram

    materializadas por meio de um questionário com duração média de 15 minutos. Com o

    intuito de formalizar um material sobre a questão econômica festiva para o entendimento

    referente ao circuito inferior e sua organização.

    Além do mais, houve entrevistas com ex-presidentes da Associação dos

    Congadeiros e o atual presidente. Capitães e donos de ternos também foram entrevistados,

    a Capitã General da Guarda dos Congadeiros, o secretário de cultura do município entre

    outros participantes ativos na constituição da Festa de São Benedito em Machado-MG.

    As entrevistas aconteceram em sua maior parte por intermédio de um roteiro

    semiestruturado, “o entrevistador segue um determinado número de questões principais

    3 Manifestação do sagrado

  • 19

    e específicas, em uma ordem prevista, mas é livre para incluir outras questões” (LIMA,

    2006, p. 27), dando possibilidade para o acréscimo de outras informações.

    Entretanto, houve também entrevistas abertas: onde através das conversas com

    diversas pessoas era possível adquirir conhecimento sobre diferentes temáticas

    envolvendo a Festa de São Benedito no Município de Machado-MG. Estas conversas

    realizadas através de entrevistas não estruturadas aconteciam mais frequentemente na

    praça de São Benedito, onde sempre era possível conversar com pessoas mais idosas que

    ali se encontravam.

    A entrevista é uma conversa que pode ser mais ou menos sistemáticas, cujo

    objetivo é obter, recuperar e registrar as experiências de vida guardadas na

    memória das pessoas. O entrevistador tem um papel ativo na busca de

    lembrança e reflexões, mas isso deve ser feito sem que haja uma indução em

    busca de respostas que se quer ouvir. (LIMA, 2006, p.26)

    As entrevistas semiestruturadas tiveram duração média entre 50 minutos e

    abordavam questões históricas e aspectos ligados as percepções dos entrevistados. Todas

    eram gravadas com o intuito de não se perder informações em relação as falas concedidas.

    Ademais, ressalta-se que todas as gravações foram feitas através da permissão dos

    entrevistados que estavam cientes da prática.

    Portanto, percebe-se a formulação de dados primários sendo eles produzidos nos

    anos de 2016, 2017 e 2018. Além disso, há também o uso de fontes secundárias para a

    formalização da pesquisa como já elucidado acima.

    Ademais, como parte do trabalho, foram feitos mapas sobre a localização do

    município e da territorialidade festiva e seus conflitos através do uso de softwares.

    Também houve a produção de um material fotográfico, onde todas as fotos referentes ao

    ano de 2017, feitas pelo autor, foram concedidas a Associação dos Congadeiros e

    Congadeiros do município de Machado-MG através de diferentes mídias físicas e não

    físicas. Não com o intuito de realizar uma espetacularização conforme mostra Lacoste

    (2016), mas com o desejo de mostrar um pouco do trabalho e documentar momentos que

    através das fotografias podem ser mais expressivos e palpáveis.

  • 20

    3. FESTA DE SÃO BENEDITO, MACHADO-MG: UMA REFLEXÃO

    CONCEITUAL

    3.1 O Sagrado e o Profano

    Para entender melhor a Festa de São Benedito, possuidora de vertentes religiosas,

    é muito importante tratar de interpelar a religião e sua interpretação na Geografia.

    A abordagem da religião vem impondo reflexões sobre a experiência dos

    indivíduos e dos grupos sociais na construção de espaços fortemente

    vinculados ao sagrado. [...]. Os estudos exemplificam as relações entre espaço

    e religião, na quais dois pontos são fundamentais na interpretação: sagrado e

    profano. (ROSENDAHL, 2012, p.25).

    O espaço sagrado e o espaço profano mantêm uma relação entre si, vivem em uma

    simbiose. De acordo com Resendahl (1999) não há sacralidade no espaço profano.

    Entretanto, há um vínculo em ambos. Para Rosendahl (2012) o profano só existe em

    relação ao sagrado não obtendo esta referência cai em sua inexistência. Ademais, para

    Eliade (1962); Rosendahl (2002) com a manifestação do sagrado costuma haver uma

    alteração no espaço-tempo vivido pelo homem, onde se rompe com o habitual, causando

    assim uma interrupção do profano modificando seus modos comportamentais ante as

    hierofanias.

    Em consonância com Rosendahl (2012) a constituição do sagrado vai além do

    plano material, como templos e santuários devido ao fato da experiência estar ligado ao

    ser no mundo suas emoções e sentimentos. Por isso, o sagrado não está somente ligado

    ao físico espaço onde a religião se manifesta. Mas também em cada devoto em sua

    subjetividade e modo de lidar com moções mediante a conexão com o divino. Segundo

    Eliade (1962); Rosendahl (2002) a existência de um indivíduo profano não se constitui

    em sua totalidade devido ao fato do homem não conseguir abolir de forma concreta o

    comportamento religioso. Até a vida mais profana possui uma valorização do mundo em

    aspectos religiosos, ou seja, ele é um herdeiro das imagens, símbolos e mitos.

    No decorrer da vivência social, o sagrado tem variações de acordo com o seu

    público. Segundo Sacchi (2011) o sagrado é um conceito que está presente em todas as

    religiões. No entanto, para a religião hebraica ou que emergiram da mesma o conceito é

    melhor difundido obtendo maior destaque.

  • 21

    Para Rosendahl (2002) a presença do sagrado é forte se tratando do urbano,

    entretanto, medi-la é extremamente difícil. Com as transformações advindas do espaço-

    tempo e conforme as atividades realizadas pelos agentes sociais vão se desvinculando das

    amalgamas sagradas, os espaços vão se transformando, uns continuam com seu caráter

    religioso e outros vão perdendo estas características com o decorrer do tempo.

    As práticas religiosas configuram a relação do homem com o sagrado,

    englobando ritos e rituais, orações e outros. Os ritos são heranças culturais

    religiosas que determinam formas espaciais de viver as crenças,

    nomeadamente o culto e a devoção pessoal. Os rituais religiosos são gestos,

    palavras, procedimentos imbuídos de simbolismo, que efetivam os ritos

    religiosos, sendo resultados das normas estabelecidas por normas religiosas.

    [..]. (COUTINHO, 2012, p. 179, grifo do autor).

    Logo quando se fala de sagrado ele pode estar fundamentado sobre várias

    possibilidades de religiões, é uma vivência pessoal, que pode ser percebido por algumas

    pessoas e por outras não culminando na incredulidade de alguns. “O sagrado não

    consegue reificar, concretizar, pela impossibilidade de assegurar a sua existência terrena.

    Para uns o sagrado é real e para outros é construção humana.” (COUTINHO, 2012, p.

    177).

    O ocidental moderno experimenta um certo mal-estar diante de inúmeras

    formas de manifestação do sagrado: é lhe difícil aceitar que, para certos seres

    humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou em árvores, por

    exemplo. Mas, como não tardaremos a ver, não se trata de uma veneração da

    pedra como uma pedra, de uma árvore como uma árvore. A pedra sagrada, a

    árvore sagrada, não são adoradas como pedra ou como árvore, são-no

    justamente porque são hierofanias, porque qualquer coisa que

    já não é pedra nem é árvore, mas o sagrado [..]. (ELIADE, 1962, p. 21, grifo

    do autor).

    Logo, a caracterização do sagrado e profano vai depender do lugar onde o mesmo

    se encontra, perpassando estruturas religiosas. O indivíduo através de sua vivência e

    bagagem cultural pode atribuir a diferentes componentes a capacidade de sagrado perante

    a sua existência.

    3.2 Uma reflexão

    A atividade antrópica transforma o espaço terrestre resultando em uma

    organização que através de seus aspectos o humaniza. Portanto, ao interferir em um

  • 22

    espaço o homem passa a deixar sua marca. Conforme mostra Luchiari (2001) a Geografia

    Cultural trouxe contribuições mostrando como a paisagem materializada pode expressar

    o sentido que a sociedade dá ao meio buscando, com isso, compreender a

    representatividade da paisagem atrelada ao imaginário coletivo.

    Por meio da habilidade humana, a natureza é transformada em objetos

    culturais. [..]. As representações de mundo são construídas na produção desses

    objetos culturais que, reunidos no tempo e no espaço, transformam a paisagem

    em lugar. (LUCHIARI, 2001, p. 22)

    Conforme mostra Souza (2015) o lugar não representa uma localidade, mas sim

    tem como característica ser um espaço dotado de forte carga simbólica onde há relação

    com a imagem possuidora de significado podendo o mesmo ser ambíguo: sendo bom e

    hospitaleiros para alguns e ruim e até mesmo perigoso para outros. “O lugar é um mundo

    de significado organizado”. (TUAN, 2013, p. 219).

    Segundo Claval (2014) os lugares estão relacionados as lembranças dos

    ancestrais, dos momentos felizes e tristes da vida de cada indivíduo. O homem necessita

    dar significado ao mundo que o cerca. Logo, há uma grande carga cósmica ou presença

    do divino. Em contraste com o profano e rotineiro existe o sagrado onde os lugares

    visitados ou habitados pelos gênios, espíritos ou príncipes invisíveis possuem uma

    dimensão tão real podendo ser mais verossímil que o mundo material.

    Para Corrêa (2014) o lugar se tornou conceito chave na Geografia Cultural

    Humanista. Enquanto isso, o conceito de espaço refere-se para muitos autores como

    espaço vivido. Assim sendo se levado em consideração os espaços vividos e suas

    diversidades pode o mesmo estar atrelados a uma religião ou não. Em vista disso, percebe-

    se então uma relação assimétrica onde a política se faz presente e, assim, uma

    materialização conflituosa em relação ao território.

    De acordo com Haesbaert (2002), o território advém de uma relação desigual de

    forças onde se envolve a subordinação tanto política como econômica do espaço. Nele

    não se manipula somente aspectos físicos, mas também questões relacionadas a

    identidade social. Para Souza (2015) observar o que se passa no cotidiano dos indivíduos

    há necessidade de uma escala reduzida, podendo ser analisado nessa questão “fronteiras”

    que estejam relacionadas a uma rua ou até mesmo a um fragmento de uma rua onde se

    pode manifestar um território: sendo essa escala reduzida chamada pelo autor de

  • 23

    “nanoterritório” onde se tem uma abordagem necessária para entender os conflitos

    territoriais existentes em uma rua como ocorre na Festa de São Benedito em Machado-

    MG.

    Para Raffestin (1993), o território se produz através das relações de poder, é um

    local onde se teve a projeção do trabalho, da energia e informação. A produção, troca e

    consumo existente no território é o que caracteriza a territorialidade. Todo sistema

    territorial possui sua territorialidade, ou seja, a territorialidade é inerente ao território.

    Nas territorialidades há continuidades e descontinuidades no tempo e no

    espaço. As territorialidades estão intimamente ligadas a cada lugar: elas dão-

    lhe identidade e são influenciadas pelas condições históricas e geográficas de

    cada lugar. (SAQUET, 2015, p. 84)

    É nas territorialidades festiva que acontecem às relações é onde o poder se

    manifesta resultante de dois polos que se fazem face a face ou que estejam em

    discordância criando, assim, o campo do poder que é definido segundo Raffestin (1993)

    como uma combinação de energia e informação, visando o controle e a dominação da

    situação. Essa territorialidade e poder foi emanado por muito tempo de forma majoritária

    pela Igreja Católica. No entanto, o capital vem se apropriando da territorialidade e se

    infiltrando modificando toda estrutura e desenvolvendo e uma nova conjuntura

    econômica. Há, portanto, uma modificação na territorialidade com o incremento de novos

    territórios tornando a festividade mais dinâmica.

    3.3 - A questão econômica

    A Festa de São Benedito possui em sua territorialidade um campo econômico bem

    diversificado e atrativo com infinidades de produtos vendidos em uma feira. É possível

    compreender através dos circuitos de Santos (2004) esta organização, classificando a

    mesma em inferior ou superior de acordo com o autor.

    Para Santos (2004) há dois circuitos na economia de países subdesenvolvidos

    sendo: o circuito superior da economia e o circuito inferior da economia, conforme mostra

    a ilustração 1.

  • 24

    Circuito Superior Circuito Inferior

    Tecnologia

    Organização

    Emprego

    Assalariado

    Estoques

    Preços

    Crédito

    Margem de lucro

    Relação com a clientela

    Custos fixos

    Publicidade

    Reutilização dos bens

    Ouverhead capital

    Ajuda Governamental

    Dependência direta do exterior

    Capital intensivo

    Burocrática

    Importantes

    Dominante

    Grande estoque

    Alta qualidade

    Fixos (em geral)

    Bancário e institucional

    Reduzido por unidade, mas

    importante pelo volume de

    negócio (exceção produtos de

    luxo)

    Impessoais e/ou com papéis

    Importantes

    Necessária

    Nula

    Indispensável

    Importante

    Grande atividade voltada para o

    exterior

    Trabalho intensivo

    Primitiva

    Reduzidos

    Volumoso

    Não-obrigatório, pequena

    quantidade – qualidade inferior

    Submetido à discussão entre

    comprador e vendedor (haggling)

    Pessoal não-institucional

    Elevado por unidade, mas

    pequena em relação ao volume de

    negócios

    Diretas e personalizadas

    Desprezíveis

    Nula

    Frequente

    Dispensável

    Nula ou quase nada

    Reduzida ou nula

    Ilustração 1 - Características dos dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos

    Fonte: SANTOS, 2004, p. 44

    No primeiro referente ao circuito superior há maior sistematização culminando

    em uma demasiada burocratização e capitais volumosos. Já o segundo relacionado a um

    mercado informal onde se tem maior proximidade entre vendedor e freguês, podendo ser

    escasso de modernidade e possuindo pequenas dimensões e capitais reduzidos.

    Segundo Corrêa e Rosendahl (2003) a questão econômica é presente e faz parte

    do espaço sagrado e profano. Imediatamente, entender esta questão se torna importante

    devido ao fato deste aspecto ser relevante na história da Festa e hoje constituir uma

    territorialidade no espaço festivo, difusora de poder que paulatinamente foi se

    estruturando e adentrando o território.

    Portanto, há de se compreender que existe uma penetração do capital nas

    manifestações culturais e, com isso, estabelecendo um domínio dos gostos culminando

    na homogeneização um mercado de massa. Logo, o capitalismo cria imagens e símbolos

  • 25

    que são propagados. Os espaços efêmeros se tornam um atrativo, sendo assim, explorado

    e apropriado pelo capital para as suas finalidades (HARVEY, 2009).

    Logo, a Festa de São Benedito no município de Machado-MG possuí uma grande

    atração para o Capital, o que pode causar ao longo do tempo: mutações e até mesmo

    revoluções na estruturação Festiva sendo o último caso danoso a toda a sua

    representatividade histórica e tradicional.

    3.4 A cultura e a sua importância para o homem

    Os indivíduos são essenciais para a existência da cultura. Por eles a mesma é

    transmitida, enriquecida através da incorporação, transformada, difundida e utilizada.

    Somente o instinto não é suficiente para amparar os seres humanos há na cultura um modo

    de existir dispondo, assim, de meios para a sobrevivência (CLAVAL, 2014). Ainda

    segundo Claval (2014) a cultura tem por essência a transformação, demostrando

    normalmente demasiado grau de maleabilidade sendo difícil barrar a incorporação de

    novas estruturações adquiridas como uma substituição ou complementação do que já

    existe. Logo o autor mostra que as culturas passam por metamorfoses através de duas

    formas que se consistem em uma modificação e a outra em uma ruptura, podendo ser

    denominadas como: mutação e revolução. Sendo a última um rompimento com o que ela

    é, dando origem ao novo.

    De acordo com Corrêa (2009); Bauman (2012) o conceito cultura é polissêmico,

    portanto, muito difícil de discorrer sobre. Para tanto, segundo Bauman (2012) o conceito

    vem se transformando ao longo do espaço-tempo, tendo conotação diferente em cada

    período, de acordo com sua contemporaneidade. Para Claval (2014) a cultura é algo que

    está em constante “movimento” podendo assimilar elementos externos, de outros grupos,

    ou também pode haver transformações internas. A cultura seria para ele todas aquelas

    bagagens de conhecimentos e valores carregadas no âmago de um ser, muitas adquiridas

    e repassadas por gerações. Ainda segundo Claval (2014) os seres humanos humanizam o

    espaço, tornando o mesmo em partes funcionais e partes simbólicas. A cultura o marca

    através de uma grande disparidade de formas, moldando-o através dos valores aplicados

    a um determinado grupo: constituindo o lugar onde há representação cultural relacionado

    a identidade dos atores sociais que ali se encontram.

  • 26

    Além do mais pode se pensar cultura, também, através de um olhar pautado em

    uma geografia radical onde em consonância com Cosgrove (2003) existe no pensamento

    de Gramsci uma hegemonia cultural que se trata de uma formulação cultural comandada

    por uma elite tendo por consequência a dominação cultural instituída por uma classe

    dominante.

    Como as grandes atrações da Festa de São Benedito no município de Machado –

    MG está relacionado aos folguedos populares referente a cultura popular do município.

    De acordo com Bosi (1996) a educação informal é que mantém a cultura viva, sem ela a

    mesma fenecia já que não encontraria um alicerce colocando em risco a perpetuação

    cultural e, por conseguinte, sua longevidade.

    Na educação informal, não há lugar, horários ou currículos. Os conhecimentos

    são partilhados em meio a interação sociocultural que tem, como única

    condição necessária e suficiente, existir quem saiba e quem queira ou precise

    saber. Nela, ensino e aprendizagem ocorrem espontaneamente, sem que, a

    maioria das vezes, os próprios participantes do processo deles tenham

    consciência. (GASPAR, 2002, p. 173)

    Cabe destacar a importância da oralidade na perpetuação cultural do município e

    sua hereditariedade. Ademais, hodiernamente há um processo de aprendizagem cultural

    no município que se aproxima da educação formal, com o incremento dos ternos mirins

    onde se criou uma nova forma de perpetuar a cultura na cidade:

    [..] há outras formas de transmissão cultural originárias da complexidade e do

    avanço continuo de nossa civilização. Algumas, muito próximas da educação

    formal, definidas por muitos pesquisadores como educação não-formal, têm

    também disciplinas, currículos e programas, mas não oferecem graus ou

    diplomas oficiais. Nessa educação não-formal, inclui-se o estudo das línguas

    estrangeiras e de espacialidades técnicas, artísticas ou semelhantes, oferecido

    presencialmente em escolas com horários e períodos letivos bem definidos, ou

    à distância, via correio postal ou eletrônico. (GASPAR, 2002, p. 173, grifo do

    autor)

    Portanto, a educação não-formal, atualmente tem cumprido um papel importante

    na manutenção cultural do lugar através da inserção das escolas como uma das difusoras

    culturais no município.

    Contudo, apesar da concentração e esforços tanto não-formais como informais,

    nos é mostrado por Adorno (1995) que a sociedade continua a ser heterônoma,

    submetendo assim a parâmetros ditados por grupos externos, o que de certa forma

  • 27

    compromete a autonomia e unicidade de um determinado grupo deixando-os mais

    susceptíveis as transformações. O homem passa então a ser genérico, as apropriações

    modificam as estruturas vigentes trazendo novos conceitos e novas formulações

    (ADORNO & HORKHEIMER, 1947). Para Morin (2002), essa massificação começou

    na década de trinta do século vinte nos Estados Unidos da América. Desde então vem se

    apropriando de diversas formas culturais em prol do Capital, onde o importante é agradar

    a todos, ou seja, uma festa que possui seu radical advindo de uma resistência/sincretismo

    tem suas metamorfoses com fins de atrair o público, expondo no comércio as tendências

    do momento com um preço “animador”.

    As sociedades modernas possuem por características as mudanças constantes,

    ligeiras e permanentes, sendo assim uma forma pertencente a mesma que a distingue por

    exemplo da sociedade tradicional, onde os centros possuem maior rigor. (HALL, 2015).

    Logo, percebe-se que o cerne da Festa de São Benedito no município de Machado-MG

    se transforma o que é natural. Entretanto essas transformações quando deixam de cumprir

    com a representatividade cultural do lugar, deixa de exaltar simbolicamente seus

    progenitores transformando-se de forma deletéria as prosperidades culturais do

    município.

    Claval (2014) mostra que quando mais maleável for um centro cultural, mais

    susceptível ele estará para mudanças. Desta forma, pegando a contribuição de Hall

    (2015), referenciado a cima, entende-se que estas centralidades modernas possuem uma

    fragilidade maior o que as tornam de certa forma mais disposta para a penetração do

    Capital em sua estrutura.

    3.5 Uma Festa de caráter popular

    De acordo com Duvingnaud 1973, apud Claval 2014, a festa rompe com o

    habitual, de forma coletiva e individual, sendo esta uma característica notória da mesma.

    Mais importante ainda são as festas que marcam os tempos da vida coletiva,

    religiosa ou cívica. Elas são organizadas em datas fixas que correspondem

    frequentemente aos grandes momentos dos ciclos cósmicos e aos

    acontecimentos maiores da vida da cidade. As festas manifestam-se por

    procissões, danças, música e espetáculos. Cada um é ao mesmo tempo ator e

    espectador, e vive um momento de intensa emoção, comunhão e evasão.

    (CLAVAL, 2014, p. 139).

  • 28

    A festividade em Machado-MG se caracteriza por uma cultura popular.

    Relacionada primeiramente a um determinado povo de uma classe social não privilegiada

    do município, sendo constituída majoritariamente de negros e pobres em sua gênese.

    Quando é dito povo, refiro-me ao termo utilizado de forma sociológica.

    [..] apesar de o Novo Dicionário Aurélio definir a palavra povo como “o

    conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos,

    afinidades e interesses, uma história e tradições comuns” em termos

    sociológicos, ela adquire uma característica muito importante: a condição

    socioeconômica. Por mais que nos esforcemos, não podemos dizer que a classe

    dominante tem os mesmos costumes e hábitos e tradições, comuns, iguais ou

    menos parecidas com as das classes subalternas. Retomando a definição do

    dicionário, a única identidade possível e indiscutivelmente é o idioma.

    (CALDAS, 2008, p. 84, grifo do autor).

    De acordo com Caldas (2008), a cultura popular se diferencia da cultura das

    classes dominantes e pode estar presente em vários lugares. Umas das características

    destas culturas é o anonimato, contendo a posse pública, também pode se caracterizar em

    criações coletivas.

    “[..] no caso brasileiro, imediatamente nos ocorre o samba, o carnaval, e o

    futebol como expressões máximas da nossa cultura popular. Outras

    manifestações, porém, não podem ser deixadas de lado: as festas religiosas e

    profanas, os bailados, os ritos, as danças dramáticas como a do Moçambique,

    bumba-meu-boi, o cateretê, catira, quero-mama, dão-dão, cana-verde, etc.[..]”.

    (CALDAS, 2008, p. 83).

    A cultura afro-brasileira neste momento aflora, mostrando assim seus semblantes

    simbólicos relacionados a esta população e todos seus aspectos advindos de uma

    segregação racial existente no que hoje é o território brasileiro, vinda de um período

    anterior ao da constituição do Brasil como um Estado. Freyre (1992) mostra que na casa

    grande sempre houve grande intimidades com os santos, que eram utilizados até mesmo

    para guardar objetos de valores como joias e ouro. O autor ainda explicita que as imagens

    eram respeitadas naquele período. Portanto, ladrões não ousariam adentrar o sagrado para

    subtrair adereços de uma imagem sacra; exceto se ela fosse negra – como destaca o autor

    – mostrando o já existente ato de roubar São Benedito tido como argumento que negros,

    “naquela época”, não poderiam se dispor de luxo. Quadro que ilustra bem o Brasil de

    outrora e o contemporâneo.

  • 29

    Além do mais, o preconceito racial está tão impregnado em nossa sociedade o país

    ainda não aprendeu a lidar com sua heterogeneidade resultando em uma visão distorcida:

    onde através de um olhar etnocêntrico julgamos uma cultura desconhecida aos nossos

    olhos como inferiores, ou até mesmo uma pessoa com traços diferentes como estranha,

    agindo de forma etnocêntrica:

    A atitude mais antiga e que se baseia indiscutivelmente em fundamentos

    psicológicos sólidos, (já que tende a reaparecer em cada um de nós quando nos

    situamos numa situação inesperada), consiste em repudiar pura e simplesmente

    as formas culturais: morais, religiosas, sociais, estéticas que são as mais

    afastadas daquelas com as quais nos identificamos. "Hábitos de selvagem", "na

    minha terra é diferente", "não se deveria permitir isto", etc., tantas de reações

    grosseiras que traduzem esse mesmo calafrio, essa mesma repulsa diante de

    maneiras de viver, crer ou de pensar que nos são estranhas. (LEVÍ-STRAUSS,

    1952, p.4).

    Para Carneiro (2014) conceito de religiões afro-brasileiras tem sua gênese na

    academia em um determinado espaço-tempo, possuindo uma diferenciação ligada a um

    preconceito racial, social e cultural onde o africano em comparação com o branco era tido

    como menos evoluído. Isso acontecia porque tinha um sistema religioso politeísta e tido

    como fetichista e o branco possuía uma crença monoteísta. Cabe ressaltar, que este é um

    pensamento relacionado ao fim do século XIX. Depois de mais de um século o termo

    passa a ser normalizado, já não possuí mais uma vertente discriminatória como antes.

    Doravante o termo se torna um orgulho para os religiosos e se relaciona a uma identidade

    etnológica, ou seja, passou por uma revolução em seu significado.

    As religiões de matrizes africanas, segundo Ramos (2007) devido aos povos

    dominantes passaram por distorções que resultaram no sincretismo com o catolicismo e

    espiritismo ou também tinha a possibilidade de ser proibida a manifestações desses cultos.

    “E assim vemos o fetichismo, religião natural, torna-se feitiçaria, isto é culto esotérico,

    de efeitos maléficos que lhe foram atribuídos pelos brancos”. (RAMOS, 2007, p. 27).

    Ademais, tal distorção ainda perdura na sociedade brasileira.

  • 30

    3.6 A Nova Geografia Cultural e o entendimento das expressões

    culturais

    De acordo com Corrêa (2001) as diversas críticas à escola de Berkeley em parte

    ajudaram a emergir a Nova Geografia Cultural, que teve seu início no final da década de

    1970. Segundo Claval (2001) as críticas relacionadas ao modo de abordagem advindos

    da primeira metade do século XX, tinham como um de seus argumentos que a

    intensão/visão, do período, buscava descrever o mundo e não tentar entende-lo. O autor

    ainda destaca o forte peso do rural devido à influência da paisagem e gênero de vida.

    Ademais, também se dava destaques a questões pretéritas e era desprovida de

    atenção às demandas sociais. Além disso, há de se destacar a falta de interesse sobre:

    festas e revoluções mostrando não ter uma preocupação com a subjetividade das pessoas

    que estão amplamente relacionadas às suas vivências.

    Para Claval (2001) as ciências sociais começam a não corresponder com o ensejo

    dos pesquisadores devido sua abordagem neopositivista, por volta dos anos sessenta do

    século XX. De acordo Claval (2001) a insatisfação advinda tanto dos geógrafos que

    obtinham correntes filosóficas relacionadas a fenomenologia, como os que tinham como

    base a crítica radical. Ambos fundando críticas diferentes, mas permeados pela mesma

    insatisfação. Para mais, estão de acordo que as interpretações sociais não podem ser

    entendidas como um fato natural. Portanto, agora se percebe a constituição de novas

    epistemologias.

    Doravante, a epistemologia das ciências humanas na década de setenta do século

    vinte começou passar por mudanças. A Fenomenologia se desenvolveu dando forte ênfase

    a experiência do lugar. Para mais, a filosofia crítica marxista traz em seu âmago a

    concepção de que o positivismo pode tender, quando relacionado as questões sociais a

    um conservadorismo. Portanto, emerge uma grande tendência de trabalhar a perspectiva

    crítica nas relações sociais. (CLAVAL, 2002).

    Logo, conforme mostra Corrêa (2009) a renovação epistemológica não deixa de

    entender o passado. Contudo, o presente assume uma função privilegiada ou um passado

    não tão distante. Devido a isso o que a nova abordagem tem de diferente é a análise de

    significados relacionados à representatividade do homem, sendo assim possuí um foco

  • 31

    relacionado às significações concernentes as diversas manifestações culturais humanas:

    tanto no passado como no presente e futuro.

    Ademais, cabe ressaltar que a escola de Berkeley e Sauer contribuíram

    amplamente para o avanço epistemológico, sendo a Nova Geografia Cultural existente

    devido as antigas abordagens, que ao longo do espaço-tempo e o contexto vivido

    permitiram sua instituição.

  • 32

    4. DA GÊNESE AO CONTEMPORÂNEO: UMA BREVE HISTÓRIA

    DA FESTA DE SÃO BENEDITO EM MACHADO-MG

    A Festa de São Benedito ocorre tradicionalmente no mês de agosto, mais

    precisamente, na sua segunda quinzena. A festividade possui em seu âmbito uma forte

    ligação entre a Igreja Católica e a Cultura afro-brasileira, resultado relacionado a

    aculturação existente no país no período colonial e a resistência dos negros para manter

    sua cultura.

    O primeiro registro escrito da festividade trata-se do ano de 1914 onde houve uma

    manifestação festiva em louvor a São Benedito, no mês de maio.

    No primeiro livro de tombo da Paróquia da Sacra Família e Santo Antônio

    encontra-se o registro da celebração de uma festa em louvor de São Benedito,

    no dia 13 de maio de 1914, “devido principalmente à população de cor”.

    (REBELLO, 2006, p. 184, Tomo II).

    A festividade composta em dois espaços sendo eles: o espaço sagrado e o espaço

    profano. O espaço sagrado ligado às atividades relacionadas ao que a Igreja Católica

    entendia como religioso. Já o espaço profano relaciona-se as atividades complementares

    ao sagrado como as manifestações culturais festivas – folguedos populares – somado as

    áreas destinadas ao comércio.

    De acordo com Gonçalves e Reis (1979) a Festa de São Benedito nem sempre foi

    realizada no mês de agosto, houve variações na década de trinta e quarenta do século

    vinte. Com o advento da década de quarenta houve realização da festa no mês de setembro

    e em 1942 começou a ser realizada no mês de agosto, sendo assim até o presente

    momento.

    Ademais, segundo Gonçalves e Reis (1979) as festas relacionadas as populações

    negras como a de São Benedito, têm costume de acontecer no mês de maio devido a

    abolição da escravatura e por ser em maio o mês consagrado de Nossa Senhora. Mas,

    então, por que agosto? Agosto seria uma época propicia onde as pessoas se encontrariam

    com dinheiro devido à colheita do café principal fonte econômica do município na época

    em que a data foi selecionada, sendo assim até o presente momento.

    Percebe-se, então, os porquês da Festa de São Benedito ocorrer no mês de agosto.

    Há de se entender também que a festa é de âmbito popular, os Congadeiros em sua maioria

  • 33

    são trabalhadores rurais de origem humilde. Ademais, a gênese festiva está ligada as

    camadas periféricas da sociedade majoritariamente: negros e pobres ligadas as classes

    marginalizadas do município. “[..] são os pretos os responsáveis pelo brilho da festa que

    remonta aos primitivos tempos do período colonial, fase em que teve o início a escravidão

    em nosso país”. (CARVALHO, 1985, p. 160).

    Segundo Rebello (2006) no ano de 1923 houve uma mudança de ponto da

    irmandade do Rosário, com isso, trocando o nome da Festa do Rosário para Festa de São

    Benedito. Até a década de vinte do século XX, os Congadeiros não possuíam um lugar

    determinado para suas práticas culturais, as danças eram realizadas na Grama conforme

    relatado no jornal Folha Machadense (n° 672, de 1987, apud, Araújo, 2014).

    De acordo com a Revista Imagem & Conteúdo (2014), os Congadeiros chegaram

    a construir uma pequena capela, entretanto a mesma foi demolida sendo posteriormente

    de acordo com Rebello (2006) construída uma nova Capela. Essa construção, ainda

    segundo o autor, ocorreu graças a uma festa realizada com o intuído de arrecadar fundos

    no ano de 1923 tendo como consequência a inauguração da Capela no ano de 1930.

    No ano de 1932 como é mostrado por Rebello (2006) não houve a festividade no

    município de Machado-MG devido a Revolução Constitucionalista. Contudo, nos anos

    de 1938, 1939 e 1940 ocorreram de forma satisfatória – conforme mostra Rebello ao

    consultar o livro de tombo da Paróquia.

    Ademais, cabe ressaltar que as congadas no município de machado sempre

    passaram por dificuldades não tendo apoio da Igreja. Para mais, Gonçalves e Reis (1979)

    mostram que é possível observar que através dos registros existentes de Tombo da

    Paróquia de Machado-MG, havia no município na década de quarenta do século XX uma

    postura de não aceitar a participação dos Congadeiros na festividade religiosa.

    Ainda de acordo com Gonçalves e Reis (1979) isso acontecia devido os padres em

    sua maioria estrangeiros da congregação “Missionários do Sagrado Coração de Jesus”

    indiferentes às manifestações populares culturais brasileiras não aceitavam a

    complementação do profano, como as congadas eram entendidas por eles, ao secular e

    sagrado. Portanto, no ano de 1942 segundo Rebello (2006) as congadas funcionaram

    independentes da festividade. Além do mais no ano de 1943 encontra-se anotado no livro

    de tombo: “sem os ruidosos festivais dos outros anos, mas com muito mais fruto

    espiritual” (REBELLO, 2006, p. 184, Tomo II). Mostrando uma posição preconceituosa

    dos que estavam vinculados a Igreja.

  • 34

    Segundo Gonçalves e Reis (1979) os missionários anglo-saxões ficaram à frente

    da Paróquia até o final da década de cinquenta do século XX. Contudo, as congadas nunca

    se sucumbiram mostrando seu caráter de resistência e permanência durante as atrocidades

    a ela conferida. A relação entre o clero e os zeladores da capela de São Benedito não era

    amistosa, o que acabou resultando no Litígio: um triste episódio da história da Festa de

    São Benedito de Machado-MG.

    Em consonância com Silva (2014) na década de quarenta já havia um

    desentendimento do zelador com o vigário sobre os modos como a festividade estava

    sendo dirigida e sobre as rendas recebidas pelo mesmo. Ademais, houve a suspeita que a

    Capela de São Benedito não havia sido construída no terreno doado pela Câmara. Mas,

    em um terreno próximo no qual havia sido adquirido por um dos membros das dispares

    comissões que ajudaram na materialização da Capela.

    Durante o período houve contestações por parte da Igreja onde seus membros

    queriam que a escritura fosse passada para a ela, com o pretexto de não realizar a Festa

    enquanto o pedido não fosse acatado. Quando o conflito entre a Igreja e o zelador atingiu

    maiores proporções, tornou-se um caso com maior notoriedade.

    Em conformidade com Rebello (2006) no ano de 1946 não houve apoio do clero

    para a realização da festividade. De acordo com Gonçalves e Reis (1979) no mesmo ano

    foi trocado o cofre que existia na Capela, pela “Comissão da Festa de São Benedito”

    sendo instalado um novo e as chaves foram escondidas. Rebello (2006) mostra que em

    1947 a Festa de São Benedito foi realizada sem padres somente com esforço dos

    Congadeiros, sendo eles mesmos os organizadores da procissão.

    No ano de 1948, segundo Gonçalves e Reis (1979), com a venda da Capela e a

    retirada de objetos sacros da mesma a situação acabou se direcionando a justiça. No

    mesmo ano Silva (2014) mostra que houve o ato de repudio do zelador: tendo como ação

    a não entrega das chaves da Capela para a Paróquia. Por isso, houve a interdição da Capela

    pelo Bispo. Para mais, o padre pediu à polícia a proibição das realizações religiosas na

    Capela, construída pelos próprios Congadeiros. Por conseguinte, houve a obstrução até

    mesmo da consolidação da festividade já programada.

    O caso só teve fim conforme mostra Rebello (2006) no ano de 1951, após chegar

    no Supremo Tribunal Federal, onde foi concedido a Igreja Católica a posse da capela e

    dos terrenos onde a mesma foi construída. No ano seguinte em 1952 houve o reinício da

  • 35

    Festa de São Benedito em Machado-MG. A Capela foi reformada e voltou a cumprir com

    suas funções sacras.

    4.1 A crescente festiva e a descentralização de um povo

    A Festa de São Benedito em Machado-MG, não era uma festividade de grandes

    proporções como hodiernamente. Nem era principal festa do calendário litúrgico do

    município, muito menos a principal festa da cidade. Portanto, carecia de atenção e além

    do mais, era circundada de olhares preconceituosos por se tratar de uma festa ligada a

    população negra.

    Em 1.963, as comemorações beneditinas ainda eram depreciativamente

    denominadas “uma espécie de quermesse de pretos”, no histórico do Ginásio

    São José”. Com o tempo a animosidade cessou porque os brancos dominaram

    a Festa, e a Paróquia resolveu explorá-la como fonte de renda. Ela se

    desenvolveu e assumiu características atuais a partir de 1.965, quando aqui

    chegou o Cônego Wálter Pulcinelli. Ele acabou com duas celebrações

    religiosas (São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida) para concentrar esforços

    na de São Benedito, obtendo um retorno financeiro esperado. (REBELLO,

    2006, p. 186).

    Para mais, há relato do Cônego Walter M. Pulcinelli falando sobre a sua chegada

    em Machado-MG:

    Cheguei em Machado no dia 10 de janeiro de 1965 e, aos poucos, fui tomando

    conhecimento da realidade paroquial e suas tradições. Meses depois defrontei-

    me com a obrigação de realiza a Festa de São Benedito. [..] A festa era

    pequena, já que a promoção economicamente falando era de São Sebastião

    realizada na praça Antônio Carlos, sempre no mês de abril. Inteirei-me dos

    pormenores da comemoração e logo percebi a necessidade de melhorá-la, não

    no espírito religioso, mas no folclórico e popular. Não havia, então, interesse

    maior das autoridades em relação à festa, nem entidade alguma que

    representasse o folclore das congadas. Os ternos eram apenas 11, com limitado

    número de integrantes em cada um e a festa se realizava na Praça de São

    Benedito, então de chão batido, sem calçamento. Ainda não se faziam

    presentes os “barraqueiros”; o que predominava era restaurantes e locais para

    jogos, coelhinho, argolas etc. (REVISTA CONGADAS, 2004, p. 40).

    De acordo com Gonçalves e Reis (1979) o avanço da Festa de São Benedito tem

    como um dos motivos à eliminação da Festa de São Sebastião. Também, como nos

    mostrou Rebello (2006) houve um “embranquecimento” da população festiva. A festa

    passou a ter um investimento maior, inclusive de grandes Fazendeiros. Segundo

  • 36

    Gonçalves e Reis (1979) houve na época esforços para aumentar a produção de café do

    município, onde o Prefeito da cidade Walter Palmeira e o Cônego Walter M. Pulcinelli,

    através de medidas públicas de incentivos a plantação do café foram atrás de lideranças

    (fazendeiros) com o intuído de implementar as medidas. O esforço alcançou resultado,

    aumentando a produção de café do município.

    Isso explica, de uma vez por todas, a modificação do panorama econômico da

    Festa de São Benedito. Um povo bem aquinhoado financeiramente e de fé

    religiosa convicta é um povo que colabora com a Igreja. (GONÇALVES e

    REIS, 1979, p. 24).

    Ainda de acordo com Gonçalves e Reis (1979) ciente da importância das congadas

    o Cônego tratou de aproximá-las da Igreja. Contudo, não se obteve ajuda financeira e os

    ternos do município continuaram passando dificuldades para se manter e abrilhantar a

    festividade.

    O terreiro4 de São Benedito passou por transformações ao longo de sua existência.

    De acordo com a revista Imagem & Conteúdo (2014), a primeira modificação no terreiro

    se deu no ano de 1961. Ocorreu devido às características topográficas do lugar, houve

    uma terraplanagem. Em consonância com Gonçalves e Reis (1979) o terreiro de São

    Benedito era de chão batido, conforme mostra a fotografia 1, o que ocasionava em muita

    poeira devido ao acréscimo de pessoas no lugar.

    Eu comecei a dançar a pracinha de São Benedito era uma terra só, você estava

    dançado ali de repente olhava para cima vinha aquele calor de poeira, o pessoal

    que estava chegando você olhava para cima aquele calor de poeira, era tão

    gostoso[..]. (SILVA, Mario Antônio da5).

    4 Como algumas pessoas chamam a praça de São Benedito. Doravante, será como a praça de São Benedito

    será abordada. É chamada de terreiro pois nas antigas fazendas os negros faziam suas manifestações

    culturais nos terreiros e há também nessa questão o sincretismo religioso entre o catolicismo popular e as

    religiões de matrizes africanas 5 Congadeiro há mais de cinquenta anos no município de Machado-MG e Capitão do Terno Demonstração

    – [agosto de 2017]. Entrevistador: Jhonatan da Silva Corrêa. Machado-MG, 2017

  • 37

    A) B)

    Fotografia 1: Terreiro de Chão Batido

    A) Terreiro de São Benedito e algumas barracas de alimentação, sem data.

    B) Terreiro de São Benedito sem ter passado por nenhuma reforma, sem data.

    Fonte: Revista Imagem & Conteúdo, 2014, p. 47 e 67

    Posteriormente a terraplanagem houve em 1968, de acordo com a Revista Imagem

    & Conteúdo (2014), uma grande reforma no terreiro. Nesta ocasião o Cônego W.M.

    Pulcinelli já havia chegado no município. Conforme mostra Gonçalves e Reis (1979)

    houve o calçamento com pedras, construção de banheiros públicos e também algumas

    partes foram gramadas. Um ano antes, ou seja, em 1967 no dia 2 de abril se teve a

    inauguração da nova capela, sendo demolida a antiga e construído outra sobre seus

    alicerces. Na fotografia número 2 é possível perceber o terreiro com pedras calçadas e a

    nova capela.

    A) B)

    Fotografia 2: Terreiro de São Benedito pós a reforma de 1967 e nova Capela A) Terreiro de São Benedito reforma de 1968 e nova Capela inaugurada em 1967

    B) Terreiro de São Benedito nos anos 70 do século XX, em dia festivo

    Fonte: Revista Imagem & conteúdo, 2014, p. 67-69

    No ano de 2007 o terreiro de São Benedito passou por mais uma reforma. Segundo

    a Revista Imagem & Conteúdo (2014) foi executado a construção de sanitários na parte

    inferior do terreiro, sendo a parte superior preenchida com laje. Apesar da tentativa de

  • 38

    melhorar o espaço festivo, a reforma do terreiro não alcançou aprovação total. Há muitas

    reclamações dizendo que o espaço poderia ter sido melhor aproveitado.

    A) B)

    C) D)

    Fotografia 3: Última reforma no terreiro

    A) Placa informativa sobre a reforma e revitalização do terreiro de São Benedito

    B) Sanitários e sala, característica desta última reforma

    C) Espaço do terreiro

    D) Parte que poderia ter sido melhor aproveitada, aumentando o espaço para as

    manifestações culturais

    Fonte: Jhonatan da Silva Corrêa, dezembro de 2017

    No ano de 2013 houve uma reforma da Capela de São Benedito um ano antes do

    centenário festivo. De acordo com Araújo (2014) a obra foi iniciada no dia 7 de maio de

    2013. Existia um receio de não conseguir terminar a tempo, pois, faltavam um pouco mais

    de cem dias para iniciar a festividade daquele ano. Houve uma grande movimentação para

    que tudo se estabelecesse dentro do prazo esperado. O objetivo foi alcançando, conforme

    mostra a fotografia número 4.

  • 39

    A) B)

    C)

    Fotografia 4: Nova capela de São Benedito

    A) Capela de São Benedito vista de outro ângulo

    B) Capela de São Benedito vista de frente

    C) Placa da reinauguração da Capela de São Benedito

    Fonte: Jhonatan da Silva Corrêa

    A reinauguração aconteceu em agosto de 2013, no dia 16, tendo uma missa

    realizada pelo padre da Paróquia Sagrada Família e Santo Antônio de Machado-MG.

    Ademais, cabe ressaltar que a reinauguração aconteceu no primeiro dia da Festa de São

    Benedito no ano de 2013.

    4.2 O Comércio e a constituição da Associação dos Congadeiros

    A Festa de São Benedito não se faz somente no terreiro, as ruas começaram a

    receber barracas onde se estabeleceu uma feira comercial na qual se tem uma grande

    variabilidade de produtos. A feira que se instalou na festividade atrai comerciantes de

    diversas localidades, é uma grande detentora da atenção do público festivo junto com a

    cultura do lugar. Devido os preços mais baixos, trazendo grande entusiasmo a população

    de Machado-MG e região. “É verdade que nem sempre essa feira existiu e que no seu

  • 40

    início não tinha as mesmas proporções atuais. Contudo hoje ela é parte integrada da festa

    e isso não mais se discute: constata-se”. (GONÇALVES e REIS, 1979, p. 22).

    De acordo com Rebello (2006) a Festa de São Benedito cresceu de forma, podendo

    se dizer, descontrolada. Logo, começou a ter problemas. De acordo com o autor a Festa

    de São Benedito já chegou a ter cerca de 1500 barraqueiros, onde se era possível ver

    barracas nas ruas: Joaquim Teófilo e Barão do Rio Branco. Percebe-se então que durante

    o período festivo há ruptura com o cotidiano do lugar.

    Muitos moradores aproveitavam a situação conforme mostra Rebello (2006) e

    vendiam energia elétrica, comida, alugavam garagem e banheiros para os barraqueiros. O

    autor relata que a infraestrutura do lugar deixava a desejar. Além do mais, não pode deixar

    de ressaltar que a forma como os barraqueiros se instalavam era feita de forma ilegal,

    pois, havia uma cobrança indevida do espaço público realizada desde a década de sessenta

    segundo o autor.

    Dessa forma é perceptível que o comércio paulatinamente foi conquistando

    território na festividade constituindo, assim, uma territorialidade e passando a ter

    influência no território e importância para a sua manutenção.

    Um outro grande acontecimento na estruturação da festividade foi a consolidação

    da Associação dos Congadeiros, sendo uma representação política dos interesses dos

    Congadeiros, que por muito tempo ficaram desamparados.

    No início dos anos 80, a quantidade de ternos em Machado já ultrapassava uma

    dezena. O número de congadeiros aumentava a cada ano, mas eles não

    possuíam um local onde pudessem se reunir e ali discutirem seus problemas,

    as coisas do seu interesse. Não tinham um órgão representativo da classe.

    (REVISTA IMGAEM & CONTEÚDO, 2014, p. 48)

    Conforme mostra a Revista Imagem & Conteúdo (2014) a Associação foi

    construída através de mutirões que foram organizados pelos próprios Congadeiros, e a

    obra custeada pela prefeitura do município. O terreno onde se deu a construção foi fruto

    de uma doação da COHAB-MG6 sendo construído no bairro Santo Amaro em Machado-

    MG. O início da obra foi no dia 02 de setembro de 1980.

    Em consonância com Rebello (2006), a Associação dos Congadeiros teve sua

    fundação no ano de 1981, no dia 30 de agosto ainda não estava totalmente concluída,

    6 Companhia Habitacional