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Grupo de Trabalho 01: Direitos Humanos e criminalização da “questão social” naAmérica Latina

Título: A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA E DA JUVENTUDE NO CONE SUL:REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO URUGUAI E NO BRASIL (2012-2016)Autora: Tania Rodriguez Ravera, Mestranda do Programa em IntegraçãoContemporánea da América Latina, Universidade Federal da IntegraçãoLatino-Americana (UNILA).

ResumoNeste trabalho nos propomos estudar o estado dacriminalização à pobreza e da juventude, aprofundadopelas políticas neoliberais e que, acreditamos, osgobernos progressistas não conseguiram superar. Paraisso, tomaremos como eixo de análisis o resurgimientodas propostas de redução da maioridade penal no ConeSul, especificamente no Uruguai e no Brasil, no marcotemporal de 2012 a 2016.

AbstractIn this work we propose study the state of thecriminalization of poverty and youth, deepened byneoliberal policies and, we believe, progressivesgovernments failed to overcome. For this, we will take asanalysis axis the resurgence of reduction of legal age proposals in the Southern Cone, especially in Uruguayand Brazil, in the period 2012-2016.

Introdução

Nesta investigação tentaremos identificar alguns fatores históricos, sociais,

econômicos e culturais, tanto externos como internos, que levam ao (re)surgimento

das propostas de redução da maioridade penal na região Cone Sul, centrando nos

casos do Uruguai e Brasil. Essa escolha se deve a percepção de que esta temática

conforma-se como um sintomático debate de amplo alcance público relacionado a

questões ligadas ao punitivismo, segurança pública e a criminalização da juventude.

Se bem entendemos que cada país possui uma característica realidade e

contextos de violência urbana, identificamos que a juventude, não só nesses dois

países mas na América Latina como região, é um dos grupos sociais mais

vulneravéis. Acreditamos que as propostas de redução da maioridade penal devem

ser analisadas, além dos contextos locais e nacionais, dentro de uma perspectiva

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regional já que dizem respeito a uma continua aprofundação do Estado Penal

dentro da hegemonia neoliberal presente na Latinoamérica.

Nesse sentido, primeiramente exporemos alguns antecedentes históricos em

relação à penalidad neoliberal e a situação dos jovens latinoamericanos, para

depois apresentar, de maneira breve, o surgimento das propostas e algumas das

reformas nos sistemas penais juvenis de 2012 até o momento atual em ambos

países. O marco temporal foi escolhido tomando como referencia o reinício do

debate no Uruguai por meio da proposta de plebiscito e o desenvolvimento do

processo no Brasil (que atualmente se encontra em discussão no Senado).

Finalizaremos com uma análise que visa reflexionar como essas propostas retomam

o mito das classes peligosas, colocando a juventude, principalmente pobre, como a

principal causa do incremento da violência e insegurança social.

Antecedentes históricos da penalidade em contexto neoliberal

Löic Wacquant ao analisar a transformação da penalidade no contexto

neoliberal apresenta o que denomina de “paradigma da penalidade neoliberal”. A

penalidade é o conjunto de práticas, instituções e discursos relacionados à pena.

Esse novo paradigma surgido entre a década de 1980 e 1990, reconfigura a

questão social, principalmente em relação a questão carcerária, a criminalização

dos setores mais vulneráveis e ao punitivismo. O autor diz:A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediarcom um "mais Estado" policial e penitenciário o "menos Estado" econômicoe social que é a propia causa da escalada generalizada da insegurançaobjetiva e subjetiva em todos os países, tanto no Primeiro como doSegundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restritoda manutenção da ordem pública – simbolizada pela delinquência de rua -no momento em que este afirma-se e verifica-se incapaz de conter adescomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade docapital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedadeinteira. [...] No entanto, e sobretudo, a penalidade neoliberal ainda é maissedutora e mais funesta quando aplicada em países ao mesmo tempoatingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vidae desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes deamortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do individuo nolimiar do novo século (Wacquant, 2001:7)

No período neoliberal o Estado foi reconfigurado e a penalidade ocupa novos

lugares dentro do funcionamento do mesmo e do propio sistema econômico

capitalista no que se insere. Em um momento de um forte crecimento das

desigualdades e da miséria, segundo Wacquant, a “alternativa” dada a essa

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situação é o tratamento social da miseria a través do tratamiento penal que se

implanta sobre os segmentos mais refrátarios do subproletariado. Para o autor, esse

tratamento penal da miséria se veria mais efervescente especialmente durante os

ciclos eleitorais, somado às ondas de “pânico” difundidas pela máquina midiática

(Wacquant, 2001:7-8)

Dentro desse contexto a América Latina não é uma exceção. As politicas

neoliberias no nosso continente foram implantadas com maior força durante a

década de 1990. As mesmas produziram não só o aprofundamento da crise

econômica mas também da crise social herdada em grande medida das ditaduras

cívico militares que assolaram a região nas décadas anteriores. As transições

democráticas dos anos 1980 e início dos 1990 foram o palco “prévio” do

neoliberalismo na Latinoamérica. Nas palavras de Pablo Dávalos: "a construção da

hegemonia do discurso de poder neoliberal necessita de esse ethos que nasce a

partir da reforma política do Estado." (DÁVALOS, 2011:181)

Nesse sentido, a pauperização social aprofundada pelo neoliberalismo e as

lutas dos movimentos sociais que resistiram a tal processo, levou a uma crise desse

modelo que possibilitou a chegada ao poder governamental da região os ditos

“governos progressitas” ou “governos populares” no inicio do século XXI (Chavez na

Venezuela, Lula no Brasil, Evo Morales na Bolivia, Tabaré Vazquez no Uruguai,

entre outros). Embora esse governos, com as especificidades de cada caso, tenham

flexibilizado o modelo herdado, produzindo diferenças significativas, privilegiando os

processos de integração regional como outra forma de inserção internacional, eles

não conseguiram superar a hegemonía neoliberal (SADER, 2009).

Ao analisar as lutas e demandas de movimentos sociais e organizações civis

que se enfretam a tal hegemonia, por exemplo, no contexto do Mercosul

percebemos que a demanda de respeito e garantização de direitos básicos da

juventude latinoamericana é um dos focos principais de reivindicação. Isto fica

evidente ao examinar as demandas surgidas nas Cúpulas Sociais do Mercosul. As

Cúpulas reúnem organizações e movimentos sociais dos Estados membros do

MERCOSUL para tomar posição política conjunta sobre diversas temáticas das

agendas internacionais e regionales. A Cúpula Social do Mercosul – Cidadania e

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Participação, realizada em Brasília, de 04 a 06 de dezembro de 2012 é um exemplo

disso.

Nessa ocasião, ocorreu debate temático intitulado “O ano da juventude no

Mercosul – Construindo um novo protagonismo.” Nele, Severine Macedo (no

momento a secretária nacional da Juventude no Brasil), afirmou que os jovens são o

grupo social que sofre maior impacto dos problemas gerados pelo neoliberalismo e,

segundo ela, mesmo que as políticas públicas para a juventude tenham aumentado

significativamente na região, ainda não eram suficientes para solucionar os

problemas de invisibilidade, violência e exclusão social que sofrem. (MERCOSUL

SOCIAL E PARTICIPATIVO, 2013:87)

Nesse sentido, reconhecemos que a juventude e a luta contra a violência e

desigualdades que sofrem são elementos centrais na discussão da integração

regional, especialmente a realizada pela sociedade civil organizada e pelos países

e organizações membros do Mercosul. Os e as jovens latinoamericanas

apresentam-se como sujeitos vulneráveis nas diversas esferas da realidade e

vítimas significativas da hegemonia neoliberal.

As propostas da redução da maioridade penal e criminalização da pobreza e

juventude

Considerando esta situação crítica comprendemos que propostas de reforma

constitucional como as que defendem a redução da maioridade penal de 18 aos 16

anos, ademais de retomar com intensidade e debate sobre o sistema carcerário,

incrementam a violência institucional, vulnerabilização e criminalização da

juventude, em especial, da juventude pobre e, no caso brasileiro, negra.

As altas taxas de encarceramento na América Latina, inclusive de jovens,

desmentem a ideia de que encarcerar é a solução para a inseguraça e violência

urbana. Ao contrário, porque o encarceramento aprofunda o contexto de

desigualdade e violência em que se encontra essa juventude. Já são bem

conhecidas as denúncias das péssimas condições dos presídios latinoamericanos,

do alto nível de violência institucional e de superpopulação (CARRANZA, 2012).

Segundo o informe publicado pelo Departamento Penitenciario Nacional do

Ministério da Justiça, publicado em abril do 2016, em dezembro do 2014 Brasil já

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tinha 622.202 presos, se configurando como o quarto país com maior quantidade de

pessoas privadas de liberdade. (BRASIL, Levantamento Nacional de Informações

Penitenciárias, 2016:14). A população jovem cumprindo medidas socioeducativas

em privação de liberdade é de 18.378 pessoas aprox. (BRASIL, Levantamento

anual dos/as adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas: 2012). No

caso uruguaio, segundo dados brindados em 2013 pelo representante do

Comisionado Parlamentario Penitenciario, Álvaro Garcé (que esteve no cargo de

2005 a 2014), a população penitenciária estava entorno de 10.000 pessoas.

Contabilizando os jovens cumprindo medidas socioeducativas em reclusão, se

somam a esse número 630 individuos (TAPIA, 2013).

A proposta no Uruguai començou a ter mais força no ano 2012, quando

integrantes dos dois partidos políticos tradicionais e conservadores do país –

Partido Nacional e o Partido Colorado-, por meio da “Comisão "Para vivir en Paz"

que tinham conformado, alcançaram 350.000 assinaturas necessárias para habilitar

um plebiscito que tivesse como pauta a redução da idade de imputabilidade penal

de 18 para 16 anos para crimes considerados “graves”, como homicidio, estupro,

entre outros e “demais delitos que indique a lei”, segundo figurava na papeleta de

votação.

Neste país a reforma da Constituição só é possivel por meio de consulta

popular, seja plebiscito ou referendum, a diferença do Brasil, onde pode ser feita no

Congresso Nacional. O plebiscito ocorreu em outubro do 2014 em conjunto com o

primeiro turno das eleições nacionais para a presidência. Nessa oportunidade,

aproximadamente 45% dos votantes foram favoravéis à redução enquanto 55%

manifestou-se contrariamente.

A campanha do “NO A LA BAJA” realizada por militantes políticos, sociais,

jovens, estudantes e trabalhadores/as, agrupados em organizações como a

Federação de Estudantes Universitários do Uruguai e a Central Sindical PIT-CNT,

teve impacto considerável nos debates sobre o tema e nos resultados do plebiscito,

establecendo o que a organização da campanha chamou de “Generación NO A LA

BAJA” (MONTEVIDEO PORTAL, 2014).

No caso do Brasil, se bem a proposta da redução esteve no Congresso

Nacional, em vários momentos nos últimos, pelo menos, 20 anos, foi em 2015 que o

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então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, desengavetou o

projeto de emenda constitucional 171/1993 que propõe a redução da maioridade

penal de 18 aos 16 anos. A proposta foi aprovada pelos deputados nos dois turnos

necessários e reorientada para o texto da PEC 33/2012, que tem o mesmo objetivo.

Atualmente o projeto está em pauta para votação na Comissão de Constituição,

Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado no dia 01 de junho. O relatorio foi realizado

pelo Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que apresenta um Substitutivo a favor da

aprovação da PEC, de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP) que

propõe a redução da idade penal. (AGÊNCIA SENADO, 30/05/2016).

No Brasil também se desenvolvem campanhas tanto a favor como contra a

redução. A campanha “Amanhecer contra a redução”, por exemplo, está presente

em varias cidades, promovendo debates, eventos e festivais que buscam incentivar

a cultura como mecanismo de luta contra a redução e de proteção dos jovens. Sua

atividade tomou grande visibilidade fundamentalmente nos últimos meses do ano

passado em cidades como Rio de Janeiro, Recife e São Paulo.

Com respeito ao sistema penal juvenil, foi em janeiro de 2012 que se aprovou

a lei n.º 12.594 que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socio-educativo

(SINASE). Nessa lei, além da criação do SINASE também se regulamenta a

execução de medidas destinadas a adolescentes que comentam atos infracionais

(BRASIL, Lei 12.594/2012). A definição do que o Estado brasileiro entende por

medidas socioeducativas figura no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

promulgado em 1990 (Lei 8.069/90).

O ECA permitiu “grandes avanços” em relação a consolidação dos direitos

das crianças e adolescentes com respeito às medidas que seriam adotadas nos

casos de atos infracionais. Maria Ludmila de Oliveira e Silva argumenta que a partir

da aprovação do ECA, os adolescentes “saíram” da criminalização jurídica da

pobreza das legislações menoristas para entrarem numa legislação da criminologia

jurídico penal mas continuam sendo adolescentes pobres aqueles selecionados

para o aprisionamento (2011:227). Para a autora,A relação “pobreza/delinquência” foi adaptada para “pobreza/infração”,atualizada na ordem do dia, na medida em que a essência do paradigma“situação irregular” (criminalização da pobreza) foi prolongada na atuallegislação, com a diferença de que o aprisionamento está “legitimado” pelodevido processo legal. (OLIVEIRA E SILVA, 2011:227)

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No caso uruguaio, foi em julho do 2011, un ano antes de surgir a proposta da

redução, que se aprovou a criação do Sistema de Responsabilidade Penal

Adolescente (SIRPA), a través da lei Nº 18.771. O SIRPA, tal como figura na lei, foi

criado com caráter transitório já que pretendia-se criar e instaurar o “quanto antes” o

Instituto de Responsabilidade Penal Adolescente. O instituto, cinco anos depois,

ainda não foi criado, o SIRPA continua funcionando e as dificuldades na aplicação

das medidas socioedicativas ainda permanecem. Na lei mencionada, também se

estabelece as condições de execusão das medidas socioeducativas aplicadas a

jovens que realizaram algum ato infracional. É importante mencionar que, no caso

do Uruguai, a aprovação e implantação do Código de la Infancia y Adolescencia,

que seria um equivalente do ECA brasileiro, foi realizada só em 2004. O código da

criança que regia até esse momento era de 1934, o que demostra, ao nosso ver,

uma falta de interesse e comprometimento do Estado uruguaio com a

regulamentação e garantização dos direitos das crianças e adolescentes.

Carlos Uriarte, em seu livro “Control Institucional de la niñez adolescencia en

infracción” (1999) analisa a configuração do sistema penal juvenil uruguaio e nos

ajuda a comprender como o própio estado a partir das suas instituições conforma o

estado de “coisas” como o abandono/infração, apropiando-se das situações, ao

mesmo tempo que cancela intervenções alternativas. Afirma que,Violência estructural por insatisfação de necessidades se associa aviolência institucional por repressão de necessidades sob a lógica daconstrução da situação irregular. Incontinências, riscos, perigos,reabilitações, contensões, defesas sociais, prevenção, segurança cidadã,como confuso magma discursivo que desenvolve a lógica da construçãoirregular, se esvaziam quando se as lê a partir da violência que encobre eas permeiam. No espaço das políticas sociais ausentes atua o controleinstitucional (URIARTE, 1997). Desde esse ponto de vista, essa é a lógicadas políticas de ajuste, de controle do déficit, e de crecimentodiscriminatorio: controlar sus custos sociais. Os invisiveis à estadistica(MAX NEFF), se tornam visiveis ao controle social. Esta visibilidade é a quetemos descrito quando falamos de vulnerabilidade.(URIARTE, 1999:355)

A partir do exposto anteriormente, reconhecemos que ambos países possuem

contextos diversos mas apresentam características similares importantes no

referente à violência institucional e a situação de vulnerabilidade das crianças e

adolescentes entorno da quesão social, particularmente da questão punitiva/penal.

Comprendemos, também, que a região está passando por uma nova ofensiva dos

grupos conservadores (BORON, 2010), em que as propostas como as de redução

da maioridade penal se apresentam como um dos mecanismos principais para o

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controle social daqueles setores que são pobres, marginalizados e considerados

“perigosos”. Nesse sentido, entendemos que o novo auge dessas propostas é parte,

também, de uma reconfiguração da penalidade neoliberal.

Consideramos que a retomada das propostas de redução da maioridade

penal é uma retomada desse discurso/mito. Os jovens dos setores mais vulneráveis

da sociedade são as principais vítimas de um arquétipo históricamente construído

dos “delinquentes” por parte dos grupos hegemônicos. Jovens, pobres e negros,

são planteados nos discursos de defesa da redução como os principais autores da

violência, revitalizando o mito das “classes perigosas”.

Por sua parte, Alcira Daroqui e Ana Laura López no livro que coordenam

chamado Sujeto de Castigos. Hacia una sociologia de la penalidad juvenil (2012),

planteiam que a história das políticas de intervenção sobre os “menores”, deve ser

comprendida à luz de processos mais amplos de controle social sobre sujeitos e

populações considerados como “perigosos” e/ou em risco, e sobre as quais se

armam diversas estrategias de governo, sejam penais, tutelares ou assistenciais,

num espectro que contempla diversos mecanismos de correção, repressão,

disciplinamento, segregação, e em seus extremos, incluso de eliminação

(DAROQUI, 2012:49). Dessa maneira, as autoras mostram como a “estratégia da

segregação” dos jovens “perigosos” tem sido recorrente na historia das políticas de

intervenção sobre os “menores”.

Considerações finais

Alcira Daroqui e Silvia Guemurenam, na presentação da obra que

comentamos anteriomente, realizam uma forte oposição, que compartimos, a essas

propostas argumentando que o sistema penal intervêm de maneira negativa sobre a

vida dos jovens, não restitui direitos nem brinda oportunidades de recriar projetos de

vida, todo o contrario, aprofunda as vulnerabilidades de direitos já existentes e cria

novas (DAROQUI, 2012:46).

Para finalizar, é importante resaltar que as propostas de redução não só tem

aparecido no Uruguai e o Brasil, mas também em outros países da região como

Argentina. A criminalização da pobreza por meio do “mito das classes perigosas”

contribui dialéticamente para a criminalização da juventude, já que a seletividade do

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sistema sócio-jurídico-penal planteia, na sua perversidade, “que os adolescentes

pobres constituem marginais em potêncial” (OLIVEIRA E SILVA, 2011:228).

Acreditamos que a redução da maioridade penal, ao contrário do que o senso

comum pode pensar, não diminui a violência, se não que a perpetua, culpabilizando

e criminalizando a juventude mais pobre, vítima da própia constituição desigual das

sociedades capitalistas latinoamericanas.

Nesse sentido, torna-se necessário o comprometimento da sociedade e

também da academia como fonte de ideias e propostas para contribuição com o

debate sobre a redução e os direitos das crianças e adolescentes na complexidade

que merece e como Daroqui propõe “no marco da realidade que vivemos, mas

sobre tudo, no marco da sociedade que queremos.”

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