américas - uma introdução histórica

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) © Luiz' Koshiba Denize Manzi Frayze Pereira Copyrighs desta edição: SARAIVA S.A. Livreiros Editores, São Paulo, 2001- Av. Marquês de São viccnte, 1697 - Barra Funda 01139-904 - São Paulo - SP Fone: (O"" 11) 3613-3000 Fax: (Oxx 11) 3611-3308 - Fax vendas: (OKXI1) 3611-3268 www.editorasaraiva.com.br Todos os direitos reservados. Dados Internacionais de Catalogação na Publícaçãe (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Koshiba. Luiz, 1945- Américas: uma introdução histórica I Luiz Koshiba. Denise Manzi Frayse Pereira. - São Paulo: Atual. 1992 Bibliografia ISBN 85·7056-243-8 1. América - História J. Pereira. Denise Manzi Frayze. 11. Título. 92-2479 CDD-970.01 Índices para catálogo sistemático: 1. América: História 970.0 I AMÉRICAS Uma introdução histórica Editora; Bárbara Ferreira Arena Editor de campo; Wilson Roberto Gambeta Coordenadora Editorial: Sandra Lucia Abrano Assistente Editorial: Camila Jorge Chefe de preparação de texto e revisão: Noé Ribeiro Preparação de texto: Silvana Vieíra Revisares: Alice KobayashilMagna Reimberg Teobaldo e Vera Lúcia Pereira Della Rosa Chefe de Arte: Zildo Braz Coordenadora de arte: Thaís de B. F. Motta Assistentes de arte: Lu Bevilacqua Ghion (diagramação), Ricardo Yorio e Rosi Meire Martins Ortega Gerente de Produção: Antonio Cabello Q. Filho Coordenadora de Produção: Silvia Regina E. Almeida José Rogério L. de Simone e Maurício T. de Moraes Projeto Gráfico: Zildo Braz Capa: Zeflávio Teixeira Cartografia: Sônia Regina Vaz Composição: Paika Realizações Gráficas Ltda. Fotallto: Potosct Visite nosso site; www.atualcditora.com.br Central de atendimento ao professor. (Oxxll) 3613-3030 Luiz Koshiba Mestre e doutor em História pela USP Professor de História da UNESP D.enise Manzi Frayze Pereira Licenciada e bacharel em História pela USP Professora da Escola N. S. das Graças , E IC.L Uma introdução histórica ;(, 2~ Edição Á&}I.,t,,;[ó 2.<.:t.;~"._1 O~ reimpressão , hh·::lf•.... 1)4 Af~id'p.iÇ/~ L,~'-Íl'.fV,~ 1C( O~ /0 ..J q ~'] .,.J .u.. \li1 l, bS @ AJUA.L EDITORA

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Page 1: Américas - Uma introdução histórica

)© Luiz' Koshiba

Denize Manzi Frayze Pereira

Copyrighs desta edição:SARAIVA S.A. Livreiros Editores, São Paulo, 2001-

Av. Marquês de São viccnte, 1697 - Barra Funda01139-904 - São Paulo - SP

Fone: (O"" 11) 3613-3000Fax: (Oxx 11) 3611-3308 - Fax vendas: (OKXI1) 3611-3268

www.editorasaraiva.com.brTodos os direitos reservados.

Dados Internacionais de Catalogação na Publícaçãe (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Koshiba. Luiz, 1945-Américas: uma introdução histórica I Luiz Koshiba.

Denise Manzi Frayse Pereira. - São Paulo: Atual. 1992

BibliografiaISBN 85·7056-243-8

1. América - História J. Pereira. Denise Manzi Frayze. 11. Título.

92-2479 CDD-970.01

Índices para catálogo sistemático:

1. América: História 970.0 I

AMÉRICASUma introdução histórica

Editora; Bárbara Ferreira ArenaEditor de campo; Wilson Roberto Gambeta

Coordenadora Editorial: Sandra Lucia AbranoAssistente Editorial: Camila Jorge

Chefe de preparação de texto e revisão: Noé RibeiroPreparação de texto: Silvana Vieíra

Revisares: Alice KobayashilMagna Reimberg Teobaldo eVera Lúcia Pereira Della Rosa

Chefe de Arte: Zildo BrazCoordenadora de arte: Thaís de B. F. Motta

Assistentes de arte: Lu Bevilacqua Ghion (diagramação), Ricardo Yorio eRosi Meire Martins Ortega

Gerente de Produção: Antonio Cabello Q. FilhoCoordenadora de Produção: Silvia Regina E. Almeida

José Rogério L. de Simone e Maurício T. de MoraesProjeto Gráfico: Zildo Braz

Capa: Zeflávio TeixeiraCartografia: Sônia Regina Vaz

Composição: Paika Realizações Gráficas Ltda.Fotallto: Potosct

Visite nosso site; www.atualcditora.com.br

Central de atendimento ao professor. (Oxxll) 3613-3030

Luiz KoshibaMestre e doutor em História pela USP

Professor de História da UNESP

D.enise Manzi Frayze PereiraLicenciada e bacharel em História pela USP

Professora da Escola N. S. das Graças

,E IC.L

Uma introdução histórica

; ( , 2~ Edição

Á&}I.,t,,;[ó 2.<.:t.;~"._1 O~reimpressão, hh·::lf•....1)4 Af~id'p.iÇ/~L,~'-Íl'.fV,~

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através de um meridiano situado 370 mi-lhas náuticas a oeste das ilhas de CaboVerde.

O papa resolvia, assim, mais um con-flito entre soberanos cristãos.

Mas a mediação do papa em conflitosterritoriais semelhantes nunca havia en-volvido um território do tamanho daAmérica. E isso trouxe novos problemas,já que outros soberanos não consideravamválidas as bulas papais. Estas afinal veda-vam a eles o acesso às riquezas do NovoMundo. Ficou famosa a declaração deFrancisco 1, rei da França, que disse: "Osol brilha para mim como para os demais.Gostaria de saber qual a cláusula do testa-mento de Adão que me exclui da partilhado mundo".

A América não era uma terra inabita-da. Os povos que aqui se haviam instala-do há milênios não foram consultados.Com que direito a Coroa espanhola decla-rava-se senhora destas terras?

Os espanhóis estavam divididos nessaquestão. Teólogos e juristas começarama discutir sobre a natureza do poder pa-pal. Para uns, o papa não tinha poderespara conceder ao rei terras habitadas,mesmo pelos pagãos, pois a ele competiapronunciar-se apenas sobre questões espi- .\

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A AMÉRICA ESPANHOLA

o Trabalho naAmérica Espanhola

A missão religiosa. Em meados do sécu-lo XV os portugueses J1a"viam realizadoimportantes descobrimentos marítimosna costa ocidental da África. E, como eracostume entre os cristãos, desde a IdadeMédia, a Coroa portuguesa solicitou eobteve, em 1455, do papa Nicolau V,uma bula que assegurava o domínio docabo Bojador à Guiné, incluindo as ilhasadjacentes.

Alguns anos depois (1492), Colombochegou à América. Os reis católicos proce-deram do mesmo modo que os portugue-ses, obtendo do papa Alexandre VI, em1493, cinco bulas que Ihes concediam di-reitos sobre as terras descobertas e pordescobrir.

Os portugueses reagiram, alegando queas ilhas descobertas por Colombo situa-vam-se no domínio deles, conforme a bu-la de 1455.

Para resolver a contenda, autoridadesportuguesas e espanholas negociaramum acordo que resultou, finalmente, noTratado de Tordesilhas (1494). Foi estabe-lecido um limite entre os dois domínios

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rituais ou religiosas. Para outros, a sobe-rania do pontífice incluía também assun-tos não religiosos, ou seculares.já que her-dara esse poder diretamente de Cristo, ecomo seu representante na Terra podiatransferir tal soberania ao rei da Espanha.

Apesar das discórdias, num ponto, po-rém, todos estavam de acordo. O rei daEspanha ou qualquer outro em seu lugarsó justificaria a posse das terras america-nas se tivesse como objetivo supremo acristianização dos povos. Um exemplo,entre tantos, encontramos nas seguintespalavras de Pero Vaz de Caminha, escri-vão da armada de Cabral, ao dirigir-se aD. Manuel, rei de Portugal, acerca da ter-ra que seria futuramente o Brasil: "Omelhor fruto que dela se pode tirar meparece salvar esta gente. E esta deve sera principal semente que Vossa Alteza emela deve lançar". Mesmo porque, acres-centa ele, se Deus "por aqui nos trouxe,creio que não foi sem causa".O Estado e a Igreja. Esse espírito missio-riário que se observa em Caminha era

o Estado, a Igreja e os conquistadores:a força dos interesses materiais

sobre a resistência dos povos americanos:

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uma herança da profunda religiosidadedo homem medieval, ainda muito vivano início dos tempos modernos.

Porém, desde a Baixa Idade Média (sé-culos XI-XV) uma gigantesca transforma-ção estava em curso na Europa, devidoao desenvolvimento extraordinário do co-mércio. Quando Colombo chegou à Amé-rica, o comércio era uma das principaisatividades econômicas da Europa - senão a mais importante. Por toda parteos comerciantes (ou burguesia) exerciamfebrilmente sua atividade.

A Igreja, entretanto, com toda sua tra-dição, não tinha muita simpatia pelos co-merciantes, cujo objetivo era o lucro e oacúmulo de riqueza. Para a Igreja, a bur-guesia era dominada pelo pecaminoso es-pírito da cobiça.

O choque entre a fé e a cobiça vividopelos cristãos tornou-se explícito, e parti-cularmente agudo, na América. Aqui, arealidade dos povos que desconheciam ocristianismo estimulava a cobiça dos espa-nhóis. Estes não pensavam noutra coisaque não o enriquecimento rápido, mes-mo à custa do emprego da violência.

A Igreja, com o apoio do Estado, viana América apenas a missão cristianizado-ra dos pagãos. Salvar a alma dos povosamericanos parecia ser, para ambos, aprincipal missão a ser cumprida. E nisso,pelo menos em teoria, todos estavam deacordo.

Desde o principio, porém, a Américasuscitou problemas práticos que não en-contrariam solução nas motivações exclu-sivamente religiosas. Antes de mais nada,o rei da Espanha precisava garantir a pos-se da terra, o que implicava a obtençãode novos recursos para cobrir os gastosnecessários. O rei imaginou que a própriaexploração das terras americanas seria su-ficiente para tanto.

Contudo, as feitorias estatais fundadaspor Colombo não deram o resultado espe-rado. Essas feitorias de comércio deveriamreceber o ouro amealhado nas Antilhas,o qual, no entanto, esgotou-se rapidamen-te. A extração das jazidas exigia conheci-mento técnico e investimentos.

Por essa razão, os reis católicos abri-ram as portas da América para a iniciati-va privada, autorizando a realização detrocas com os nativos e a exploração daterra em busca de jazidas de ouro. Assim,o Estado desistiu dos empreendimentosdiretos, sob suas ordens, para fixar seusinteresses no controle administrativo, afim de garantir a arrecadação de impostos.

Uma vez tomado esse caminho, o Esta-do viu-se obrigado a fazer concessões àiniciativa privada, estimulando a transfe-rência para a América de um número ca-da vez maior de interessados.

Os colonizadores e as formas de trabalho.Os espanhóis que aqui desembarcaram ti-nham por objetivo o rápido enriquecimen-to. Portanto, estavam motivados essencial-mente pela cobiça de bens materiais. Taldisposição harmonizava-se em parte coma política fiscal do Estado, embora se cho-casse com seu espírito missionário. Sen-do a religião o fundamento da legitimida-de do Estado, este não poderia cortarseus vínculos com a Igreja.

Os próprios conquistadores eram pro-fundamente cristãos, mas entendiam a re-ligião e seu papel na América de manei-ra diferente da que defendia a Igreja. Pa-ra esta, a evangelização dos nativos deve-ria ser colocada acima de tudo. Os con-quistadores não discordavam, porém argu-mentavam que a obra missionária só seriarealizável mediante o apoio material.

Em suma, a pergunta essencial era aseguinte: dever-se-ia primeiro exploraros nativos para cristianizá-los ou cristiani-zá-los sem explorá-los? Na prática, paraos conquistadores, a questão econômicavinha em primeiro lugar.

Por isso, os choques entre os colonose a Igreja tornaram-se inevitáveis.

À questão escravista. O conflito apareceucom toda a intensidade e clareza quandoa questão escravista foi colocada.

Para fazer frente às despesas, Colorn-bo despachou alguns nativos para seremvendidos como escravos na Espanha. Noinício, os reis católicos concordaram, es-perando que com a venda pudessem levan-

tar fundos para financiar a exploraçãodo Novo Mundo - então entregue ao co-mando do descobridor.

Porém, já em 1500, em razão de pare-ceres de juristas e teólogos espanhóis, osreis católicos suspenderam o tráfico nas-cente e declararam livres os povos ameri-canos. Deixaram claro que eram contrá-rios a qualquer dano às pessoas e aosbens dos nativos.

Essa decisão, entretanto, teve tambémuma razão política. Desde 1495, quandofoi concedida a permissão oficial para ainiciativa privada atuar na América, oacesso à mão-de-obra dos nativos não fo-ra objeto de regulamentação.

Contudo, deixar o caminho livre paraa escravização significava colocar entreo rei e a América a figura do conquista-dor. Dispondo livremente da mão-de-obraescrava, os conquistadores tornar-se-iamexcessivamente poderosos e independen-tes da Espanha.

Restringir a escravidão declarando li-vres os nativos equivalia, portanto, a su-jeitar à autoridade real os que atuavampor conta própria na América.

A "guerra justa". A proibição total daescravidão, entretanto, deixaria os con-quistadores sem meios para manter as con-quistas e assegurar a posse da terra. Poresse motivo, a proibição dizia respeitoaos nativos que já haviam sido submeti-dos ao domínio espanhol, e não aos queresistiam de armas em punho à dominação.

Nascia, desse modo, a idéia da "guer-ra justa", praticada contra as populaçõeshostis, cujos cativos era legalmente permi-tido escravizar.

Como era previsível, tais regulamenta-ções foram insuficientes para impedir abu-sos. Para evitar que, sob falsa alegaçãode "guerra justa", os nativos. fossem es-cravizados, o rei estabeleceu em 1513um critério para definir o que se devia en-tender por "guerra justa".

Um jurista espanhol chamado PaláciosRúbios redigiu um documento conhecidocomo Requerimiento, no qual expunha acriação do mundo e do homem segundoo cristianismo, declarando ainda que a

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América pertencia ao papa eao rei daEspanha. Por fim, exortava os nativos aadotarem a fé cristã e a reconhecerem orei espanhol como seu senhor. Em casosde recusa, o Requerimiento ameaçava osnativos e seus familiares com uma guer-ra impiedosa e a escravidão.

Pois bem, o documento deveria ser li-do e traduzido para os nativos, e depen-dendo de sua reação decidia-se ou nãopela "guerra justa" contra eles. Pode-seimaginar quais foram os resultados práti-cos dessa medida. O frade dominicanoBartolomeu de Las Casas, que ficou famo-so como "defensor dos índios", conside-rou os termos do Requerimiento "injus-tos e absurdos, e nulos de direito" .

Uma vez tornada evidente a farsa doRequerimiento, a escravidão acabou sen-do totalmente proibida em 1530, por or-dem do rei Carlos l. (Carlos V, no SacroImpério.)

A forte reação dos conquistadores, en-tretanto, obrigou o. rei a rever sua decisãoem 1534. Mas esse recuo foi temporário.Depois de muitas controvérsias a questãofoi finalmente resolvida em termos legaisem 1542, quando foram promulgadas asNovas Leis, proibindo a escravidão -desta vez, em caráter definitivo.

Nas regiões em que o domínio espa-nhol se havia consolidado - México, Pe-ru e Antilhas -, as Novas Leis foramaplicadas com relativa efiçiência. Contu-do, nas regiões fronteiriças onde os con-.quistadores ainda estavam em avanço -Chile e Venezuela, por exemplo -, li es-cravidão continuou a ser praticada.

As Novas Leis representaram, de cer-to modo, uma vitória da Igreja sobre osconquistadores - ainda que uma vitóriaapenas parcial.

Repartimiento e encomienda. Paralelamen-te à escravidão, desenvolveram-se outrasformas de trabalho, sendo as mais impor-tantes o repartimiento, a encomienda e amita.

Para remunerar ou aumentar a rendados funcionários reais enviados à Améri-ca, adotou-se freqüentemente a práticado repartimiento de nativos entre eles.

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Cada qual, de acordo com sua distinção,recebia um certo número de servidores.Alguns podiam receber até 200 homens,e houve casos em que esse número chegoua 800.

A encomienda era um tipo especial derepartimiento, em que também se "repar-tia" um certo número de nativos entreos particulares, mediante autorização ofi-cial. Nesse caso, porém, o encomendem(titular da encomienda) comprometia-sea instruir os nativos na fé cristã - obriga-ção que não se impunha ao beneficiáriodo repartimiento.

ministrativa, da qual receberia vitalícia-mente os tributos até então pagos ao rei.Abolia-se, desse modo, a encomienda detrabalhos forçados, substituída pela enco-mienda de tributos.

Essa solução, entretanto, só funcionounas regiões mais densamente povoadas,como entre os astecas e os incas. Em ou-tras regiões, como Venezuela, Equador,Chile, Argentina e Paraguai, permaneceua encomienda de trabalhos forçados.

A mita. Em 1545 foram descobertas asminas de prata de Potosí (na atual Bolí-via), as mais ricas e famosas da América.Para sua exploração utilizou-se o reparti-miento de nativos entre os donos das mi-nas. Porém, a força de trabalho assimobtida foi-se tornando insuficiente pararealizar as escavações, cada vez mais difí-ceis e árduas. Os proprietários mineirospediram às autoridades o envio de mais4500 trabalhadores extras. Em 1574, aten-dendo ao pedido, o vice-rei do Peru, Fran-cisco de Toledo, instituiu a mita.

A mita, como já vimos, era uma insti-tuição pré-incaica, posteriormente adota-da pelos próprios incas, que obrigava asaldeias dominadas a enviarem, em regi-me rotativo, um certo número de traba-lhadores para servirem aos kurakas dasaldeias dominantes - e, mais tarde, aoEstado inca.

Na versão espanhola, a mita consistiuna transformação de cerca de 16 provín-cias circunvizinhas de Potosí, com o totalde 80 mil habitantes, em províncias mita-yas, isto é, sujeitas à mita.

Visto que as condições de trabalho nasminas eram particularmente duras no géli-do planalto andino, Francisco de Toledoestabeleceu que os mitayos deveriam tra-balhar uma semana e descansar duas. Pa-ra tanto, foram instituídos três turnos detrabalho, cada qual com 4 500 trabalhado-res. A cada ano enviava-se a Potosí umtotal de 13500 mitayos, que substituíamos anteriores. Os que serviam por um anosó poderiam ser reconvocados decorridossete.

Os mitayos deslocavam-se com suas Ia-mílias para Potosí, e os proprietários das

A encomienda de trabalho. A encomien-da foi consagrada em 1512, com as leisde Burgos, promulgadas pelo rei após aconvocação de uma junta de juristas e teó-logos. As leis de Burgos permitiam aosparticulares beneficiarem-se do trabalhonativo, mas proibiam maus tratos e esta-beleciam obrigações que, em resumo, con-sistiam na educação dos" encomendados"dentro da fé cristã.

Teoricamente, os encomenderos eramprotetores da população submetida; naprática, porém, transformaram-se em se-nhores de escravos disfarçados. Assim, aaniquilação dos nativos em decorrênciade trabalhos excessivos e maus tratos con-tinuou ocorrendo da mesma forma quena escravidão.

Por essa razão, a encomienda de traba-lho sofreu violentos ataques da Igreja, re-presentada pelos dominicanos - entreos quais sobressaiu Las Casas.

A encomienda de tributos. A aboliçãoda encomienda era, entretanto, problemá-tica. Carlos I, rei da Espanha, ordenoua Fernão Cortez que não mais procedes-se à repartição dos nativos. Este mostrouao rei que a ordem não poderia ser cum-prida, pois, do contrário, não haveriameios para manter a tropa de 4 mil ho-mens que garantia a posse das terras con-quistadas aos astecas.

Em 1532 encontrou-se uma solução.Em vez de repartir os nativos obrigando-os a trabalhar para o encomendem, con-cedia-se a este uma dada circunscrição ad-

minas comprometiam-se a pagar-lhes,além do salário, todas as despesas.

Essas obrigações, no entanto, foramsistematicamente descumpridas. Tratadoscomo escravos e forçados a trabalhar alémdo estipulado em lei, os mitayos morriamesgotados. Sessenta anos depois de suainstituição, o regime da mita havia dizima-do cerca de 70 mil trabalhadores.

Um ano após a descoberta de Potosí(1545), foram encontradas no norte doMéxico as minas de prata de Zacateca.Também aí adotou-se um regime semelhan-te de trabalho, o qual ficou conhecido,nessa região de tradição asteca, como cua-tequi/.

As leis e a realidade. Não havia qualquercorrespondência entre as formas legaisde trabalho e sua aplicação na realidade.Crrepartimiento, a encomienda, a mita eo cuatequil eram regimes de trabalho for-çado (ou compulsório), diferentes da es-cravidão apenas por serem mais brandos.

Enquanto o Estado e a Igreja defen-diam o trabalho compulsório combinadocom a "educação" dos nativos, a fim deintegrá-Ias na ordem espanhola como cris-

A denúncia dos abusos da Igreja:a justificativa do usoda violênciapara a salvação dos pagãos.

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tãos e súditos, os particulares viam no tra-balho compulsório apenas um meio deenriquecimento, de obtenção de lucro ede acumulação de riqueza. A empresa co-lonial espanhola privilegiou o indígenanos diferentes regimes de trabalho força-do. A escravidão, como forma extremade trabalho compulsório, foi implantadacom o braço negro africano nas Antilhase em alguns pontos da América Centrale da América do Sul.

O trabalho compulsório em suas varia-das modalidades é um fenômeno tipica-mente pré-capitalista, o lucro pelo lucroé tipicamente capitalista. Na América, asformas pré-capitalistas de organizaçãodo trabalho combinaram-se com a produ-ção para o mercado, visando o lucro.

Assim, pela primeira vez, a exploração.do homem pelo homem revelava-se emsua mais completa nudez. Karl Marx, filó-sofo alemão do século passado, referiu-se a esse fenômeno corno 'a combinaçãodos "horrores bárbafos da escravatura,da servidão, etc. à crueldade civilizadado trabalho em excesso" .

Essa falta de correspondência entre leie realidade, ou entre a intenção oficialdeclarada e os fatos, é explicada pela si-tuação histórica peculiar em que a Améri-ca foi incorporada ao domínio europeu.

O Estado e a iniciativa particular nãotinham condições de, isoladamente, con-quistar, reorganizar e defender as terrasamericanas. Somente a associação de am-bos poderia levar a cabo a gigantesca tare-fa histórica.

Embora a iniciativa particular tenharealizado o essencial da conquista, a orga-nização dos domínios conquistados nãoseria possível sem o apoio do Estado.Dessa maneira, apesar do seu anseio deautonomia, os conquistadores dependiamdo rei, e não teriam a menor chance desobrevivência na América caso suas rela-ções com a Espanha fossem totalmentecortadas.

Os povos americanos, por sua vez, es-pontaneamente, não adotariam o cristia-nismo, não se sujeitariam às autoridadesreais, nem trabalhariam para os espanhóis.Assim, o Estado e a Igreja não se opu-

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nham ao uso da força, desde que empre-gada com o nobre objetivo de salvar aalma dos "pagãos" da América. O queescandalizava as autoridades políticas eeclesiásticas era a violência praticada Coma finalidade de saciar a cobiça de bensmateriais.

Ao colocar os objetivos materiais aci-ma de tudo, os conquistadores punhamem evidência a crescente importância daburguesia, que iria estabelecer na Euro-pa a supremacia dos interesses econômi-cos sobre a política e a religião.

o Sistema de Exploração eDominação ColonialEstrutura do sistema colonial espanhol.Entre 1519 e 1556, os conquistadores al-cançaram o ponto mais importante de seutrabalho, ao estabelecerem brutalmentea dominação espanhola sobre o México(astecas) e o Peru (incas). Nessas duas re-giões, as principais minas de prata foramdescobertas no curto período de 1545 e1565. Com isso, passava-se da conquistaà organização da economia e, portanto,à efetiva estruturação do sistema colonialespanhol.

Ocorre, nesse processo, uma redefini-ção global da política do rei que transfor-ma a Espanha em metrópole e seus domí-nios americanos em colônias.

Embora o espírito missionário não te-nha sido abandonado pelo Estado, a eco-nomia mineira criou uma nova realidade.Na fase da conquista, o objetivo declara-do do Estado espanhol era a cristianiza-ção dos "gentios". Agora, sua atençãovoltava-se para a política fiscal. Contro-lar a produção e a comercialização da pra-ta, evitar a sonegação dos tributos e ocontrabando e arrecadar o máximo de im-postos tornaram-se novas prioridades damáquina administrativa do Estado.

No período da conquista, o problemacrucial era restringir a violência contraos nativos e, conseqüentemente, a autono-mia e o poder dos conquistadores. No pe-ríodo seguinte, com a formação e o desen-

volvimento da economia mineira (1545-1610), a política indigenista passou parasegundo plano - e com ela o espíritomissionário que a acompanhava.

Em primeiro lugar vinha agora a políti-ca colonial, que teve como eixo principala restrição da liberdade de comércio doscolonos através do "exclusivo" ou mono-pólio metropolitano, que reservava à Es-panha o direito de exclusividade no co-mércio com seus dominios americanos.

o sistema colonial mercantilista. A políti-ca indigenista tinha por base a religião,e através dela o Estado unira-se à Igrejapara manter os conquistadores sob suaautoridade. A política colonial tinha porbase o comércio, e através dela o Estadouniu seu interesse fiscal ao interesse pelolucro da burguesia mercantil metropolitana.

Esse entrelaçamento entre política eeconomia ganhou corpo e consistênciano mercantilismo, conjunto de práticaseconômicas que caracterizou o Estadomoderno absolutista.

Chama-se política econômica a um con-junto de medidas estabelecidas pelo Esta-do tendo em vista o enriquecimento dopaís. A idéia de riqueza, porém, não é amesma para todos os povos em todos ostempos. Para nós, por exemplo, um paísrico é um país industrializado. Na épocamoderna, o conceito de riqueza estava as-sociado ao acúmulo de metais preciosos,razão por que ficou conhecido como me-talismo (concepção tipicamente mercanti-lista).

A política econômica também mudacom o passar do tempo, de acordo coma idéia de riqueza e a finalidade do enri-quecimento. No período moderno, o enri-quecimento de um país tinha como finali-dade a centralização do Estado. O rner-cantilismo, que era a prática econômicado Estado absolutista, tinha por objeti-vo atrair o máximo de metais preciosospara fortalecer o próprio Estado.

Oéxclusivo metropolitano. Um dos meca-nismos criados pelo mercantilismo foi o

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exclusivo metropolitano, que consistiana obrigação dos colonos de realizaremo comércio somente com a metrópole -tanto na venda de seus produtos comona compra de mercadorias européias.

Como o preço da venda e o da compraeram' determinados pelos comerciantesda .metrópole, estes encontravam-se emsituação vantajosa, pois podiam adquiriros produtos coloniais a preços abaixo domercado e vender os seus aos colonos apreços acima do mercado. Com isso, umaimensa quantidade de riqueza era transfe-rida da colônia para a metrópole.

Segundo os cálculos do historiador fran-cês Pierre Chaunu, entre 1503 e 1660, aAmérica espanhola produziu cerca de 25mil toneladas de prata, das quais perma-neceram na colônia cerca de 7 a 8 mil. Épossível que o Estado tenha transferidopara seus cofres quase o equivalente aometal retido na colônia, isto é, aproxima-damente 5 mil toneladas. Portanto, pou-co mais da metade dó total havia passa-do para as mãos da burguesia mercantilmetropolitana.

o sistema de porto uruco, Desde 1503,com a criação da Casa de Contratação,sediada em Sevilha, o Estado controlavaas relações comerciais com a América.Contudo, a autoridade suprema sobre osdomínios espanhóis na América foi o Con-selho Real e Supremo das Índias, ou sim-plesmente Conselho das Índias, que exis-tia informalmente desde 1511 e foi oficia-lizado em 1524.

Sevilha, já por essa época um podero-so centro mercantil, além de sediar a Ca-sa de Contratação era o único porto atra-vés do qual era permitido comerciar coma América. Essa condição favorável dacidade estimulou a criação, em 1543, deuma poderosa associação de comerciantessevilhanos - o .Consulado do Comércio- que monopolizou, na prática, o comér-cio com a América.

Como o principal produto colonial eraa prata, a preocupação com o controle le-vou o Estado a regulamentar com rigidezos contatos comerciais entre a metrópolee a colônia. Esses contatos só poderiam

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ser feitos através do envio de frotas e ga-leões e apenas duas vezes por ano. Osparticulares só podiam comerciar com acolônia desde que se integrassem comseus navios às frotas oficiais.

Saindo obrigatoriamente de Sevilha, ocomércio limitava-se, na América, aostrês terminais: Cartagena (Colômbia);Porto Belo (Panamá) e Vera Cruz (México).

A formação da aristocracia colonial. Osespanhóis vieram à América com o objeti-vo de enriquecer rapidamente servindo-se do trabalho ameríndio. Na prática, po-rém, alcançar esse objetivo não era tãofácil. A desorganização das sociedadesameríndias, devido à violência da conquis-ta e à falta de interesse dos conquistado-res pela agricultura, trouxe o primeiroproblema: a falta de alimentos.

Nas primeiras décadas do século XVI,à medida que aumentava o número de es-panhóis, a crise de abastecimento foi-seagudizando. A constante elevação do pre-ço dos gêneros alimentícios acabou portornar a agricultura e a pecuária um bomnegócio. Com a possibilidade de obter-sealtos lucros, ampliou-se gradualmente aárea de cultivo e criação, embora não naproporção adequada, pois a descoberta ea exploração de metais preciosos conti-nuaram sendo a prioridade absoluta dosespanhóis.

Entre 1545 e 1610, com a descobertadas ricas minas de prata de Potosí (AltoPeru) e Zacatecas (México), a economiaagropecuária recebeu um poderoso estímu-lo para o crescimento. Cerca de 150 milpessoas viviam em Potosi, no altiplanoaridino, a mais de 4 mil metros de altitu-de, onde a agricultura era impraticável.O abastecimento desse enorme mercado,que dispunha da prata como meio de pa-gamento, atraiu para a região os produ-tos agrícolas do Chile, e da região plati-na (atuais Argentina e Paraguai) chega-va o gado para ser vendido.

A partir da última década do séculoXVI, com o declínio da mineração - de-vido em grande parte à morte em massados ameríndios -, os ricos mineradorese comerciantes passaram a adquirir terras.

A fim de impedir a formação de gran-des propriedades - e, portanto, de pro-prietários poderosos e independentes -, aCoroa espanhola pretendia criar em seusdomínios americanos um sistema de pe-quenas e médias propriedades. Porém,tal como aconteceu no caso do trabalhoescravo, as determinações legais foram ig-noradas, e as terras acabaram por concen-trar-se em poucas mãos.

As terras de início concedidas gratuita-mente pelo rei, como recompensa aos par-ticulares por serviços prestados, eram fre-qüentemente vendidas pelos seus titularesaos ricos investidores, apesar da disposi-ção legal que vedava esse tipo de comér-cio. Servindo-se de testas-de-ferro (paren-tes e dependentes), os ricos concentravamdisfarçadamente enormes quantidades deterras.

Nos últimos anos do século XVI, devi-do às dificuldades financeiras que enfren-tava, a Coroa viu-se forçada a eliminaras concessões de terras - chamadas mer-ced de tierras - e passou a vendê-Ias.Com isso, favoreceu a especulação imobi-liária e a concentração fundiária, contra

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Uma grandepropriedadeonde os escravospreparavam o índigopara a exportação.

a qual a Coroa já não dispunha de qual-quer meio de controle. As terras ilegal-mente ocupadas foram legalizadas atravésdo que se chamou de composición de fier-ras, que consistia no pagamento de umasoma à Coroa.

Desse processo de concentração de ter-ras formaram-se as estâncias de gado eas haciendas (fazendas), sendo estas últi-mas as formas típicas da grande proprie-dade rural nos séculos XVII e XVIII.

Em contraste com a economia minei-ra do século XVI, a economia rural dosséculos seguintes tendeu à auto-suficiência,voltada que estava para uma economiade subsistência. Os grandes proprietáriosexploravam diretamente uma parte deseus domínios, sob a direção dos capata-zes, arrendavam outras e deixavam amaior parte improdutiva.

Com a consolidação das haciendas noséculo XVII, firmava-se na América espa-nhola uma aristocracia rural equivalenteaos senhores de engenho no Brasil.

Criollos e chapetones. Desde o fim do sé-culo XVI começou-se a fazer distinção

39 (f)

Page 7: Américas - Uma introdução histórica

entre espanhóis europeus e espanhóis ame-ricanos. Com li formação da aristocraciarural, a diferença foi-se acentuando, eos espanhóis nascidos na América passa-ram a ser conhecidos como criollos (criou-los). Essa denominação teve a princípioum sentido pejorativo, pois designava oescravo negro nascido na América, como qual eram equiparados os descendentesdos conquistadores.

Aos espanhóis da Espanha ou peninsu-lares, os criollos atribuíram, por sua vez,nomes igualmente depreciativos: gachupin,no México, e chapetôn, na América do Sul.

Essa rivalidade, porém, tinha raízeseconômicas. O declínio da mineração e aruralização da economia provocaram umanítida divisão entre a produção e o comér-cio, representados, respectivamente, porcriollos e chapetones.

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Como a elite dominante da colônia,os criol/os desfrutavam de grande prestí-gio social e procuravam apresentar-se co-mo nobres. Apesar, contudo, de suas as-pirações aristocráticas e senhoriais, eramobrigados a atuar como empresários, jáque produziam para o mercado objetivan-do o lucro.

Nesse sentido, o regime colonial do "ex-clusivo" funcionava contra seus interes-ses, pois boa parte do lucro auferido aca-bava se transferindo para os comerciantes,ou seja, para a burguesia colonialista.

A oposição entre criollos e chapetonesconstituiu, portanto, a corporificação doconflito entre interesses coloniais e metro-politanos.

Centralização administrativa. Aos conquis-tadores que, com o risco da própria vida,faziam avançar c domínio espanhol naAmérica, a Coroa conferia o título deadelantado, com grandes poderes sobreos territórios e a população dominada.Nas cidades que foram brotando no ras-tro das conquistas, formaram-se os ayun-tamientos, que seriam mais tarde conver-tidos em cabildos (câmaras municipais).

Os membros dos cabildos eram selecio-nados dentre os criollos mais ricos de ca-da localidade, cujos interesses os cabildosrepresentavam. Gozando de grande auto-nomia, os cabildos tornaram-se pratica-mente as principais autoridades em vigorna colônia. Com o passar do tempo, po-rém, seus poderes foram-se restringindodevido à centralização administrativa daCoroa.

Vice-reis e audiências. O controle do Esta-do metropolitano foi gradualmente implan-tado através de duas instituições: o vice-reino e a audiência.

Em 1535 foi criado o vice-reino de No-va Espanha, com capital no México e eu-ja autoridade abrangia as Américas doNorte e Central, as Antilhas e a Venezue-Ia. Em 1543 instituiu-se o vice-reino doPeru, com capital em Lima e autoridadesobre o atual Panamá e toda a Américado Sul, exceto Venezuela.

Dois outros více-reinos surgiram mui-to mais tarde, no século XVIII. Em 1717foi criado o vice-reino de Nova Granada,com capital em Bogotá, o qual, todavia,foi dissolvido em seguida para ser recria-do, em caráter definitivo, em 1739. Seudomínio estendia-se sobre a região quehoje compreende Colômbia, Equadore Panamá. Finalmente, em 1776, fundou-se o vice-reino do Prata, com capital emBuenos Aires e que controlava a Baciado Prata e a atual Bolívia.

Os vice-reis, escolhidos entre a alta no-breza espanhola, eram propostos peloConselho das Índias e nomeados pelo rei.Como representantes diretos deste últi-mo, acumulavam as mais amplas atribui-ções: controlavam as minas e a adminis-tração, tinham o comando militar, zela-vam pela cristianização dos ameríndios epresidiam as audiências.

As audiências, criadas em 1511e insta-ladas em todos os centros importantesda colônia, eram órgãos com ampla com-petência administrativa e judiciária. Ca-dá audiência era constituída de um presi-dente e um número variável de ouvidores(os juízes). Como tribunais, subordina-vam-se diretamente ao Conselho das Ín-dias, perante o qual se podia apelar desuas sentenças. Ao lado do vice-rei, asaudiências eram a instituição de maiorpoder na América, podendo inclusive subs-tituir os vice-reis em caso de morte. Fun-damentalmente, zelavam pelos interessesda Coroa, evitando que fossem sobrepuja-dos pelos interesses locais.

.~'..retençõeso trabalho na América espanholaO A missão religiosa: a divisão das terras

descobertas e a posse justificada pelo

objetivo de cristianização dos povos(Igreja e Estado)

O As formas de trabalho

Page 8: Américas - Uma introdução histórica

• Os choques entre a fé (Igreja) e olucro (Estado e colonos espanhóis)

• Os conquistadores e a arnbigüida-de.da posição do Estado

• O conflito de interesses entre Esta-do, Igreja e conquistadores

• A legitimação da guerra justa: Re-querimiento

• A escravização através da encomien-da, do repartimiento, da mita e docuatequil

• A enorme distância entre as leis ea realidade da América espanhola

o sistema de exploração e dominação co-lonialO O período da conquista: descoberta

exercícios

I. Como ocorre a legitimação da posse das terrasamericanas?

2. Explique a ambigüidade da posição do Estadoem relação à exploração das colônias e à escra-vização de seus habitantes.

3. O que significava "guerra justa" para a Améri-ca espanhola?

4. Compare o repartimiento, a encomienda e amita destacando suas semelhanças e diferenças.

5. Como os diferentes interesses da Igreja, do Esta-do e dos conquistadores desnudam a violênciada incorporação da América?

t1.:;::~d atividades suplementares

I. Leia atentamente os textos a seguir e respondaàs questões propostas:

TEXTO 1

Requerimiento

Notificação e requerimento que se há de fazeraos moradores das Ilhas e Terra Firme do MarOceano que ainda não estão submetidos ao Rei Nos-so Senhor.

Da parte do mui alto e mui poderoso e mui cató-lico defensor da Igreja, sempre vencedor e nuncavencido o grande Rei D. Fernando, o quinto dasEspanhas, das Duas Sicilias, de Jerusalém e dasIlhas e Terra Firme do Mar Oceano, domador das,

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dos metais e importância da políticaindigenista

O Estruturação da política colonial: explo-ração das minas e estabelecimento doexclusivo metropolitano. Perda da im-portância da política indigenista

O O sistema colonial mercantilista: o rner-cantilismo e a importância do exclusi-vo metropolitano: o sistema de portoúnico e o Conselho das Índias

O A formação da aristocracia colonial:as grandes propriedades, o poder doscriollos e o conflito de interesses entrecriollos (produção) e chapetones (co-mércio)

O A centralização administrativa nas colô-nias: cabildos, vice-reinos e audiências

6. Explique as mudanças do papel da América pa-ra a colonização espanhola desde a política indi-genista até a implantação do exclusivo metropo-litano.

7. Destaque a importância do sistema de porto úni-co para a politica mercantilista espanhola.

8. Mostre a inviabilidade da existência de peque-nas e médias propriedades na América espanhola.

9. Por que a oposição entre criollos e chapetonesnão é só um conflito de nacionalidades?

10. Caracterize a necessidade da centralização admi-nistrativa imposta nas colônias.

gentes bárbaras; e da mui alta e mui poderosa Se-nhora Rainha Dona Joana, sua mui cara e mui ama-do filha.

Eu, .seu criado e mensageiro e capitão vos notifi-co e faço saber como melhor posso, que Deus Nos-so Senhor uno e eterno criou o céu e a terra, umhomem e uma mulher, de quem vós, e todos os ho-mens do mundo foram e são descendentes; mas pelamultidão da geração que destes sucedeu desde cin-co mil e mais anos, que o mundo foi criado foi ne-cessário que uns homens fossem para uma parte eoutros para outra e se dividissem em muitos reinose províncias porque em uma só não podiam se sus-tentar nem conservar.

De todas essas gentes Deus Nosso Senhor deucargo a um que foi chamado São Pedra para que

de todos os homens fossem Senhor e superior aquem todos obedecessem, e fosse cabeça de toda alinguagem humana onde quer que os homens tives-sem e estivessem, e qualquer lei ou crença teria to-do o mundo por seu reino e jurisdição.

E como o mandou que pusesse sua cadeira emRoma, como o lugar mais aparelhado para reger Omundo; mas também permitiu-lhe que pudesse porsua cadeira em qualquer outra parte do mundo, ejulgar e governar a todas ·as gentes, cristãos, mou-ros, judeus, gentios. e de qualquer outra seita ou cren-ça que fossem.

A este chamaram Papa, que quer dizer, admirá-vel maior poderoso guardador porque épadre eguar-dador de todos os homens.

A este São Pedra obedeceram e tornaram porSenhor Rei, superior do Universo os que naqueletempo viviam e assim também consideraram a to-dos os outros papas que depois ao Pontificado fo-ram eleitos; assim se tem feito e continuado até ago-ra e se continuará até que o mundo se acabe.

Um dos pontifices passados que sucedeu aquelacadeira, fez, doação destas Ilhas e Terra Firme doMar Oceano aos ditos Reis e de seus sucessores quesão Reis Nossos Senhores contém em certas escritu-ras que podeis ver quiserdes assim que Suas Altezassão Reis e Senhores destas Ilhas e Terra Firme parvirtude da dita doações e como tais Reis e Senhoresalgumas Ilhas e Terras quase todas a quem isto temsido notificado, tem recebido, a suas Altezas as temobedecido e servido, como súditos e com boa vonta-de e sem nenhuma resistência, e todos eles, de livree agradável vontade sem premio nem contradiçõesalguma, tornarem-se Cristãos e o são e Suas Alte-zas os receberão alegre e benignamente, e assim osmandou tratar como aos outros súditos e vassalose vôis sais obrigados fazer isso mesmo.

Como melhor posso vos rogo e requeiro, que en-tendais bem isto que vos digo, e torneis para enten-der e deliberar sobre isso, o tempo que for justo, ereconheçais à Igreja como senhora e superiora, douniverso mundo, ao Sumo Pontifice chamado Pa-pa, em seu nome e ao Rei e à Rainha Nossos Senho-res em seu lugar como Superiores e Senhores e Reisdestas Ilhas e Terra Firme por virtude da dita doa-ção; e consistais e deis lugar que estes Padres Reli-giosos vos prediquem o sobredito.

Se assim o fizerdes aquilo o que sais obrigados,Suas Altezas e eu em seu nome, vos receberão comtodo Amor e caridade, e vos deixarão vossas mulhe-res e filhos e fazendas livres, sem servidão para quedela façais livremente tudo que quiserdes e não vosobrigarão, a vós converteis em cristãos, salvo se vósinformados da verdade quiserdes à nossa Santa FéCatólica como fizeram quase todos os vizinhos dasoutras !lhas: e sua Alteza vos dará muitos privilé-gios e isenções e vos fará muitos mercês.

Se não o fizerdes, e não O fazendo no prazomarcado, .certifico-os de que com a ajuda dé Deuseu entrarei poderosamente contra vós, e vos fareiguerra por todas as partes e maneiras que puder, evos subjugarei ao poder e obediência da Igreja ede Suas Altezas, e tomarei vossas pessoas e de vos-

sas mulheres e filhos farei escravos e como tais ven-derei e disporei deles como sua Alteza mandar, e to-marei vossos bens, e vos farei todos os males e da-nos que puder, como a vassalos que não obedecemnem querem receber seu Senhor e resistem e contra-dizem.

E digo que as mortes e danos são vossa culpa,e não de Sua Alteza, nem minha nem desses Cava-leiros que comigo estão. E de como digo e requei-ro peço ao presente escrivão que me dê por testemu-nho assinado e aos presentes rogo que dele sejamtestemunhas.

(Traduzido de José Antonio Saco,História de Ia Esclavitud de Ias indios

em el Nuevo Mundo.i

a) Demonstre a Icgitimação da posse das terras pe-los reis espanhóis.

b) Como o Requcrimiento legitima a "guerra justa "?

TEXTO 2

(. .. ) É temerária, injusta e cruel a guerra queaos infiéis, ou seja, àqueles que nunca souberamnada acerca da fé ou da Igreja, nem de nenhummodo ofenderam esta mesma Igreja, Ihes é declara-da, com o único objetivo de que submetidos ao im-pério dos cristãos se preparem para receber a fé oua religião cristã, ou também para retirar os impedi-mentos para a catequese.

(... ) É contra o direito natural esta guerra queIhes causam inúmeros e irreparáveis danos, comomortes, selvagerias, estragos, roubos, servidão e ou-tras calamidades semelhantes, a pessoas que vivemem suas terras e reinos, separadas do império doscristãos e sem ter, de sua parte, nenhuma culpa.

Roubar alguém, ou um homem aumentar suaprópria comodidade perturbando a de seu semelhan-te são procedimentos que (... ) vão mais contra a na-tureza, do que a pobreza, a dor, a morte e demaiscalamidades que possam sobrevir-lhe, seja em seucorpo, seja em coisas externas, porque ofende o prin-cípio da união das sociedades humanas. É aindamais contra a natureza, ou a inclinação natural cau-sar a morte, despojar de todos os bens, condenar àservidão pessoas livres, obrigando-as a sofrer os ou-tros males já mencionados. (... ) Esta guerra se fazpois, verdadeira e, sem dúvida, contra o direito na-tural.

É também contrária ao direito divino, que proí-be matar nossos semelhantes, principalmente os ino-centes; despojá-Ias de seus bens, tais como seus ser-vos e servas, bois, burros. ou qualquer outra coisaque Ihes pertença; caluniá-Ias, oprimi-tos, dar fal-so testemunho contra sua vida, tomar O que Ihespertence com violência, e outras proibições semelhan-tes, inclusive os entristecer. (.. .)

(Frei Bartolomeu de Las Casas. Deiunico modo de atraer a todos Ias pueblos

a Ia verdadera retigiôn, apud Coletâneade Documentos para a História da

América. CENP, 1978.)

Page 9: Américas - Uma introdução histórica

a) Mostre a ilegitimidade da "guerra justa" segun-do o autor.

b) Qual é o tratamento defendido por Las Casasem relação aos índios?

TEXTO 3

. (... ) Pensando nas causas que podem haver pa-ra que no Novo Mundo se encomendassem os ín-dios aos espanhóis, de onde nasceu a palavra "enco-mendero", a mim se apresentam três. A primeiraque, havendo os particulares descoberto e conquista-do a suas expensas grande parte do Novo Mundo(...l, se pôs em prática este meio pedido pelos con-quistadores que, em vez de retribuição, o Rei lhesconcedesse cobrar perpetuamente tributos anuaisdos povos indígenas que fossem postos sob a suatutela e patrocfnio ... Foi, portanto, como estipêndiode milícia e prêmio de vitória que foram dados osfndios aos espanhóis. Outra causa houve (. ..), pois,como depois de ganho o Novo Mundo ficasse tãodistante do Rei; não podia de modo algum mantê-10 em seu poder se os mesmos que o tinham desco-berto e conquistado não o guardassem, refreandoa liberdade dos bárbaros, defendendo as fronteirasde incursões inimigas e acostumando os índios àsnossas leis. (.. .) A terceira causa e a mais importan-te (... ) foi que os infiéis (:.) fossem defendidos pe-lo patrocínio e cuidado dos cristãos e à sua sombrafossem instituídos e se acostumassem à disciplina ecostumes cristãos (.. .) Segue-se que tratemos do ser-viço pessoal dos índios, no qual se compreende to-da a utilidade que pode obter o "encomendera"do trabalho do índio (... ) Supomos primeiramente(. ..) que os índios não estão sujeitos à escravidão,mas são completamente livres e donos de si (. ..) epor consegüinte é uma iniqüidade privá-tos do fru-to natural do seu trabalho e suores (... l, qualquertrabalho que faça, em qualquer coisa que o ocupeo "encomendero ", digno é o trabalhador do seu sa-

lário (... ). Mas porque às vezes a lei manda dar ao"encomendero" certo número de fndios para esteou aquele trabalho (... l, perguntam muitos se estaprática é injusta, pois parece introduzir o serviçoforçado que acabamos de condenar. Mas não é, desi, injusta quando se toma em lugar de tributo, poisse Ihes leva em conta e se Ihes deduz da quantida-de de prata ou de roupa ou de qualquer outra espé-cie que se lhe havia de pagar [como salário], consi-dera-se como preço do seu trabalho. (... ) Não trata-mos agora da imposição que é ..necessária para seubeneficio e interesse, como quando se Ihes mandaedificar a aldeia ou suas casas ou construir igrejasou cultivar os campos e as demais coisas de utilida-de pública e particular, porque então é coisa clara(... ) e quando o magistrado intima estes trabalhos,ninguém duvide de que cumpre com o seu dever.Aqui nas Índias, parte dos homens são europeus eparte são lndios, e havendo muitas coisas que os es-panhóis não as querem fazer aqui (.. .) se, pois, osindígenas não se prestarem espontaneamente a estestrabalhos, será lícito obrigá-tos, com violência emedo, a que os façam? (... ) Há alguns defensoresdos Indios que afirmam seriamente ser injúria gra-ve obrigâ-los (... ), opinião que é puro disparate (. ..).

(Apud Gustavo de Freitas, 900 Textos eDocumentos de História.)

a) Segundo o documento, quais são os três motivospara a existência das encomiendas?

b) Compare os três textos e identifique os interessesenvolvidos e seus respectivos argumentos.

2. Temas para redação:• O trabalho compulsório e o exclusivo metropo-

litano como eixos do sistema colonial mercanti-lista.

• As origens e o enriquecimento dos criollos noseio do colonialismo mercantilista.

A AMÉRICAPORTUGUESA

o Brasil Colonial

As capitanias hereditárias. A exemplodo que fizeram os espanhóis em seus do-mínios, de 1500a 1530 os portugueses ins-talaram no litoral brasileiro feitor ias volta-das para a extração do pau-brasil,

Porém, como· as novas potências -

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França, Holanda e Inglaterra - não reco-nheciam o tratado de Tordesilhas (1494),os portugueses foram forçados a ocuparo Brasil, a fim de garantir sua posse. Aexpedição de Martim Afonso de Souza,em 1530, marca simbolicamente a mudan-ça de rumo da política portuguesa em re-lação ao Brasil.

Com a criação das capitanias hereditá-rias (1534) começa efetivamente o povoa-mento do Brasil pelos portugueses. Os ti-tulares das capitanias (donatários) foraminvestidos de amplos poderes políticos,administrativos, jurídicos e militares pa-ra organizarem seus domínios. Como au-toridade suprema em suas capitanias, su-bordinavam-se diretamente ao rei. Portan-to, entre os donatários e o rei não havianenhuma outra autoridade intermediária.

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If~*flTerras pertencentes à Espanha

Ir~.~,-~ICapitania real

DCapitania hereditária

A princípio, essas vantagens visavamatrair para a América os membros da pe-quena nobreza. Além disso, tais vanta-gens eram concedidas em troca da obriga-ção do donatário em promover o povoa-mento a suas próprias custas. Assim, atra-vés do sistema de capitanias, o rei de Por-tugal pretendia fazer frente à crescenteameaça francesa, transferindo os custosda ocupação e da defesa da terra aos par-ticulares, reservando-se todavia o direitode arrecadar impostos.

Os jesuítas e os povoadores. Ao contráriodos espanhóis, contudo, só no final doséculo XVII os portugueses descobriramgrandes quantidades de ouro no Brasil(Minas Gerais). Por essa razão, o mode-lo colonial brasileiro ganhou característi-cas diferentes, na medida em que teve co-mo base a economia agro-industrial açuca-reira.

O êxito dessa economia, porém, signi-ficou a longo prazo a derrota dos objeti-vos defendidos pela Igreja e pelo Estado.De fato, o rei D. João III havia deixadoclaro que a finalidade última do povoa-mento do Brasil era a cristianização dos"gentios" (índios). Conforme declarouexplicitamente, "a principal cousa queme moveo a mandar povoar as ditas ter-ras do Brasil foi para jente dela se conver-tese a nossa santa fee catholica". Essa in-tenção não ficou inteiramente no papel.

A iniciativa particular fracassou naimensa tarefa de povoar o Brasil e, em1548, criou-se o governo-geral. No anoseguinte, Tomé de Souza desembarcouno Brasil com os primeiros jesuítas, che-fiados por Manuel da Nóbrega. E, comoaconteceu na América espanhola, a obraevangelizadora dos jesuítas chocou-se ra-pidamente com os interesses particularesjá estabelecidos no Brasil.

Apesar das inúmeras leis que restrin-giam a escravidão dos gentios, promulga-das em apoio aos jesuítas mas tambémcom o intuito de manter os colonizadoressob a autoridade do rei, a implantaçãoda economia açucareira fez-se graças aotrabalho escravo indígena.

Page 10: Américas - Uma introdução histórica

o tráfico negreiro e o escravismo colo-nial. Enquanto a economia açucareira es-teve dependente do trabalho indígena, osgrandes proprietários mantiveram-se pri-sioneiros da .opinião ou ideologia domi-nante que punha a religião e a salvaçãoda alma acima dos interesses econômicospelo lucro.

O rompimento com o jugo espiritualque tolhia a liberdade econômica ocorreuquando a escravidão indígena foi substi-tuída pela africana -,. que ganhou corpoa partir do fim do governo de Mem deSá, por volta de 1570.

A vitória dos interesses econômicos so-bre a religião deveu-se ao lucrativo tráfi-co negreiro. Através dele firmou-se, efeti-vamente, o sistema colonial mercantilistaportuguês e o escravismo colonial. Os lu-cros gerados pelo comércio de escravosafricanos beneficiavam diretamente aoscomerciantes portugueses e à Coroa.

Entre 1580 e 15<)0 existiam perto de10 mil escravos .Ó negros em Pernambucoe 4 mil na Bahia. Entre 1500 e 1600, onúmero total de escravos africanos nãoultrapassava a casa dos 50 mil. No sécu-lo seguinte (1601-1700), essa cifra elevou-se para 560 mil, saltando para 1 891 400cem anos depois e caindo para 1450400no período compreendido entre 1811 e1870, o que perfaz um total aproximadode três milhões e meio de africanos trazi-dos ao longo do período considerado.

É fácil perceber a importância do tráfi-co como eixo estruturador do sistema co-lonial mercantilista português: o Estadoportuguês formula uma política colonialem substituição à política indigenista, en-quanto no mesmo processo o escravismotorna-se colonial, isto é, torna-se partedo sistema. Além disso, o tráfico atuoucomo um elemento unificador e organiza-dor da produção, dando-lhe o contornodefinitivo de plantatíon.

Dada a importância central e estratégi-ca do tráfico, pois dele dependia o abaste-cimento de escravos para as plantaçõesde cana e o fabrico do açúcar, aquelesque o controlassem controlariam tambéma produção açucareira no Brasil. E, vis-to que os traficantes eram membros da

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burguesia mercantil metropolitana, segue-se que ap/antation encontrava-se subordi-nada aos interesses dos comerciantes, is-to é, ao capital mercantil português.

Na p/antation, o objetivo da produçãocolonial é abastecer o mercado externo.Isso significava produção em larga esca-la. Para garantir a rentabilidade da em-presa colonial, a Metrópole precisa inves-tir grande quantidade de capital. A mon-tagem da estrutura econômica colonialestá em perfeita harmonia com seus finsmercantilistas. A produção é realizadaem grandes propriedades e, porque estádirecionada para o mercado externo, ten-de a ser altamente especializada, isto é,baseada na monocultura de um produtolucrativo, com assimilação direta pelomercado europeu. Ora, nessa estruturasó uma mão-de-obra numerosa e submis-sa, ou seja, só o trabalho compulsório temlugar. Como esse tipo de trabalho fazdo homem uma coisa, ele se torna instru-·mento vivo da produção. O grande pro-prietário prefere investir na compra deescravos (mercadorias) em vez de adquirirnovas técnicas. Essa atitude determina obaixo nível técnico da plantation. Todosos elementos apresentados - grande pro-priedade, trabalho escravo, monocultura,produção em larga escala, baixo nível téc-nico - só têm sentido quando integran-tes do sistema de colonização mercantilis-ta da Europa moderna.

O escravismo colonial, tal como se es-truturou no Brasil, tornou-se a forma clás-sica de organização do trabalho escravona América, sendo posteriormente implan-tado nas Antilhas pelos espanhóis, france-ses, holandeses e ingleses, e também nascolônias do sul dos atuais Estados Unidos.

A exploração colonial. A unidade básicade produção na economia açucareira erao engenho e, embora o senhor de enge-nho desfrutasse de grande prestígio na co-lônia, sua situação econômica era de de-pendência: do traficante, para a obtençãode escravos, e dos comerciantes da metró-pole, para vender sua produção e adqui-rir produtos manufaturados e outras mer-cadorias (inclusive de luxo).

Assim, sem liberdade de comércio devi-do ao "exclusivo metropolitano", o lucrodo senhor se transferia para o Estado (im-postos e taxas) e para a burguesia mercan-til metropolitana.

O sistema colonial mercantilista implan-tado no Brasil caracterizava-se, portanto,por uma dupla dominação: (a) pelo capi-tal mercantil; (b) pelo Estado metropolita-no que controlava a administração. Essecontrole, ao mesmo tempo econômico epolítico, transparecia concretamente nofato de que o comércio e os altos cargosadministrativos eram exercidos pelos rei-nóis (assim chamados no Brasil os portu-gueses de Portugal).

Nas primeiras décadas do século XVIIa produção açucareira esteve nitidamen-te separada do comércio, dando origemà oposição entre brasileiros e portugueses,semelhante ao conf1ito entre crio/los e cha-petones na América espanhola.

Agricultura e mineração. Uma visão deconjunto da colonização ibérica (portu-guesa e espanhola) mostra que, enquan-to a agricultura precedeu a mineraçãonos domínios de Portugal, o inverso ocor-reu na América espanhola.

Durante a fase mineradora (de 1545 a1610) a economia da América espanhola,presidida pelos centros dinâmicos repre-sentados por Potosí e Zacatecas, estimu-lou a formação de um mercado internoque articulou economicamente um amplo

Mercado de escravos,gravura de Rugendas.O tráfico negreirocomo elemento-chave para aexistência efuncionamentoela plantation.

A garantia dos lucros para a Metrópole portuguesaatravés do pagamento do quintona exploração do ouro nas Minas Gerais.

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Page 11: Américas - Uma introdução histórica

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território. Num segundo momento, a rura-lização que se seguiu ao declínio da mine-ração descentralizou a economia comsuas unidades isoladas (haciendas).

No Brasil, as primeiras descobertas au-ríferas de vulto ocorreram em Mínas Ge-raís em 1684. Ao longo do período damineração, cujo declínio iniciou-se em1750, houve uma integração da economia

colonial, uma tendência para a urbaniza-ção e uma significativa interiorização dasatividades econômicas.

O desenvolvimento econômico que ca-minhou em sentido inverso no Brasil ena América espanhola explica, em parte,tanto a preservação da unidade territorialcomo sua fragmentação depois da eman-cipação colonial, no século XIX.

"'! retenções ..'.

o Brasil colonial

o A necessidade da posse da terra contraa ameaça externa e o estabelecimentodas capitanias hereditárias

O O choque de interesses entre a Igreja(jesuítas), o Estado e os colonos portu-gueses quanto ao tratamento dos índios

exercícios -~. .....-.

1. De que maneira o regime das capitanias hereditá-rias indica a mudança da atitude portuguesaem relação ao Brasil?

2. Mostre os conf'litos entre os interesses da Igre-ja e do Estado na América portuguesa.

3. Explique o significado do tráfico negreiro para

: atividades suplementares

I. Leia atentamente os textos a seguir e respondaàs questões propostas:

TEXTO 1

Os escravos são as mãos e os pés do senhor doengenho, porque sem eles no Brasil não é possívelfazer, conservar e aumentar fazenda. nem ter enge-nho corrente. E do modo com que se há com eles,depende tê-Ias bons ou maus para o serviço. Por is-so, é necessário comprar cada ano algumas peças ereparti-Ias pelos partidos, roças, serrarias e barcas.E porque comumente são de nações diversas, e unsmais boçais que outros e de forças muito diferentes,

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• a implantação da economia açucarei-ra com o trabalho escravo indígena

O O lucrativo tráfico negreiro e a consoli-dação do sistema colonial mercantilista• a estrutura colonial funcionando pa-

ra o mercado externo através do "ex-clusivo metropolitano"

• características da plantation

a consolidação do sistema colonial portuguêsno Brasil.

4. Por que a plantation harmoniza-se com os obje-tivos mercantilistas metropolitanos?

5. Caracterize a estrutura colonial mercamilistano Brasil.

se há de fazer a repartição com reparo e escolha, enão às cegas. Os que vêm para o Brasil são ardas,minas, congos, de São Tomé, de Angola, de CaboVerde e alguns de Moçambique, que vêm nas nausda Índia. Os ardas e os minas são robustos. Os deCabo Verde e de São Tomé são mais fracos. Os deAngola, criados em Luanda, são mais capazes deaprender ofícios mecânicos que os das outras partes

.já nomeadas. Entre os congos, há também algunsbastantemente industriosos e bons não somente pa-ra o serviço da cana, mas para as oficinas e para omeneio da casa. (. ..)

Não castigar os excessos que eles cometem seriaculpa não leve, porém estes se hão de averiguar an-

tes, para não castigar inocentes, e se hão de ouviros delatados e, convencidos, castigar-se-ão com açou-tes moderados ou com os meterem em uma corren-te de ferro por algum tempo ou tronco. Castigarcom ímpeto, com ânimo vingativo, por mão própriae com instrumentos terríveis e chegar talvez aos po-bres com fogo ou lacre ardente, ou marcá-Ias na ca-ra, não seria para se sofrer entre bárbaros, muitomenos entre cristãos católicos. O certo é que, se osenhor se houver com os escravos como pai, dan-do-lhes o necessário para o sustento e vestido, e al-gum descanso no trabalho, se poderá também de-.pois haver como senhor, e não estranharão, sendoconvencidos das culpas que cometeram, de recebe-rem com misericórdia o justo e merecido castigo.

(João Antonio Andreoni, Cultura eOpulência no Brasil.)

a) Por que o escravo é fundamental no engenho?b) Qual a posição do autor em relação à escravidão?

TEXTO 2

O que nos parece porém indiscutível é que os in-dígenas foram também utilizados em determinadosmomentos, e sobretudo na fase inicial; nem se po-dia colocar problema nenhum de maior ou melhor"aptidão" ao trabalho .escravo, que disso é que setratava. O que talvez tenha importado é a rarefaçãodemogrâfica dos aborigines, e as dificuldades de seuapresamento, transporte, etc. Mas na "preferência"pelo africano revela-se, cremos, ·mais uma vez, a en·grenagem do sistema mercantiiista de colonização;

esta se processa, repitamo-Ia tantas vezes quantasnecessário, num sistema de relações tendentes a pro-mover a acumulação primitiva na metrópole; ora,o tráfico negreiro. isto é, o abastecimento das colô-nias com escravos, abria um novo e importante se-tor do comércio colonial, enquanto o apresamentodos indígenas era um negócio interno da colônia.Assim, os ganhos comerciais resultantes da preaçãodos aborígines mantinham-se na colônia, com os co-lonos empenhados nesse "gênero de vida "; a acumu-lação gerada no comércio de africanos, entretanto,fluía para a metrópole, realizavam-na os mercado .res metropolitanos, engajados no abastecimento des-sa "mercadoria ". Esse talvez seja o segredo da me-lhor "adaptação" do negro à lavoura ... escravista.Paradoxalmente, é a partir do tráfico negreiro quese pode entender a escravidão africana colonial, enão O contrário.

(Fernando A. Novais. Portugal eBrasil na Crise do A ntigo Sistema

Colonial - 1777-1808.)

a) Por que O escravo indigena foi substituído peloescravo negro?

b) Explique a relação intrínseca entre o tráfico ne-greiro e os objetivos do sistema colonial mercan-tilista.

2. Temas para redação:• O sistema colonial rnercantilista português no

Brasil.• O significado da plantation na colonização

mercantilista.

AS COLONIZAÇÕESTARDIAS

Franceses e Ingleses naAméricaFrança: os obstáculos internos à expansão.No século XVI, Portugal e Espanha eramas duas únicas potências coloniais da Eu-ropa. Pelo tratado de Tordesilhas (1494)haviam dividido e monopolizado a Amé-rica.

Porém, ao longo do mesmo século, ou-tras potências marítimas e comerciais seconstituíram, e a França foi a primeiradelas a contestar esse monopólio, passan-do da palavra aos atos.

Os primeiros ensaios do expansionis-mo francês ocorreram no reinado de Fran-cisco I (1515-1547), que pretendia fazerdo Canadá uma Nova França. Entre 1523e 24, envia à América do Norte o explora-dor florentino Verazzano, e dez anosmais tarde, em 1534, o francês JacquesCartier, que explora o território canaden-se ao longo do rio São Lourenço.

Em 1555, os huguenotes (calvinistasfranceses) perseguidos na França tentamfundar no Rio de Janeiro, sob comandode Gaspar de Coligny, um núcleo de po-voamento chamado França Antártica,mas são repelidos por Mem de Sá. 49(jj)