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1 Ambiente, Recursos e Interpretação: Análise das Estratégias de Internacionalização de Empresas Paranaenses do Setor Alimentício Autoria: Rene Eugenio Seifert Jr., Clóvis L. Machado-da-Silva Resumo No presente artigo analisa-se as estratégias de internacionalização de empresas paranaenses do setor de alimentos com base na articulação dos fatores ambiente, recursos e interpretação organizacional. A lógica de análise orientadora do estudo apóia-se no pressuposto que a internacionalização de empresas constitui fenômeno estratégico que se desenvolve com base na interpretação dos dirigentes organizacionais em face de pressões ambientais e das possibilidades relacionadas aos recursos organizacionais disponíveis e potencialmente obteníveis. À luz da influência desses fatores, procura-se explicar a presença de três clusters de empresas em termos de sua relação com a internacionalização: doméstico, relutante e ativo. Verifica-se a presença de padrões institucionalizados de cognição que configuram homogeneidade dentro de cada cluster e heterogeneidade entre eles. Tais padrões de cognição e interpretação, em estreita ligação com os recursos organizacionais, influenciam a capacidade de agência das empresas, configurando os três modos estratégicos em relação ao fenômeno da internacionalização, articulando as questões concernentes à homogeneidade, heterogeneidade e capacidade de agência organizacional em um contexto institucional. Introdução A internacionalização de organizações constitui-se em um dos fenômenos mais evidentes da sociedade nos últimos anos. Neste sentido, diversos estudos vêm se empenhado em desvendar os fatores que caracterizam e condicionam este fenômeno, com o propósito de melhor compreendê-lo e melhor administrá-lo na medida do possível. Historicamente o campo de estudos em internacionalização tem sido dominado por duas correntes teóricas principais: de um lado, as teorias de abordagem econômica e, de outro, as teorias de abordagem comportamental (JOHANSON e VAHLNE, 1990; ANDERSSON, 2000). Ainda que limitações e lacunas teóricas permaneçam no campo, importantes conhecimentos relativos à internacionalização foram alcançados, principalmente na direção dos fatores que influenciam e condicionam a internacionalização. Nesta direção, Machado-da- Silva e Seifert Jr (2004) observam que os aspectos explicativos do processo de internacionalização, evidenciados nos estudos empíricos do campo, podem ser classificados em termos de aspectos organizacionais externos (como: vantagens de localização, vantagens comparativas, características do setor e do país, a distância psíquica, a cultura, as redes interorganizacionais) e internos (as vantagens de propriedade ou vantagens monopolistas, o conhecimento e a aprendizagem, entre outros). Por outro lado, destacam os autores que pouca ênfase tem sido dada aos aspectos cognitivos que envolvem a internacionalização, uma vez que a interpretação dos membros organizacionais funciona como mediadora das pressões externas e internas ao longo do processo estratégico de expansão internacional. No presente estudo parte-se do pressuposto que a internacionalização compreende um fenômeno de natureza estratégica, processado cognitivamente pelos dirigentes organizacionais e suscetível às influências do ambiente e dos recursos da organização (MACHADO-DA- SILVA e SEIFERT JR., 2004). Sob tal entendimento, com o propósito de ampliar os conhecimentos sobre internacionalização de organizações, aborda-se o fenômeno com base no quadro teórico de referência da perspectiva institucional de análise. A lógica orientadora do estudo fundamenta-se em perspectiva integradora fatores organizacionais externos, internos e de mediação interpretativa proposta por Machado-da-Silva e Seifert Jr (2004). 1

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Ambiente, Recursos e Interpretação: Análise das Estratégias de Internacionalização de Empresas Paranaenses do Setor Alimentício

Autoria: Rene Eugenio Seifert Jr., Clóvis L. Machado-da-Silva

Resumo No presente artigo analisa-se as estratégias de internacionalização de empresas paranaenses do setor de alimentos com base na articulação dos fatores ambiente, recursos e interpretação organizacional. A lógica de análise orientadora do estudo apóia-se no pressuposto que a internacionalização de empresas constitui fenômeno estratégico que se desenvolve com base na interpretação dos dirigentes organizacionais em face de pressões ambientais e das possibilidades relacionadas aos recursos organizacionais disponíveis e potencialmente obteníveis. À luz da influência desses fatores, procura-se explicar a presença de três clusters de empresas em termos de sua relação com a internacionalização: doméstico, relutante e ativo. Verifica-se a presença de padrões institucionalizados de cognição que configuram homogeneidade dentro de cada cluster e heterogeneidade entre eles. Tais padrões de cognição e interpretação, em estreita ligação com os recursos organizacionais, influenciam a capacidade de agência das empresas, configurando os três modos estratégicos em relação ao fenômeno da internacionalização, articulando as questões concernentes à homogeneidade, heterogeneidade e capacidade de agência organizacional em um contexto institucional. Introdução

A internacionalização de organizações constitui-se em um dos fenômenos mais

evidentes da sociedade nos últimos anos. Neste sentido, diversos estudos vêm se empenhado em desvendar os fatores que caracterizam e condicionam este fenômeno, com o propósito de melhor compreendê-lo e melhor administrá-lo na medida do possível.

Historicamente o campo de estudos em internacionalização tem sido dominado por duas correntes teóricas principais: de um lado, as teorias de abordagem econômica e, de outro, as teorias de abordagem comportamental (JOHANSON e VAHLNE, 1990; ANDERSSON, 2000).

Ainda que limitações e lacunas teóricas permaneçam no campo, importantes conhecimentos relativos à internacionalização foram alcançados, principalmente na direção dos fatores que influenciam e condicionam a internacionalização. Nesta direção, Machado-da-Silva e Seifert Jr (2004) observam que os aspectos explicativos do processo de internacionalização, evidenciados nos estudos empíricos do campo, podem ser classificados em termos de aspectos organizacionais externos (como: vantagens de localização, vantagens comparativas, características do setor e do país, a distância psíquica, a cultura, as redes interorganizacionais) e internos (as vantagens de propriedade ou vantagens monopolistas, o conhecimento e a aprendizagem, entre outros). Por outro lado, destacam os autores que pouca ênfase tem sido dada aos aspectos cognitivos que envolvem a internacionalização, uma vez que a interpretação dos membros organizacionais funciona como mediadora das pressões externas e internas ao longo do processo estratégico de expansão internacional.

No presente estudo parte-se do pressuposto que a internacionalização compreende um fenômeno de natureza estratégica, processado cognitivamente pelos dirigentes organizacionais e suscetível às influências do ambiente e dos recursos da organização (MACHADO-DA-SILVA e SEIFERT JR., 2004). Sob tal entendimento, com o propósito de ampliar os conhecimentos sobre internacionalização de organizações, aborda-se o fenômeno com base no quadro teórico de referência da perspectiva institucional de análise. A lógica orientadora do estudo fundamenta-se em perspectiva integradora fatores organizacionais externos, internos e de mediação interpretativa proposta por Machado-da-Silva e Seifert Jr (2004).

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Nessa linha de análise, os esforços de pesquisa foram dirigidos no sentido de se perceber as influências do contexto ambiental, dos recursos da organização e dos esquemas interpretativos dos dirigentes sobre as estratégias de internacionalização de empresas paranaenses da indústria de alimentos. Além de visar ampliação dos conhecimentos sobre o processo estratégico de internacionalização, a presente investigação procura abordar importantes elementos relativos ao debate sobre a questão da homogeneidade e heterogeneidade organizacional. Quadro Teórico de Referência

O termo internacionalização, apesar de sua concepção genérica tem sido vinculado ao envolvimento de países e organizações em negócios internacionais. Segundo Welch e Luostarinen (1999, p. 84) a internacionalização é “processo de envolvimento em operações internacionais”.

Uma vez que constitui um processo de envolvimento em operações internacionais, entende-se que a internacionalização constitui um fenômeno de agência estratégica influenciado pelas pressões ambientais (aspecto externo) e dos recursos da organização (aspecto interno), sendo estas, mediadas cognitivamente pelos esquemas interpretativos dos dirigentes organizacionais (aspecto de mediação cognitiva). Esta é a lógica de análise do modelo proposto por Machado-da-Silva e Seifert Jr (2004), conforme se ilustra na Figura 1.

Figura 1: Modelo Integrado para Análise de Estratégias de Internacionalização

FONTE: Machado-da-Silva e Seifert Jr. (2004)

Agência

Agência Agência

Contexto ambiental de referência R

I

ESQUEMAS INTERPRETATIVOS

Institucionalização

Pressões para o isomorfismo e homogeneização

Financeiros, físicos, humanos e organizacionais

C SOS

ESTRATÉGIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO

Suporte estratégico

AFaceta técnica e institucional

Com base no modelo proposto entende-se que as organizações, como sistemas abertos,

desenvolvem relações de interdependência com seu contexto ambiental. Assim, as estratégias de internacionalização estão sujeitas às pressões ambientais, que, segundo DiMaggio e Powell (1983), pressionam as organizações sob mesmas condições a se tornarem homogêneas entre si

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ou isomórficas. Meyer e Rowan (1991), por sua vez, observam que tais pressões se estabelecem tanto como forças de competição de ordem técnica, onde se enfatizam a eficiência e eficácia operacional, como de forças de competição institucional que promovem legitimidade, estabilidade e significado ao comportamento social (MACHADO-DA-SILVA e FONSECA, 1999). Desta forma, entende-se o processo de internacionalização pode se desenvolver tanto por pressões de natureza técnica (redução de custos, novos mercados, entre outros) como por pressões institucionais de legitimidade social.

Ainda que as caraterísticas e pressões técnicas e institucionais do contexto ambiental sejam relevantes para adoção de estratégias organizacionais, diversos autores, destacados principalmente dentro da chamada visão baseada em recursos, afirmam que o ambiente competitivo de uma organização não constitui o único condicionante das estratégias e do desempenho organizacional (BARNEY, 1996). Em contrapartida, argumentam que os recursos e as capacidades organizacionais desempenham papel fundamental no processo de elaboração estratégica, bem como no desempenho da organização.

Em termos gerais são considerados recursos os ativos, capacidades, competências, processos organizacionais, atributos, informações, conhecimentos, entre outros atributos internos da empresa (BARNEY, 1996). Nessa direção, Barney (1996) sugere quatro categorias de recursos distintos: financeiros, físicos, humanos e administrativos.

A importância dos recursos sobre a internacionalização tem sido destacada por diversos estudos no campo. Além de serem apontados como elementos de sustentação para a internacionalização, fornecem indicativos das ambições de crescimento das empresas em mercados internacionais (ANDERSEN E KHEAN, 1998).

Tendo em vista que as influências do ambiente e dos recursos condicionam as estratégias de internacionalização, o modelo de análise proposto e ilustrado na Figura 1 sugere que tais pressões não incidem diretamente sobre as estratégias de internacionalização, ou seja, estão sujeitas ao filtro cognitivo expresso pelos esquemas interpretativos dos dirigentes organizacionais. Corrobora este entendimento a observação de Daft e Weick (1984) de que a elaboração estratégica compreende o resultado primário da interpretação de mundo feita pelos dirigentes organizacionais.

Os esquemas interpretativos do grupo de dirigentes assumem papel fundamental de mediação no processo estratégico das organizações, uma vez que elas não possuem outro componente, separado dos indivíduos, para definir metas, processar informações ou perceber o ambiente e que, além disto, são os executivos de nível estratégico os principais responsáveis pela formulação da interpretação organizacional (DAFT e WEICK, 1984). Conforme Hinings e Greenwood (1988), os esquemas interpretativos compreendem um conjunto de crenças, valores e idéias que orientam as decisões organizacionais e condicionam o que a organização faz e como ela faz, além de orientar os julgamentos de valor relacionados ao processo de interpretação. Logo, os esquemas interpretativos condicionam a maneira como os indivíduos percebem e entendem suas organizações, indicando como elas deverão agir em determinadas situações. Este também é o entendimento de Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (2000, p. 6) ao conceituar esquemas interpretativos como “um conjunto de idéias, valores e crenças que dá ordem e coerência às estruturas e sistemas em uma organização”.

Ao desenvolver esta linha de raciocínio é de fundamental importância observar que os valores e crenças presentes nos esquema interpretativo do grupo de dirigentes organizacionais apresentam estreita vinculação às crenças e valores presentes nas esferas ou níveis de referência social do contexto ambiental.

A relação entre valores ambientais e organizacionais remonta aos pressupostos da teoria da racionalidade limitada de Simon (1979). Segundo o autor, mesmo as crenças, que constituem elementos cognitivos primários do modelo racional de decisão, são formadas como hipóteses simplificadoras, não sendo descobertas, a partir do cálculo racional, para otimizar, tendo, portanto, origem no sistema social no qual os indivíduos interagem. Nessas circunstâncias ganha relevância a noção de contexto ambiental de referência, enquanto esfera

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social que constitui fonte de crenças e valores concernentes ao direcionamento e estruturação organizacional. Este entendimento sugere que o contexto ambiental de referência compreende a esfera social onde são apreendidos os valores e crenças retidos na estrutura de conhecimento e interpretação compartilhada pelos membros organizacionais (esquemas interpretativos).

Na direção da argumentação precedente, estudos recentes têm evidenciado que as organizações, mesmo as integrantes de um mesmo segmento populacional, variam em relação ao contexto ambiental que têm como referência (GUARIDO FILHO e MACHADO-DA-SILVA, 2001). Deste modo, a simples variação de possibilidades no que diz respeito a esferas e níveis de referência ambiental entre as organizações de uma mesma população já parece garantir certa heterogeneidades entre elas. Assim, deve-se ressaltar a “possibilidade concreta da existência de diferentes valores ou de diferentes significados atribuídos aos mesmos valores pelos atores sociais em diferentes níveis do contexto ambiental” (MACHADO-DA-SILVA e BARBOSA, 2002, p. 9). É nesse sentido que o modelo proposto propõe a divisão analítica do contexto ambiental em três esferas de referência: regional, nacional e internacional.

Dentre os três fatores básicos apresentados, assume-se que os esquemas interpretativos, a partir de sua fundamentação em valores e crenças, e enquanto variável de mediação, orientam a forma como aspectos organizacionais externos e internos serão percebidos e tratados pelos membros organizacionais. Procedimentos Metodológicos

Em face do modelo conceitual de análise proposto e com o objetivo de verificar as influências do contexto ambiental e dos recursos, mediadas pelos esquemas interpretativos dos dirigentes organizacionais nas estratégias de internacionalização, optou-se por um delineamento do tipo levantamento, com base no conjunto de organizações industriais do setor alimentício paranaense.

A opção pelo levantamento, apresentou-se adequada tendo em vista a necessidade da descrição das estratégias de internacionalização das organizações industriais do setor alimentício, bem como da explanação de como as variáveis em análise se relacionam e afetam as estratégias de internacionalização. A opção pelo setor alimentício deu-se em virtude da intensidade de pressões competitivas no setor após a abertura e estabilização econômica no Brasil em meados dos anos 90 do século passado, além da sua representatividade na balança comercial paranaense.

O estudo adotou corte transversal e avaliação longitudinal, tendo como base de referência o ano de 2003. O nível de análise considerado é organizacional, e a unidade de análise, os dirigentes do nível estratégico das organizações industriais do setor alimentício paranaense.

A população de pesquisa foi definida pelas empresas produtoras de alimentos com 20 ou mais empregados localizadas no Estado do Paraná, inscritas no cadastro da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS da Delegacia Regional do Trabalho do Paraná. Sob tais critérios, a moldura de amostragem foi composta por 448 empresas.

Optou-se pelo envio do questionário para todas as empresas da população. Deste modo, o procedimento de amostragem foi definido por adesão. Ao final dos procedimentos de coleta dos dados primários, envio e cobrança dos questionários, a amostra de pesquisa foi composta por 52 organizações respondentes.

É importante apontar que, em face da lógica institucional envolvida no estudo, antes do efetivo envio dos questionários para a coleta dos dados primários, desenvolveu-se na primeira etapa de pesquisa, o levantamento de informações que subsidiassem a caracterização do contexto ambiental em que as indústrias alimentícias atuam. Além de subsidiar a posterior construção do questionário, tal caracterização visou tanto a descrição das dimensões técnica e institucional do ambiente, como dos principais valores e significados subjacentes aos três

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níveis ambientais de referência em análise: regional, nacional e internacional. Na primeira etapa foram intensamente utilizados dados de natureza secundária,

tratados com base nas técnicas de análise documental e de conteúdo. Ao todo, após os procedimentos de análise documental, 63 trabalhos foram selecionados para a realização da análise de conteúdo, em que se procurou identificar os principais fatores de caracterização do contexto ambiental. A segunda etapa da pesquisa compreendeu o desenvolvimento e envio dos questionários para coleta de dados primários. Os questionários foram enviados via correio e endereçados ao principal dirigente do nível estratégico de cada uma das organizações da população. Através do questionário foram coletadas informações relativas à internacionalização, recursos e contexto ambiental de referência. O questionário, construído a partir da revisão bibliográfica e da análise dos dados secundários, foi estruturado e composto por questões objetivas, de múltipla escolha, dicotômicas e Likert de sete pontos.

O tratamento dos dados primários relativos à internacionalização das empresas, desenvolveu-se com o propósito de identificar e agrupar empresas com estratégias de internacionalização similares. Os procedimentos metodológicos e analíticos fundamentaram-se no seguinte conjunto de informações: a) data de fundação da empresa; b) ligações externas de entradas e saídas realizadas pela empresa desde sua fundação; e c) ano em que as ligações externas realizadas ocorreram pela primeira vez.

Com a finalidade de agrupar empresas que apresentassem similaridade em seu processo de internacionalização, procurou-se o apoio da análise de cluster provida por pacotes estatísticos. Entretanto, tal investida mostrou-se infrutífera, em face da necessidade de se produzirem análises de eventos em que variáveis de natureza nominal e intervalar fossem contempladas simultaneamente. Diante de tais limitações, a opção foi pela organização, manipulação e análise qualitativa dos dados nesta etapa. Este trabalho guiou-se pelas orientações apontadas por JONES (1999).

Uma vez identificados os grupos de internacionalização e descritas suas características estratégicas no desenvolvimento do processo, procedeu-se a descrição dos recursos e contexto ambiental de referência das organizações que formaram cada um dos grupos. A partir daí realizou-se a análise da relação entre as variáveis, com base na lógica explicativa constante da Figura 1.

Tendo em vista o número relativamente baixo de casos que compuseram a amostra, bem como o uso da amostragem por adesão, optou-se por utilizar provas estatísticas de natureza não-paramétrica. Cabe observar que, em virtude da natureza não-probabilística relativa ao procedimento de amostra por voluntários, as constatações e resultados aplicam-se exclusivamente às organizações que compõem a amostra. Além disso, considerando o instrumento de coleta de dados primários, ressalta-se que este se sujeita ao entendimento das questões pelo respondente e ao seu próprio viés pessoal que, em certos casos pode não representar a efetiva opinião do grupo de dirigentes da organização. Da mesma forma, não é possível garantir quem efetivamente respondeu ao questionário.

Aponta-se ainda que a classificação dos grupos estratégicos de internacionalização é substancialmente ampla. Deste modo, é possível se perceber algumas distinções e especificidades existentes entre organizações de um mesmo grupo que, em estudos posteriores, poderão ser trabalhados como classificações estratégicas distintas.

Contexto Ambiental do Setor de Alimentos

Tradicionalmente o Brasil caracterizou-se como uma economia relativamente fechada ao comércio exterior. De forma geral a política protecionista manteve a indústria brasileira alheia à maior parte das transformações tecnológicas e organizacionais do contexto internacional, fato este que acabou encorajando o desenvolvimento de mentalidade de produção voltada para o mercado interno. Por outro lado, os anos 90 do século passado inauguraram uma nova mentalidade política e comercial no país, deixando para trás pelo

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menos quatro décadas de protecionismo e dando início a um novo ciclo de crescimento com significativas mudanças estruturais na economia.

Em fins da década de 80 do século passado, já se iniciava no país uma ampla revisão da estrutura tarifária de proteção às importações. Entretanto, é no governo Collor que, em 1990, se promove a simplificação do sistema de política industrial e de comércio exterior no país, extinguindo a maior parte das barreiras não tarifárias presentes nos anos anteriores e definindo um cronograma de redução sistemática das tarifas de importação. O valor médio das tarifas de importação que, em 1988 era de 51%, caiu para 13,1 % em 1995 (AVERBUG, 1999).

Ao longo dos anos 90, fatores como o processo de abertura e desregulamentação comercial; a maior integração comercial no âmbito do Mercosul; a estabilização da economia após o lançamento do plano real que reduziu a inflação do patamar superior a 40 % ao mês, em junho de 1994, para menos de 2 % ao final do mesmo ano; o programa de privatizações; e a retomada dos investimentos; delinearam um novo panorama de competição para a indústria nacional promovendo significativas transformações no contexto ambiental nacional.

Especificamente no setor alimentício, a ampliação da renda real dos consumidores com a estabilização econômica, a partir de 1994, favoreceu a expansão do consumo de produtos de maior valor agregado. Em apenas 30 meses de estabilização a indústria de alimentação cresceu 15,4% na produção física (ABIA, 2003). Entre 1994 e 2001, o consumo de alguns produtos alimentícios chegou a crescer mais de 70%, como é o caso do frango (75,3%) e do iogurte (72,7%) (ABIA, 2003). A expansão do consumo deu início a um novo ciclo de investimentos nas indústrias de alimentos tendo por foco a importação e substituição de máquinas e equipamentos para a modernização das fábricas (FAVARET FILHO e PAULA, 2003). Além disso, empresas estrangeiras ampliaram seus interesses sobre o mercado brasileiro, disponível face à abertura comercial e atraente diante de suas dimensões e oportunidades. O volume de fusões e aquisições no setor de alimentos cresceu muito nos anos 90 e promoveu uma substancial concentração econômica no setor. Dados do BNDES (1999) indicam que o setor de alimentos, bebidas e fumo lideraram o número de fusões e aquisições entre 1992 e 1998, respondendo por 13% do total efetivado.

É evidente que as mudanças ocorridas no contexto nacional nos últimos anos possuem influências sobre as estratégias de internacionalização das organizações. Por outro lado, com base no referencial teórico que dá suporte a este estudo, entende-se que as organizações diferem sistematicamente na forma como interpretam o ambiente e as mudanças ocorridas. Deste modo, entende-se que os impactos e influências das mudanças ambientais sobre organizações de uma mesma população, no caso a indústria de alimentos paranaense, não devem ser equivalentes. Com o objetivo de aprofundar este entendimento, é que além do contexto ambiental nacional das indústrias de alimentos, foram também caracterizados os níveis regional e internacional do ambiente. Esforços de pesquisa nesta direção procuraram identificar e evidenciar os valores e significados que permeiam a lógica de ação das organizações em cada um destes níveis ou esferas de referência. Há que se considerar que em alguns momentos esta tarefa foi substancialmente dificultada, ora pelo fato de os limites contextuais não serem tão explícitos e muitas vezes se confundirem, ora pela escassez de material de referência para maior aprofundamento analítico, como no caso do contexto regional.

Em face do limite de espaço não é possível reproduzir a completa descrição das caraterísticas ambientais em cada um dos níveis de análise. Assim, diante da extensão do material coletado, procurou-se minimizar esta limitação com a utilização de quadros auto-explicativos. No Quadro 1, sintetizam-se as principais diferenças verificadas entre os três níveis de análise.

A verificação do Quadro 1 evidencia diferenças básicas entre os três níveis de análise do contexto ambiental. As distinções observadas entre os três níveis de análise ambiental manifestam a possibilidade observada por Machado-da-Silva e Barbosa (2002), isto é, de

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predominarem nesses níveis valores diferentes ou, ainda, significados e entendimentos distintos para os mesmos valores. Em relação à internacionalização esta constatação é evidente, ou seja, enquanto valor a internacionalização apresenta significados e entendimentos vinculados, distintos em cada um dos níveis de referência ambiental, conforme se pode observar no Quadro 2.

Quadro 1: Principais Diferenças do Contexto Ambiental entre os Níveis de

Análise Contexto Fator Internacional Nacional Regional

Escopo/perspectiva - Mundo/global - Brasil - Paraná Crescimento populacional

- Crescimento lento com tendências de redução no longo prazo.

- Em média maior que da população mundial Tendência declinante no longo prazo.

- Tendência declinante no longo prazo. Segue tendências nacionais.

Mercado de alimentos - Oligopolizado/concentrado. - Competição em preços e

recursos - Alto índice de competição.

- Amplo e acessível - Expansão gradual tem

garantido crescimento das indústrias do setor

- Tendência à concentração - Aumento da concorrência

com importados e novos entrantes.

- Acompanha tendências nacionais

Comportamento consumidor

- Redução nos gastos com produtos alimentares

- Alto nível de exigência - Padrão de consumo

internacional.

- Demanda por produtos de maior valor agregado

- Especificidades de consumo nacional.

- Acompanha tendências nacionais com especificidades de consumo regional.

Fator determinante do produto

- Valor (qualidade e custo baixo), marca e conveniência

- Segurança alimentar - Alimentação saudável - Ecologicamente correto.

- Custo baixo e qualidade. - Custo baixo e qualidade.

Papel do Estado - Regular e controlar práticas ilegais de comércio

- Reduzir barreiras e facilitar o comércio internacional.

- Desenvolver políticas industriais que favoreçam a produção e a comercialização e as vantagens comparativas do país

- Apoiar e defender a indústria nacional

- Estimular a indústria regional através de subsídios e incentivos fiscais

- Atrair investimentos para o Estado.

Foco de atenção de organizações não governamentais

- Práticas de marketing que estimulam o consumo de alimentos ligados às doenças da sociedade contemporânea

- Pressões para maior número de informações nas embalagens dos alimentos

- Segurança alimentar.

- Direitos do consumidor - Qualidade dos produtos e

processos produtivos - Equilíbrio comercial entre

produtores, indústrias e varejistas.

- Acompanha as tendências nacionais com especificidades regionais.

FONTE: Dados secundários da pesquisa A partir do Quadro 2 verifica-se que em virtude das diferenças de interpretação e

significados relativos a internacionalização entre os níveis de referência do contexto ambiental (regional, nacional ou internacional) do setor alimentício, estabelecem-se diferentes padrões de conduta e ação organizacional. A internacionalização tende a ser pouco valorizada no contexto regional e denota ações organizacionais que expressam baixo comprometimento e envolvimento. Já no nível nacional, a internacionalização é entendida como sinônimo de comércio exterior e revela significativa ênfase às atividades comerciais como as exportações e importações. Por sua vez, o mesmo valor no nível internacional é interpretado com referências a multinacionalização, globalização e com significativo foco às atividades que envolvem a administração de negócios internacionais e o alto comprometimento nesse processo.

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Quadro 2 – Internacionalização e Significados Subjacentes nos Três Níveis do Contexto

Ambiental

Significados/entendimentos subjacentes ao contexto Valores Internacional Nacional Regional Internacionalização - Multinacionalização,

Joint ventures - Acordos e contratos

internacionais - Alto

comprometimento.

- Exportação, importação

- Foco nas operações comerciais de compra de venda

- Médio comprometimento.

- Baixa valorização - Foco na atuação

doméstica - Baixo

comprometimento.

FONTE: Dados primários da pesquisa

Análise de Resultados: Modos Estratégicos de Internacionalização

A partir da coleta de dados primários procurou-se classificar as organizações amostradas segundo o modo estratégico de internacionalização, desenvolvido desde sua fundação. Com esta finalidade, ainda que o processo de internacionalização apresente particularidades específicas entre as organizações, verificou-se a existência de similaridades no desenvolvimento desse processo. Tendo em vista a análise das ligações externas e os critérios metodológicos de análise previamente estabelecidos, três grupos estratégicos amplos de internacionalização foram identificados na amostra, a partir dos quais foram classificados em conformidade com a seguinte tipologia: grupo com modo de atuação doméstico, grupo com modo de internacionalização relutante e grupo com modo de internacionalização ativa.

O grupo denominado doméstico compõe-se das empresas sem envolvimento internacional (18 casos). Embora apresente atuação exclusiva no mercado doméstico, este grupo tornou-se relevante para a análise à medida que serviu de comparação com os demais. Além disso, em face das variáveis contempladas no estudo, foi possível verificar os fatores que poderiam explicar o fato das empresas desse grupo não apresentarem envolvimento internacional.

O segundo grupo, denominado relutante, caracteriza-se pelas empresas que, apesar de apresentarem envolvimento internacional, evitam ligações externas de maior comprometimento e envolvimento (14 casos). As empresas desse grupo apresentam baixo comprometimento e envolvimento internacional uma vez que a estratégia de internacionalização focaliza predominantemente atividades comerciais (exportações e importações) indiretas, isto é, atividades que se desenvolvem através de empresas intermediárias (trading companies, agentes de exportação e importação, entre outros). Acrescente-se que as empresas do grupo apresentam baixo número de eventos internacionalizantes (em média dois), e oscilam entre momentos ou anos de atividade e inatividade internacional.

Já as empresas do grupo ativo (20 casos) foram assim denominadas pelo fato de apresentarem ligações externas de maior envolvimento e comprometimento do que o grupo relutante, e também por apresentarem maior nível de atividades e eventos relacionados a expansão internacional (em média seis eventos internacionalizantes). A lógica estratégica predominante do grupo é revelada pela predominância de atividades comerciais diretas apoiadas por atividades promocionais no Brasil e no exterior; ainda que a maior parte das vendas das empresas desse grupo se vincule às atividades comerciais no mercado nacional, é significativa a maior relevância dada ao mercado externo Ademais, além da predominância de atividades comerciais diretas no grupo, o desenvolvimento internacional dessas empresas abrange atividades de maior complexidade e envolvimento, tais como as compreendidas por ligações contratuais e de investimento direto no exterior. Em outras palavras, as ligações

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externas deste grupo não estão restritas às atividades comerciais como às do grupo relutante. Das observações anteriores, cabe ressaltar que os diferentes modos de respostas

estratégicas identificados não compreendem estágios de internacionalização, segundo supõem as teorias comportamentais de internacionalização. Ainda que se pudesse sugerir que organizações do grupo relutante estão em estágio anterior ao desenvolvimento da internacionalização ativa, o modelo conceitual utilizado neste estudo evidencia que as ações e atividades internacionais das empresas que formam cada um dos três grupos caracterizados (doméstico, relutante e ativo) revelam diferentes elaborações ou respostas estratégicas, em face das influências do ambiente e dos recursos, mediado pelos esquemas interpretativos dos dirigentes organizacionais. Nessa direção faz-se importante aprofundar as influências de cada um desses fatores sobre a formação dos modos estratégicos de internacionalização. Recursos

A caracterização dos recursos disponíveis nas indústrias de alimentos amostradas neste estudo desenvolveu-se a partir dos três grupos estratégicos de internacionalização.

Quatro categorias de recursos foram contempladas na coleta dos dados primários (financeiros, físicos, humanos e organizacionais). Com o objetivo de verificar a influência dos recursos sobre a internacionalização, 20 indicadores de recursos foram distribuídos entre as quatro categorias assinaladas, conforme se ilustra no Quadro 3.

Quadro 3: Indicadores de Recursos

Indicadores de recursos Financeiros 1. Faturamento bruto médio 2. Percentual médio de crescimento da prod. (últimos três anos) 3. Necessidade de capital de terceiros para financiar produção e fluxo de caixa 4. Freqüência de acesso a linhas de crédito governamental p/ desenvolvimento Físicos 5. Idade média das máquinas e equipamentos 6. Capacidade de produção padronizada (escore Z) 7. Proporção entre nr. de empregados e capacidade de produção (escore Z) 8. Nível de operação da capacidade de produção instalada Humanos 9. Número de dirigentes responsáveis pelas decisões estratégicas na empresa 10. Experiência média dos dirigentes no setor de alimentos 11. Nível de escolaridade média dos dirigentes 12. Freqüência de dirigentes com experiência em neg. internacionais antes de fundar/juntar-se à empresa 13. Freqüência de dirigentes com fluência em língua estrangeira antes de fundar/juntar-se à empresa Organizacionais 14. Porte 15. Idade 16. Produtos novos lançados no mercado nos últimos três anos 17. Percentual do faturamento investido em marketing, promoção e divulgação 18. Predisposição estratégica ao risco 19. Relevância dada ao mercado externo 20. Relacionamento com elementos da cadeia produtiva FONTE: Dados primários da pesquisa

Já na Tabela 1 são apresentados os seis indicadores de recursos cujas diferenças foram significativas entre os grupos ao nível 0,05 sendo: a) dois relacionados a recursos financeiros; b) um a recursos físicos; c) um a recursos humanos; e d) dois a recursos organizacionais.

Em termos de recursos financeiros, verificou-se que as empresas de maior envolvimento internacional (grupo ativo) possuem significativamente maior movimentação de recursos financeiros no que diz respeito ao faturamento bruto e também a capacidade de acesso a linhas de crédito governamental para o desenvolvimento. Em relação a este último indicador, verificou-se que não há diferenças significativas entre as empresas dos grupos ativo e relutante (Mann-Whitney U = 105,500; p = 0,410).

Da mesma forma em relação aos recursos físicos, a capacidade de produção instalada

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mostrou-se significativamente maior para o grupo ativo. No caso, a superioridade na capacidade de produção das empresas do grupo ativo possui forte vinculo com o fato de que as empresas deste grupo têm significativamente maior porte, tanto no que diz respeito ao volume de movimentação financeira como ao número de funcionários.

Tabela 1 – Diferenças Significativas de Recursos entre Grupos Estratégicos

Grupo Indicadores de Recursos

Doméstico Relutante Ativo Teste Valor (P)

Financeiros Faturamento bruto médio ξ = R$ 14,8 milhões ξ = R$ 26 milhões ξ = R$ 255 milhões K-W χ2 =

12,841 0,002

Freqüência de acesso a linhas de crédito governamental p/ desenvolvimento

Raro (1/17 = 5,9%)

Média (7/13 = 53,9%)

Freqüente (13/19 = 68,4%)

P χ2 =

15,201 0,001

Físicos Capacidade de produção padronizada (escore Z)

ξ = - 0,40 ξ = - 0,31 ξ = 0,53 K-W χ2 =

11,362 0,003

Humanos Nível de escolaridade média dos dirigentes

Predominantemente médio

(6/17 = 35,3%) e superior

(7/17 = 41,2%)

Predominantemente superior

(9/14 = 64,3%) e especialização (4/14 = 28,6%)

Predominantemente superior

(11/20 = 55%) e especialização

(8/20 = 40%)

P χ2 = 14,431

p = 0,025

Organizacionais Porte Predominantemente

pequeno (14/18 = 77,8%)

Predominantemente pequeno

(11/14 = 78,6%)

Predominantemente grande

(11/20 = 55%)

P χ2 = 22,226

p = 0,000

Relevância dada ao mercado externo

Baixa (ξ = 2,50)

Média (ξ = 4,31)

Alta (ξ = 5,9)

K-W χ2 = 20,757

0,000

FONTE: Dados primários da pesquisa Ao se focar os recursos humanos, evidencia-se o fato de que as empresas do grupo

ativo possuem corpo de dirigentes com nível de escolaridade significativamente maior que empresas dos grupos doméstico e relutante. Já em relação aos recursos organizacionais destaca-se o fato das empresas do grupo ativo deter maior porte organizacional, considerando o número de funcionários. Além disso, a relevância dada ao mercado externo pelas empresas do grupo ativo enquanto recurso organizacional constituiu indicador de recurso distinto em relação ao grupo de maior envolvimento internacional em relação aos demais.

Das considerações anteriores, três aspectos parecem apresentar maior relevância explicativa nas estratégias de internacionalização das empresas amostradas, são eles: a) o porte da organização; b) a capacidade de adquirir capital financeiro; c) o nível educacional dos dirigentes. Observa-se que se desconsiderou discutir a influência do maior volume de movimentação financeira (faturamento bruto) e da capacidade de produção, em face da constatação de que a superioridade nesses indicadores em grande parte está expresso no porte da organização. Também a relevância dada ao mercado externo não foi considerada, uma vez que os dados não oferecem subsídios para se verificar se a maior relevância para o mercado externo das empresas do grupo ativo se dá pelo fato destas empresas apresentarem maior envolvimento e comprometido com atividades internacionais ou ainda se a relevância para o mercado externo já era significativamente maior antes do início do processo de internacionalização.

Concluída a breve análise do fator recursos, na próxima seção apresentam-se os resultados concernentes à mediação dos esquemas interpretativos, em face das pressões ambientais e dos recursos, sobre as estratégias de internacionalização. Oportunamente, se retornará para a análise da influência dos recursos sobre a internacionalização.

Esquemas Interpretativos

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A análise dos dados evidenciou que o esquema interpretativo dos dirigentes organizacionais das empresas que constituem cada um dos grupos estratégicos de internacionalização possui níveis de referência ambiental distintos. As distinções no que diz respeito à amplitude em relação ao nível de referência ambiental de cada grupo (regional, nacional ou internacional) são evidenciadas no Gráfico 1.

Gráfico 1: Mediana das Questões Relativas ao Contexto Ambiental de Referência dos Três Grupos

0

0 , 5

1

1 , 5

2

2 , 5

3q .4 9

q.5 0

q.5 1

q .5 3

q.5 4

q.5 5

D omés tico Relutante Ativo

FONTE: Dados primários da pesquisa NOTA: As diferenças entre as medianas são significativas ao nível 0,05 entre os grupos doméstico e relutante (M-W = 6,000; p = 0,022), e doméstico e ativo (M-W = 3,000; p = 0,012). Entre o grupo relutante e ativo não há diferenças significativas ao nível 0,05 (M-W = 9,000; p = 0,058).

Observa-se que o grupo doméstico compreende aquele cujo contexto ambiental de referência apresenta-se mais restrito, com orientação predominante para o nível regional. Já o grupo relutante apresenta contexto de referência mais amplo, com orientação para o nível nacional. Por fim o grupo ativo caracteriza-se por apresentar contexto ambiental que mescla os níveis nacional e internacional. As constatações anteriores são interessantes à medida que corroboram a hipótese de que as empresas alimentícias em estudo possuem níveis de referência ambiental distintos. Tal verificação constitui evidência empírica para a hipótese apontada por Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (2000) de que as organizações diferenciam cognitivamente o ambiente. Assim, apesar de situadas proximamente em termos físicos e participarem do mesmo contexto global de competição, as organizações concebem e delimitam cognitivamente diferentes níveis de referência para orientarem a sua atuação. A análise dessas evidências revelou correlação significativa entre a estratégia de internacionalização característica de cada grupo e os significados subjacentes atribuídos à internacionalização nos níveis ambientais de referência selecionados pela valoração interpretativa dos dirigentes organizacionais. O teste de Spearmann revela que correlação entre a mediana do contexto de referência ambiental e os grupos de internacionalização é positiva e significativa ao nível 0,001 (Spearmann = 0,762, p = 0,0000). A correlação observada entre o contexto ambiental de referência e o envolvimento internacional das empresas é relevante à medida que se observa a convergência entre valores ou significados subjacentes ao contexto ambiental de referência (vide Quadro 2) e as

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estratégias de efetivo envolvimento internacional das empresas de alimentos amostradas. Em outras palavras, verificou-se que os modos estratégicos doméstico, relutante e ativo são coerentes com os valores, significados e entendimentos relativos a internacionalização compartilhados no nível do contexto ambiental que as empresas que compõem cada um destes grupos elegeram como referência. Análise das Relações entre as Variáveis e suas Influências sobre a Internacionalização

A partir dos dados coletados analisam-se as influências do ambiente, recursos e interpretação sobre o processo de internacionalização, bem como as contribuições do estudo para o debate sobre homogeneidade e heterogeneidade na formulação de modos estratégicos de internacionalização.

Tabela 2 – Ano de Fundação e Primeira Ligação Externa

Grupo Relutante Grupo Ativo

Fundação 1° ligação Externa Gap Fundação 1° ligação Externa Gap 1956 1990 34 1952 1974 22 1978 2000 22 1960 1984 24 1982 2003 21 1961 1995 34 1983 2003 20 1963 1980 17 1985 2001 16 1964 1980 16 1989 1995 6 1966 1990 24 1992 2003 11 1967 1969 2 1994 2002 8 1968 1972 4 1995 2000 5 1969 1982 13 1997 2002 5 1974 2000 26 1999 1999 0 1977 1985 8 2000 2001 1 1990 1994 4 2002 2002 0 1996 1997 1

1997 2001 4 2000 2003 3

FONTE: Dados primários da pesquisa NOTA: Cinco empresas do grupo ativo e uma do grupo relutante não informaram a ano da primeira ligação externa

As estratégias de internacionalização resultam de pressões do ambiente para o

isomorfismo organizacional através de mecanismos coercitivos, normativos e miméticos. Tendo em vista que os mecanismos de isomorfismo devem ser entendidos tanto como facilitadores quanto como restritivos às possibilidades estratégicas de internacionalização, a constatação mais evidente, conforme é possível visualizar na Tabela 2, é que empresas fundadas a partir de 1990 iniciam o processo de internacionalização mais rapidamente, isto é, com um intervalo (gap) de tempo entre o ano de fundação e o ano da primeira ligação externa menor. Justifica esta constatação o fato de que empresas fundadas após 1990 se depararem com um contexto ambiental mais favorável à internacionalização, com menor índice de pressões regulativas governamentais sobre o processo e, além disso, imersas num contexto substancialmente mais competitivo, em face da entrada de concorrentes estrangeiros. Por outro lado, empresas fundadas antes de 1990 desenvolveram-se em um contexto ambiental caracterizado pelo protecionismo governamental e maior regulação sobre o comércio internacional.

Em face das considerações precedentes, parece evidente que as características e condições do contexto ambiental têm papel de influencia fundamental nas estratégias das organizações do setor alimentício paranaense. No entanto, apesar da importância das influências ambientais isomórficas sobre a adoção de estratégias de internacionalização elas não são suficientes para explicar satisfatoriamente o processo. Na própria medida que as pressões ambientais isomórficas, visualizadas de maneira ampla, parecem explicar a questão da homogeneidade organizacional, essas mesmas pressões quando consideradas em termos de

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esferas e níveis de análise possibilitam descortinar também a heterogeneidade organizacional. Constata-se que o contexto ambiental é excessivamente complexo para caber em esquemas dicotômicos simplificadores.

As observações precedentes revelam que elementos de natureza interna à organização, além de influenciarem o processo, contribuem para explicar a diversidade ou heterogeneidade estratégica relativa à internacionalização. Portanto, destacam-se a influência dos recursos e esquemas interpretativos, em conjunção com os níveis e esferas do contexto ambiental.

Conclusão

As análises efetuadas ressaltaram que as heterogeneidades entre as empresas referem-

se tanto às estratégias de internacionalização como aos recursos possuídos pelas organizações. Desse modo é interessante a relação entre a diversidade estratégica de internacionalização e a heterogeneidade de recursos verificada entre as empresas que compõem cada grupo. Constatou-se que organizações de maior porte, com maior capacidade em adquirir capital financeiro, bem como composta por dirigentes de maior nível educacional apresentam maior envolvimento e comprometimento internacional (grupo ativo). Em contrapartida, organizações de menor porte, com menor capacidade de adquirir capitais financeiros e com dirigentes de menor nível educacional tendem a não apresentar envolvimento internacional (grupo doméstico). Tais evidências indicam que à medida que as organizações possuem ou não determinados recursos ou capacidades, podem ou não, efetivamente, adotar determinadas estratégias de internacionalização ou mesmo iniciarem o processo de internacionalização. Essa observação é coerente com o entendimento teórico de que os recursos são atributos que dão suporte à estratégias de internacionalização que são implementadas pelas organizações.

Observa-se, portanto, que heterogeneidade estratégica em internacionalização vincula-se a diversidade de recursos possuídos pelas organizações. Entretanto, resgatando a noção de que organizações são pressionadas pelo ambiente para a homogeneidade (isomorfismo) como pode ser explicado o desenvolvimento de recursos distintos entre organizações de um mesmo setor? Neste aspecto, ressalta-se a relevância do papel mediador desempenhado pelos esquemas interpretativos dos dirigentes, em face de pressões organizacionais externas e internas.

Entende-se, pois, que apesar das organizações serem pressionadas pelo ambiente em direção ao isomorfismo, verifica-se a ocorrência de heterogeneidade organizacional em razão da diversidade e especificidade dos esquemas interpretativos entre organizações. Nessa linha de análise destaca-se o argumento de Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (1999) de que em virtude da especificidade dos esquemas interpretativos sempre haverá diversidade organizacional. Daí a possibilidade de se argumentar que os esquemas interpretativos condicionam a heterogeneidade de recursos vinculados à explicação dos diferentes modos estratégicos de internacionalização entre as organizações em estudo.

Por outro lado, nota-se que as evidências do estudo apontam que à medida que as organizações interagem e se relacionam, acabam institucionalizando padrões interpretativos relacionados ao nível do contexto ambiental que os dirigentes organizacionais têm como referência. Daí as similaridades nos modos de interpretação e de ação estratégica internacional entre organizações que têm por referência o mesmo nível do contexto ambiental. Assim, uma vez que as organizações compartilham esquemas interpretativos institucionalizados em determinada esfera de referência ambiental passam a desenvolver similaridades tanto em termos de recursos como de estratégias de internacionalização. Esse entendimento foi corroborado ao se verificar que existem diferentes padrões de interpretação e entendimento relativos à internacionalização nos três níveis de referência ambiental, contemplados pelo estudo: regional, nacional e internacional. Destaca-se, ainda, a convergência entre o entendimento relativo à internacionalização em determinado nível de referência ambiental e as ações estratégicas de internacionalização das organizações que se referem a tal contexto.

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A primeira vista o raciocínio desenvolvido pode parecer um aprisionamento da ação dos dirigentes organizacionais na lógica do contexto ambiental que eles têm por referência. No entanto, entende-se que não necessariamente as ações organizacionais estão limitadas apenas aos ditames do contexto ambiental de referência. Nessa direção, resgata-se a noção que envolve a capacidade de agência das organizações enquanto atores sociais. Embora não seja objetivo deste estudo aprofundar essa questão, vale ressaltar a observação de Sewell Jr. (1992) de que as noções de estrutura e agência se pressupõem mutuamente; a efetividade da capacidade de agência se encontra na possibilidade dos atores em estender e transpor schemas para novos contextos. Em outras palavras, entende-se que a capacidade de agência se refere à própria capacidade dos atores utilizarem seus esquemas interpretativos em novas situações ou circunstâncias.

Embora cada um dos modos estratégicos de internacionalização identificados (doméstico, relutante e ativo) expresse diferentes níveis de comprometimento e envolvimento internacional, observou-se que não necessariamente compreendem estágios de internacionalização, mas respostas estratégicas em face de pressões e características do ambiente e recursos das organizações, mediadas pelos esquemas interpretativos dos dirigentes organizacionais.

Ainda que as estratégias de internacionalização estejam sujeitas às condições e influências ambientais, verificou-se que elas não são suficientes para explicar satisfatoriamente os modos estratégicos de internacionalização identificados. Apesar das influências ambientais pressionarem as empresas alimentícias paranaenses para o isomorfismo, ocorreu heterogeneidade entre elas. Foram verificadas heterogeneidades organizacionais significativas tanto em relação às estratégias de internacionalização (empresas internacionalizadas e não internacionalizadas), como em relação aos recursos possuídos pelas organizações. Assim, relacionou-se a diversidade estratégica de internacionalização à heterogeneidade de recursos, tal como proposto pela visão baseada em recursos. Nessa linha de análise, a heterogeneidade de recursos pode ser utilizada para explicar o maior ou menor envolvimento internacional das empresas, expresso em seus respectivos modos estratégicos de internacionalização. No caso, três indicadores de recursos apresentaram variações significativas entre os grupos, são eles: porte, capacidade de adquirir capital financeiro e nível educacional dos dirigentes. Organizações de maior porte, com maior capacidade de adquirir capital financeiro e com dirigentes de maior nível educacional apresentaram maior envolvimento e comprometimento internacional.

Em suma: com base nas análises relativas à mediação cognitiva dos esquemas interpretativos dos dirigentes organizacionais e o processo de institucionalização em níveis ambientais de referência, verificou-se que os esquemas interpretativos exercem papel fundamental no processo de internacionalização, em face das pressões do ambiente e recursos. Em primeiro lugar, os esquemas interpretativos estabelecem o nível de referência ambiental do qual a organização retira padrões, normas sociais, valores, entendimentos e significados relacionados à internacionalização. Em segundo lugar, posicionam-se como filtros entre aquilo que é externo e interno às organizações, definindo as pressões e influências que serão percebidas pela organização. Em terceiro lugar, orientam os recursos a serem mais valorizados e desenvolvidos pela organização. Em quarto lugar, orientam o próprio processo de elaboração e formulação estratégica de internacionalização.

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