amazonia pombalina i-5

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......................... Carta I LMº e Exmº Sr. – Meu irmão do meu coração: Já tenho escrito a V. Exª o que basta para o importunar, mas não tudo quanto devera para o instruir; porque a matéria sobre que escrevo nem tem limite, nem cabe em explicação alguma. Já disse a V. Exª a grande soberba em que os padres da Com- panhia têm entrado com o decreto do Pe. Malagrida, 150 e com o favor que injustamente esperam achar no Padre-Confessor, 151 para favorecer os seus procedimentos, e sustentar-lhe os seus privilégios. Estão tão cegos e preocupados com esta idéia que – ao mes- mo tempo que (não digo que não fazem caso de mim como Governa- dor, que esse é o seu antigo costume) lhes não lembra nem que eu sou irmão de V. Exª para me atenderem, nem que algumas ordens que lhes tenho passado vão a diverso fraseado que eles até agora têm ouvido, e atendendo a diversos fins, também novos para eles, e que deveram refle- 150 P. Gabriel Malagrida: decreto. Até agora penso não ter lido esse decreto. No § 25 das Instruções passadas a 31 de maio de 1751, menciona-se a data de 23 de julho de 1750, de expedição desse decreto de D. João V; portanto às vésperas de sua morte, que se deu a 31 do mesmo mês e ano. No § 24 trata-se do mesmo as- sunto. (M). 151 Padre confessor: José Moreira, S. J.

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Amazônia na Era Pombalina I-5

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  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    7 Carta

    ILM e Exm Sr. Meu irmo do meu corao: J tenho escrito aV. Ex o que basta para o importunar, mas no tudo quanto devera parao instruir; porque a matria sobre que escrevo nem tem limite, nem cabeem explicao alguma.

    J disse a V. Ex a grande soberba em que os padres da Com-panhia tm entrado com o decreto do Pe. Malagrida,150 e com o favorque injustamente esperam achar no Padre-Confessor,151 para favoreceros seus procedimentos, e sustentar-lhe os seus privilgios.

    Esto to cegos e preocupados com esta idia que ao mes-mo tempo que (no digo que no fazem caso de mim como Governa-dor, que esse o seu antigo costume) lhes no lembra nem que eu souirmo de V. Ex para me atenderem, nem que algumas ordens que lhestenho passado vo a diverso fraseado que eles at agora tm ouvido, eatendendo a diversos fins, tambm novos para eles, e que deveram refle-

    150 P. Gabriel Malagrida: decreto. At agora penso no ter lido esse decreto. No 25 das Instrues passadas a 31 de maio de 1751, menciona-se a data de 23 dejulho de 1750, de expedio desse decreto de D. Joo V; portanto s vsperas desua morte, que se deu a 31 do mesmo ms e ano. No 24 trata-se do mesmo as-sunto. (M).

    151 Padre confessor: Jos Moreira, S. J.

  • tir que nada disto acaso em nada reparam, e vo andando com osseus projetos e assentando neles sem a mais leve reflexo.

    Assim se prova,152 porque indo um Governador buscar oVice-Provincial, lendo-lhe a petio que remeto, e dizendo-lhe que eranecessrio averiguar aqueles fatos, para se pr naquela aldeia outro pa-dre, me respondeu logo secamente, que no queria nem havia de man-dar tal missionrio, quando lhe constava e era notria a imprudncia eorgulho do tal padre, e no me valeu para o Padre Provincial nem a ra-zo, nem o cargo, nem o ser irmo de um Secretrio de Estado, para te-rem comigo alguma ateno.

    Pelo contrrio, vindo nesta nau o Capito-Tenente Jos deOliveira com uma recomendao do Pe. Jos Moreira, no tem havidognero algum de lisonja que lhe no faam, indo muitos dias dois padressaber, adivinhando-lhe os pensamentos, fazendo-lhe infinitos mimos demadeiras finas e outras coisas.

    Isto que em termos gerais poderia, sem o excesso que tem ha-vido, ser uma civilidade, nos termos presentes uma verdadeira de-monstrao do que tm na idia.

    Porque estes padres assentam e esto certos, com um erro in-desculpvel, que o Padre-Confessor lhes h de ter mo em todos os seusexcessos, e que dele s dependem, no sendo isto s discurso meu, por-que assaz me tm dado a entender algumas vezes, creio que para me ate-morizarem.

    Eles no crem, nem imaginam, que o Padre-Confessor no capaz de patrocinar as violncias que eles aqui praticam; vem-lhe a rou-peta, e entendem que sempre os h de defender, ou eles tenham razoou no, e eu estou convencido que, se o Pe. Jos Moreira for verdadeira-mente informado dos absolutos procedimentos que eles aqui tm, h deser o primeiro a nos estranhar. Basta j; o protesto de nesta mono lheno falar mais em missionrios. Guarde Deus a V. Ex muitos anos.Par, 2 de janeiro de 1752.

    P. S. Estando agora escrevendo esta, me chega a resposta daOrdem que eu tinha expedido a estes padres para a fundao do Javari,

    218 Marcos Carneiro de Mendona

    152 Estava assim esboado um choque que ia ter o seu desenvolvimento no decor-rer dos anos que se seguiram, at ao de 1759. (M.)

  • e depois destes padres, digo, e depois de eu lhes ter praticado miuda-mente a reserva da jurisdio, e eles consentido nela, e depois de terema Ordem em seu poder oito dias, me mandam agora protestar. L vaitudo para Lisboa: S. M. lhes deferir como for mais justo, na certeza deque quantos maiores privilgios conservar as comunidades, tantas maio-res foras d aos maiores e mais poderosos inimigos da sua Real Fazen-da e do bem comum deste miservel Estado.

    Tambm com a mesma carta nos chega juntamente a outrapetio de que remeto a cpia, para depois de eu deferir ao Pe. Malagri-da na fundao do Seminrio do Camet,153 na forma que ele me pedia,e declarou da sua letra na mesma petio; e depois de ratificar a dita de-clarao diante dos seus prelados, s com a novidade de que se deviaentender que a sustentao do Reitor e Mestre se deviam sustentar custa dos bens do Seminrio e que assim me pedia lhe declarasse, para oque deixou uma folha de papel assinada em branco para se fazer novapetio para aquela declarao, a que eu lhe disse que no tinha dvidaporque lhe achava razo. Contra este ajuste assim feito, no s no reque-rimento, mas diante dos mesmos prelados, vem agora com esta nova pe-tio, porque lhe parece mal e contra a sua autoridade a clusula que jus-tamente lhe pus de que requeressem a S. Maj. a dispensa da Ordem doLivro 2 T. 18 2,154 e como isto contra a imaginao da sua sobera-nia, andam fazendo estes requerimentos para se escusarem de pedir aS. M. a dispensa que para eles coisa bem nova.

    Ultimamente, estes padres no conhecem el-Rei para mais doque para lhe extorquirem tudo o que podem, para seguirem todos osmeios de lhe arruinarem a sua Real Fazenda, e aos seus vassalos reduzi-rem-nos sua ltima perdio em que se acham.

    A Amaznia na era pombalina 219

    153 P. Malagrida: fundao do Seminrio de Camet. Sobre sua fundao, veja-se oque consta nos 24 e 25 das Instrues de 31 de maio de 1751.

    154 Dispensa da Ordem do L II, tit. 18, 2: Com a publicao dessas Leis, todasas comunidades religiosas passaram a ficar merc de acontecimentos polticose administrativos do Reino; a menos que os bens de que dispunham j no tives-sem sido postos, por instrumento legal, em seus nomes, isto , da igreja, conven-to ou Ordem Religiosa adquirente dos mesmos, ou premiados por doao de algum.Havendo ainda a seu favor o disposto no 3 da primeira Lei aqui transcrita, econstante do L 2, Tit. XXIII, 19, das Ordenaes do Reino; estas, publicadasem Lisboa, MDCCXLVII. (M.)

  • Conheo ultimamente que, enquanto estes homens no co-nhecerem que S. Maj. estranha os seus procedimentos e que em Lisboase lhes no patrocinam os pretextos com que se confundem a razo e ajustia, que impossvel que se estabeleam estas Capitanias, como alargo tempo de tantos anos tm mostrado. Deus guarde V. Ex muitosanos. Par, era supra.

    220 Marcos Carneiro de Mendona

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    N 9/ SENHOR Chegando baa de So Mar-cos, no dia 26 de julho, logo com o Governador da Capitania do Mara-nho me meti no escaler e fomos desembarcar no porto da cidade de S.Lus, adonde pretendia demorar-me poucos dias; porm, por causa domau sucesso que a nau experimentou, como dou conta a V. Maj., foiforoso arribar mesma cidade, e nos dias que nela estive procurei in-formar-me com certeza de vrias desordens que nela achei, as quais faopresentes a V. Maj., com separao, nos lugares adonde pertencem, e noque respeita ao estado daquela Capitania, munies e petrechos que nelase acham. Recomendei ao Governador que de tudo desse uma exatssi-ma conta a V. Maj., a qual creio que ele dar.

    A 20 de setembro cheguei a esta cidade, e em 24 tomei possedo Governo, achando esta Capitania reduzida maior misria, tanto noscabedais de seus moradores como nas reais rendas de V. Maj., comologo mostrarei.

    Todos os vveres da terra tm chegado aos mais avultadospreos que nunca tiveram, e por esta causa no sobeja a cada um nadada sustentao cotidiana, antes, esta falta maior parte deles. As fazen-das esto to destruidas de cultura que muitas se tm reduzido a mato, equase todas em termos de sentirem a mesma desgraa, como bem seprova do pouco cacau cultivado que vai nos presentes navios, que certa-

    Londres, II-20.998.

  • mente no chegar quarta parte do que costumava ir nos anos antece-dentes.

    As rendas de V. Maj. acham-se to diminutas que foi forosorematarem-se os Dzimos deste ano pela quantia de 5:050$ rs., comomais largamente informarei a V. Maj., no lugar a que pertence.

    Pelas relaes juntas do Contador dos Contos desta Capita-nia, se mostra o dinheiro que presentemente h no cofre do Almoxarifa-do, e juntamente a importncia das despesas anuais, que so excessivas.A respeito do rendimento dos 55:000$ rs. que V. Maj. foi servido man-dar no ano de 1750, em Moeda Provincial, j no restam mais que 15:365$658 rs. em que entram 4:024$846 rs. do que rendeu a Dzima daAlfndega, e outras receitas midas.

    Para as despesas deste ano tem somente o Almoxarifado derendimento 5:050$ rs., preo por que se remataram os Dzimos, os quaisjuntos com os 15:365$685 rs. faz tudo a quantia de 20:415$658 rs., quemal bastaro para suprirem as despesas do presente ano, e passado eleficar o Almoxarifado com a dvida de grande parte do dinheiro que V.Maj., mandou, e sem meio de o poder pagar, nem tambm as despesasda folha, que ho de importar, com as extraordinrias, em mais de 50$cruzados, para as quais ter s de rendimento a 3 parte.

    Este , Senhor, o estado em que se acham as rendas de V.Maj., e sem esperana de aumento, antes com uma quase infalvel certe-za de terem maior decadncia.

    As fortalezas de que se compe esta Capitania esto de talmaneira arruinadas que nem ao menos conservam semelhana do queforam, como me constou por informaes dos mesmos capites queachei nesta cidade; e no tenho meio algum de poder reedific-las, por-que no h presentemente consignao alguma aplicada para as Fortifi-caes, e as rendas do Almoxarifado so diminutas como j demonstrei.

    Dos petrechos e munies que h nos armazns desta Capita-nia, constar V. Maj. pelo mapa junto, porm muita parte de tudo ve-lho, quebrado e incapaz.

    Nas matrias que V. Maj. me manda informar, satisfao pelaordem dos lugares a que tocam, e algumas que no vo respondidas porque no coube no tempo alcanar todas as informaes necessrias,

    222 Marcos Carneiro de Mendona

  • que poderei conseguir para o ano que vem. V. Maj. mandar o que forservido. Par, 4 de janeiro de 1752.155

    Doc. N 35 Ilm e Exm Sr. Remete-me V. Ex por ordem de S.Maj. uma petio do V. Pral. da Companhia de Jesus, na qual pretendeuns chos que ficam defronte do Palcio de S. Maj. em que residem osGovernadores deste Estado, com o fundamento de quererem fundar oSeminrio, e que havendo coisa que encontre esta graa d conta poressa Secretaria de Estado.

    Primeiramente estes Padres tm umas casas defronte da resi-dncia dos Governadores, as quais tm de frente 78 palmos, e logo jun-to a elas, correndo para a parte do Colgio, tm mais uns chos devolu-tos, que tm 222 palmos, os quais junto com os das casas fazem 300palmos que, com o fundo proporcionado que tm, parece que basta nos para o Seminrio, mas ainda para um convento regular.

    No satisfeitos os Padres s com esta rea, pretendem que S.Maj. lhes faa a merc de dar os chos que correm das ditas casas para aparte da residncia dos Governadores, os quais fazendo neles a obra quepretendem, deixam o solar com uma considervel diminuio no valor,e aos Padres se lhes parecer se lhes pode seguir a utilidade de fazeremcasas de aluguel, no resto da rea que lhes fica do seminrio. O nico lu-gar que h, capaz de se poder formar um regimento, o que pretendemos Padres, correndo para a parte do Palcio do Governo, porque o maisresto da Praa, ainda que tem extenso, todo pantanoso e alagado, demaneira que se no pode fazer nele evoluo alguma militar, e atenden-do a este fim to principal, e tambm a ficar a Praa com alguma regula-ridade, ainda que pouca. Os comprou o Governador que foi deste Esta-do Jos da Serra, o qual, sem afronta dos mais, foi um dos servidores,digo dos melhores servidores que S. Maj. aqui teve.

    A Amaznia na era pombalina 223

    155 Em carta a Diogo de Mendona, tratando dos mesmos assuntos, acrescenta: Este o miservel estado em que tomo entrega deste Governo, o qual se acha rodeadode Castelhanos, Franceses e Holandeses, e sendo o mesmo Estado a chave detodo o Brasil e Minas, e o pricipcio a que ele nestes termos se encaminha, com-preende V. Ex muito melhor do que eu, e pondo tudo na Real presena...

  • Para V. Ex se capacitar melhor, lhe remeto o mapa junto, doqual consta toda a verdade que tenho expendido, e no s me pareceeste requerimento indigno de ser atendido, mas tambm, se as possesdeste Almoxarifado o permitissem, seria de voto que se comprassem ascasas e chos que pertencem aos Padres, para que, demolidas, ficasseterreno suficiente de qualquer evoluo que se oferecesse.

    Finalmente, aos Padres no faltam stios em que fundem oSeminrio, no caso de o no quererem nas casas e chos que j possuem,e na ilharga do Palcio deste Governo tem rea suficiente para a obraque quiserem, como j lhes adverti, sem incmodo seu, nem o graveprejuzo que se segue da Graa que imploram.

    O referido far V. Ex presente a S. Maj. para determinar oque for mais do seu real agrado. Deus guarde V. Ex, muitos anos. Par,4 de janeiro de 1752. Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Doc. 22 Ilm e Exm Senhor Logo mandei dar cumprimento peloProvedor da Fazenda desta Capitania ordem que V. Ex me comunica,de que S. Maj. havia feito merc ao Padre Gabriel Malagrida de cemmil-ris de ajuda de custo para o gasto das jornadas das Misses quevem a fazer neste Estado.

    Este Padre, estando dois meses nesta Capitania, logo foi paraa do Maranho, e dizem que de l passara para o Brasil, em cujos termosparece que esta graa que S. Maj. lhe faz, deve ser satisfeita pelas Prove-dorias respectivas aos lugares por onde o dito Padre se achar, maior-mente estando este Almoxarifado to pobre, como V. Ex bem compre-ender das contas que dou nesta matria.

    O referido por V. Ex na presena de S. Maj. para determinaro que for mais de seu real agrado. Deus Guarde V. Ex muitos anos.Par, 7 de janeiro de 1752 Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    224 Marcos Carneiro de Mendona

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    8 Carta156

    ILM e Exm Sr. Meu irmo do meu corao: Logo no Mara-nho entrei a conhecer a impossibilidade de poder informar a V. Excom clareza dos fatos de que ia tendo notcia, e que iam ocorrendo, porcartas: porque, alm da sua multiplicidade, eram alguns midos e neces-sitavam de pessoa que os deferisse, que era outra impossibilidade tam-bm considervel.

    Tomando eu conhecimento do procedimento, probidade evirtudes do Bacharel Joo da Cruz Diniz Pinheiro, e vendo a grande ins-truo que ele tinha de muitos fatos interessantes que deveram ser pre-sentes a S. Maj. assentei que ele era o nico de quem eu poderia namono presente fazer eleio para informar a V. Ex sem o perigo decorromperem ou de relaxar o segredo.

    Tendo eu isto assim ideado, me veio ele dizer que queria reco-lher-se a Portugal pela Bahia, aonde tinha um negcio, e que, de cami-nho, se acabava de instruir praticamente de todos os sertes que medeiamentre aquela e este Estado.

    Como com esta jornada se me desarmava inteiramente o meuprojeto e o servio que com este ministro intentava fazer a el-Rei, lhe

    156 J mencionada pela Dra. Berta Leite.

  • disse que eu no devera consentir em que ele dilatasse tanto a sua jorna-da, e que S. M.c fazia um grande desservio a S. Maj. no s em pro-longar a sua viagem, mas a arriscar-se com a jornada daqueles largossertes, e que eu era de parecer que se recolhesse logo a Lisboa, na pre-sente frota, aonde com a sua chegada poderia render a S. Maj. um gran-de servio, informando aquele ministro a que o mesmo Senhor fosseservido mand-lo das midas e interessantes notcias que tinha adqui-rido, porque era muito importante que chegassem real presena de S.Maj. com a brevidade possvel, e que eu estava para partir por terra paraesta cidade,157 e que como ele era to prtico nos sertes, estimava mui-to traz-lo em minha companhia. Respondeu-me que no outro dia traziaa resposta.

    Veio no outro dia, e disse-me que ainda ele tinha feito as suasdisposies para aquela grande jornada, que como se tratava do serviode S. Maj. ele abandonava tudo e estava pronto a acompanhar-me, por-que em se presentando o real servio, nao havia para ele outro gosto ouconvenincia. Com o que ps-se a caminho comigo, e aqui chegamos etem estado nesta terra sem haver uma nica pessoa que, ou de ao deministro ou de homem particular, se atrevesse a dizer dele a mais levecoisa que fosse, a confirmar-lhe o carter de um verdadeiro homemhonrado.

    V. Ex praticar com ele, e depois de o instruir das notciasque leva, vir no conhecimento de que um homem sisudo, prudente,comedido, de uma honra completa, e de um carter de que hoje seacham mui poucos e dos que se devem espreitar para se puxar por elesat por fora, e eu no me resolvera a dar uma semelhante informaosem ter sondado muito a sua conduta e modo de imagimar, e persua-dir-me a que cumpro inteiramente a minha obrigao, quando ponho nareal presena de S. Maj. o carter daqueles homens que andam emprega-dos no seu real servio e que lhe podem render com conscincia, honrae verdade; poderei enganar-me, mas com os fundamentos com quedeve falar todo aquele homem que deseja acertar e obrar com honra ezelo do servio de S. Maj.

    226 Marcos Carneiro de Mendona

    157 Porque vinha da de S. Lus do Maranho.

  • Depois de S. Maj. informado pelas notcias deste ministro, de-sejava eu ansiosamente ter outro gosto que era pegar neste Bispo, e derepente p-lo na presena de S. Maj., ao menos pelo breve tempo detrs horas para o acabar de instruir em todos os particulares deste Esta-do: porque, alm de ser dotado de um grande talento e zelo, conhece to-das as Misses, e tomou conhecimento mido do que vai nelas, e dasconseqncias que se seguem do estabelecimento por que elas so ad-ministradas, e com a sua excelente expresso ficaria S. Maj. inteiramentecapacitado da maior parte do que se passa nestas Capitanias, e eu noconheo de tudo o que est destas partes, ningum que com mais verda-de e conhecimento das matrias pudesse informar a S. Maj.

    Estas so as nicas duas pessoas, alm do Secretrio desteGoverno, que tenho achado que me falem com zelo do servio de el-Reie em verdade, e assim como mando um igualmente desejara mandar oprelado por pouco tempo, mas o que bastasse para dar a sua informaopessoalmente, porque h infinitas coisas midas, que, sendo essenciais, quase impossvel referirem-se.

    Eu assim como mando o Bacharel Joo da Cruz, desejara queele c me ficasse, porque desta casta de ministros que se necessita nes-tas terras, e com ele poderia eu adiantar tudo o que impossvel avanarcom o que aqui me fica. Guarde Deus a V. Ex muitos anos. Par, 8 dejaneiro de 1752.

    Doc. n 17 Ilm e Exm Sr. Em uma Junta de Misses que fiz em 8de novembro, recomendei aos Prelados das Religies que ordenassemaos Missionrios das aldeias respectivas, a cada um deles, que cuidassemem civilizar os ndios e faz-los aprender os ofcios a que tivessem pro-penso, para poderem ser de utilidade ao pblico na forma que sua ma-jestade foi servido ordenar-me no 16 da minha Instruo.

    Constou-me que aquela ordem de palavra no tinha sido demomento algum para os ditos Prelados, por cuja razo me resolvi a pas-sar-lhes a mesma ordem por escrito, por um aviso circular que expediatodas Religies, do qual remeto a V. Ex a cpia.

    A Amaznia na era pombalina 227

  • Parte destes padres me responderam por escrito, dos quais re-meto a V. Ex a cpia, e os outros me responderam de palavras, quelogo mandaram cumprir a dita Real Ordem.

    Do Padre Jos de Morais, da aldeia, digo, missionrio da aide-ia de Tabapar, junto da Vila da Vigia, recebi a carta de que remeto a V.Ex a cpia, da qual se v que se em 1 ms se adiantaram tanto aquelesndios, em dois at trs anos falaro o portugus muito bem.

    Os padres de Santo Antnio administraram uma aldeia naIlha de Joanes, em que assistem os ndios Sacacas, os quais tiveram j es-colas de ler e escrever e ainda h alguma em que se encomendam aDeus pelo seu livro. Na Canoa do Dzimo do Pesqueiro anda umdestes que o Caixeiro, e um destes dias escreveu na minha presena,fazendo uma letra suficiente. Depois disso, assim estabelecido por res-peitos prprios, acharam os ditos padres, a propsito, a uns poucos deanos fecharem as escolas, e criarem os rapazes na barbaridade em quenas mais aldeias eram educados, agora continuaram a boa obra que ti-nham principiado e que sem razo queriam arruinar.

    No posso deixar de referir a V. Ex, um caso que a este pro-psito me sucedeu com um Principal de uma destas aldeias. O qual vin-do-me aqui falar em um negcio seu lhe mandei dizer pelo Intrprete,porque nenhum fala portugus, que S. Maj. os mandava ensinar a ler eescrever, e lhe ordenava que falassem a lngua portuguesa, porque eramseus vassalos, e queria premiar aos que se fizessem benemritos; a istolhe vi levantar as mos e fazer uma grande arenga na lngua chamadaGeral, e levantando os olhos ao cu, e como eu no entendia nenhumapalavra perguntei ao Intrprete o que dizia, respondeu-me que dava gra-as a Deus de ver chegado a tempo em que se pudesse acabar a cegueirae ignorncia em que eram criados.

    Estes so os homens que se diz que no tm juzo, que noso capazes de nada. Espero em Deus, que se estes padres lhes aplica-rem os meios que devem, e que S. Maj. lhes manda, que se poder fazercom esta gente uma Nao, como qualquer outra, de que o servio de S.Maj. e do pblico possa tirar grande interesse. Deus guarde a V. Exmuitos anos Par, 8 de janeiro de 1752. Sr. Diogo de MendonaCorte-Real.

    228 Marcos Carneiro de Mendona

  • Doc. n 22 SENHOR Quando na cidade de S. Lus do Maranho viesta real ordem de V. Maj., logo perguntei ao Provedor da Fazenda Realdaquela Capitania, quais foram os Missionrios que deixaram de dar osndios, em virtude das portarias do meu antecessor,158 ao que me res-pondeu que a todos os daquela Capitania os mandara apresentar; e quenenhum lhe dera cumprimento, valendo-se para este efeito de frvolospretextos, e dizendo todos que no tinham ndios, e como o dito Prove-dor-Mor se no contraiu a fato determinado, com separao deste oudaquele Missionrio, no posso informar a V. Maj. seno com a mesmageneralidade que bem certa neste Estado. V. Maj. mandar o que forservido. Par, 9 de janeiro de 1752.

    Doc. 28 Ilm e Exm Sr. Do mapa incluso constar a V. Ex do n-mero de oficiais e soldados que h nesta capitania, de cuja qualidade detropa terei a honra de informar a V. Ex com aquela individuao e cla-reza que me for possvel e que negcio to importante merece.

    Deixando o posto de Capito-Mor que S. Maj. foi servidomandar agora suprimir, o maior oficial que me fica na praa o Sargen-to-Mor dela, Lus Fagundes Machado.

    Este Sargento-Mor ainda est em boa disposio e poderia mui-to bem servir, se fosse criado como soldado, e em terra que se exercitasseou soubesse a Arte Militar; mas como da Ilha Terceira, donde principiou aservir, passou para esta cidade, nela continuou o servio de S. Maj., e foipassando pelos postos na mesma ignorncia em que se achava, at chegarao de Sargento-Mor que exercita, e no com demasiada atividade.

    Est nesta Praa outro Sargento-Mor chamado Engenheiro,de 70 anos de idade e bastamente esquecido da sua profisso, se quealgum dia soube alguma coisa dela.

    A Amaznia na era pombalina 229

    158 Meu antecessor: Mendona Gurjo.

  • Alm dos dois ajudantes de infantaria h um chamado Grana-deiro, que lhe no considero serventia alguma, e outro chamado da Arti-lharia e outro das Obras que superintende nos ndios que vm para oservio real, com as canoas e obras que se fazem por conta da Real Fa-zenda.

    O Corpo de Infantaria se compe de cinco Companhias,das quais est uma vaga, e das quatro so capites os que referirei a V.Ex, e o estado em que se acha.

    O mais antigo Joo Pais de Amaral; consta-me que umhomem bem nascido, acha-se com 78 anos de idade e 60 de servio, nosquais entram 40 de capito. Est cheio de achaques, estropiado e inca-paz de fazer nem ainda a obrigao ordinria de entrar de guarda, daqual est desobrigado.

    Da segunda Capito Bernardo de Almeida e Morais, passade 70 anos de idade, acha-se com 45 anos de servio nessa praa, en-quanto entram 11 de capito. Serviu no Tero de Auxiliares na Praa deCascais. No tem tantos achaques como o primeiro, mas pelos seusanos no est em termos de poder sair da Praa para alguma ocasioque se oferecer.

    Da terceira capito Domingos da Silva; acha-se com pertode 60 anos de idade, e 34 de servio, em que entram trs de capito. quebrado, mas ainda est capaz de algum servio.

    A quarta est vaga.E da quinta que ou devia ser da Artilharia, capito Fran-

    cisco Fernandes, que tem 76 anos de idade e 55 de servio, em que en-tram 15 de capito. Est cheio de gota, cego e outros infinitos achaques;e h muito tempo que no faz a sua obrigao, porque lho embaraamas molstias que padece.

    Estes so os oficiais de patente de que se compe este peque-no corpo de Infantaria, e ainda que fossem mais moos e tivessem per-feita sade, nenhum deles se achava em termos de disciplinar soldados,porque era impossvel que pudessem ensinar o que nunca aprenderam.

    Como o decreto por que S. Maj. foi servido mandar arregi-mentar as tropas da Amrica no est ainda aqui executado, por meconstar que o meu antecessor deu conta a S. Maj. sobre uma dvida que

    230 Marcos Carneiro de Mendona

  • lhe ocorreu, no tm as Companhias mais Oficiais do que Alferes e sar-gentos.

    Nas cinco Companhias se acham somente dois alferes; por-que quando aqui cheguei achei um ausente, que na primeira mostra lhemandei dar baixa; e dois, que um deles era um miservel alfaiate, e outroum pobre ferreiro, me requereram na Mostra que queriam dar baixa, acujo requerimento lhes eu deferi logo, com muito boa vontade, porqueno tinham prstimo algum, nem esperana de que pudessem vir servirpara nada. Restam unicamente dois alferes, que so dois homens dos dedistino desta terra.

    Da mesma forma, me pediram que lhes dessem baixa trs sar-gentos do nmero, que nem pelo seu prstimo, nem pelas suas pessoasse podia esperar de nenhum deles que pudessem ser de uso algum nosservios de S. Maj. Tambm lhes deferi com a mesma boa vontade queaos alferes.

    No tenho consentido que at agora se prova posto algumdestes, porque tenho dito que aqueles que se no examinarem diante demim, lhes no hei de mandar sentar praa de posto algum; ainda nohouve um s que quisesse aumento com esta condio.

    Acho-me com 232 soldados, dos quais esto destacados nasFortalezas, 96, e ficam lquidos para o servio 136. Neste pequeno nu-mero h sempre presos, doentes e algumas licenas, e de modo ordin-rio trazem as listas de semana, prontos para o servio, de 92 at 98, equando muito 100, como V. Ex ver das que remeto.

    Sendo estes os prontos, so precisos para as guardas 48, evm a render-se uns a outros sem terem descanso algum, que para sem-pre trabalho que certamente no podem sofrer, e principalmente nestaterra aonde nem po tm, porque em seu lugar lhes do duas Tainhascada dia, do Pesqueiro de Joanes.

    Estes verdadeiramente so os termos em que se acha o mise-rvel Corpo deste Estado, digo desta Capitania, e sobre serem to pou-cos, no h neles coisa que parea de soldados, nem quem haja de lhosensinar.

    Com este Corpo de gente, j V. Ex compreende que no sme no posso defender de qualquer insulto ou atentado que me hajam

    A Amaznia na era pombalina 231

  • de fazer os Castelhanos, mas nem ainda posso conservar o respeito comos nacionais, e, em conseqncia, no posso fazer coisa que seja til aoreal senhorio de S. Maj., porque o Governador que no est em termosde se fazer respeitar, no pode fazer grandes progressos, nem pode fa-zer desabusar aos Povos dos maus costumes em que se tm arraigado;sendo algum em grande prejuzo do bem comum dos mesmos Povos, esendo o Governador Mercenrio, de nenhuma sorte pode fazer coaoalguma, e por fora h de estar pelo que fizerem os Povos Brbaros comos quais no h razo que baste para os fazer reduzir ordem e polcia.

    Como vejo os Fundos Reais reduzidos aos termos de que ain-da este pequeno Corpo que aqui h no pode haver com o que se lhepague mais do que apenas no presente ano, e no sei se todo; como jtive a honra de informar a V. Ex na Conta Geral do Estado, me nolembrara de informar a V. Ex do menor Corpo de Tropas que aqui sedevera conservar, porque, como no h com o que se lhe pague, nopode haver soldados.

    Porm, porque pode ocorrer algum meio que eu no alcanopara se dar providncia para esta grande necessidade, direi o que me pa-rece sobre o menor nmero de oficiais e soldados que aqui precisamen-te devero subsistir e conservar-se este Governo, com algum gnero derespeito.

    Primeiramente, esta terra est em termos que em eu saindodela, como devo sair muitas vezes, preciso que fique governada porum Sargento-Mor, o qual nem gnio, nem juzo, nem modo tem para se-melhante emprego; e no sendo este o que fique no Governo, precisoque caia em algum destes Capites tontos e estropiados, e j V. Ex vque qualidade de desordens se podem seguir da minha ausncia.

    Para evitar estas, me parecia que deveria haver assim, comotodos os governos da Amrica, da graduao destes, um Oficial deOrdem, com a mesma graduao dos Tenentes-Generais, e dois subal-ternos seus, por quem se distribussem as ordens.

    Que o Corpo de Infantaria deveria ser de 600 homens com-pletos, que formassem doze Companhias, entrando neste nmero osOficiais, vindo corresponder a cada uma 44 soldados.

    232 Marcos Carneiro de Mendona

  • Este Corpo me parecia que devera ter um Coronel, Te.-Coro-nel, Sargento-Mor, e dois Ajudantes, e dez Capites, vindo assim o Sar-gento-Mor a ficar sem Companhia.

    Estando estes Oficiais na Praa, no caso de morte ou ausn-cia do Governador, se devolvia o Governo quele a quem pertencia,sem ficar no desamparo em que naturalmente se h de ver em poucosdias, com a minha ausncia para o Macap.

    E porque o nmero que acima digo no parea excessivo, serpreciso informar a V. Ex do servio que esta gente tem de fazer, e doresto que h de sempre de subsistir na Praa.

    preciso que V. Ex saiba que no falando nas Fortalezas,junto esta cidade, que, ou se mudam as guardas com a regularidade dasda Praa, ou de 8 em 8 dias. Tm que guarnecer neste rios sete Fortale-zas, alm de uma patrulha na ilha de Joanes e outra nas Salinas.159

    A primeira de que me devo lembrar a do Macap, na qualme parece que sempre deve estar uma Companhia completa de 50 ho-mens, porque a postura em que se acha aquela nova povoao necessitade todo o cuidado.

    A segunda a do Gurup, que uma Fortaleza de registro, naqual devem estar ao menos 20 homens de guarda, e j teve maior lota-o.

    A terceira dos Pauxis,160 aonde deve haver grande cuidado,porque ali vm parar a maior parte dos homens que andam no serto,capturando Tapuias, contra as ordens de S. Maj., e necessita ao menosde 15 homens de guarnio.

    As outras quatro que so Paru, Rio Negro, Tapajs e CasaForte do Guam, no podem ter menos de 10 homens de guarnio, evm a importar, as ditas 4 Fortalezas, 40 homens. Na Ilha de Joanescostumam estar dois soldados, e nas Salinas Reais, 5.

    Pelo detalhe acima, se v que so precisos para a guarniodas Fortalezas 132 homens, e que em ocasio de mandar render, neces-

    A Amaznia na era pombalina 233

    159 Salinas, da regio de Caet, depois Bragana, do Maranho.160 Pauxis: depois bidos.

  • sito de 264, que abatidos dos 600, ficam para se guarnecerem as Fortale-zas da Barra e fazerem-se as guardas ordinrias da Praa, 336, que meparece nmero assaz moderado para o servio ordinrio; conter estepovo em respeito e subordinao e para dar estimao ao Militar que seacha aqui reduzido ltima vileza.

    Feito isto, assim se podiam suprimir os postos seguintes:

    Capito-Mor do Gurup, que no serve de nada e tem de sol-do 80$ rs. e o seu Capito de Infantaria, que tem 48$ rs.

    Os Capites do Paru, Pauxis, Tapajs, Rio Negro, Capito doForte de S. Pedro Nolasco,161 do Fortim da Barra e da Fortaleza, quetodos vencem o soldo de 48$ rs.

    Os do Guam, Joanes e Salinas no tm mais que praa desoldado.

    Porque havendo Posto Militar de nada servem estes oficiaisde P de Castelo, e deviam as Fortalezas ser guarnecidas com Oficiaisdo Regimento, rendendo-se uns aos outros, conforme o tempo e a dis-tncia em que as Fortalezas se acham, e no fariam as grandes desor-dens que muitos destes tm feito, com a certeza de que no ho de serrendidos seno no fim dos trs anos.

    Como as Fortalezas se acham arruinadas e se devero tam-bm reedificar, e no seria indiferente o tirar-se um Mapa exato destesrios e das infinitas ilhas que neles h; me parece que no seria tambmindiferente mandar S. Maj. para esta cidade um oficial engenheiro, hbile capaz de satisfazer a ambas estas obrigaes nas quais eu o acompa-nharia de muito boa vontade, e seria sumamente precisa a vinda desteoficial para o desenho da Fortaleza do Macap, a qual hoje no passa deum pequeno terrapleno, sem outro material que a mesma terra, na for-ma que me dizem.

    Isto o que me parecia justo, moderado e sem excesso; po-rm como o Errio Real quebrou, e se extinguiram os seus fundos nestaCapitania, de nada vem a servir este plano mais do que fazer presente aV. Ex o de que necessitava, se aqui houvesse com o que se pagasse a

    234 Marcos Carneiro de Mendona

    161 Forte de S. Pedro Nolasco: a primeira vez que vejo mencionado, e no seionde fica ou ficava.

  • esta gente, e se S. Maj. fosse servido orden-lo assim, na certeza de que impossvel que esta Capitania se possa adiantar ou subsistir, nos ter-mos em que se acha.

    Pelas relaes que me mandou o Governador do Maranho,consta achar-se em 6 de setembro do ano passado aquela Praa com 5capites, 5 alferes, 10 sargentos, 10 cabos-de-esquadra, e 148 soldados,cujo nmero me dizem que tem crescido, porque o Governador tem feitoalgumas recrutas.

    Dos capites, esto dois incapazes e os outros tambm noesto para demasiado trabalho, exceo do capito D. Manuel de Cas-telo Branco, que poder ter 50 anos, e que at eu sair do Maranho, odeixei robusto e em boa disposio.

    Naquela Capitania no h mais Fortalezas no serto que a doItapucuru; as duas que nem o so, nem o parecem, chamadas a CasaForte do Iguar, e Casa Forte do Mearim, as quais me consta no pas-sam de duas choupanas, aonde se manda entrar de guarda, parece-meque 6 soldados em cada uma.

    Tem junto Cidade a chamada Fortaleza de S. Francisco, queno tem mais obra de terra, cuja se aplainou aonde se montaram as pe-as, e fazerem-lhe para dentro os quartis para os soldados.

    A Fortaleza da Barra, que sendo nova e feita com custo, esttotalmente arruinada, e s se conserva um pedao em p, e nela no en-tra guarda.

    Como naquela Capitania se no destaca tanta gente para guar-das de Fortalezas dos sertes, como nesta; nem tambm tem vizinhosque confinam com esta, me parece que se poder muito bem fazer oservio ordinrio com 300 homens, divididos em 6 Companhias, co-mandadas por um Te.-Coronel; e havendo um Sargento-Mor, 5 capitese um Ajudante.

    Naquela Capitania, se pode muito bem sustentar este Corpode Tropas, administrando-se com cuidado a Fazenda Real, e concordamtodos os prticos que muito melhor, se se arrematarem os Dzimos porFreguesias. C, porque seguram, que podero dobrar as rendas reais, etero com o que se pague aos Filhos da Folha; e como todos uniforme-mente assentam nisso, persuado-me a que se no enganaro.

    A Amaznia na era pombalina 235

  • O referido por V. Ex na presena de S. Maj. que mandaro que for mais justo e mais conveniente ao seu real servio. Deus guardeV. Ex muitos anos. Par, 9 de janeiro de 1752. Sr. Diogo de Men-dona Corte-Real.

    Meu amo do meu corao D-me V. M. a certeza de que logra umaperfeita e constante sade, e toda a sua famlia, a quem eu me recomen-do com afetuosssimas memrias, e estimarei que estas gostosssimasnotcias me cheguem assim como eu as desejo.

    Eu cheguei a salvamento a esta terra, ainda que na viagempadeci algumas molstias, e tive o trabalho de dar a minha Nau emum baixio, em que deitou o leme fora, e nos vimos em bastante peri-go, porm, como a gente chega sua casa tudo mais esquece com fa-cilidade.

    Cheguei enfim amigo, minha barataria;161-A aqui estou dan-do regras, e passando ordens que V. M. se havia de regalar de me ver, esoberbo, que j no abaixo a cabea a ningum, e vou cuidado em esfo-lar esses homens, que o que acaba de constituir um bom governador,porque em se tomando o que cada um tem em sua casa, e se tiranizandoo gnero humano, logo h respeito e se lhe tem medo, assim no hou-vesse Inferno.

    Agora falando srio, lhe digo que estes lugares so muitograndes, de muito respeito, mas de pouco ou nenhum lucro, porqueneles, salvas as duas bacatelas da honra e da conscincia, no h nempode haver outro lucro mais do que o pobre soldo, que apenas chegapara os gastos ordinrios, com o que, se Deus me levar com vida aPortugal, apelo ou para a piedade de meu Amo, ou para a ocupao deFeitor, ou Caseiro da quinta de Oeiras, aonde me foi sempre excelente-mente bem.

    Nada se me dera agora de estar antes, ainda que com muitofrio, em Santa Eullia de Baits, conversando muito a meu gosto, com o

    236 Marcos Carneiro de Mendona

    161-A Nota-se que a expresso vem de barato e no de barata. (M.)

  • Abade, e divertindo-me com a sua agradvel companhia, e fosse, quemquisesse, Governador e Capito-General deste Estado; porque eu troca-va a estas horas, sem que me ficasse saudades algumas do que perdia,porque, quando no avanasse mais, sempre dormia as noites com sos-sego, sem ter nada que me desse cuidado, e aqui perdem-se bastantes, etudo o que falta de sono, sobeja de cuidados.

    A Loureno Homem me far V. M. e favor de recomen-dar-me com afetuosssimas memrias.

    A Lus de Vasconcelos deixei no governo da sua capitania,sendo por certo, e sem dvidas que no far nada contra a honra, masreceio que o logrem, porque no tem notcia, nem prtica alguma destesnegcios, e estes Amigos por c so bastantemente destros, e precisogrande cuidado com eles.

    Torno a recomendar-me com mil memrias a seus Irmos, emais famlia, e sempre fico para servir a V. M. e com a mais obsequiosavontade. Guarde Deus a V. M. muitos anos. Par, 10 de janeiro de 1752. R Snr. Dr. Matias do Vale.

    DOCUMENTO N 15 DA 1 SRIE DO LV DO REGISTRODAS INFORMAES, CONTAS E RESPOSTAS DATADO DE LISBOA,

    2 DE FEVEREIRO DE 1752

    Trata-se do manuscrito n 20.998.

    Doc. 15 Ilm e Exm Senhor. Quando cheguei cidade de S. Lusdo Maranho, achei nela o Secretrio deste Governo Joo Antnio Pin-to da Silva que, por ordem do meu Antecessor, foi esperar quela cida-de, os navios do comrcio para fazer algumas diligncias que se ofere-cessem do real servio de S. Maj., e logo dele fui informado dos negciosmais interessantes deste Estado, com muita verdade, honra e zelo, ecomo este homem dotado destas circunstncias, que facilmente se noajuntam, e tem tambm boa inteligncia e prstimo, quisera que S. Maj.me fizesse a merc de mo conservar, no tempo em que eu aqui estiver;porque V. Ex bem compreende que de um bom secretrio dependemuita parte dos interesses do Governo.

    A Amaznia na era pombalina 237

  • Porm, o grande prejuzo que teve na diviso dos Governos,cessando-lhe a maior parte dos emolumentos que quase todos lhe resul-tavam das Capitanias do Maranho e Piau, que se separam, pelas muitascartas de Datas e Sesmarias que por l se passam, o deixou em termosde no ter em que se sustentar, porque somente recebe o limitadssimoordenado de 80$ rs. com os poucos emolumentos desta Capitania, enestes termos faz a petio que remeto a V. Ex, para fazer presente a S.Maj.; segurando ao mesmo Senhor que este requerimento de sumajustia e piedade, e que querendo fazer a este Secretrio a merc quepede a poder fazer sem servir de exemplo aos sucessores, atendendoaos merecimentos que talvez em outro no concorram.

    Fao esta representao a V. Ex para a fazer certa a S. Maj.sem mais outra causa que conhecer o prstimo deste Secretrio, e a jus-tia do seu requerimento. Deus Guarde a V. Ex muitos anos. Par, 10de janeiro de 1752 Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Doc, 24 Ilm, e Exm Sr. Apresentando-me o Pe. Malagrida o alvarpor que S. Maj. foi servido conceder-lhe licena para fundar diversos Se-minrios, no s neste Estado, mas tambm no do Brasil, expressan-do-se no dito alvar o seminrio que se achava fundado nesta cidade, eo outro que se deveria fundar na vila do Camet, me requereu o dito Pa-dre que lhe pusesse o cumpra-se, o que com efeito executei.

    Poucos dias depois me requereu, por uma petio, para quelhe desse licena para fundar o dito Seminrio da vila do Camet, ao quelhe disse que devera primeiro requerer ao Prelado, que era o prprio no-meado no alvar a quem se devia requerer, e que depois do obter licenado Bispo, se seguia o requerer-me a mim.

    Perante o mesmo Prelado requereu e atestou ou justificouque tinha suficientes meios para subsistncia do dito Seminrio, e comeste fundamento obteve licena do Ordinrio e se lhe passou a provisode que remeto a cpia.

    Com a mesma Proviso, e com a cpia do alvar, me veiologo requerer a licena, e segui o meio de mandar ouvir ao Procurador

    238 Marcos Carneiro de Mendona

  • da Coroa, a que advertir de algumas circunstncias que me parece preci-sas, e deu a resposta que remeto.

    Dei segundo despacho, em conseqncia, em resposta doProcurador da Coroa, em que mandei que declarasse o dito Padre o n-mero dos seminaristas com que pretendia fundar o dito Seminrio. Aeste despacho se seguiu vir-me falar e trazer-me uma informao confu-sa, em que no dizia nada.

    Como vi aquela confuso, lhe disse que eu no podia deferirdando-lhe a licena que me pedia, visto me no declarar que utilidade seseguia ao pblico com aquela fundao.

    A isto me respondeu que queria tirar toda a liberdade aos seus(formais palavras), de que pudesse converter coisa alguma do rendimen-to daquelas fazendas doadas, que no fosse para sustento dos Seminaris-tas, e que esta era a sua inteno; e que como no estava com toda a cer-teza informado do rendimento que podiam produzir as Fazendas, noqueria declarar menor nmero, para depois se converter maioria emdiversos usos, contra a sua vontade.

    A isto lhe disse que, como aquela era a sua mente, devia fazerum juzo prudente do nmero de seminaristas que sem dvida se podiamsustentar, aplicando mais rendimentos que houvesse a maior nmero,arbitrando-lhes a cngrua para cada um, que entendesse que era sufici-ente. Levou a petio para o Colgio e a teve l desde 28 de outubro at5 de novembro, em que me trouxe a declarao da sua letra e sinal, queremeto no seu original a V. Ex.

    Em virtude da dita declarao, lhe deferi na forma que V. Exver no despacho que vai na mesma petio. Em conseqncia do ditodespacho se passou a Proviso de licena de que remeto a cpia.

    Na dita Proviso, ver V. Ex que no houve clusula algumaminha mais do que dizer ao dito Padre Malagrida que recorresse a S.Maj. para lhe dispensar na lei que embaraa as Religies a aquisio debens de raiz; sendo todas as mais clusulas, declarao que fez o dito Pa-dre na petio, como V. Ex ver da que fez da sua letra, na mesma peti-o para a licena.

    Poucos dias depois de expedida a licena, dizendo-me que ano podia aceitar com as duras condies que eu lhe tinha posto, no

    A Amaznia na era pombalina 239

  • lhe respondi outra mais que perguntar aos Padres se se achava ainda oPadre Malagrida no Colgio; disseram-me que sim, mas que no outrodia partia para o Maranho.

    No mesmo instante fui ao Colgio, e chamei ao Padre Malagridae diante do Vice-Provincial, Reitor e de mais alguns Padres, lhe perguntei seme tinha ou no feito de sua letra e sinal daquela declarao, e se lhe reco-mendara eu que conferisse aquele negcio com os seus Padres. Respon-deu-me diante dos mesmos Padres, que tudo era verdade e que ele estavapela dita declarao; e que sempre se devia entender nela que o Reitor e elese haviam de sustentar custa daqueles bens doados.

    A isto se seguiram algumas razes que os seus Padres tiveramna minha presena com ele, porm ficou sempre constante na resoluo,e me tornou a dizer que o Reitor e o mestre se deviam sustentar pelosrendimentos das Fazendas162 que se doavam para a fundao do Semi-nrio, e que assim o devia eu declarar, e ele me requeria.

    Como isto me pareceu justo, lhe disse que no tinha dvida ecomo fazia jornada no outro dia, naquela mesma tarde me fizesse umapetio em que me requeresse o que ali me dizia, e que logo lhe declara-ria que o sustento dos ditos Padres se havia tambm de compreendernos rendimentos dos bens doados; disse-me que j no tinha tempopara requerimento, mas que deixaria uma folha de papel assinado, embranco, para nela se fazer petio para a dita declarao.

    Quando eu esperava pela petio, na forma em que o PadreMalagrida tinha ajustado comigo na presena do seu Prelado, e outrosPadres, me apareceram aqui dois, com um recado do Vice-Provincial,em que me dizia que visse aquele Bulho, se estava bom para mandaremcopiar no papel que tinha assinado em branco o Padre Malagrida, cujobrulho remeto a V. Ex, no seu original.

    Logo que li o papel lhe respondi que dissessem ao seu Vice-Pro-vincial que no s no estava bom, mas que estava o pior que podia ser,porque absolutamente encontrava163 no s o que me tinha dito e ajustadocomigo o Padre Malagrida, mas que at destrua o que ele tinha declaradode sua letra e sinal na petio que me fizera para lhe dar a licena, e na pre-

    240 Marcos Carneiro de Mendona

    162 Eram as fazendas do Piau, doadas Companhia por Domingos Certo.163 Encontrava: no sentido de ser contra; de discordar do assentado.

  • sena do mesmo Bispo, Vice-Provincial, e Reitor, e mais Padres, e quecomo eu no conhecia ningum autorizado por S. Maj. para estas funda-es, mais do que ao referido Padre Malagrida, no devia deferir a requeri-mento algum que encontrasse o ajustado por ele, que era s a parte legtimae contemplada por S. Maj. para esta casta de negcios.

    Passados bastantes dias, no se dando estes padres por enten-didos, me fizeram a petio de que remeto a cpia, que na substnciavem a ser o mesmo que continha no brulho que me meteram, porm,sem se valerem do papel em branco que tm do dito Padre Malagrida,concluindo que lhes mandasse passar outra Proviso de licena, sem asclusulas impeditivas que a outra encerrava.

    Diferi-lhes que declarassem quais eram aquelas clusulas; res-ponderam que eram as que bastantemente se declaravam na dita Provi-so de licena, como se v da cpia da resposta que remeto.

    E no havendo na dita licena outra clusula alguma que sejaminha, mais do que lhes mandar que se dispensem da lei, porque tudo omais so as declaraes que fez o dito Padre Malagrida, na petio quefez para a licena que lhe deferi, na forma que V. Ex ver da cpia queremeto do ltimo despacho.

    Eu no sei, certamente, o que estes padres querem, porqueainda deferindo-lhes na prpria petio que me fizeram, na forma queme pediam, no se do por contentes.

    Ao que me persuado, sem dvida, que primeiro se lhes fazsumamente violento pedir a dispensa da lei,164 porque impetrando estagraa vm a fazer uma formal confisso da injustia com que possuem aimensidade de fazendas que tm em todo este Estado sem licena oupermisso alguma para as possurem.

    E que querem tambm administrar os novos bens que adqui-rirem com o pretexto dos Seminrios, e as cngruas de que S. Maj. servido fazer-lhes merc, sem que para isto o pblico receba o benefciode se criarem nos ditos Seminrios alguns rapazes pobres, sem pagarema penso que se costuma dar anualmente aos que sendo dotados de ju-zo e boa ndole se perdem, porque os Padres no me consta que tenham

    A Amaznia na era pombalina 241

    164 Se lhes faz sumamente violento pedir a dispensa da lei: transcrita na ntegra,neste trabalho. Ord. L. II, Tit. XVIII, pg. 18.

  • recebido algum de graa, e se os povos no ho de receber esse benef-cio, far-se-lhes- ainda mais pesados, que vo continuamente entrandonas Comunidades os bens que deveram tirar do pblico, sem que aomesmo pblico se siga da proveito algum.

    Estes Padres, como se no serviu do papel que lhes ficou assi-nado em branco pelo Padre Malagrida, em requerimento algum que mefizessem, persuado-me a que o guardaram para fazerem com ele algumrequerimento a S. Maj. Eu tenho informado a V. Ex de todos os passasque tm havido nesta matria para os pr na real presena do dito Se-nhor, que nela tomar a resoluo que lhe parecer mais justa e mais con-forme ao seu real servio. Deus Guarde a V. Ex muitos anos. Par, 11de janeiro de 1752. Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Doc. N 19 Ilm e Exm Sr. Por aviso do V Ex de 5 de junho meordena S. Maj. que mande alguns toros de pau Gateado, do melhor quehouver, e que mande tambm amostras de madeiras melhores e mais es-quisitas que aparecerem, por duas vias.

    Para executar logo esta real ordem, fiz toda a possvel dilignciae nem no Maranho, nem nesta cidade achei uma nica pessoa que me des-sa notcia de pau com tal nome, e para todos eles se lhes fez muito novo.

    Por mais fino pau que aqui h o chamado Bura Penima queem bom portugus, quer dizer pau malhado; este excelente muito slido,e com diversas cascas de malhas.

    Porm, como nestas terras se trata tudo o que diz respeito amadeiras com uma ignorncia crassa, e com suma negligncia, ainda queme tem trazido amostras de algumas madeiras finas de diversas castas,contentam-se com isto, sem que seja possvel dizerem ou saberem don-de a tiraram, e se h abundncia ou esterilidade dela, porque at agorano tm feito caso nenhum de madeiras.

    O tal Bura Penima me dizem que vem do rio das Trombetas,por cima da fortaleza dos Pauxis e do rio Negro.

    A maior parte do que aqui vem nas canoas dos Padres do Car-mo e da Companhia, porque hoje so raras as canoas particulares que pas-

    242 Marcos Carneiro de Mendona

  • sam ao serto. Deste Penima remeto a V. Ex, quatro pequenos toros porquequando aqui cheguei, algum que havia, me disseram que estava em mos depessoas particulares, e os tinham mandado fazer em bengalas das quais pudehaver quatro que remeto a V. Ex, para amostra, duas por cada via.

    Dos quatro toros so pintados de pintas midas trs, o outrotem poucas, e o quarto delgado, mas mais comprido que todos. es-quisito o que sendo amarelo, tem umas manchas pardas que imita bas-tantemente a tartaruga.

    Vo mais dois toros de uma madeira fina que nem me deramnome nem de onde vieram, porque este o costume inaltervel nesta terra.

    H aqui mais outra madeira chamada Buraquatiara, que em por-tugus pau pintado, de que me dizem que foi o ano passado bastante;deste remeto tambm amostras por duas vias, este no to slido comoPenima, h outro pau chamado Malhado, de que tambm remeto amostras,que bastantemente slido, e depois de feito em obra, me dizem que se fazcomo o bano. Com estas amostras vo outras, todas com as suas clarezas.

    De todas que for descobrindo farei uma relao e terei a hon-ra de remeter a V. Ex na primeira ocasio.

    Do pau Penima fiz uma encomenda aos Padres do Carmo, elhes ordenei que fizessem toda a diligncia por me mandarem bastante,porque me persuado a que este ser o Gateado, e se no o for, sempre madeira esquisita e fina que pode em Lisboa ter infinita serventia. Esperoque lhes faro a remessa com a mesma eficcia com que eu lhes fiz a en-comenda. Se assim se fizer persuado-me a que S. Maj. ficar bem servido.

    Deus Guarde a V. Ex muitos anos Par, 12 de janeiro de 1752.

    Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Ilm e Exm Sr:165 Quisera que V. Ex me fizesse o favor de dar-me acerteza de que se lhe tem continuado toda aquela sade que eu lhe desejo,que na sua Exma. Casa tem todas as felicidades de que V. Ex merecedor.

    A Amaznia na era pombalina 243

    165 O cartrio dos Condes de Povolide est na posse do 5 Conde de Povolide, D.Jos Maria da Silva de Noronha, morador em seu palcio de Oveiras de Baixo,Portugal.

  • Nesta mono recebo uma Proviso da Junta do Tabaco, assi-nada por V. Ex, com trs exemplares do Regimento que V. Maj. foi ser-vido mandar dar para a Alfandega daquele importante gnero. Ao mes-mo Tribunal, respondo com a dvida que h na execuo dessa ordem,a qual no se dever demorar um instante, por se achar a lavoura de Ta-baco quase abandonada neste Estado. Pelo 25 do meu Regimento,166

    porm, pela Proviso que remeto ao mesmo Tribunal, consta que me defendido proibir ordem alguma que no seja expedida pelo Tribunal doConselho Ultramarino, Desembargo do Pao, ou Mesa da Conscincia,naquelas Matrias que lhes dizem respeito.

    Como o mesmo Conselho Ultramarino me no tem at agoraexpedido, no s este Regimento, mas nenhuma das Leis que novamen-te mandou S. Maj. promulgar sobre os Estabelecimentos da Amrica,nem ainda a Pragmtica167 e as suas modificaes, acham-se as duas Ca-pitanias de que se compe este Estado, sem obrigao de executar as di-tas Leis, porque o Tribunal a que pertence no as expediu para seremnele publicadas, e deste mesmo esquecimento dou uma Conta no Con-selho; espero que em conseqncia dela, me venham todas juntas.

    Vim aqui achar a plantao do Tabaco totalmente arruinada, eo pouco que se fabrica, vendendo-se a trs mil e duzentos a arroba, pre-o que impossvel que possa fazer conta para o Comrcio.

    Eu tenho falado a todos estes homens para os animar a fabri-carem Tabaco, e tenho mostrado a grande utilidade que se lhe pode se-guir desta lavoura. Verei se posso conseguir com esta Misso, alguma causaque possa ser til.

    244 Marcos Carneiro de Mendona

    166 25 do meu Regimento de 31-V-1751.167 Pragmtica: Lei e Pragmtica de 24 de maio de 1749, pela qual D. Joo V hou-

    ve por bem proibir o luxo, e excesso dos trajes, carruagens, mveis e lutos; ouso das espadas por pessoas de baixa condio, e diversos outros abusos quenecessitavam de reforma. Lei contrassinada pelo secretrio de Estado Pedro daMota e Silva.Pelo alvar com fora de lei de 21 de abril de 1751, tambm contrassinado porPedro da Mota e Silva, foi essa Pragmtica alterada em alguns dos seus captulos.Vide coleo de leis, decretos e alvars, publicado em Lisboa, MDCCXCVII, naoficina de Antnio Rodrigues Galhardo.No decreto de D. Maria I, de 17 de julho de 1778, h referncia ao CapituloXVI da Pragmtica de 24 de maio de 1749. (M.)

  • Por que o vendam a melhor preo, e porque vendendo-o estagente por preo mais barato, nos pode fazer muito melhor conta paraComrcio, e para extrao do gnero, os persuado a que o fabriquemcomo o de Virginia, de que pela minha mo lhes fiz uma amostra que fi-cou excelente; se conseguir esta lavoura, assim poderemos fazer umgrande negcio na extrao deste gnero, porque tem muito menor des-pesa e o podem dar por metade do que vai em rolo, e neste at poupamas caldas que do ao da Bahia e Pernambuco.

    Veja V. Ex se tenho nesta terra em que possa ter a honra deservir a V. Ex que sempre me h de achar para este exerccio, com a maisreverente, obsequiosa e fiel vontade. Guarde Deus a V. Ex muitos anos.Par, 14 de janeiro de 1752. Ilm e Exm Sr. Conde de Povolide.

    Doc. 25 Ilm e Exm Sr. Logo que recebi as ordens de S. Maj., queV. Ex me expediu, para ajustar os cortes das madeiras para a Ribeiradas Naus, mandei com toda a pressa cortar as que me pareceram quafaltariam para acabar de carregar a nau do comboio, e como a acelera-o com que se devera fazer aquele corte no permitia demasiados exa-mes para se fazer a averiguao necessria, o ajustei pelos preos queconstam da relao junta, que sendo, exceo das curvas, muito dimi-nutos dos que V. Ex me mandou no foram de sorte que eu pudesse fi-car satisfeito, e logo disse ao homem que a tinha ajustado que de sortenenhuma haviam de servir os ditos preos para o corte grande.

    Depois que tive mais tempo fui fazendo algumas averiguaesque me pareceram precisas, e vim ultimamente a ajustar pelos preosque constam do mapa e termo de arrematao que remeto a V. Ex.

    Ainda que estes preos so to diminutos, como V. Ex bemcompreender da combinao que fizer dos que me mandou com os donovo ajuste em que a Fazenda real leva um grande avano.

    Contudo, diz o mestre da Ribeira, que se S. Maj. mandar fazeros cortes por sua conta lhe ho de sair as madeiras muito mais em c-modo, e eu tambm assim me parece, porque o empreiteiro necessrioque ganhe com que se sustente a si e a sua famlia, para S. Maj. ser bem

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  • servido, e no me ocorre outra dificuldade para se fazer o corte porconta de S. Maj. mais do que haver quem administre esta fbrica porconta da Fazenda Real, com conscincia, honra e verdade, que o deque estas terras esto bastantemente faltas.

    O Mestre da Ribeira me no deu razo alguma para fundar oseu voto, e s creio que o estabeleceu, e com razo, na larga experinciaque tem deste trabalho. Querendo eu ter algum fundamento para mepoder instruir nesta matria, mandei que me tirassem dos Contos todosos gastos que se tm feito na Ribeira com os cortes das madeiras, por-que tenho relao de toda a que tem ido para Lisboa, para, vista da re-ceita e da despesa, me poder aclarar. Me veio dizer o contador dos Con-tos, que a ia tirando com grandssimo trabalho, e que nunca poderia serexata, porque estava em tal confuso que era impossvel poder sair con-ta verdadeira. Se vier a tempo terei a honra de remeter a V. Ex.

    Como me vi sem coisa certa em que me pudesse fundar, disseao Mestre Teodsio Gonalves, que me desse os preos por que lhe pa-recia que mais baratas nos poderiam dar as madeiras, para eu me poderajustar com algum fundamento; deu-me os que constam da relao dasua letra, e sinal que remeto a V. Ex no seu original.

    vista da dita relao conclu o ajuste, diminuindo em muitasparcelas o que me foi possvel, como V. Ex concluir, conferindo a ditarelao com a dos preos do ajuste, e assim me parece que visto o votodo Mestre no esto os preos muito fora de conta.

    Estou esperando se me trazem os gastos que se fizeram naRibeira, para me poder aclarar mais nesta matria, porm, esta casta dedespesas parece-me que tem sido negcio bem dificultoso nesta matria,digo terra a liquidarem-se. Eu dei ordem para que se fizessem com todaa clareza e distino, e por mais eficcia com que a tenho pedido aos ad-ministradores, ainda no a pude conseguir.

    Ao Mestre da Ribeira ordenei fizesse uma relao da madeiraque era preciso para a carga da nau, que a deveria transportar este ano,na forma da ordem de S. Maj. Fez a que consta da cpia que remeto a V.Ex, que me parece mais do que carga para um navio e madeira para aconstruo de uma nau inteira.

    As canoas que andam transportando os Povoadores para oMacap, ordenei que me trouxessem toros de cedro, por no virem des-

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  • carregadas. J ficam nesta terra dezenove de 32 palmas de comprido, ealguns de bastante grossura. Dizem-me algumas pessoas que naquele s-tio h bastante quantidade de cedro, arrojados quelas praias pela gran-de correnteza do rio das Amazonas; outros dizem que aos poucos, eassim, sem eu ir examinar o que h na verdade, no posso informar a V.Ex com certeza, porque os informantes cada um diz o que lhe parece.

    Se os cedros forem tantos como dizem os primeiros infor-mantes, parece-me que nos podem fazer muita conta, porque no noscustaro nada mais que o carreto; enfim, verei o que acho para poder in-formar a V. Ex com verdade. Deus guarde V. Ex muitos anos. Par, 14de janeiro de 1752. Sr. Diogo de Mendona Corte-Real.

    Ilm e Exm Sr. Em execuo da real ordem de S. Maj. expressada no 30 da minha Instruo ostensiva,168 chamei particularmente aquelaspessoas que me pareceu poderiam ter algumas notcias destes sertes,para me informar com elas e ouvir o juzo que faziam do Tratado de Li-mites, de 13 de janeiro de 1750.

    Tambm entrei na averiguao de ver se podia achar notciados administradores das aldeias castelhanas, e da mesma forma acla-rar-me a respeito da abertura do caminho deste Estado para o MatoGrosso, em execuo da mesma real ordem.

    O primeiro que ouvi, porque certamente dos que aqui h oque tem mais prtica dos sertes, foi a Joo de Sousa de Azevedo, oqual, depois de se fundar, ainda que grosseiramente, em uma quantidadede razes prticas, me disse que sempre dissera ao meu antecessor e avrias pessoas mais que a diviso s era til Coroa de Castela, e que ade Portugal ficava notria e gravssimamente lesa, e que assim o disserasempre e para prova me presentava as certides, que no seu original re-meto a V. Ex, chegando este homem at o excesso de dizer que lhe pa-recia a tal diviso uma traio formal.

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    168 Instruo de 31 de maio de 1751.

  • Com as mesmas certides me deu um papel da sua letra, quetambm remeto a V. Ex no seu original em que no s confirma o queme disse, mas d uma relao historiada, ainda que tosca e rstica, detodos aqueles sertes e seus descobrimentos.

    Tambm me entregou o dito Joo de Sousa o outro papel in-cluso, feito na mesma forma, em que me pede o remeta a S. Ex para opr na presena de S. Maj.

    Jos Pereira Machado,169 a quem aqui chamam o Peregrinoda Amrica, por ter vagado por todos estes sertes, a quem eu no

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    169 JOS PEREIRA MACHADO, o PEREGRINO DA AMRICA: tenho em mo o volu-me 1 do Compndio Narrativo do Peregrino da Amrica, de Nuno Marques Pereira,6 edio, publicado pela Academia Brasileira de Letras, em 1939.Na Nota Preliminar desta 6 edio, se diz ter ele falecido em Lisboa, depois de1733.Na nota (1) do captulo II, transcreve-se o que foi publicado no vol. XL, 220,dos Documentos Histricos: do que se vale G. na nota biogrfica da mesma 6 edi-o. Por a fica-se sabendo que este Peregrino da Amrica, por volta de 1704,andava com outros mais comprometido por vrias culpas que haviam cometido. Seriaisso ao tempo das lutas dos Emboabas, adverte Garcia. A 28 de junho de 1725,temos o homem se dirigindo a Manuel Nunes Viana pedindo proteo e auxliopara a publicao do seu famoso livro; o que se deu.Pouco depois temo-lo, isto , o mecenas Nunes Viana, embarcando para a Me-trpole, levando o manuscrito de Jos Pereira Machado; alis, no se fazendo re-ferncia ao mesmo.Na nota ao captulo XXII. do vol. 2, p. 279, o exmio anotador Pedro Calmonescreve: Depois de 1733 se lhe perde o rasto. No saiu mais do Brasil, cremos.Sumiu-se na obscura passagem enaltecida pela sua literatura religiosa, terna e evo-cativa. Deixou, para documentar uma vida aventurosa de Emboaba, um esbooapenas; linhas desconexas, traos ligeiros, desenho irregular. Mas, um esboo queachou o seu lugar na galeria dos retratos primitivos da terra e gente do Brasil.Temos assim, aqui, tudo o que se sabe sobre a vida desse grande Peregrino da Amrica.Pergunte-se: que idade teria realmente o homem em 1733? de onde foram tira-das as datas de 1652 de seu nascimento, e 1733, de seu desaparecimento?Que o homem era de aventuras, no carece dvida, e se assim era porque noiria parar na Amaznia? Talvez seguindo as antigas rotas por So Paulo e MatoGrosso, ou ainda a de Minas Gerais, Gois, Mato Grosso e Gro-Par.Sendo ainda no caso admissvel a de Minas, Gois (Minas de ouro de So Flix eNatividade), rio Tocantins, So Lus do Maranho e depois Belm do Par; ou teriaele nas suas andanas conhecido o mascate paulista doubl de gegrafo e cartgrafo,Joo de Sousa de Azevedo? que infringindo ordens expressas de D. Joo V, deixan-do Cuiab em busca do ouro, foi ter ao Arinos e deste passando ao Tapajs foi pararem Belm do Par, aonde esteve para ser preso e condenado, e s no o foi pela justafama que j ganhara de ser o maior conhecedor da navegao dos rios que ligavam oMato Grosso ao Gro-Par, e os seus servios, por isso, serem considerados teis Corte de Lisboa, nos importantes servios das Demarcaes do Tratado de 1750.

  • pude falar por se achar doente h uns poucos de meses, mandando-lheperguntar pelo Bacharel Joo da Cruz Diniz Pinheiro o juzo que faziadesta diviso, me mandou dizer na substncia o mesmo que havia ditoJoo de Sousa de Azevedo.

    Deste mesmo parecer so mais algumas pessoas de menosmomento, a quem falei nesta matria.

    Ultimamente, Jos Gonalves da Fonseca, secretrio que foideste Governo me constou que falava em bem diverso sentido, e aindaque eu tenho boas razes para entender que este homem no pode tercrdito nesta matria, sempre o chamei e tendo com ele uma prtica parame informar verdadeiramente do seu sentir, depois de me fazer um gran-de arrazoado a favor da diviso, no me dando fundamento algum queno fosse suasria aparente, e algumas razes a posteriori, lhe disse que eutinha estimado muito ouvi-lo, mas que queria instruir-me inteiramentenesta matria, visto ficar aqui onde me poderia ser necessria toda a infor-mao que me dissesse em grosso se entendia ele que, pelo que respeitava diviso dos domnios, ficvamos ns melhor que os castelhanos, ao queme respondeu que certamente ns ficvamos notoriamente melhor por-que lhes cedamos o Territrio e Colnia do Sacramento, o qual era quasepantanoso, e que recebamos c no Norte muito melhores terras, que ti-nham muito ouro, o qual nunca podamos tirar nas terras cedidas. Comoo ouvi discorrer com este fundamento, me dei por instrudo das notcias

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    Francisco Xavier de Mendona Furtado, cumprindo ordens contidas nas Instru-es que recebera em 31 de maio de 1751, mandou ouvir em cumprimento dessasordens a Jos Pereira Machado; o j citado Joo de Sousa de Azevedo e outros,sobre o que pensavam do Tratado de 13 de janeiro de 1750. Segundo os termosde sua carta de 20 de janeiro de 1752, achavam os interpelados ou inquiridos oTratado prejudicial coroa portuguesa. Jos Pereira Machado, o Peregrino daAmrica da Amaznia de 1751, por se achar doente h uns poucos de meses,no pde ir falar pessoalmente com o Governador Mendona Furtado.Como se v, o fato se passou exatamente cem anos depois da era indicada parao seu nascimento 1652.Pergunte-se: houve duas pessoas que acudiam pelo cognome de Peregrino daAmrica ou se tratava da mesma pessoa com nome trocado?Nessa mudana o Pereira foi conservado? De qualquer forma, no havendo cer-teza na data de nascimento do primeiro Peregrino, nem se sabendo tambm aocerto quando morreu, a incgnita perdura e perdurar enquanto no apareceremoutros documentos relativos aos dois Peregrinos, um Nuno Marques Pereira, e ooutro Jos Pereira Machado. (M.)

  • do tal Jos Gonalves, que no destitudo de prstimos, mas era precisoque tivesse corao mais puro do que na verdade tem.

    Pelas informaes dos dois homens que acima referi, que somuito prticos nos sertes, e pelas mais notcias vagas de diversas pesso-as, vim a inferir que os castelhanos avanam muito sobre os domniosde S. Maj., alm das conseqncias da Praa da Colnia, que naquelecontrato tiveram melhores procuradores que os portugueses.

    Pelo que respeita aos administradores das aldeias castelhanas,no h aqui todo o conhecimento que era necessrio para se fazer umainformao exata e precisa.

    O que achei somente foi que aquelas aldeias, que novamentese fizeram e esto distantes das terras grandes, que ou por falta de not-cia delas, ou porque no h quem sirva dos ndios e os governe, estopouco mais ou menos administrados como os nossos, exceo da ln-gua, porque todos os fazem falar castelhano, tendo sempre nelas os n-dios muito mais liberdade do que os nossos.

    Os que esto mais chegados povoao, ou parte onde hmoradores, que se possam servir deles pagando-lhes o seu trabalho, soadministrados por um capito, no fazendo os padres nas aldeias maisdo que o ofcio de procos, porque se lhes no permite outra alguma ju-risdio, e por aquele capito ou administrador que se faz a distribui-o dos ndios: ele cobra dos mesmos ndios o tributo em que estomultados em reconhecimento da vassalagem Coroa de Castela. Isto o que tenho podido achar, ainda que em grande confuso.

    Enquanto ao caminho deste Estado para o Mato Grosso,170

    assentam todos os que tm conhecimento destes sertes que nada con-vm tanto segurana e subsistncia daquelas minas, e para embaraar

    250 Marcos Carneiro de Mendona

    170 Caminho do Estado do Gro-Par para Mato Grosso: sobre o assunto, baseadoem larga documentao, fiz uma conferncia sob o ttulo O Caminho do MatoGrosso e as Fortificaes Pombalinas da Amaznia. Vide Revista do Instituto,T. 251, de 1961.Desde o dia 19 de janeiro de 1749, em que foram passadas as Instrues a D.Antnio Rolim de Moura, primeiro Governador e Capito-General de MatoGrosso, assinadas pela rainha D. Mariana dustria, mulher de D. Joo V, econtrassinadas por Marco Antnio de Azevedo Coutinho, tio do futuro Mar-qus de Pombal, tem-se conhecimento de quanto esses dois graves problemaspreocupavam os governantes de Lisboa. (M.)

  • aos castelhanos, o quanto se vo adiantando em aldeias no rio Apor,com que em pouco tempo nos privaro a comunicao com aquelas mi-nas, sem que, de se freqentar, se seguisse prejuzo algum ao servio deS. Maj., s alfndegas do Rio de Janeiro, ou ao perigo imaginado de que,pelo dito caminho, poderiam ter os estrangeiros mais facilidade para nosentrarem nas ditas minas.

    Dizem que no s se no seguia nada contra o servio de S. Maj.de se freqentar este caminho, mas que antes era mui conforme ao mesmoreal servio e subsistncia deste Estado, e das minas do Mato Grosso.

    Primo: porque, freqentando-se este caminho os mesmos passa-geiros embaraariam aos castelhanos o avanarem mais sobre as nossas ter-ras e que, quanto menos jornadas fizermos para aquelas minas, tanto maislivres ficam os castelhanos para irem multiplicando aldeias, e que a expe-rincia mostrou que, por falta de conhecimento e navegao do rio Apor,passaram os castelhanos parte que nos toca a fundar as aldeias de Sta.Rosa, So Miguel e So Simo, e que teriam j fundado mais algumas emmaior prejuzo nosso, se no fossem embaraados por uns criminosos quese acham homiziados e estabelecidos em uma ilha chamada a Comprida, nomesmo rio Apor, os quais lhes tm feito alguns insultos e atemorizado,para que no continuem em adiantar as fundaes de novas aldeias.

    Secundo: que, se bastam quatro malfeitores para conterem a estespadres castelhanos de no terem adiantado a sua conquista nas nossas ter-ras, continuando em fazerem aldeias, muito mais os obrigar, no s a con-ter-se mas at me persuado que a largarem as aldeias que hoje tm naqueledistrito, se, alm de se permitir o caminho franco a todos os que quiserempassar desta cidade para o Mato Grosso, se estabelecerem nas partes que sejulgarem mais convenientes algumas povoaes, fazendo na principal umafortaleza capaz de fazer respeito, e no ser necessrio que seja muito gran-de para naqueles distritos surtir este importante efeito.

    Tercio: que, do sobredito, se compreende claramente que nose mandando, e logo, franquear aquele caminho e fazer nele as sobredi-tas povoaes, crescero os estabelecimentos dos castelhanos propor-o do nosso descuido, e fazer-se-o to poderosos naquelas partes quenos podero dar um grande cuidado nas mesmas minas do Mato Gros-so, sem nos ficar outro meio de as socorrer, mais do que pelo Rio de Ja-neiro, de onde os socorros lhes ho de chegar to tarde e to dbeis

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  • como V. Ex bem compreende; do que se conclui manifestamente,quanto a mim, que em coisa nenhuma se encontra a liberdade de irquem quiser desta Cidade para aquelas minas, o servio de S. Maj. e obem comum e a segurana e liberdade daqueles povos.

    Quanto ao prejuzo que se considera que h de ter a alfndegado Rio de Janeiro, me parece que, alm de ser insignificante, sustentadoo dito fundamento prejudicial Fazenda Real e ao bem comum daquelespovos, e de sorte nenhuma equivale a todos os outros em contrrio.

    insignificante e prejudicial Fazenda Real o seu estabeleci-mento, porque todos os que tm conhecimento daquelas minas171 con-cordam que, quando nelas so precisos cem mil cruzados de fazenda,apenas lhes entram dez, e nisto assentam sem dvida nenhuma com quetemos despachados dez mil cruzados de fazendas no Rio de Janeiro,quando deveriam ser cem, do que se manifesta que esta parcela insig-nificante quela grande alfndega, e prejudicial Fazenda Real tudo oque vai de dez para cem.

    tambm prejudicial ao bem comum e subsistncia daquelespovos porque os que transportam os gneros pelas largussimas viagensque fazem de gua e terra, em que tm os grandes riscos e perigos que aV. Ex so notrios, lhes introduzem os gneros por tal preo que no possvel que aqueles miserveis moradores possam nunca ajuntar quatrooitavas de ouro; porque qualquer coisa que lhes seja preciso comprar parase vestirem lhes leva o cabedal, que tm tirado da terra, como bem no-trio e constantes a todos os que tm conhecimento daquele arraial; doque se manifesta que no s no possvel que aquelas minas se adian-tem, mas que nem ainda possam subsistir, a menos de no quererem seraqueles moradores escravos dos comboiadores que ali transportam os g-neros. Pelo contrrio, entrando as fazendas por este ponto para aquele ar-raial, pela facilidade que h no transporte, se lhes introduziro todos osgneros de que necessitarem aqueles moradores, e em conseqncia sedespacharo nesta alfndega, onde S. Maj., por 400$000 que perde de di-reitos na do Rio de Janeiro, cobrar aqui de mil cruzados, vindo assim autilizar tanto como se mostra neste verdadeiro clculo.172 E os moradores

    252 Marcos Carneiro de Mendona

    171 Minas de Mato Grosso: quando precisavam de 100 recebiam 10.172 As incrveis reivindicaes da Alfndega do Rio de Janeiro.

  • daquelas minas recebero os gneros por metade ou pela 3 parte do quehoje os compram, sobejar-lhes- ouro com que comprem mais negros,adiantar-se-o as lavras, engrossar-se- de gente aquele arraial, e se porde sorte que nos no dem cuidado os vizinhos, ficando tambm esta al-fndega com os avanos das muitas fazendas que nela devem despa-char-se, e ser este um dos meios para S. Maj. poder pagar aos filhos dafolha, sem que seja preciso mandar-lhes pagar de Lisboa, como creio quesuceder agora, visto estarem exauridos os fundos reais.

    Tambm no pode fazer dvida, para se facilitar o comrciodesta cidade com o Mato Grosso, o fundamento que em contrrio ouviem Lisboa de que, introduzindo-se por esta terra173 os gneros quelasminas, elas passariam ao Serro do Frio, a Goiases, e que finalmente comeste novo caminho arruinvamos a grande cidade do Rio de Janeiro.

    Isto insubsistente, porque a mesma dificuldade que se d devirem as fazendas do Rio de Janeiro a Mato Grosso, se d de irem deMato Grosso s Minas Gerais e Goiases; e a que preo se poderiamvender naquelas minas, sendo transportadas daqui ao Mato Grosso,com 5 meses de navegao por estes rios, e de l s Minas, e Serro doFrio com um ano de trabalhosa viagem de gua e terra, quando as rece-bem todos aqueles sertes com suma facilidade do Rio de Janeiro, em12, 15 dias, um ms, e quando muito nas maiores distncias, em 2 me-ses; do que, claramente se demonstra que de sorte nenhuma podem osgneros que daqui se navegarem para o Mato Grosso fazer prejuzo al-gum no comrcio geral do Rio de Janeiro e Minas.

    Porm, ainda que fizerem e que algum grosso ramo dele sepassasse do Rio de Janeiro para esta cidade, parece-me que comprva-mos a bom preo a segurana dos domnios de S. Maj. principalmentequando o comrcio feito entre os mesmos vassalos de S. Maj., nosseus mesmos domnios e sem mais outra coisa do que o acidente de sernesta ou naquela parte quando, na substncia, so os mesmos portugue-ses os que praticam e nas mesmas terras da Coroa de Portugal.

    Pelo que respeita ao receio dos estrangeiros nos irem fazer al-guma violncia quelas minas, aberto este caminho, ou que, em caso de

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    173 Sempre ridculo argumento da Alfndega do Rio de Janeiro.

  • guerra, nos possam ir fazer por este novo caminho alguma invaso osinimigos; tenho ouvido tambm discorrer sobre esta matria, assentan-do que este receio, que algum poderia ser justo na ignorncia em que to-dos estvamos, assim portugueses como castelhanos e mais naes vizi-nhas, ignorando totalmente este caminho, a comunicao que por elehavia para as minas, no h hoje razo para que nos sirvam de embaraoalgum.

    Primeiro: porque toda aquela ignorncia em que os nacionais eestrangeiros estavam das navegaes daqueles rios se converteu em umanotria cincia e conhecimento comum a todas as naes aqui confi-nantes, de cujas navegaes h hoje infinitos prticos.

    Segundo: que j hoje no nos pode servir para nos defender aignorncia das naes que aqui confinam conosco, porque a todas elas notria e manifesta esta navegao.

    Terceiro: que, quanto mais a defendermos aos nacionais mais se-nhores daqueles importantes sertes se faro os castelhanos, que a grandepasso vo avanando sobre os domnios de S. M. infinito terreno.

    Quarto: que, porque ns no fazamos aquela navegao, seaproveitaram os castelhanos daquela ocasio, ou descuidos, para passa-rem das suas terras s nossas, e estabelecerem-se nelas com as populo-sas aldeias com que se acham, que nos tm dado e podero dar aindamaior cuidado.

    Quinto: que, se os castelhanos com aquelas aldeias, vendo pas-sar os portugueses por aquele rio, lhes disputam a navegao, se a deixa-rem de fazer um par de anos, ainda que depois a queiram intentar, acha-ro j aos mesmos castelhanos poderosos, que ser impossvel o conse-guir-se.

    Sexto: que fazendo-se ali, como sem dvida se ho de fazer oscastelhanos poderosos, e no podendo ns passar para o Mato Grosso,ficam aquelas minas no notrio e evidente perigo de serem invadidaspelos mesmos castelhanos, porque ns no temos meio algum para osfazer conter, porque nas mesmas minas no s no h fora para atacar,mas nem ainda para se defender, e como eles ficam poderosos, precisa-mente ho de dar as leis.

    254 Marcos Carneiro de Mendona

  • Stimo e ltimo: que o receio que se tem de que as naes nos-sas confinantes nos possam invadir as minas por aquela navegao re-moto, e quase imaginrio, como logo direi; e o dano que nos fazem enos ho de certamente fazer os castelhanos prximo e notrio, evi-dente e est sendo de fato, e qualquer descuido ou dilao que haja emse lhe acudir nos pode ser de um grandssimo e irreparvel dano.

    remoto e quase imaginrio porque no temos certeza algu-ma de que os franceses ou holandeses, logo que ns continuarmos na-quela navegao, nos ho de ir insultar e invadir-nos aquelas minas; te-mos aquele prudente receio de que pelo tempo adiante, se tivermosguerra com qualquer das duas naes, nos podero ir fazer alguma hos-tilidade por aquela parte.

    Isto que ns receamos que nos possa suceder em algumaguerra com qualquer daquelas naes nos est sucedendo em boa pazcom os castelhanos, que custa do nosso descuido tm feito sobre asnossas terras a conquista que a V. Ex presente, e se vo adiantando proporo do nosso esquecimento e inao.

    Do que, demonstrativamente, se conclui que a paz e os ami-gos produzem contra ns piores efeitos do que podero produzir osnossos inimigos e os acasos da guerra, que so incertos, como V. Excompreende.

    imaginrio a quem tem conhecimento deste pas porquequem considerar que preciso vir fazer um desembarque no Par, e de-pois fazer uma expedio com todo o mantimento que preciso aossoldados e com todos os instrumentos de expugnar, e isto em canoas,na distncia de mais de mil lguas por todos estes rios acima, logo ver,que intentar um impossvel e que esta idia se no pode reduzir huma-namente a ato, principalmente sabendo os mesmos inimigos que temosnaquela parte, onde eles sem dvida ho de chegar arruinados, fortifica-es que, sem serem foradas, no podem eles fazer progresso algum.

    Resta outro fundamento que ouvi ponderar em Lisboa, qual que, aberto este caminho, seria necessrio S. Maj. fazer um gasto grandeem fortificar o Par, e que como tinha feito outro grande gasto em for-tificar o Rio de Janeiro, no devia de consentir que se abrisse mais estaporta s minas para o obrigar a segundo gasto exorbitante.

    A Amaznia na era pombalina 255

  • Porm, se houver algum que melhor instrudo e com maisconhecimento dos interesses do Estado, assentar que mais til ovedar-se a comunicao desta cidade com o Mato Grosso, quisera medissesse se por ns no freqentarmos aquele caminho tiram os caste-lhanos das nossas terras as aldeias de St Rosa, de So Miguel e a de SoSimo,174 que a mais prejudicial, por estar muito metida no centro; ese deixam de ir fazendo novas aldeias nas nossas mesmas terras; e seainda que eles se conservem nesta inao e os da mesma sorte, se al-gum dia tivssemos a infelicidade de entrarem os inimigos nesta cidadee quisessem ir pelos rios acima at o Mato Grosso, se acharia algumque lhes saa s margens do Paraguai nas sete correntes, ou para cima,podendo embaraar-lhes a jornada; sem ser necessrio fazerem-na comtanta gente, como sabendo que havia no caminho quem lhes fizesseoposio; logo, parece que o gasto que se quer poupar a S. Maj. im-possvel remedi-lo porque, ou se freqente aquele caminho, ou S.Maj. ache mais conveniente ved-lo, nunca se pode escusar o gasto dese fortificar o Par com grande cuidado; porque se nos quiserem invadirpor esta parte e acharem a Cidade sem fortificao como est, e o cami-nho livre, no h mais do que entrar sem risco nenhum, e embarcar nascanoas e ir logo fazendo viagem pelos rios acima, sem haver pelo cami-nho quem lhes faa a mais leve oposio. Se, porm, acharem esta Praafortificada e capaz de lhes fazer oposio, sempre os inimigos tm queentrar em uma ao que Deus sabe qual ser o fim. Se formos castiga-dos pelos nossos pecados e perdermos a Praa ficam eles senhores docaminho e podero entrar at s minas sem oposio.

    Mas se esta cidade e uma das povoaes que de novo se de-vem fazer naquele caminho estiverem fortificadas, ainda no caso da des-graa de se render esta Praa, no ficam os inimigos senhores daquelecaminho, e em conseqncia das minas, porque lhes obsta uma Praacom tanta dificuldade para a expugnarem como acima pondero.

    De tudo o que tenho ouvido dizer neste particular, concluoque, quanto ao pouco que o meu dbil conhecimento pode alcanar,que me parece que nada convm tanto como o dar-se, e logo, a liberdade

    256 Marcos Carneiro de Mendona

    174 Santa Rosa, So Simo e S. Miguel, aldeias dos jesutas de Espanha, postas namargem direita do rio Guapor; com o que podiam, em qualquer tempo e hora,cortar as comunicaes de Mato Grosso com o Par.

  • para se franquear o caminho para o Mato Grosso, por evitar os iminen-tes perigos que nos esto ameaando todos os instantes.

    Pelo que respeita s povoaes que se devem fazer naquelecaminho todos concordam em que se deve fazer uma junto primeiracachoeira do rio da Madeira,175 onde os passageiros achem mantimen-tos, e uma a que chamam Ubs, para passarem para cima, e finalmentepara lhes facilitar todo o meio de fazerem esta larga jornada.

    A segunda, no rio Apor, meia lgua acima da aldeia de SoSimo, e esta me parece que devia ser logo, e se lhe devia fazer algumgnero de fortificao.

    A terceira no mesmo rio, ou defronte ou no fim da ilha Com-prida, porque me consta que estas terras so as melhores, no s para acultura, mas por ora as mais prprias para segurarmos as nossas con-quistas e fazermos conter aos castelhanos para que no se adiantem semque eles, nem aparentemente, tenham justa razo de queixa.

    Estas so as verdadeiras notcias176 que tenho achado, as qua-is V. Ex por na presena de S. Maj. e o que o mesmo Sr. determinarser sem dvida o melhor, e o mais interessante ao seu real servio.Deus guarde a V. Ex muitos anos. Belm do Par, 20 de janeiro de1752. Francisco Xavier de Mendona Furtado. Sr. Diogo de Mendon-a, Corte-Real.

    Doc. n 20 Ilm e Exm Sr. Devendo executar a Real or-dem de S. Maj., que se contm no 21 da minha Instruo, a comuniqueiao Vice-Provincial da Companhia, e que S. Maj. era servido mandar fun-dar duas aldeias de novo, uma na margem do sul do rio das Amazonas,entre a boca oriental do rio Javari e uma aldeia que administram os religio-sos do Carmo, com o nome de So Paulo, e outra aldeia na boca mais oci-

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    175 Primeira cachoeira do Rio Madeira: hoje Santo Antnio. Antes de Aruaia ouAroaya, depois So Joo.

    176 Somente esta carta daria para consagrar a quem com tanto amor, patriotismo ecompetncia, se empregou durante anos e anos na defesa do nosso vasto patrim-nio territorial, moral e cvico. (M.)

  • dental do rio Japur, junto s primeiras cachoeiras do dito rio, e lhe expedia referida ordem por um aviso de que remeto a cpia a V. Ex.

    Tambm remeto a resposta a V. Ex, que o dito Padre me fezao meu aviso, em que me diz que tinha nomeado Missionrios para anova aldeia do Javari, e que neste ano se no poderia fazer mais de umafundao que seria a do Javari, por lhe parecer a mais precisa e confor-me determinao de S. Maj., e que quanto outra do Japur, lhe diziamser aquela parte inabitvel nos meses de maio, junho, julho e agosto, eque me parecia melhor que os padres que vo fundar a do Javari se in-formem daquelas paragens e alturas de stio que for mais convenienteao servio de Deus e de S. Maj., para se fundar a outra aldeia.

    2 Esta aldeia do rio Javari no s sumamente importante,mas de grandssimas conseqncias, porque aquela a porta por ondese faz o comrcio clandestino que aqui h com os Castelhanos. Poraquele rio tm no s os Padres do Carmo, mas muitos particulares,tirando infinita prata e outro aos ditos Castelhanos, que me consta rece-bem os nossos gneros com muito boa vontade por lhos largarmos, pormenos de metade do preo por que lhe introduzem os seus nacionais.

    3 Fundada agora esta aldeia, fica este negcio na Compa-nhia, fazendo o comrcio entre si, de uma para outras aldeias, sem haveresperana de que outra alguma pessoa possa entrar naquele contrabando,e sem que possamos ser informados se se faz ou no para o defender-mos; e sem que a Fazenda Real possa tambm, na Alfandega, interes-sar-se nos direitos que aqui deveriam pagar os gneros com que se faziamos contrabandos; porque tudo o que pertence, ou entra em nome dosPadres da Companhia, sai livre, sem que pague direitos alguns.

    4 Sendo eu informado destes verdadeiros fatos; e reconhe-cendo que mais do que aldeia, deve ser aquela nova povoao uma PraaFronteira.

    5 Fundado na Real Ordem que se contm nas ltimas pala-vras do 22 da minha Instruo secreta, expedi aos Padres o aviso paraa fundao, de que remeto a V. Ex a cpia, em que, alm de mandarpraticar a mesma Instruo dos Gamelas, no rio Mearim, lhes reserveiclaramente, desde logo, a jurisdio secular, sem usar da confuso emque o principiei a fazer naquela Instruo; porque no s me pareceuneste caso conveniente, mas convenientssimo no deixar adiantar estes

    258 Marcos Carneiro de Mendona

  • Padres naquele stio, e deixar-lhes ttulo algum porque hajam de pretendera jurisdio temporal que todas estas Religies esto administrando,com uma confuso e desordens inexplicveis.

    6 No me pareceu conveniente deixar de fazer logo, clara-mente, reserva, por alguns fundamentos que julguei sumamente aten-dveis.

    7 Sendo o primeiro: o principiar a dar a conhecer s Reli-gies que vivem absolutas, e despticas neste Estado, que S. Maj. olhapara elas com diverso sistema do que at agora olharam os seus Reaispredescessores; querendo que nas Povoaes de que se compem, sefaa justia a todos os moradores dela, sem a tirania com que so gover-nados; mandando administrar esta justia, por quem lhes parecer h dedistribuir igualmente a Tapuias e Brancos, na conformidade das suas leis,e a quem S. Maj. mande castigar, se cair em alguma omisso nesta mat-ria; principiando logo no estabelecimento destas novas povoaes a do-mesticar os Regulares, neste ponto da Jurisdio temporal e poltica;para que, dignando-se o mesmo Senhor, de o praticar assim com as maisaldeias, no fique sendo aos mesmos Regulares to violenta esta novida-de, a qual eu julgo precisa, para concorrer ao lastimoso estrago desta Ca-pitania, destruindo a primeira causa, e a verdadeira origem dele.

    8 Segundo: que deixando-se naquele importante stio aospadres da Companhia ss, e sem quem vigie sobre a comunicao queh com os Castelhanos, seus vizinhos, que ali se acham to perto, semdvida nenhuma, toma a si a Companhia, aquele importante ramo decomrcio clandestino, sem que dele possa haver testemunha, porque nasaldeias se no admitem brancos, e naquelas, certamente se no ho depermitir de sorte nenhuma. E mandando V. Maj., nas novas aldeias,administrar a jurisdio secular por algum Ministro de justia, e parecendonecessrio, algum militar, cessar este inconveniente.

    9 Porque, ou S. Maj. acha conveniente dissimular aquelecontrabando que se faz aos Castelhanos, ou no. Se o dissimula, alm dese esterilizar esta Alfndega com as Fazendas que nela devem entrar; demais, ficam os vassalos de S. Maj. utilizando-se com o cabedal que deveraentrar na caixa da Companhia, sem utilidade alguma no pblico. Se probe,aquele Ministro e oficial militar vigiaro sobre os contrabandos. E sefaltarem sua obrigao, sero castigados proporo do delito de

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  • comisso ou omisso que cometerem. Ento, deste mal se tira tambmo bem de ficar girando no pblico este dinheiro, ainda que mal adquiri-do, que muito melhor do que ficar sepultado no cofre da Religio.

    Ultimamente, com este novo estabelecimento de mandar S.Maj. administrar a jurisdio secular, separando-a inteiramente da admi-nistrao dos Padres, lhes d uma idia de que tem compreendido as vi-olncias que padec