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Théma / Imploser les temps / Implodindo tempos

« Margens do mundo: devoção barroca naFesta de São Benedito »

Giovanni CIRINO

Résumé

Cet essai cherche à articuler le contenu de la Congada pratiquée dans la commune d'Ilhabela (littoralNord de l'État de São Paulo) et des questions considérées comme universelles dans la littérature. Cettearticulation se focalise sur les particularités de l'agencement dans l'espace et dans le temps de dualitésorganisées lors de la mise en scène ? au sens propre du terme -, en cherchant des associations avec lathéorie de la performance, l'ethnoscénologie et l'anthropologie de la performance. On se concentrera surles éléments expressifs des falas (répliques),en cherchant des liens entre les processus historiques, lesrelations de pouvoir et les formes de ressignification.

Abstract

This essay seeks to articulate the contents of congada performed in the city of Ilhabela (north coast of SãoPaulo) with some themes considered as universal in literature. This articulation focuses on theparticularities in dualities' layout organized spatiotemporally in staging, seeking associations with thetheory of performance, Ethnoscenology and the anthropology of performance. This essay focuses on theexpressive elements of speech, seeking links between the historical processes, power relations and waysof reframing.

Resumo

O ensaio procura articular o conteúdo da congada apresentada no município de Ilhabela (litoral norte deSão Paulo) com alguns temas considerados universais na literatura. Tal articulação enfoca asparticularidades na disposição de dualidades organizadas espaço-temporalmente na encenação buscandoassociações com a teoria da performance, a etnocenologia e a antropologia da performance. Enfoca-seneste ensaio os elementos expressivos das falas procurando nexos entre os processos históricos, asrelações de poder e as formas de ressignificação.

A Festa Barroca de São Benedito no contextocolonial brasileiro

Por sua tradição que remonta entre século e meio a dois séculos, a Festa de São Benedito (1) que se realizaem Ilhabela (litoral norte de São Paulo) é um acontecimento que nos remete às festas e celebrações doperíodo colonial. Fundadas sobre a tríade ? a matriz barroca, a centralização política do Estado moderno ea defensiva da Contra-Reforma ? as festas que ainda hoje se fazem, herdeiras das festas coloniais, devemser contextualizadas também dentro das questões ligadas ao poder (Araújo, 1993; Souza, 1994; 2002; DelPriore, 1994; Jancsó & Kantor, 2001). Devem também ser consideradas a partir de uma série de práticassimbólicas distribuídas em diversas formas culturais que conservam seus elementos constitutivos, muitoembora, na maioria das vezes ressignificados em outros contextos.

O caráter barroco inscreve-se em diversos aspectos. Enquanto linguagem artística desenvolve-se entre asegunda metade do século XVI e o início do século XVII, período em que se privilegia a noção de

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progresso e da razão. O barroco vem a ser uma espécie de expressão simbólica dos aspectos recalcados(como a sensibilidade e o subjetivo), exacerbando as contradições e constituindo uma ruptura radical comas ideias relacionadas à visão de mundo. Segundo Eugénio D'Ors, o Barroco é concebido como aeon,uma constante, que pode ser latente ou manifesta, relacionada à sinuosidade dionisíaca (em oposição àlinearidade apolínea). As expressões do barroco manifestam formas linguísticas capazes de denotaridentidade e diferença simultaneamente, representando dessa forma experiências intensas e contraditórias.São esses aspectos do caráter barroco que se encontram presentes na festa dedicada a São Benedito.

(...) parece possível dizer que, se a festa colonial funde num mesmo todo a força do Estado e Igreja paradá-la a ver pela performance graças à qual a celebração tem existência como espetáculo do poder, seucaráter barroco confere, no entanto, uma conotação peculiar à linguagem pela qual essa fusão seevidencia (Grifos da autora. Montes, 1998: 148).

Esta linguagem é o âmbito no qual as hipóteses perseguidas por este ensaio se encontram. Os elementosexpressivos ? como a música, o canto, os ritmos, a linguagem corporal, as cenas, as falas (2)do entrecho ?têm a capacidade de dar uma existência ao caráter barroco. Absolutamente evidente quando se observa,por exemplo, as procissões barrocas que realizavam a afirmação da monarquia portuguesa.

Nos desfiles realizados no Brasil colonial (1500 ? 1808), o reinado do Congo ? como outros reinosconquistados e cristianizados pelos portugueses ? era apenas uma parte integrante do desfile em que sefaziam representar outras instituições do mundo colonial como as irmandades, os ofícios, as autoridadescivis e eclesiásticas, enfim, a imagem do "corpo místico". (3)Através do desfile a procissão barroca foiresponsável por expor e evidenciar a transformação do sentido sacramental para o jurídico do corpomístico. No entanto, no que tange as etnias colonizadas, fora do desfile o escravo negro cristianizadocontinuava sem lugar definido. Ao mesmo tempo, a ideia do corpo místico é transposta para acomunidade, sendo o Rei o representante máximo da unidade, harmonia e justiça (Monteiro, 2011).

O Estado absolutista português se constitui com a missão de propagação do cristianismo e a conversão doinfiel. Este projeto messiânico do Estado ganhou reforço com a instituição do Padroado (4) que dava odireito ao Rei de exercer atividade missionária em nome da Santa Sé. A propagação da fé é justamente ofundamento da guerra justa na qual interessa a causa, a despeito de sua instrumentalidade jurídica, dandoa possibilidade de ser utilizada como justificativa das mais variadas situações contraditórias.

Tanto a procissão quanto a festa barroca são articulações que exprimem a maneira que o Estado tomoupara si a responsabilidade da sua missão imperialista e projetou suas práticas. Os reinados, enquanto parteintegrante dessa representação maior do Estado absoluto, compartilham a idéia de uma representação depoder. O cortejo, por sua vez, reproduz o corpo místico do Estado através da apresentação de forçassociais e espirituais por meio da manipulação dos signos materiais, plásticos e sonoros, "articulados apartir de uma sintaxe própria em termos de tópicas retóricas tradicionais. A festa barroca propaga umconceito realizando-o na prática" (Idem, 79). A prática dos agentes determina as formas deressignificação que as tópicas tradicionais ganham em novos contextos. Nesse sentido, os elementosexpressivos ? como, por exemplo, a fala, o som, a música, as coreografias ? que ganham espaço nessasformas de representações são aspectos imprescindíveis para o entendimento das relações entre texto econtexto no projeto místico e messiânico português.

Trabalha-se com a hipótese de que os elementos expressivos preservam certos aspectos dos sentidosconformados. Tomando indexação como o processo no qual um código se constitui pela associaçãoestabelecida entre uma parte do campo semântico de categorias provenientes de contextos simbólicosdistintos, prevalecendo aquelas com maior capacidade de generalização (Sahlins, 2008), procuramosenfocar algumas expressões produzidas em contextos específicos entendendo-as como indexações. Oestabelecimento de tais sentidos são convencionados a partir de indexações específicas, provenientes deuniversos simbólicos heterogêneos, como será explicitado mais adiante.

Supondo que a linguagem da festa barroca de São Benedito articula fragmentos e vestígios da visão demundo dos reinos subjugados, intenta-se neste ensaio enfocar os elementos expressivos das falas daCongada (5)procurando neles alguns nexos entre os processos históricos, as relações de poder e as formasde ressignificação.

Contexto representado e contexto da

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representação

A Congada é descrita por seus praticantes como a representação de uma guerra entre os "infiéis" ou"mouros", que comporiam o exército do Embaixador de Luanda, e os cristãos que formam o exército doRei de Congo. Cada um dos exércitos ocupa um ponto, mais ou menos a 40 metros de distância um dooutro, sendo campo de "batalha" o espaço compreendido entre os dois exércitos. A encenação aconteceem três momentos, são os três bailes, com duração de aproximadamente 40 minutos cada.

A maneira que os praticantes se referem à Congada (6) ajuda também a entender aspectos supostamenteresiduais, porém muito presente na memória das pessoas. Ao mencionarem o Rei é muito comum que ofazem no plural e/ou no feminino "minha Reis" ou "o Reis". Interessante notar também que existe umaporosidade entre o conteúdo dos "mitos de origem" e os conteúdos das falas dos personagens na congada.

Interpretações recorrentes entre os praticantes da congada de Ilhabela podem ser conflituosas quandocotejadas com as falas dos personagens da encenação. Menos do que procurar as "verdadeiras"interpretações, nossa intenção neste ensaio é apresentar uma parte do entrecho, falas de personagens einterpretações já difundidas, tanto na literatura quanto nas narrativas dos interlocutores. (7)

Ao atentar para as falas percebemos diversos trechos que se repetem ao longo dos três bailes. A partir dacomparação dos trechos únicos com aqueles que se repetem ao longo dos bailes somos induzidos a pensarque os diversos eventos apresentados na congada são encenados de maneiras bastante semelhantes entresi, mas que dificilmente poderiam reproduzir exatamente os contextos históricos, nem estabelecercoerências cronológicas. O "texto" (8) encenado é uma composição estética que parece ter sido produzidaa partir de eventos históricos, porém trata-se de uma montagem, uma nova elaboração, um fictio.

Fidalgo do Rei dando sua embaixada, em primeiro plano Rei e Rainha sentados, ao fundo se vê o exércitode baixo

© Giovanni Cirino

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Evoluções dos Fildalgos (de azul)

ao meio e os Congos (de vermelho) ao reu redor

© Giovanni Cirino

Ao perguntarmos para as pessoas que assistem, e até mesmo para as pessoas que protagonizam, ainterpretação unânime sobre o enredo da congada é feita grosso modo da seguinte maneira: o exército decima (do Rei do Congo) é visto como cristão e o exército debaixo (do Embaixador de Luanda) como oinfiel, muito embora não se tenha muito claro os motivos do embate. No entanto, essa interpretação àsvezes parece contraditória quando nos detemos em falas específicas do Rei, Embaixador e alguns outrospersonagens. No sentido de ressaltar algumas dessas supostas contradições apresentaremos mais adiante oPrimeiro Baile.

A Congada é uma manifestação que se realiza em diversos lugares do Brasil de maneiras bastantevariadas, mas sempre relacionadas ao reinado do Congo e à devoção a santos católicos, em especial oschamados "santos pretos", como São Benedito e Santa Ifigênia, por exemplo (Lima, [1949] 1981; Araújo,1964; Rabaçal, 1976; Fernandes, 1977). A Congada é a principal expressão de devoção a São Benedito. Édevido à Congada que se faz a festa como um todo. Todos os elementos e aspectos da festa estãorelacionados à Congada e ao santo. A Congada que se apresenta nas ruas de Ilhabela (litoral norte de SãoPaulo) durante a Festa de São Benedito tem duração de três dias e se realiza todos os anos em meados domês de maio.

Uma das versões apresenta o antecedente da encenação da seguinte maneira: o rei de congo teria seapaixonado e engravidado uma mulher do povo. Para a rainha não descobrir, o rei pede para a mulherdeixar a cidade de Congo e migrar para Luanda onde teve seu filho. Ele teria se transformado noEmbaixador de Luanda e mais tarde decidido voltar com um exército de mouros para retomar o que é seude direito, o trono do Rei (Leite, 2012, p.9). A encenação que se apresenta na Festa contaria o momentoque o Embaixador de Luanda chega na cidade de Congo e se depara com a Festa de São Benedito. Odesenrolar das cenas mostram representações de embates entre os cristãos e os pagãos, tentativas bruscasde aproximação, entremeadas de falas, cantos e danças.

Em todos os bailes apresenta-se, de maneira repetida embora não igual, o mesmo enredo: uma guerraentre o Embaixador e o Rei. Em cada um dos três bailes o Embaixador é preso, levado à presença do Reionde, após apresentar e debater suas razões, se arrepende de seus atos e pede perdão. Ao longo dos baileso Rei descobre tratar-se de seu filho, criado em outro reino, e resolve perdoá-lo. Os participantes podemser divididas em dois grupos: aqueles que encenam personagens do entrecho e aqueles que encenam como"figurantes" sem falas específicas. Os personagens são Príncipe, Secretário, Guias de Baixo, Guias deCima. Os protagonistas são o Rei de Congo e o Embaixador de Luanda. Cada um é o líder de um dosexércitos. Os "figurantes" seriam, de um lado, os Fidalgos do Rei, o exército cristão e do outro, os Soldados de Baixo compõem o exército do Embaixador.

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Rei e Rainha. Atrás do Rei marimba e atabaques e a audiência

que assiste atenta as evoluções dos Congos

© Giovanni Cirino

O Embaixador de Luanda ataca, espadas se chocam,

os Fidalgos defendem o Rei do inimigo invasor

© Giovanni Cirino

Cada um dos três dias é uma espécie de modelo miniatura e concentrado do ritual que representa a Festacomo um todo. Em cada um dos três dias se repetem, de maneiras diversificadas, os mesmos ritos quecaracterizam as atividades dos núcleos que compõem essa grande manifestação de devoção ao santo. AFesta é amarrada em torno de dois principais eixos: a Ucharia (9) e a Congada. Além desses, outros sãoigualmente importantes e compõem as atividades que são refeitas todos os anos em meados de maio.

Isto posto, passamos ao Primeiro Bailecomo um exemplo fractal da Congada tomada em seu sentido de

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expressão do poder e da linguagem barroca. Com a palavra, os personagens de uma guerra que se faz emfesta, a organização da cena e do universo.

Primeiro Baile

A encenação da congada se inicia com um diálogo entre o Rei, seu Secretário e o Príncipe. Na primeira fala da Congada, o Secretário do Rei lembra o soberano que aquele é o dia de festejar em louvor a SãoBenedito. O Rei reconhece seu esquecimento e fica agradecido pelo Secretário tê-lo lembrado da data.Além disso, ele pede para o Secretário convidar a todos para a festa e ainda fala para o Príncipereconhecer o Secretário também como filho do Rei. O Secretário responde então que deve lembrar oPríncipe e menciona os nomes de outros Fidalgos: Dão Francisco, Dão Antônio e Dão Manuel. O Reimenciona "Roldão" e aquele "de sobrenome Oliveira". Em seguida todos os Fidalgos em coro respondemestar juntos e obedientes às ordens do Rei.

O Rei se desagrada com seu filho Príncipe. Ao ver que o Secretário tem a iniciativa de avisar o Rei sobreo dia da Festa de São Benedito, este julga seu filho pouco religioso. Após este "acerto de contas" entre oRei e o Príncipe, parece evidente que este último ? à semelhança de seu pai ? também não lembrava seraquele o dia de festejar o santo. As cenas traduzem contradições: como esta informação poderia serinterpretada? Seria este um reino realmente cristão e engajado na prática da devoção aos santos católicosou seria este um reino recém e/ou mal convertido? Que tipo de rei cristão (e seu Príncipe) esquece ocalendário sacro?

Depois desta cena de introdução os Fidalgos do Rei prosseguem com as embaixadas. A este momento sereferem: dar embaixada. (10)Em Ilhabela, as embaixadassão as falas dos Fidalgos em frente ao Rei emlouvor a São Benedito e outros santos. Todos os Fidalgos têm a sua embaixadae podem inclusive dar maisde uma embaixada, que são ditas em tom declamatório no início de todos os bailes. Observa-se comfrequencia a repetição de embaixadas, a mistura com versos das falas, a utilização de falas comoembaixadas, bem como produção de ênfases através da repetição de determinados versos. É regra, nomomento de dar a embaixada, o Fidalgo sair de sua fileira desembainhando sua espada enquanto pede "Soberano Rei de Congo dai licença pra minha embaixada apresentar?", o Rei por sua vez,invariavelmente responde "Conforme sua determinação que seja logo sem tardar".

Depois de declamadas as embaixadasos Fidalgos falam em coro que estão empenhados na batalha,aguardando "que de Deus venha o perdão" e se dizendo dignos de São Benedito. Esta fala em coro serepete em todos os bailes. O Rei responde convidando todos a louvar o santo. Frequentemente as falassão finalizadas com o pronunciamento enfático: ? Abulo!! O termo abulo, sempre utilizado ao final deuma "fala", tem o sentido de imperativo, confirmando a palavra. Poderia ter vindo a partir do verbo abular, cujo sentido seria o ato de selar com bula ou selo de chumbo. O sentido de bulase relaciona com oantigo selo de ouro, prata ou chumbo, pendente de documentos emitidos por papas e outros soberanos, eque resultava da compressão do metal entre dois cunhos. No sentido eclesiástico de bulatemos a cartapontifícia de caráter especialmente solene, sendo o termo bula da cruzada conhecido por se tratar dasindulgências a quem contribuía com armas ou dinheiro para combater os infiéis.

Neste Primeiro Baile, segue-se uma dança com marimba e atabaques (11) tocando. A partir da formaçãoinicial os Congos (12) do Embaixador fazem evoluções andando e cantando em duas colunas em volta dosFidalgos. Somente após esta coreografia que o Embaixador se apresenta. Contrariando o que se poderiaesperar a partir das interpretações consensuais, o Embaixador entra de maneira completamente diferente(e até oposta) ao Rei, e em sua primeira fala se dirige a seus soldados dizendo que é o dia de louvar SãoBenedito.

Na interpretação consensual feita pelos praticantes em diversas entrevistas pessoais, o Rei e seu exércitosão entendidos como cristãos e o Embaixador e seu exército como os infiéis. Tal posicionamento parecediscutível quando atentamos para as falas dos personagens. Como os cristãos esquecem o dia da festa dosanto? Por outro lado, como podem os infiéis não só saberem a data, mas entrarem louvando o santo? Emais, como podem se colocar a favor desse louvor ao santo já que são infiéis? Estaria o Embaixadorfingindo determinada condição e dessa forma forjando uma identidade por motivos estratégicos? À partedos exércitos serem cristianizados ou não, ambos parecem pretender entrar em guerra louvando ao santo.Esta seria talvez a única condição que aproxima os dois exércitos neste momento inicial: se guerreia pordevoção, ao mesmo tempo em que a guerra é uma forma de louvor? Em seguida, após o Secretário

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perguntar que música é aquela, o Príncipe responde dizendo que aquele é o sinal de que a guerra estádeclarada.

Príncipe e o Secretário disputam pela preferência do Rei na dianteira na batalha. No entanto, o Secretárioconsidera a legitimidade do Príncipe. A guerra parece algo inevitável. O Príncipe então concorda com oSecretário e se coloca a disposição para tomar a frente de batalha.

Os congos fazem evoluções, marimba e atabaques tocam, o Príncipe tenta se aproximar do Embaixador.De repente a música pára e o Secretário suspende a peleja. O Guia (ou Cacique) do Embaixador toma afrente do diálogo, mas o Secretário não quer falar com ele, e sim com o Embaixador. O Embaixadorresiste à prisão. O Secretário insiste e manda o Guia do Rei (ou de Primor) buscar a corrente paraaprisionar o Embaixador. A marimba e os atabaques voltam a tocar enquanto o Guia, dançando, vai até oRei. Chegando aos pés do monarca, pede a corrente. O Rei diz ao Guia que ordena o Príncipe e oSecretário trazerem o Embaixador preso. O Guia recebe a corrente (simbolizada por um lenço) e ao voltarpara o campo de batalha é interpelado pelo Guia do Embaixador que tenta impedi-lo, mas não consegue.O Embaixador recebe então a "voz de prisão" do Príncipe.

O Embaixador resolve se entregar e se deixa prender, mas não sem antes resistir e provocar o Príncipe, oSecretário e o Guia do Rei. O Embaixador, então, se dirige aos seus Congos e fala triste sobre suarendição. Apesar da renuncia à guerra parecer estranha para um exército que vem justamente para atomada do reino, o Guia do Embaixador dá uma pista do que está acontecendo.

 ? Vai engana vai, vai e não tema a morte,/ Que os braços nos afastem/São todos braços fortes/ pra telivrar da morte.

Ngana ou engana? Angana: senhor, senhora; mulher do senhor. Em quimbundo ngana também tem osentido de "senhor", "patrão", "dono". "Engana", bem como uma possível variação "angana", tambémaparece em outros versos ? e até em outras congadas da região com o mesmo sentido, "senhor, senhora"(Lima, 1981, 94) ?, mas não necessariamente possui sempre este mesmo sentido. No verso acima, podemuito bem ganhar o sentido de "senhor". Fica o rastro, mesmo não evidente, que a renuncia à guerra podetratar-se, ao mesmo tempo, de uma estratégia para se aproximar do rei. O Embaixador e seu Caciqueentão vão presos, forma-se um quadrado de espadas ao redor, ambos vão sendo conduzidos ao Reienquanto soa o canto conhecido como o Hino da Congada acompanhado de atabaques e marimba.

O Embaixador vem lentamente, de cabeça baixa, triste, com sua capa levada aos olhos como um lençoque enxuga suas lágrimas. Ao chegarem, a música é suspensa, o Rei pede explicações sobre a guerra.Finalmente frente-a-frente com seu opositor, o Rei pergunta:  ? Quem sois vós? Mas o Embaixador nãoresponde. O Rei repete a pergunta e novamente o Embaixador não responde. Ao dar as costas para omonarca, este grita a pergunta pela terceira vez. O Embaixador então responde ? Amim cambimba re lheatiro! O Rei não entende e ordena que o Embaixador fale um português bem declarado. O Embaixadorpede que abaixem as armas e declara que deseja apenas falar com o Rei. Para isso pede que seja solto dacorrente.

Então o Rei ordena libertar o Embaixador. A pergunta repetida três vezes é intrigante. Porque oEmbaixador demora a responder? E porque responde em "outra língua"? Qual língua seria? Seria oquimbundo, a língua dos ambundos, povos que ocupavam a região de Angola, já que o Embaixador se diz"de Luanda"? E qual seria o significado dessa resposta? Sem responder à pergunta que o Rei lhe dirigepor três vezes, o Embaixador pede para abaixar as armas dos missongos, os capangas. Depois de serlevado ao Rei e apresentado como um Fidalgo, o Embaixador inicia sua "negociação" com o Rei. Aexplicação um tanto controversa para quem está em pé de guerra, leva a diversos desdobramentos.

O Embaixador afirma que está em busca de amparo e não de guerra. Por isso, mesmo sendo atacado, oEmbaixador ordena seu exército festejar ao invés de guerrear. Em seguida ele afirma que mesmo sembatismo, crê em Deus e em São Benedito. Ao ver que o Embaixador também é devoto, o Rei mandasoltá-lo. O Secretário fica contrariado com a ordem do Rei, mas o Príncipe acata. O Embaixador,agradecido pela ordem de soltura, reconhece o Rei como monarca e lhe oferece a "arma" (ou alma), avida e o próprio coração. O Príncipe então sugere que lhe dê um prêmio. A tal sugestão segue-se oseguinte diálogo entre o Rei e o Embaixador.

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Rei

Toma lá essa durumbamba

como a prenda de Mombique,

se mais tivesse mais te daria,

conte em baixo de prisão

que gente trazes?

Embaixador

Gente boa, muito mimosa,

escolhida por minhas mãos,

são cravo, jasmim e rosa.

Rei

São bons soldados ?

Embaixador

Tudo flor de maçangana e não me engana.

Rei

Se for flor de maçangana que não te engana

manda vir tua gente

que com eles quero ver meu coração bem contente. Abulo!

Chama atenção neste trecho do diálogo diversos aspectos, a começar por algumas palavras estranhas aovocabulário coloquial. A durumbamba (ou zurumbamba) que o Rei oferece é uma espada, presenteada emcena. Além do ato da dádiva também representar a aliança entre os oponentes, o objeto doado representatambém uma importante insígnia de poder. Nei Lopes (2003) não fornece muitas informações sobre estevocábulo supondo ser uma palavra de origem banta. Já a palavra mombique pode ter pelo menos trêsderivações, "mumbica" adjetivo que significa magro, raquítico, mal-vestido, do kikongo mbika,abandonado; "mobica" que significa escravo alforriado, do quimbundo mubika, escravo; e "mambuk" queera o nome do cargo criado para ordenar o comércio com os europeus (Souza, 2002: 343). E maçanganapor sua vez é um topônimo, grafado na literatura como Massangano, região localizada em Angola noentroncamento do Rio Lucala com o Rio Cuanza.

O Rei se interessa pelo exército de seu novo aliado. Embaixador diz que trata-se de muito bons soldados,escolhidos por suas próprias mãos, são flor de maçangana. Pela sequencia do diálogo, percebe-se que ossoldados dessa região são valorizados enquanto ótimos soldados. Mas o que teriam de especial esses

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soldados? Ao pedido do Rei, o Embaixador atende mandando o Guia voltar ao seu exército e ordenar quetodos subam cantando alegremente, e não se assustem com o perigo pois o perdão já lhe fora dado emlouvor a São Benedito. O Guia vai dançando em direção ao exércitode baixo, mas muda de ideia no meiodo caminho e volta dizendo que não queria desse jeito, preferia que o Embaixador fosse pra cima do Reimesmo que voltasse todo estraçalhado. Ao responder, dá uma carreira no seu Guia.

Mais uma vez, marimba e atabaques voltam a tocar. Mesmo tendo recebido a durumbamba e o perdão doRei, o Embaixador poderia estar blefando, querendo na verdade se ver livre do jugo o mais depressapossível. No fundo sempre fica a dúvida. O Guia então atende o pedido de seu general, passando suasordens ao exército que sobe cantando. A letra da canção faz referência à zurumbamba, a espada de ouro.

Ao receber seu exército, o Embaixador diz que mandou chamar para cantar o anglo rebolo ? canção dearrependimento e pedido de perdão ? no pé do monarca em sinal de agradecimento. Esta música é cantadacom todos os Congosde joelhos ao pé do grande monarca. Ao redor, os Fidalgos acompanham tudo deperto. O que seria o anglo rebolo? Qual exatamente teria sido o pecado para o qual o Embaixador devepedir perdão? Nesta cena solene, supõe-se o respeito ao Rei que proclama ter aceito o pedido de perdão, eainda complementa que formou-se uma demudança em seu peito que o deixa alegre como coisa que jádança.

Qual seria a demudança que o Rei se refere? Seria o perdão do Embaixador? Estaria o Rei falando de suaprópria conversão? Estaria o Rei aludindo ao fato de que fora do cristianismo não há esperança esalvação, afinal no fundo do mar não cantam sereias encantadeiras? Ou o fundo mar faz alusão à morte?O perdão é concedido enquanto dádiva neste Primeiro baile. Com o agradecimento à bonita oferta doRei, o Embaixador aclama doravante aquele como o motivo de toda a festa.

Indexação e convenção

Segundo Monteiro (2011, p.62) nas sociedades escravagistas modernas surgem diversas formulaçõesinstitucionais, políticas e ideológicas originais a partir de elementos pertencentes à cultura do colonizadore do escravo. Os reinados de congo são tomados pela autora como um caso representativo dessasformulações. Nesse sentido, diversas hipóteses podem ser levantadas a respeito desse "(...) encontro dementalidades e de como foi sentida pelos negros a necessidade de se criar reinados de caráter devocionale artístico" (Ibidem). É sobre este encontro que se organiza uma prática e um comportamento humanoespetacular (Pradier, 1998) específico na Congada. Certamente a Congada de Ilhabela realizada na Festade São Benedito é uma forma espetacular de organizar o mundo, definido a priori, dividido entre "os quepertencem à verdadeira religião" e os "mouros, infiéis, entregues á religião de Maomé". Essa bipartição sereplica em diversos outros aspectos pertencentes ao universo representado e apresentado nas ruas da Vila.Esta maneira de organizar um comportamento humano espetacular rearticula os elementos ligados aopoder (Idem, 60), dando forma a uma ontologia e refazendo circuitos longínquos da Antiguidade,passando por todas as grandes religiões, pelo pensamento filosófico e boa parte da literatura ocidental"clássica", de Homero a Ésquilo, de São Tomás de Aquino a Erasmo de Roterdam, de Dante Alighieri aShakespeare, de Cervantes a Goethe, de Camões a Guimarães Rosa: o bem e o mal.

Na noção moderna do corpo místico ? menos ligada ao mistério da presença do corpo de Cristo na hóstia,menos sacramental e eucarística, e mais sociológica e jurídica ? o negro escravo, mesmo batizado, nãoencontra lugar na organização da sociedade cristã e na jurisdição dos diversos corpos que compõem ocorpo místico. O Primeiro Baileilustra a organização da cena, do conflito, o embate, as vacilações, osjogos, e no final o pedido de perdão. O negro é protagonista na cena e em cena : um lugar duplo.

A lógica da organização cênica e dramatúrgica da Congada apresenta particularidades na maneira queorganiza a expressão. Como se organizam as práticas e comportamentos humanos espetaculares naCongada? A especificidade da organização das dualidades fundamentais (essência/aparência, bem/mal,cristão/pagão, aliado/inimigo, dentro/fora, certo/errado, estreito/largo, raso/profundo, grave/agudo,quente/frio, etc.) dentro da representação da guerra ? seus dois exércitos, dois comandantes (o Rei e oEmbaixador), cada um com seu território, seu campo de batalha ? e como esta é realizada em forma defesta, representa o universo do rei e do corpo místico, a vitória da Lei de Cristo, o arrependimento dopaganismo. Dessa maneira de organizar a Congada, portanto, deriva ainda mais uma dualidade: guerra efesta, um par diretamente ligado a um contraste que é vivido naqueles dias de maio todos os anos. Nessachave, tanto os comportamentos dos sujeitos em suas versões "congueiro" (Fidalgo ou Soldado) quanto a

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presença do corpo, se mostram como um modo de ser e existir (Cánapa, 2001, 16), uma identidadecontrastante, um modo de ser congueiro, ser devoto a São Benedito.

O título deste ensaio remete a uma passagem discreta e pouco emblemática da música cantada na Missade São Benedito celebrada durante a realização da Festa: Estamos chegando das velhas senzalas./Estamoschegando das novas favelas./ Das margens do mundonós somos,/viemos dançar [Canto de Entrada, Missade São Benedito, 2009].

As margens do mundo são representadas no cortejo. No corpo místico transposto para a comunidade, naqual o representante máximo é o rei e não Cristo, a realização da justiça é obra terrena e não divina. Ocortejo barroco dá expressão ao corpo político e social manifestando também o elogio à expansão coloniale à legitimidade das guerras, conquistas e conversões. O Primeiro Baile ilustra a guerra justae a fusão deuniversos e mentalidades. Uma entre negros escravos e os brancos colonizadores, outra entre Estado eIgreja .

Nesta última, se evidencia o que Maria Lúcia Montes chama de uma experiência marcada pelocontraditório e pela integração precária de metades indissociáveis de uma realidade moderna e arcaica.Nesse sentido, a busca pela restauração de uma ideia de ordem se faz sob o signo da contradição: de umlado o sentimento moderno do poder criador do indivíduo e de outro, o sentimento arcaico de sualimitação frente a um mundo que escapa ao seu controle (Montes, 1998).

A estética do barroco funda-se no lúdico, enquanto sentido de jogo e força criativa que recombinaconstantemente elementos de lugares e épocas diversas recriando o arcaico (Ávila, 1994). O barrocoemerge surpreendentemente na linguagem utilizada pelos protagonistas e coadjuvantes da Congada deIlhabela. Na literatura, a utilização das metáforas, a ordem indireta do discurso, a linguagem preciosa e asvolutas verbais são as correspondentes ao gosto pela profusão, o ornamento excessivo e o horror do vazionas artes plásticas.

Na outra fusão (do negro escravo e do branco colonizador) a Festa de São Benedito revela-se como umaformulação institucional, política e ideológica original, o resultado de uma relação entre agentes que seconstitui enquanto uma convenção de significação que funde universos e mentalidades heterogêneas. Talprocesso se produz no cotidiano do encontro dos agentes situados e que carregam universos de sentidosespecíficos. Como resultado desse encontro, as representações de poder de natureza teológico-política sãointeressantes para observar a produção de convenções a partir de determinadas indexações.

O código que circulou nas missões ? como resultado da relação dos agentes e da indexação de categoriaslocais ao universo cristão ? também vai sendo reorganizado em novas conjunturas com o passar do tempoe em lugares diferentes. Como bem mostrou Marshall Sahlins ([1985] 1999), isto é uma qualidadeinerente a processos de produção de convenções em eventos e performances.

Na medida em que abriu-se mão da caracterização dos agentes indexadores, bem como da grade de leituramanipulada pelos missionários (primeiro na África e depois no Brasil), atemo-nos à própria Festa como"resultado" de um processo (uma convenção), e seus materiais expressivos como "dado empírico". Não setrata de reconstituir fatos históricos, mas uma tentativa de tatear o processo de indexação através daspistas que remetem a dados históricos. Quer-se crer que estes rastros permitem evidenciar a atualidadedas guerras ocorridas em Massangana, retirando tais fatos do passado e relacionando-os aos dramassociais da Ilhabela e do Brasil.

A Festa que se celebra todos os anos em Ilhabela se configura como uma constelação de significaçõessaturada de tensões acumuladas em séculos de fatos ocorridos. A Festa busca reviver o passado diversasvezes todos os anos. A análise busca fazer desse passado uma experiência única. Na constelaçãoimobilizada e cristalizada pode-se encontrar uma oportunidade para lutar por um passado oprimido etambém para "extrair uma época determinada do curso homogêneo da história" (Benjamin, 1994, 231).

É a linguagem da Festa que constrói, através da trama complexa dos significados, a força do Estado e daIgreja. Nela a performance do espetáculo do poder se mostra e se publiciza. A Festa é, ao mesmo tempo,demonstração de poder elaborada por técnicas sofisticadas e diversificadas, mas também uma maneirapeculiar de combinar e recombinar os seus conteúdos simbólicos. A Festa tem a capacidade de darexistência material, corpórea, linguística, visual e sonora ao caráter do barroco.

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Esta rápida descrição do Primeiro Bailetalvez possa não ter sido suficiente para denotar a amplitudehistórica da Festa, mas acreditamos ser o bastante para perceber o embate ? e sua organização espetacularno espaço da cena ? como algo carregado de múltiplas camadas de significações. Intenta-se investigar taiscamadas considerando os elementos expressivos enquanto mediadores dos sentidos convencionados nasmargens do mundo, e a própria Festa de São Benedito enquanto o resultado de uma convenção.

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Notes :

1.  As histórias sobre as origens de Benedetto Manasseri divergem. A versão mais recorrente diz que eleteria nascido na Sicília (sul da Itália), outra diz que era descendente de escravos oriundos da Etiópia e emuma terceira versão ele teria origem no norte da África, neste caso tendo origem "moura" e não etíope.Aquele que se tornou o Santo Benedito, teria nascido na cidade de Messina na Sicília (Itália) em 1525,sendo filho de um escravo africano trazido por negreiros ibéricos. Benedetto Manasseri teria pertencido auma ordem de frades menores, capuchinhos de regra franciscana, do convento de Santa-Maria-di-Gesú,próximo à cidade de Palermo (cf. Alencastro 2000: 314). Benedetto teria vivido neste convento exercendotarefas humildes como a de cozinheiro e teria morrido com fama de santidade em 1589. Muito cultuadono Brasil pelos escravos, foi beatificado em 1743, canonizado e santificado em pleno regime escravistaem 25 de maio de 1807, muito embora seu processo de canonização tenha começado cinco anos após suamorte em 1594. A fama de Santo Benedetto, il Nero, difundiu-se a partir do Seiscentos no Mediterrâneoe, sobretudo, na Espanha e em Portugal. A Irmandade de São Benedito teria sido criada em Lisboa em1619 por mouros e negros convertidos. Seu culto teria sido levado pelos franciscanos enraizando-se emAngola com facilidade, talvez por ser São Benedito o primeiro referente de santo católico negro nocontexto dos Descobrimentos. Não há registro sobre a época em que seu culto teria sido levado paraIlhabela.

2.  Os termos "falas" e "texto" serão utilizados em referência ao conteúdo dos diálogos presentes noentrecho da congada conforme realizada na Festa de São Benedito em Ilhabela. A utilização destestermos, bem como seu grifo, decorrem do significado específico, remetendo não apenas à fala de umpersonagem, mas a fala de um ancestral ente intérprete que emerge cada vez que o papel é novamenterepresentado. Muito úteis para este trabalho foram as transcrições realizadas por Iracema França LopesCorrêa (1981), Haydeè Dourado de Faria Cardoso (1982; 1990), bem como a transcrição realizada a partirdos manuscritos do então Rei Dito di Pilaca. Somando-se a esse corpus de dados sobre o enredo dacongada, ainda utilizei como material comparativo as transcrições de outras congadas semelhantespresentes em Rossini Tavares de Lima ([1949] 1981), Alceu Maynard Araújo (1964), João AlfredoRabaçal (1976), José Loureiro Fernandes (1977).

3.  Corpus myisticum, corpo místico de Cristo ou apenas corpo místico é o nome dado á Igreja Universalfundada por Jesus Cristo. Os fiéis, através da fé em Cristo e do sacramento do batismo, são partes daigreja e membros do corpo único, místico, inseparável e divino cuja cabeça (invisível) é o próprio Cristo eo Santo Papa a cabeça terrena (visível). Os membros do corpo místico são todos aqueles que forambatizados e se encontram no céu, no purgatório ou na terra. Os membros que estão na terra podem serclassificados em três grupos: 1) os sadios: vivem em estado de graça e por ela estão ligados a Deusvivendo sem cometer pecados mortais, graves; 2) os enfermos: batizados na vida cristã mas variam entreo estado de graça e um estado de pecados graves; 3) membros mortos: vivem em estado permanente depecados mortais. Muitos desses foram batizados, fizeram primeira comunhão e crisma, porém nuncaassumiram verdadeiramente a vida cristã com sua fé, moral e práticas doutrinais. Apesar de estaremligados ao corpo místico, não possuem vida sobrenatural. Apoiada em Ernest Kantorowicz ([1957] 1998),Marianna M. Monteiro (2011) aponta um problema central da sociedade colonial brasileira: a fórmula docorpo místico que se pretendia ampliar com a ação missionária e os batismos em massa vinha sendocompreendida pela Igreja em termos jurídicos e não em seu sentido sacramental. Nesse sentido, ao serbatizado, o escravo se tornava membro do corpo místico (a Igreja), no entanto, no estabelecimento dajurisdição dos diversos corpos componentes do corpo místico, não tem um lugar definido (Monteiro,

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2011: 71.)

4.  O Padroado era o exclusivo direito da organização e financiamento de todas as atividades religiosasnos domínios portugueses e nas terras descobertas pelos portugueses. É a designação do conjunto deprivilégios concedidos pela Santa Sé aos reis de Portugal e de Espanha, posteriormente tambémestendidos aos imperadores do Brasil. Tratava-se de um instrumento jurídico que possibilitava umdomínio direto da Coroa nos negócios religiosos, especialmente nos aspectos administrativos, jurídicos efinanceiros. Padres, religiosos e bispos eram também funcionários da Coroa portuguesa no Brasilcolonial, ou seja, religião e religiosidade eram também assuntos de Estado (e vice-versa em muitoscasos). A união indissociável entre igreja Católica e Estado (português e espanhol) marcou a açãocolonizadora destes dois reinos e também as ações pastorais que visavam atrair à fé católica os povosnativos das terras conquistadas, e ainda, a luta contra o avanço do protestantismo. Foi somente em 1889que se deu o fim do regime de padroado no Brasil. Sobre este assunto, bem como o Padroado Espanhol esuas relações com a Sagrada Congregação de Propaganda Fide vide Gonçalves (2008) especialmente aspáginas 39, 44 ? 52, 77 e 141.

5.  Será utilizada a seguinte terminologia: quando se tratar da congada feita no município de Ilhabelautilizaremos o termo com letra maiúscula [Congada] e quando se tratar de forma genérica das diversascongadas realizadas no Brasil utilizaremos o termo com letra minúscula.

6.  A Congada é encenada basicamente por homens realizando papeis masculinos. A única exceção é a Rainha, única personagem feminina no entrecho, papel representado por uma atriz. A Rainha é eleita acada ano entre as moças da comunidade de congueiros, deve ter no máximo 15 anos e deve ser virgem. Acor do traje da Rainha é alternado a cada ano, vermelhos e azul.

7.  Os interlocutores aqui referidos são os própios praticantes da Congada em sua maioria moradores deIlhabela. A pesquisa é resultado do trabalho iniciado em 2004 para a TV ? USP: produção de umdocumentário a respeito da Festa de São Benedito de Ilhabela. A pesquisa para o documentário Sobre aCongada de Ilhabela (Eduardo Kishimoto, TV-USP: 2004-2010) deu origem à tese Uma etnografia dadevoção a São Benedito no Litoral Norte de São Paulo defendida em 2012 na Universidade de São Paulo,da qual este artigo é tributário.

8.  Cf. note 2.

9.  A palavra Ucharia é um substantivo feminino, cujo significado se relaciona com a despensa da casareal, o lugar onde se guardam as viandas, uma espécie de depósito onde se guardavam as arrecadações. AUcharia na Festa de São Benedito é o núcleo responsável pela arrecadação, organização, preparo edistribuição das doações em alimentos dedicadas ao santo. A Ucharia é uma espécie de banquete cujoanfitrião simbólico é o próprio santo. Oferecido gratuitamente aos participantes, e à população em geral,nos almoços de sábado e domingo no fim de semana da Festa. Ela está diretamente associada ao mito deSão Benedito e ao circuito das dádivas que se fazem em nome do santo. É em torno da Ucharia que se dágrande parte da produção material que envolve a devoção ao santo. Muitas vezes os alimentos oferecidossão tratados como abençoados e capazes de operar curas. As graças passam pela comensalidade. AUcharia possui aspectos importantes no que diz respeito às materializações do sagrado. A Ucharia,portanto, é um núcleo imprescindível que apresenta a fartura, o excesso, a mistura de elementos emsimultaneidade e a comensalidade coletiva.

10.  Declaração feita por uma pessoa ou grupo investido de poder de comunicar a sua opinião ou seusdesejos a respeito de um assunto importante. Em geral, nesse caso, se referindo à devoção ao santo.

11.  A marimba é um instrumento musical - que se assemelha a um xilofone - feita pelos próprioscongueiros; seis tabuletas de diferentes qualidades de madeira estão ligadas cabaças como caixas deressonância. O atabaque, por sua vez, possui forma cônica. Atualmente utiliza-se os tambores comerciaisconvencionais.

12.  Nos termos utilizados entre os praticantes, congo se refere ao vassalo do Embaixador enquanto fidalgos aos vassalosdo rei. De maneira genérica, se referindo a todos os praticantes utiliza-se o termo congueiro.

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Pour citer ce document:Giovanni CIRINO , « Margens do mundo: devoção barroca na Festa de São Benedito », Cultures-Kairós[En ligne], Théma, Imploser les temps / Implodindo tempos, Mis à jour le 21/12/2016URL: http://revues.mshparisnord.org/cultureskairos/index.php?id=1432Cet article est mis à disposition sous sous contrat Creative Commons