amazonia pombalina i-4

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......................... Carta I LMº e Exmº Sr. meu irmão do meu coração: Pela Conta inclusa verá V. Exª o que sem causa ou prejuízo algum me sucedeu com este ministro: 108 eu o tenho sentido como V. Exª deve crer, porém estas são das que não têm remédio. Este homem é daqueles a quem nós chamamos tolambares, soberbo, impertinente e amigo de que haja bastantes assinaturas, para o que lhe dá todo o jeito, sendo uma das provas o da petição do preso que remeto junto à Conta, que, correndo folha depois de estar na cadeia, 108 Este Ministro: isto é, o Ouvidor-Geral do Estado, Bacharel Manuel Luís Pereira de Melo. A razão por que F.X.M.F. tanto padeceu nas mãos desse bacharel, encontra- mo-la nos seguintes dispositivos de lei: ) C. R. de 22-1-1623, de Filipe III. ) C. Régias de 7-X-1709, de 13-III-1712, e de 6-VIII-1715, de D. João V. ) Alvará de 13-IX-1715, de D. João V. ) C. R. de 1-XII-1721, também de D. João V; com o fim especial de coibir abusos de autoridade cometidos pelo governador do Maranhão Bernardo Perei- ra de Berredo; cuja posse se deu a 18-VI-1718, e governou até 19-VII-1723; foi quando se estabeleceu que as prisões sem processo somente podiam se dar até o máximo de 8 dias; passados os quais os ouvidores poderiam providenciar a sol- tura dos presos. ) Provisão régia de 26-VI-1732, e ainda outros dispositivos de lei aqui não mencionados. Vide cartas 12 e 22.

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A Amazônia na Era Pombalina

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  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    3 Carta

    ILM e Exm Sr. meu irmo do meu corao:Pela Conta inclusa ver V. Ex o que sem causa ou prejuzo

    algum me sucedeu com este ministro:108 eu o tenho sentido como V.Ex deve crer, porm estas so das que no tm remdio.

    Este homem daqueles a quem ns chamamos tolambares,soberbo, impertinente e amigo de que haja bastantes assinaturas, para oque lhe d todo o jeito, sendo uma das provas o da petio do preso queremeto junto Conta, que, correndo folha depois de estar na cadeia,

    108 Este Ministro: isto , o Ouvidor-Geral do Estado, Bacharel Manuel Lus Pereirade Melo.A razo por que F.X.M.F. tanto padeceu nas mos desse bacharel, encontra-mo-la nos seguintes dispositivos de lei:1) C. R. de 22-1-1623, de Filipe III.2) C. Rgias de 7-X-1709, de 13-III-1712, e de 6-VIII-1715, de D. Joo V.3) Alvar de 13-IX-1715, de D. Joo V.4) C. R. de 1-XII-1721, tambm de D. Joo V; com o fim especial de coibirabusos de autoridade cometidos pelo governador do Maranho Bernardo Perei-ra de Berredo; cuja posse se deu a 18-VI-1718, e governou at 19-VII-1723; foiquando se estabeleceu que as prises sem processo somente podiam se dar at omximo de 8 dias; passados os quais os ouvidores poderiam providenciar a sol-tura dos presos.5) Proviso rgia de 26-VI-1732, e ainda outros dispositivos de lei aqui nomencionados. Vide cartas 12 e 22.

  • no tornando a sair dela, e requerendo-lhe que mandasse cumprir o seudegredo, lhe no quis a deferir sem que corresse novamente folha, por-que daqui lhe vinha uma pequena assinatura.

    Este homem, alm do seu mau gnio, tem feito mil desprop-sitos por querer salvar o Ouvidor que acabou, e, vendo que a residnciano ia direita, entrou a ameaar a todos os que juraram contra ele e a to-mar sobre si o ngocio com uma paixo desordenada e escandalosa, equando e o chamei e lhe mostrei os ofcios do Sindicante, em que merepresentava lhe mandasse dar a providncia que o dito ministro me re-queria, tanto para a segurana do homiziado como dos exames que que-ria fazer com aqueles escrives, no mesmo instante despropositou erompeu na quantidade de excessos, desatinos e insultos que refiro namesma Conta.

    Eu no podia deixar de o dar, porque, ainda que dissimulei ahistria como devia, ele teve o acordo de a publicar e gabar-se dela ese se publica de sorte que eu estava com o cuidado de que se fosse ne-cessrio alguma informao no haveria mais testemunha que o Secre-trio deste Governo; agora no s h todos os moradores desta terra,mas at quantos gurumetes vo na frota, creio que sero raros os que aignoram.

    Esta a primeira histria que me sucede neste Governo; esteministro me perdeu o respeito, incivil e despropositadamente, quandoeu estava obrando em ofcio, em jurisdio dada por el-Rei, como se vdos do meu Regimento,109 do qual remeto a cpia, e se este no ocaso de se me dar uma satisfao, no sei.

    Eu no peo na Conta que dou, mas certo que se ma noderem, nem poderei conservar o respeito, nem em conseqncia podereifazer coisa boa, porque afirmo a V. Ex que, neste Governo igualmen-te essencial o conservar o Governador o respeito e a independncia;esta espero em Deus que a hei de conservar ilesa; aquele, preciso quemeu Amo mo sustente, principalmente com ministros a quem eu nem

    160 Marcos Carneiro de Mendona

    109 do meu Regimento: Instrues que lhe foram passadas a 31 de maio de 1751.

  • devo nem posso castigar110 e no tenho recurso mais do que represen-tar a S. Maj.

    Eu ainda no posso fazer juzo certo da verdade e honra des-te ministro, mas por vrios fatos assento que, quando no haja maisnada, tem a infelicidade de imaginar s avessas e de patrocinar aos queno devem ser protegidos.

    Deixei no Maranho tirando duas residncias a dois homensque imaginavam bem diversamente e com costumes bem encontrados.

    Uma era a do miservel capito-mor111 que tinha achado emum milho de absurdos, conforme era notrio naquela terra, e assim medeu conta o Sindicante, que constava da Devassa, e assim se conservouat o dia 31 de agosto em que eu sa do Maranho, e em que a ditaDevassa estava finda, ou quase acabada.

    Vindo aqui, o mesmo ministro me disse que tudo eram teste-munhos e que ele aclarara a verdade; se assim como ele me disse, fezum milagre em pouco tempo.

    A outra residncia foi a do ouvidor que acabou,112 que umministro com as qualidades que eu informarei a V. Ex em outra. A estedeu por todos os modos para ver se achava meio de o descompor; creioque no haveria uma nica testemunha que se atrevesse a jurar contraele por ter naquela terra uma geral aclamao; no sei se a Conta irigual Devassa.

    Aqui veio a querer salvar o seu antecessor, fazendo para oconseguir quantos excessos no s lhe lembraram mas lhe ministraramos poucos ou raros apaixonados do Sindicado.

    Este bacharel113 tem tomado teima com governadores; dis-se-me que fizera depor dois na ilha de So Miguel; no ser certamenteo que ele diz, mas sempre brigou com eles. Foi no Maranho, onde

    A Amaznia na era pombalina 161

    110 Ministros a quem eu nem devo nem posso castigar: por dispositivos de lei antesaqui mencionadas.

    111 Miservel Capito-Mor do Maranho:112 Ouvidor que acabou: Bacharel Lus Duarte Freire.113 Este bacharel: Manuel Lus.

  • esteve hspede, atacou e insultou diante de bastante gente ao pobreLus de Vasconcelos.114 Veio ao Par, e insultou-me a mim, com que pa-rece-me que para este ministro servir bem a S. Maj. necessrio porem-noem uma terra onde no haja governadores, porque gente a quem ele temtomado dio, e no possvel que se conserve em paz com eles, nem eucom semelhante ministro poderei continuar com o acerto que desejo, enestes termos ser preciso que S. Maj. d um remdio pronto em que seadministre justia sem embarao, o qual j se principiou a perturbar com anegao de jurisdio que ele logo me fez no informe dos alvars de fiana,ficando desta forma padecendo os pobres presos, e os que no esto homi-ziados, quando deveram tratar dos seus livramentos.

    Basta j de bacharel, e fico para servir a V. Ex como devo.Deus guarde a V. Ex muitos anos. Par, 6 de dezembro de 1751.

    Ilm e Exm Snr.: Assaz tenho importunado a V. Ex comCartas de Ofcio e se no tivera a forosa obrigao de ir aos ps de V.Ex, no s a segurar-lhe o meu fiel obsquio, mas o quanto desejo acerteza de que V. Ex passa sem a mais leve molstia, e logrando umaperfeitssima sade, deixaria de tomar-lhe mais tempo com esta particular.Porm V. Ex, bem conhece que nem devo, nem posso deixar de satis-fazer a uma to precisa e gostosa obrigao. Eu informei a V. Ex de to-dos aqueles fatos e negcios interessantes a que pode chegar a minhapequena compreenso; entre todas as Contas nenhuma, certamente,se far mais nova a V. Ex que a imprudncia com que se houve co-migo o Ouvidor-Geral desta Capitania, e sem dvida se faz incrvel, e

    162 Marcos Carneiro de Mendona

    114 Ao pobre Lus de Vasconcelos Lobo: nomeado a 17 de abril de 1751 governa-dor do Maranho, subordinado ao novo governador e capito-general do Mara-nho e Gro-Par Francisco Xavier de Mendona Furtado. Faleceu no Mara-nho a 11 de dezembro de 1752. Vide anais da Biblioteca e do Arquivo Pblicodo Par, t. II, 36, 38 e 39. Sucedeu-lhe no governo o Brigadeiro Gonalo PereiraLobato de Sousa, pai do Capito Joo Pereira Caldas, por sua vez nomeado Go-vernador do Estado do Gro-Par e Rio Negro a 8 de outubro de 1772. Lus deVasconcelos tomara posse em S. Lus do Maranho a 28 de agosto de 1751.Vide carta de 20 de dezembro de 1751, escrita de Belm do Par, ao Marqus dePenalva. (M.)

  • at eu mesmo com quem sucedeu o caso o estou duvidando a cadainstante; me parece que foi sonho, porque no fcil de crer que umhomem Ministro, sem fundamento ou propsito algum, nas circunstn-cias presentes, se quisesse precipitar ao ltimo ponto.

    Porm tudo h no mundo, e conservaram este Ministro maisde nove anos de fora para me vir inquietar, e perder-me o respeito semcausa alguma, e o pior que no havendo testemunhas algumas do caso,mais do que o secretrio do governo,115 ele tem feito com que haja bas-tantes, porque se tem gabado mesma gente, concluindo a prtica, queeu me calara.

    Eu no tenho feito caso do negcio, nem falado em tal, e odissimulo quanto cabe na possibilidade porque nestas terras de traba-lhosas conseqncias, o ouvir ou admitir praticar em negcio desta na-tureza. Entre o muito que tenho que me d grandssimo cuidado entran-do a governar um Estado perdido, at havia de vir para meu companheiroum Ministro que no me pode servir para o Conselho, nem para a con-ferncia, mas somente para a perturbao, seja pelo amor de Deus, quenem este pequeno alvio tenho a que me tome.

    Nesta Capitania necessitava-se de um Ministro prudente, dou-to, pacfico, que no lembrasse mais do que o bem comum, a conserva-o e aumento do Estado, e que finalmente tivesse todas as circunstn-cias que eu reconheo que faltam em mim, para me poder socorrer como Conselho, e cuidarmos ambos mui sria e eficazmente no modo porque poderamos ver se achvamos meio de infundir alguns espritos aeste miservel cadver, se que lho pudssemos descobrir remdio.

    Aqui vim achar o Bispo desta Capitania, o qual seguro a V.Ex que um Prelado que alm de concorrerem nele todas aquelas cir-cunstncias que constituem um verdadeiro pastor, at concorrem as deum benemrito vassalo de S. Maj., porque em tudo o que diz respeito aoReal Servio, se interessa como se fosse da sua obrigao, e me fala emtudo o que lhe diz respeito com um zelo ardentssimo. Eu tenho estimadoinfinitamente ach-lo nesta Cidade, e parece-me que alm de que faze-mos uma boa sociedade se h de interessar igualmente comigo, paratudo o que for do servio de S. Maj.

    A Amaznia na era pombalina 163

    115 Secretrio do governo: Joo Antnio Pinto da Silva.

  • Com grande mgoa minha se recolhe para essa Corte o bacha-rel Joo da Cruz Diniz Pinheiro, ouvidor que acabou na Capitania do Ma-ranho, Ministro que eu nunca conheci, nem ouvi nomear, porm a geralaclamao que achei dele naquela terra, as informaes particulares quetive do seu procedimento, me fizeram principiar a formar conceito dele,no qual me confirmei depois que tratei pessoalmente, porque achei quealm do que me tinham dito, que tinha cuidado em se instruir nos interes-ses do Estado, no conhecimento dos sertes, por onde vagou em correi-o; que nele se tinha instrudo das plantaes, do modo de imaginar dasgentes, dos seus costumes, e me tem socorrido com notcias interessantesque eu na averiguao que fiz de muitas as achei exatssimas.

    Bem quisera eu que ele agora principiasse o seu lugar, e quese no fosse, porque em eu vendo Ministro com as circunstncias queconcorrem neste no o quisera separar de mim, porque necessito doConselho de todos.

    Ora, Senhor Excelentssimo, deixemos j negcios; que setm ocorrido depois que cheguei a este Estado, me no esqueci nuncade aproveitar toda a ocasio em que pudesse no s de dar gosto a V.Ex, mas de ter a honra de servi-lo.

    Lembra-me ouvir dizer a V. Ex, na sua quinta da Junquei-ra,116 que tinha a curiosidade de conservar sempre em sua casa aguar-dente de cana. Logo que aqui cheguei fiz diligncia porque aparecessealguma boa. Achei a que entregar a V. Ex o Capito-de-Mar-e-GuerraGonalo Xavier de Barros, em um barril. Dizem os entendedores que excelente, estimarei que V. Ex a ache com esta qualidade.

    Ainda no tive tempo de poder buscar alguma rvore, ouplanta curiosa para poder oferecer a V. Ex para o seu jardim. Comofico com mais tempo, e menos que fazer, na frota do ano que vem espe-ro ter o gosto de remeter alguma curiosidade para a Junqueira.

    Peo a V. Ex que queira desculpar-me e oferecer-lhe essa amos-tra de caf deste pas,117 e que me d repetidas ocasies de servi-lo, emcujo exerccio me empregarei sempre com a mais obsequiosa, rendida e fiel

    164 Marcos Carneiro de Mendona

    116 Quinta da Junqueira: no atingida pelo terremoto de 1 de novembro de 1755.117 Amostra de caf deste pas.

  • obedincia. Guarde Deus a V. Ex muitos anos. Belm do Par, em 9 dedezembro de 1751 Ilm e Exm Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Londres, I-20.954

    Ilm Sr Meu amigo e meu Sr. do meu corao: Ainda quetenho o tempo bastantemente ocupado, quero furtar o pouco que bastapara lhe ir segurar o quanto desejo a certeza de que voc tem passadocom a sua costumada sade para a empregar nas utilssimas curiosidadesa que com tanto acerto se tem aplicado. Eu fiz a minha viagem combom sucesso, mas nela passei com bastante molstia.

    Cheguei a esta cidade no dia 21 de setembro, e tomei posse a24, dia da nossa Padroeira.

    O clima calidssimo e sumamente irregular, no tem tantode sadio como me diziam. Como os poros andam sempre abertos, e derepente vm umas grandes ventanias, h infinitas constipaes e bastan-tes estupores, necessrio grande cuidado em no aproveitar o fresco.As noites ordinariamente so excelentes; porm sempre clima total-mente oposto ao nosso, e na linha equinocial.

    Socorra-me voc com novas, e recomende-me a seu irmo, esempre quero servi-lo com a mais obsequiosa vontade, e a Deus que oguarde muitos anos. Par, 10 de dezembro de 1751. Ilm Sr. Martinhode Melo e Castro.

    Londres, II-20.998

    N 4 Ilm e Exm Senhor Por proviso de S. Maj. de 4 demaio do presente ano, foi S. Maj. servido fazer-me a merc, por ajuda decusto, de que vencesse soldo desde o dia do embarque, assim como setinha feito aos mais Governadores deste Estado.

    Embarquei em Lisboa no dia 12 de junho, como consta dacertido junta. No dia 26 de julho dei fundo na enseada de S. Marcos,e no mesmo dia embarquei no escaler da nau com o Governador da

    A Amaznia na era pombalina 165

  • Capitania do Maranho, e desembarcamos naquele porto pelas duashoras da tarde.

    Naquela cidade me dilatei at deixar de posse ao novo Gover-nador e me embarquei outra vez no dia 29. A trinta se fez a nau a vela,pelas trs horas da tarde, e pelas sete da noite deu em cima de um baixo,de cujo perigo escapamos com trabalho. E nele perdemos o leme, porcuja razo foi preciso tornar a arribar ao Maranho, adonde desembar-quei em primeiro de agosto.

    Como a nau no podia consertar fora da barra, foi precisoentrar naquele porto, adonde por falta de meios no podia deixar deter dilao. Como ali me deveria demorar, entrei a tomar o conheci-mento naquele, digo, conhecimento do estado da terra, e nela traba-lhei, o que constar a S. Maj. pelas contas que dou, pertencentes quelaCapitania.

    Dando-me a notcia de que uma aldeia que fora administradapelos Reverendos do Carmo, na margem do rio Turiau, se achavahavia quatorze anos sem missionrio, ordenei aos ditos religiosos quelogo lhe mandasse pr, e persuadindo-me a que, ou haveria demora ouem me eu ausentando ficaria no mesmo estado, foi preciso fazer ajornada por terra, e dizer-lhes que se eu no achasse missionrio naaldeia, eu lhe deixaria sem dvida.

    No ltimo de agosto, sete dias antes de partir a nau, sadaquela cidade e quando cheguei aldeia j l estava o missionrio quetinha chegado na vspera, e continuando a minha jornada, no dia vintede setembro pelas nove horas da noite cheguei a esta cidade, e a 24tomei posse do governo.

    Pela relao acima, se v que a 18 de agosto se findaram osdois meses que S. Maj., foi servido prevenir para a viagem, e que da-quele dia ao de 24 de setembro, em que tomei posse, fiquei sem soldo;que neste mesmo tempo fiz a grande despesa a que obriga uma jorna-da por terra, e que em todo ele me ocupei no servio de S. Maj., comoa S. Maj. ser presente pelas interessantes contas que ponho na realpresena de S. Maj., esperando da sua real grandeza me queira fazer amerc de me mandar abonar aquele tempo que medeou entre o dia 12 (?)

    166 Marcos Carneiro de Mendona

  • de agosto, em que se findou o trato da graa, e o de 24, em que tomeiposse deste governo.

    DS. Ge. a V. Ex ms. Anos. Par, 10 de dezembro de 1751.

    Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Londres, II-20.998.

    11 Ilm e Exm Sr. Achando a notcia de que neste Esta-do havia uma planta que imitava o nosso lindo Canimo [Cnhamo] logoque cheguei ao Maranho entrei a fazer a diligncia para ver e trazen-do-me uma amostra me pareceu excelente e que poderia ser de umagrande utilidade.

    As notcias que achei desta planta so de que nasce pelo mato,e que mui pouca ou rara a que se pe em alguma roa.

    Que sem mais trabalho que limpar-lhe alguma erva, seria emabundncia, e que depois de colhida, com suma facilidade se lhe tira acasca e fica no estado em que a remeto.

    Que desta planta a que chamam carau se fazem quase todasas cordas das redes, que so as camas em que dormem todas estas gen-tes, que sendo to delgadas, como V. Ex ver das que remeto, duram demodo ordinrio quatro anos, e na aldeia do Maracu estive deitado emuma rede que havia oito que tinha a mesma corda porque o padre daCompanhia, que era dono dela, teve a curiosidade de dar-lhe uma tinta,como se costuma dar s redes dos pescadores, e estava em termos dedurar outros tantos anos.

    Que dela tambm se faziam linhas de pescar e algumas redespara o mesmo uso.

    Afirmaram-me no Maranho que algumas pessoas mandaramfiar este linho e tinham feito meias brancas dele, porm que eram maissperas que as do linho de Portugal.

    Tambm me seguraram, geralmente, no serto, fazem do ditolinho cordas de rebeca, que uma demonstrao da sua fortaleza.

    Um mestre de uma pequena sumaca, que navegava do Ma-ranho para a Vila de Sto. Antnio de Alcntara de Tapuitapera, me

    A Amaznia na era pombalina 167

  • afirmou que fizera umas escotas do seu velacho deste linho, de que seservira quatro ou cinco anos, e que ainda agora as aproveitara em outroministrio.

    Se nas experincias que se fizerem se achar que ele serve paraenxrcias ou ao menos para cabos de laborar, imagino que temos neleum tesouro, slido, e que nos ficaro no reino as importantssimassomas que todos os anos saem dele, a troco das ms enxrcias e cabosque recebemos da mo dos estrangeiros.

    Nas experincias, julgo grande perigo se as sonharem osestrangeiros, porque eles no ho de ignorar as perniciosas conseqnciasque se lhes seguem, de ns termos este gnero precioso, porque eles noslevam tanto dinheiro, e por isso me parece necessrio toda a cautela, econfiar-se este negcio quela pessoa que S. Maj. entender que o h deinformar com o zelo, verdade e honra, que to importante negciomerece, porque certamente h de ter contra si todo o formidvel corpode negcio do Norte, e os que com eles se interessam, por farsa da suaconvenincia, que tanta gente quanta V. Ex bem compreende; e to-dos ho de trabalhar por que semelhante gnero se no aprove, para as-sim sustentarem o grosso ramo de comrcio que fazem, no s com osarmazns reais, mas com os mercantes.

    Enfim, V. Ex conhece muito melhor do que eu o interesse deque este negcio e lhe ser sumamente fcil, com a sua grande com-preenso, o faz-lo til ao reino.

    V. Ex se servir de pr esta notcia na presena de S. Maj.para mandar nesta matria executar o que for mais do seu real servio.Deus guarde V. Ex muitos anos. Par, 11 de dezembro de 1751. Sr.Diogo de Mendona Corte-Real.

    Londres, II-20.998.

    3 Ilm, e Exm Sr. Quando sentei praa na Vedoria destaCapitania, mandei pr uma apostila no livro, para somente cobrar nestaVedoria Rs. 1:600$000, como consta da certido junta, e representar a S.Maj. que de Lisboa me h de vir muita parte do provimento para mi-

    168 Marcos Carneiro de Mendona

  • nha casa e vestidos para mim e para minha famlia, cobrando eu aquitoda a quantidade.

    Se faz impossvel que eu possa mandar vir cousa alguma paraos gastos de minha casa, por no haver meio com que o possa fazer,sem transgredir inteiramente as leis de S. Maj.

    Porque no h outro meio de remeter desta terra para Lisboamais do que em gneros, ou em moeda provincial; em moeda provincial,, sem duvida, defendido, porque em poucos anos se extinguir a esp-cie que gira, e ficar o povo em maior necessidade do que se acha.

    Em gneros, um verdadeiro negcio, proibido aos Governa-dores, por infinitas leis de S. Maj.; e por no faltar a uma e outra cousame no ocorreu outro meio mais do que representar a S. Maj. o referido,para que se digne fazer-me a merc de mandar-me completar o soldonessa Corte, inteirando-se os sete mil cruzados que S. Maj. foi servidomandar-me dar cada ano; por ser este s nico meio de eu poder aquisubsistir, sem faltar s justssimas leis de S. Maj., nesta matria. DeusGuarde a V. Ex muitos anos. Par, 13 de dezembro de 1751. Sr. Diogode Mendona Corte-Real.

    Londres, II-20.998.

    Doc. n 50 SENHOR A notcia que pude adquirir, emconseqncia desta real ordem de V. Maj., que no rio Negro vem desa-guar o rio Branco, e oito dias de viagem por este acima e a ocidentedele, se acha outro chamado Tacutu,118 pelo qual antigamente costuma-vam os holandeses vir comerciar com os nossos, e a poucos anos tmrepetido por esta parte as entradas pelo serto do rio Negro, a resgatarescravos, que levam para as suas terras; e querendo no ano de 1749opr-se-lhes a esta diligncia uns ndios da Misso de Aricar, os taisholandeses lhes atiraram vrios tiros, de maneira que lhes foi forosoretirar-se para sua Misso.

    A Amaznia na era pombalina 169

    118 Rio Tacutu: foi no mesmo construda a fortaleza de S. Joaquim, ainda hoje aliexistente; destinada a barrar as entradas dos holandeses que vinham pelo Orinoco,com o fim de negociarem com os ndios daquela regio. (M.)

  • certo que destas entradas se segue mui perniciosas conse-qncias, tanto a nossa Religio como ao servio de V. Maj., porm, emto larga distncia e com as poucas foras que tenho nesta Capitania impossvel poder embaraar semelhantes excessos.

    O meio que me ocorre, unicamente capaz, fazer-se umaPovoao em qualquer das margens do rio Branco, para o que tem exce-lentes campinas, e me dizem que os ares so sumamente temperados;seguindo-se esta diligncia, no s embaraar as entradas dos tais holan-deses, mas aumentar as tais povoaes por estes domnios de V. Maj.,to desertos; e, em conseqncia, as suas reais rendas. Porm, Senhor,esta Capitania est to exaurida de cabedais, como V. Maj. Compreende-r na Conta que dou do estado dela, por cuja razo no possvel queeste Almoxarifado possa concorrer, nem ainda com a menor despesa, aqual no pode deixar de ser avultada, pela dificuldade dos transportespara to grandes distncias, em que ser preciso ao menos 50 dias deviagem. V. Maj. mandar o que for servido. Par, em 13 de dezembro de1751.

    Londres, I-20.994.

    Ilm e Exm Sr Aquela inestimvel honra, que me no possvel conseguir pessoalmente ir aos ps de V. Ex, no s a ofere-cer-lhe o meu obsequioso e reverente respeito, mas a assegurar-lhe oquanto desejo a certeza de que V. Ex passa com a mais constante sade,o fao na forma em que posso, por no faltar precisa, e forosa obri-gao, em que a grandeza de V. Ex h tantos anos me tem constitudo.

    Lembra-me que a ltima vez que tive a honra de estar aos psde V. Ex lhe ouvi dizer que no tempo em que o P. Alexandre de Sousagovernava este Estado lhe fazia o provimento de baunilha para a casa deV. Ex, e logo lhe protestei que eu no cedia quele fidalgo na ambiode ter a honra de servir a V. Ex por cuja razo tomo a confiana de ofe-recer-lhe a caixa delas que lhe h de entregar o Capito-de-Mar-e-GuerraGonalo Xavier de Barros e Alvim.

    Se nesta terra V. Ex achar que tenho alguma cousa em queposso ter a grande honra de servir a V. Ex me achar sempre para este

    170 Marcos Carneiro de Mendona

  • exerccio com aquela rendida obedincia que inseparvel do meu pro-fundo respeito. Guarde Deus a V. Ex muitos anos. Par, em 15 de de-zembro de 1751. Ilm e Exm Sr Condessa do Rio Grande.119

    INSTRUO QUE LEVOU O CAPITO-MOR JOOBATISTA DE OLIVEIRA QUANDO FOI ESTABELECER A

    NOVA VILA DE S. JOS DE MACAP

    Por ser preciso e conveniente aos servios de S. Maj. que nanova povoao e fortaleza do Macap haja uma pessoa que no s con-tenha aqueles novos moradores em paz, mas que tambm os persuadaao trabalho e cultura das terras, no deixando precipitar esta gente noabominvel vcio da preguia, nem no outro igualmente pernicioso que o do desprezo do trabalho manual, o qual tem sido muita parte de sereduzirem esta terra penria e misria em que se acha; e por confiarem que V. merc, com a sua atividade servir a S. Maj. com aquele zelo ehonra com que at agora o tem feito, e que um negcio to importantenecessita; lhe ordeno que por servio do dito Senhor, passe logo quelaPovoao e Fortaleza, adonde far executar as ordens seguintes:

    A primeira coisa em que V. merc deve cuidar, em conser-var em paz e unio a estas gentes, e que vivam em uma recproca amiza-de, fazendo-lhes compreender que um dos principais meios, no s dasua conservao, mas do seu aumento, consiste neste sabido e elementarfundamento, sem o qual no possvel que haja repblica que subsista efloresa; e havendo algum a que no bastem as persuases e o exemplopara o conter em quietao e sossego, neste caso ser preciso que V.merc o castigue como penhor desordem que fizer; porm, se for deli-to maior, que no caiba a punio nos limites da correo particular eeconmica, mo remeter logo a esta Cidade, com auto e informao daculpa para ser castigado conforme as leis de S. Majestade.

    A Amaznia na era pombalina 171

    119 Condessa do Rio Grande: era D. Antonia Maria Francisca Souza Barreto e S,filha herdeira de Francisco Barreto de Menezes, General das Guerras da Restau-rao de Pernambuco; agraciado pelos seus servios com o ttulo de conde, ques veio a verificar-se na pessoa da filha e do marido desta, Lopo Furtado deMendona, 1 Conde do Rio Grande. (M.)

  • Logo que V. merc chegar quela povoao, deve pr todo ocuidado e esforo em persuadir e obrigar a esta gente ao trabalho ecultura das terras, advertindo-lhes que este foi o nico fim para que S.Maj. os mandou transportar para este Estado, e que nele devem seguir amesma vida e trabalho, com que foram criados em suas terras, certifi-cando-lhes da parte de S. Maj. que o trabalho que fizerem pelas suasmos nas suas terras, no os inabilitar para todas aquelas honras a quepelo costume do pas pudessem aspirar; antes pelo contrrio, o que maiorservio render ao pblico neste frutuoso e interessante trabalho de cul-turas das terras, ter preferncia nas ditas honras a todos os mais quenegligenciarem e descuidarem de uma to preciosa e interessante obri-gao.

    Para evitar o abuso que est to arraigado nestas terras de ques os ndios so os que devem trabalhar, e que a todo o branco inju-rioso pegar em instrumento para cultivar as terras, no consentir V.merc que estes povoadores se sirvam de ndio algum para o trabalho dacultura; no de qualquer outro mais que, somente daqueles que lhes estodestinados para pescadores e caadores, enquanto os mesmos povoadoresse no fazem prticos no modo de haverem estes mantimentos; porqueS. Maj. servido que eles se conservem no mesmo exerccio de trabalhoque tinham em suas terras.

    Enquanto l estiverem os ndios da pescaria e caa, far V. mercrepartir tudo em igualdade, de maneira que ningum se queixe de que aspores se fizeram com afeto, faltando boa ordem da distribuio.

    Ainda que defendo que os moradores se sirvam de ndios, secontudo alguns ndios quiserem viver na Povoao com suas famlias, opodero fazer, ficando repartidos como outros quaisquer moradores,sendo-lhes permitido o ganharem o seu jornal como outro qualquer daPovoao, sem diferena alguma.

    Far V. merc muito por adiantar os tujupares para que(enquanto no formam as casas regulares) todos estes moradores sepossam conservar com comodidade, e defender do rigor do tempo.

    Como S. Maj. defende com repetidas ordens todo o comrciocom Caiena, cuja Praa nos fica to vizinha daquela Povoao, ser pre-ciso que V. merc proba e vigie com todo o cuidado que por nenhumcaso ou acontecimento que haja possam ter os ditos povoadores comu-

    172 Marcos Carneiro de Mendona

  • nicao com a dita Praa; e ao que transgredir esta ordem prender V.merc logo e mo remeter a esta cidade para o castigar exemplarissima-mente, na conformidade das leis de S. Majestade.

    Sucedendo porm virem alguns franceses dita Povoao,ainda com pretexto que parea justo, lhes deve V. merc logo intimarque nas terras das conquistas de El-Rei nosso Senhor no podem seradmitidos sem ordem expressa Sua, e que devem sem demora tornarpara os Domnios de S. Maj. Cristianssima, provendo-os dos gnerosque permitir a terra, para a sua viagem; e no bastando esta advertncia,que deve ser feita com muita prudncia e suma brandura, nestes termosfar V. merc apreenso nela, e me avisar com a brevidade que for pos-svel, para que lhe dar a providncia que me parecer justa.

    Acontecendo (o que no espero) que os ditos franceses venhamcometer algum atentado com algum corpo de gente, a embaraar-nosaquela Povoao, depois de lhes fazer os pretextos de nossa Justia, dapossesso mansa e pacfica em que nos achamos; da declarao dela feitaultimamente em um dos captulos do Tratado da Paz de Utrecht, da boaharmonia e correspondncia em que se acham as duas Coroas; se depoisde tudo isto quiserem continuar no atentado, neste caso usar V. mercde todos os meios que so permitidos a uma rigorosa defesa, fazendo-osretroceder para a sua Praa, e dando-me no mesmo instante conta.

    Para este e outro qualquer caso que pode acontecer, deve V.merc sempre ter os soldados prontos e bem disciplinados, os quaisjuntos com os mesmos povoadores podem fazer um corpo capaz derebater qualquer insulto, prevenindo-se sempre com a maior cautela, atmandando examinar e explorar os matos das nossas vizinhanas.

    Tambm me consta que vrias vezes tm vindo holandeses comembarcao carregar madeiras quele distrito; e sucedendo vir com este ououtro qualquer pretexto, usar da mesma repulsa que com os franceses, nolhos consentindo que desembarquem fazenda alguma em terra, ou que te-nham trato algum com os nossos, antes, obrigando-os a que logo se apar-tem dos Domnios de S. Maj., e de tudo me avisar com a maior brevidade.

    Na execuo destas ordens, tanto do servio de S. Maj.,empregar V. merc toda a atividade, zelo e prudncia que negcios tointeressantes pedem, e espero que V. merc faa nesta nova Povoaoum tal servio a S. Maj., que o mesmo Senhor o possa honrar com a

    A Amaznia na era pombalina 173

  • ateno com que a Sua Real Grandeza costuma premiar aos vassalosbenemritos que o servem com honra, verdade e zelo.

    Deus guarde a V. merc muitos anos.

    Par, 18 de dezembro de 1751.

    Londres, I-20.994.

    Meu amo e Sr. Desejo a certeza de que V. S tem logrado a boa sadecom que o deixei, e que esta se lhe continua com as maiores felicidades.

    Como tive a fortuna de chegar a esta terra, no tenho paraque me lembrar dos trabalhos e molstias da viagem e caminho; at agorano tenho logrado nela a melhor sade, verei se no Macap, para ondeparto, em se indo a frota, passo sem tanta molstia.

    Pelas contas que dou no Conselho, ver V. S o estado em queachei estas duas Capitanias. A do Maranho arrendando-se os dzimospor freguesias, me dizem constantemente que feita a arrematao c, epor pessoa de zelo e honra, que poder dobrar ou tresdobrar o rendi-mento, e desta sorte se poder remir. Esta tem muito pouco remdiopor ora, ao menos me no ocorre a mim.

    Pela conta que dou no Conselho, digo, que dou do seu rendi-mento, e estado, ver V. S que no podemos subsistir mais do que oano de 1752, e no sei se todo, porque os dzimos todos os anos vo amenos.

    Agora andaram dois meses em praa os do ano que vem etiveram dois lances nicos o primeiro de cinco contos no qual andouperto de um ms; o segundo lanou mais 50$000 Rs. depois de muitopersuadido por mim, e no houve mais quem lanasse um s real, tendoandado mais outro ms em prego.

    Vou fazendo ainda que com vagar, por falta de meios, a expe-dio da nova povoao de So Jos do Macap. Todas as notcias queme tm chegado me do umas grandes esperanas de que poderemos avir a ter uma terra rica, abundante e que possa remir em parte a estamiservel Capitania da penria em que se acha. Hoje partiu uma expedi-o para aquela terra com 68 pessoas, e com as que j l estavam com-

    174 Marcos Carneiro de Mendona

  • pletam o nmero de 302, fora soldados; ainda me restam perto de 200,que espero transport-las at 15 de janeiro.

    Entrarei depois no transporte de gados, que tambm me noh de custar pouco trabalho, porm no custar muito dinheiro e creioque a dois mil-ris, ou ainda menos, comprarei as vacas. As guas aindano sei o por quanto estes padres as querero dar.

    Pelo que respeita s amoreiras120 em que falamos em StCatarina de Riba Mar (adonde me eu desejava agora) me parece que noh de ser to fcil o virem a esta terra em termos de produzirem comons l imaginamos, porque do Maranho mandei vir umas caneleirasmuito bem acondicionadas, e aqui as reparti pelos homens mais curio-sos de plantaes, e sem embargo de tratarem muito bem delas secaram amaior parte, porm venham sempre as amoreiras, e far-se- a dilignciapor ver se alguma chega em termos de se aproveitar.

    Se eu estivera agora de boa conversao com V. S na peque-nina casa do agradvel stio de Sta Catarina, no nos faltaria assuntopara umas poucas de horas, porm sobre no ter aquele gosto at mefalta o tempo para o poder ainda nesta forma fazer com a largueza quedesejava.

    Sempre V. S me tem para servi-lo com a mais obsequiosavontade. Guarde Deus a V. S muitos anos. Belm do Par, em 19 de de-zembro de 1751. Snr. Tom Joaquim da Costa Corte-Real.

    BRITISH MUSEUM

    DEPARTMENT M. SS.

    CATALOGUE And M. S. Jure Empt. 20.994 Plut ORDER P. 26041

    PLACE & DATE OF ORIGIN 1751.

    Livro que serve de registro das Cartas Particulares que escreve o Ilm, eExm Sr. Francisco Xavier de Mendona Furtado, Governador e Capi-to-General deste Estado do Maranho, e principia do dia 24 de setembrode 1751.

    A Amaznia na era pombalina 175

    120 Amoreiras: sua introduo na Amaznia pelo governador Mendona Furtado.

  • Rubrica MenesesALEXANDRE METELO DE SOUSA MENESES

    Ilm e Exm Sr.: Como a V. Ex foi notrio que da camaadonde me achava com a grande queixa de que fui acometido nos ltimosdias que estive nessa Corte, vim meter-me a bordo da nau, sem que nemainda pudesse ter a honra de chegar aos reais ps de S. Maj., beijar-lhe amo, me desculparia V. Ex o no ir eu tomar-lhe as ltimas ordens an-tes da minha partida, e s uma causa to justificada me poderia embara-ar esta forosa obrigao.

    Agora vou aos ps de V. Ex, na forma em que me possvel,no s a dar-lhe conta do que achei neste Estado, mas a segurar-lhe oquanto desejo a certezas de que V. Ex est to livre das suas queixasque se acha logrando uma constantssima e perfeita sade.

    Com 44 dias de viagem121 dei fundo em 26 de julho na baade So Marcos, e logo me embarquei no escaler com o Governador Lusde Vasconcelos Lobo, e pelas duas horas da tarde desembarcamos napraia da Cidade de So Lus do Maranho.

    No dia 28 tomou o dito Governador posse do governo da-quela capitania.

    A 29 me recolhi a bordo da nau, e por falta de mar no samosnaquele dia, e a 30 de tarde nos fizemos a vela, e com poucas horas denavegao, carregando-nos um grande vento, e ainda maior correntezade gua, nos achamos pelas sete horas da noite em cima de um baixo,no s desconhecido no Regimento ou Arte de Navegar, mas at domesmo prtico, no qual a nau deu trs grandes pancadas, deitando naltima o leme fora e rebentando-lhe os cabos; o perdemos logo, e foipreciso dar fundo em 5 braas.

    No dia 31 se fez uma esparrela com que pudssemos outravez vir buscar a mesma baa de S. Marcos, nela deu a nau fundo no

    176 Marcos Carneiro de Mendona

    121 O interessante que ele levou, mais tarde, 88 dias para ir de Belm do Par aldeiade Mariu, do alto Rio Negro, em cumprimento de sua comisso de 1 ComissrioRgio das demarcaes do Tratado de Limites, de 13 de janeiro de 1750.

  • primeiro de agosto, por no haver guas com que pudesse logo entrarno porto da Cidade de S. Luis.

    Eu desembarquei no mesmo dia, e fui buscar aquela Cidadeno escaler.

    No dia 4, entrou a nau para dentro com muito bom sucesso, epor mais eficcia com que se trabalhou no se pode conseguir que seacabasse o novo leme antes do primeiro de setembro.

    Dando-se-me parte que uma aldeia na margem do rio Turiau,se achava sem Missionrio havia 14 anos, sendo por isso os moradores,quando queriam ouvir uma missa, ou confessar-se, obrigados a fazeruma jornada de 3 dias, e o mesmo trabalho tinham para batizaremqualquer filho; chamei o Prior dos Religiosos do Carmo, a quem pertenciaa administrao da dita aldeia, e depois de lhe estranhar o descuido quetinha havido em uma matria to importante, lhe disse logo deveriamandar um padre para a dita aldeia pastorear aquelas pobres ovelhas;depois de se me desculpar me prometeu que logo o mandava.

    Passaram-se mais de 15 dias sem que estes padres se resolves-sem, e receando que com a minha partida ficasse tudo no mesmo esta-do, tomei a resoluo de dizer ao Prior que ele com o seu descuido meobrigava a fazer a jornada por terra e que se eu no achasse Missionriona aldeia, que eu lho deixaria, e que dentro em trs dias saa daquela ci-dade.

    No outro dia saiu o Missionrio, e quando eu cheguei tinhaele aportado ali no dia antecedente; vim continuando a minha jornadapor entre matos, e com 21 dias de caminho cheguei a esta cidade, e a 24tomei posse do Governo.

    No Maranho achei na Administrao e Arrecadao daFazenda Real no s as desordens que V. Ex compreender das contasque dou no Conselho, mas ainda outras igualmente importantes que eupor falta de tempo me no foi possvel averigu-las, porm guardei asnotcias que me deram, e em se recolhendo o desembargador ManuelSarmento, Ouvidor-Geral daquela Capitania, lhas entrego para que faapor averiguar todas aquelas matrias com a circunspeo e verdade queelas merecem.

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  • Nesta cidade, ainda que tenho algumas notcias sobre algumasdesordens na administrao da Fazenda so ainda mui superficiais enem me tem sido possvel averigu-las: o tempo poder dar a verdade, eeu cuidarei no modo de saber se com efeito as houve.

    Este Estado est na ltima runa, mas ainda h uma diferenaentre as duas Capitanias de que ele se compe, que que a do Mara-nho assentam os prticos do pas que as Rendas Reais podem dobrar,ou tresdobrar se se arrendarem as freguesias separadas, fazendo l ar-rendamentos um homem de honra, verdade e conscincia.

    O Estado do Par, no s no lhe vejo por ora remdio, maso pior que assentam todos que cada dia vai a maior precipcio, semremdio humano, e que os dzimos ho de certamente ir todos os anos amenos.

    Agora andaram dois meses em praa os do ano que vem;apenas houve quem chegasse ao miservel lano de cinco contos ecinqenta mil-ris, pela qual se rematou no dia..........do corrente, depoisde andar a prego desde o princpio de outubro.

    Bem compreende V. Ex que sendo necessrio s para os fi-lhos da Folha..............e no havendo em todas as Rendas Reais desta Ca-pitania mais de................ vem a faltar tudo o que vai de uma soma a ou-tra, s para se acudir aos gastos precisos, e indispensveis, faltando almdisto o muito que foroso para gastos extraordinrios, que todos osanos so certos, e indispensveis.

    Pelo que, venho a concluir que ela sem um grande socorro deS. Maj. no pode subsistir mais que apenas o ano que vem, e no sei setodo, e seguro a V. Ex que se me faz sumamente sensvel que andandoh tantos anos a arruinar-se este Estado, tivesse eu agora a infelicidadede o ver morrer na minha mo, sem remdio nenhum, por vir achar exa-uridos todos os meios da sua subsistncia.

    Quando cheguei a esta terra havia mais de um ms que nelase achavam os povoadores que S. Maj. mandou transportar das Ilhaspara esta Cidade.

    Tomando posse do Governo achei que no estava disposioalguma feita para o seu transporte, entrei nesta cidade, e me vi sem meiosalguns de o poder efetuar.

    178 Marcos Carneiro de Mendona

  • Nada me pareceu que estava primeiro que povoarmos o Ma-cap, nem eu poderia intentar para outra alguma parte expedio algumapelo estado da terra.

    Para a nova povoao de S. Jos do Macap tenho transporta-do em 4 expedies 302 pessoas; ainda aqui me acho com perto de 200,que ficaro com o favor de Deus, naquela nova terra, at 15 de janeiro.

    Todas as informaes que tenho tido de l me do esperanade que aqueles moradores podero ser de tanta utilidade a esta Capitaniaque em parte remediaro alguma runa dela. Deus queira ajudar-me aacertar com os meios de que se faa ali um slido estabelecimento.

    No achei nesta terra um oficial a quem pudesse encarregaro governo interino daquela nova Povoao, e encontrando aqui ummoo que acabava de Capito-Mor do Gurup, e que tinha servido co-migo no Regimento da Armada, com desembarao e prstimo, o embar-quei para que se no recolhesse a Lisboa neste ano, e lhe encarreguei oGoverno interino, debaixo das ordens de que remeto a cpia ao Conse-lho.

    Este oficial foi sem ajuda de custo, nem soldo, porque o meuRegimento me probe expressamente que eu possa criar postos de novocom soldo; espero que ainda servindo sua custa d boa conta de si.

    O padre que foi como proco tambm levou o mesmo soldoe ajuda de custo com que estas duas principais figuras se acham naquelapovoao com o trabalho que devemos crer, comendo sua custa.

    O cirurgio que foi no o pude reduzir a que fosse da mesmasorte, porque na vspera em que havia de partir, me apareceu aqui comas lgrimas nos olhos, quase descalo, e pedindo-me que pelo amor deDeus lhe mandasse dar com que ao menos comprasse um par de sapa-tos e pagasse uma pequena dvida por que o estavam executando; man-dei lhe dar vinte mil-ris; se no Conselho no os quiserem abonar, noterei mais remdio que pag-los e com boa vontade.

    Esta gente veio sem botica ou remdio algum, e foi precisofazer-lhes aqui uma pequena botica para levarem, que importou em ses-senta mil-ris, e creio que remdio nenhum prestaria para nada, pormno me pareceu razo mand-los ao desamparo, sem que levassem aque-les remdios que o mdico julgou mais precisos. Se a mim se me tivesse

    A Amaznia na era pombalina 179

  • dado a botica que se deu a todos os meus antecessores, estava remedia-da esta necessidade.

    V. Ex me fez a honra de diversas vezes me afirmar o grandegosto que tinha em que se povoasse aquela parte da Conquista, por sedever a seu pai a declarao que no Tratado de Utrecht se fez de nospertencer at o rio de Vicente Pinzon. Agora que nela nos vamos esta-belecendo, preciso que V. Ex me socorra e me ajude para pr em per-feio a obra que ao Exm Sr. Conde de Tarouca, dignssimo pai de V.Ex deu tanto trabalho, e que com tanta glria conseguiu.

    Sempre V. Ex, me tem para servi-lo com aquela obsequiosavontade, que inseparvel da minha rendida obedincia. Guarde Deus aV. Ex muitos anos. Belm do Par, em 20 de dezembro l 1751. Ilme Exm Sr. Marqus de Penalva.

    Ilm o Exm Sr. Nem posso, nem devo deixar de tomar V.Ex, o tempo em que chego aos seus ps, no s a oferecer-lhe a minhaobedincia, mas assegurar a V. Ex o quanto desejo a certeza de que V.Ex logra toda aquela sade que eu sou obrigado a desejar-lhe.

    Eu tive a honra de buscar a V. Ex umas poucas de vezes paralhe tomar as ordens, sem que o pudesse achar em alguma delas; no mefoi possvel pod-lo fazer ultimamente, porque uma formidvel queixade que fui atacado me obrigou a estar de cama nos ltimos dez dias queestive em Lisboa, da qual me vim meter a bordo, privando-me a minhamolstia at da honra de chegar aos Reais Ps de S. Maj., a beijar-lhe amo.

    S uma to justificada causa me poderia embaraar o satisfa-zer eu uma to precisa obrigao, e espero que V. Ex creia que em mimno houve nesta matria a mais leve omisso.

    Eu cheguei a esta terra com bom sucesso, sem embargo de al-guns trabalhos da viagem e caminho de terra, e depois de tomar possedo governo entrei a examinar as chamadas tropas e achei uma pouca degente miservel, sem outra cousa de soldados mais do que estarem alis-tados nos livros da Vedoria, sem disciplina, ordem ou forma de militar,digo de milcia, e em tal desprezo, que se tinha por injuriado aquele ho-mem a quem se mandava sentar praa de soldado.

    180 Marcos Carneiro de Mendona

  • Os oficiais, alm de serem velhos estropiados, so to igno-rantes como os mesmos soldados. Nenhum deles conhece nem o postoque tem, nem a obedincia que lhes devem ter os soldados, nem estes aque devem ter aos oficiais. Finalmente, Senhor Exm tudo confuso edesordem; e por que V. Ex acabe de compreender at onde chega a ig-norncia desta gente, lha demonstrarei em poucas palavras.

    Vagando dois postos de sargento, havendo infinitos oposito-res, lhes disse que os mandava prover naqueles que diante de mim fizes-sem o manejo da arma. H mais de dois meses que esto vagos, aindano houve em cinco Companhias, de que isto se compe, um homemque se atrevesse a fazer este grande exame.

    Enquanto S. Maj. me no socorre com os oficiais, ser impos-svel que eu possa adiantar cousa alguma disciplina desta gente, porquenem eu tenho tempo, nem oficial algum a quem encarregue esta impor-tante e precisa diligncia.

    Peo a V. Ex queira fazer-me a honra de dar-me repetidasocasies de servi-lo, em cujo exerccio me empregarei sempre com amais obsequiosa, fiel e rendida obedincia. Guarde Deus a V. Ex mui-tos anos. Par, em 20 de dezembro de 1751.

    Ilm e Exm Sr. Conde de Atalaia.

    Doc. N 28 SENHOR Na resposta que dou a V. Maj. eque vai no n 27, exponho a V. Maj. a grande dificuldade que h na co-brana da oitava parte do cacau que os moradores extrarem dos riosque estavam vedados, pois so tantas as ilhas que, a porem-se l oficiaisde registro para esta diligncia, custaria certamente muito mais a despesaque h de produzir o dito imposto, e ainda que eu determine mandar al-gumas rondas de soldados, creio que delas no resultar efeito algum.

    Parece-me que os gneros de que se ho de compr-las as far-das122 seja pano na forma do Brasil e desse reino, porque de outra dro-ga no podero resistir ao contnuo trabalho que os soldados tm neste

    A Amaznia na era pombalina 181

    122 Fardas: para durarem deviam ser do mesmo pano usado para as tropas do Brasil.

  • Estado; e pelo que respeita ao desconto, ainda que ignoro o que se lhefaz no Brasil, me parece que aqui se pratique o mesmo ou o que se ob-serva nesse Reino, como dispe o Regimento das novas Ordenanas.

    O nmero que presentemente h de soldados, constar a V.Maj. pelos mapas que nesta ocasio remeto, porm, como este me noparece suficiente para guarnio deste Estado, exponho a V. Maj. emoutra parte, a necessidade que h de virem tropas desse Reino; me pare-ce que o nmero das fardas se deve regular pelos ditos mapas e pelossoldados que vierem, sendo V. Maj. servido remet-los.

    Pela informao que meu antecessor deu o ano passado a V.Maj, que foi no n 38, consta terem-se remetido para esse Reino a quan-tia de nove contos, duzentos e noventa e seis mil, seiscentos e setenta edois ris e meio, em cacau, razo de 3$6 rs. cada arroba,123 cuja quan-tia me parece se deve gastar primeiro nas ditas fardas, visto ter-se reme-tido para o mesmo efeito. V. Maj. mandar o que for servido. Par, 22de dezembro de 1751.

    Meu Pai e meu Senhor do meu corao: Pelo navio da Ma-deira124 que partiu do Maranho tive a honra de informar a V. S doprogresso da minha viagem, e agora vou aos seus ps segurar a V. S ogrande alvoroo com que espero a certeza de que V. S tem passado tobem como eu lhe desejo.

    Eu tenho passado com bastantes molstias, e no menos lida,e com pouco tempo de convalescer, e ainda menos de me poder quei-xar. Deus queira dar-me sade, para ao menos satisfazer as minhas for-osas obrigaes.

    Entro a governar um Estado, no s perdido de qualquermodo mas totalmente arruinado, e sem meios alguns para a sua subsis-tncia, havendo ainda nele outro mal que na minha estimao maior,

    182 Marcos Carneiro de Mendona

    123 Cacau fornecido para pagamento das fardas, razo de 3$600 rs. a arroba.124 Pelo navio da Madeira: por esta frase pude indentificar a quem se dirigia a carta

    de 6-X-1751. (M.)

  • qual o de no achar uma nica pessoa que me possa ajudar, nem dequem me fie em todo o comum deste povo.

    Aqui achei um Bispo que me parece homem de propsito, osecretrio deste Governo tambm capacssimo, e recolhe-se a essaCorte um bacharel chamado Joo da Cruz Diniz Pinheiro que acaboude Ouvidor-geral do Maranho, que antes eu quisera que ele agora prin-cipiasse, porque um homem em quem concorrem todas aquelas boaspartes que se requerem em um perfeito ministro.

    Aqui me fica o bacharel Manuel Lus Pereira de Melo que metem dado bastante que sofrer, e no me tem sobejado nada da pacincia, mui curto de talento, sumamente malcriado e proporcionalmente atre-vido, soberbo, e incivil, com o pior modo que eu vi a homem nenhum,deu-me o desgosto de me obrigar a dar uma Conta dele, quando eu me-nos o poderia esperar. Esses Senhores l votaro na matria o que en-tenderem, e se houver tempo eu remeterei a V. S a cpia.

    Tenho andado na fadiga de transportar os ilhus para Maca-p. Em se indo a Frota, vou fundar aquela nova povoao, e todas as in-formaes que me tm vindo so de que poderemos ali fundar umagrande terra, sumamente interessante ao Estado, sem embargo de queest situada somente seis minutos ao norte da Linha; assentam todos deque os ares so sumamente sadios; a povoao fica na boca do grandePas das Amazonas, com campinas largas e abundantes, infinito peixe ecaa. Deus nos ajude a fazer alguma cousa que tenha propsito e queseja slida e estvel.

    Como me lembra que V. S costuma tomar chocolate,125 eque minha Me o costuma dar aos seus frades, tomo a confiana de ofe-recer a V. S esse par de arrobas de cacau, para o mandar fazer e pod-lotomar sem escrpulo; tambm lhe quisera mandar acar para ele, masnesta terra to mau e to caro que me resolvo a mand-lo vir de Lis-boa para o gasto da minha casa.

    Sempre V. S me tem para servi-lo com a mais obsequiosa efiel vontade. Guarde Deus a V. S, muitos anos. Par, em 22 de dezem-bro de 1751. Sr. Francisco Lus da Cunha e Atade.

    A Amaznia na era pombalina 183

    125 Cacau para chocolate.

  • Meu amigo e Sr.

    D-me V. Rm a certeza de que tem passado com a sua costu-mada sade, porque desejo sempre a notcia de que se lhe continuam asmaiores felicidades e ao Sr. Gonalo Pereira, a quem V. Rm me reco-mendar com afetuosssimas memrias.

    Ainda que na viagem padeci algumas molstias, cheguei para aterra com bom sucesso; nela no tenho logrado a melhor sade, porqueo clima bastantemente oposto minha constituio, porm podereicostumar-me e passar como os mais que c tm vindo.

    J que V. Rm me quis fazer a merc de tomar sobre si o tra-balho de tratar de bens de Ausentes, tenha tambm agora a pacincia desofrer-me com as impertinncias que estas cousas costumam trazer con-sigo.

    Pelo Conselho Ultramarino e pela Secretaria de Estado douuma conta em que peo a S. Maj., me mande satisfazer nessa Corte trsmil cruzados por conta do meu soldo, para V. Rm me fazer o favor depagar algumas dvidas, sendo a primeira de V. Rm. Creio que S. Maj. medeferir com a piedade que costuma, porque de outra sorte nem possopagar o que devo nem posso mandar vir provimentos para minha casa,porque o dinheiro que aqui h no corre em Lisboa e gneros defendi-do mand-los, nem eu tenho tempo para essas cousas.

    Pelo rol incluso ver V. Rm o de que necessito. V. Rm confe-rir com meus irmos, porque creio que me mandaro algumas partesdesses comestveis, ou de outras cousas, e o que no me mandarem serpreciso compr-los.

    A farinha deve vir em barris que no excedam a seis arrobas,porque me no suceda o mesmo que este ano, que apodreceu, e estouem dificuldade de comer farinha de pau, at que venham os navios, por-que se corrompeu a maior parte da que trouxe.

    Pelo que respeita aos gneros que V. Rm me disse que queriamandar para, a troco deles, mandar ir madeira para Joo de Almeida;acho-lhe dois grandes inconvenientes, o primeiro achar aqui um homem

    184 Marcos Carneiro de Mendona

  • de propsito, e fiel a quem se dirijam os tais gneros, que cousa suma-mente dificultosa. A outra ainda mais impossvel que haver navioque a queira carregar, porque este um dos grandes embaraos que aquih, e para eu mandar a meu irmo umas poucas de tbuas amarelas euns paus de cores para assoalhar a cmera e camarim, me custou infinitotrabalho, e me pareceu que o no venceria, valendo-me at da nau deguerra para me levar a maior parte.

    Porm, se V. Rm achar comissrio seguro, e navio que seobrigue a levar a madeira, ouo aqui dizer que Bertanhas, Chitas, algunsDroguetes, Berimbaus, alguns vinhos doces, que tudo isto fazenda quetem consumo pronto. Tambm me dizem que algumas frasquinhas degua ardente se vendem bem, mas tire V. Rm sempre informao queeu no sou muito prtico nestas matrias.

    Remeto a V. Rm esse par de arrobas de cacau para o seu cho-colate, no tenho memria de o ver tomar caf. Se gosta deste gneroestimarei sab-lo para lhe fazer o provimento.

    Vai tambm esse conhecimento do que mando a Joo deAlmeida para V. Rm lho mandar tirar da Casa da ndia e remeter-lhe.

    Sempre V. Rm me tem para servi-lo com a mais obsequiosa efiel vontade. Guarde Deus a V. Rm muitos anos. Par, em 22 de dezem-bro de 1751. Rm Sr. Fr. Lus Pereira. PS. Eu hei de mister dar aoMarqus das Minas quarenta moedas que dinheiro de primor, peo aV. Rm que ou lhas d ou a meu irmo Paulo para lhas entregar V. Rm.

    A Amaznia na era pombalina 185

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    4 Carta

    ILM e Exm Sr. meu irmo do meu corao:Confesso a V. Ex que nem cabea, nem sade tenho j, por-

    que esta frota me tem morto com escritas, quando eu no estava certa-mente para ter nem ainda uma leve aplicao. Fico ansiosamente dese-jando novas de sua casa, com a certeza de que V. Ex e toda a nossaamabilssima famlia passam como eu lhes desejo.

    Este clima no to sadio como nos diziam; eu, ainda depoisque aqui estou, no dormi uma noite com sossego; a cabea anda sem-pre perturbada, e o peito tem padecido bastantemente; porm, vou sem-pre trabalhando e fazendo por dar conta de mim.

    Remeto a V. Ex estas duas cartas da minha letra, a selo volan-te para o Governador Pedro da Mota126. A petio para a graa de man-dar V. Ex fazer em uma das folhas de papel que mando assinadas embranco, desejava repartir com V. Ex algumas das Armadas que fiz127,para lhe no ser necessrio dispensa para se encartar na comenda128, e

    126 Governador (?) Pedro da Mota. Referia-se, por certo, ao ento ministro de Esta-do Pedro da Mota e Silva.

    127 Algumas das armadas que fiz: viagens que fez para o Brasil e para a frica.128 Comenda: Fora contemplado, e como rendiam, queria que se aplicasse sua renda

    nos muros da Quinta da Serra: dos sete ais?

  • sinto que ela no seja muito maior para eu com mais gosto lha oferecer;segurando-se V. Ex que este projeto no de agora, seno do mesmoinstante em que se fez a consulta, como pode testificar o mano Paulo aquem o disse infinitas vezes. Agora s lhe quisera pedir que os rendi-mentos da dita comenda se aplicassem aos muros da Quinta da Serra,porque terei pena que depois de eu ter o trabalho de ajuntar naquelebelo stio uma to boa fazenda, e to interessante, haja de a ver desma-zelada e perdida por falta de um pouco de cuidado; eu quero agora ga-bar-me; falei-lhe cedo, porque ficaram algumas coisas por acabar, e queainda necessitam de pacincia. Queira Deus que o Monsenhor129 a te-nha porque mui precisa.

    Como me lembra que prometi madeira para o enxaquetadoda Cmara e Camarim, remeto a que consta da relao inclusa; creio quebastar porque as h boas, grandes, duas a quatro, e as outras a trs. Ostoros so de madeiras encarnadas, roxas, claras e escuras e pretas; nasroxas, necesrio saber que quando se lavram ficam pardas, e poucashoras depois tomam a sua verdadeira cor.

    Estas gentes aqui no tm meio; ou queimam estas madeiras,como V. Ex ver de muitos desses paus que os tiraram do lume, ou osvendem por uns excessivos preos, como me sucedeu com todos os quecomprei, que mos venderam carssimos, sem embargo de serem tiradosda fogueira em que estavam ardendo.

    Remeto a V. Ex mais as varas de panuia para Oeiras, e RuaFormosa130, que por todas fazem 427; necessrio mandar tirar tudo abordo logo, para que no haja algum descaminho. Para o ano, se Deusme der vida, mandarei, se puder, mais alguma madeira, isto , se eu pu-der e houver com que se compre.

    Senhora Condessa131 tomo a confiana de oferecer umpouco de cacau e caf, e bem quisera mandar mais, porm quem no

    A Amaznia na era pombalina 187

    129 Monsenhor: Paulo de Carvalho, ou Salema?130 Rua Formosa: hoje do Sculo, aonde ainda existe o antigo palacete de residncia

    do Marqus de Pombal; do interior do qual possuo um filme colorido, tirado,quando em Lisboa. (M.)

    131 A senhora Condessa: de Daun, casada com Sebastio Jos. Era filha de um dosprincipais generais da Imperatriz Teresa da ustria.

  • aceita e vive com o que tem no pode muito, e esta frota me passa de400$ ris, que para mim gasto grande.

    Eu perdi ms e meio de soldo, como no esteve por mim adilao, e no tempo que estive no Maranho servi a S. Maj., como cons-ta de todas as interessantes contas que dou, requeiro que me faam odito tempo. Bem espero que o dito Senhor me defira com piedade e jus-tia.

    Bem que desejara, meu irmo, que este Governo, segurandoeu a honra e conscincia, pudesse render com que ajudasse a nossa casa,porm aqui no h nada mais do que o soldo, e at as propinas, que ti-nham os governadores na rematao dos contratos dizimaram, e ficasem outra alguma coisa, e para o Governador perder o respeito quedeve conservar, e em conseqncia se perder a si, basta aceitar ou inte-ressar-se em negros, porque logo se faz dependente, e tomam confianacom ele, e se lhe atrevem, com que preciso uma grande circunspeonesta matria de transportes, e como conheo que ambos imaginamosigualmente, se algum dia tivermos o gosto de nos vermos, sem dvidaV. Ex estimar mais ver-me carregado de honra do que de diaman-tes132, com o que, mano, daqui no h esperana de tirar mais do quetrabalho e apelar para a sua mesa, para poder comer umas sopas, seDeus quiser levar-me a Lisboa133.

    Por ora em nada interesso tanto como na providncia da his-tria do ouvidor, porque do bom sucesso dela depende o ficar eu con-servando o respeito, porque se se percebe que se dissimula a um bacha-rel que sem propsito, causa ou razo, me insulta, bem pouco progressohei de fazer pelo discurso do meu governo, nos interessantes negciosde que me encarregaram.

    Todo o favor que tenho que pedir a V. Ex que faa toda apossvel diligncia por ver se pode conseguir que no mesmo dia em que

    188 Marcos Carneiro de Mendona

    132 Era prefervel manter a honra que possuir diamantes. Tudo leva a crer ter sidoesta a sua conduta at morrer em Vila Viosa a 15 de novembro de 1769. (M.)

    133 Terminados os seus trs anos de governo queria voltar para Lisboa. Ficou pertode nove, dos quais quase trs na aldeia de Mariu, depois vila de Barcelos, altorio Negro; espera dos demarcadores espanhis, acumpliciados com os jesutas,que faziam esforos desesperados para o Tratado de 13 de janeiro de 1750 nose cumprir. (M.)

  • eu fizer os trs anos me venha sucessor, porque, alm de isto estar per-dido e reduzido ltima runa e misria, acho-me com pouca sade paraabranger ao grande trabalho que h que fazer.

    Em se indo a frota, se Deus me der vida, fao teno de con-cluir algumas coisas que aqui h que fazer, e parto logo para o Macap afundar e a estabelecer aquela Povoao que espero seja muita parte daredeno deste Estado.

    Sempre fico para servir a V. Ex com a vontade que devo.Deus guarde a V. Ex muitos anos. Par, 22 de dezembro de 1751.

    Doc. 51 SENHOR Em observncia desta real ordem de V. Maj.,convoquei uma Junta de Misses, nesta cidade, para se arbitrar o salrioque se dever pagar aos ndios daqui em diante, atendendo qualidadedo seu trabalho, e pobreza em que se acha este Estado; em a qual seassentou, uniformemente, que a cada ndio se pagasse a 400 rs. por ms,e aos pilotos e proeiros a 600 rs. e aos Oficiais a tosto por dia, e a to-dos de comer, como se v da cpia do termo que remeto a V. Maj., ecomo ele os pareceres dos mesmos Deputados, do Provedor da Fazen-da e da Cmara.

    No que respeita ao nmero de ndios que h da nao Tra-memb, no posso informar a V. Maj. porque o pouco tempo que estivena cidade de S. Lus do Maranho me no permitiu o inteirar-me nestamatria, nem tambm tive lista alguma das aldeias daquela Capitania.V.Maj. mandar o que for servido. Par, 22 de dezembro de 1751.

    Ilm, e Exm Sr. Tendo-se obstinado todas as Religies parano pagarem dzimos que devem a S. Maj., me chegou agora a notcia deque as duas comunidades N. S. das Mercs e do Carmo, se tinham ajus-tado com o Baro da Ilha Grande134 a pagarem-lhe a sua redzima, na

    A Amaznia na era pombalina 189

    134 Ilha Grande: de Joanes ou de Maraj.

  • forma que consta do contrato de que remeto a V. Ex a cpia, por certi-do.

    Reconhecendo estes Religiosos que devem redzima e pagan-do-as com efeito, no podem duvidar que no tendo merc alguma de S.Maj., devem igualmente pagar os dzimos, porque eu lhes no acho ou-tra diferena mais do que ser maior ou menor o pagamento, sendo iguala obrigao.

    Lembrou-me mandar proceder contra eles, porque liquidan-do no contrato o quanto haviam de pagar de Redzima, tambm, pelomesmo contrato, ainda que lesivo, ficavam liquidando os dzimos; po-rm, constou-me que havia requerimentos que se achavam afetos a S.Maj., e ainda que isto foi uma verdadeira inovao feita clandestina-mente, e com uma grande recomendao de segredo entre as partescontratantes, sempre entendi que era justo, antes de algum outro pro-cedimento, dar parte do referido a V. Ex, para o pr na presena de S.Maj. e ordenar o mesmo senhor o que for mais conveniente ao seu realservio.

    Estes dzimos dos gados da ilha de Joanes, um dos ramosimportantes que podia haver para fazer crescer muito a renda dos dzi-mos, porque os Padres das Mercs, havendo muita gente que diz quenas suas fazendas passam de andar, s de gado vacum, no falando emguas de cria, para cima de cem mil cabeas; afirmam os mais prudentesque no sero tantos, mas que sempre passam de sessenta mil, e que li-quidaro todos os anos doze mil crias para cima, seguras.

    Os Padres da Companhia, que principiaram a menos anos, meseguram que passam de ter nos seus currais de vinte e cinco mil at trin-ta mil cabeas, e que se vai aumentando todos os anos.

    Os Religiosos do Carmo que tero de oito at dez mil cabe-as.

    Eu no sei certamente a quantidade de gado que estas Reli-gies tm naquela ilha, mas certo e constante que infinita, e que seste dzimo poder aumentar muito as rendas atuais da Fazenda Real aqual por estas e outras semelhantes usurpaes que se lhe tm feito nes-te Estado, se reduziu aos miserveis termos que eu tenho tido a honrade manifestar a V. Ex, a chegar at ao ltimo ponto de se extinguirem

    190 Marcos Carneiro de Mendona

  • os fundos reais e cair, em conseqncia, sem remdio, a substncia doEstado.

    O referido por V. Ex na presena de S. Maj. para mandar oque lhe parecer mais justo.

    Deus guarde a V. Ex muitos anos. Par, 23 de dezembro de1751.

    Senhor Diogo de Mendona Corte-Real.

    Doc. N 30 SENHOR Mandando eu, em observncia desta real or-dem de V. Maj., ao Provedor-Mor da Fazenda Real do Maranho, quefixasse editais para se rematar, por tempo de um ano, o Contrato dosDzimos daquela Capitania, me respondeu que eles se achavam remata-dos no Conselho Ultramarino por trs anos; este de 1751, o primeiro dadita rematao, como se v da sua resposta que com as condies da re-matao remeto a V. Maj.

    Logo que cheguei a esta cidade, ordenei ao Provedor da Fa-zenda mandasse pr os editais para se rematarem os desta Capitania,e andando em praa dois meses, os rematou a Baltasar do Rego Bar-bosa, pela quantia de doze mil cruzados e duzentos e cinqentamil-ris, por tempo de um ano, que h de ter princpio no 1 de janei-ro de 1752.

    A causa por que este contrato chegou a to baixo preo omiservel estado a que esto reduzidos os moradores desta Capitania,tendo as Fazendas perdidas por falta de escravos, e sem meio de extra-rem as drogas do serto, porque estas, quase todas, tiram as Religies, deque no pagam Dzimos, nem tambm das muitas Fazendas que possuemneste Estado. V. Maj. mandar o que for servido. Par, 23 de dezembrode 1751.

    Doc. N 31 SENHOR No nmero [20] dou conta a V. Maj. da ne-gociao que houve na arrematao da Dzima da Alfndega da cidade

    A Amaznia na era pombalina 191

  • de S. Lus do Maranho, e chegando eu a esta do Par, convoquei mi-nha presena os Oficiais da Cmara e alguns homens mais distintos, eprocurei capacit-los de que se lhes no seguia prejuzo deste imposto,antes lucravam muito a respeito do ao, ferro, velrio e facas, ficandoagora tudo a dez por cento, e sendo assim, capacitados e aceitos por elescom suma venerao este Tributo, ordenei ao Procurador da FazendaReal mandasse pr editais para rematar esta Dzima por tempo de umano, e foi feito e rematou por oito mil cruzados, trezentos e oitenta ecinco mil-ris, sem haver quem lanasse mais, em razo das poucas fa-zendas que vm para esta Alfndega, pelo pouco consumo que h naterra, ficando a maior parte no Maranho, pela extrao que tm para oscampos e minas. V. Maj. mandar o que for servido. Par, 23 de dezem-bro de 1751.

    Meu amo e Sr. Como sempre conheci o que devo a V. M., era impos-svel que nunca duvidasse do seu favor, e que em toda a parte havia deexperimentar novamente, lho agradeo, e lhe peo queira continuar-mo,dando-me a certeza de que logra a mais constante sade.

    Eu fiz a minha viagem sem mais incmodo que aquele queera natural em quem se embarcava to doente como eu o fiz porm pelamerc de Deus cheguei a salvamento, e bastantemente tenho estranhadoo clima desta terra.

    A mim me no podia nunca esquecer nada que pudesse con-correr para servir a V. M., e Antnio Cardoso pode ser testemunha dasvezes que lhe perguntei se necessitava que eu fizesse alguma diligncia,ao que sempre me respondeu que nesse ano, pela esterilidade dele,toda a diligncia era impossvel o cobrar-se nada por no haver novi-dade nenhuma, e que se necessitasse de alguma coisa que logo me avi-saria.

    Veio ultimamente um Henrique Sanches com um Requeri-mento a que eu no podia definir, qual era que lhe mandasse darndios das Aldeias para o Engenho, porque assim fabricaria bastanteacar.

    192 Marcos Carneiro de Mendona

  • Esta casta de negcios so dos mais trabalhosos deste Estado,e como eu o no podia fazer por mim, por no ser este trabalho doscompreendidos no Regimento das Minas135, fui logo na mesma tarde Companhia ver se pode aconseguir que os Padres conviessem no reque-rimento; logo achei uma formal repulsa, com o fundamento de que sese fizesse a este, com o mesmo exemplo viriam todos os outros reque-rer; e com estes Padres teimando no h mais remdio que ter pacincia,principalmente quando no tenho Lei a que me pegue.

    Agora se V. M. quer bem a este Engenho, me parece que faauma representao a El-Rei em que lhe diga que este um dos melhoresEngenhos deste Estado, que est na ultima perdio, que de umas reli-giosas que nem cabedal, nem meios tm para o fornecerem de gente;que perdendo-se o dito Engenho prejudicial, e pelo contrrio, fabri-cando o muito acar que nele se costumava lavrar, interessante, nos ao comum mas aos reais dzimos de Sua Maj., a que atendendo ao es-tado das do Engenho ao benefcio comum, e s rendas reais, lhemande S. Maj. dar os ndios e ndias que for servido das Meias da Re-partio para, desta sorte, se salvar da ltima runa um Engenho Real, epoder pr-se em termos de comprar escravatura com que ele subsista.

    Creio que S. Maj. ter ateno ao requerimento; e se mandarinformar o farei na forma em que eu entender, tomando ento todo oconhecimento que agora me falta, para poder fazer a informao com aclareza e verdade.

    Em tudo o mais que V. M. achar que eu o posso servir meachar para este exerccio com a mais obsequiosa e fiel vontade. GuardeDeus a V. M. muitos anos. Par, 23 de dezembro de 1751. Sr. DomingosPeres Bandeira.

    A Amaznia na era pombalina 193

    135 Regimento de Minas: tambm conhecido pelo de do Direito Senhorial do Quin-to, de 3 de dezembro de 1750. Substitua o Regimento de 1737; abolia assim oSistema de Capitao. Contra isso investiu Alexandre de Gusmo, por meio dedocumento assinado de Lisboa, 18 de dezembro de 1750; quer dizer em mo-mento em que a posio governamental do ministro Sebastio Jos apenas se es-boava; mas era, sem dvida, uma tomada de posio entre homens que seiam, em relao a outros que chegavam. No caso, o lado certo no estaria comGusmo. (M.)

  • Ilim e Exm Sr. Chegando a este Estado me vieram cumpri-mentar a maior parte dos moradores de ambas as capitanias de que elese compe; com vestidos agaloados e cheios de ouro tecido. Entretantoeu a averiguar a causa de se me apresentarem contra as reais leis de S.Maj. achei que a Pragmtica de 24 de maio de 1749136 se no tinha pu-blicado em nenhuma destas capitanias, nem c tinha aparecido.

    Que na mesma forma tambm no aparecera a sua declaraoe modificao de 21 de abril do presente ano.

    Que tambm a lei por que S. Maj. foi servido abolir a capita-o dos escravos das minas no tinha aqui aparecido137 por cuja razodefendendo-se nela o uso do ouro em p, se est aqui presentementefazendo o comrcio com ele, sem que se possa impor aos transgressoresda dita lei a pena do Cap. 6 1, porque todos estes povos esto igno-rantes dela.

    Persuado-me que na mo de alguns mercadores haver aindano ano que vem algum ouro em p, alm do que ainda h de entrar noMaranho pelos homens do serto que ali baixam todos os anos.

    Este ouro que na forma da dita lei est perdido parece quecomo ela se no publicou neste Estado e se ignora totalmente nele, sedeve conceder a estes povos o mesmo tempo que S. Maj. foi servidoprescrever na dita lei a todos os outros da Amrica para fazerem o seumanifesto.

    Da mesma sorte no apareceu neste Estado o decreto e Regi-mento do Tabaco e Acar138, por que S. Maj. foi servido mandar regu-lar os preos e direitos destes dois importantssimos gneros.

    Porm, como na forma das ordens de S. Maj. s devo mandarexecutar aquelas que se expedirem pelo Tribunal do seu Conselho Ultra-

    194 Marcos Carneiro de Mendona

    136 Pragmtica de 24 de maio de 1749, estabelecendo tardiamente normas de costu-mes e de comedimento na conduta dos povos e da sociedade in. Col. Galhar-do.

    137 Vide carta 77, de 29-VI-1754. a lei senhorial do quinto, de 3-XII-1750.138 Regimento do Tabaco e do Acar, de 16 de janeiro de 1751. Publicado na ntegra

    nas Ordenaes do Reino: Apendix das Leis Extravagantes, pg. 41, Lisboa,MDCCLX. O decreto correspondente, expedido a favor do comrcio e fabricodo acar e do tabaco, de 27 de janeiro de 1751. (M.)

  • marino, no posso mandar publicar e executar as ditas leis, por se meexpedirem por Tribunal incompetente.

    V. Ex. por o referido na presena de S. Maj. para lhe dar aprovidncia que for servido. Deus guarde a V. Ex muitos anos. Par, 24de dezembro de 1751.

    Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Ilm e Exm Sr. Tomando eu posse deste Governo no dia24 do ms de setembro, entrei a exercitar toda a jurisdio que S. Maj.foi servido conferir aos Governadores e Capites-Generais destes Esta-dos, sendo uma parte dela a de concederem Alvars de Fianas emnome de S. Maj., com todas as clusulas que se costumam pr nos quese passam pelos seus Desembargadores do Pao, como consta do 32do meu Regimento, de que remeto a cpia.

    Nesta posse se conservaram todos os meus antecessores enela me conservei eu tambm at o dia 4 de dezembro, em que o bacha-rel Manuel Lus Pereira de Melo, Ouvidor atual desta Capitania, me dis-putou a jurisdio na informao que fez em uma petio do Sargen-to-Mor Joo Furtado de Vasconcelos, de que remeto cpia, e em setepeties mais, com o fundamento de que aos Governadores e Capi-tes-Generais lhes era proibido passarem Alvars de Fiana por diversasordens de S. Maj. e, principalmente, pela de 8 de janeiro de 1722, que foiexpedida ao seu Juzo, afirmando no princpio da dita informao quereconhecia a falta de jurisdio que havia nos Governadores para passa-rem os Alvars de Fiana.

    Ainda que eu me conservo na posse, e desde o dia que entreia governar at ao em que o dito Ministro me duvidou da jurisdiomandei passar os que entendi se deviam conceder e que devera continuarnela at em execuo da mesma real ordem em que o mesmo Ministrose funda para me embaraar; contudo, como em nome de S. Maj. medisputa a jurisdio, ainda estando eu to certo no direito desta regalia,em ateno ao nome de S. Maj., a quem unicamente compete dar ou ti-rar jurisdio, suspendo eu todo o procedimento at esperar resoluode S. Maj.

    A Amaznia na era pombalina 195

  • Este Ministro me parece que no teve outro fim para praquela dvida mais que a fora do seu gnio, melanclico e pouco soci-vel, e sobretudo no dio que naturalmente tem tomado aos Governado-res: porque, sendo um homem letrado no podia deixar de refletir ecompreender que aquela real ordem em que se funda uma Provisoexpedida do Tribunal do Conselho Ultramarino, sem outro conheci-mento mais do que fazer-se resposta a uma Conta que o bacharel JosBorges Valrio deu do Governador que ento era Bernardo Pereira deBarredo [Berredo],139 ter passado um Alvar em um caso excetuado,no s calando o 32 do Regimento dos Governadores mas, contraria-mente, dizendo que eles no tinham ttulo algum para passarem os ditosAlvars, por cuja razo foi S. Maj. servido, pelo expediente do mesmoTribunal, mandar estranhar ao sobredito Governador o ter mandadopassar o dito Alvar em um caso de fugida de cadeia, e se lhe ordenavase abstivesse de passar Alvars de fiana, por lhe ser proibido por vriasordens de S. Maj, e porque ultimamente lhe declarava que nas matriasde justia no excedesse o seu Regimento.

    Porque aquele Ministro no informou a S. Maj. com a sinceri-dade que devera, porque aquelas reais ordens que na dita Proviso seenuncia, ou no apareceram nunca na Secretaria deste Governo ou nose expediram para terem o seu devido efeito; e mais que tudo, porque namesma Proviso de 8 de janeiro de 1722140 se ordena ao Governadorque no exceda nas matrias de justia o seu Regimento; por essa mes-ma real ordem ficaram sem interrupo de parte, passando os Alvarsde Fiana, que lhe so permitidos pelo dito 32 do Regimento desteGoverno, como consta das Certides dos mesmos Ouvidores que aca-baram nestas duas Capitanias, Joo da Cruz Diniz Pinheiro e Lus JosDuarte Freire; e do Secretrio que foi deste Governo, Jos Gonalves141

    e do que atualmente existe, Joo Antnio Pinto da Silva, referindo-seambos no s ao estilo moderno mas ao antigo como lhes constava pe-los livros e papis da secretaria sem que embaraasse esta Posse aos Go-vernadores o ser tambm permitido aos Ouvidores o poderem passar o

    196 Marcos Carneiro de Mendona

    139 Berredo: Nomeao por dec. de 2-IV-1717 e C. P. de 21-1-1718. Posse a18-VI-1718 at 19-VII-1722.

    140 Proviso de 8 de janeiro de 1722.141 Jos Gonalves da Fonseca.

  • dito Alvar de Fiana; porque esta regalia, que exercitada juntamentecom a dos Governadores faria uma confuso na administrao da Justi-a, se veio a regular exercitando-a somente na ausncia dos Governado-res, para que as partes no padecessem os graves incmodos que se lhesseguiriam com a ausncia dos ditos Governadores, vindo por elas a dila-tarem-se os seus recursos; e assim se estabeleceu, por uma praxe obser-vada inalteravelmente, como provam as Certides acima mencionadas, eat, ultimamente, a reconheceu o mesmo bacharel Manuel Lus Pereira,na ltima informao que fez de uma petio de ....... da Senhora Gaio,como se v da cpia que remeto; e at a reconheceu na execuo aosdois Alvars de Fiana concedidos a Flix Pereira de Cceres, e outro aFrancisco Craveiro da Silva, os quais ele passou pela Chancelaria; emobservncia deles mandou passar mandado de soltura aos presos, comoconsta da certido junta.

    Finalmente, Senhor, este Ministro quis embaraar os recur-sos a estes miserveis presos, sem mais causa que alguma particularque a ele s lhe presente, porque me no posso persuadir a que umhomem letrado, tendo presente uma lei assinada pela real mo de S.Maj., qual o meu Regimento, confessando como confessam na in-formao de Matias da Silva a praxe e posse em que estavam os Go-vernadores de passarem Alvars de Fiana, a duvidasse, fundado sna Proviso de 8 de janeiro de 1722: o que no me posso persuadir que este Ministro, sendo letrado, se capacitasse a que aquela Provisobastava para derrogar o Regimento deste Governo. primo: porqueainda a mesma Proviso, digo, porque uma Proviso passada peloexpediente de um Tribunal, que de sorte nenhuma podia derrogaruma lei formada pela real mo de S. Maj. que estava em sua verdadei-ra observncia.

    secundo: porque ainda a mesma Proviso no podia nunca produzirefeito contra a jurisdio dos Governadores e Capites-Generais desteEstado, antes vinha, se fosse necessrio, a fazer mais uma confirmao;porque sem embargo de que nelas se lhes disse que se abstenham depassar Alvars de Fiana sendo-lhes proibido por vrias ordens de S.Maj. sucessivamente se lhes declara que nas matrias de justia no ex-cedessem o seu Regimento, e como pelo 32 do dito regimento h S.

    A Amaznia na era pombalina 197

  • Maj. por bem que os Governadores e Capites-Generais passem os ditosAlvars, se segue que, passando-os, os Governadores se contm nos ter-mos do Regimento do Governo, e vm at a executar a dita real ordemde 8 de janeiro de 1722, a qual no que respeita a declarar que ao ttulo dosGovernadores no compete o passarem Alvars de Fiana no podia pro-duzir efeito algum, por ser passado com ob-repo e sub-repo notria,calando o Ministro que ento deu aquela conta um ponto to substancialcomo era declarar que os Governadores passavam os Alvars, no menosque com a jurisdio dada por S. Maj., no Regimento deste Governo.

    trcio: ainda que aquela Proviso fosse uma Proviso geral, o Alvar as-sinado pela real mo de S. Maj. se no podia nunca entender derrogadoo dito 32 do Regimento deste Governo,142 se dele no fizesse expres-sa derrogao, fazendo-o sumariamente meno da substncia dele, demaneira que claramente parece-me que ao tempo que S. Maj. o derro-gasse tinha sido informado de que nele se continha conforme a Ord. doLivro 2, Ttulo 44.

    E como este Ministro no podia ignorar estes princpios cer-tos, infalveis e verdadeiros, me parece que no podia ter outra causapara pr esta dvida mais do que o esprito de discrdia que Deus foiservido dar-lhe, e pr com a dita dvida em consternao aos miserveispresos; aos que andam soltos, em desordem, vendo-se obrigados a an-dar homiziados pelos matos, quando deveram reformar os Alvars so-bre que andavam cuidando dos seus livramentos, e, ultimamente, preci-sando-me a estar repetindo contas, no pondo ainda assim na real pre-sena de S. Maj. todas as que deveram, e s expondo a S. Maj. os casosque absolutamente no posso deixar de referir, por me ser preciso otempo para outros negcios do servio de S. Maj.

    Ponho o referido na presena de V. Ex, para o fazer presentea S. Maj., para que, sendo servido, d nesta matria a providncia que

    198 Marcos Carneiro de Mendona

    142 Trata-se do Regimento passado a Andr Vidal de Negreiros, a 14 de abril de1655. Fim do reinado de D. Joo IV. Analisado, entre outros, pelo Prof. Her-nani Cidade, quando estuda a interferncia do Pe. Antnio Vieira na organiza-o e cumprimento do mesmo, no Maranho. In Anais da Biblioteca do Par,tomo 1, 25, doc. 3.

  • lhe parecer mais justa, livrando com ela os pobres presos da aflio emque ficam por falta de recursos. Deus guarde a V. Ex muitos anos. Par,26 de dezembro de 1751. Senhor Diogo de Mendona Corte-Real.

    SENHOR Representando-me os moradores do rio Mearim o pre-juzo que lhes resulta de viverem dispersos pelas fazendas que tm, si-tuadas pelo rio, e que queriam faculdade para fundar uma vila, lhes res-pondi que deviam requerer a V. Maj., a quem s, tocava facultar seme-lhante graa; e em virtude deste meu desengano, me mandaram a splicaque com esta remeto a V. Maj.

    certo que as margens desse rio tm as melhores terras queh em toda a Capitania do Maranho, e so as mais prprias que se temdescoberto para canaviais; porque nelas se lhes tira fruto vinte e maisanos, sem outro benefcio que se cortarem, e por esta causa antigamenteera aquele rio povoado de muitos engenhos, dos quais se extraa o me-lhor acar que passava Europa; alm disto, tem excelentes campinasem que se viam bastantes gados, e proporcionadas para toda cultura quese lhes quisera administrar.

    Pelas razes referidas e tambm para que estes moradorespossam civilizar-se com a polcia que costuma resultar das povoaes,me parece a splica que fazem digna da real ateno de V. Maj, quesendo servido conceder-lhes a licena que pedem, tambm ser neces-srio mandar-lhes dez ou doze casais de gentes das Ilhas, tanto paraaumentar o nmero dos moradores, como para que os de l, imitaodeles, cuidem da cultura das terras com mais aplicao do que costu-mam.

    Oito ou dez dias de viagem, pelo mesmo rio Mearim acima,se acha outro chamado hoje Guaja, o qual me consta ter todas as pro-priedade que so precisas para uma excelente povoao, e alm destascircunstncias fica em parte por onde se pode comunicar com todo oBrasil, e me parece muito conveniente que tambm nele se funde outravila, mandando V. Maj. gente proporcionada para ela, com a qual po-dero tambm vir alguns casais de estrangeiros, havendo-os; porque

    A Amaznia na era pombalina 199

  • fica to distante dos nossos portos que no pode haver deles receio al-gum.

    Desta povoao, se seguir desinfestar-se o rio Mearim de al-guns gentios bravos, que ainda o habitam, e conterem-se os ndios Gue-gues, Acarus e Timbiras das hostilidades, e insultos que vrias vezestm sido presentes a V. Maj., e com muita facilidade se poder comuni-car, por terra, com as minas da Natividade e S. Flix e com todo o maisBrasil. V. Maj. mandar o que for servido. Par, 26 de dezembro de1751.

    200 Marcos Carneiro de Mendona

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    5 Carta

    ILM e Exm Sr. meu irmo do meu corao: Quis reservar paraesta informar a V. Ex que vim achar neste Governo um Secretrio cha-mado Joo Antnio Pinto da Silva, que um moo que tem, alm deum exemplarssimo procedimento, um prstimo e talento sumamenteestimvel, e no esperava eu achar entre a confuso em que isto estavaum homem semelhante. Eu estou sumamente gostoso com ele, porm,no sei se ele o est comigo, ou com a minha vinda, porque sendo esteo ofcio de pouco rendimento, agora lhe ficou reduzido metade, com aseparao dos governos.

    Ele no tem mais de oitenta mil-ris de ordenado; os prs epercalos da Capitania do Maranho, que era onde havia mais cartas deDatas e Patentes, cessaram, e fica reduzido quase a no ter com que sesustente: eu creio que ele requer acrescentamento de ordenado e estima-rei que, se V. Ex achar que razo, queira concorrer para que se lherenda justia.

    Se no fora o grande prejuzo que se lhe poder seguir de sedilatar nesta terra, onde nos termos presentes lhe no pode chegar orendimento do seu ofcio para comer, quisera pedir a V. Ex que fizessetodo o esforo por que me no tirassem daqui enquanto eu estou nestegoverno, porque no muito fcil achar um homem com o seu prsti-

  • mo e com a sua honra, e de quem eu faa uma inteira confiana, e outroqualquer que venha no sei o que sair, e um dos milagres que achei foiconservar-se ele puro entre a quantidade de desordens que tinha diantedos olhos, que lhe poderiam ter servido de exemplo ou de estmulo.Guarde Deus a V. Ex muitos anos. Par, 28 de dezembro de 1751.

    N 8 SENHOR Tendo V. Maj. servido criar um Governo na Capi-tania do Maranho, em tudo igual aos Governos da nova Colnia e Ilhade Sta. Catarina, nomeou logo para Governador da mesma Capitania aLus de Vasconcelos Lobo, a quem eu deixei de posse na cidade de S.Lus.

    Querendo entrar a executar a sua jurisdio, se achou sem Re-gimento algum, por que o pudesse regular; e como este novo Governo, em tudo, o mesmo que os dois, imitao de que foi criado, pareceque, com um traslado do Regimento de qualquer daqueles Governos,que se lhe remeta, poder ficar certo da sua jurisdio e conhecer atonde chega, e que V. Maj. lhe d aquela que for servido para que, desorte nenhuma, possa ficar esta matria no nosso arbtrio e, em conse-qncia, poder ser um fomento de discrdias que sempre so sumamen-te prejudiciais ao servio de S. Maj.

    Enquanto o dito Regimento no chegava, me pareceu conve-niente deixar-lhe a Instruo de que remeto a V. Maj. a cpia, para teralguma forma de se poder governar.

    O referido ponho na presena de V. Maj. para que lhe mandedar a providncia que lhe parecer mais justa. Par, 28 de dezembro de1751.

    202 Marcos Carneiro de Mendona

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    6 Carta

    ILM e Exm Sr. meu irmo do meu corao: Ainda que dei a V.Ex uma conta geral e larga do que me pareceu que era a runa desteEstado, quero agora em menos palavras contrair o discurso e referir al-guns casos em comprovao daquele papel.

    J V. Ex est informado do grande poder dos Regulares nesteEstado, que o tal poder o tem arruinado, que os religiosos no imagi-nam seno o como o ho de acabar de precipitar, que no fazem casode Rei, Tribunal, Governador ou casta alguma de Governo, ou Justia,que se consideram soberanos e independentes, e que tudo isto certo,constante, notrio e evidente a todos os que vivem destas partes.

    Assim se prova quanto ao pouco respeito da petio que re-meto do Principal da Aldeia de Piraviri,143 no rio Xingu, que a segun-da queixa que em poucos dias me fizeram estes miserveis ndios do Pe.Joo de Sousa, que nela se acha missionrio, pedindo que lhe mudem, eque lhe ponham outro. Indo eu falar ao Vice-Provincial da Companhianesta matria, e que deveria por naquela aldeia outro padre, por no praquela gente em termos de se perderem, e que j andava quase toda dis-

    143 Aldeia de Piraviri, depois vila de Pombal. Vide Serafim Leite. Histria da Compa-nhia de Jesus no Brasil, T. III, 352. Rio, 1943.

  • persa, e a aldeia em termos de se extinguir, respondeu-me secamenteque no queria, nem o havia de mudar. O crime destes ndios foi emuma ocasio de casamento embebedarem-se todos, como costumam, ehaver uma desconfiana entre eles, e querer o padre, que ento estava naaldeia, na maior confuso, acomod-los; no lhe tiveram respeito, nem oconheceram, e estiveram em termos de lhe atacar a casa e ainda no seise lha investiram. Passada a borracheira, entraram a pedir perdo, e con-fessando que no estavam em si, e a tremer do castigo: a isto se seguiutirarem o padre por frouxo, e mandarem para l ao Pe. Joo de Sousa,que entrou castigando alguns, e atemorizando todos, no escapando oPrincipal: com isto se puseram nesta desordem, que os padres por capri-cho no querem acomodar.

    Quanto ambio, farei uma pequena demonstrao com ocaso que hoje me sucedeu com estes padres.

    Havendo de se pr em termos de fazer jornada o padre missi-onrio que vai fundar a nova aldeia no rio Javari, me apareceu esta ma-nh nesta casa, fazendo-me um requerimento de que no podia fazer ajornada sem que eu lhe desse uma Portaria para que nas suas aldeias daRepartio lhe dessem trinta ndios para lhe remarem as canoas, ao mes-mo tempo em que eles no s tm todos sua ordem, e se acham atual-mente neste porto com trs grandes canoas que chegaram carregadas detartarugas, em que em menos de quinze dias tm feito mais de um con-to de ris nelas; no tendo estes padres outro fim mais do que quereremtirar estes trinta ndios Repartio dos particulares, porque no pou-pam meio algum de os arruinar, e ainda se no do por satisfeitos dostermos aos que os tm reduzido, at chegando ao excesso, debaixo dopretexto que sempre lhes lembra de que se no inquietem os ndios, deme fazerem a Petio que remeto, para fecharem o rio Xingu e mono-polizarem desta sorte o muito cravo que nele h, para que ningum maisque a Companhia entrasse no dito rio a colher esta importante droga,que era o efeito que havia de surtir se eu deferisse ao tal requerimento.

    Finalmente, meu irmo, as Religies neste Estado destrataramcom a proximidade, com a conscincia, com a honra e com a vergonha:aqui no h nem sinal de cristandade, neles a propagao da f no lhesserve mais que de pretexto, assim como na maior parte das naes doNorte, a Religio.

    204 Marcos Carneiro de Mendona

  • Os capuchos, que no nosso Portugal conservam aquelas apa-rncias de penitentes, aqui trocam inteiramente: vejo-os com botas cal-adas e esporas, armados de espingardas, catanas e pistolas, ao mesmotempo que me pedem lhes fale ao Contratador para lhes dar licena parairem ao Pesqueiro Real, com as suas canoas, pescaria, para apareceremnos conventos rendas pblicas, vendendo-se peixe seu por preos exor-bitantes, em ocasio de necessidade.

    Os das Mercs tm aougues