amaro cavalcanti - responsabilidade civil do estado

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  RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 

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DO MESMO AUTOR: 

A Religião Ceará—1874.A Meus Discipulos (Polemica religiosa). Ceará—1875.Livro Popular (Miscellanea de conhecimentos uteis), Ceará—1879 New York, 1881. Educação Elementar noa B. Unidos da N. America. Ceará - 1881. Noticia Chronologica da Educação popular ao Brazil (incompleto). Ceará—1888. Ensino moral e religioso nas Escolas Publicas, Rio—1888. Melo de desenvolver a instrucção primaria aos municípios ruraes, Rio—1884. The Brasilian Language aad its agglutination, Rio—1884. Finances (du Brésíl). Paris- 1889. Resenha Financeira do ex-lmperio. Rio -1890. Projecto de Constituição de um Estado (com varias notas e conceitos politicos; sob  

O pseudonymo de Agonates), Rio—1890. A Reforma Monetaria, Rio 1891. Politica a Finanças. RIO—1892. O Meio Circulante Nacional.

Rio—1898. A Situação Politica ou a intervenção do Governo Federal nos Estados da União, Rio — 1898. Elementos de Finanças, Rio—1896. Tributação Constitucional. Rio-1896.Regimes Federativo. Rio 1900. Sobre a unidade do direito processual  Relatorio ao Congresso

 Jurídico Ame- ricano, Rio—l900. Direito das obrigações (Relatório sobre os arts. 1011-1227 do Proj. do

Cod. Brasileiro),  Rio—l901. O Arbitramento (no direito internacional ,

 Rio—l901. Taxas Protectoras nas tarifas aduaneiras, Rio—l902, 

E diversos outros trabalhos, literarios, economicos, juridicos e políticos. 

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO

ESTADO 

POR 

AMARO CAVALCANTI 

f)o Instituto dos Advogados Brazíleiros 

RIO DE JANEIRO LAEMMERT & C. RUA DO OUVIDOR. 66 

CASA FILIAL EM 8 PAULO 1905 

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 A Escola de Direito da Union Univerasity na Capital do Estado de New York. 

 Dedica o presente livro livro, como um tributo de amor e saudade 

 Amaro Cavalcanti. 

"Dos 58 alumnos graduandos da turma de 1880-1881 era eu o unicoestrangeiro; mas, isso não obstante, além de generosamente distinguido na ClassOrganization, coube-me ainda a honra de ser o primeiro orador de acto solemne dacollação dos grãos. Apenas recebido o diploma academico, apresentado pelo Diretorda Escola à Côrte Supremo, a qual por sua vez me conferio o titulo de "Counsellor atlaw." 

Factos desta ordem, em vez de apagarem no espírito, mais se avivam, com ocorrer dos annos e a distancia dps logares... E, precisamente a sua grata recorda-çãoexplica a dedicatoria escripta alto desta pagina. 

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AO LEITOR 

" Qmié «si #»•** cinta*, niti jttri* civitm".-Cie. De Rep. I, 93. 

■ O titulo do livro indica claramente o objecto, que nos propu-lemot com a sua publicação. Todavia não será, certamente, inútildizer ao leitor algumas palavras de previa informação sobre o modoparticular, segundo o qual encaramos a matéria da < Responsabili-dade Civil do Estado. > • 

Não sendo mais possível admittir, aem protesto, a velha doutrinada irresponsabilidade absoluta do Estado, pela sua repugnância ma-

nifesta com o moderno conceito desta organisação essencial de direito,proourou-se muito naturalmente aventar e justificar nova theoríaque. mantendo embora todas as prerogativas do poder soberano, queo Estado symbolisa,comtudo,não sacrificasse os direitos individuaes,pelo menos, do modo illimitado ou incondicional, como outrora sepretendia.—Dahi oa systemas diversos que, conforme o ponto devista particular doa autores, ora ampliam, ora restringem, quasisempre sem um critério assas definido, a responsabilidade do Estadopelos actos dos seus representantes ou funecionarios. 

Oa systemas engendrados assentam, todos elles, em distineçoes,

maia ou menos subtis, que se devem guardar entre oa actos. Uçaese iUegaes, tteitar e iUiciíos, de império e de gestão, ou ainda, entra actospraticados.  sem etdpm ou com ctúpa ou dolo, por parte do respectivoagente ou funecionario.  I 

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viu  m 

Semelhantes systemas, é de vêr, não tem podido satisfazer, nem jamais serão capazes de satisfazer, ao postulado geral de direito e de justiça, que a questão involve; desde que começam por distinguir, em

 principio, o que, somente em dados casos particulares, seria licitofazer, e ainda assim, na oceorrencia de circumstancias espe-ciaes,segundo a razão e fim do próprio facto. 

Em principio, a única these, possivel de ser affirmada, é esta: «dada a lesão de um direito objectivo, effectivamente adquirido peloindividuo,—do próprio acto lesivo resulta a obrigação de prestar aolesado uma reparação equivalente.» E' um dever imperativo da justiçanatural, e sabidamente consagrado na legislação positiva dos diversosEstados civilisados. 

Insiste-se, não obstante, em dizer, que o Estado, considerado no

seu fim superior, ou na sua qualidade essencial de poder soberano, nãose pôde achar igualmente sujeito áquelle grande principio; com-petindo-lhe, ao contrario, declarar elle próprio, quaes os actos lesi-vos, por que lhe apraz responder, quaes, não ; donde, conseguinte-mente, a impossibilidade de haver uma regra geral, positiva, paraessa ordem de relações... 

É evidente, que o predominio desta doutrina importaria a nega-ção, a mais formal, do próprio direito e justiça,—para cuja mantençãoe constante garantia, aliás, é, que o Estado existe, como a primeira ea mais poderosa das instituições sociaes. 

"Soberania" significa sem duvida poder supremo, isto é, a func-çãomais elevada e comprehensiva de todas as mais, que se manifestamna ordem jurídica; mas não, que ella seja absoluta, ou menos sujeitaao direito, do que qualquer outra forma de funcção social. (*) , Asoberania exprime as  propriedades de uma dada forma de or-ganisação social, a dizer, da sociedade-Estado; mas o direito é oprincipio de ordem, necessário ás sociedades humanas em todas as suasformas, quaesquer que sejam. Ella significa somente, que o Estado 

(*) Folgamos de poder dizer, que as idéas, ora sustentadas, quanto aoexercício da soberania do Estado, nada diflérem das que havíamos emittidoem trabalho anterior (Regimen Federativo, p. f-10.— Rio Janeiro, 1900). 

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«\   IX 

occupa o primeiro logar; mas é sempre o direito, que lhe deve formare assegurar o seu próprio fim, assim como o faz com relação ás outrasassociações diversas. O Estado é, e tem por objecto dar garantia, a

maior, e nunca denegada, da condição primordial da própria vida eacção humana collectiva: o direito (die oberste und niemals versagende Burgschaft fiirjene Urbedingung alies menschlichen Zusammenlebens und  Zusammenwirkens, die das Beckt ist). O que, por si só, basta, para senão poder jamais apresentar, como argumento, que, em virtude dasua soberania, lhe seja licito considerar-se, sujeito ou não, ás rela-ções do direito (Haenel, Deutsches Staatsrecht, §§ 15-16). 

Em menos palavras: poder soberano, quer dizer, aquelle, quenão está sob ás ordens ou fiscalisação de um outro; mas, não, poder

  juridicamente irresponsável, isto é, que não deva responder pelas

lesões do alheio direito: "Justa imperia sunto" (Cie. De leg. III). — E' certo, que muito embora já consagrado o novo credo doEstado de direito (Rechtsstaat), não falta, todavia, quem ainda per-sista em sustentar, na pratica das leis e da jurisprudência, que oEstado, ente politico ou soberano, age em esphera superior ao propiiodireito, e que, consequentemente, é irresponsável, si, como tal, violaros direitos individuaes... Tanto pôde, com effeito, a força do dogmatradicional de Estaão-creador do direito! 

De maneira que ainda agora, temos, bem ou mal, de escolher:ou a continuação da doutrina da irresponsabilidade, que se suppõe

 justificada em vista da velha concepção do Estado antigo e medieval;  jou abraçar resolutamente a nova doutrina da sua responsabilidadegeral conforme aos princípios, sobre os quaes assenta a modernasciencia. 

Por nossa parte, não podemos deixar de preferir á ultima destasdoutrinas. Não comprehendemos o Estado com direitos anteriores aosdos próprios indivíduos, que o compõem. 

A expressão mais elevada do seu poder, á que se dá o nome desoberania, ó uma consagração do direito; queremos dizer,—é o di-reito, que reoonhece a necessidade do conjuncto das faculdades e

isenções, que constituem tamanha attribuição do Estado, por ser,aliás, indispensável á protecção dos próprios direitos individuaes. 

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X   /  

Mesmo, sem nada objectar contra a extensfto dos poderes políti-cos ou soberanos do Estado,—desde que é, como   pessoa jurídica, oucomo sujeito de direitos, que elle é chamado a responder pelas obri-

gações resultantes dos seus actos, torna-se manifesto, que se nãopoderá bipartil-o nesta sua qualidade essencial de sujeito de direitos;para declaral-o responsável, ou não, pelos effeitos de ditos actos. Nãopodendo elle inanifestar-se e agir, senão, pela figura jurídica darepresentação (hic, p. 270 sg.*), todo acto do representante deve serconsiderado logicamente, como acto do representado, e, em conse-quência, o ultimo ficando obrigado a responder pelos effeitos lesivosdo acto do primeiro, si os houver, do mesmo modo que é pelo seu in-termédio, que aufere as próprias vantagens e proventos — Qui facit 

 per alium facit per se.—-Qui sentit commodum, sentire débet et ónus.  

Ainda que a legislação dos diversos povos careça ainda de dis-posições de caracter geral, que assim o declarem, não é menos ver-dade, que a responsabilidade do Estado já se acha reconhecida pordisposições especiaes, relativas á certos ramos do publico serviço,—e a consciência jurídica moderna reclama, cada vez com maior insis-tência, que dita responsabilidade seja consignada, como regra geraldo direito positivo, por assim ser necessário ao cumprimento da ver-dadeira justiça. 

Embora institucionalmente privilegiada, como é, a pessoa-Estado, ella tem, como as demais pessoas jurídicas, a sua conduota 

* SIGLAS DIVERSAS: HÍG (ou Mo—neste livro; 1.—livro; t.— tomo (ouvolume da obra citada); tit.— titulo; p.— pagina; sg.— seguintes í Cf.—con-fere; ap.—apud; Acc.— Accordam; C. App.—Corte ou Tribunal de Appel-laçao; C. C— Corte de Cassação; C. E.— Conselho de Estado; Const Fed.—Constituição Federal; Consol.— Consolidação das leis civis por Teixeira deFreitas: D. Ger.— Directoria Geral; Gov. Prov.— Governo Provisório da Re-publica; P. C. C. —Projecto do código elvil brasileiro (pendente de delibe-ração do Senado); T. C—Tribunal dos contactos; S. T. F.— Accordam doSupremo Tribunal Federal (do Brazll); Trib.— Tribunal. 

—As demais siglas empregadas serão explicadas em notas opportuna-mente.

—Nas citações, referentes ao direito romano, seguimos a mesma norma

que empregamos nas citações de autores ou códices modernos, isto é, come-çando por dizer—o livro, titulo, paragrapho, etc.,em vez do numero indi-cativo da lei ou fragmento^ como é de regra mais usual.

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4  XI 

traçada pelas regras do direito objectivo, resultante da natureza dasociedade humana. 

Além disto, assim como a igualdade dos direitos, assim também

a igualdade dos encargos, é hoje fundamental no direito constitu-cional dos povos civilisados. Portanto, dado que um individuo sejalesado nos seus direitos, como condição ou necessidade do bem com-mura, segue-se, que os effeitos da lesão, ou os encargos da sua repa-ração, devem ser igualmente repartidos por toda a conectividade,isto é, satisfeitos pelo Estado,—afim de que, por este modo, se res-tabeleça o equilibrio da justiça commutativa: «Quod omnes tangit, abomnibus âebet supportari.» 

E porque preferir, nesta questão, as linhas curvas da hesitaçãoou incoherencia, em vez da recta, que a lógica jurídica nos offerece ?

—Segui débet potentia justitiam, non prcecedere (Coke's Inst). Com effeito, no estado actual da razão scientifica o único pontode partida verdadeiro ó este: o direito é a regra de conducta e pro-ceder, tanto dos indivíduos, como do Estado; consequentemente,assim como succede com os indivíduos, assim também deve o Es-tado, em principio, responder pelos próprios actos, — salvo si umarazão jurídica superior fizer cessar occasionalmente a sua respon-sabilidade. 

E isto uma vez admittido, já não seria mister tomar em conside-ração o exame das varias theorías que, como se disse, distinguem,

por maneiras diversas, os actos do Estado, como condição ou crité-rio para a solução do problema. Do nosso presente trabalho ver-se-ha, quanto são insufficientes

umas, e improcedentes outras, das theorías alludidas... — No entanto, por assim exprimir-nos, não se supponha que,

também da nossa parte, obedecemos á preoccupação de reunir do-cumentos para comprovar exclusivamente a verdade da doutrina, queprofessamos. 

Não. O nosso único empenho foi fazer um livro de inteira bôa fée imparcialidade, procurando desfarte, ainda que como pars minima,

contribuir para o estudo das letras jurídicas em nosso paiz. Destanorma de imparcialidade não nos afastámos, nem mesmo quando, 

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XII  #

em capitulo próprio (p. 265 sg.), tivemos de enfeixar, mais accen-tuadamente, as nossas idéas pessoaes sobre o assumpto. Pelo con-trario, em cada um dos títulos* «indicação dos systemas », «criticados systemas », e « pratica dos systemas», encontrará o leitor todasas opiniões, pareceres, considerandos, e argumentos, que expõem oucontrovertem as theorias diversas, até agora aventadas, acerca daresponsabilidade civil do Estado,— negando-a, ou affirmando-a, se-gundo o critério particular do respectivo preopinante. Ainda mais:

raramente nos limitámos á enunciar as simples opiniões dos autores,conforme a nossa interpretação particular; em vez disso, servimo-nos,de preferencia, das suas próprias palavras em longas trans-cripções,no intuito declarado de habilitar o leitor a julgar, por si mesmo, darazão ou admissibilidade das conceitos emittidos. Igual procedimentoguardámos na «Secção preliminar», trabalho, que nos pareceuconveniente ajuntar; porque, tratando do Estado, como pessoa

  jurídica, cumpria, .antes de tudo, verificar quaes os princípios, queora prevalecem sobre esse instituto, segundo ás lições mais recentesda sciencia. 

— Com estas ligeiras indicações, entregamos o nosso modestotrabalho ao juizo competente dos que considerarèm-no, porventura,digno da sua attenção e leitura. 

Rio 15-8-1904. 

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IZfcTZDIOE 

SECÇÃO PRELIMINAR 

NOÇÕES DA PESSOA JURÍDICA 

Matérias  Paginas (*»§1.° Pessoa physica e pessoa jurídica.............................................   1 

§ 2.o A pessoa jaridica é uma flxçâo ?............................................   8 § 3.° A pessoa jurídica não tem razão de ser ? ...............................   20 

Primeira theoria. .......................................................................  20  M  Segunda theoria..................................................................... ,±\   27 

Critica das theorias........................ , .........................................   32 § 4. o A pessoa jurídica é um ente real ?.............. ,..........................  39 § 5.° Verdadeiro conceito da pessoa jaridica ..................................   57 

§ 6.o Espécies da pessoa jurídica......................................*ij>..........   66 § 7.° Capacidade da pessoa jaridica .........................................................  74 

TITULO PRIMEIRO 

i  INDICAÇÃO DOS SYSTEMAS 

CAPITULO I 

Vista geral da questão 

I. A sua phase actual ......................................................................  91 

II. Os systemas principaes...............................................................  99 

Órgãos e funccionarios.......................................................................  101» Governo.— Administração ...................... „ .....................................„.  102° 

—— ----— -- * -----    j (*) Um n sobreposto ao numero indica nota da respectiva pagina.

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XIV 

CAPITULO II

Theoria da irresponsabilidade  Rg 

Matérias  p»*ioas 

Theoria da irresponsabilidade segundo Richelmann.........................   106 »  »  > Bluntschli.......................... 108 

I »  »  » Ronne...............................   109" 

» Wohl, e von Stein ............  109" 

J » Gabba ..........................................» Lozzi .............................................» Mantellini.... __________________ ...........» Saredo .............................................

Argumentos particulares a respeito da irresponsabilidade................   117 

CAPITULO III v 

Theoria da responsabilidade §&ral O ponto oommum de convergência da doutrina..........£ ...................  121 , Fundamentos principaes delia...................................... i ....................   1221 

»  segundo H. Zõpfl........................... -----n ................. ?<i-123 

»  » B. von Kissling........................ \....................   125 »  » Sundheim.................................^....................  125» »  » Dreyer ........................................%................   126 

»  » • E. Solomo Zachariee ................... 9................',  126tt »  Pfeiffer....,.'. .....................................,*,. ___   127 

» Meisterlin e Heffter....................... -r^gç^--  127» »  » F. Schwarze ................................... -w. .||L.  128 

»  » Schmittbenner.................................. rtte-ftSy  129 

»  » Strippelmanri .................................................  129n »  » H. A. Zacharise...................... &....................   130 

»  » Gerber ...........................................................  132 n »  » Marcadé .........................................................   135 »  » F. Laurent ........................................ m..........   135 

M  »  » A. Batbie... ...........-.............................* ..........  136» 

»  » Lorenzo Meucoi................................. 7» ........   137 I  »  » Chironi.................................^, ......................   142 

CAPITULO IV 

Theoria ou systema mixto 

-\Ponto de partida do systema ................................... J\v| ..............»à ■   MA Theoria ou systema mixto segundo Larombiére___ .;.....................   147 

» Citação de De Luca por Mantellini.. »•.  147n 

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XV 

Matérias  PaginasTheoria ou systema niixto segundo Sourdat.....................................   149 

>  »  »  > A. Bonasi ...............................   163 »■'■  "'.»  » E. Loening .............................   158 

»  »  »  » Robert Piloty ......................:.' 168 A. Giron... P......... .'................   177 

Giorgio Qiorgi ......................................L. Michoud ......................................

Rònne e Primker ....................   187n » 

»  » Henri Bail|>y.....................................í* 200 

| TITULO SEGDNDO 

CRITICA DOS SYSTEMAS 

CAPITULO I 

Da irresponsabilidade 

Argumentos principaes da doutrina....................... ..■......................   211 O Estado não tem actos seus próprios ............... JbiW.......................   213 O Estado é incapaz de culpa.............................................................  214 O Estado não autorisa actos illicitos ou illegaes.. .7? .....................   219 O Estado é órgão e tutor do direito.. ,?v............................... ____   220 O Estado não tem fins próprios ................................ f. ....................   222 O Estado vêr-se-hia embaraçado na sua acção................................   224 

Conclusão contra a irresponsabilidade absoluta................................   226 

CAPITULO H Da

responsabilidade g-eral 

I.  A relação entre o funccionario e o Estado é a do mandato ........... 229II. No serviço publico se dá a relação do dominus negotii para com o

instítor ................................................................................... 232 III. A responsabilidade é consequência do caracter representativo do 

' funccionario.................................................... A.................... 234 IV. A responsabilidade do Estado provém da culpa na nomeação ou

I falta de fiscal isação do funccionario, ou-ainda do dever de obe

diência imposto aos particulares para com o funccionario*... 237 Opinião de Piloty a esse respeita.................................... .£ ............. 241" V. A responsabilidade do Estado provém do seu dever de protecção... 242 

» » » » » » » »! 

» » 

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XVI 

CAPITULO III  ■ 

Da responsabilidade segundo o systema mixto 

Matérias  Paginas Em que consiste o systema ..............................."...............................   246 Quaes sejam os actos de império .......................................................  248 Opinião de Brémond a esse respeito.. .»*..........................................  248 Contra os effeitos da lei não se pode pretender indemnisaçãor......  250 

Os actos judiciários também não geram a responsabilidade do Bs- 

■  ■ tado.............................. %..............................................•. •.......................   261Opinião de Loening a esse respeito....................................................  253a Opinião de Piloty sobre a mesma matéria .........................................   254 Considerações sobre o critério da distincçâo dos actos em geral .........  255 

Opinião de Solari a respeito.......................................... • ..................  257° Opinião de Chiroui a respeito.............................................................   258 

Órgãos e funceionarios ou prepostos ....................................................  260 Contradicções de Gabba neste ponto..................................................  263 

CAPITULO IV

A doutrina preponderante  I 

I. FUNDAMENTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE ............................................  265 Apreciação do mandato, do institorio, e da representação ...........  26.9 * 

O que é REPRESENTAÇÃO no seu sentido próprio.........................   272 

Opinião de Gierke a respeito................................... . À* .............  273 Quaes são os representantes do Estado ?...................................   273D 

Elemento objectivo da responsabilidade .....................................   278 Damno material e damno jurídico segundo Vacchelli...............   279 

A lesão de direitos se pode dar por actos legaes.......................   281 

Opinião de L. Duguit a respeito.................................................   282 Na omissão a culpa é elemento essencial da responsabilidade...  283 

Conclusão sobre o fundamento jurídico da responsabilidade...  284 II. DIREITO REGULADOR DA MATÉRIA ...................................................................   284 

Insufflciencia das disposições do direito privado........................  288 Exame das disposições do direito publico a respeito ..................  292 As disposições do direito administrativo serão bastantes ?........   297 Qual a natureza do direito complementar de que se carece....  298 

III. LIMITAÇÃO AO PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE.......................................  302 

No Estado Romano e medieval.........V... A.................................   303 O principio da responsabilidade apparece desde a idade media.  306 

Opinião de diversos autores a respeito........................................  306" 

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XVII 

Matérias  '4  PaginasTendência irresistível dos princípios modernos ............................311 Qual o caracter da responsabilidade civil do Estado .................   313 Quando e onde deve cessar ........................................................  317 

Primeira razão.......................................................... .* • •  317 Segunda razão ....................................................................  321 Terceira razão ....................................................................*  322 

Regras conclusivas da matéria ...................................................  326 

TITULO TERCEIRO 

PRATICA DOS SYSTEMAS .i 

CAPITULO I A

 jurisprudência franceza 

§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES.....................................................................  333Opinião de Lonné sobre os "actos de governo" .........................  384" A doutrina do Caso Blanco firmou a jurisprudência em matéria 

de competência...................................................................  337 Applicação da doutrina da "distincção dos actos".....................  339 Justificativa danão-applicabilidade do direito oommum aos actos 

da administração ................................................................  342 Razões em contrario.......................................Â. .......................   343 Distincção entre culpas do serviço e culpas pessoaes................   346 

§ 2.° CASOS E DECISÕES....................................................«...............   349 

cicios legaes ou isentos de culpa...........................................................  349 a) Actos legislativos..................................................................   349 6) Actos judiciários.......,.-,.,. ........................................................   351 c) Actos de governo e de administração....................................   351 d) Desapropriação o occupaçao temporária da propriedade....  352e)  Actos de policia o segurança publica.....................................   353") Medidas sanitárias ....................................................: ...........  357 

 f) Actos de guerra.....................................................................   360 

g) Obras publicas em geral ..........................•£**«** ................   365  Actos Ulicito8 ou iUegaes .. ,^..........................«É> -^^j* ...............   371 

I Casos provenientes de relações contractuaes___ A..............   372 II Casos provenientes de relações extracontractuaes.. ,*,.........   377 

Breve conclusão sobre a jurisprudência franceza........'.....  382 

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xvm 

CAPITULO n A

 jurisprudência belga 

Matérias  Paginas$ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES............ ............. ........... ............. ............. .......   885

Os actos de poder publico ...................................................................  386 I Actos em que o Estado apparece como pessoa civil.....................  387 

Actos de responsabilidade pessoal dos funccionarios .................  388 § 2.° OASOS E DECISÕES.....................................................................................   390

 Actos legaes ou isentos de culpa,,. ........................................................  390 a) Actos de policia e segurança publica ..............................-----  391 b)  Actos de guerra.»,. .. .... ..........................................................   391 c)  Casos de desapropriação..........................................................  392 d) Obras publicas.........................................................................  393 

 Actos illicitos em geral ................................................ ! .....................   396 

I Provenientes de relações contractuaes ....................................  396 II Provenientes de relações extracontractuaes............................   397 

Casos de irresponsabilidade declarada........................................   398 

Breve conclusão sobre a jurisprudência belga...........................   400 

CAPITULO III A

 jurisprudência alleman 

§ 1. ° INDICAÇÕES PRELIMINARES................................................ .....................   401Responsabilidade dos funccionarios públicos ..............................  405 

Como é considerada a questão da responsabilidade civil do 

Estado.....................................................................................  407 Opinião de Oito Mayer a respeito...............................................   409n Emendas ao projecto do código civil e disposições, adoptadas 

neste .......................................................................................   410 

§ 2.* CASOS E DECISÕES........... ............ ............. ^ ........... ........... ............. ..........   416 Actos legaes ou isentos de culpa...................fl|....................................   415 

Opinião de Gierke e jurisprudência a respeito ..........................  416 a Em particular sobre a desapropriação e outros casos................   417 

 Actos illicitos em geral .....................................................,.................  420 

Responsabilidade proveniente de infracções contractuaes..........   420 Responsabilidade proveniente de actos extracontractuaes.........   422 ♦Decisões sobre alguns casos particulares...................................   425 

Decisões sobre o caracter jurídico do Yunccionario...................   428 Decisões sobre a natureza da obrigação, solidaria ou subsi* 

diária, uo Estado...........................................   429 

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XIX

CAPITULO IV 

A jurisprudência italiana 

Matérias  Paginas§ 1 i ° INDICAÇÕES PRELIMINARES.................... ............................................. ...   431Theoria da distincçao dos actos segundo as próprias decisões.  438 Como se dá a responsabilidade civil do funccionarlo ................  436 

§ 2.° CASOS E DECISÕES....................................................................................  439 Actos legaes ou isentos de culpa.........................................................   439 

Desapropriações por utilidade publica.......................................   440 Actos de guerra ....................................................................... "■ , 442 Actos de policia ou de segurança publica ..................................   444 Restricçao á irresponsabilidade jure impem..............................   447 Actos de policia sanitária ..........................................................  449 Obras publicas ...........................................................................  451 

 Actos illicitos em geral.......................................................................  455 

I Damnos provenientes de relações contractuaes ...................•.  455 II Damnos provenientes de relações extracontractuaes............   457 

Abandono da theoria da distincçao dos actos.............................   459n Quando se da a responsabilidade do preponente ........................   462 n Ainda sobre a doutrina da distincçao dos actos..........................   466 

CAPITULO V A jurisprudência

ingleza e norte-americana 

§ 1.» QUANTO Á INGLATERRA............. ........... ............. ............. ............ ............   470

A doutrina "King can do no ivrong" ............................#............  470 Competência geral do judiciário sobre os actos adminis

trativos...................................................................................  473 Opinião de Dareste a esse respeito............................................   474 Irresponsabilidade dos juizes ou cortes judiciaes.....................   476* 

§ 2.0 QUANTO AOS ESTADOS-UNDDOS ......... ..................... ................. .................  477Competência judiciaria sobre os actos da administração publica477O Estado não pôde ser chamado a juizo sem o seu assentimento......................................................................................  478 A "Court of claims" e a sua jurisdicção.....................................  480 Resumo da doutrina dominante quanto a responsabilidade 

civil.........................................................................?: ...........  484 

Irresponsabilidade dos juizes e cortes .......................................  485 Quando se da a responsabilidade do funocionario administrativo.  486 

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XX 

Matérias  Pagina»g 3.0 OBSERVAÇÃO COMPLEMENTAR.................... ..................... ........................   487{ A doutrina da irresponsabilidade é menos jurídica e menos  I 

garantidora dos direitos individuaee .......................................   487 

A sua explicação é tirada do selfgovernment. . . ..........................  489 Exemplo de um caso importante, no qual foi reconhecido o principio da responsabilidade civil do Estado .........................  491 

CAPITULO V A

 jurisprudência brazileira 

§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES..................... ............. ............ ............. ..........   493

Privilégios reconhecidos ao Estado pelo direito positivo...........  493 

O Contencioso administrativo durante o Império.........................   496 

I Que ha na Republica a esse respeito............................................   499 A irresponsabilidade do Estado nunca prevaleceu no Brazil...  499 

A responsabilidade dos funccionarios públicos..». ...................   501 

Disposições de leis particulares sobre a obrigação de satisfazer os damnos cansados................................................................   502 

Disposições do Projecto do Código Civil a respeito ...................  506D § 2.° CASOS E DECISÕES ..........................'.......................................A.  509 

 Damnos provenientes das leis e actos do governo ............................&.  510  Damnos provenientes de medidas policiaes ................, .........................   513 

I Medidas de segurança propriamente ditas ..............................  513 

II Medidas de policia sanitária ...................................................   517 Demolição de prédios ................................................................  520 n 

 Damnos provenientes dos actos de guerra....................................  521  Damnos provenientes de relações contractuaes..............................  526  Damnos provenientes de casos diversos .........................................  534 

Intelligencia do disposto no art. 82 da Constituição Federal...  535 n § 8.° INTERVENÇÃO JUDICIARIA............................................................  537 princípios geraes...................................... ...... .....................................   537 Espécies particulares............................................................................   550 

I  Direitos dos funccionarios públicos ..............................................  550 Inconvenientes que podem resultar da intervenção judicial em 

dados casos., .................................................... , ....................  554 

Modos de remediar taes inconvenientes......................................   555 

Que se entende por direitos adquiridos.......................................  667 

O emprego publico não é um contracto propriamente dito.........   559  Medidas de natureza policial.......................................................  563 Medidas tomadas em estado de sitio. . fl^HI^Kfi^Hflt • • • •  565 

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XXI

Matérias  Paginas Actos concernentes ás rendas publicas ..........................................   567 

Concessões e privilégios ................................................................  570 Qualidade do governo, como parte nos contractos .....................   571 

Valor da clausula resólutiva, quando expressa nos contractos..  583 8 4.° FORMAS DA INTERVENÇÃO JUDICIARIA................................................ ..   588 Acções'admittidas em direito ..............................................................  588 

 Interdictos possessórios..................................................................... .'  '590 Casos particulares de sua concessão ..........................................   592 Manutenção de lentes da Escola Polyteohnicã ...........................   593 n .Leis recentes, que prohibem os interdictos possessórios..........  599 n Cabe esse remédio em favor dos direitos pessoaes ?...................   603 Decisões contrarias dos Tribunaes a respeito ...........................  606 Qual o pensamento da lei n. 221 ...............................................  616 Explicação final do autor...........................................................  620 

NOTA ADDITIVA 

A' jurisprudência estrangeira 

Breves considerações em geral..................................................  623 ÁUSTRIA .....................................................................................  624 SUISSA........................................................................................  628 HESPANHA...................................................................................  630 PORTUGAL...................................................................................  632 

CONCLUSÃO ............................................................................. ,•:"■, 633 

• 

%  

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RESPONSABILIDADE CIVIL 

-  DO 

ESTADO 

SECÇÃO PRELIMINAR 

NOÇÕES DA PESSOA JURÍDICA 

§ 1.° PESSOA PHYSICA B PESSOA JURÍDICA  

1. —Na presente «Secção Preliminar» não nos propomosfazer uma exposição da doutrina da pessoa jurídica, completaem todas as suas partes, mas, tão somente, occupar-nos dasquestões concernentes, cujo exame e elucidação são necessáriosao objecto especial do presente estudo, que é — a responsabili-dade civil do Estado na lesão dos direitos individuaes por actosdos seus representantes. 

Na linguagem commum a palavra  pessoa é synonymo dehomem, a dizer, o individuo dotado de intelligencia e vontade.Person nennt der rechtjuristische Sprachgebrauch das mit Selbst-bewusstsein und WillensfãhigJceit begabte Individuum. 1 Nalinguagem jurídica, porém,  pessoa, não é somente o homem;além delle, é assim considerado igualmente todo ente capaz de 

Windsoheid, Lehfbuch ães Panãéktcnréchts, 1.1, § 40, nota 6.

1  B. c. 

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Q ___ 

direitos e obrigações.2 Dahi a divisão, que se faz, entre a pessoa physica ou natural (a creatura humana) e a pessoa  jurídica,também chamada moral ou civil. Inde non raro duo personarum

genera distinguunt, naturales nimirum pirsonas, i. e. singuíos homines, et moralrs seu civiles. i. e. quce personarum loco ha- 

-

bentur.8 

2.—As expressões,  pessoa moral, civil ou  jurídica, são dedata relativamente moderna. Ainda que ao senso pratico dos  jurisconsultos romanos não tivesse escapado que, ao lado dosindivíduos (eorum causa omne jus constitutum) existiam ou po-diam existir outros entes diversos, como sujeitos de direitos e

obrigações próprias, * e se encontre mesmo nos textos do direitoescripto a expressão singularis persona, empregada paradesignar o homem, por opposição kpopulus, cúria, collegium, cor- pus;6  não se pode, todavia, affirmar, que a palavra pessoa fosse jâentão, applicada a qualquer outro sujeito de direitos, que não ohomem. Os textos conhecidos continham tão somente: « Civi-tates enim privatorum loco hàbentur  ;6   Hosreditas personai vice  fungitur, sicuti municipium, et decuria, et societas;7  Ho3reãitas personam defuncti sustinet ;8 etc, etc. E' como se dissessem: taes

sujeitos de direitos, que não o homem, fazem apenas o papel, 

2 Warnkõnig, Inat. júris romani privati, § 121; Coelho da Rocha, Imt. de dir. civ. port. §§ 54 e 72 ; La Serna y Montalban, Dereclw Civil yPenal, 1.1, tit. I, § Io; Ribas, Direito Civil Brasileiro, t. II, tit. IV, cap. 2.° 

3 Warnkõnig, loc. cit.\ Ortolan, Explication Hist. des Instituís, pârfc. I,tit. I. Diz-se pessoa moral ou abstracta (creada pela razão) por opposição ápessoa physica; e pessoa civil, isto ó, creada pela loi, por opposição á pessoanatural, (creaçao da natureza). 

4 ... Quod universitati ãebetur, singulis non ãébetur; quod ãébet univer-sitas, singuli non debent. Dig. I. Ill, tit. 4, 7, § 1.° 

5 Dig. I. IV, tit. 2, 9, § l.oc Dig. Z. L. tit. 16, 16. 7 Dig. I.XLVI, tit. 1, 22. 8 Dig. Í.XLI, tit. 1,34. 

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ou occupam o logar, da pessoa physica, e nada mais. E real-mente, assim se entendeu sempre na linguagem jurídica, aindadurante longo espaço de tempo posterior. I O insigne Pothierempregara a expressão « des êtres intél-lectuels», para designaros entes, aos quaes se dá agora o qualificativo de pessoas  juridicas, dizendo a esse respeito:  Les corps et communautésétablis suivant les lois du royaume sont consideres ãans VEtat comme TENANT LIEU DE PERSONNES, VELUTI PER-SONAM SUSTINENT; car ces corps peuvent, â Vinstar des personnes, aliener, acquerir, posseder des biens, plaider, conttacter, s'óbliger\ obliger les autresenvers eux. Ces corps sont DES ÊTRES INTELLE-CTDELS, ãifferents et distincts de toutes les personnes qui les composent:UNIVERSITASDISTAT A SINGDLIS.9  E O   jurisconsulto inglezBlackstone chegara mesmo a estabelecer uma divisão legal das

pessoas, em pessoas naturaes e pessoas artificiaes: 

«PERSONS ARE D1VIDED BY THE LAW INTO NATDRAL PERSONS

OR ARTIFICIAL ».10 Mas, nem os dois autores citados, nem outroscontemporâneos dos mesmos, foram além ; queremos dizer, não■cogitaram ainda, na sua época, de fundar nenhuma theoria par-ticular sobre os entes intellectuaes ou pessoas artificiaes, á cujaexistência, aliás, se alludia frequentemente nos factos da ordem jurídica. 

3.—Conforme se vae ver, mesmo presentemente, subsistegrande disparidade de vistas nos autores acerca do qualifica-tivo, mais acertado, que deve ter ess'outro sujeito de direitos,que apparece ao lado das pessoas physicas, i. e. qual o qualifi-cativo, que se ajuste ao definido e a élle somente, como se requerem boa lógica. —Pessoa moral, é ainda a expressão mais usada,sobretudo, na litteratura jurídica franceza, como contraposta á 

9 Pothier, Traitédes personnes et des cJioses, tit. VII, n. 210,10Blackstone, Commentaries, 1.1, oap. I, n. 123. 

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 — 4 — 

de pessoa physica. Entretanto não satisfaz: a palavra moral nãoé abi tomada no seu sentido mais claro ou ordinário, e nem tãopouco, exprime a idéa de ficção, quando, no pensamento dos quea empregam, o caracter principal ou essencial que se quer dar ápessoa moral, é simplesmente o de um ser imaginário ou fictício.— Pessoa collectiva, é também expressão inexacta, visto comoexistem pessoas não-naturaes, sem serem entes collectivos. —Pessoa civil, não serve igualmente : primeiro, porque as pessoasphysicas ou naturaes são juntamente consideradas, como pes-soas civis; depois, e isto é o mais importante, porque com estaexpressão se pretende indicar que se trata de pessoa, creada ex-clusivamente pela lei, o que não se pode admittir, por contrarioàverdade. —Pessoa ficticia, não ainda; visto não se tratar de

uma sim pies ficção, como se verá da discussão em seguida sobreeste ponto. —Pessoa juriãica, tal é, finalmente, a expressão dedata mais recente, mas, já agora, geralmente consagrada pelosdiversos autores, sobretudo, na litteratura jurídica allemã. Porella se quer significar, que se trata de um ente organisado ouformado em vista da lei e para os fins da ordem jurídica somente; e, segundo o que ficou dito, esta ultima expressão é a quemerece, sem duvida, ser preferida entre todas as outras.11

 

3 a. —Dos differentes códigos civis das nações modernas,a partir do Código Napoleão, promulgados no correr do séculopassado, nenbum delles, antes do da Republica do Chile (publi-cado em 1855) consagrara ainda titulo ou capitulo especial, emque se tratasse das pessoas moraes ou jurídicas, de uma maneiraparticular.la 

11 E' de ver a respeito : Windscheid, ob. cit., § 49; De Vareilles-Sommières,   Les Personnes Morales, ns. 327 seg.; T. de Freitas, Esboço doCódigo Civil, Parte Geral, 1.1, arts. 17 o 272 seg. e notas %bi. 

13O código civil do Chile divide as pessoas era naturaes e  jurídicas(art. 545); e tratando em particular das segundas (art. 545 e seg.) declara, 

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— 5 — 

Entretanto convém ajuntar, que essa omissão por parte doslegisladores nada obstara á que a verdade do facto se realizasseno desenvolvimento normal da vida do direito. Com eífeito,

emquanto os commentadores do próprio Código Napoleão naFrança, não obstante o silencio jleste, adoptaram desde logo nosseus trabalhos a distincção das pessoas, — em pessoas natu-raese pessoas ou entes moraes;13 — os autores de outros paizes,notadamente os romanistas allemães,14 conseguiram, do seulado, firmar, como doutrina clássica, a da divisão das pessoas,—em naturaes ou physicas, e jurídicas; — divisão, que como já sedisse, se pode considerar admittida pela maioria dos autores, e,bem assim, na linguagem legislativa dos diversos Estados.15

 

que estas são de duas espécies — corporações e  fundações de beneficênciapublica. Dito código, porém, commette o equivoco de excluir, no todo, daesphera.do direita civil, segundo o disposto no seu art. 547, o Estado, o fisco, omunicípio, as instituições religiosas, os estabelecimentos costeados pelo erário  publico, e as sociedades industriaes,—pelo motivo de se regerem por leis eregulamentos especiaes. Isto nao procede: regidos pelas disposições do códigocivil ou por leis especiaes, taes institutos não podem deixar de, nas suas relaçõespatrimoniaes, ficarem sujeitos aos principios geraes do direito commum ou civil,como sujeitos de direito. 

13 Toullier, (Le droit ci-il français, Introd.  I. l,n. 181 seg.): — *sont det êtres moraux et dbstraits»; Troplong, (DM Contrat de Société, t. I, n. 58 seg.): «

 personne fictive e morále » . — Cf. Massé et Vergé, Le droit, civil français sur  Zachariae Introd. 2. I, § 40-42); — Aubry et Bau, Couis de droit civil français, §54: « Une personne morále est un être de raison, capdble de posseder un patrimoine, et de devenir le sujet des droits et des obli-gations relatifs aux biens»; etc. 

u Mackeldey. (Mim. de droit romain, §§ 121 e 147): «TOMÍ ce gui, damVEtat, outre Vhomme, est regardé comme pouvant acoir des droits prp-\ prés,est, une personne juridique, morále ou fictive»; Savigny, (Traité de droit romain,t. II, § 85 seg.): «On les appelle personnes juridiques, c'est-à-dire,| personnes quin'existent que pour des fins juridiques, et ces personnes nous apparaissent à cotede 1'individu, oomme sujets de droit»; — Cf. Pfeifer, «   Die Lehre von ãen juristischen Personen», apud Windscheid, ob. cit. § 57. 

15

Vide: Cod. Civil do Chile, art. 545; - Cod. Civil Argentino, art. 82 seg.;— Cod. Civil da Hespanha, art. 35; — Cod. Civil do Uruguay, art. 21; etc, oto.  

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Pelo que interessa, mais directamente, ao direito civil pátrio, éde notar que as Ordenações do Reino náo qualificam de  pessoas asentidades em questão; o termo mais geral, empregado para designal-as, é o de universidades (Ords. I. I, tit. 84, § 3o e l. III, tit. 78, pr. e §1°).—Mello Freire, na sua obra,   Inst. jur. civil is lusitani, sóconsidera pessoa ao homem, dizendo expressamente: Personarumseu hominum jus, quod idem apud nos significai (1. II, § 2o). —Pereira e Souza, no seu   Diccion. Juridico, também não julgounecessário escrever nelle os vocábulos — pessoa moral ou jurídica, oque deixa suppôr o não conhecimento da existência de semelhanteente, ao menos debaixo deste nome. No « Repertório das Ordenaçõese Leis» do Reino de Portugal, dá-se a mesma omissão. Só nosTratados mais modernos do século passado, taes por exemplo, as« Inst. de dir. civ. port.» de Coelho da Rocha, — o «Direito Civil de

Portugal» de Borges Carneiro, — as «Inst. de dir. civ. brasileiro » deTrigo de Loureiro, — o « Curso de dir . civ. brazileiro » de Ribas, —a Consolidação das leis civis» de Texeira de Freitas, — e trabalhos

  jurídicos posteriores, é, que se encontra a divisão, ora clássica, daspessoas, entre pessoa physica ou natural, e pessoa moral ou jurídica,16

 

16 T. de Freitas, na Consolidação supradita, havia adoptado, primeiro,a divisão de pessoas singulares ou collectivas; depois (em nota ao art. 40 da3a edição) substituirá o segundo vocábulo pelo de — universaes, reprovando,por essa occasiao, a classificação adoptada pelo professor Ribas,-— de pes-soas natwaes e pessoas  jurídicas. Entretanto, o mesmo T. de Freitas, noseu « Esboço do Código Civil»,— começando por declarar inexacta a sua an-terior divisão, estabelecera: que « as pessoas ou são de existência visívelou de existência tão somente ideal», única classificação verdadeira, accres-centára elle, (Esboço, cit, art. 17); o que, alias, não impedira que o mesmo,mais uma vez emendasse a mão, para dizer no seu « Vocabulário Juridico » :— « As pessoas, ou são naturaes ou jurídicas».— (Appendice n, arts. 2o e258). Com esta ultima divisão conferem:—F. dos Santos, Proj. de Cod. Civ.Brasileiro e Commentario, arts. 74 e 154; Coelho Rodrigues, Proj. de Cod.Civ. Brasileiro, art.18; Beviláqua, Proj. de Cod. Civ. art. 13 e seg. 

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  — 7 — 

3 b. — No entanto, embora já consagrada na escola, nas leis, ena pratica, a presença da pessoa jurídica, --o certo é, que, no terrenodos princípios, continua ainda insistente discussão sobre os pontos

fundamentaes da sua doutrina, isto é, sobre a sua existência e o seucaracter essencial, ou dizendo em termos mais precisos: — como éque se reálisa a existência da pessoa jurídica; — em que é, que ellaconsiste effectivãmente, ou de maneira, que possa ser considerada

  pessoa distincta do ser humano, no uso e goso dos direitos que,aliás, lhe são directamente attribuidos sem a menor contestação..." 

Ainda em recente trabalho escrevera, a esse respeito, autor  M damaior competência:   Ma niuno pensi che ladottrina delle per-sonegiuridicke, quale si trova esposta anche nelle opere migliori, soddiffi

 per ora a tutte queste isigeme. Non ve ríha una, in cui la dottrina delle persone giuridicke si trovi svolta nella sua inte-■ grita e con la dovutaaccompagnatura o necessária armonia delia theoria com la pratica.18

 

17 A palavra — pessoa vem do vocábulo latino "persona," mascara,que indicava a figura ou personagem, que o individuo representava nopalco; tinha, como se vô, significação inteiramente analoua áquella, queora damos á palavra —papel, quando dizemos semelhantemente: — o actorrepresenta ou faz o papel de rei, de juiz, de soldado, etc., segundo o entre-cho da respectiva peça theatral. Como ampliação talvez do seu sentidooriginário, fora a mesma palavra igualmente empregada para designar umaqualidade, ou estado accidental, dos indivíduos, tal por exemplo:— perso-nam induere = tomar a figura de. .. ; — personam alienam ferre = representara pessoa ou fazer o papel de outrem, etc, etc. Foi certamente nestasignificação, que Cícero dissera: « Três personas unus sustineo... meam,adversarii, judieis» (De Oratore). 

18 Giorgio Giorgi,   Dottrina delle persone giuridiche, t. I, n. 4. — Fi-renze. 1899, 2.» edieione. O autor citado, tendo definido a pessoa jurídica «queWunitá giuridica, la quale risulta da una collectlivitá wmana ordinatastàbUmente a uno o piit scopi di privata o âi pubblica utilitâ: in quanto é distinta dai singoli individui che la compongono, e dotata delia capacita di

  posseãere e di esercitare ADVEBSUS OMNES i diritti patrimoniali, compatibil-mentealla sua natura, col sussiãio e d'incremento dei diritto pubblico », eaddi- 

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I — B justamente nisto, que vimos de dizer, tem também oleitor a razão porque, antes de entrar no objecto especial dopresente estudo, sentimo-nos na necessidade de perlustrar, aindaque a passos largos somente, o campo das principaes theorias,

que ainda agora se disputam a posse da verdade, acerca de tãoimportante assumpto. 

Não se ignora que o Estado, de cuja responsabilidade civilnos vamos occupar, é, antes de tudo, uma pessoa jurídica; e que,conseguiutemente, as conclusões a tirar sobre a alludidaresponsabilidade dependem em muito, senão essencialmente, do  juizo ou intelligencia, que se tenha, sobre a natureza e capa-cidade desse sujeito particular de obrigações e direitos. 

§ 2.° A PESSOA JURÍDICA É UMA FICÇÃO ? 

4.—A theoria que, antes de qualquer outra, se apresentara,bem definida e ensinada, para explicar as relações e factosconcernentes aos demais sujeitos de direitos, que, alem das pes-soas physicas, concorrem, activa e passivamente, na ordem ju-rídica, foi, sabidamente, a da personalidade Jicticia.  

Como se vio, os textos romanos diziam apenas —« vicem personce sustinent...» Era como, si os mesmos declarassem: taessujeitos não são realmente pessoas (porque segundo o direitoromano,  pessoa, só era o homem livre, para excluir o próprioescravo, considerado como cousa); mas, por motivo ou razões depublica utilidade, são elles admittidos a fazer as vezes destas.  

tando logo em seguida, que ninguém até agora havia dado uma definiçãoexacta da pessoa jurídica; —dera, como razão de semelhante falta, a giove-nezza delia dottrina, que não havia ainda chegado á sua madureza,—não seencontrando, mesmo, phrase alguma, que exprimisse genericamente o con-ceito da personalidade jurídica, antes do século 18.° (oh. cit., ns. 13,24 e24 bis). 

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— 9 — 

Ora, não é difficil perceber que, dahi para chegar á idéa, aliás,negativa da ficção,19 não faltava, senão completar o pensamentoe adoptar o vocábulo, que a devesse exprimir: foi o que fizeram

os cultores do direito. A expressão empregada de — pessoa fictícia, si não vem do

direito canónico e dos glosadores da idade media, como se tempretendido, ella já apparece, todavia, em documentos de datasassas remotas : Fidos personas dicuntur universitates, civitates,  pagi, collegia, corpora, quce personas vice funguntur, dizia Lau-terbach; * depois delle, diversos outros escriptores, nomea-damente, Miihlenbruch, se serviram de vocábulos idênticos aooccupar-se do assumpto.—«Metas personas eas appellamusquce,cum in óculos non incurrant, tamen mente et cogitatione infor-mantur, tamquam personce... 21. Coube, porém, á mentalidadecreadora de Savigny, não só, estabelecer a theoria da pessoa ficticia, mas também ainda, apresentando-a sob a apparencia devalor scientifico, conseguir que a mesma se tornasse a doutrinada escola, tanto na Allemanha, como nos outros paizes daEuropa e da America.22

 

Não será mister entrar em longos arrazoados para expor osfundamentos desta theoria. 

— Admittindo, que só o homem é  pessoa real, não se pode

explicar, senão por simples ficção, ess'outra personalidade suigeneris, que a lei attribue a outros seres diíFerentes. O legis- 

10 Oiorgi, ob. cit., n. 18 eseg. 20 Lauterbaeh, Collegium' theoreticwm-praticum aã libros Pandectn-

rum, — " De Legatis ", § 7. Ttib. 1690-1711. 21 Mublenbrueh, Doctrina Pandect.§ 196.— Hal. 1823-1825. 23 Nao é preciso apoiar a proposição' supra em documentos. No Brazil,

a doutrina da ficção fora sempre a ensinada nas nossas Escolas Jnridicas.— Vide: Ribas, C. de dir. civ. bras., t. II, p. 6 e 108, seg. 

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— 10 I 

lador suppõe, apenas, em vista do interesse geral, a existência deuma pessoa fictícia; — mas a trata, como si fosse uma pessoareal. 

Aqui temos em breves palavras,— o que é, ou antes, em queconsiste a doutrina da pessoa moral ou  jurídica, definida porSavigny: « um sujeito de direitos, creado artificialmente».2* 

4 a. — A pessoa jurídica, ensina Windscheid, não é umente real, mas apenas representada e tratada, como tal, por sersujeito de obrigações e direitos — « Eine juristische Person ist eine nicht wirklicU existirende, nur vorgestellte Person, tvelcheais Suhject von Rechten und Verbindlichkeiten behandelt wird ».u

 

Por sua vez, F. Laurent, accentúa: « Ce qui caractã'ise les personnes dites civiles, c'est qiCelles sont des FICTIONS CRÉEB PAR

LA LOI, et que le legislateur a seul le âroit de crêer. II riy a pasdejiction sans loi; àplus forte raison,pas d'êtrefictif, la plusimpossible des fictions... La fiction sur laquelle reposent les per-sonnes civiles consiste en ce que le legislateur donne des droits acertains corps ou établissements, dans un interêt social. Ces droitsse confondent avec la charge que leur est imposée, et endehors de\ laquelle ils n'existent pas. Donc les personnes dites CIVILES ne

 peuvent réclamer ã'autres droits que ceux que la loi leur accorde.LES HOMMES SEOLS ONT DES DROITS ».25 

28 Savigny, Traité de droit rom., § 85; — Cf. Mackeldey,   Man. de âroit romain, §§ 121 e 147 ; — Maynz, Cours de droit tom., §§ 96 e 107 ; — Mi-choud, La notion de personálitémorále, p. 4 e seg. 

24 Windscheid, Eanâbuch des Pandektenrechts, § 57. 25 P. Laurent, Cours Elem.de droit civil,  JÍ .  54.—Aubry et Rau, Cours

de droit civil f'rançais: «  Les personnes sont ou physiques ou nwrales, suivant que leur individualité est Vasuure de la nature ou ne repose que sur une abstrac-

tion juridique »(§ 62 in fine). B mais adiante: < Unepersonnemorále est unêtre de raison capable de possáler un patrimoine, et de devenir le sujet des droits 

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Não é preciso ajuntar mais citações nem invocar outrosautores, para ter-se um juizo claro acerca da theoria da ficção(Fictionstheorie), também dita, tlieoria da personificação (Per-

sonificationstlieorie). Segundo á mesma, a pessoa jurídica nãotem, realmente, existência; é alei que crêa uma,ficção debaixodeste nome, para facilitar a execução de certos actos e factos daordem jurídica, e nada mais. E no entanto, a esse ente de  pura ficção, â essa pessoa, que nada ê, se reconhecem na vida social,excepção apenas feita dos direitos de família, todos os demais,como si fora a pessoa natural, a dizer, o homem! 26

 

5.— Ora, é cousa evidente por si mesma, que o que não

existe, é ipso facto incapaz de ter direitos próprios, obrigaçõespróprias, exclusivas, ou de ser sujeito de qualquer outra relaçãoapreciável pela intelligencia humana. Procede, portanto, nestaparte a argumentação synthetica, formulada por De Vareilles-Sommières, quando, referindo-se á questão, disse peremptoria-mente: «E' de ver, que semelhante juizo écontradictorio em seustermos. Pessoa fictícia não éuma pessoa; uma vez que è fictícia;o que é fictício, é nada. O juizo se reduz a isto: a pessoa, quenão é, é. A razão declara, que si a pessoa moral é uma pessoafictícia, não pôde a mesma ser classificada entre as pessoas» .27

 

E' certo que, diante de conclusões, tão dissatisfactorias aosolhos do simples bom senso, os partidários da Fictionstheoriereplicam logo indignados : Que, segundo á sua doutrina, não sediz, que a pessoa jurídica seja um nada imaginário 

et  fies óbligatiom rélatifs aux biens. VEtat constitue, ãe piem ãroit, une\  personne moralt. Aucune autre personne morale nepeut se former ou s'étáblir\ au sein de VEtat, sans la reconnaissanee formelle ou tacite ãe la puissancepu-blique» (§54). 

20

Vide : Van-Wetter, Cours Elem, de ãroit rom. t.I, § 54, V.27

DeVareilles-Sommières, Les Perscnnes Morales, n. 15, e passim. 

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(EIN EINGBBILDETES NICIITS); pelo contrario, ella reconhece que acorporação, assim como a fundação, é alguma cousa efectiva-mente real;— Que, de certo, não é uma pessoa; mas é uma

 personalidade figurada.— «Jede Corporation undjede Stiftung  \ist ettvas sehr Wirkliches, áber keine Person. Fingirt wirãnur die Personen qualitãt».^ 

Comprehende-se bem a precaução de taes reservas era vistado absurdo, á que, sem ellas, ficaria desde logo reduzida achamada Fictionstheorie... A explicação, porém, não satisfaz;servindo, apenas, para tornar patente, que se gastam esforçosbaldados em favor de uma doutrina, que, nem siquer, pode serentendida na accepção lógica dos próprios termos, por ella em-

pregados, porque estes levariam, desde logo, á simples contra-dicção e ao absurdo I 

Si a ficção, á que se soccorrem, nada constroe ou explica,melhor fora abandonal-a no todo. Com effeito, reconhecer queas pessoas jurídicas de direito publico, taes como o Estado e oMunicípio, assim como as de direito privado, taes como a asso-ciação e a fundação, legitimamente constituídas, são sujeitos dedireitos e obrigações per se, distinctas das pessoas naturaes quenellas concorrem ou são interessadas; podendo as primeiras

levantar e sustentar os seus direitos próprios, mesmo emopposição aos das segundas; e ao mesmo tempo, declarar, queditas pessoas jurídicas não passam de  ficção da lei, sem a menorrealidade possível, — é fazer simplesmente duas affirmaçõesinúteis, que não precisam ser refutadas, porque ellas se repel-lem e se destroem por si mesmas. 

Por consequência, é forçoso escolher entre os dous termos:ou a realidade, ou a ficção, da pessoa jurídica. 

23Windscheid, ob. cit., § 49, nota 8.— Cf. Glorgl, ob. cit., n. 15, p. 25-26. 

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E como a ultima destas theorias é a que tem subsistido,como doutrina, mais geral ou predominante, é nosso dever in-sistir ainda, por um pouco, na demonstração da sua sem-razão

ou falsidade.20 

6. — A primeira objecção, que se lhe tem feito, e, sem duvida, de força bastante para derrocar todo o seu prestigio, é:que ella é impotente ou inhtil para resolver o problema posto. •Este consiste em saber, como definir ou qualificar devidamentea   pertenção positiva de bens que, não cabendo aos indivíduos,tem, todavia, uma tal razão de ser, que jamais deixou de seradmittida em todas as épocas da historia. « Dizer que esses bens .

pertencem á uma pessoa fictícia, é o mesmo que dizer, emboraem termos disfarçados, queelles não pertencem a ninguém. Sinão se comprehende a existência de. um direito, sem haver um su jeito que delle seja o titular; certo, não se explica esta existência,attribuindo-se o direito a um sujeito fictício ; pelo contrario, seconfessa, por isto mesmo, que o direito não tem sujeito real... 

A ficção pôde servir em direito para simplificar ou facilitar aexplicação de certas theorias juridicas; mas, por si mesma,nada resolve; conseguintemente, onde se dá a falta de uma con-dição essencial, ella é impotente para suppril-a».80a

 

7. — A segunda objecção é tão fundamental, como a primeira. Não é exacto, que a pessoa jurídica, (dita  pessoa ficticia)seja creação da lei. As leis, si não são as relações necessárias, 

20 Ainda que combatida, do certo tempo ã esta parte, a theoria daficção conta, não obstante, os mais distinctos nomes entre os seus partida- Jrios; e é por isto, que o seu predomínio continua, como aliás reconhecem ospróprios adversários delia. — Giorgi, ob. cit., t. I, p. 24. 

30 Miohoud, loc. cit., p. 6.— Este autor segue, de preferencia, as idéas

de Zitelmann (Begri/f wnd Wesen der sog. jur. Personen)sobre a questão. »• Ibidem. 

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que derivam da natureza das cousas, como ensina Montes-quieu,81 ninguém desconhece, que ellas tem por objecto, regular os factos e relações da vida social, em vista do interesse

commum, ou para os fins do bem publico e privado. Não está,porém, no poder da lei ou do legislador crear  ente algum, emuito menos, uma  ficção, porque seria praticar um acto vão ouinútil. Legislar é ordenar, é perraittir, é prohibir, é dispor ouregular *, mas não é, de forma alguma, crear, á vontade, novossujeitos de direitos para a vida social. A expressão crear, em-pregada nos actos legislativos, é inteiramente metaphorica: ascousas ou relações preexistem ao acto; o que este faz, é dar-lhesum destino especial ou regulal-o de um modo, que, na occasião

parece conveniente ou necessário aos olhos do legislador... Diz-se   pessoa jurídica, não por ser uma ficção creada pelalei, mas porque existe para os fins jurídicos, que motivaram asua instituição ou existência. Não ha duvida, que a lei pôde edeve intervir para conhecer das qualidades necessárias á exis-tência ou a certas funcções da pessoa jurídica. E porque assimnão fazel-o, si a lei intervém do mesmo modo com relação ápessoa physica ou natural, dictando as condições, em que ellapode agir na ordem jurídica, e representar nella pessoas diver-

sas ** (plures personas sustinet) ? Ora, supponha-se a associação. Esta pôde ser instituída ouformada, usando os indivíduos da sua faculdade natural de fazerconvenções ou contractos. 

31  L' Esprit ães lois, l. I, cap. I. 33 Mackeldey, ob. cit., § 122; Maynz, ob. cit., § 96. Diz este autor:

Le nieme mot (persona) sert également à designer la capacite d'avoir desdroits en general ou d'avoir et d'exercer tel droit determine. Cest dansce dernier sens qu'on dit qu'un homme peut SUSTIKERE PLURES PERSONAS. 

Ainsi, dans le fonctionnaire de 1'Etat on peut distinguer la qualité de per-sonne publique et celle du particulier ; un tuteur peut agir, soit pour lui-mêrae, soit pour son pupille, etc, etc. — B' o mesmo pensamento de Toul- 

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— 15 

Supponha-se do mesmo modo a fundação. Que impede que um ou

mais indivíduos, usando igualmente do seu direito incon-traetavel de

dispor de seus bens, pela doação ou por outro meio, dêem a estes um fim

determinado de beneficência ou utilidade publica ?33

 O que a lei ou o legislador faz, e com a competência que lhe é

própria, é — declarar os requisitos da existência legal das pessoas

 jurídicas em geral, ou de certa classe destas pessoas em particular; — isto

succede, principalmente, com as sociedades anonymas e com as

fundações, já em vista da importância de taes pessoas e dos fins, que se

propõem, já em vista das garantias de direito que cumpre assegurar aos

terceiros, que se achem 

| ■ - ■— ■■ ■--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- ■ —■ —■ 

lier (Le Droit Civil Français, Introd. 1.I, n. 181 seg ), considerando a pes-soa, por assim dizer, como synonymo de status, e portanto, podendo existirdiversas no individuo singular, assim como, vários individuos podem cons-tituir uma só pessoa: « Le mênie indiviáu peut représenter plusieurs person-nes: il peut être magistrat, pére, mari, et exercer tous les ãroils attachès ace* trois personnes dam Vordre publique et ãans Vordre prive. Au contraire

 plusieurs personnes peuvent ne constituer qu' une seule personne; teU sont lescorps politiques appeUés en droit  UNIVERSITATES, COLLEGIA, etc. Choque com-tnune, par exemple, forme un corps politique qui n' est considere'que commeune teule personne » (loo. cit., n. 128). I 33Deixamos de reforir-nos neste particular ás pessoas jurídicas de direitopublico, notadamente ao Estado, porque a discussão sobre a creação ou

formação especial das mesmas nos levaria muito longe ; apenas obser-varemos, que não é a lei, que crea o Estado, de maneira alguma. A lei éuma consequência da existência do Estado. Seja elle uma associação NECES-SÁRIA, ou não, alei a- suppõe preexistente, e não faz, senão, regulamen-tada ou Hmital-a. Facto idêntico se nota com as outras aggremiações quetem personalidade própria, algumas das quaes são historicamente anterio-res ao Estado, e a raorparte tem uma formação análoga. Constituídas pelaforça das cousas, ou pela vontade de seus membros, a lei não intervém ahi,senão, para regular, em dados casos, as relações jurídicas, que lhes deramnascimento, e depois, as relações jurídicas da aggremiação já constituída.Ella as encara, como as demais relações humanas, e se limita a dar-lhes aformula legal, que parece mais apropriada á sua destinação. — Vide: Mi-chourt, loc%_cit., p. 11 o seg. 

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em relações jurídicas com esses institutos. Essa intervenção dolegislador não é a de creadoT, mas a de regulador  ou lega-lisaâor, em attenção ao interesse geral da sociedade. E não se

pense que, mesmo no desempenho desta attribuição, caiba aolegislador um poder arbitrário. Em boa razão elle não deve, nempode, negar o seu reconhecimento de legalidade, senão, ao quefor illicito ou incapaz de satisfazer aos seus fins, de accordo como interesse geral ou da ordem jurídica. Tratando-se, porexemplo, da associação, diz Michoud, a lei seria infiel ã suamissão, si recusasse, arbitrariamente, ou por falta de sympatuiapara com o objecto, aliás licito, que se propõem os associados,— a considerar a aggremiação, como sujeito de direitos, desde

que, no pensamento dos seus membros, tivesse ella um patrimó-nio próprio e interesses distinctos dos interesses individuaes.84 

A lei pode prohibir, jà se disse, o que for illicito; podeainda, muito embora como medida de excepção, vedar a forma-ção de tal ou tal instituto, o desenvolvimento ou a execução deactos e factos, dos quaes se receie um mal de caracter geral ouum perigo para a ordem publica; mas, passar alem, seria deixarde ser a lei, para tornar-se a violência e o arbítrio.35 Em umapalavra, qualquer que seja a intervenção que ao legislador deva

em boa razão competir, não se pode, por isso, admittir a propo-sição,—de que a pessoa jurídica seja uma simples creação da lei;porque isto levaria á consequências manifestamente tyranicas. 

Desde que não se trata de um direito a exercer, mas de umfavor ou graça, do poder publico, nada impede que este o faça,recuse, ou annulle-o, depois de feito, ao seu livre arbítrio.36

 

84Michoud, loc. cit., p. 13-16. 35 Ibidem. 36

Com toda a razão diz Vareilles-Sommièros : O príncipe, que pode,por seu capricho, crear, ou não, a   pessoa fictícia real, pode do mesmomodomantel-a ou supprirail-a; e supprimindo-a, pode apoderar-se dos seus 

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Não ; esta não pode ser a verdade do facto. O poder publico des-empenha, no caso, um papel análogo ao que lhe compete, comoregulador do exercício e goso dos direitos das pessoas physi-

cas, taes como, do menor, do inter dieta, do cônjuge, do pae, do patrão, do proprietário ou possuidor, etc, etc, ou em outras pa-lavras : —o que a lei faz, relativamente à pessoa jurídica, assimcomo relativamente á pessoa physica (o homem) é, constatada aexistência de certas relações,—declarar quaes as condições ounormas exigíveis, pelas quaes, determinado sujeito possa agirou gosar de taes e taes direitos na ordem social. Mesmo no querespeita aos estabelecimentos de caracter publico, revestidos depersonalidade jurídica,— esta lhe resulta, antes de tudo, daorganisação particular que recebem, e não da creação da lei. São,por assim dizer,  porções da própria organisação publica geral, já existente, do Estado, que agora se destacam ão todo, e seespe-cialisam ou se constituem em corpos distinctos, com um patri-mónio próprio e interesses separados; e dahi o fundamento realda nova personalidade jurídica. 

Pelo facto de o poder publico intervir, declarando que talinstituto se acha dotado de personalidade jurídica, e tal outro,não,— não se pode, sem mais exame, inferir que o dito poder éque crea essa personalidade. O que se dá realmente, é o reco-

nhecimento legal da pessoa jurídica, em vista de concorreremnella os requisitos da lei. 

Fallando desta sorte, não se pretende negar que os esta-belecimentos públicos e instituições análogas não devam, emregra, a sua formação, ou creação, si o quizerem, á deliberaçãodo poder publico. Àttenda-se, porém, que, poder publico aqui ésynonimo de Estado, e este é, antes de tudo, a pessoa jurídica 

bens, e, conseguintemente, extinguir a pessoa.— "Les Personnes Morales"

n, 107 sg. O autor citado se referira especialmente, neste trecho, à pessoa jurídica da fundação. 

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"por excellencia";87 e, nesta qualidade, principalmente, nãoseria licito negar «lhe o direito de fundar, por si só, institutosdotados de personalidade jurídica, ou de concorrer, para a for

mação dos mesmos, em união com as pessoas puysicas ou comoutras pessoas jurídicas já existentes.38  f1

8.—Existe, finalmente, maisnma consideração importante,que não devemos omittir, em desabono da theoria da ficção. 

87 Bluntschli, Le droit intemational codifié, l. II, n. 17, 1. 88 Michoud, loc. cit., p. 16. — Coraprehende-se bem, que não ha da

nossa parte o intuito de examinar, como e até onde, se deva dar a intervenção da lei ou do poder publico, como elemento extrínseco ou formal da

pessoa jurídica. Esta intervenção, não se ignora, se dá boje geralmente, e,segundo a legislação dos differentes povos, por modos diversos. EUa jáapparecia no direito romano, como condição, para que a universitas ou cor 

 pus tivesse existência legal, ao tempo do Império (.. .paucis admodum in  \casis concessa sunt hujusmodi corpora... Dig.  I. IQ, tit. 4); e nos temposmodernos, escriptores dos mais disti netos a recommendara, como necessária;assim suecede realmente na pratica dos Estados da mais adiantada cultura

 jurídica, taes como, a França, a Bélgica, a Itália, a Állemanha, etc., etc. Domat ensinava:   H n'y a que le souverain qui puisse donner ces per-

músions et approuver les corps et communautés ( Droit Public, 1.1, tit. 2,sect. 2); 

Laurent o afflrma igualmente no trecho, de que já se fez menção, (n. 4a) e, em outra parte, repete emphaticamente : «JLe legislateur seul peut créer les personnes cioiles... A la voiac du legislatew un êtrê sort du néant, et 

 figure sur un certain pied oVegalité â cote des êtres reéls crées par Dieu * \  \(Principes, I, 288). 

De maneira idêntica também se exprimem: — Frère-Orban (La main-morte et la chaHté, part. I, IV);—Vauthier (Etude sur les personnes moralesdam le droit romain et dam le droit françai», p. 286);— Massé et Vergé surZacharise {Le droit civil français, §§ 40 e 260); — Planiol (Traité Elem. dedroit civil, n. 1994 seg.), e muitos outros. 

A despeito, porém, de tamanhas autoridades, persistimos em não ad-mittir, como correcta e verdadeira, a opinião, — de que é a lei ou o poderpublico, que crea a pessoa juridica. Pelo menos, seria forçoso abrir uma ex-cepção para a pessoa juridica — Estado; porquanto, sabidamente, o Estadonão é uma creação da lei, como já se observou em outro logar (nota 33). 

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— 19 — 

Já se sabe que, segando essa theoria, a pessoa jurídica carecede realidade na ordem social; mas, isto não obstante, se lhe attribuea propriedade exclusiva de cousas ou bens e direitos, e bem assim,

& responsabilidade, não só, resultante de obrigaçõesconvencionaes, como ainda, a proveniente de actos illicitos. 

Mas, como é, que um ente fictício pode exercer, effectiva-mente, os direitos da posse e domínio, digamos, de bens immo-veis,— contrapondo-os, as vezes, aos próprios indivíduos, que sãocoparticipautes ou componentes delle, ou a terceiros? Como obrigaruma entidade meramente supposta a responder por obrigações, jánão dizemos, — as contractnaes, mas as resultantes dos actosillicitos, que ella seria incapaz de praticar ? 

Dirão: pelo meio, aliás, fácil e conhecido, da representação,consagrada nas leis em beneficio das pessoas incapazes em geral. 

Sim ; não se ignora o meio indicado. Mas a representaçãosuppôe necessariamente uma  pessoa representada ; e não seriapreciso accrescentar, que -' representar uma  ficção ", é agir emnome do nada, ao qual, é impossível, senão, manifesto contra-senso, —reconhecer direitos e obrigações.. .39

 

89 T. de Freitas, combatendo a expressão de  pessoas fictícias, disse :

« por que é faiso que haja ficção alguma, e nem em outro qualquer caso odireito carece de ficções... O mesmo Savigny, e quasi todos os eseripto-res reputam essas pessoas como  fictícias; mas esta qualificação devo serrejeitada, e de que admira que a sciencia já não esteja expurgada. Ha nistouma preoccupação ; para alguns, porque suppõem que não ha realidade,senão na matéria, ou só naquillo que se mostra acoessivel â acção dossentidos; para outros, por causa das  ficções do direito romano, com asquaes o  pretor  ia reformando o direito existente e attendendo as neces-sidades novas, simulando, porém, que o não alterava. O Estado é a pri-meira das pessoas de existência ideal, é a pessoa fundamental do direitopublico, á sombra da qual existem todas as outras ; e quem ousará dizerque o Estado é uma ficção?».— Esboço do cod. civil, notas aos artigos 17e 273. —Rio, 1865. 

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 — 20 — 

Diante desta incongruência, para não dizer, absurdo pa-tente, da theoria da ficção, fora impossível não cogitar de outrasque offerecessem solução mais acceitavel do problema. Dahi, as

duas novas concepções, de que em seguida nos vamos occupar,e que, no entender de alguns autores, *° tiram, aliás, origem, aomenos occasional, da própria theoria da ficção. Por uma sepretende, que não ha outros sujeitos de direito, além das pessoasphysicas, a dizer, o homem;— por outra, dispensada a interven-ção dessa pessoa fictícia, por inútil, se pretende, que as própriascousas, em dadas condições, podem ser verdadeiros sujeitos dedireitos e obrigações.*1

 

§ 3.° A PESSOA JURÍDICA NÃO TEM RAZÃO DE SER? 

9. — PRIMEIRA THEORIA : Às chamadas  pessoas jurídicas,nem existem, nem ha razão para a sua existência; são apenasaspectos ou modalidades apparentes das pessoas physicas(quorum gratiâ jus constitutum est). 

Ouçamos a respeito, antes de qualquer outro, a um es-criptor, guasi'patrio, o autor do Projecto do Código Civil Por-tuguez: 

O direito, diz elle, é uma relação ideal, que tem por prin-cipio e fim, e por agente, unicamente o homem. As cousas em 

40 Michoud, loc. cit., p. 6 seg.; De Vareilles-Sommières. loc. cit.,|n. 137 seg. 

41 No empenho de explicar a doutrina da  ficção tem alguns autoresrecorrido a modos, mais ou menos engenhosos, — formando, conseguinte -mente, espécies theoricas., hoje conhecidas debaixo de denominações diversas, taes como:—"Personenrolle" (Bõhlau,   Rechtssubject und Personen-roUe, — Weimar 1871; Randa, Der Besitz mit Einschhiss der BesitzTãagen\ 1879);—" Personifikation des Zweckes " (Windscheid, Pandekten. § 49 e 57;

Baron, Pandekten, § 29-30). Examinando-se, porém, de perto, veriflca-seque estas e outras theorias análogas são, no fundo, tuna só cousa, muitoembora sob nomes differentes.— Vide: Giorgi, ob. cit, n. 16. 

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— 21 — 

si podem ser objecto de direitos, mas não sujeitos de direitos.No desenvolvimento de sua vida jurídica, o homem apresenta-sedebaixo de differentes aspectos : primeiramente como individuo

isolado, em segundo logar como individuo unido com outros, ouassociado; em terceiro logar como individuo, perpetuando o im-pério da sua vontade no tempo e no espaço a favor da garantiada lei, representativamente na pessoa doutros indivíduos. Massempre e em todo o caso é o homem, e só elle, que na realidadeapparece como sujeito de direitos. Percorramos agora cada umadas chamadas pessoas moraes... O Estado: Que é, senão a reu-nião de indivíduos, a sociedade representada nos seus agentes ? As corporações e associações: Que são, senão os mesmos indiví-duos, unidos por certo interesse? Os estabelecimentos de caridade einstrucção ? Que ha ahi que possa dizer-se sujeito de direitos,senão os mesmos interessados na fundação, representados pelosgerentes dos mesmos estabelecimentos ?... » 42 E proseguindono desenvolvimento destes conceitos, o citado autor não duvidouaffirmar, que nohospital, por exemplo, os sujeitos dos direitos sãoos doentes,—«únicos a quem os bens verdadeiramente pertencem,mediante a administração e applicação estabelecidas».43

 

10.—Em accordo com estas idéas, sustentadas por Seabra,

ha perto de cincoenta annos, se mostram também agora, entreoutros, dous escriptores, dos mais distinctos da actualidade,Van den Heuvel, ** e De Vareilles - Sommières.45

 

O primeiro, partindo da convicção, de que todas as pessoas jurídicas se podem reduzir á sociedades ou associações, procura 

42 Seabra, Novmima Apostilla, p. 128-131. — Coimbra, 1859. 43 Ob. cit.,p. 130. 44 "De la situation léjale ães assoóialions sans but lucratif en France

et en Belgique". — Bruxelles, 1884. 45 "Le8 Personnes Morales". — Pariz, 1902. 

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I— 22 ■ 

demonstrador faz a seu modo, — que a pess<riBpe taes^presnão passa de simples apparencia ou de um simples artificio, in-ventado pelos juristas; podendo, no entanto, ser a cousa expli-

cada, diversamente, pelas regras especiaes do contracto da res-pectiva associação.46

 

Antes de tudo, um defeito se manifesta na theoria de Vanden Heuvel, e é: que a mesma é incompleta, não podendo ser ap-plicavel â todas as pessoas jurídicas. Ella se applica facilmente,diz Michoud, às que tem por base uma associação, pura e sim-ples ; mas já não seria possível acceital-a para as associaçõespoliticas, taes como, a Commuua e o Estado.47 O autor, (continuaMichoud) levanta-se, com toda a razão, contra a idéa de consi-

derar o Estado, uma ficção. Mas, que dizer de uma theoria, queo considera, como um contracto gigantesco, no qual os parti-culares collocaram certos bens em commum,— ficando estes su-  jeitos a um regimen especial, que os subtrahe ã acção de seuscredores? E' apoucar singularmente a questão do património doEstado, e esquecer inteiramente as condições de facto, nas quaeselle se apresenta aos nossos olhos. Emfim, admittido, que nocaso ainda se podesse conceber uma sorte de sociedade,—como,porém, applicar a theoria ás pessoas jurídicas, que não tem por

base nenhuma associação visivel, taes como, os estabelecimentospúblicos e as fundações de beneficência ? 48 

10 a.—Partidário, muito mais decidido, da theoria da não-existencia da pessoa jurídica na ordem social, é De Vareilles-Sommières, o qual se propôz mesmo a tarefa particular de de-monstrar, por todos os argumentos, que "a divisão de pessoas physicas e pessoasmoraes é totalmente viciosa"; porque se reduz, 

40

Van den Heuvel, ob. cifc., p. 85-38. 47 Michoud, ia Notion de personnalitémorale, p. 23-25. 48 Michoud, loc. cit., p. 26.  J 

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queiram ou não queiram, saiba-se ou não se saiba. — a oppôr ás pessoas physicas outras tantas pessoas physicas, embora en-caradas em uma situação particular e designadas por uma

imagem.49

 — Não nos é permittido dar aqui um resumo completo das

idéas e argumentos diversos, com que o autor sustenta a suathese; limitaino-nos a transcrever as suas deducções conclusivasprincipaes contra a realidade ou supposta existência da pessoa jurídica. Eis, como o mesmo se exprime na matéria: 

« Mais il est possible de faire d'un coup table rase de toutesces constructions et de couper court á toute nouvélle tentative ãe\ même genre, en faisant evanouir Vidée, Villusion qui est leur commun et fragile fondement. Cette idée, cette illusion, c'est queVassociation est quelque chose d'autre et de plus que les associes.Toutes les théories sur la personnalité morale naturelle prennent lá, forcément, leur raison d'être ou plutôt leur pretexte. De mêmequ'un tableau, dit Bluntschli, n'estpas la simple somme ães gout-tes de peinture et d'huile qui ont servi â le composer, de mêmeVassociation n'est pas la simple somme des individus qui Vont constituée (Theorie générale de VEtat, l. I, eh. I, 5). II y a, dit   M. Terratf dans Vassociation quelque chose de plus que les as-socies', il y a un príncipe d'unité et d'organisation, par lequel

les memores de Vassociation, dissemines dans Vespace et dansle temps, sont néamoins unis et groupés de façon â former untout. Ils répètent tous á Venvi que le tout forme par les associesest quelque chose d'autre que les associes, quelque chose de dis-tinct d'eux. Et de ce tout ils font une personne... Eemarquonstout ã'abord que, s'il était vrai que Vassociation fút quelque chosecVautre que ses memores t  s'il était vrai que le tout fút quelque chosede plus que les associes, il ne s'en suivrait núllement que cettechose, ce tout, fút une personne. Ou est le lien entre ces deux 

49 De Vareilles-Sommières, ob. cit., n. 21. 

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I ~2Í~  I 

idées: les associes forment un tout ; ce tout est une personne ?\    II y aun ablme entre elles. L'espritde systêmepeut le franchir\  \ã'un bonâ, mais la logique n'a pas cette agilité. Pour le comblerú

il faudrait yjeter cette majeure avec ses preuves: un tout composède différents individus d'un certain ordre est toujours lui-mêmeun inãividu ãu même ordre... 

«Si Von ne per d pas de vue que la personne, quoi qu'on ãiselet quoi qu'on fosse, est Vêtre raisonnable et libre, le seul qui pvAsse avoir des biens, des obligations et des intérêts dignes dece nom, est-il possible de ne pas taxer de divagations les affirma-tions suivantes: un bataillon est une personne, —le groupe de troisl partners quijouent au whist est une personne,—le couple conjugal

est une personne,—les convives assisautour d'une table constituent une personne ? Les soldats, les joueurs, les époux, les convives,sont en e/f et des associes, des individus reunis en un tout par un principe d'unité et d'organisation, et on nous dit que touteassociation est une personne. Uètrangetè de Vidée n'apparait queçonfusement dans la proposition abstraite et générále; dans lesapplications concretes elle saute aux yeux et ãevient intoléràble.  

« Si Vassociation ètait quelque chose d'autre et de plus queles associes, il est clatr qu'elle serait une chose, une chose soi-

GENERIS et non pas une personne. Cette chose n'aurait aucunâroit, neseraitpa8sujet.de droit, mais les personnes que compren-ãrait cette chose, les associes, n'en seraient pas moins pourvus detous les droits et de toutes les capacites voulus pour constituir u/n,avoir commun obligatoirement affecté à la poursuite ãu but com-mun. Eux seuls pourraient être sujets de droit et le seraient. Mais Va88ociation, le groupe, n'est absolument rien d'autre et de plus que les associes; elle n'est pas plus une chose distincted'eux qu'une personne distincte d'eux; elle est eux-mêmes, riende plus, rien de moins. Sans doute, pour leur union et la coor-ãenation de leur8 activitês les associes forment un tout ; mais cetóut, c'est eux-mêmes et rien q'eux; ils sont tout dans ce tout^^ 

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«   II n'y a dans Vassociation aucune autre súbstance, aucunautre être quélconque, physique ou spirituel, que les associes.  II suffit d'ouvrir les yeuxpour sen convaincre. Regardes Vasso-

ciation avec les yeux du corps et avec ceux de Vesprit: qu'y voyezvous en dehors des associes ? Rien. Supprimez les associêes ; querest-il? Rien. M. Terrat dit qu'il y a dans Vassociation en plusque les associes un príncipe de unitê et d'organisation. II prend la cause de Vassociation pour un de ses élements. Ce qiVil appelle  \le príncipe d'unité, c'est le contrat ou la loi qui a forme Vasso-ciation: ce contrat ou cette loi esl la source de Vassociation, maisn'est pas Vassociation.B0

 

Vê-se dos trechos transcriptos, que o autor ahi se refere,de preferencia, á pessoa jurídica da associação; cumpre, porém,accrescentar, que elle affirma a mesma procedência dos seus ar-gumentos, ou talvez melhor dizendo, das suas asserções vigorosas,não só, a respeito de qualquer espécie de associação, seja estade existência convencional, seja de existência necessária, comotambém, a respeito dos demais institutos, a que se costuma re-conhecer a qualidade de pessoa jurídica.õl

 

A pessoa moral ou jurídica, aqui como em qualquer parte,insiste De Vareílles-Sommières, ao encerrar o seu importantelivro, — não é, nem pôde ser, a causa de cousa alguma; o que

não existe não pôde produzir nenhum effeito. E' uma fabula en-genhosa, empregada pela mais austera das sciencias. E' umamentira, que não pôde enganar a ninguém, mas que agrada, eajuda a memoria. . .52

 

— Conclusão tão clara e decisiva, como esta, dispensa, cer-tamente, toda explicação ou commentario da nossa parte.  

50 Ob. cit., ns. 230-32,234-36 e 238. 51 Vide: Ob. cit.. ns. 1049, 1058 seg., ns. 1136 seg., ns. 1169 seg.,

ns. 1453, 1463 seg., e 1554 seg. 52 Ibidem, n. 1556. 

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10 b.— Antes dos doas autores, cujos couceitos acabámosde citar, também Jhering, considerando a pessoa jurídica, comouma ficção, uma mascara, já havia ensinado, que os verdadeiros

sujeitos de direitos são: na associação, os indivíduos associados; enas fundações, os seus destinatários, — a dizer os enfermos, ospobres, os orphãos, etc. 68 São as palavras de Jhering: — «Désque Von perd de vue cette idée fondamen-tale du droit, queVhomme seul est le destinataire des droits, Von ne s'arrete plusdans la voie de la pcrsonnification. La personne juridiquecomme télle est incapable. de jouir-, elle n'a NI INTKRÊT, Ni BUT; elle ne peut ãonc avoir de droits que lá oú ils atteignent leur ãestination, éest-á-dire, LÁ OÚ ILS PEU-VENT ÊTRE UTILES ÁLEURS AYANTS DROIT.  Un droit qui ne peut jamais attendre cebut est une chimére inconciliable avec Vidêe fondamentale du  príncipe du droit. Pareille anomalie ne peut exister qu'enapparence: le sujet appartnt du droit cache LE VERITABLE.  Non ;les veritables sujets du droit, ce nesontpointlespersonnesjuridiqu.es  , comme telles, ce sont leursmembres isoles. Celles-là ne sont autre chose que la forme spécialedans laquelle ceux-ci manifestent leurs rapports juriãiques avecle monde exterieur ».54

 

Isto, quanto ás associações; quanto ás fundações, o citado

autor observa igualmente: — « Elles (as pessoas jurídicas) non plus, ne sont pas elles-mêmes le but et le centre de gravite de tousles rouages juriãiques, qu'éllesJont mouvoir, le pivot de tout leur mécanisme... Ce sont les personnes naturélles qui doivent en profiter. La personnification des fonãations n'est donc que la 

53 "L'ESPBIT DU DROIT BOMAIN ", /.   IV, p. 326-341.— Cf. Michoud, La notion de personnalité morále, p. 27; — Négulesco,  Le Problême Jwi-

 dique de la personnalité morale, p. 38 seg. 54 Jhering, ob. cít., § 71, p. 341 seg. 

■ 

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 forme de Vapropriation ã'un patrimoine aux interêts et aux butsde personnes inãeterminêes... »5B

 

— As citações feitas bastarão, sem duvida, para dar inteiro

conhecimento da doutrina, que confunde ou identifica a pessoa jurídica com a pessoa physica ou natural. 

O que importaria agora, era demonstrar as razões, por-ventura, existentes contra a verdade de semelhante doutrina.No intuito, porém, de evitar a repetição de argumentos, igual-mente applicaveis á uma outra theoria da não-existência dapessoa jurídica, e da qual temos também de occupar-nos; deixa-remos, para mais adiante, a apreciação ou critica das idéas, deque vimos de fazer menção. 

11. —SEGUNDA THEORIA.  Aventada por Brinz,66 e logoapplaudida por Bekker,57 na Allemanha, e depois seguida poroutros escriptores de merecimento, a theoria de que vamos tra-tar ensina: —que não ha mister de inventar a chamada pessoa  jurídica para bem explicar as relações de direito que lhe sãoattribuidas; uma vez que os direitos e as obrigações concernen-tes podem existir sem a necessidade de terem um sujeito... 

Ao encetar a publicação da sua obra "Pandekten" em 1857,Brinz lançara no Prefacio (Vorrede) o ousado conceito, desde

logo tornado celebre, de que — « a pessoa imaginaria pertenciatanto â doutrina das pessoas, quanto o espantalho á doutrina dos 

55 Ibidem, p. 346.—-Entretanto, será talvez opportuno dizer, que opróprio Jhering não deixara de reconhecer a necessidade da pessoa ju-rídica, muito embora como simples ficção, — para o fira de acautelar, prin-cipalmente, os direitos de terceiros, que tivessem de tratar cora as associa-ções ou commun idades... Loc. cit. § 65 p. 215.. 

M Brinz,Pandekten,(1857-1871). 57

Bekker — Zur Lehre von Eechtssubject (no Jahrbttcher fur dieDogmatik, XII, 1873); Idem, System des heut. Pandéktmr. (1886-1889). 

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homens. * —   Die geãachte Person ebensowenig in die Lehrevon ãen Personen gehore, wie die Vogelscheuche in die Lehre vonãen Menschen.— E mais tarde, (na segunda edição da referida

obra), apresentando de modo claro e preciso as razões em queapoiara o seu pensamento sobre a matéria, não só, sustentou,—tirando argumento dos textos romanos, que a pessoa imaginaria(geãachte Person) não passava, effectivãmente,! de umpatrimónio sem sujeito (in Wirhlichkeit, ein personen-losesVermbgen vorlianden sei), mas ainda,—que era patente anecessidade de distinguir os dous patrimónios : — o que tem umsujeito determinado "Personen-Vermogen", e o que, em vez deum sujeito, tem apenas um fim determinado "Zweck-Vermogen' '.

^ Em outros termos, quer isto dizer: — que é uma preoc-

cupação inútil, descabida, a que pretende distinguir as pessoasem naturaes e jurídicas, quando, alias, o que realmente existe é:— ou indivíduos, sujeitos de direitos ou bens, que lhespertencera; —ou cousas, isto é,  patrimónios, que pertencem aum fim especial, e, por isto, capazes de direitos por si mesmos,independentemente da condição de haver uma pessoa, real ou fictícia, que lhes sirva de sujeito. « Les biens qui ont une affec-tation determinée, un but special, (Zweekvermôgen) peuvent sesuffire juridiquement á eux-mêmes et jouer le role d'une per-sonne. lis sont propriètaires d'eux-mêmes, —SUIMET IPSIDS ; Us  peuvent être crêanciers, débiteurs; ils peuvent être acquèreurs,alienateurs...» 50

 

Convém assignalar, que os partidários desta theoria, pre-tendendo que as pessoas jurídicas, como o Estado, a Communa, 

58 Brinz,Pandekten (1868), I, § 59,— III. § 432 seg.— Cf. Windscheid,

ob.cit.,§49,nota5;—Michond,ob.cit.,p. 19 seg.;—De Vareilles-Somraiéíes,]ob. cit-, n. 262 seg.;—Giorgi, ob. cit., ns, 19; etc. 69 Vide: De Vareilles-Sommiéres, ob. cit., n. 263. 

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as corporações, as fundações ou estabelecimentos de caridade,nada mais são do que patrimónios affectos a um fim determinado,acreditam fazer um serviço & seiencia jurídica, substituindo

wm&phantasia, até agora admittida,—pela verdade das cousas,como ellas o são realmente.60 Nada de  personificação de entesabstractos. Ou o próprio bem destinado a um fim especial, ou osimples  fim especial do bem, bastam, por si sós, como sujeitosdos direitos que lhes pertencem, activa ou passivamente... 

Sobre o que, observa muito bem De Vareilles-Sommières :E' claro que não custa mais, dar capacidade jurídica a um, doque ao outro; pois tanto é extraordinário attribuir direito á umacousa, como a um fim, — ou tanto a um fim, quanto á uma

cousa; — havendo contra ambos os casos objecções de igualforça.61 

— Em resumo, tal é a theoria, mais geralmente dita— '' dosdireitos sem sujeito ", e á qual Bekker procurou dar um novosubsidio, fazendo uma distineção particular entre a disposição(Yerfúgung) e o goso (Oenuss) dos respectivos direitos. A pri-meira faculdade, pensa elle, não pôde pertencer, senão a umente dotado de vontade própria; a segunda, pelo contrario, pôdepertencer,— tanto a um menor, um mentecapto, ou mesmo aum animal, bem como, a um fim ou cousa inanimada.62 Conse-

quentemente, nada impede o dispor em favor de um animal oude uma cousa, desde que se providencie juntamente acerca daadministração do património destinado (ZwecJcvermogen); sa-bido, como é, que o animal ou a cousa não podem ter, senão ogoso, e jamais a disposição do referido património.68 Em uma 

f0 Vide: Miohoud, loc. oit.; Windscheid, loc. cit., p. 190, nota ibi. 01 Ob.cit.,n. 264.• r*. • 6a vide: Negulesco, Le Problême Juriãique de la

 persotmalité morále, p. 46 ; —Miohoud, loc. cit. 63 Auts. e Iões. citados. 

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palavra, aos olhos de Bekker, é destituida de importância aquestão de saber, si o animal ou a cousa tem um sujeito de di-reito : elles podem gosar de direitos; é quanto basta.64

 

I lia. —De data mais recente um escriptor francez, M. Pla-niol, abraçando a theoria «dos direitos sem sujeito», a expõe,todavia, de maneira differente,—quanto ao modo de encarar osbens ou o património em questão. Diz elle: « L'idêe de la per-\  

64 A theoria « dos direitos sem sujeito » tem sido adoptada ou sus-tentada na Aliem anha, além de Bekker, pelos seguintes: Demelius,  Die

 Mechtsfihtion, p. 79, 82 e 85 (1858), e no   Jahrbucher fur die DogmatUc,—

(1860); Kõppen,   Lehrbuch des Erbrechts, p. 45; Hellmann,   Das gemeineErbrecht der Religiosen, p. 87; Windscheid, Pandeckten, § 49 e nota 3, §57, (Achte Auflage). —Na Itália: por Forlani, SulU persone artificioM ogiuridiche, (Archivo Giuridico, VII); Bonelli,   Di una nuova teoria delia

 personalitâ giuridica (Revista Italiana per la scienga giuridica, IX).— NaJFrança, o autor geralmente apontado, como partidário da theoria referida, éPlaniol, (Traité Elementaire de droit civil), cnjas idéas damos no texto.Talvez fosse de razão incluir, igualmente nesta nota, a Leon Duguit, (VEtat,le droit objectif et la loi positive, Paris, 1901), o qual nega syste-maticamente a existência das pessoas jurídicas, isto é, de todo e qualquersujeito de direito. Diz elle: « Hs ne voient ãans le droit que le rapport de,deux sujets de droit, de deux personnes. U faut ãone créer ces sujeis de droit, 

QTJAND DANS LE FAIT ILS N'EXISTENT » (OD. Clt. t. I, p. 8). — En fttisantl du droit un pouvoir subjectif appartenant â un sujet de droit, on est for-\ cément amené á voir partout des rapports entre sujets de droit, et on fait de VEtat un sujet de droit, en personnifiant arbitravrement la collectivité;on édifie ces theories artificieUes et caduques qui provoquent á juste titre lesrailleries des sociologiques et des philosophes (Ibidem, p. 13)... *Des hom-mes qui ont eonscience deux-mêmes, qui pensent, qui veulent, qui agissent en vue d'un lut conscient,— voilá les seules realites du monde social (Ibidem,p. 29). —E mais adiante: *Avec notre point de départ, tout s'explique sans

 postulat á priori, sans hypothese, sans fiction. Nous croyons avoir établi quetoutes les fois quHUy-a un acte de volante individuelle determinei par unbut de solidarité sociale, il nâit pour une certaine vólonté le pouvoir d?as-surer 

la réálisation de ce resultai, il naít pour une certaine autre vólonté le ãeroir de ne rien faire s^opposant á la réálisation de ce résultat, et, si cela se peut, d'ytravailler activement ; il naít pour le gouvernement, «'ií eriste, le 

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sonnalité Jictive est une eonception simple, mais superficielle et fausse,

qui cache aux yeux la persistance jusqu'á nos jours de la proprieté 

coUective á cote de la proprieté individuelle. Elle mérite \ã'être

abandonnée. Sous le nom de « personnes civiles» il faut donc entenãreVexistence de BIENS COLLECTIFS â Vêtat de masses ãistinctes, soustraites

au regime de la proprieté individuelle. Par consequent, CES PRÉTENDUES

PERSONNES n'en sont pas même 

ãevoir (Temployer la force á Vobtention ãu bui qui a déterminée Vacte de vo-lonté. Voilá tout, voilá le fait, tout le reste n'est que fiction,.. Mais oú trou-vons nous ce prétenâu rapport de droit ? Pourquoi vouloir déterminer les sujets,\ termes de ce rapport, lesquels ríexistent pas ? (Ibidem, p. 179-180)... 

«On discute depuis ães siècles et on discutira encore longtemps sans s'en- \tendre, la personnalitcdes collectivités, parce que cette per sonnalité n'exit te queãans Vesprit de ceux qui discutent: controvertes verbales vaines et sans profit. »(Ibidem, p. 193). 

Mas, precisamos dizer, o importante trabalho de Duguit não tem porobjecto o estudo da pessoa jurídica; é uma obra de esforço intellectaal sobrequestão muito mais vasta, — na qual o autor, afirmando o facto da soli-dariedade social ou humana, procura fundar um systema completo do « Es-tado, do direito objectivo e da lei positiva »,— começando por declarar, que oseu intento é, antes de tudo, fazer uma obra negativa, (nous voulons faire

  \en avant tout une ceuvre negative...) Para elle: o Estado não é essa pessoacollectiva ou politica, investida de um poder soberano; — o direito indi-vidual é pura hypothose ; — o direito é social, exclusivamente social, mas

sem ser um poder da conectividade, assim como, não é um poder do indivi-duo. .. E possuído destas e outras idéas e princípios análogos, aos quaesDuguit dá o mais largo desenvolvimento, — pretende assentar as bases deuma nova doutrina, segundo a qual, todo o acto da vontade individual con-sciente, conforme ao fim da solidariedade, deve ser recebido, como creadorde uma situação de direito; por consequancia, o individual e o collectivonão se distinguem... 

Comprehende-se, que a apreciação de pensamento tão vasto não pode-ria caber nos estreitos limites do nosso presente trabalho, e, menos ainda,nos de uma simples nota. Si nos referimos ao illustre autor, é porque elle,ao afíirmar a não-existência das pessoas jurídicas, se declarara feliz porpoder invocar, a respeito, a autoridade de M. Planiol, a quem também por

nossa vez mencionamos, como um dos partidários da theoria " dos direi-tos sem sujeito ". — Vide: Duguit, ob. cit., t. I, caps. I, II, III. 

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■ ^ *****  '.** • ^ 'jt 3£  d'ime maniére fictive*; ce sont djsschosespossedées par deshommes.rGette verité a defâ êtê aperçue pav -ffiffèrents auteurs .-.*. Mais ilsne Vont vue que d'une maniére incomplete- ils se sont tous bornesâ émettre une negation, sans se preoccuper de rien mettre á la\  place; U est cependant nécessaire de remplacer le mythe de la per-\ sonnalité par une notion positive, et celle-ci ne peut être que la proprieté collective, c'est-á-dire, le biên ã'un groupe d'hommes.65

Como se vê, aquillo que, para Brinz e outros, se chama ' bem ou património com um fim especial", capaz de direitos,independentemente de um sujeito, é, para Planiol, a propriedadecollectiva, a qual não deve, aliás, ser confundida com & proprie-dade indivisa, conforme observara desde logo o citado autor.66

 

12.— CRITICA DAS THEORIAS.  Brevemente expostas, comoforam, as duas theorias, que se propõem demonstrar, ou a não-existencia da pessoa jurídica, ou a desnecessidade, a inutili-1dade, dessa existência ; cumpre agora apreciar o valor ou pro-cedência das principaes razões, em que as referidas theorias seapoiam. Antes de tudo se poderia dizer: si, para resolver sobre aquestão, bastasse attender â verdade dos factos, que se des-dobram aos olhos de todos, a refutação de taes theorias estariafeita de modo cabal e completo; porquanto a pessoa jurídica

existe e age por toda a parte, como ente distincto, assim reco-nhecido na ordem jurídica, na qual a sua existência é reputadanecessária aos fins e interesses diversos da collectividade social. 

Começando pela theoria, que supprime a pessoa jurídica emproveito exclusivo das pessoas physicas ou naturaes,—nãopre* 

[-fr -------------- i ----  65 M. Planiol,Traité Elem. de droit civil, n. 1967 (ediç. de 1901). 86 Ob. cit., n. 1953.— A Propriedade Collectiva, de que trata o autor,

«ó umestado particular da propriedade, tendo em si mesma o seu fim e a suarazão de ser; » — é uma espécie de entidade jurídica, — proprietária desi mesm/t, capaz de contractar, adquirir bens, créditos, obrigações, «te. 

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f?

" — 33 — £., . 

cisamos mais, do que fazer, uma simples'consideração, paraderrocai-a: —que, nas associações dotadas de personalidade,sejam ellas necessárias, como o Município e o Estado, sejam

convencionaes, como são as sociedades particulares de fim eco-nómico ou ideal, existe sempre è prevalece inevitavelmente, comocondição da própria associação, — um interesse collectivo, sabi-táamente diverso dos interesses individuaes das pessoas pby-sicas (ás vezes concurrentemente com pessoas jurídicas) que ascompõem.67

 

, Com relação ás pessoas jurídicas do direito publico, oEstado ou o Município, é manifestamente descabido afirmarque, carecendo ellas de existência distincta das pessoas pbysicassingulares, —são estas, e somente estas, os proprietários únicosde todos os direitos pertencentes áquellas; podendo, conseguin-temente, usar e dispor, individualmente, de taes direitos (nosquaes se inclue o património do Estado ou a fazenda publica),como bem lhes pareça! —Qui suo jure utitur, neminem lasdit... 

Com relação â associações particulares ou pessoas jurídicasdo direito privado, efiectivãmente revestidas de personalidadeprópria, subsiste a mesma difficuldade. O que se vê dos factos,das disposições das leis, ou dos estatutos das mesmas é: quenellas não se dá igualmente essa supposta identidade ou con?

fusão dos direitos e interesses collectivos com os individuaes;e para convencel-o, seria bastante attender á que, não raro, apessoa-associação apparece contraposta á pessoa-individuo,sustentando, cada uma delias, pretenções ou acções, em juizo efora deste, por lesões de direitos, no todo exclusivos a cada umdos litigantes, os quaes são considerados em situações oppostassob o ponto de vista do direito e dos interesses em conflicto. 

Pelo que respeita ás fundações e outros estabelecimentos pios causas, seria não menos descabida a identificação das pessoas 

Miohoad, ob. cit., p. 27. R. c. 

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individuaes com as desses institutos: 1) com a dos fundadores ouinstituidores, não: porque, não só na maioria dos casos já nãoexistiriam, como ainda, porque são sempre elles os próprios a se

despojarem do património, que instituem, se considerando naposição de terceiros a respeito do mesmo; 2) com a dos benefieiarios, também não ; porque a estes não seria licito arro-gasse a qualidade de proprietários ou sujeitos de direitos sobrecousa, que não teve semelhante destinação na mente dos seusex-proprietarios, os fundadores ou doadores. Neste ponto, não sepôde deixar de notar o equivoco de Jhering, dizendo que, nasfundações, são os beneficiários, presentes e futuros, os sujeitosreaes das mesmas.68 Fácil será a demonstração: quanto aos

beneficiários presentes, seria confundir a instituição que presta obeneficio, com a pessoa que o recebe,— erro manifesto; quantoaos futuros, não poderiam elles ser considerados sujeitos dedireitos, pela simples razão de não terem ainda existência naordem jurídica. 

Além disto, observa Michoud, não é preciso insistir, paraver que essa theoria, que considera os indivíduos isolados, comoúnicos e verdadeiros proprietários dos bens das instituições(pessoas jurídicas) levaria á consequência, ás vezes, da máxima

injustiça, senão, â rapinagem, de poderem elles dividir os mes-mos bens entre si, destruída, ou não, a respectiva instituição. °9 

Não são, talvez, muito differentes os resultados, a quepretendem chegar certos socialistas exaltados, —considerandoo Estado ou a Nação, como uma simples massa commum de in-teresses individuaes justapostos, sem guardar nenhuma dis-tincção entre os direitos da pessoa publica e os direitos das 

M

Jhering, L'E*prit du droit romain, f 71, p. 345. Como se disse an-teriormente, (n. 10)o jurisconsulto Seabra também sustentara igual opinião. *Michoud, oh. cit, p. 38. 

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pessoas privadas, que no mesmo coexistem e se manifestam,conjuncta on simultaneamente, aos olhos do direito...70

 

Não é mister proseguir na critica de semelhante theoria. 

13.— Passando á theoria "dos direitos sem sujeito"', a sem-razão delia é tão evidente, que poucas palavras bastam para odemonstrar. 

Conforme as idéas, se pôde dizer, universalmente recebidas, oque se entende por direito é um poder ou faculdade(subjectivamente considerado) pertencente a um individuo oupessoa, — de fazer ou de exigir que se faça determinado acto, ouque se execute a prestação de uma cousa, certa, conhecida. E', como

se vê, uma relação entre um sujeito e um objecto. Supprimir osujeito, diz-se com toda razão, é destruir a relação jurídica, isto é, opróprio direito.71

 

Comprehende-se, bem ou mal, a doutrina dos que, negando aexistência da pessoa jurídica, encabeçam, no entanto, os direitos ourelações jurídicas da mesma nas pessoas naturaes somente; muitoembora dita doutrina seja insufficiente para explicar a verdade realdos actos e factos, que se passam quotidianamente na vida jurídica. 

Mas uma doutrina, que ensina a existência do direito sem adependência de uma pessoa, que seja sujeito do mesmo,— 

70 Giorgi, na sua definição da pessoa jurídica inclue :—*in quanto é distinta dai singoli individui che la compogono; e dotata delia capacita depossedere,edi esercitare ADVERSUS OMNES i dirittipatrimoniali. » Pela primeira proposição quiz accentuar a autonomia jurídica da conectividade, como pessoadistincta dos indivíduos, conceito este, que o direito romano jà havia exprimido com grande precisão, dizendo: "universitas distat à singulis". Pelasegunda proposição, insistira nas consequências dessa distincçao entre asduas pessoas,—citando também a respeito a linguagem do mesmo direitoromano: quod universitati ãébetur, singulis non debetur; quod universitasdebet, singidi non debent (Ob. cit., n. 24, p.Gl). 

71

Négulesco, loc. cit. Cf. Jhering, ob. cit., § 70, e nota 486, p. 317. 

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apenas enunciada,—não pôde deixar de ser desde logo repeli ida,visto envolver uma simples contradicção nos próprios termos..."Súbjecflose Rechte sind ein Widerspruch in sich selbst." n

 

A pessoa ou sujeito de direito é uma necessidade lógica daprópria concepção ou idéa fundamental do direito. n

 

Baudry-Lacantinerie, referindo-se â esta questão, escre-.vera: Brim iãentifie la personne morale avec le patrimoine. La personne morale est une chose, une masse des bie-ns affectée àun but ... 

« H nous semble impossible de concevoir un âroit sans sujet actif ou pa8sif, et nous comprenons difficilement Vutilité de lasubstitution de la fiction du patrimoine, entité juriãique, à la

 fiction de la personnalité juridique...»'* Com eíteito, ajuntaremos de nossa parte : — a theoria da

 ficção da pessoa jurídica e a da cousa personificada, si assim po-demos dizei-o, se valem igualmente; não duvidando, todavia,confessar, que a primeira soa melhor; porque, em todo caso,suppõe a existência de um sujeito, ao qual a cousa ou o direitopertence. E esta só consideração é de tal força, que Planiol, nãoobstante a sua franca adhesão ã doutrina ensinada por  

w Gierke, Dasdeuísche Genossenuchaftsrecht, § 29 (1868-1881). " Salkowski,  Bemerkungai zur Lehre von deu juristischen Personen

(1863); —Ci*. Bohlau, RechtMubject und Pereonenrollc (1871):— Zitelmann, Begriffund Wesen der fsogenannten jur. Perwnen (1873);~Bolze,  Begriff der jur. Per** (1879); — Jhering, E$prit du droit romain, t. II, 160-01, eno Jahrbfícher fiir die Dogmatik, X, p. 399 e 408 seg. 

láeurer accontáa: Die Theorie der mbjeHloscn Rechte ist falseh; *ie i$i, iríe Eieete (Ueber das Reehtsverhàltniss der retpabllcfe In publico UM>, p. 23) einmal trcffend sagt —eme CONTRADICTIO IN ACIBCTO—"Der Begriff und  

 \die EigenthUmer der heWgen Sachen zugléich eme Revieion der Lehre von dm  Ijurigtmhm Pasonen", | í». — 1885. -Cf. Wíndacheid, ob. cit., p. 188-891 

e notas Ibl. "* O. Baudry-Lacantinerie,   Préck de droit civil, nr. 104-107 (*•

edie. 1901). 

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Brinz, como decorre inevitavelmente das suas próprias pala-vras, apressou-se, comtudo, em negar75 que elle houvesse ja-mais admittido « a existência de patrimónios sem dono »; quando,

alias, outra cousa não é, nem pode ser, a consequência legitimado que elle próprio ensina na sua citada obra... 

13 a. — Occorre ainda, que a theoria «dos direitos semsujeito », ou antes, dos « bens e cousas sem um dono », torna, comoé intuitivo, por demais precária a sorte das associações e funda-ções particulares, qualquer que seja a utilidade do seu objecto efins. Desde que se trata de direitos e de bens, que não têmpessoa que os represente, possua e defenda—  jure próprio, — a

consequência inevitável seria ficarem sujeitos a ser conside- 

76 Vide: Planiol, loc. cit., ns. 1966,1967 e 1992.—Em nota ao n. 1955(edic. de 1901) o mesmo autor observa:—Onm'a enrole sous la bannière de

 Brinz et on m'a fait ãire que j'aãmettais Vexistence de patrimoine sans vnai-tre (Négulesoo, these, p. 13 et 146).  Rien n'cst plus éloigné de ma pensée.Proprieté collective signifie poxw moi « proprieté soumie à un regime autreque célui de la proprieté individuelle», mais non pau «proprieté sans maitre»,

 formule qui m'a toujours paru un non-sens appliquée á des choses qui ne sont   plus â disposition du premier occupant. Ce serait bien plutôt la ãoctrinetraãitionelh qui aãmettait des patrimolnes sans maxtre, puisqu'elle les attri-bue a un être qui ri existe pas. Pour moi la personnalité fictive n'est pas une

addition â la classe des personnes; c'est une manière de posseâer les biens encommum, dest UNE FORME DE PROPRIETÉ. 

Por nossa parte confessamos ingenuamente, ou não termos entendido aexplicação de Planiol, ou então, que a mesma serve, apenas, para confirmarque elle adraitte a existência de uma propriedade sem dono, a despeito dasua replica em contrario. Que forma de propriedade, que maneira de pos-suir bens em commum, é esta? Bi é  pro-indiviso, certo, os donos são osindivíduos da communhão existente, a qual se fará  propriedade individualpela acção—communi dividundo; mas, si assim não é,—oomo explicar odono à&propriedidecollectiva? Demais, o autor citado disse textualmente:< Sob o nome de «pessoas civis» se deve entender a existência de benscollectivos... »—Semelhante contradicção já havia sido apontada porL.-Du-

guit, cujas idéas na matéria não são, aliás, essencialmente differentes dasde Planiol.— Duguit, loc. cit.,p. 193, nota;— Hic, nota 64 retro. 

• 

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rados res nullius; cabendo, portanto, ao Estado dispor a respeitodeiles, como melhor entendesse, em vista do interesse publicoeu privado.76

 

I Apreciando a tbeoria por este lado, escreve Micboud: «&U riya pas de sujei, D'AYANT DROIT, qui VEtat trouverat-il en face delui, pour les defendre ? J'entenãs bien qu'il y ale but, et queVEtat ne pourra s'emparer des biens qu'à la condition deconserver leur affectation. Mais du moment qu'aucune personne,autre que lui-meme, ne tend a atteindre le but, qui VempêcJieraã'y renoncer et cVemployer les biens à tout autre object ? Gest luidans ce systême, qui reste le maítre souverain de Vaffectation;les personnes physiques qui ont créè le patrimoine de la personne

mor ale, qui Vont développê, qui ont proposé ce but à son activité,sont purement et simplement êvincêes, mises de cote comme si elles  \rio,rista'mitpas. Le lien entre le droit et les personnes té trouverompu. II y a ã'un côté des droits sans sujei, un patrimoine sansmaitre, dont VEtat pourra s'emparer sans que personne puissedever une contradiction legitime; de l'autre, une Corporation sans  patrimoine, un ensemble de personnes dont Vimmixtion dansVadministration des biens ne será tolérée par VEtat, gu'au-tant qu'il la jugera utUe. Cest la main-mise de VEtat sur touts les  patrimoines ayant une destination superieure à Vutilitê par-ticiáière de Vindividu; c'est le monopole de VEtat pour tout object cVutUité générale, ou même collective. »" 

Ontra não é a linguagem de Vautbier na sua importanteobra sobre as pessoas moraes: «  Nous disons que ces theoriesont leurs cotes inquietants, parce que elles recèlent après tout des 

"° Semelhante doutrina, applicada porventura ás orána rdigionan noBrasil, depois do decreto de 7 do janeiro de 1890, farto entrar, talvez, ama

•omrua assas considerável para os cofres do Thewouro Nacional!... Feliz-mente, porém, esta n&o é, nem a lei, nem a jurisprudência do paiz. n Michoud, toe. cit. 

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conséquences plus graves que ne le paraissent supçonner leursauteurs. S"il est de Vessence d'un bien d'appartenir à un but, la proprieté individuélle et les droits qui en ãerivent, et le fameux

  \jus utendi et àbutenãi accordé au propriétaire, tout cela auraquélque peine à se justifier. N'est ce pas lá, au fona, ce quesoutient Xe socialisme! »78

 

Estamos certos, de que não é preciso dizer mais, em des-abono de tkeorias, que, embora expostas sob a apparencia derazões scientificas, se mostram, todavia, em contradicção evi-dente com o próprio objecto da sua applicação immediata. 

Concluindo, pois, nosso pensamento, o resumiremos nestasimples formula: emquanto o direito fôr a faculdade de agir, ellerequer inexoravelmente um sujeito distincto, ao qual pertençasemelhante faculdade.70 

§ 4.° A PESSOA JURÍDICA É UM ENTE REAL? 

14.—Uma doutrina importante, diz De Vareilles-Som-mières, pelo numero e valor dos seus adherentes, ensina aber-tamente « — que a pessoa moral é um ente real, e não somentereal, mas natural, — não devendo à lei, nem a sua capacidadenem a sua vida. Á lei pode moderar esta capacidade, mas não adà.80 Esta doutrina (continua o autor citado) differe profunda-mente da precedente, a qual apresenta, ã principio, a pessoamoral como uma   pessoa fictícia, depois faz delia subrepticia-mente um ser real, mas um ser real artificial, de creação legal,ou, pelo menos, um ser natural de capacidade artificial».n

 

78Vauthler, ob. olt.. p. 273.■ -aVide: Qiorgi, ob. cit., n. 19, p. 82. 

80De VareiIles-Soramiérea, ob. cit., n. 146. n Ibidem, ns. 126, seg.; signanter, n. 187 seg. —O autor refere-se, notrecho supra, á theoria da ficção, ensinada pela escola. 

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O que diz De Vareilles-Sommiéres indica apenas a dou-trina em sua afirmação dogmática. Na demonstração, porém,dos seus fundamentos, on fallando mais positivo, do substractum

da pessoa jurídica, real, natural,—divergem grandemente ospróprios partidários, mais notáveis delia. 

Primeiramente applicada na Allemanha por Bluntschli82 eSchaeffle83 á pessoa publica do Estado,— a nova doutrina foradepois exposta, sustentada e ampliada igualmente ás pessoas  jurídicas do direito privado, notadamente, ás associações oncorporações.84

 

Muito embora a traços largos, damos em seguida uma brevenoticia acerca dos seus principaes aspectos e argumentos.  

82 Bluntschli, Allgemeines Staatsrecht,—Munchen, 1851. 83 Schaeffle, Bau und Leben des Socialen Kõrpers,—Tubingen, 1875-76. 84 Os autores mais conhecidos, que tem adoptado e ensinado a theoria

da pessoa jurídica, real, natural, são: Beseler, Volksrecht und Juristenrecht.1848 ; Idem, System des deutschen Privatrechts, 1878; — Zitelmann, Begriff und Wesen der sogenannten juristischen Pernonen, 1878; — Meurer, Der Be-\ griff und Eigenthumer der heiligen Sachen, zuyleich eine Bevision der Lehrevon den juristischen Personen, 1885; —Gierke, Die Oenossenschaftstheorie und die Rechtsspreckung, 1887;— Regelsberger, Pandekten, 1893: — Fisichella,

Sulla realitá delia persona giuridica, 1885; — Fadda e B. Bensa,  Dirittodelle Pandette, 1887; — Espinas, Les societés animales, 1877; — Fouillóe, LaScience Sociale contemporaine, 1886; — Terrat, De la personnalité morale,( Rapport presenteau Congrés intern. des savants catholupies, Pribourg, 1897);—Saleilles, De la amoáation dons le nouveau droit alUmand, 1899;—Epinay.

 De la capacite' des associalions formées sane but lucratif, 1899; — Hauriou, De la personnalité comine élément de la réalité sociale, 1898;—Idem, Leçons |nr le mouvement social, 1899; — L. Michoud,  La notion de personnalité morale, 1899.— Pode-se também ver a este respeito: Windscheid, oh. cít.8 4V seg. e notas; -Saleilles, T. de lObligalion, p. 395; lflchoudpDe larewponeabitité de VElat, (Becue áu droit pubHc, t, 3.» p. 414 eg . ) ;~l )aVareilles-Sommiéres. ob. cit. ns. 146 sg.; —Bernatzik,  Archiv filr òffml.lickes Becht, t. v, 1890;—JelUnek, System der õ/fentlichen subjectwen Bechte.

1892, - BlimeUn,   Methodisekm «Ur juristiêche Ptrsonen, 1891; - Idem, ZteerlcvetmSaen und Gewmenscliaft, 1892; etc, etc. 

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— 41 — 

15. — Dado o grande desenvolvimento, parallelo ou simul-tâneo, das sciencias natnraes e sociaes no ultimo século, a pre-tenção de generalisar e applicar as leis peculiares das primeiras

dessas sciencias às segundas tornou-se a preoccupação decertos espíritos, aliás, de superioridade irrecusável. Começou-sea doutrinar , que a sociedade geral, assim como as associaçõesparticulares, formadas no seio delia, eram verdadeiros corpos or-gânicos, cheios de vida própria, e tão reaes, como os outros seresvivos, que se encontram individualisados na natureza physicado Universo. 

Ora, não é preciso dizer que, fazendo-se a applicação detaes princípios ã porção da vida social, que constitue a ordem  jurídica, ama consequência lógica levaria a considerar igual-mente as chamadas pessoas, moraes ou jurídicas, no mesmo péde existência real, que se reconhecia às pessoas physicas, a dizer,os entes humanos: foi o que se deu efiectivãmente. Os partidáriosda theoria do organismo social viram, e desde logo affirmaram,que na sociedade geral, e em cada associação particular, ha comeffeito uma personalidade collectiva, formada dos indivíduos, uni-dos entre si de maneira análoga, senão, idêntica à das cellulasnum corpo vivo.85 A sociedade tem tecidos, órgãos, um cérebro, eum systema nervoso, como qualquer outro organismo vivo;

conseguintemente, ella pôde inanifestar-se,e realmente se mani-festa, por actos da própria vontade, como qualquer individuo.h(i

 

85 Os autores, segundo dissemos no texto, estendera a sua pretençãoscientifloa, tanto á sociedade era geral, como às de fins especiaes, notada-mente, o Estado, como pessoa collectiva real. 

"•Vide:—Negulesco, ob. cit,, p. 31.— Cf. J. J. Rousseau,Encychpsdie,verbumEconomiepolitique;Id. Contraí Social, 1.1, chap. 6o, e l. XI, ohap. 3»;— Pouillée, Science Sociale Contemporaine; — René Worms, Organistne et Société ; — Noviçow, Conscience et volonté sociale; todos os quaes procuram

demonstrar, como verdade phllosophica, que a sociedade, geral ou particular,constitue verdadeiros organismo* de vida própria. 

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A nação (Votie), diz Bluntsehli, é uma communidade dehomens, unidos e organisados em Estado... Sem Estado, não hanação, e sem nação, não ha Estado... O espirito e a vontade da

nação não se confundem, por forma alguma, com a somma dasvontades individuaes; são por seu objecto e por seus órgãos, oespirito e a vontade do Estado... As nações, seres orgânicos, sãosujeitas, como taes, ás leis naturaes da vida. A sua historia offe-rece as mesmas idades, como a vida dos indivíduos. As forçasnaturaes, as faculdades, a imaginação, as necessidades de umanação são umas na sua infância, outras na sua velhice. . .87 I E,possuído de taes idéas, o illustre autor, depois de haveraffirmado, que no Estado ha um corpo, um espirito, uma vontade,

e órgãos, necessariamente ligados numa mesma vida88

, nãoduvidou ir além,... chegando mesmo a declarar que o Estado éde natureza masculina, como o homem, e que a Igreja o é denatureza feminina !80

 

15 a.—Entretanto, por mais valiosa que seja a autoridadedaquelles, a cujos conceitos vimos de alludir, relativamente aoorganismo das associações humanas, sejam de caracter publicoou privado,—em nosso ponto de vista actual entendemos, que nãoha necessidade de oppôr-lhes ama refutação directa, fazendo aanalyse detalhada dos fundamentos, em que taes conceitos seapoiam. A inadmissibilidade da theoriase patentêa dos própriosfactos, que caem debaixo da simples observação commum.w

 

87Bluntsehli, Thcorie Gén/rale de VEtat, l. 11; p. 76. wIbidem, l. I, p. 15. • Ibidem, p. 19. —Oiorgi, (ob. oit , nota á p. 41), procurafMo de

fender a Bluntsehli, adverte, nao sabemos si com razão, que o referidoautor falia de MIM organinmo ethico ou jurídico, e nfto de um organumo phy-

tico, como pretende a escola de Bhaefflo. * Vide: Michoad. ob. eit.. p. 80 seg. Este autor foz uma analyserápida, mas clara e bastante, da theoria do oryaniêmo metal. 

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 — 43 — 

Que importa si, procurando cotejar  certas semelhanças dephenomenos, vemos afflrmar que— os homens, «cellulas dosorganismos sociaes» fazem no mecanismo da volição social o

mesmo papel, que as cellulas do corpo humano no mecanismo davolição individual;9l quando aliás, ninguém ignora que, desse  jogo de-palavras, não resulta cousa alguma de real ou positivo,que corresponda á tão ousada affirmação? Não basta, que se digaou se pretenda, que toda sociedade humana êum ente orgânico,como são os seres vivos da natureza; é preciso demonstrar que,efectivamente, assim o é; e com certeza, uma tal demonstraçãonão foi, nem será jamais feita. Não se nega, diz o professor Mi-choud, que possa talvez haver alguma utilidade, a titulo de me-thodo scientifico, em adoptar um systema de comparação entreas sociedades e os organismos biológicos, — e é o mais, 'que se pede conceder â semelhante theoria; mas, fazer delia uma doutrinacapaz de explicar os problemas da vida jurídica, não, nunca. Epara que isto prevaleça, não ha mister insistir, por meio deargumentos particulares, contra os pontos fracos da doutrinanaturalista; porquanto, muito embora os seus partidários seproponham fazer da associação uma   pessoa tão real, ounatural, como o ser humano, a verdade que se verifica é : queos mesmos, mutato nomine, nada mais nos oferecem, do que uma

nova espécie de  ficção, no todo semelhante áquella, que játivemos occasião de combater,— por contraria â verdade daspróprias cousas, quaes se passam na ordem jurídica.02

 

91Ibidem. 93 Será conveniente dizer aqui, que essa doutrina do organismo social

foi fortemente combatida no Congrès de Vlmtitut International de Soáologié (Annales de 1'Inst. Int. de Bociologie, 1896 e 1897), e que entre os seusadversários mais distinctos se contam no momento:—Starke, autor de La Ifamille primitive;Stein, director do Archiv fUr Geschichte der Philosophie;Boistel, autor da importante obra Philosophie du Droit, recentemente pu-

blicada, e o grande sociólogo Tarde, o qual demonstrou, de maneira irres-pondivel, a inutilidade da mesma doutrina. Vide: Negulesco, ob. cit. 

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16.—Doutrina, também relativamente moderna, e semduvida, mais merecedora de toda attenção e exame, é a que, afarinando a realidade àa pessoa jurídica, procura demonstrar,

que ella tem igualmente uma vontade própria, distincta, como adas pessoas physicas; donde a sua denominação particular de"theoria da vontade" (Willensiheorie), pela qual é geralmenteindicada. 

Esta doutrina não vae, como a precedente, até o ponto depretender que a corporação ou sociedade seja um organismoidêntico aos dos seres naturaes; contenta-se em ensinar, que umconjunto de indivíduos, unidos organicamente, torna-se um novoente real, distincto dos indivíduos que o compõem, mas tendo em

si a qualidade commum a todos esses indivíduos. Tal é o seuprincipio fundamental, formulado seientificainente deste modo:— Si duas grandezas  A e  B se reunirem pura e simplesmente,ellas não formarão por isto uma individualidade nova, e a suareunião daria simplesmente  A+B. Mas, si â reunião das duasgrandezas se juntar uma força de unidade orgânica,  A e  Bformarão uma terceira grandeza C, di Aferente de uma e deoutra, mas com as qualidades communs á  A e  B. Esta terceiragrandeza não tem uma existência fictícia, mas tão real, como a

das suas partes componentes. A formula do princípio será pois: A -f  B = C, por opposição a:  A -f-  B = = (.á -f-  B). m Este C synthetico, ainda que igual a  A + li analytico, con-stitúe, noentanto, uma quantidade inteiramente nova; representa, parausar da linguagem consagrada, o momento da unidade napluralidade M.—Surge daqui um ente, que se distingue pela faculdade própria de querer, consequentemente, capaz do 

68 Tal é a maneira de que se serve Michoud para exprimir, em poucaspalavras, a idéa fundamental de Zitelmann e Meurtr: um, considerado como

o primeiro expositor da nova doutrina; e o outro, como qnem Ibe dera, de-pois, novos e mais precisos desenvolvimentos. — Michoud, ob. cit., p. 86. M Giorgi, ob. cit, t. L n. 20. 

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— 45 — 

direito subjectivo, e o qual, pretende-se, nada mais é, do queuma modalidade da vontade... 

Diz Meurer: Juridicamente fallando, o homem é, de facto,

sujeito? Não-, o direito é a faculdade (ou possibilidade) dequerer... Sujeito de direito não é o homem, mas a vontade hu-mana. Conseguintemente, sô resta uma questão,—a de saber, stas associações.e fundações tem uma tal vontade capaz de direito.E neste ponto, accrescenta Meurer, fazemos inteiramente nosso,o modo de vêr de Zitelmann. —  Juristiscli gesproehen, ist der   Mensch loirjclich Súbjeet ? Nein; das Becht ist Wollendurfen... RechUsubject ist nicht der Mensch, sondem der menschliche Wille.Es ist also nur die Frage — haben die Corporationen und Stif-

tungen einen solchen rechtstragenden Willen ? Und hier. sind wir auf den Purikt angelangt, wo wir die Zitélmãnnisclie Auffas-sung ganz zu der unserigen machen hõnnen.9b

 

Agora, qual seja esse modo de vêr de Zitelmann, alludidopor Meurer, já não se ignora: para elle. assim como para ospartidários da sua doutrina em geral, "o direito subjectivo é a própria faculdade de querer, reconhecida pelo direito."95* 

— Disso, que uca dito, se vê que não ha muita clareza nasrazões expositivas da Willenstheorie. E contra ella, alem deoutras objecções se tem observado : 1.° que não se pode conce-

ber um ente, que nada mais é, do que uma vontade, a dizer, —constituindo esta, por si só, o próprio ente; 2.° que, admittir avontade como faculdade independente dos indivíduos, que a temsentido e externado, é affirmar uma espécie nova de vontade,sem substancia, isto é, sem um sujeito que a exercite; etc, etc.96

 

95 Meurer, ob. eit., p. 73 seg.— Cf. Giorgi, loc. cit. 96* Vide: Negulesco ob. cit., p. 30.  D 96 Vide: Michond, loc. cit., p. 39 seg. Cf. Negulesco, loc. cit.; De Va-|

reilles-Sommières, ob. cit., ns. 163-173; Giorgi, loc. cit.; Duguit, loc. oit.,p. 154-165, etc. 

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 — 46 -*l 

A. procedência destas objecções é, por si, manifesta.  

Relativamente ao ente-fundação em particular, no qual,segando Zitelmann, a vontade, sujeito de direito, é a do pro-prio

fundador, qne subsiste objectivada ou crystallisada em umaobrigação permanente, — se offerece ainda ama outra objecçãopeculiar, cuja força nos parece irresistível. Objecta-se, comeffeito: que uma vontade separada do homem não pode ser umsujeito de direito; ella não tem força, senão, como faculdade dequerer; como " serie de volições successivas", não a tem. r '  

— «La volontà staccata dalVuomo, insiste por sua vezGiorgi,é una astrazione che non si trova ai mondo; mentre la volontáeffectiva stá sempre unita e ahituata agli organi corpórea, perche

ê Vuomo... Queste stravaganze sono il frutto di teoriche faobricatenél morto silenzio dclle biblioteche, o nelle discussioni accademichedelVaule scolastiche, sema guardare dl teatro reale e animato deliavita civile... Sono sogni, enienfaltro che sogni;  perdonabili, $e\ chi gli insegna, non facesse poi la você grosso contro U systema dela personificazione, colpevolo non piú dei censori di prendere lemosse da una finzione »98 

— Certo, a pessoa jurídica não é um simples  Jlatus voeis,sem realidade no mundo social : sendo, portanto, de admittir,como verdadeiro, o conceito de Zitelmann e dos da sua escola,de que o ente collectivo. universitas, constitue um sujeito dedireito a par do individuo. M Mas, por se sustentar a razão desemelhante conceito, não se deve esquecer a verdade das cou-sas, e ir até ao ponto de dizer, que o ente physico é, mesmo,cousa mpcrfiua, para que se possa realisar a existência dapessoa jurídica...— Der juristische Pcrsonenbegriff erschupft  

 \*~- Michoud, Ob. cit.. p. 37.

M

 Giorgi, loc. dt., o. 21. »Ibidem, 00. 20 • 23. 

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sich im WUlen, und die sogenannten physischen Personen sind  fur das Becht nur juristisehe Personen MIT BINEM PHYSISCHEN 

SUPBB.KI.U0M.100 

17. — E' tempo, porém, de dizer que a doutrina da pessoa jurídica real não tem a sua razão de ser, o seu fundamento, nasduas theorias mencionadas,— a do organismo social e a da Wil-lenstheorie; ella assenta em elementos mais sólidos, discutidose adoptados por antores de toda competência.101 Seria impos-sível dar, nos estreitos limites de que dispomos, ama noticiasatisfactoría de todos elles. Mas, como não poderíamos, d'outrasorte, dizer por ultimo, qual a doutrina que nos parece pre-ferível, ou a mais consentânea com a verdade dos princípios edos factos, sem referir-nos igualmente, ao menos   per summacapita, a certas opiniões e conceitos, ainda não indicados; —faremos, em seguida, breve resenha a esse respeito, preferindo,dentre os autores, aquelles, que se mostram mais recommenda-veis ao nosso particular intuito. 

17 a. — Um dos partidários mais distinctos e decididos dadoutrina da  pessoa juridica real é o professor Otto Gierke, .oqual, explicando a natureza da associação, como sujeito de

direito, se exprime nos seguintes termos : «   Die Moglichkeit einer solchen Zeugung beruht auf der socialen Anlage des Men-schen. Inâem der Mensch von Hause aus sein Dasein zugleichais Einzelleben und ah Oemeinleben fúhrt und empfindet, ver- 

100 Metirer, loo. cit. 101 Além dos nomes jà indicados á nota 84, são partidários da theoria

da pessoa juridica real ou natural:—Hensler,   Inst.des deutschen Privatrechts(1885-86) ; — Rosin,   Das Becht der õffentlichen GenossenseMft (1886);W. Wundt,  Bthik  (1886);—Klõppel, Staat  und Geséllschaft (1887); Schuppe,

  Der Bergriff des snbjectiven RecJits (1887). Vide mais: Gierke, ob. cit. ,1notas ás paginas 5-8, 606 segs. e 906-908. 

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mag er seinen Willen zu spalten und dem Bereich dés FHrsich-\ seinsder EinzelwiUen ein Oebiet ihrer Verbundenkeit mm Qe-meinwillengegeniiber zu stellen. So producirt er gesellschafttiche Kôrper, die

ein den Indiviãualwitten der Olieder gegenuber] selbstàndiger Willedes Oanzen durchherrscht und zu einheit-lichen Leben befâhigt.»102

 

São de assignalar doas typos de uniões (Verbandseinheiten)segundo ellas se constituem, por forma social, ou por formainstitucional (ais genossenschaftliche und anstalUiche)... Dà-se oprimeiro typo, quando uma pluralidade de vontades crea de si umavontade central (einen einheittichen Willen), a dizer, — as vontadesindividuaes, que entram na união, se fundem em uma nova unidadevolitiva. Com o segundo typo succede, justamente, O inverso: —

éuma vontade central, (einheiUicher Wille) que institue uma parte desi mesma em uma   pluralidade unificada (in eine hierdurch geeinteVielheit pfianzi). Alli effec-tua-se o nascimento regular de umaassociação ; aqui o de um instituto ou fundação. Entretanto observa oautor, — é também possível formar uma fundação por intermédio deuma associação (Vereinigung), assim como, uma associação por meiode uma instituição (Vera nstáltung).,.103

 

— Mas, formadas de um ou doutro modo, a associação e afundação são, para Gierke, pessoas jurídicas reaes, embora 

102 Gierke,   Die Qenoescnschaftêtheorie,p. 24 seg. Talvez nenhumoutro autor tenha combatido com tanta decisão e abundância do argu-mentos a clássica theoria da  juçâo da pessoa jurídica, como Gierke o fazna obra citada. Bile começa por accentuar: *Den Kern der Genouerachaftê-thvmh bildet die von ihr dem PIIANTOM DER PERSOXA FICTA entgegengcstellte

  Auffasmng der Kõrptrschnlt,ais RBALER GESAMMTFERSOV»;  e, conseguin-tendente, sustenta qne a associação ô nina pessoa eoUeetwa real, o como tal,capaz de direitos, de vontade, e acção própria (Willetu und Handlungs-

 fííhigu —Loccit.. p. 5, e 603 seg. • Gierke, loc. dt.. p. 2:>-26. 

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de natureza collectiva (reale Gesammtperson); e, tratando par-ticularmente da associação (que é o objecto especial do seulivro), o illustre professor, não só, lhe reconhece a qualidade de

  pessoa real, capaz de direitos, mas ainda, declara que ella écapaz de vontade e acção, como qualquer pessoa individual. —" Die Kõrperschaft ist ais reale Gesammtperson nicht biosreclitsfahig, sondem auch willens-und hanãlungs-fãhig".109* 

Para o desenvolvimento externo da sua vontade e acção,tem a pessoa jurídica-associação órgãos, individuaes ou col-lectivos, que não são de confundir com os mandatários e  pre- postos em geral; porque aquelles, ao contrario do que se dácom estes, resultam, como elementos activos, indispensáveis,do próprio acto constitutivo da associação, isto é: o órgão dapessoa jurídica (associação ou fundação) é creado, conjuncta einstitucionalmente, na própria formação ou organisação damesma. E dahi também a razão fundamental, porque a vontadee os actos do órgão da pessoa jurídica, como tal, devem sertidos e considerados, como sendo a vontade e os actos deliaprópria.108b O órgão é um- pedaço da própria pessoa jurídica(einStiick seiner selbst.); elle forma e executa a vontade da pes-soa jurídica, como  funccionario do ente collectivo, e não comoindividuo (nicht ais Individuum filr sich, sondem ais Funktionãr 

des Gemeinlebens filr die Gesammtperson einen Willen bildenund ausfiihren).103 ° 

103 • Gierk, ob. cit., p. 603 sg. 103 b Ob. cit., p. 614 seg. e 629, 680 seg. 103° Loo. cit., p. 624-625, 676-677, etc. Glerke reconhece no orgâo da pessoa jjjridica a mesma qualidade 

 júri dica, que nós reconhecemos no represent&ffte, como eni outra parte 

iÉÈferá. 

Ir KJ__  

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17 b. — Um outro professor allemão, não menos distincto,Otto Mayer, declarando seguir na matéria a opinião de G.Rume-lin, se exprime do seguinte modo: 

A ordem jurídica existe por causa dos homens (um dir   Menschen willen...) O homem é a -perna natural; ainda que asua qualidade de pessoa não lhe venha da natureza. A persona-lidade só se da mediante a ordem jurídica; muito embora sejaconforme á natureza, que o homem a tenha.—  Der Mensch ist die natilrliche Person. Nicht ais ob er von Natur Person wãre. Per-sõnlichkeit entsteht immer erst durch die Rechtsordnung; aber es  \ist naturgetnãss, dass sie bei ciem Menschen entsteht... Mas essapessoa natural tem em si alguma cousa, de cujas manifestações

se forma todo systema da ordem jurídica, determinando-lhe oseffeitos e fins: é a vontade. O homem não é, todavia, pessoa, porser capaz de querer, mas porque vive (nicht toiit er willensfãhigist, ist der Mensch Person, sondem weil er lebtj... O homem,entretanto, tem interesses e fins, cuja realisação não secircumscreve â simples vida do individuo ; passam além, e sãocommuns cora os seus semelhantes, mesmo com aquelles, quesó hão de existir para o futuro; e é a ordem jurídica, que garanteformas diversas, para serem effectuados taes interesses

communs pela pessoa natural (taes são a associação, o direitohereditário, etc.)... — A pessoa jurídica é ESSENCIALMENTE IOUAL

A PESSOA NATURAL (Die juristische Person ht der natUr-liehenPerson vollkommen wesensgleich). Aquella é, como esta, umproducto da ordem jurídica,— e nem mais jurídica ou moral, nemmais fictícia ou imaginaria, do que esta. (Sie ist, wie diese, einErzeugnis der Rechtsordnung und nicht juristischer odir moralischir ais sie, noch fiktiver odcr êrdichkter). A distincçãoentre ambas consiste apenas nisto: alli um individuo deter-minado, ao qual a pessoa serve, em dada estensão de seus inte-resses; — aqui uma pluralidade de indivíduos, aos quaes ellaserve, numa porção determinada de interesses, que lhes são 

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communs. Consequentemente,emquanto a pessoa natural se exte-riorisa num ser vivo, que lhe serve de substratum; a pessoa jurí-dica, pelo contrario, só pode apparecer debaixo de uma deter-

minada figura, que resulta essencialmente da sua constituição.A pessoa natural sustém a sua individualidade pelo ser humano,a cujos fins eUa serve; a pessoa jurídica, pela designação do seuobjecto, isto é, da porção de fins communs de um dado numero dehomens, para os quaes eUa deve existir. A pessoa natural exer-cita a vontade do próprio Homem, efficiente por si mesma, parao qual ella existe; e quando, excepcionalmente, lhe falta acapacidade para fazel-o, a sua vontade deve ser exercitada pormeio de representação, a qual tem ainda logar por intermédio dohomem. A pessoa jurídica só tem vontade, e só a pode ter, pormeio de representação, e esta não se pode dar, incertamente, pormeio de quaesquer indivíduos, à cujos interesses ella sirva; de-pende de disposições particulares. Conseguintemente, a designa-ção do seu fim ou objecto e da sua maneira de representação sãopartes essenciaes da própria constituição da pessoa jurídica.104

 

17 c.— No entender de Terrat, a associação é um todo in-divisível, formado pelos associados, — um corpo (un ensemble)organizado de modo a attingir a um fim ou desempenhar uma

funcção, na qual o sujeito de direito é: «le faisceau âe toutes lesvolontés des associes, reunies en un tout harmonique et dirigeevers le même but».105 E é esse corpo ou todo indivisível, nascidoimmediatamente dessa união de vontades (le faisceau de toutesles volontés), que o citado autor declara ser, uma  pessoa real,sujeito necessário e verdadeiro do património collectivo. . .106

 

101 Otto Mayer, Deutsches Verwaltungsrecht,p. 866-68. Leipzig, 1896.— Cf. G. Riimelin, Mtthodischei iV.er diejuristkhen Personen.—(FreiburgerProgramm, 1801). 

105 Terrat, De la personalitécivil (Rapport citado). tos D© Vareilles-Somraiòres, loc. oit., ns. 179-80. 

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17 d.—Para Hauriou o fundamento da theoria consiste narealidade do plienomeno da representação, — a dizer numa fusãoda vontade do representante com a do representado. Desta fusão

resulta uma vontade humana, distincta, capaz de impôr-se ásoutras vontades ; mas, como não é no todo perfeita, precisa queo Direito lhe dê ou reconheça uma continuidade e importância,que ella não tem na realidade. O que, aliás, é, segundo Hauriou,um processo familiar ao Direito, e que se pratica igualmente emrelação á pessoa individual.;. « Or, dans la réalité des choses, lesvolitions des hommes sont intermittentes, changean-tes,contradictoires; non seulement elles ne persistent pas dans lemême objet, mais elles y varient constamment. Sur cettephy-

sionomie agitée, tumultueuse, bouleversée par tom les caprices et toutes les passions, qu'est la face volontaire de 1'homme, le Droit a appliqué un masque immodile...107 Não são diAferentes asvolições da pessoa jurídica; mas, desde que se manifestam, oDireito se apodera delias, para fazer a base da pessoa jurídicacollectiva. 

Entretanto, não se queira concluir dessa necessidade deintervenção do Direito na base da pessoa jurídica, que o autor ci-tado reconheça ao Estado o poder de conferir ou recusar  per-

sonalidade ás associações e estabelecimentos ; ao contrario, noseu entender, o exercício de semelhante poder deve cessar.Trata-se de uma acção do Direito, que não é maior em relação ápessoa collectiva, do que em relação á pessoa jurídica indivi-dual: porquanto esta ultima não é o homem propriamente, e,sim, uma construcção artificial. — Muito embora composta deelementos subjectivos reaes, as volições ; é, todavia, o Direitoque as reduz á uma unidade e á uma continuidade, como acimaficou dito. Em resumo, a doutrina do autor consiste era partir 

W Hauriou. Ltçonê kur le mouvemcut social.—Cf. Michoud, 6b. cit p.38 s§.; Negulwco, ob. cit, p. 84 «f. 

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da fusão das vontades individuaes, para dahi affirmar a existênciadistincta de uma unidade representativa, a qual torna-se & pessoareal da associação aos olhos do Direito. 

E dito isto, não precisa accrescentar, que semelhante doutrinanão passa de uma forma da Willenstheorie, ainda que modelada porum processo mais engenhoso.108

 

18 . — O notável professor L. Michoud não admitte que abase da pessoa jurídica consista somente, ou mesmo  principal-mente, no elemento—vontade, como outros tem pretendido. 

Por isso, procurando dar-lhe uma outra base mais acceita-vel,entende que, como ponto de partida, se deverá bem definir "o que é

direito subjectivo". Este, diz o autor, não é a vontade protegida peloDireito, mas o conteúdo delia, ao qual o direito dá, ou recusa, a suasancção, segundo aquelle fôr o bem ou o mal. — « On ne peut vouloir sans vouloir  QUELQUE CHOSE ; c'est ce quelque chose quiest Vobjet de la protection legale, non pas uniquement parce qu'ilest voulu, mais parce qu'U est conforme à Videal, quel qu'il soit,que le législateur s'est forme de Vordre et de la justice. La loi

 protege, non la volonté, mais Vintêrêt que 

tos vide: Michoud, loc. oit.; Negulesco, loc. cit. De%Vareilles-Som-raières, ob. cit., ns. 190 sg. Regelsberger formula assim a sua opinião: ofim do direito é a garantia dos interesses humanos ; mas muitos dessesinteresses não podem ser, no todo ou em parte, realisados de outro modo,a não ser, pelas forças reunidas de vários individuos. Daqui a razão daexistência de outros sujeitos de direito, que não os individuos : são aspessoas moraes ou jurídicas. E si bem que não possuam individualidadecorpórea, são sujeitos reaes, e oonstituem organismos sociaes. O elementovivificante, que possuem, lhes vem do homem; mas, como membros doorganismo, agindo de conformidade com o seu flm, os individuos dão nas-cimento a uma união vital particular (Verbandslében) e á uma vontade colle-ctiva, distincta da vontade individual dos mesmos.—Vide: N. M. Korkounov,

Cour8 de theorie générale ãu droit, trad. por M* J. Tchernoff, p. 221-24.Paris, 1903.—Cf. Regelsberger, Pandekten, 1.1, §§ 65 e 75 sg. Leipzig, 1893. 

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cette vólonté represente.*109 O que importa o mesmo, que dizer,que o interesse é o elemento fundamental do direito; sendotitular delle o ente, individual ou collectivo, cujo interesse fôr

reconhecido pelo direito. Não se deve, porém, logo daqui con-cluir, que a vontade deixe de ser também elemento indispensá-vel no direito; não por certo: ella não pode ser completamenteausente, ainda que se reduza a um elemento secundário, isto é,ella nem é a causa do direito, nem reside necessariamente notitular do direito.110

 

De* accôrdo com taes  postulados Michoud define o direitosubjectivo "Vintérêt d'un homme ou d'un groupe dlwmmes, ju-ridiquement protege au moyen de la puissance reconnue à une

vólonté de le représenter et de le defendre' ';in

ajuntando logo emseguida: que o titular do direito é o ser (collectivo ou indi-vidual), cujo interesse é assim garantido, ainda mesmo que avontade, que o representa, não lhe pertença, como própria, nosentido metaphysico da palavra; basta que essa vontade lhe sejasocialmente attribuida, para que a lei, sem sahir do seu papel deinterprete dos factos sociaes, a deva considerar, como sua, adizer, do titular do direito ou interesse garantido por este. 1,2| 

Este modo de dizer do autor, que coincide, aliás, até certo

ponto, com a opinião de Jhering,

m

levaria a entender, 

*» Michoud, ob. cit., p. 46-47. 1,0 Ibidem. — Referindo-se a WiUeiwtheorie, diz Michoud: IZ e$t faux

que le droit »e considere en Vkomme que ta tolonté; ce qu'il a en vue, c'ett bien Vhomme tout entier, avec ses besoins, te» aspiratims, êet duirê, attc ton corps et ton âme; le droit n'e$t pae fait pour une entitê abstracte et metaphy- sique, U e&t pour Vhomme réel, 

"» Ibidem, p. 48. ttt Ibidem, p. 49. "* Segando Jhering, o direito é a vontade geral; «ao os interesses

 juridicamente protegidos.- on a segurança jurídica de dispor ou gosar de|determinado objecto. — LEtjrrit du droit ronmin, «4 70*71, o nota 486á p. 817. 

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que não é possível a existência de direitos,   fora de uma ga-rantia jurídica adquirida; e como esta só é dada pelo Estado,— se poderia talvez querer concluir, que é o próprio Estado,

quem crea o direito... Hichoud, porém, se esforça, desde logo,em combater semelhante conclusão, affirmando, ao contrario,que o Estado ê, sim, o interprete, mas não, o creador do direito.lu

 

Não acompanharemos ao autor nos argumentos e consi-derações diversas que faz, no intuito de comprovar a verdadeda definição que da ao «direito subjectivo» ; apenas diremos,em poucas palavras, o modo, pelo qual elle expõe a sua doutrinada pessoa jurídica, guardando accôrdo com a definição referida. 

18 a.—Si o direito, ensina Michoud, quer corresponder asexigências da humanidade, estabelecer a formula, que exprima,tão exactamente quanto possível, as relações existentes nasociedade humana, elle não deve somente proteger o interesseido individuo, deve garantir também, e elevar a dignidade dedireitos subjectivos, os interesses collectivos e   permanentes dosgrupos humanos. Elle deve permittir a estes grupos, serem re-presentados por vontades—agindo em seu nome, ou em outrostermos, tratal-os, como pessoas moraes. Reconhecer o grupo,

como licito, é, ipso facto, reconhecer o interesse, que o mesmoprosegue, como digno de ser protegido-, é reconhecer implicita-mente a sua personalidade jurídica.115

 

Com effeito, para que este ultimo facto se realise, duassão as condições necessárias, condições, que, como ficou dito,correspondem aos dous elementos, já assignalados, no direitosubjectivo: um interesse distincto dos interesses individuaes, euma organisação capaz de manifestar (degager) uma vontade 

114 Michoud, too. cit, p. 49-50.] 115 Ob. cit., p. 52 seg. 

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collectiva, e de representar e defender esse interesse.116 Ora,innegavel, como é, que ha interesses coUectivÓs, distinctos, per-manentes, tanto de natureza publica, como de natureza privada;

e demonstrado, d'outra sorte, que se dá, ou se pode dar, a umgrupo de indivíduos uma organisação capaz de manifestar (de-gager) uma vontade collectiva, e de representar taes interessesnas relações da ordem jurídica; nada mais se requer, para que seeffectue o nascimento da pessoa moral ou jurídica... 

Em resumo, tal 6 o pensamento do autor, quanto às con-dições suficientes para dar nascimento ã personalidade moral;ajuntando, no entanto, a observação, de que semelhante nas-cimento se realisa, passando por duas phases sabidas: o ente

collectivo é apto para ser personificado, desde que reúna áscondições allndidas; mas elle só se tornará  pessoa moral ou jurídica, quando fôr reconhecido pela lei positiva. A lei, fazendoeste reconhecimento, não faz operação differente da que ellafaz, reconhecendo a personalidade humana; muito embora, pelaforça das cousas, lhe caiba ai li um poder mais lato de apre-ciação.117

 

O autor também não desconhece que essa vontade do grupoé mais ou menos artificial; que ella lhe vem de fora, isto é, não

nasce no próprio grupo; e que, em summa, o que ha, é umavontade legal do grupo, em vez de uma vontade natural. Dá-seuma representação do grupo por meio de certas pessoas, sem queesta representação se explique pela vontade manifestada dosmembros do grupo.. .11B

 

"• Ibidem 

"7 Miehoud, loc. cit.. p. «I, nota. U* Ibidem,—ks Ideas principaea de Miehoud foram, nomeadamente.

aBaJysadas e combatidas por De VarelUet-Soromieres, o qual, como se Fabe.jnâo vê na pessoa jurídica nada roais, do que uma ficção doutrinal,• nadamais que isto. Vide: "Lèt Pirswtww» iiorale$" cit.. as. 206 seg. 

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De resto, sem a necessidade de proseguir nas formulas ex-positivas do autor,— é a esta entidade, distincta das pessoasindividuaes, dotada de vontade legal, em vez de vontade pro-ypria

ou natural, que Michoud qualifica de pessoa jurídica real, e demaneira alguma fictícia, como pretende a escola dominante. 

Deste ponto ainda teremos de dizer em outro logar.119 

§ 5.° VERDADEIRO CONCEITO DA PESSOA JURÍDICA 

19. — Não nos propomos fazer a critica particular de cadauma das opiniões ou theorias, de que temos feito menção, acerca dapessoa jurídica, considerada como entidade real ou natural,trabalho, alias, não muito difficil, em vista dos argumentoscontrários e objecções, que já lhes têm sido contrapostos pelos seusadversários.130 Ao nosso propósito satisfaz saber que, emboradivergentes, nos modos de dizer, ou mesmo, em certos pontos deimportância relativa, os partidários da nova doutrina se mostram,não obstante, todos elles. de perfeito accordo na idéa fundamental,— de que toda associação ou fundação é um ser novo, real,formado, sem duvida, pelos indivíduos associados, mas, dellesdistincto, e provido dos caracteres essenciaes de  pessoa, isto é,

possuindo, como o próprio homem, a capacidade jurídica.121 

110 Os conceitos expedidos por Giorgio Giorgi na sua importante obra— «Li dottrina ãellepersonc giuridiche » deveriam talvez levar-nos a clas-siflcal-o, sem injustiça, entre os que admittem a realidade das pessoas jurí-dicas; preferimos, todavia, deixar o caso ao critério do leitor competente,o qual, si não for melhor informado, poderá firmar juizo a esse respeito,attendendo para os trechos, que mais adiante serão transeriptos, contendoas idéas do illustre autor (n. 19o). 

120 Sobresahe entre elles De Vareilles-Sommières no seu importantetrabalho « Lespersonnes moràles », e que já temos citado numerosas vezes. 

121

Vide: De Vareilles-Sommières, ob. oit., ns. 149 e 230. 

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Isto posto, o que temos á accrescentar para -encerrar acontrovérsia, è dizer agora, segundo o nosso juizo particular,qual seja o verdadeiro conceito da pessoa jurídica. E' o que espe-

ramos fazer de modo breve e em linguagem, a mais clara pos-sível : começando desde logo, por advertir, sobre a significaçãoprópria, em que os vocábulos natural e real devem ser tomados,quando applicados à pessoa jurídica. Si por natural, se pretendeindicaram ente errado ou saindo PERFEITO do seio da natureza, édesnecessário declarar, que semelhante vocábulo não pode convirá pessoa jurídica, a qual, sabidamente, éde formação ou or-ganisação humana.122 Do mesmo modo, si pelo vocábulo real, sepretende significar um ente material ou physico  yisto é, accessivel

aos sentidos: escusado seria também dizer,que a sua applicaçãorepugna á dita pessoa. Mas, si pelo vocábulo real, se quer apenassignificar que se trata de um ente, que tem existência eerta,verdadeira, effectiva, na ordem social, então não pomos duvidaem affírmar, que o vocábulo pode com razão ser-lhe applicavel;porquanto a existência da pessoa jurídica, assim entendida, ê,com effeito. uma realidade. Certo, existência effectiva ou real,não é somente aqnella que cae debaixo da percepção dos sen-tidos ; ha alguma cousa mais de verdade irrecusável, que escapa

à esta percepção. O próprio homem, não precisaríamos lembrar,não é a matéria visível somente; ha nelle uma outra partecomponente ou integrante. Chamem-na espirito, mente,intellecto, funcçào psychica, pouco importa o nome; seja ella denatureza differente, ou não, da matéria; a verdade é: que nohomem existe alguma cousa mais, além da pura matériavisível... 

** O facto do ser de crraçdo humana nada Impede ter anu realidade

ãutincta. Todo quanto o homem produz 6, em ultima analyse, uma ereacao4a soa vontade; roa.*, nem por isto, subsiste na mnmn e idêntica unidadecom o individuo; desliga-se, e constituo um ente oo objecto é parte. 

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As manifestações constantes, effectivas, da mente ou dointellecto, a dizer, as funcçoes psychicas, os phenomenos da in-telligencia e vontade humana, singular  ou collectiva, se im-

põem, sem admittir contestação possivel sobre a verdade da suaexistência. E pois, desde que assim ê, e nem seria licito]contestal-o seriamente, — porque negar o  facto da pessoa jurí-dica, sob o pretexto ou razão única, de que a sua realidade es-capa à acção dos sentidos? A objecção não tem a força, que sesuppõe. A affirmação de que só ha, sô existe, na vida humana, eem particular na vida social, o que ê percebido pelos sentidos,nunca foi demonstrada, nem poderá jamais ser admittida emabsoluto. 

— Confessando muito embora que, em sua razão primeirae   fim ultimo, o direito só existe em vista das pessoas physi-1cas ou os indivíduos humanos (quorum jus constitutum), porque,supposta a sua ausência,   já não haveria a chamada ordem ju-rídica ; comtudo é verdade, também não menos patente, que, naordem juriãica ou social, não são as pessoas physicas os únicossujeitos de direitos que nella se apresentam. Ainda que tirando asua origem ou formação das próprias pessoas physicas, que sãoos elementos  primordiacs da mesma ordem jurídica ou social,não se pode negar, que, ao lado delias, figuram e agem outras

pessoas, cujos direitos lhes são próprios e, conseguin temente,tão respeitáveis, como os das primeiras. Como negar factos,que se realisam e se passam cada dia aos olhos de todos ?

— Ente formado pela intelligencia e vontade dos indivíduoshumauos, para existir e agir como sujeito distincto de direitos eobrigações, de par com os seus próprios organisadores ou insti-tuidores, a pessoa jurídica, embora não visível, como os seresmateriaes, tem, não obstante, uma realidade, que se manifesta,activa e passivamente, num tempo e espaço determinados, de

maneira inequívoca, irrecusável.

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19 a. — Objectarão talvez, que ella carece de uma qualidadeessencial â pessoa: uma vontade, própria, distincta, e expressa porum órgão próprio. Responde-se: ninguém pretendeu jamais, que na

pessoa jurídica se encontrem, de modo idêntico, todos os attributosda pessoa natural ou physica (porque, então, seria uma só e amesma entidade); — mas, pela forma que lhe é peculiar, não sepode-deixar de convir que a pessoa jurídica tem e. exercita umavontade própria, distincta da dos indivíduos. A. sua vontade éaqnella que as intelligencias e vontades indi-viduaes lhetransmittem, como qualidade permanente, no acto da suaconstituição ou organisação; — vontade essa, que se converte desdelogo na capacidade immanente de querer tudo quanto for necessário

aos seus fins; — exprimirei e exequível pelos seus órgãos ourepresentantes legítimos,—conjunctamente previstos e creados,como partes integrantes da sua formação em entidade distincta. Semduvida, não se cotnprehende a existência de uma pessoa, si á ellafaltar em absoluto um órgão que lhe manifeste a vontade; e tantoassim entendemos, que consideraríamos, como simples cousa,qualquer que seja a somma de direitos que envolva,—todo ser ouorganisaçao, que não tiver um órgão da própria vontade. Isto, porém,não se dá com a pessoa jurídica; porquanto, seja ella  pessoa

 publica, como o Estado ou o Município, seja  pessoa privada, comoa associação particular ou a fundação, ninguém contesta, que na suaconstituição entra, como pane essencial, a dos seus órgãos(indivíduos humanos) para represental-as, activa e passivamente,nas diversas relações que lhes concernem. E' por isto que Pothier,qualifican-do-as de «pessoas intellectuaes», não esquecera, jáentão, de ajuntar a seguinte advertência: «/> ce quun corps est une  personne inteJUctuelle, il tfensuit qtiil ne peut pas faire par lui-même tout ce que naus avons dít que 1e$ corps »taient capahles I de fairet  comme euntracter, plaider, etc, etc. II ett tVabord M  DB LA

MATOBK DE CUAQOE CORPS <fatw un ou pluMeurs pro- 

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cureurs, par Vorgane desqueU il puisse faire ces choses: — Pro- prium est universitatis hàbere procuratorem seu syndicum.128

 

E' o que se chama representação   jurídica.; a qual é para.

esta espécie de pessoa, como se disse, uma necessidade ou con-dição institucional da própria personalidade; necessidade, deque a pessoa physica também não se dispensa no todo, — que-rendo e agindo, muitas vezes, por meio de representantes, como,sabidamente, succede com o menor, o louco, o demente incurá-vel, etc, etc. 

O facto da representação, entendida na sua verdadeiraaccepção, em nada destróe ou diminue a  pessoa do represen-tado m; pelo contrario, o que está consagrado no instituto darepresentação é: que o acto do representante é acto do própriorepresentado. E' assaz conhecida a regra do direito romano : —Quoã quis per álium fecit, ipse facere videtur (Dig. I. XXVI, tit. 7,5, § Io). 

A vontade e acção collectiva, diz Gierke, apparecem comoaffirmação da vida da personalidade immanente no ser collectivo(der einem Gememwesen immanenten PersõnlichJceit), o qual sóse torna agente na esphera jurídica, quando ahi se apresentapor seu órgão externo, consagrado pelo direito... E', porém,ajunta o autor, — a  própria pessoa coUectiva, quem quer e age

pelo seu órgão referido (ist es ãie Qesammtperson selbst, welchedureh ihr Organ will und hanãélt).125

 

123 Pothier, ob. cit., n. 212.—Em outra parto deste trabalho se diráacerca da distincção que alguns fazem entre órgãos, representantes, e func-cionarios, sob o ponto de vista da responsabilidade da pessoa jurídica— Estado, e bem assim, o que se deve entender pelo instituto da representaçãoem seu sentido stricto, como figura distincta da procuração, mandato, gestãode negócios ou relação institoria, etc. 

124 Hic, Titulo Primeiro, Cap. III, e Tit. Segundo, Cap. IV. 125 Ob. cit., p. 624 sg. O autor citado menciona em notas varias de

cisões judiciaes, confirmativas da sua opinião. 

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Parece-nos mesmo que, ã vista dos factos da vida social,não seria licito contestar semelhante verdade.186

 

19 b.— Igualmente não podemos admiti ir que a pessoa jurídica seja mera creação da lei,— outra forma de theoria daficção; ainda que não se recuse, que a lei lhe possa restringirdeterminadas faculdades ou exigir mesmo o preenchimento dedadas condições legaes, segundo o objecto ou fins particularesda pessoa jurídica. Deste ponto já se disse anteriormente, (n. 8)e delle ainda teremos occasião de tratar mais adiante. 

E porque considerar, de preferencia, a pessoa jurídica,como simples   ficção legal, quando esta nada explica, e para

nada serve ? Ou, para que identificada com a própria cousa de um fim

determinado, (Zweckwermogen), em contradicção palmar coma regra fundamental do direito, segundo a qual, a cousa, ou éum objecto sem dono (res nuUius), ou é um direito pertencentea um sujeito, isto é, á uma pessoa ?... 

O próprio De Vareilles-Sommières, adversário decidido daexistência da pessoa moral ou jurídica, não ponde deixar de con-fessar que a doutrina da pessoa jurídica, real, natural, "é boa

nos seus intuitos e conclusões: 1.° porque nascera de uma justareacção contra as consequências intoleráveis da doutrina da  

*» Albert Haenel DcuUchcs Staatirccht, § 13 tg.) disse que a ana-lyse dos factos mostra que nao ha, nem ser nem  pa$oa na corporação(associação em geral), o apenas uma relação de vontades humanas lndi-|viduaes agindo em oommum statmmemcirkender mnmhlkfur und indirí-\ dmtler WillmJ; que, realldadt, ao ha • só pode haver nos individuo*. En-tretanto, é tal a força da verdade das cousas, que o mesmo autor, logo naomuito depois desta objecção,advirtira: —. «Mio se poe, porém, em duvidanem a unidade m»/ da corporação nem que o «ar da mesma seja um tod>

rmt ou wjanumo rml... • h( BchUcMerdmg» afcft* 4k rmh KutmU êmkorformtmm VmhmJm, tt mkkt dm Wmm átm*U*n ah «iwt nalm Qm» \stm, mU tmeê vtahn Orjemòmtu ín F%age gttielU...» Loc. cit., f. 10!. 

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escola em matéria de associação'; 2.° porque ella tem o sentimentonítido desta verdade,—que â associação cabe o direito natural de

  possuir e adquirir da maneira que lhe aprouver; 3." porque ella

desfechou os primeiros golpes no castello de cartas, onde essaverdade se achava prisioneira, castello, que só era forte, porque todoo mundo acreditava na sua solidez.'"127

 

19 o.—Também Giorgio Giorgi, não obstante a prudência eimparcialidade, com que se propoz analysar as differentes theoriasda pessoa jurídica, não poude deixar de externar-se| por este modo: 

«  Del resto credo anch' io, che lapersonalitàgiuridicânon siaun vácuo nomen júris; e la confcrma di questa convingione la trovo

esaminando Vultimo epiú vero sistema inuiato daipu-\ blicisti. Nonso se recordando el Baron (Die Gesammtrechts-Verhàltnisse imrõm. Recht, § 1), il Beséler  (Volksrecht und Juristenrecht, p. 173;System des deutschen Privatr., p. 236), il Salkowsky (Bemerkungenzur Lehre von den juristischen 

127 De Vareilles-Sommiéres, ob. cit.,ns. 148,252 e 256. Já se sabe,que esse autor combate, como n&o verdadeiras, tanto a theoria da  ficçãolegal, como a da realidade das pessoas jurídicas. Para elle nao ha pessoas

 jurídicas, — distinctas das pessoas physicas on associadas (loc. cit. núme-

ros, 230 sg.); e, porisso, tendo de dar uma definição da pessoa jurídica, disse: « Cest une personne fictive d'origine purement doctrinale, et qui, pour lesseuls besoins de la pensée et ãu langage, cst censée Utulaire de droits et d'obligations qui appartiennent en realité â des personnes verita-\bles.»(Ibidem, n. 319). Para tornar o seu pensamento mais claro ou maiscompleto, ainda insistira: — «La personne morale est une personne fictive,d'07-igine purement doctrinale, qui, dam les associations soumises à un certainregime, et pour les seuls besoins de la pensee et du langage est censée uni-que proprietaire, créancière, débitrice des biens, des créànces, des deites, dont les associes, comme tels, sont en realité copropriétaires, cociéanciers, code-

 \bitew8.»—O citado autor tratou juntamente de demonstrar, ao seu modo,as diferenças, pelas quaes esta sua definição se distingue das theorias cor-

rentes. (Loc. cit., ns. 825 sg.) 

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Personen, p. 4), tZ Lassou (Princip and Zakunft desVolksrechts,p. 122-140) tra i maestri di sifatto sistema, io, mt apporei ai vero \ quatunque non manehino coloro che gli battettano ptr tali. Non

v'è dubbio: Vuniversitas personarum, guardatel-a corne subietto didiritti publici, guardatel-a come subietto di diritti privati, é uriente cóllectivo umanamente composto e ordinato; 6 un ente mo-rale, perche avendo per base la natura humana ha, come Vuo~mo individuo, dei diritti... Unione di elementi o forte morali,cioé di uomini diretti dali a inteUigenta e da lia volontá ; e quindiunione munita di diritti.— Ordinamento di queeti elementi inmodo da costituire un SOLO TUTTO, che sodisfi a un scopo comuneconforme alia legge medesima, e distrihuisca fra i vari elementi

dei corpo sociale facóltâ e fumioni svariatâ, ma conspiranti a ilbisogno dei tutto. — L'UNIVERSITAS ê DUNQUE UNA RBAI.ITÁ, quando si prenda la parola non come sinonimo di cosa che cadasotto % sensi, ma come il contraposto di un mero parto dcWima-ginazione. Tanto é lungi che Vassociazione umana presa comeunitá ordinata sia una mera astratione, che la modtrna sociolo-gia istruita alia scuola de Spencer ne fa un corpo vivente, aiquale, come agli esserí físici, adatta le leggi delia biologia. Io nonvado dawero fino a quetto punto. Mi basta, ehe rente cóllectivo,

te non é un organismo físico, come il corpo animale e le piante.sia pêro un organismo ético, un ente morale NON MBNO VERO E

SUBSISTENTE, degli organismi cor porei. Sia Vopera parte delia nu»tura e parte deQ'uomo c trovindla natura umana, non già físicabenzi morale, le conditioni di nascimento, di vita e di progretto. Date a qu+sto ente cóllectivo Veiercizio dei diritti privati, ed avrete la persana giuridica *.18* 

------------— -— 

* CJitrfw Oionji.—loc rlt, *. 22. Bato autor confeaaa, que o a*umodo do fdé MU do aecordo com Dcrnbarg na tua obra Pamdcktm, f MO 

(•iiçio do ia*fi. 

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Como se vê, a theoria de Giorgi não diverge em muito doconceito particniar da pessoa jurídica real, segundo a melhordontrina professada a esse respeito. 

19 d. — Concluindo, portanto, a nossa exposição, não du-vidamos lançar a seguinte these: — a pessoa jurídica ê um ente Icreaão, ou dizendo talvez melhor, formado pela vontade de pes-soas physicas, e cuja existência se manifesta na ordem social: 

1)  por um facto visível, consistente na união institucional depessoas physicas, ou numa massa determinada de bens, ou, aindamais commummente, no concurso de ambos estes elementos;

2) pelos actos e factos reaes que constituem a esphera de

actividade do ente formado no proseguimento ou realisação doseu objecto e fim;3) pela applicação ou cumprimento das disposições da lei,

segundo âs quaes, se verifica á legitimidade da sua existência ede seus actos, como sujeito de direitos e obrigações, isto é,como pessoa jurídica, propriamente dita.

Ora uma entidade, dotada de taes caracteres externos, exis-tindo em relação immediata com os demais sujeitos de direitosque apparecem na ordem social, — não seria licito qualificar etratar de simples  ficção, ou de cousa com um fim; porque ella

se apresenta, realmente, como um sujeito ãistmcto, e não comoobjecto pertencente a um sujeito. Si não é de considerada, emtudo igual â pessoa physica, — nada repugna que ella seja tidaigualmente, como pessoa, embora de natureza e denominaçãodifferente; e como a sua razão de ser ou fim é o de  figurar naordem do direito, lhe cabe, sem duvida, melhor do que nenhumoutro, o titulo de pessoa jurídica, que presentemente se lhe dâ. 

Finalmente, não ignorada a accepção technica (nota 17) oupeculiar, que os jurisconsultos dão â palavra—pessoa, isto é,

synonimo de qualidade, em virtude da qual se tem certos di-reitos e obrigações, ou no dizer de Ribas, um attributo sempre 

5  R. c. 

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immaterial, mas que, ou pela natureza ou pela lei, está ligado áum ente existente no mondo physieo, on por elle se manifesta,129

dizendo-se por isso, que um só homem, on ama só pessoa pby-sica pode reunir em si moitas pessoas (a de pae, de filho, de

marido, tutor, etc, etc.180

); é no todo manifesto que, assimentendida, o status ou a qualidade-pessoa não 4 exclusiva dohomem. —E' igualmente applicavel a todo ente que figura naordem jurídica, como titular distincto de direitos; queremosdizer: tanto se pode applicar ao ente collectivo — associação,formada por diversos indivíduos num fim licito, e dotada de in-teresses distinctos dos seus membros, tomados singularmente,como, á instituição permanente de bens para um fim útil (fun-dação), feita pela vontade de um ou mais indivíduos. 

Em uma palavra, a pessoa jurídica resulta da vontade daspessoas physicas, operando sobre determinadas cousas era vistade um fim racional e útil; manifesta-se na Tida social por actose factos próprios, que a individualisam ou caracterimm de modoparticular e distincto, e, conseguintemente, constituindo : urasujeito de direitos, real, efectivo, e não imaginário ou fictício,nas relações que desenvolve 6 mantém na ordem jurídica comos demais sujeitos de direito, sejam estes de idêntica naturezaou de natureza diferente. 

§ 6.° ESPÉCIES DA PESSOA JURÍDICA 

20. — Considerando-se a origem, o fim, e as modalidadesdiversíssimas, com as qoaes ella se apresenta no scenario da 

» Rita», ok. dt, t II. p. 7 Mg. ** Ibidem. — E" o meomo conceito de Wolff, quando disse: «Homo

peraona nioralb eet, qmatem*» êpectatur law/uam néjectum rerfamm Miga- tiomm at*i*ejuri*M cerforum (laat. Jttr. KaL f 00.— Cf. Toolliar, I  A ãruitetofi fnmçam, u. 1S2.- Bntxellee, lStõ.-Maynz, ob. cit.. | f*. 

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vida social, a pessoa juridica reveste formas e espécies, porassim dizer, infinitas. 

Não temos, porém, que tratar no momento das varias

qualidades accessorias, que distinguem as pessoas jurídicas,umas das outras, nas breves indicações que ora nos propomosfazer ; apenas procuraremos attender aos seus caracteres essen-ciais, que possam levar á uma classificação genérica das referi-das pessoas, e á nada mais do que isto. 

Particularisado deste modo o nosso pensamento, e tendo,sobretudo, em vista a importância de seus fins, e as faculdadesde que dispõem ou os direitos que podem exercitar, — aspessoas jurídicas se dividem: em pessoas do direito publico epessoas do direito privado, sejam nacionaes, sejam estran-geiras. 

Âs primeiras são: o Estado, e as suas divisões politico-administrativas mais communs, a Província, e o  Município,bem como, qualquer outra instituição do direito publico, re-vestida de personalidade juridica. 

As segundas, tomada a matéria em seus caracteres espe-cíficos mais geraes, são: as associações (alguns preferem dizer— corporações) e as fundações. 

Esta divisão está hoje consagrada na litteratura juridica

por escriptores dos mais eminentes, e admittida nos textos dodireito positivo.m Por isto, nos dispensando de entrar no examedas suas razões justificativas, — nos limitaremos, nesta parte dopresente estudo, á uma breve resenha das espécies da pessoa  juridica, que são reconhecidas no paiz, nos termos da leibrazileira. 

— Pela legislação anterior do Império eram consideradaspessoas jurídicas do direito publico: ò Estado, a Província e o 

181

Vide: Georgi, ob. cit., 1.1, n. 185, p. 447: — Coã. Oiv. Argentino,art. 83 seg.; Cod. Civ. do Uruguai/, art. 21; P. C. C, art. 13 seg. etc 

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r- 68 — 

Município.182 No regimen actual da Federação, no qual o paiz seacha constituído, as pessoas jurídicas do direito publico sãonomeadamente: 1) a União,183 isto é, a Nação constituída sob a

forma de   Estados Unidos do Brazil ; 2) cada um dos Estados-federados;15* 8) o Districto Federal;185 4) cada um dos municípioslegalmente constituídos110 nos Estados da Federação; 5) aspessoas estrangeiras m do direito publico (Estados, nações, etc.) 

Na sua  representação em actos contenciosos, ou mesmo napratica administrativa ordinária, se costuma designar a Uniãopelo titulo de   Fazenda Federal ou  Nacional ; o Estado-federadopelo de   Fazenda Estadoal, e o Município (inclusive o DistrictoFederal) pelo de Fazenda Municipal.137* 

 m COM*/,  do Império, art*. 1, 2,167,168 e 160; Lei de 12 de Agosto de1884; Av. de 6 de Abril de 1885; Ciro. de 13 de Outubro do 1888 ; Lei n.514 de 24 de Outubro de 1848, art. 16; Lei D. 601 de 18 de Setembro de1850, art. 8.°, § 1.°; Cowolidação da» leis civis, arts. 62 a 61; Lei de 1.°do*Ootubro de 1828, et?., etc. 

,M Cohst. Federal, arts. 1, 8, 7,16, etc. "• Consi. Federal, arts. 2, 4, 6, 9, 63 a 65, etc.: Doer. do Gov. Pro-|

visorio n. 1 de 15 de Novembro de 18*9 ;- Id. id. B. 860 Ae 26 de Abrilde 1890, etc. 

 m Const. Federal, art. 67; Decr. do Gov. Provisório n. 1, art. 10;Id. id. o. 50a de7 de Dezembro de 1888; Id. id. D. 198 te 6 de Fevereirode 1880; Id. id. n. 218 do 25 de Fevereiro do 1890; Lei n. 85 de 26 de Se-tembro de 1892, etc 

.1* Const. Federal, art. 68; Decr. do Gov. Provisório, ett.. n. 360 do26 de Abril de 1890, etc. 

J,:  Qmtt. Federal, arts. 59, I. d), art. 80,  t). — Cí.: T. do Freitas,  Màosõ ao C. GrU, art. 378 seg.; — C. de Carvalho,  Direito Ciiil Brasi-leiro, art. 116 seg.; --• /'. C. Cr, arts. 18. 17 e 18, etc  

«• Eesa designação tom assento em leis positivas. Xao se Ignora,qoe, eoBlorme ao direito romano, o Estado era também tratado de « ara-

 nmm on jkem • nas suas relações de direito patrimonial. ~- Savigny, Tr. sV drttU romma, | 88. 

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21. — Conforme ao nosso direito civil vigente, as pessoas  jurídicas do direito privado, são: 1) as sociedades civis (latosensu); 2) as associações (sociedades civis especificadas) de fins

religiosos, moraes, scientificos, artísticos, políticos ou de sim-ples recreio; 3) as sociedades mercantis ou commerciaes; 4) ascompanhias ou sociedades anonymas; 5) os syndicatos agrico-las; 6) as instituições pias (fundações) ;188 sobre todas as quaes,cumpre ajuntar os seguintes esclarecimentos. 

A distincção das sociedades civis em duas categorias parti-culares resulta dos próprios textos da lei: uma regnlada pelasdisposições do direito commum, ou, como se disse expressa-mente, — pelas regras geraes de direito ; e outra regulada, demaneira especial, pelo decreto legislativo n. 173 de 10 de Se-tembro de 1893 (art. 15), de que adiante se fará menção. 

O nosso direito commum ou civil, propriamente dito, ca-rece de disposições completas, explicitas, que regulem de modosatisfactorio os differentes actos e factos relativos âs socieda-des civis da primeira categoria. 

Entretanto, sendo ditas sociedades civis, âs de fins económi-cos, na sua estructura e forma, análogas ás sociedades mercantis,se podem considerar, como igualmente applicaveis âquellas, osprincípios ou regras geraes, que regem estas ultimas. Como as

sociedades mercantis, tem ellas, efectivamente, a sua origemem um contracto, e, uma vez celebrado este na devida forma,adquirem personalidade jurídica, distincta dos indivíduos, queas constituem; tal é a lei e a nossa jurisprudência (Cod. Com.art. 287 e seg.; Consol. das leis civis, art. 742-766 ; P- C. C.arts. 16, e 1366 e seg.) 

188 C. de Carvalho (ob. cit.. art. 152) faz ama resenha mais detalhada

acerca das pessoas jurídicas do direito privado, segando a legislação brazi-leira.—Cf. P. C. C, art. 16. 

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 — 70 — 

— Como sociedades civis da segunda categoria, acima dita,são de contemplar aquellas que a lei denomina— " associaçõespara fins religiosos, moraes, scientificos, artísticos, políticos,

ou de simples recreio".— São as sociedades, também qualificadas na linguagem dos autores, de sociedades de fins ideaes; eentre ellas se acham agora comprehendidas as que, segundo anossa legislação anterior, se denominavam corporações ou cor  pos de mão morta. — Corporações, define Ribas, são as pessoas  jurídicas, encarnadas em collectividades de pessoas naturaes,que alias se podem substituir por outras, sem que aquellas sealterem (Dir. Civil Brasileiro, t. II, p. 125).w

 

Desapparecido do direito pátrio, como ora succede, o in-

stituto da mào-morta, todas ellas, uma vez organisadas de ac-cordo com a nova lei, gosam de personalidade jurídica, distinctada dos respectivos membros; podendo exercer todos os direitoscivil concernentes aos fins de cada uma delias (Const. Fed., ar-1tigo 72. § 3o; Decr. n. 178 cit., art. 5o; Hic, p. 72). 

— As sociedades mercantis ou commerciaes, com persona-lidade distincta dos indivíduos, que as compõem, estão expres-samente autorisadas e definidas no nosso direito commercialvigente (Cod. Com., art. 287-294), quer de modo geral, quer de

modo particular, relativamente as formas especiaes differentes,de que se revestem. (Cod. Com., art. 295-358). A todas ellas  jamais se deixou de reconhecer nma personalidade jurídica,capaz de exercitar os seus direitos, activa e passivamente.

— As sociedades anonymas, também chamadas «compa-nhias», não são entre nós, exclusivamente, de natureza e finscommerciaes ou industriaes. como, á primeira vista, se podia

•» 84o sociedades, sé instituMa»,para fiou de utilldad» publica, corouammwndade* religieHU, ordena terceira», nnfraría», irmandade»,eU?.,nU\,

eomtanto que «ejam legalmente autorizada* • teahua património «cu. T.de Freitas, Vossk Jwrii., Appeodice I!;— C. de Carvalho, ob. eh., 1.V2 *MT 

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suppor. Muito embora sejam ellas, em regra, organisadas emvista de explorações ou operações importantes do commercio eda industria, nada impede, que tenham também outro objecto

ou fim diferente,—e as nossas leis assim o autorisam expressa-mente (Dec. n. 434 de 6 de Julho de 1891, arts. 2o e 3o; Decr.cit., n. 173 de 1893, art. 16). 

Nos termos da lei brazileira se pôde dizer, que a organi-sação das sociedades anonymas é livre; dependendo, tão so-mente, de autorisação do governo a organisação de algumasdelias, que, pelo seu objecto e fins especiaes, não devem escaparâ fiscalisação immediata do poder publico. Mas quer umas, queroutras, gosam de personalidade jurídica na verdadeira signi-ficação deste vocábulo (Lei n. 3150 de 1882; Decr. n. 8821 de1882 ; Decr. do Gov. Prov., n. 164 de 1890 • Decr. cit., n. 434de 1891). 

As sociedades anonymas estrangeiras também gosam noBrazil de personalidade jurídica, desde que forem devidamenteautorisadas a funocionar no território nacional (Decr. n. 2711de 1860, art. 46; Dec. cit., n. 434 de 1891, art. 47 seg; P. C. C,art 17-18). 

— A organisação dos syndicatos agrícolas foi autorisadapor lei de data recente, no intuito declarado de favorecer os in-

teresses da agricultura e industrias ruraes; sendo-lhes reconhe-cida, expressamente, a qualidade de pessoas jurídicas. (Dec. le-gislativo n. 979 de 6 de Janeiro de 1903).

— Debaixo do titulo de « instituições pias ou fundações »se comprehendem as pessoas jurídicas, que, embora se manifes-tem por certos homens e se liguem a certas cousas, podemsubsistir sem elles, de sorte que, quando estes desappareçam,podem ellas servir-se de outros meios de manifestação.140 

"° Ribas, loc. cit., p. 135. 

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E' diffieil dizer com segurança, qual o direito, que regulapresentemente as fundações no Brazil. Pretende-se, que a re-speito das mesmas cessaram igualmente as restricções postas

pelas leis de mão-morta, em virtude do art. 72, § 3o da Consti-tuição Federal. Mas, talvez, não se tenha bem attendido, que odisposto nesse texto se refere expressamente " aos indivíduos econfissões religiosas que se associarem para exercer o seu coito,adquirindo bens".etc.; queremos dizer, as palavras finaes dotexto « observados as disposições do direito commum » parecem terapplicação manifesta às pessoas  juridicas-associações, e não, aspessoas juridicas-/wní?arões; a menos que não se lhes queira daruma interpretação livremente ampliativa, segundo a regra "

benigna amplianda "... — Não se ignora que o Decr. n. 119 A de 7 de Janeiro de1890, que extinguio «o padroado com todas as suas insti-tuições, recursos e prerogativas», reconheceu expressamente apersonalidade juridica.de todas as igrejas em confissões reli-giosas, para adquirirem e administrarem bens; mas, importatambém não esquecer, que, â essa capacidade reconhecida deadquirir bens e administral-os, se addicionara logo a condição «sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade demão-morta »

(Decr. cit., art. 5

o

). Quanto ao decreto posterior, n.173 de 1893, não nos parece, que em nada viesse modificar oestado de cousas ,■ pelo contrario, tendo sido votado pelo Con-gresso Nacional para dar cumprimento ao disposto no art. 72, §3° da Constituição Federal, o mesmo só se occupara das MIO. dações, como querendo, deste modo, significar, que o texto allu-dido não se refere, senão a estas...  

u% Segando ai tew do Importo na palavra - Igreja, M compreen-

dia, tanto a Igreja Cathoiu-a, como o bispado. • «•minar**, a capclía, etc,O bispado, na aaa qualidade de pvseoa jurídica, se chama Afife*, • a ca-pelia. fábrica* 

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O que concluir, pois, sobre a situação jurídica actual dasfundações ? Ao nosso ver, não havendo ainda na Republica lei,que regule a sua organisação fora das restricções outr'ora im-i

postas pelas leis de mão-morta, é duvidoso dizer, — si ellaspodem ser agora instituídas LIVREMENTE,  tendo personalidade jurídica per se, como o decreto de 7 de Janeiro de 1890 o reco-nhecera em favor das então existentes.142

 

21 a. — Deixámos de incluir entre as pessoas jurídicas dodireito privado a herança jacente, não obstante saber, que já odireito romano lhe Jiavia reconhecido a capacidade de  figurar,como si fora   pessoa (nam hereditatem in quibus&am vice personm fungi receptum cst. (Dig. I. XLI, t. 3, 15). Mas assimo fizemos, por não consideral-a susceptível de personalidade ju-rídica, em vista dos princípios por nós adoptados sobre a natu-reza ou caracter essencial desta. 

«A herança jacente, diz Seabra, si não representa a pessoado defunto ou do herdeiro, para quem passa no momento da suamorte, não representa cousa alguma; é uma massa de bens semdono, que seria   primi capientis, si a lei não lhe desse appli-cação. Entre os romanos foi, na verdade, considerada comopessoa, mas, somente a certos respeitos, privativos das suas in-stituições, como a escravatura e a usucapião» .u3

 

1*2 A duvida sobre o reconhecimento legal das pessoas jurtãh-Qs-fun-daçoes, de que acima falíamos, apresenta-se, sobretudo, com relação aosbispados e parochias, creados exclusivamente pela autoridade eclesiástica,depois da separação da Igreja, do Estado, no novo regimen da Republica.A lei eclosiastica, por si só, basta para que se apresentem, como taes, pe-rante os poderes civis ? Certo, que não.  

Sobre o que se entendia « por corpos de mão morta » na legislação doImpério e restricções desta, é de ver: Ribas, ob. oit., p. 144-147 ; Consol.das leis civis, art. 09 e notas ibi.; Ferreira Alves, Juízo da Provedoria,§ 466 sg. e notas. (8. Paulo, 1897, 3a edição).  

143

Seabra. Novíssima Apostilla, p. 130. ~ Ribas (loc. oit., p. 121 seg.)explica quaes foram os motivos especia.es, que levaram os jurisconsultos 

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Tal é, com effeito, a verdade histórica. Além disto, collocando-nos somente no ponto de vista do

direito pátrio, é licito affirmar, qae o mesmo desconhece, prati-

camente, as chamadas  heranças jacentes, no sentido restricto de cousa sem sujeito; porquanto, pela morte do defunto, passa LOOO

a  herança para os herdeiros, testamentários on legítimos, aindaque ausentes estejam; o, na falta destes e de cônjuges, se devolvea Fazenda Nacional, — considerada, como   bens tocantes.1M Tem,portanto, sempre um  sujeito, presente ou náo, ao qual a mesmapertence.146

 

§ 7.° CAPACIDADE DA PESSOA JURÍDICA 

82. - K' pouco o que pretendemos dizer debaixo deste titulo:nada mais, do que ligeiras indicações, que nos parecemindispensáveis ás considerações, que hão de vir ulteriormente, aocorrer do nosso principal assumpto. 

Antes de tudo, compre não confundir a  capacidade jurídicacom a personalidade jurídica, como alguns tem pretendido: esta éo status persona}, — o sujeito de direitos: aquella é a medida 

romanos a considerar a herança jacente,coroo pemoa, para fins determina-dos. Se podo vf-r tara bem a esse respeito:—T. de Freitas, Esboçocit, nota»ao art. 278. 

u* Vide: Ribas, loc cit.. p. 123-126 e notas ibi.  

"' De VareHIes-Soram^res (ob. cit.. n. 1667)i « Ot direitos qae seattribuem a pessoa fleticia pertencem, neste caso, ainda • necessariamente,à uma ou mais pessoas ratas. Nio é o defunto, que nlo é mais anu pessoareal, e nem pode mais ter direitos oo interesses. Evidentemente »ao os qaetem direito A suecossao. qosesqoer qae sejam. S&o ainda desconhecido*;BuuéMrto. qae os ha. E'a *Uat»é> qoem a lei cogita. A inwi Mfto, si aindanao é deites, é para elles... * 

— Giorgto Olorgt su»tenta Msaties opinião, de modo verdadeiramenteconcludente, qaer em relação A herança jacente, qsar em retaeao à massafaJHd*. - Oh.aM.lL». lOSaac. 

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ou cotnprehensão dos direitos e obrigações, que, activa e pas-sivamente, competem ao sujeito, seja elle de natureza pkysica,ou não. 

Assim como succede com as pessoas physieas, as quaesnem todas tem igual capacidade, — segundo se trata do indivi-duo, maior ou menor, são, ou mentecapto ; assim também, se dá|com a capacidade das pessoas jurídicas, a dizer: ella pode com- prehender mais ou menos direitos, segando a sua natureza espe-cifica e a diversidade do seu objecto ou fim particular.  

Ainda que não seja licito affirmar, que a grande discussão,ainda agora persistente, acerca do conceito fundamental da pes*soa jurídica, deixe de influir na determinação da capacidadedesta; é, todavia, certo que, tanto os partidários da simplesficção (Fiktionsfheorie), como os da cousa com um fim determinado(Zwcch- Vermõgen) são accordes em admittir, que ess'outro su- jeito de direitos, que não o homem,— ficticio ou real, —deve tera precisa capacidade para os actos ou factos que concernem aoseus escopo e fins. E foi por isto, que Mommsen não duvidarafazer a esse respeito, a seguinte observação: — que a discussãosobre o conceito da pessoa jurídica carecia de toda a impor-tância para o direito pratico; porquanto, ou se diga que aspessoas jurídicas são  pessoas, ou que o direito as trata tão so-

mente como toes,— isso importa a mesma cousa, pelo que res-peita às suas relações jurídicas (Kommt fur die Regelung der  Bechtsverhãltnisse genau auf dasselbe hinaus). ue

 

22 a.— Examinando-se, entretanto, a questão no terrenodas theorias, notam-se ahi dous modos de ver, assaz discordan-tes, acerca da capacidade da pessoa jurídica. No entender deuns, esta capacidade é sempre « marcada na lei* e restricta aofim da respectiva pessoa; — no entender de outros, razão não  

Mommsen, Abriss ães rõm Staatsrechts, p. 81. 

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■  ■ 

da pessoa jurídica pode ser tio plena, quanto a das pessoaspbysicas, menos, tão somente, quanto a direitos, que seriam

incompatíveis com a sua natureza, a dizer, os direitos de fa-mília propriamente ditos 

No ponto de vista, em que se collocam os partidários da w tricção, os direitos, que a pessoa jurídica pode exercer, aso uni-camente os direitos patrimoniaes (jura inre) e os direitos corr$*\lata das obrigações resultantes; — porque, segundo se pensa,os fins da pessoa jurídica, quaesquer que sejam as suas modali-dades, ou são  cousas, ou se referem directamente a estas. -«Scstano, dopo la proprietá. la obligationi. che es$*ndo dirUH 

 patrimonial* tono coprcsc nel eido ãi capacita dcllt pcr§otmc giu- ridicht...  Lapimeita dunque delta pertoiutlitâgiuridicaposta in  tatreitio vien: a resultar* dalla capacita di qodcrc qualunqm  diritto patrimoniais neWambito delia proprittá ê tltll? obtiiga- ttont.» • 

K' a capacidade de possuir, diz Giorgi. ou. usando da lin-guagem clássica. - MíWI V9§ communii. Una arca communu,•eneo "tu atto, almeno 1/1 /  t> ,t:a". ■ #m lorno da qual Mpousamagrupar as acqnuiçoas futuras.u* O texto romano di/Ja: —Qaibui aulcm permitiam aí ror pus kahsre collegH, foci*'tati* t

 sim cujusqm altcrma rum nomine, proprium e*4, ad escemptum\raÍp*Niem% hatxra rm emmum ■ . arcam eomwimem, ai actor*,,,»- - '• I • -«, per quem Unquam in republica, quod communh

> tjmopertaai. acatar, fiai. — Dig. /-3, t. 4, § I 

S—ta leito traU-se, segundo se tê, de entidades reeul-tentes da união de pessoa* plirsícas « amhartmn mwmm*rnm,»taes come,  collema, m rim,  '■*'-*, m4*l*ú\ ele. -, nâo se 

ignora, poré», qu  reconhecia capa- 

is, ea,e me-io» 90$. 

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cidade jurídica a certos estabelecimentos de utilidade publica, e até,a determinado conjuncto de bens ou interesses, qual succedia com aherança jacente, de que já se disse.14ft

 

E não ha negar. Assim como a theoria, que só vê na pessoa  juridica uma simples ficção legal, logrou tornar-se a doutrina daescola, assim também, a theoria, que restringe a capacidade dapessoa juridica aos direitos patrimoniaes e relações correlatas, temsido, e continua a ser, — a lição corrente da maioria dos autores.Savigny definira, mesmo, a pessoa juridica: « um sujeito do direitodos bens, creado artificialmente,» — querendo com isto dizer, que asua capacidade era restrieta, isto è, só podia estender-se ao direitodos bens.150 Maynz, referindo-se ao assumpto, disse igualmente: «Ce qui caracterise ãonc essencielle-ment la personne civile% c'est qu'nn être, qui n'est pas individu kumain, a reçu la capacited'acquerir et d'avoir des droits. Cette capacite ne se rapportequ'aux droits patrimoniaux: aucune loi ria jamais attribué desdroits personnels aux êtres que nous de-signons par le nom de

 personnes doiJ.es.»161 E Laurent, depois de affirmar que as pessoasmoraes ou civis não podem ter, senão, uma capacidade restrieta emvista de preencher a fmicção, que 

149

Debaixo do titulo de « univereitas » o direito romano eomprehendiaigualmente: o Estado, as províncias, os municípios, as communas, (vici) eas colónias. Considerado como pessoa de direito civil, o Estado era de-nominado cerarium ou fiscus. Os estabelecimentos de utilidade publica oubeneficência eram diversos, taes como: hospitaes (noaocomia), asylos de ve-lhos, de recem-nascidos, de orphãos e pobres (gerontocomia, brephotrophia,orphanotropia, ptochotrophia), etc, etc. Van-Wetter, Droit romain, t. Io,§§ 54-57.— Quanto à herança jacente, são vários os textos,, que a reconhe-cem sujeito do d:reitos. Hereditcu persorue vice fungitur, sicuti municipium et decuria et societas. (Dig., I. 46, t. 1, 22-, Ibidem, l. 41, t. 3,15; l, 43. t. 24,13 ; I. 11, t. 1, 15: l. 41, t. 1, 34 e 61; — Instit.  I 3,1.17 , Ibidem, /. 2, t.14). 

«o Savigny, Traitéde droit rom., § 85.—Cf. Ribas, ob.cit., p. 108 sg.  M  Maynz, ob. cit., §107. 

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lhes cabe na ordem social, conclue por estas palavras incisivas:— "Aort de ees limitei eíles sont frappee* d 1une incapacite radi-\ cale; cor ettes rfexktent pas, c'e$t U ncant, et le néant, certa% ne\

 peut eontracter." 1W 

Não é preciso dizer mais, sobre a doutrina da  capacidade restricta da pessoa jurídica. 

22 b. — Mas, em contrario do que acabamos de mencionar,sustentam os partidários da   capacidade plena da pessoa jurí-dica,—que o erro da theoria da rt$trieçãa é tio evidente, comoo daquella que declara, que  nm* ficção, um nado, é sujeito dedireitos e obrigações... 

Certo, a es tensão dos direitos ou a medida da capacidadedas pessoas jurídicas pode variar immensamente, segundo asfaculdades próprias de cada uma, o seu caracter,  publim ou privado, os seus fios diversos, e outras qualidades e condiçõesintrínsecas ou extrínsecas, que concorram na sua existência;e nem isto é de estranhar, orna vex que se observa facto aná-logo com relação ás pessoas physicas, si forem diferentes os tlatus das mesmas. Mas o que também não é menos certo, ese affirma, é: que, abstrabindo de taes particularidades, e en-

carando-se as  petma» jurídica* sob o ponto de vista gerai dosCactos, das leis positivas e, mesmo, da melhor doutrina, ellastem. ou podem ter, uma capacidade jurídica plena; e esta ple-nitude se lhes deve sempre presumir,—ao menos que haja textode lei expressa que a restrinja  m Pelo menos, outra nào pode 

"* LttSf i«l. /VMOJK* <f« *W  rm0, 1,1, o*. -*.-7. 91, tB* *# l XVI. ■ e§.— Win<Lart«*4 «*a*í&a. qoe -   Jmtiiimke ttfiwmm kfamm tndtfmt wmCVtftttâOSjt*. < Mfkim **é TffMmálkààtiiim mim mmi mmém, mm aaMrivA*" 

<o». ««.. -.  B rmMm^ÊÊOmWi ffessffv» -Hsfcf ■ ....fli iHifti  fmtmm m flcMr/«Jr M '•■-" i ' "% patnaxtétÊL dhf  mm» M i*m)m* tmmuw£o». eis., 1 U, 9. ie: s i:- CL àMm^atmm\m\m\,Vm\^Wt,amam\ t •aafákese. et mX. v 17» 

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ser a opinião dos que consideram a pessoa juridica, nm entereal, e não, um simples nomen júris, como erradamente se temensinado. 

Seria desnecessário declarar, que os direitos de patrimónioe das obrigações constituem o elemento essencial da capacidade  juridica das pessoas de que se trata, desde que não poderiamellas ter existência effectiva sem o uso, ao menos  potencial, detaes direitos. Masé de lembrar que,—de condição semelhante,também não podem prescindir as próprias pessoas physicas,

desde o momento, em que se apresentam, como sujeitos de di-reito, na ordem social. Isso, porém, não repugna, que as primeiras possam exercer,

com igual plenitude das segundas, os direitos das cousas e dasobrigações, segundo for mister ou conveniente, enão somente,da maneira restricta, que se tem pretendido. 

Refutando, a este propósito, a opinião de Laurent, de queos limites da capacidade de uma  pessoa, creada para conseguirdado fim, são os consignados no próprio fim proposto, ~ replicaHeisser com toda procedência:— que não basta conhecer o fim

de um ente collectivo para medir a estensão da sua capacidade juridica, porque as necessidades variam, e a satisfação delias,nos negócios da vida civil, ora é mais, ora é menos evidente eimmediata.104

 

De facto, salvas as restricções, que nos casos particularessão estabelecidas e devem ser guardadas, em attenção â razões,e motivos, que agora não temos que examinar,— a capacidade  

154

Heisser, Btude t>ur les personnes morales, p. 157.— Cf. Oiorgi, loc.cit., p. 266: « Per me, la condizione ãelle persone giuridiche in tema di diritti patrimoniali non puô essere diversa da quella ãelle persone fisiche. Mi parecosa chiarissima... Lo ãice Varfcolo 2 dei códice civile, quando attribuische aicorpi morali legalmente rieonosciuti IL GODIMENTO DEI DIRITTI eivai, SECONDO

LE LEQQI E ou usi OSSERVASI come diritto pubblico. 

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das pessoas jurídicas, qaanto aos direitos patrimoniaes e ásobrigações, deve coraprebender: 

 a) a propriedade e todas as suas modificações ou relações,

ou em outros termos, os   direita reaes com os seus modos deacqutsiçao, alienação, transmissão, posse, uso, etc.; 

 b) a acquisiçio de bens por successão testamentária, ou emvirtude da lei, ou por actos de terceiros; 

e) o contrabimento de obrigações, activas e passivas, nassuas modalidades diversas, convencionar» ou nào-conveneionae*^sem outras reservas, senfto squellas, que forem probibidas pelalei, como succede igualmente com as pessoas pbysicas.,5I!

 

Não é mister fazer orna demonstração documentada destas

proposições; porque ellaa synthetisam factos, que se verificam,cada dia, na ordem social e jurídica por toda a parte.  

22 c —No pensar dê alguns, ainda não está dito tudo;porquanto nem sempre é uma verdade diser, que a capacidadeda pessoa jmridita, quer considerada como individualidade die- tincta, quer como um lodo ewt, m etgota com o goso dos di-reitos patrimoniaes. {Unríektia aher tsf   diê immer wiedrrhh• rende Behauptuny, dam âh IndividuairtekbfUhiylceit drr Kor-i«

 rtchaft §irh m ihrtr VsRMOOBlIsrÂHIOBtlT RasciiÕPfB).

u>

 Pelo contrario. Temos nas suas espécies diversas, desde a |mais importante delias t comprebensira de todas, o Ettadê, até 

»» VMe: CHavsjl, ISS. **., ». 1I0-1II. a. -- <->>rk. /•« Ou mm 

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109} Casa» sfttlfti éi r if ■ i tmiijm+AmimmmmmmrtimmtmÊB. nua » estr» eaarw *af .finas, »\mm M mr. Hs**si i tnt», t, ser 

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a menos importante, como seria talvez de considerar a asso-ciação privada de simples recreio, — que as pessoas jurídicasexercitam realmente direitos que são por natureza, não só, in-

dividuaes, mas  pessoaes, isto é, direitos   próprios da pessoa, énão strictamente reaes, na significação technica deste ultimovocábulo. 

Deixando de fallar àoEstado, em favor do qual se podem ai-legar razões, que talvez não podessem caber á sua qualidade depessoa jurídica somente, é impossível negar, que muitas outraspessoas jurídicas, de caracter collectivo, se apresentam na ordemsocial, ao lado das pessoas physicas, ou ao lado de outras pes-soas jurídicas, revestidas de direitos pessoaes (Eeehte an der eignen Person), taes como: direitos de estado ou posição, domi-cilio, nacionalidade, nome, firma, sello, armas, di&tinctivos oumarcas (exclusivas de commercio e industria),  privilégios, etc.;direitos, todos elles reconhecidos e garantidos pelas leis, domesmo modo, que se dá com as pessoas physicas em casos aná-logos. Até os direitos ou privilégios de invenção lhes tem sido re-conhecidos pelas leis.157 De facto, não se ignora que, conforme odireito vigente nos diversos paizes, as pessoas jurídicas temcapacidade reconhecida: 1) para se apresentar, em seu próprionome, aos poderes públicos, requerendo e sustentando quaesquer

direitos ou pretenções legitimas, como fazem os indivíduos par-ticulares ; 2) para crear ou organisar, por si sós, ou associadascom outras pessoas physicas ou jurídicas, instituições de bene-ficência, caridade, instrucção e semelhantes, exercendo sobreellas a precisa fiscalisação; 3) para confeccionar e promulgar 

p. 54; — Mantellini, Lo Stato e il Códice Civile, I, p. 45-46, (apud Giorgi,too. cif., n. 109).  2 Gomo partidários, de que dita capacidade se esgotacom os direitos pa-trimoniaes, oitam-se especialmente:Unger, Amdts, Scheurl, Vering, Gen-\ 

 \gler, Koth, Stobbe,e Làband; apud Gierke, ob. cit., p. 145, nota 1.187Gierke, ob. cit., p. 146. 6  R. c. 

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regulamentos dos seus serviços, impondo nelles obrigações epenas aos seus subordinados; 4) para exercer  mandatos porconta de terceiros; 5) on bem assim, para acceitar e desempe-

nhar outras funcções análogas de caracter manifestamente  pe$-8úàl  t  como as de   sono, liquidante, syndico, arbitro, e  gestor denegócios alheios; 6) para deliberar e usar do direito de voto aolado dos indivíduos nos negócios que lhes são concernentes;etc., etc. Algumas pessoas jurídicas, alias, do direito privado,ha, que gosam mesmo de regalias que entram na esphera dodireito publico, como por exemplo: arrecadar taxai e tributos,

 ja em beneficio próprio, já por conta dos poderes públicos, ouaté emittir títulos, que circulam, como moeda, etc. *" Por outro

lado, inclue-se igualmente na sua capacidade jurídica, nâo ao,o dever de sujeitar-se e satisfazer  nominalmente aos diversosimpostos públicos, como até, o de soffrer penalidades, taes comomultas, suspensões, e outras. 

À própria capacidade de delicto (MilhfHUigkeit i lhe teusido reconhecida. Si a idéa de pena corporal repugna com anatureza da pessoa jurídica, —o mesmo nâo succede com a dasatisfação do damno, causado pelo delicto. B como o acto doorgâo ou representante da pessoa jurídica é considerado, actodelia própria; segue-se, e com razão, —que a pessoa jurídicapode, cimlm#niê t ter inculpada, como autora de delictos. m 

Om, nao é preciso acerescentar que, senão todos, certa-mente, a mor-parte dos direitos oa faculdades, acima enume-rados, e outros semelhantes que se omittem no momento, sAo 

Hl f^tf^e^wB 4vY*iMfcaJ4k át^a sa**4MÉ^A^v4_m itiMWtf Atftfitfv sw* ÉattiirV ÉLS^CM  Ã ÉÊ ttflfe 

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 — 83 — 

por demais distinctos, para caberem na espliera, única e res-tricta, dos direitos patrimoniaes somente (wélçhe einerseits Indi-lviduálrechte, anderseits, entiveder Uberhaupt nicht oder doch

nicht ausschliesslich Vermõgensrechte sind).ieo

 Insistindo sobre este ponto, Gierke observa: « Apegar-se á

ficção, de qne, fora do direito da família, todo o direito se reduzao direito das cousas (Yermõgensrecht sei), seria desconhecer, nãosó, os direitos pessoaes (die Persõnliclikeitsrechte), mas tambémos direitos intrínsecos da associação (dieinnerenKôrperschafts-rechte). E no entanto os últimos também lhes pertencem, comodireitos manifestamente perfeitos (voll ausgébildete Rechte),sem terem, aliás, no todo ou, ao menos, exclusivamente, um con-teúdo de direito real (entweder iiberhaupt nicht oder doch nicht ausschliesslich VermogensrechUichen Inhalt haben)... 161 

Em verdade, como sustentar, que a pessoa jurídica só écapaz dos direitos reaes e relações resultantes destes, quandonão se ignora, que as pessoas juridicas-associações, de fins mo-raes, religiosos, artísticos, litterarios, scientificos e semelhantes,— apenas de modo secundário, cogitam de direitos ou relaçõespatrimoniaes, — sendo institucionalmente, como são, de natu-reza diversa, tanto o seu objecto como os resultados, que sepropõem conseguir?! Não; a theoria, que restringe a capaci-

dade da pessoa jurídica aos direitos patrimoniaes somente, nãopode ser acceita, sem contradicção flagrante dos factos.  

16° Gierke, loo. cit., p. 146, e 162 sg. 161Gierke, ob. cit., p. 165, nota 2; signanter, p. 630-638 e sg. Negulesco (ob. cit., p. 176-79) cita, com approvação, a seguinte opi-

nifto de Trarieux:*La capacite de la pcrsonne morale erribrasse tom les droiiscivils que peut avoir dam notre soúêté la pcrsonne majeure et reconnue par la loi»; invocando, em favor desta capacidade plena da pessoa jnridtca,

nfto só, a opinião de Potbier {Traité des personnes, t. VII), como ainda, asdecisões dos tribunaes franoezes a esse respeito. 

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22 d.— Um doa direitos ndo-reeet, que se tem contes-tado, em particular, à pessoa jurídica, é o direito da honra; par-que, diz-ae, sendo a honra um aitributo do homem, sô a este,

individualmente, poderá attingir qualquer offensa feita 4 suahonra.11» 

E\ como se vê, uma razão tirada da doutrina que, conside-rando a pessoa jurídica, uma simples ficção, nfto pode, por issomesmo, admittir que ella tenha honra, istoé, que possa ser offen-dida nesta qualidade. Mas, semelhante razão carece de proce-dência. Si os indivíduos, tomados isoladamente, tem todo direitoa ser tratados com respeito, não se lhes pode contestar, funda-damente, o mesmo direito, si. organizados em associação, tile*

constituem agora uma pessoa collectiva, seja ella de caracterpublico ou particular- «   Mwtêchên, dk in ihrém sWieseWIrsj  FUrtiektrin Anspnich auf Achiung ihrtr Eintrtpertlmlkltkét haf" n f "im> n, auek in Arras org anitirUn Verbanddtben WWH

 ah■'•■' ' - *' An*prmeh auf Afhtung <*r#rOepammtpfrtimhrh- 

Por certo, a honra não aproveita somente ao Individuoisolado;ella lhe serve de escudo na vida collectiva j queremosdizer,—d* consideração publica ou social, não vivem e prospe-

ram os imdtrúhim somente; ellâ afecta e interessa, do mesmomodo, ãa instituições ou associações, inanindo a* vezes poder©-sãmente na própria existência e fins destas. 

— Pelo que respeita ao direito positivo braxileire, ** perece -imptasmeete contradictorio oa injusto, ©que ee mesmo etacha c a  poli essqaaate de um ledo, se ne$a que m 

Sv II 

11* (*à »! 

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associações ou pessoas jurídicas do direito privado sejam susceptíveis de

offensa da injuria ou calumnia, pelo motivo acima alle-gado, — de outro

lado, se reconhece, não obstante, que a injuria e a calumnia se podem dar,

e serão puníveis, quando feitas á «corporações que exerçam autoridade pública.» lfl4 

Não ha duvida,— achamos inteiramente justificável, que o direito

positivo não deixe ao desamparo a honra das corporações publicas; o

que, porém, estranhamos, é a carência de lógica 

164 E' o que se acha disposto no Cod. Pen. Brasileiro, arts. 318, letraa, e319§l.°A este respeito se pode ver -. Acc. da Corte de Appel-laçãodo Distr. Federal de 28*de Out. de 1898; ld. da do Estado de S. Paulo, de 5

de Julho 1899. 

— Quanto ao mais, é de notar, que o teor da lei e jurisprudência doBrazil tem sido sempre o de reconhecer inteira capacidade a pessoa jurí-dica para todos os actos e factos concernentes ao seu objecto e fins. E, semduvida, por ser esta a doutrina dominante, é, que o autor do Projecto doCódigo Civil da Republica dos Estados Unidos do Brazil se exprime sobre amatéria por estes termos: « A capacidade das pessoas jurídicas é a regra,e a sua incapacidade a excepção. E' assim, que* podem adquirir e possuirbens, por qualquer forma ; lhes é permittido contractar e estar em juizo,defender seus direitos, etc. etc. Si a lei estabelece certas rostricções, ó abem do interesse publico.—Felício dos Santos,   Broj. do Cod. Civ. Bra-

 zVeiro e Commsntario, art. 156.— Segundo á nossa legislação vigente, sâo modos legaes de obter a

capacidade jurídica:1)  As sociedades civis «lato sensú» pela celebração do contracto so-

cial, feito pelas partes componentes das mesmas (Consolidação das leis civis,art. 742 sg.) — Discute-se sobre a necessidade de ter, ou não,   forma es-cripta, o contracto da sociedade alludida; sendo de melhor parecer que atenha.

2)  As sociedades mercantis, que não revistam a forma anonyma oude coramanditapor acções,—comoarchivamento do contracto no registrodo commercio-(Cod. do Com., art. 301).I 3) As associações de fins religiosos, moraes, scientiflcos, artísticos,políticos, ou de simples recreio, (Const. Fed.,art. 72, § 3°) como archi-vamento no registro civil dos seus estatutos ou outro instrumento da sua

fundação, devidamente aufihenticados — (Lei n. 173 de 10 de Setembrode 1893). 

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 jurídica, — recoubecendo-se num caso, como applicavel à natu-reza de um ente. a mesma disposição que» num outro, 86 recusaao ente de natureza idêntica, por motivo desta natureza! ... 

23.—Ji tivemos occaaiio dê alludir á  capacidade dapessoa jurídica em matéria de delicio. Completando o mesmopensamento, ajuntaremos agora ligeiras considerações, no sen-tido de demonstrar a sua responsabilidade, pecuniária ou civil,pelos aeU$ tilicko* em geral. 

Ij As eetkdede* aaoa> ata» s as de coraraandita por acções, suar •IN» objecto aeja civil, quer cummereiaJ. —com o preenchimento éns condi-

çOe* qtM a csa ieçiftUçSo particular prescreve a esse respeito: (Laís. tlféAt Vmst; Doer. a. 8flU Se MK; Doer. do Oov. Prov. u Mi ti.- 1M«0;Decr. n. 431 és 1 de Julho és i*'»i . 

*) Oê •vadJeatos agrkoia*. revcetidot és eepaejdado jurMIsa. — vir-tndp és M (Dsar. a. ST» de S és Janeiro és ItQt) te» a «as at»aaanK —.fitrt aV fiMn-afir rMfrieito as eee» (Dear. «ri.. afl. 2*J. 

«I At msfrtalcae* pisa <w randaeftee faatiadn o sss lastitaidor for.o Betado ss parttralaras) --ss selas dbpoalf«es da tet élrsctajaeett, SBp*k- SUS és .3lçSo eateftraéste <W*Ua fora* QM n tf és StJS;Ma. téeMffsM SsISOe*. !«l :sà%,—*lês: aCarra»»- a*. ctt..| srte.lfl4iai)nonatoár*paclaed«da certa*pessoasjaridk** d^m^mi.| sssnseoamr-•■'--;:- &i» ~ âMfSfaspfai aV tmã^meH», «dever o ases respHtoj ss éfess é ff. 72

anterior, s mais: Ctnst. **** art. H, 1S( Dssr. a. llt A |és PN; LsJ a. ITSés lt*S: A*, év, fai n a* é» IStJ Haaiada «nas paswoa* )arídka*, «aja rapa HaéesAss vtêss,

os «a firmes és abanes sai rtnsli asjialal és sedar pastas, Tass aSa ias Basco* és eaúeeas os rtreatarAe, eae SafMwiam ét aats mf>> teu**; fjsa H—ma és «ra4i»o l»el» SS SMaSSB ptoa, maalre és Samarra ss éss%séaés,ss estias ecaaomlges asaariiAidasés saswas BHrtess» ss 

«- 1 ■ - — -^J^^ ,ua>áU»a - i - i-«-iJLiM * - -*—• JU »íi_.-l,, m~ uwéilit - MtfS  * aa S* • *e ••■»• ftwmt jwftmmm nurwmgnim #• 4Mr ***•  f   > 

Lasca** htaJartW CM s> «Tf és IMi Dear. a» *as s Mas és UM: Pear.

••». Fie*, s. lés és afJ»; Dsav. a, tét A és um  Bsss. u !-«*»- i»«*r a *U S* t**I;. t*v. a. Kit * í- .» , avt *>i L*í a áM a* MaV l»m. S. tt*t és L"**;L*t e.ê» és MM, 

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Antes de tudo, importa lembrar que, como traço fundamental,que distingue as pessoas physicas, das pessoas jurídicas, —sobresalie o seguinte: que as primeiras, sendo pela natureza dotadas

de intelligencia e vontade própria, querem, deliberam e agem por simesmas, relativamente aos objectos ou fins que se propõem,—aopasso que as segundas, sendo creações ou organi-sacões daspessoas physicas, os actos tidos, como manifestações do seu querere deliberação, são necessariamente praticados pelos seusrepresentantes, cujas espécies variam em origem e estensão depoderes. Quaesquer, porém, que estes sejam, ha um principioessencial predominante: é que os mesmos agem, como e#e-cutoresdo objecto e fins da pessoa jurídica; e daqui o conside-rar-se, comodelia, todo o acto praticado pelos seus órgãos ou representantes, noexercício das respectivas funcções ou encargos — Sie gewinnt 

 Handlungsfàhigkeit nur dadurch, ãass das 

arte. 8o e 45; Decr. n. 2979 de 1862; Decr. n. 493 de 1891; Decr. n. 727de 1892; Lei n. 559 de 1898, art. 1, n. 26; Decr. n. 2769 de 1897.- Cf. C. deCarvalho, ob. cit., arts. 158-166).  *»á 

— No que diz respeito às relações de hgar e de tempo, se observa:1) o domicilio da pessoa jurídica é a sede declarada em seus estatutosou outro instrumento da sua instituição (Decr. n. 2711 de 1860; Id. n. 164

de 1890 ; Id. n. 919 de 1890; Lei u. 173 de 1893 j Id. n. 294 de 1895: Decr.n. 2153 de 1895 ; Id. n, 2304 de 1896; Lei n. 905 de 1896, etc.); 2) a duração e existência da pessoa jurídica pôde findar: a) nos casos

previstos no acto da sua constituição; 6) cessando o seu fim ou se tornando impossível provel-o; c) pelo consenso de todos os seus membros,quando estes tenham o direito de fazel-o; d) pela perda de todos os seusmembros, ou com a sua reducção a um numero tal, que, segundo a lei,nãopossa continuar; e) por disposição da lei, acto do governo ou sentença judicial. (Leia e Decs. citados-, e mais: Lein. 57 de 1835; Av. n. 324 de 1837 ;Id. n. 85 de 1854, etc).  ■ 

 Incapacidade — As associações ou sociedades, cujos fins forem illi-citos ou reprovados, não podem ter capacidade jurídica; sendo, desde logo,

consideradas como taes, as sociedades secretas (Lei de 20 de Outubrode 1823; Consol. das leis civis, arts. 744; Cod. Penal, art. 882; etc.) 

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Ifecaí éem Htmdiunyett gmmtr Mm«km dt&&t$m B&le *«7MT , ai» wãnm é$ Ifa»Bèm§m ém jwutu tkm m~ 

Contra MU principio goral.  flA I 

ofanoar, fjao jaaub foi kvaaudo obJMçao algumA

procedeatoMM «tosado oo entra no torreão do pratico, « oai ao deoaaro&aaioo oeUo • feto* difortM, Maoaraeato* é pooooo jurídico, wr-X«m, aa vexa», difíScaldodes boa MHOO, *ob o ponto do tuudo direito a 4a jaotiça. Uao ai aaaoidVraa obrifo^feo da pM-noa jaridlko, m iMofrootea do artoo logitioiM, fOfo<wodii» avtoda ó*. WMO«J«, asclaiodo. ntooooe. a» obrifoç5oo arovoaioavtoo 4a iaexe< u.-ào do aetoo licito*. UM aooio, •» abrifaçoo*rMalUaiM 4a iofraocfo* oa rftofeçoM eootrocUMa* *. Outra»,O«M raatrietJvM. adMÍtto«ar**»oaftobilld*Í« da pMãoajari-dico aaa fofas» oa cmi és ■ ■■ • u i IBA***. a ;.-.. .■ -.-« no IMM» ara-Taatoatoo 4a aaa* tÊlntêm ; »M aa aootio a aatotfdeo», doodo-Ma ctrcaattiaaeio oaaaarraata. 4a a »■ DOM Jaridka tor 4oai tiradoMM*,  a» liai uto. a» a taportaacia 4o lacro «Uida. 0«UM

alada, aaoJawato, MM'tUa, a, alai da rido, «MI org ummto.■ai» voitoMO, aao oJU MOM4O. M a Metoa^ao 4a èrreMaaV•*bil*d*da, «to ti» aoaaa, MM di*tioeçaa HmHmtim aa aofaa,OMM M arotoaaa; • #ao, aa aaatfarla, • aoaaaa flartdioa dotorMf»odM ojHf a* PMM ta» priactoM. M* U4M a* n tof 4M aaao

IOMMIOUSIM^ o>oaaa|aar aja» rife» ■-•• â aaaa» faa4***aul. aa» sjaa m 4aaa afasto*"« a» ta>

Mia, ê Urodo 4o pioprsa aoiarMo, a** aunboMj á OMMB 

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conseguintemente, ella não poderá jamais ter occasiâo de fazero mal, isto é, de tornar-se responsável por actos illicitos. Comoficção, que é, ella seria incapaz de assim fazel-o por si mesma;

e si os seus representantes tal o fizerem, serão elles, e não apessoa jurídica, os responsáveis do mal feito. 

Deixamos de discutir, no momento, o acerto ou desacertoque, porventura, exista nesta conclusão ;16C apenas, diremos depassagem, que os partidários da doutrina opposta, isto é, daresponsabilidade da pessoa jurídica, pelos actos illicitos pra-ticados em seu nome, allegam também por sua vez: Que é umprincipio de razão e justiça, evidente por si mesmo, " que cadaum deve responder, ou dar a devida satisfação pelo damno, que

de seus actos resultar a outrem''; e que, como os actos dos repre-sentantes da pessoa jurídica são, irrecusavelmente, de conside-rar actos delia, isto é, como si foram praticados por ella própria;segue-se, que a mesma deve responder pelos damnos resultan-tes, sejam os actos, lícitos ou illicitos, indistinctamente, indiffe-rentemente, em relação ao lesado por taes actos. 

23 a.— Às theorias controversas, a que temos alludido,sobre a responsabilidade da pessoa jurídica, se referem ou seapplicam, tanto às pessoas do direito privai-lo, como às do direito

publico. Não ignorada, porém, a diversidade de natureza, de po-deres, de objecto, direitos, e fins, das differentes pessoas jurídi-cas, é impossível haver uma regra geral, ou um mesmo estalão,para, por elle, medir e resolver acerca das responsabilidades,que, accidentalmente, possam caber â umas e á outras.1OT

 

106 Diz Giorgi (ob. cit., p. 311): « Ma lasciando ai tcorici una inãa-gine puramente dottrinale, egli è certo che le obblijazioni per ãelitto o quasi\ ãelitto,civilmente intese, sono perfeitamente compatibili tanto in senso c.ttivo, quanto

in senso passivo, con la personalitá giuridica ». 167 Vide: Windscheid, loc. cit., e notas á p. 231 sg. 

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 — 90 — 

Peto qm  respeita às paisana jaridicas áo direito pai

sstadaatfate o Eatada, a reapoaaabtltdade desta, patos acua d«

>caa rspresaataatas os fanteioaariat, régs«aa aabidaateaU pai

dtsftjeiçAsa, aa reatei. aapectoliariaua,a qoe • acoberta* eadregalia*, iaaaçôtt a privilegies, aegando aa caaai a as arcam-

•Uscias» 

Igselmeate.pelo aaa respeita áa pessoas da direita privado

aáo ebsuaU lase tarem applicarei* aa rsarsa ferae* do direita

eftrtl oa commereia), eommsm a Udaa alias; aia raro, um bem |

ti eecsatraej preceitee psrtkslsres maa moditcam a isepoo»aet«

lidade daa me*mas. paios */4at 6* asse represe ataeua. Da malada, a própria lai deixa, sempre em caaipo assas vasto de sr»|

Wtris aa esareoçosa dos iedieideoa,aa tareai da ergaakar oaiaetitsJr ema pessoa jaridfca, as tosaste âa reapoaaabiltdades

faUraa dêlla \ 4a ostro lado, o podar pebliee eosesde. m festa,eams taotss rsf lisa, meaçèsse pririlogios, s dounaiaadas asa»

soes jart4 asi rwu da» esatefeas. fM etlsa desces tratar as

iaur*aas psblfc* as Wm eommem 4a eaetodade, R «Uai a »#*eeassdmfte de saWfe áltirsts, as a***ciec4o da rsapectira aas*

ptSiníHl*iÍ|. 

Escorramos asai qeasu tas pareças eeareaieaU dissr 

S sss*idofart p* - • * acarta das tseoria* ref«*este* à psBasa|sfidirat a tasla aa eira acoita» IWess aa natal ti ia 

■ Uca4a»dite»*--.*.»* t - * ■» » - - - - araaaeeaAauurtaprapfU 

fereaseafa» ttstji», pess alada «atitar csasfdetar aa raatas. aaafa Iaa--------1 uiuml* **s wr Imf aa t—mu  4a ■ ng Isridlea 

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TITULO PRIMEIRO 

INDICAÇÃO DOS SYSTEMAS 

CAPITULO I Vista «geral da

questão 

I — A SUA PHASB ACTUAL 

24.—Ha cerca de quarenta annos, que a importante ques-tão da "responsabilidade civil do Estado" tem sido constante-

mente apreciada e debatida por escriptores eminentes,1

assimcomo, considerada nas decisões dos tribunaes administrativos e judiciários das nações da mais adiantada cultura jurídica, sob 

0 ponto de vista especial das razões e princípios, que devemregular a matéria. 

Entende-se,que a personalidade politica do Estado moderno,livre, constitucional, pode ser considerada, como inteiramentecaracterisadae definida em todas as suas modalidades diversas, 

■ — - .....................................................................■ '■   ■ -- ■ 

1 l Tomamos, para apoio do nosso asserto,— o trabalho publicado porH. A. Zachariro, Ueber die Haftungsvtibindlichkeit cies Staats aus rechts-widrigcn Hanãlimgen und Unterlassungen seiner Beamten, na "Zàtschrifl

 fúr die gesammte Staatsicmenschafi", p. 582-652. — Ttibingen, 1868. 

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com os seus direitos e obrigações ou responsabilidades concer-nentes, desde a sua forma mais simples — de Estado unitario,\ até a sua forma composta, e assas complicada— da Federação:

tudo esta previsto, analysado, e assentado, ao menos, nos do-mínios da tlieoria. Não succede, porém, o mesmo com os factosdiversos, que constituem ou se referem directamente á pessoa jurídica do Estado. 

Entre esses factos, todos sabem, nenhum reclama certa-mente exame mais criterioso, do que o da responsabilidade ãi-\ recta ou indirecta, que deve caber â pessoa jurídica — Estado,pelos actos dos seus representantes, nos diversos casos e cir-cumstancias, em que o alheio direito possa ser lesado.. .2

 

Não basta que o direito civil moderno reconheça o Estadoentre as pessoas jurídicas; é mister saber, é preciso declarar comrazão fundada, quaes são os direitos e obrigações de naturezacivil, que podem ou devem caber ao Estado, encarado sob o seuaspecto particular de pessoa jurídica. 

Está elle sujeito, igualmente, como as pessoas particularesphysicas ou jurídicas, ás regras do direito privado, e obrigado,como estas, a responder perante as jurisdicções ordinárias? Deveser elle considerado fora do alcance do direito privado, pela sua

qualidade essencial de-poderpublico, não obstante a pratica quo-tidiana dos actos e factos, que, por sua natureza e fins, cahemsob a saucção irrecusável daqnelle direito, taes como: as rela-ções de propriedade, dos contractos, das obrigações civis, contra -hidas, activa e passivamente, com os indivíduos particulares ? 

Não é licito desconhecer ou dissimular os grandes e legí-timos interesses de justiça, que estas questões envolvem. E noentanto se pôde até agora affirmar ousadamente, que, a respeito  

2

Advertimos que as omissões do dever, susceptíveis de lesar direitosindividuaes, são consideradas, salvas as restrieções necessárias, como siforamactos positivos, para o fim da responsabilidade civil do Estado. 

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PI

— 93 — 

das mesmas, nada ha ainda de satisfactorio ou definitivamenteassentado, nem na theoria para, nem na pratica das leis e da jurisprudência. 

Devido, talvez, em parte, aos elementos históricos, queentraram na formação politico-jurídica do Estado, —elementosde facto, e razões predominantes de principio, diversas quasi  

I sempre em cada Estado; o certo é, que não se tem podido es-tabelecer até agora um conjunto de regras geraes, que sirvamde normas certas, seguras, & sua acção e relações de caracterpuramente social ou privado, como pessoa jurídica. Entretanto,se torna manifesto que, dada a tendência da legislação actualde collocar a pessoa do Estado, demais a mais, em condições decerta igualdade relativa com as outras pessoas da ordem jurí-

dica,—fora mister definir, desde logo, de maneira explicita,talvez no próprio direito constitucional, os direitos e as respon-sabilidades civis do Estado,— do mesmo modo que se costuma 

| fazel-o, quanto aos seus direitos políticos. Não é preciso dizer,que a simples declaração, que naquelle direito se encontra acercados direitos individnaes, que o Estado se compromette a respei- 

I tar e garantir, não basta para, dahi, inferir-se com segurança,qual seja a capacidade da pessoa  jurídica on civil do Estadonas suas diversas relações. 

25. — Em busca de solução, acceitavel para esta questão, aqual a todo o momento se impõe ã administração e â justiça publica, já se acham, é certo, a caminho nas differentes nações cultas, nãosó, os próprios estadistas, como primeiros interessados, mas juntamente, os homens de sciencia ; tendo começado o movimento,de modo mais accentuado, sobretudo na Allemanha, t e (1'alli, secommunicando sem demora aos demais Estados da Europa. 

No Congresso Jurídico (dem VI Juristentag), reunido naAllemanha em 1867, a questão fora proposta nestes termos : — 

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«Deve o Estado,assim como, respectivamente, o Município, res-ponder, em geral, pelos damnos e prejuízos, que os seus func-cionarios causam a terceiros por violação proposital ou culposa

de seus deveres e, no caso affirmativo, de modo primário, ousomente subsidiário?— «Soll der Staat, beziehungsweise die\ Gemeinde, fiir Scliaden und Nachtheile, wélche die von ihren\ angestellten Beamten durch vorsãtzliche oder Iculpose Verletzunglilier Dienstpflichten einem Dritten zufUgen, uberhaupt hctftenlund, bejahenden Faltes, in erster Reihe unbedingt oder subsi-\ ãiãr ? » 

Sobre a questão apresentaram parecer  Zacharice e  Blunt-schli: o primeiro reportou-se as ideas, já emittidas no seu tra-

balho de 1863 {nota 1 retro); o segundo, collocando-se exclusi-vamente no ponto de vista do direito privado, resumira a suaopinião dizendo: que, em principio, não se pôde admittir a obri-gação de indemnisar por parte do Estado (eine allgemeineErzatzpflicht ães Staates nicht anzunéhmen sei); mas que, istonão obstante, se devia reconhecer excepcionalmente dita obri-gação, na concurrencia de razões especiaes (ausnahmsweise ausbesondern Grunden) ; devendo-se então decidir, segundo o fun-damento jurídico do caso,—si se trata de uma obrigação pri-

maria, ou somente subsidiaria.

8

O relator vonStõsser collocou-seao lado da doutrina sustentada por  Zacharice,* ao passo que Brinz e  Mandry sustentaram que o Congresso devia adoptar asidéas de  Bluntschli. Por proposta, porém, de Gneist, a As-sembléa se manifestou afinal deste modo: — Que, por certo, oEstado (assim como o Município) devia responder pelosdamnos e prejuízos, causados a terceiro pelos seus empregados,com violação proposital ou culposa de seus deveres; mas que, 

8

"Verhandlungen ães VI ãeutschen Jwistentags", I, 45-52. 

4 Em outra parte encontrará o leitor noticia desenvolvida das idéasde Zacharice sobre a matéria. 

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quanto às condições desta responsabilidade, havia a necessidadede discutir, mais uma vez, esta questão em particular, — o quedeveria ter logar no próximo Congresso Jurídico.B 

Em 1869 C. von Kissling apresentara um novo parecersobre a questão, no qual procurou justificar a responsabilidadede Estado e do Município (Qemcinde), apoiando-se, principalmente, em razões de ordem politica (aus rechtspolitisclien Grtin-den). ° E finalmente, em reunião posterior do Congresso (1871),a questão sendo trazida ao debate, o relator Primker  (Jus-tizrath), depois de uma exposição assas detalhada « contra a res  ponsabilidade do Estado, considerado como Governo, pelos actosde seus funceionarios», concluirá opinando, que a alludida responsabilidade do Estado só seria justificável: — a) quando dahiproviesse lucro ao Estado; — b) quando em outros casos o dever,violado pelo funccionario, tivesse fundamento no direito privado, a dizer, quando esse dever se referisse a administração dedinheiros e cousas, incumbentes ao Estado (wenn diese PJlicht die dem Staate obliegenãe Verwaltung von Oelden und Sachenbetreffe)1.  I 

A discussão, havida no ultimo Congresso, não se cingiu àscondições, sob as quaes entendeu o de 1867, que seria admis-sível o principio da responsabilidade do Estado; pelo contrario,

renovou-se a questão de principio, isto ê, si o Estado pode serdeclarado, ou não, responsável, como regra geral; chegando-se, na conclusão dos debates, quasi sem difierença, ao mesmoponto, a que chegara o Congresso de 1867. Em vista do que,propusera Degerikolb, e, ao que parece, com fundamento, que asolução devia ficar, inda uma vez, adiada. O Congresso, porém,adoptara a proposta de Zacharice, exprimindo-se desta forma: 

5  "Verhandlungen" oit., III, 55-80, 823 sg. 6

  "Verhandlungen des XIII Jwvtentaga", I, 388-411. 7  "Verhandlungen des IX Juristentags"', III, 26-63, 340 sg. 

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— «O Congresso Jurídico Aliem ão manifesta a sua persuasão,de que o Estado deve estabelecer na sua legislação, relativa-mente ao damno cansado por seus funccionarios, o principio da

responsabilidade directa do Estado. «Der ãeutsche Juristentagspricht seine Ueberzeugung dahin aus, dass der Staat bei seiner Oesetzgebung in Betreff der Schaãenzufíigung seiner Beamtendas Princip der direkten Haftungsverbindliehlceit des Staats zur Orundlagp zu nehmen habe.»8

 

Este voto do Congresso, por forma tão resumida, não podiasatisfazer evidentemente aos pontos diversos, que se envolviamna questão. Não se podia mesmo dizer, si, em vista delle, a res-ponsabilidade reconhecida do Estado se dava em todos os casos,

ou si a mesma admittia excepções, como, aliás, entendiam ospróprios partidários da responsabilidade : tudo ficou carecendode explicação. .. 

A esse respeito Loening faz ver,9 que  Zacharia), o qual,tanto no seu trabalho especial (nota 1), como em discussão noCongresso, havia sustentado a responsabilidade subsidiaria, nãoadmittindo excepção, senão, em favor do que elle chamava —responsabilidade immediata, isso não obstante, formulara, ellepróprio, a proposta, agora adoptada pelo Congresso, e na qual

se estabeleceu, como regra (zur Grundlage), o principio da obri-gação directa ou primaria do Estado. Epois, continua Loening,si tão sabia corporação jurídica não poude chegar a conclusõesverdadeiramente explicitas sobre a matéria, — também não seriade admirar, que na pratica, quer das leis, quer da jurisprudência,continuassem a reinar, como realmente succedera, a maiorincerteza e contradieções frequentes nos diversos Estados daAllemanha. E, certo, accrescentamos nós, não fora, então, 

8

Ibidem. 9 Edgard Loening, Die Haftwig des Staats aus rechtswidrigen Hand~lungen seiner Beamten. Frankfurt a. m. 1879. 

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mais satisfactoria, a situação jurídica dos outros Estados daEuropa, notadamente, da Itália, França, e Bélgica, sobre tãoimportante questão... #- 

Mas o conhecimento, cada vez mais nítido, da gravidadedo mal, afectando, a um só tempo, a própria vida do direito,publico e privado, não podia também deixar de tornar, de maisa mais, intensiva a convicção dos competentes em toda parte,de que era mister reexaminar e resolver a questão posta em de-bate, — encarando-a por todas as suas faces, — aferindo-a comos bons princípios, e acompanhando-a em todos os seus efeitose consequências, para o fim de chegar á verdade procurada. Ese pôde affirmar que, como resultado de tão legitimo empenho, jáé agora assas valioso, quer pelo numero dos trabalhos, querpela excellencia dos autores,10 o cabedal de saber e erudição,consistente em obras especiaes, ou mesmo, em tratados geraesdo direito,—com cujo emprego se tem procurado bem elucidare decidir, nos diversos Estados (sobretudo na Allemanha, Itáliae França), o problema, realmente complexo e difficilimo, daresponsabilidade civil da pessoa jurídica — Estado. 

25.—Não nos é licito adiantar  juizo a esse respeito; quandomuito, se poderia dizer que, até ao presente, a doutrina, que

tem conseguido maior entrada na litteratura jurídica e na ju-risprudência de vários Estados, ê, a de que cumpre guardaruma distincção constante entre os actos de governo ou de sobe-rania (jv/re imperii) e os actos, meramente administrativos oude gestão (jure gestionis), como regra fundamental da matéria;doutrina, contra a qual se começa, entretanto, a duvidar, por 

10 Para evitar repetições escusadas, não faremos desde logo uma re-senha dos autores prinoipaes, que têm estudado a questão, de que nos

occupâmos ; attenderemos, porém, a este dever, ao tratar dos systemas par-tictãare.", que se apresentam na arena da controvérsia. 

R. c. 

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não offerecêr, na pratica, critério bastante para a solução com-pleta do magno problema. 

De um lado, falta um ponto de partida seguro para marear 

a distincção recommendada, e dahi a divergência, a contradic-ção, as vezes flagrante, qne se da na classificação e apreciaçãodos respectivos factos; de outro lado, também se carece ainda dedisposição geral do direito positivo, que, definindo os caracteresda distincção referida, offereça á Administração e á Justiça ospontos de apoio, necessários aos considerandos ou fundamentosdas suas decisões. 

Além disto, seria de ajuntar, que ha Estados, nos quaes airresponsabilidade é ainda a regra predominante; assim como

outros ha, em que se tem admittido, ao menos em principio, quea regra opposta deve ser adoptada, como lei positiva. Onde estará a razão jurídica ?... Examinaremos depois. 

Mas, si não é de boa razão, procurar a verdade das cousasnos seus extremos, deve, com certeza, nesta, como em outrasquestões, haver um meio termo preferível. O que não duvida-ríamos objectar desde já, é: que seja de melhor aviso,—deixartudo ao arbítrio da jurisprudência somente.Não; o direito posi-tivo deve traçar as suas regras sobre a matéria, pelo menos, de

maneira geral. 

26 a. — Juntamente com o exame da responsabilidadecivil do Estado pelos actos de seus representantes concorre umaoutra questão especial, que não devemos omittir: é a da acção eindependência mutua dos poderes públicos, na apreciação e co-nhecimento dos respectivos actos. 

Cada poder tem uma esphera própria de acção, por assimdizer,  privilegiada, desde que não ultrapassa os limites delia ;sem o que, não seria licito fallar de  poder independente, nem,tão pouco, poderiam coexistir e agir de modo harmónico, comoaliás convém a poderes, sabidamente coordenados em vista do 

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interesse publico. O exame desta parte especial da questãolevaria à necessidade de bem definir ou delimitar os actos de go-verno, propriamente taes, dos actos de pura gestão administra-

tiva, e bem assim, os actos discricionários da administraçãopublica, dos não-ãiscricionarios; afim de que a intervenção da  justiça, em favor dos direitos individuaes, podesse sempre serlegitimamente exercida, mas, ao mesmo tempo, sem crear em-baraço serio aos misteres do publico serviço... 

Já existe, sem duvida, muita discussão luminosa, muitoensinamento proveitoso, acerca destes assumptos. Mas, é for-çoso dizer, — uma theoria geral, uniformemente observada,como regra de direito, revestida do caracter de universalidadeque converia ter, — é. certamente cousa, de que se continua acarecer na pratica do direito. Ao legislador constitucional,mais do que a outro qualquer, parece-nos, deveria caber a rea-lisação desta importante tarefa. Só assim, de um lado, a Admi-nistração Publica (lato sensu) poderá agir, livre de tropeços, nasua missão tutelar dos direitos e interesses geraes do Estado eda nação; e de outro lado, os indivíduos particularese as as-sociações privadas se considerarão, efiectivamente garantidoscontra os excessos ou violências da autoridade ou funccionariopublico, que venham, por ventura, lesai-os na sua liberdade, na

sua propriedade, ou n'outros direitos, que lhes pertençam.10a

 

II. — OS SYSTBMAS PRINCIPABS 

27. — Semelhantemente ao que se dâ com a pessoa jurí-dica do direito privado, a pessoa jurídica do direito publico, seja o Estado, seja a Província, seja o Município (ou outra ins- ------------------------------- . —

10* Sobro a matéria da intervenção judiciaria, para conhecer dos actosdo Govnrno ou Administração Publica, se dirá, encarada a matéria sob o

ponto de vista da legislação pátria, no Titulo Terceiro, parte final destetrabalho. 

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tituição publica revestida de personalidade jurídica11) podecausar damno aos indivíduos ou ãs pessoas jurídicas particula-res, já por deliberações dos seus órgãos, ou representantes im-

mediatos do poder publico, ja era consequência de actos dosseus representantes mediatos, a dizer, os funccionarios, agentes,empregados, ou propostos do publico serviço. 

O presente trabalho só se refere á responsabilidade pordamnos, imputável á pessoa jurídica— Estado.12

 

Estado é um grupo numeroso de indivíduos, existentes emdado território, unidos por instituições, e debaixo da autoridadede um mesmo soberano. Encarado na sua forma concreta, elleapresenta-nos: de um lado,—umconjuncto de poderes públicos,

cujos órgãos ou representantes immediatos exprimem a vontade,deliberações e ordens do Estado, e um certo numero de indiví-duos, que, como representantes mediatos, ou subordinados dosprimeiros, applicam e executam as deliberações ou ordens refe-ridas; de outro lado, — uma communhão de indivíduos parti-culares, a collectividade social ou a nação inteira, á qual inte-ressa, de modo directo, essencial e positivo, a acção dos poderespúblicos;— constituindo ella e estes os verdadeiros elementos,todos os elementos, do próprio Estado. Ou dizendo em termos

mais precisos: os diversos elementos da multidão, povo ou nação,uma vez organizados, unificados e dirigidos conforme aos prin-cípios do direito, são o que constitue o ente ou a pessoa politico- 

11 NoBrazil não ó de regra revestir, de personalidade jurídica distinctaJaos diversos estabelecimentos ou institutos públicos. Quando se trata defactos que interessam as relações jurídicas dos mesmos, são elles considerados partes integrantes do Estado, província ou município, á que pertencem, e como taes, representados por estas ultimas pessoas jurídicas, activae passivamente. 

12 Não é preciso dizer, que, princípios, senão idênticos, certamente,

análogos, devem regular a responsabilidade das outras pessoas do direitopublico, como a província ou o município, guardadas as modificações ourestricçOes das leis peculiares à cada uma delias. 

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 juridica, chamada Estado. Mas, como este, muito embora su~ jeitoreal de direitos, não tem uma personalidade physica, como ohomem,— precisa necessariamente de órgãos ou representantes, os

quaes manifestem a sua vontade e a sua acção nas múltiplasrelações, activas e passivas, da sua existência.13 Donde, não seriapreciso declarar, que, tratando-se da responsabilidade civil doEstado, o que realmente importa ter em attenção, é o exame dosactos dos differentes representantes do mesmo. 

13 Em nosso entender, supposta a razão de distinguir entre órgãos e funccionarios, seria adoptavel o seguinte critério: — Órgãos do Estado,são os indivíduos ou corpos collectivos, que, não tendo superior hierar-chico, os actos dos mesmos, praticados dentro da própria competência, não

podem ser revistos por nenhum outro, visto serem elles os  primeiros ouimmeãiatos representantes do poder e soberania do Estado. Taes são: oCongresso Legislativo, o Chefe de Estado (Rei ou Presidente de Republica)e o Supremo Tribunal de Justiça, dos paizes om que, como o Brazil, o PoderJudiciário é igualmente considerado independente, como um dos poderespolíticos da Nação. Todos os demais representantes do Estado, ou melhordizendo, dos poderes públicos,—por menor ou maior que seja a esphera desuas faculdades ou attribuições, são representantes mediatos, isto é,funccionarios ou empregados públicos; tendo respectivamente cada um delles, ou a corporação respectiva, um superior hierarchico, cujas ordens einstracções devem guardar, e fazer guardar, como nellas se declara. 

Esta divisão nos parece acceitavel em geral, e pelo que diz respeitoao Brazil, se pôde dizer que ella decorre da própria Constituição Federal, a

qual, declarando expressamente, quaes são os órgãos da soberanii nacional,teve, sem duvida, em mente a representação delia em concreto, isto é, quizsignificar, pelas palavras empregadas,— quaes eram os representantes im-meãiatos do Estado. 

Outros estendem o qualificativo de «órgãos*, não só, aos represen-tantes immeãiatos do Estado, mas também, aos funccionarios que tem o di-reito de deliberar, despachar ou ordenar, por disposições da lei, a dizer: osministros de Estado e os directores geraes dos diversos ramos do serviçopublico. Mas, feita muito embora a distincção entre órgãos e funccionarios;fique desde jã advertido, que os últimos não são simples instrumentos dosprimeiros -, pelo contrario, sob o ponto de vista jurídico, são igualmenterepresentantes do Estado, ainda que de competência muito mais limitada,

e como taes, capazes de obrigar civilmente o Estado pelas consequênciaslesivas dos seus actos. 

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Com effeito: 

1) O Legislador (poder legislativo) pode, sciente ou ios-cientemente, adoptar resoluções que violem direitos individua**

adquiridos, ou de cuja execução resulte lesão á liberdade ou pro-priedade, garantidas pelo direito fundamental da nação.

2) O Governo M pode expedir decreto?, proferir decisões edespachos, ordenar a execução de obras, a instailaçfto de ser-viços, ou empregar medidas de saúde ou de segurança publica,que acarretem damnos inevitáveis As pessoas ou aos haveres dosparticulares;

3)0 Juiz ou tribunal de justiça, por culpa ou por simpleserro de officio, pode ordenar medidas ou proferir sentenças con-

tra a verdade dos factos e o direito expresso, consegnintemente,lesivas dos direitos das partes; 

4) A Administração Publica, finalmente, u a dizer, os váriosfunccionarios administrativos do Estado podem, no exer- 

u A palavra— Gotmnm, diz Bréraoud. designa, as Vfies, • eenjunctodo* podem* publico»; ò neete sentido que ss dl* governo paria nwttar,governo menarchicj ou republicano, «Is. Noutra acepção de uao correntena linguagem politica, «lia designa o poder sx«cutivo por opposle&o aopoder legislativo, o ao judiciário, ajustamos nos; ostras vexes, a palavra

Gorem», éeaigaa o poder central por ospotlcao as admlnUtraçoe* tosses<  <t* drt.it puhtiqt*, t. V, p. 80).— B' as safando desta* socopçOss que ora s empregamos, querendo sáçuHlflsx ••* pedal m«n te: ss aetos dopoder oseeottvo ass asas relações com ss ostros poderes, nas asas rela-ções is ordem internacional, aas medidas és segurança interna o externa,nu exercido de soas ai tr»b«Jçiko de nomear e jastitatr ss funoelosarles, dsasar do direito do graça, de teor a guerra o ajustar a paz* e és ordenaroutros actos asm ■! bentas de poder supremo. 

• A aoMsis—  1». é também empregue* com eeoseçse* diffei ates. Marias vexe* ê tomada por syaoaimo do O—m»; ass, em

 jemj ssasjdo mais costumas, se saSeode por sUs a asfte snajuncfi das fisse»skmsHos oa da* i*psx*ç*ss fssftmm fSS saassum ss mmratss, regale*

msaSas SJII las. ■ art m do ITr nas B" s>e*ta asseaste» uao era asm-  t*m>m. Imposta, porem, aio ooaUtir, soe, em ama sígatltoçêo mais M -iimm. aasmirs i à m i i i t ajas leni clHs am mriisatsra ■ rVn-p 

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cicio das próprias attribuições, ou no excesso delias, praticaractos e factos, que causem damnos aos terceiros, com ou semculpa por parte dos respectivos agentes. 

Ora, em qualquer das hypotheses*figuradas, é de necessidade evidente, considerar a natureza e condições dos actos arguidos, afim de que se possa conhecer e decidir, segundo o direitoe a justiça, si o Estado deve, ou não, responder pela satisfaçãodos damnos resultantes; e no caso affirmativo, si de modo exclusivo, principal, solidário, ou si, tão somente, de modo par*ciai, subsidiário.  I 

— Se podem reduzir a três os systemas principaes, atéagora, aventados na discussão e solução do problema. 

1) Uns entendem que o Estado, ente abstracto, e como tal,incapaz de fazer o mal, e além disto, sendo instituído com umcaracter superior, em vista do interesse publico, não deve sersujeito âs mesmas obrigações extracontractuaes, que se encon-tram no direito commura, é certo, mas, expressamente consa-gradas para regular as mutuas relações dos indivíduos parti-culares, e não as destes para com o Estado, ou inversamente.

2) Collocando-se em posição, diametralmente opposta, pre-tendem outros, que a responsabilidade do Estado, juridicamenteconsiderada, deve ser idêntica á das pessoas do direito privado.

3) Offerece-se, finalmente, entre os dous extremos indica-dos, um terceiro systema, que se pode chamar de systema mixto,e segundo o qual, os actos dos poderes públicos ou represen-tantes do Estado, ora devem acarretar, ora não, a responsabi-

---------------------------------------------------------------------------------------------------:----------------------------------------------------------------------------- ■-------------------------------------  

Ipor exemplo, como opposta â palavra—gestão: comprehendendo-se naquellaos actos do poder publico (puissance publique) propriamente, e nesta osactos ou fúncções de caracter patrimonial. Nos Estados, em que o Judiciárionão é reputado um poder publico distincto, igualmente soberano, a  Admi-nistração é considerada ainda, como um dos dous ramos, em que se divide opoder executivo, em contraposição à Autoridade Judiciaria. — Vide: Bro-mou d, loc. cit., p. 30 e 37. 

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lidade do mesmo,—conforme uma classificação, toda especial, âque os actos damnificantes devem, antes de tudo, ser submet-tidos.16

 

Mais adiante teremos occa&ião de ver, que os systemas áque vimos de alludir, são capazes de sub-distincções, e que den-tro dos mesmos se apresentam divergências, nem sempre sus-ceptíveis de conciliação, entre os seus próprios partidários. 

— A' estas breves indicações, cumpre ajuntar um escla-recimento. Talvez pareça menos correcto, termos incluído ospróprios actos do  Legislador, do Governo, e do  Juiz, entre ossusceptíveis de causar ãamno, reparavel pelo Estado, quandooutros ensinam, que taes entidades, tomadas no seu caracter de

 poderes públicos, —ou não respondem absolutamente pelos seusactos, ou só o fazem em casos especialíssimos, como suc-cede,por exemplo, no caso da accusação do Presidente da Republica17... 

Não ha duvida, que o Poder Legislativo, quando declara alei, o Executivo, quando ordena a sua execução, e o Judiciário,quando a applica aos casos sujeitos, praticam, todos elles, actossoberanos, theoricamente irresponsáveis, talvez...18 Mas, duasconsiderações occorrem no momento: primeira, que a irres-

 ponsabilidade, mesmo, a do Poder Legislativo, nem sempre im-portará á do Estado, desde que, do acto desse poder, resultarefectivamente uma lesão do direito privado; segunda, que, es-crevendo nós no Brazil e para o Brazil, —não devíamos esque-cer que a doutrina da infalibilidade do Estado, ou, o que é omesmo, da irresponsabilidade dos seus órgãos ou poderes públicos,  jamais foi admittida na jurisprudência pátria; e não faltando,alias, hoje quem a combata de modo geral, como sendo uma  

16

Vide: P. Mazzooi, Imt. di dir- civ. italiano, t. IV, p. 149, nota.

11

 Const. Ped., art. 53-54; Leis, ns. 27 e 28 de 7 e 8 Janeiro de 1892. 18 Laferrióre, La Jurisdictwn Aãministrative, t. II, p. 12 sg., 184 sg. 

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these feuda}, conseguintemente, sem mais razão de ser aos olhosdo direito moderno.10

 

I Não precisaríamos lembrar que, segundo os princípios de

direito publico, hoje adoptados em vários Estados, a própria lei,a mais elevada expressão da vontade soberana do Estado, podeser atacada na sua própria validade; e uma vez procedente aarguição, ella pode vir â ser com certeza a causa de um damno,reparavel pelo Estado.20

 

10 Vide: Laferriére, loc. cit.,p. 184 -185, nota. 20  No Titulo Terceirose dirá, com particularidade, sobre este ponto. 

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CAPITULO II Theoria da

irresponsabilidade 

28.— Partindo da segunda metade do século passado, umdos primeiros escriptores, que procurou sustentar com argu-mentos diversos a theoria da irresponsabilidade geral do Estado,foi Richelmann, afíirmando, segundo o seu ponto de vistaparticular, as seguintes proposições: 21

 

1) Quando o Estado exige a obediência de seus súbditos,não o faz para fins próprios, mas, justamente, para o bem dosmesmos; logo de semelhante acto não lhe pode vir responsabi-lidade alguma ulterior. I 2) Não é justificável a ficção, de que os funccionarios admi-nistrativos sejam órgãos immediatos do Estado (Staatsgewalt) eque, em consequência, os actos dos mesmos devam ser tidos,como actos do Estado. Este só é representado pelo chefe dogoverno (den Regenten). Os funccionarios são meros servidores

do Estado (Diener des Staats), e porisso os seus actos só são deconsiderar actos do Estado, quando o Estado os tiver ordenadoou reconhecido, como taes. 

3) As relações jurídicas do mandato não podem ser, poranalogia, applicaveis aos servidores do. Estado, como se tempretendido. 22

 

21  "Magazin fiir hannoverisches Recht" (1852), t. II, p. 343 sg. 22 Neste ponto Richelmann seguira a opinião, já conhecida, de Gõnner

(Der Staatsdienst aus ãem Gesichtsjmnhte des Rechts und der National Oeko-nomie, 1808), e de Heffter (Beitràge zum ãeutscJien Staats-und Furstenrecht,1829). 

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— 107 — 

4) Também não procede a opinião, de que o Estado deveresponder pela culpa na escolha do fnnccionario, porque, nãoexistindo nenhum dever jurídico do Estado quanto â nomeação

de funccionarios capazes, fallece a razão de responsabilidadedo Estado, dada, porventura, a hypothese de ter havido menoscuidado a esse respeito. A escolha ou nomeação pertence, geralmente, ao funccionario supremo do Estado, isto é, ao Chefe doGoverno ; e pois, si culpa houver na nomeação, por ella deveresponder o nomeante, e não o Estado, a quem não pode caberresponsabilidade, pela negligencia ou infracção do dever porparte do funccionario.  I 

— Referindo-se ao caso particular da perda de depósitosconfiados á autoridade judiciaria, Richelmann era igualmentede parecer, que ao Estado não incumbia a obrigação de inde-mnisal-os: já porque o deposito judicial, obrigatório, não eramatéria de direito privado; já porque, não havendo declaraçãoexpressa de garantia assumida pelo Estado, não se podia lançarà sua conta nenhuma obrigação jurídica. Entendia, porém, que,na questão de responsabilidade, não era licito distinguir entreos funccionarios da Administração e os da Justiça, visto comoambos agem, como órgãos do Estado, o qual, aliás, tão poucopodia impedir os damnos de uns, como os de outros. 

Finalmente, Richelmann, resumindo o seu pensamento namatéria, dizia: que Estado, sendo simples pessoa moral, nãopodia jamais estar em culpa, e conseguintemeute, não lhe podiacaber a obrigação de indemnisar os damnos dos seus funcciona-rios em caso algum.28

 

33 No que respeita ás opiniões sustentadas por autores alleniaes, con-virá, de preferencia, attender as informações constantes dos trabalhos, atéagora tidos, como mais valiosos a esse respeito, taes são:—H. A. Zachariee,Uéber die Haftungsverbmdlichkeit des Staats, ("Zciteckrift fiir die ge-

sammte Staatsioissenscliaft", 1863);— B. Loening, Die Maftung des Staats,(Frankfurt o. *». 1879); — Robert Piloty, Die Haftung des Staats fiir  

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28 a.—Outro autor alleraão, e este, em data muito maisrecente, o notável Bluntschli, se manifestara também contra aobrigação geral do Estado ou Município, de indemnisar os

damnos causados a terceiros por actos culposos dos sens func-cionarios ; ainda que não deixasse de reconhecer, ao mesmotempo, a possibilidade de ser prestada semelhante indemnisa-ção, em alguns casos excepcionaes. Em trabalho especial, queteve de apresentar acerca do assumpto, Bluntschli estabeleceracertas proposições principaes, já relativas aos casos de culpaincumbente ao Estado, já relativas á irresponsabilidade domesmo, declarando-a acceitavel, ao menos, em principio ; taescomo: 2* 

1)  A obrigação de indemnisar tira, em regra, a sua razão deuma culpa; ainda que, por excepção, possa ella tambémresultar,— ou de   fundamentos especiaes, tal por exemplo, docompromisso contractual de prestar indemnisação, ou mesmo danatureza particular de dado negocio.

2)  Da escolha do funccionario só pôde caber culpa ao Es-tado, quaudo a pessoa nomeada fôr, sabidamente, indigna ou in-capaz. Semelhante'culpa não pôde ser absolutamente derivadado caracter representativo, que tem o funccionario em relação ao

Estado : — Estado e funccionario são sujeitos differentes, e poristo, a culpa do funccionario não é culpa do Estado. ..3)  Um fundamento particular de obrigação existe, sim,

quanto aos depósitos judiciaes e sequestros ou apprehensões,ordenados pela autoridade publica (bei der gwangsweisen Be-schlagnahme vonSachen); e bem assim, quanto aos negócios da

rcchtsirídrige Sanãlungen und Unterlassungen der Beamten bei AusiibungStaatslicJier Hoheitsrechte — ( "Annalen des Deutsehen Beichs", 1888); e

"Verhandlungen des deutsehen Juristentags':', VI, VIII, IX. 24 " G-utacliten in den Verhandlungen des seclisten deutsehen Juristen-tags", t. I, p. 45 sg. 

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esphera do direito privado, que o Estado exercitar por meio deestabelecimentos seus. A analogia das disposições deste direitoJacerca da responsabilidade do dono pelo preposto (ães dominus fiir 

dm institor) tem todo cabimento em taes casos; porque, aquicomo alli, se da uma relação idêntica de cousas e de confiança.4) Quando, porém, o funccionario exerce funcções do direitopublico, e nellas causa damno,— a responsabilidade pro-veniente ô toda delle, e não do Estado. Do seu caracter re- presentativo, insiste o autor, não pôde resultar a obrigação doEstado. O caracter representativo do cargo não altera, por formaalguma, o principio fundamental do direito: "que si alguémcommetter um delicto, — seja delle  pessoalmente responsável oseu autor, e não nenhum outro por elle, ou conjunctamente comelle. e nem tão pouco, a pessoa, que elle representa." 2r> 

29.— Fora da Allemanlia, o nome que devemos primeiromencionar, como susteutador da irresponsabilidade do Estado, 

35 BlutitsohU, loc. oit.— Cf. Piloty. ob. cit., p. 257; Lceninír, ob. cit.,|p . 108, etc.— Ríinne (Staatsrecht der Prensa. Monarchie, t. IH, p. 583 sg.,4a ediç.): < Der Staat ais solcher wird durch tmerlaubte Handlungen, welchedie mit Megierwigsgeiealt bcauftragten Beantten bei AnsUbung ihres Amtes be-géhét, NIEMALS YEUUUNDEN;   Derni er ist in dieser (íe-talt einem Unterthan

gegeniilier gar nickt fãhig, cine Yerbindliehkàt auf sich tu nehmen; er kanniib 'rali nicht subjekt vou Privatrechten oder Verbindlichkeit sein »; — Wohl  ISt/stem der Prãventivjmtiz oder Rechtspolizei, p. 555, 2a ediç. 1845): <Ao Estado n&o pode caber culpa, porque elle n&o dá autorisação parafazer actos oa omissões illcgaos, pelas quaes elle próprio é. aliás, preju-dicado, material o moralmente.» No ponto de vista deste ultimo autor,seria uma injustiça, —- exigir dos contribuintes do imposto a somma precisapara indemnizar damnos, que cada um deve snpportar, como sequencianecessária dos actos do Estado. — L. von Stein [Lehre von der voUzte-henler Gciralt, p. 369, 2* edlç., 1869): * E* ist nicht einzusehen, leesJialbder Staat die Haftung fiir die Handlungen seiner Beamten ubemchmen sólle,welche er nicht  nur nicht befohlen oder veranlasst, sondem welche er direct 

verboten und strafbar erklãrt hat ».— Cf: Leoning, ob. cit., p. 3, nota, e p.108 »<s; Piloty, ob oit., p. 257 - 58; Gierke, ob. cit., p. 794 e nota. 

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(em principio, bem entendido), é o do illastre professor Gabba,o qual accentúa o seu pensamento por considerações diversas, eque se podem resumir nas seguintes : 

«II funzionario, o agisca fuori de'limiti de'suoi poteri, osenza le forme legali imposte alia sua azione, o abusi di questa,non obliga col suo fatto lo Stato, perche nol representa. 

« O s'invoca il principio dei mandato, e lo Stato é proscioltodall'art. 1752 (Cod. civ. ital.), perocchè il mandante non è ob-bligato per l'eccesso dei mandato. O s'invoca -il principio deiquasi-delitto, e si risponde che tra lo Stato e il funzionario nonpuò supporsi quella distinzione di persone che 1'art. 1153 sup-pone tra committente e commesso', essendochè non vi sono vera-mente due persone, ma una sola, quella dei funzionario che permandato necessário e per una funzione sociale agisce per l'in-

teresse comune. 

« Aggiungasi che non v'è neppure una vera distinzione tradanneggiante e danneggiato, perche lo Stato é la espressionedelia vi ta collettiva, deli interesse di tutti, onde richiamarsi alui, tanto vorrebbe quanto cbe i cittadini reclamassero a sestessi. Politicamente poi la responsabilitâ dello Stato sarebbeprincipio dannosissimo, perocchè renderebbe 261'azione sua lentae imbarazzata, e i funzionari stessi, per tema, titubanti e ino-perosi.» a7 * 

26 Lozzi,   Delia responsabilitâ civile dello Stato pe fatti colposi e de-

littuosi de'suoi rappresentanti ed ufficiali (Rivista Penale, t. XI) diz: "LoStato non risponde mai civilmente, ossia in veruna guisa, delle malefatte o de1

reati di qualsiasi genere ãesuoi offiziali, vuoi civili, vuoi mUitari, dei quali  \si serve per Vesercizio delia sua autoritá; altrimenti esso esercizio, anche neicosi piú urgenti, nei quali vige sempre ilprecetto delgius latino: SALUS PUBLICA SUPREMA LEX ESTO, rimarrébbe grandemente intralciato; e il numero delle causedi liquidazioni di danni, attesa la tenãenza e corrivitá à promuoverle, sarebbeinfinito, ed enormi le spese, le quali in fine deconti ricaãendo su tutta la societâverrebbero adaggravare la condizione di tutti gli associati». 

27 Gabba, Questioni di diritto civile (ibi): "Delia responsabilitâ delloStato per danno datto ingiustamente aiprivati dai publici funzionari", p. 109sg., e 155 seg. Torino, 1885, 2* ed.—Cf. Meuooi,   Inst.di diritto amminia-

trativb, p. 252-53. * As transcripções, mais ou menos longas, que fazemos, obedecem a este

propósito: facilitar ao leitor o julgar desde logo, por si mesmo, das 

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111 — 

Entretanto, no entender do próprio Gabba, não são de in-cluir na sua these, alem dos casos que se apoiam em obrigaçãocontractual, os seguintes: a) quando a responsabilidade é pro-

veniente de emprezas privadas, exercitadas pelo Estado, comovias férreas, correios, telegraphos, transportes; 6) quando aresponsabilidade é por damnos, occasionados no interesse deuma propriedade do Estado; c) quando a responsabilidade é porfuncções relativas â missão aceessoria, e não, natural do Estado. 

Alem disto, ao principio geral da irresponsabilidade, elleajuntara logo uma declaração e duas excepções, como bemobserva Meneei: a declaração é, que a questão se restringe afactos injustos e illicitos, e, não áquelles factos, que apezar de justos e licitos, possam dar logar, não, & uma indemnização pro-priamente dita, mas á uma compensação ; e as duas excepçõessão estas : uma, relativa aos funecionarios directos (instrumen-tos, não órgãos), que agem sob a vigilância immediata e direcçãodo Governo ou autoridade suprema, taes como — a milicia, asguardas aduaneiras e florestaes e semelhantes; a outra, con-cernente á "gestão interna de officio" dos interesses privadosdos cidadãos, confiados às administrações publicas, taes como— desvios de renda inscripta, depósitos aduaneiros de merca-dorias, depósitos de valores, etc., etc. 28

 

Justificando estas duas excepções, diz o professor Gabba:quanto â primeira, isto é, relativa aos agentes militares e se-melhantes, — a responsabilidade do Estado procede, por nãoserem elles, verdadeiramente funecionarios, ou o serem de umcaracter excepcional; dependem tão immediatamente da auto-ridade governativa, que não são mais, do que o braço e instru- 

opiniões ou conceitos do respectivo autor, — corrigindo, desta sorte, qual-quer desvio de interpretação, eommottido da nossa parte. 

88

Ibidem. — Of. Giorgi, ob. clt., t. Ill, p. 170 sg.; Idem, Teoria delk Obbligazioni, t. V, n. 389 a (5» ed. 1900). 

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— 112*- 

mento delia, e, portanto, em tudo, comparáveis aos prepostos oucreados... ; quanto á segunda, procede igualmente, porque osactos relativos á gestão interna de officio não são propriamente do

funccionario, mas do próprio cargo, o qual tem a sua respon-sabilidade no Estado; não havendo então, como talvez pareça,duas pessoas, a do Estado e a do funccionario, mas tão somentea pessoa do Estado ; o funccionario fica ignorado do publico oudesapparece aos olhos dos terceiros.29

 

Ádmittida, porém, muito embora, a possibilidade de casos,em que o Estado deva responder pelos actos lesivos de seus re-presentantes, Gabba declara, todavia, terminantemente : que a«irresponsabilidade é a regra, e a responsabilidade a excepção »,

— proposição que, ainda em recente trabalho, elle reaffirmarapor este modo:   Ho detto pacifica tesi quella delV irresponsa-bilitâ dello Stato pei malefatti dei funzionari adetti alV eserciziodelia púbblica missione sua, e stimo supérfluo citare responsi discrittori e di tribunàli per convalidare codesta asserzione. Ed io,che, come tutti sanno i giuristi italiani, fui deipiú operosi nellostudio di questo argomento, mi sono adoperato bensi a sostencrein taluni casi la responsabilitá dello Stato per malefatti dei suoi funzionari, MA SONO SEMPRE FEDELE ALIA MIA TESI FONDAMENTALE

: "ZÍÍ non responsabilitá è la regola, e la responsabilitá é Veccesione" (Quistioni di diritto civile, 2a ediz. Torino, 1885, p.110 seg.; e Foro Italiano, 1881, I, 932).80

 

29 a.— Ao lado de Gabba, é de razão collocar  Mantellini,cujas idéas sobre a responsabilidade civil do Estado propendem,.—.--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- ■ --------------------------------------— 

29 Vide: Meneei, loc. cit.; P. Mazzoni, loc. oit.; Giorgi, loes. cits.E' de ajuntar que, com relação aos damnos resultantes de actos de guerra,Gabba só admitte a obrigação do Estado, quando causados " in flagranza dicombattitnento nella vera e própria imminenza di im attaco dei nemico". 

— Apnd Lomonaco, DeUe Obbligazioni,t. I, p. 290. 

ao Gabba, Quistioni di diritto civile, t. II: "Diritto JEreditario e Di-ritto deite Obbligazioni", p. 274-75. —Torino, 1898. 

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'-%. -* 113 ^- 

senão, para excluil-a totalmente, ao menos, para não admittil-a,como regra geral. Eis aqui, como este segundo autor se exprime:« Lo Stato non puo prestare V autoritâ sua contro la sua própria

autoritâ; soggiacere alia própria giurisáizione per gli atti dei próprio impero, prestare forza cólV impero a quanto si fosse giu-dicato contra V impero ».81— E", como se vê, o predomínio davelha concepção dos regalistas... 

• Depois, referindo-se ao fim do Estado, accentúa : «11 finedello Stato è la tutela dei diritto, è il henessre soeiale, non quelloãi assicurare gli associati da ogni danno, che possa venw loro dal fattopróprio... Sia che lo Stato si assetti nel suo território, fondile sueistituzioni, le reformi, o che sovlga ipropri organi,... é 

 paragonato aifiumi\ che a chi danno ed a chi tolgano: "qui cen-sitorum vice funguntur ".82 

E para explicar talvez melhor o seu pensamento, acere-scentara: « O funecionario, que, nem para o Estado, nem parasi, contrahe obrigação resultante da funeção em si mesma, pôde,não obstante, contrahil-a, e a contrahe para si, si no exercícioda funeção excede os limites desta, viola a lei, e se torna autorde dolo ou culpa com alheio damno (si renda ãébitore di dolo odi culpa inaltrui danno). Mas, desde que elle ultrapassa a sua funeção, não compromette o Estado, o qual não lhe commetteu,

senão, aquella funeção (Ma se ecce e fourvia dália funzione noncompromette lo Stato che non gli commesse senon quella funzione);se viola a lei ou o regulamento, o acto é do funecionario, e nãodo Estado, o qual o incumbio de agir prudentemente e conformeã lei e o regulamento.88 —Verso lo Stato... non puó trovare ec-cezione la regola: MEMO EX FACTO ALIENO TENETUR : IBI ESSE 

8t Mantellini, Lo Stato ed il Códice Civile, 1.1, p. 13. — Firenze, 1883. 32Loo. cit., p. 60.—Cf. P. Palazzo, Teoria delia responsabilitá civile dello

Stato, p. 33-34. — Palermo, 1889. 88Mantellini, ob. cit., p. 135. 

8 R. c. 

■ 

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'=♦ 114 ^~ 

PCENAM, UB1 ET NOXIA: PECCATA 8008 TBNEANT AOCTORES (Dig.{  í. U, tU. XIV, 27 § £ ; Coã. I. IX, Ht. 47,22). u

 

« Os empregados, continua Mantellini, quer civis, quer mJHlitares, são todos servidores (servitori) do Estado no sentido deque, no serviço que prestam, tem menos direitos a exercitar, quedeveres a cumprir. Todos devem desempenharas suas func-çõessem culpas nem excessos, e nos limites estabelecidos; se deixamde assim fazel-o, são obrigados a prestar rigorosa conta aAdministração, ao publico, ou ao terceiro, com quem ou porquem tenham tido de tratar. 

- Contra o terceiro, que se queixa ser lesado em seu direitocivil, pode o empregado apresentar uma escusa tirada das cir-cumstancias do cargo, ou oppôr uma excepção à causa, que lhetenha sido proposta. Mas o individuo lesado não poderá preten-der a responsabilidade civil da Administração, sem mostrar dire-ctamente, que o fundamento desta assenta na própria relaçãoinstitucional, no acto politico da nomeação e na attribuição defi-nida por lei... O lesado recorre em vão ás regras do mandato, asquaes de nenhum modo se podem applicar a quem é nomeadopara um cargo, isto é, a quem é designado para certas funcçõesestatuídas em lei. O mandatário, cujas faculdades são conhe-

cidas, não é obrigado á nenhuma garantia por aquillo que pra-tique alem dos limites do mandato; nem o mandante, tão pouco,fica obrigado por aquillo que o mandatário faça, fora ou alemdo mandato.... A responsabilidade não poderia estender-se aoquasi-delicto; nem tão pouco, é licito recorrer aos princípios daacção institoria para supprir a deficiência do mandato. Si oempregado age nos limites da sua fmicção, obriga o Estado, tor-nando-se o acto do empregado, acto do próprio Estado; vistoaquelle tel-o praticado, em representação, nome e conta do Es-

tado, que, para isto, o havia expressamente delegado (cl\e aciò 

»« Loo. oit., p. 148. 

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— 115 — 

lo ha delegato espressamente). Mas, fora ou alem disto, ou quandonão guardados os limites postos, tudo quanto o empregado fizer,não pode obrigar o Estado, nem pelo acto em si mesmo, nem

pelas suas consequências; porquanto o empregado deixara derepresentar o Estado, do qual certamente não recebera delega-ção para agir com abuso do seu nome, e de modo a obrigal-o(déllo Stato gh vien meno la delegazione ad agire per lui, a spen-derne il nome, a obrigarlo).85

 

Em outra parte, ainda insistira o citado autor: * La equitáverso il ãanneggiato deve colpire il danneggiatore, non lo Stato,non il sacro erário, non cioé, la massa dei contribuenti, che in fondo sono loro che pagono sema averci nulla ehe fare.»36

 

De resto, não devemos omittirque Mantellini, talvez, semguardar muita coherencia com a generalidade dos seus pró-prios princípios, admitte igualmente a responsabilidade do Es-tado, relativa aos actos de direito privado, a dizer, quando ellese apresenta, como proprietário, ou parte em algum contractoou litigio (quando lo Stato possegga, contratti, o litighi) • se-guindo, a esse respeito, a distincção systematica, entre os actosde governo e os actos de gestão, matéria, de que também se diráem capitulo posterior.37

 

29 b.— Saredo é também contrario ao principio de umaresponsabilidade geral do Estado, senão, partidário igualmente 

85Loc. cit., p. 154-55. 88 Mantellini, Sulla respomabilitá civile dello Stato «ei depositi fatti

ai cancillieri,Roma, 1879.— Cf. Lomonaco, Delle Obligazwni,1.1, p. 286-89. 87Mantellini, £oStato ed il Códice civile, p. 41 sg., 54 e 117. Cumpre advertir que, n&o obstante o autor reconhecer a distincção

entre os actos jure imperii, e os actos jurej/estionis,nem, por isto, consideraa responsabilidade do Estado, inteira e completa, mesmo quanto aos actosl

desta ultima classe. Vide: loo. cit., p. 89, 180-138,149 sg. e 189 sg. 

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^—i116 — 

decidido da irresponsabilidade do mesmo, pelas actos nitritos dosseus funccionarios. *• 

Para elle o funccionario não é. nem o representante, nem o

mandatário, nem o proposto do Estado; é o próprio Estado emacção (è lo Stato medesimo in atione).** 

O acto do funccionario é, sem duvida, acto do Estado; maso funccionario só é de considerar, como tal, emquanto agedentro das normas da lei... Quem contracta com o Estado, diz oautor, deve saber que este n&o viola a lei ou o direito... Logo,nem mesmo, no caso de ser subtrahido um deposito pelo func-cionario inflei, é o Estado obrigado a responder.40— « 11 doveredei fimzionario, quando entra in uffizio, è ãi ricordare che egli

è organo delia legge, che dei* applicarla strettamentet  diligente-mente: D1L1GENTER ORBKRE COMM1SSUM EST (L. 1. D. de officio 

procur Cíesaris. I, 19), e non già di commettere abusi, illega-lità, reati, e di recar danno ai privati. Sarebbe strano, invero,che lo Stato doresse risponderc delia colpa commessa dai funzio-nari in violazione appunto dei doveri chi, per le sue funzioni,questi erano obbligati di compiere I E gli a dire che lo Stato nonassume mai responsabilitá per fatto de' suoi funeionari ? Si: puòassumcrla, ma in uncaso solo: quando, cioé, la legge lo statuisca

conprecisa disposúwne».*

1

  Si razões politicas e outras, aceres-centa Saredo. induzem o legislador a derogar os princípios fun-damentaes do direito publico, não ha, senão, que obedecer; mas aresponsabilidade do Estado deve ser, claramente, taxativamente»determinada. Na duvida, se deve entender que só o funccionario responde pelo seu facto culposo ; o Estado, jamais. .. 42|—,-- ------------------------------------ ----------------   i— 

88 Oiaseppo Saredo, La Nuova Legge sulla Amministrazione Comunalee Provinciale, t. II, ns. 14801507.— Torino, 1892. 

8» Loo. oit., n. 1493. 

«o Ibidem, n. 1498 sg. « Ibidem, n. 1606. a Ibidem. 

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— 117 — 

30. — Não ha mister continuar com a citação de autores,que sustentam a doutrina da irresponsabilidade; não só, porque  ja se fez menção dos priucipaes, como também, porque as

razões, invocadas por elles, são quasi sempre as mesmas, e jápor demais conhecidas. 

Todavia, antes de encerrar o presente capitulo, precisamosreferir-nos ainda a determinados pontos, sobre os quaes maisse apoiam os fautores dessa doutrina. Um dos argumentos fun-damentaes apresentados, pelos que negam a responsabilidadedo Estado, é tirado do próprio conceito da pessoa jurídica domesmo, e se resume no seguinte: Partindo da noção errónea, deque o Estado, como toda pessoa jurídica, é uma   ficção legal, epor isto, incapaz de ter vontade própria, pretendem os parti-dários da irresponsabilidade, que o Estado não pôde jamais serchamado a responder por acto algum lesivo do alheio direito,uma vez que a existência effectiva da vontade, condição essencialda imputabilidade do acto, fallece sabidamente ao Estado.43 Eproseguindo no desenvolvimento desta these, accrescentam: quea pessoa jurídica, como creação artificial da lei, não passa deum conjuncto de direitos e obrigações, que são realmenteexercitados pelos seus representantes legaes; mas não seria derazão suppor, que, nos poderes dessa representação, se inclua

 juntamente o de commetter actos illicitos, isto é, offensivos doalheio direito; consequentemente, concluem,—que, si os repre-sentantes da pessoa jurídica do Estado, assim o fizerem, elles,e somente elles, devem ser os responsáveis do damno causado,excluída, por completo, a responsabilidade do Estado.** 

48 Vide: R. Saleilles, Theorie Gén. dei'Obligation, n. 320.  ■ 44 R. Saleilles, loo. oit.;—Windscheid,  Lehrbuch ães Pandektenrechts, t.

II, § 470, nota 4 ; — Michoud,  De la responsabtlité de VEtat a raison ães\  fautes de ses agents (REVUB DU DROIT PUBLIO, t. 3°, p. 409. n. 7, etc). 

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30 a.—Também se tem invocado, em favor da irresponsa-bilidade do Estado, a autoridade do direito romano, por não seencontrar ahi texto expresso, que reconheça a obrigação domesmo, pelos actos lesivos dos seus representantes. Com effeito,ainda que não faltem no direito romano disposições especiaes,pelas quaes as partes lesadas podiam fazer valer o seu direitocontra os excessos ou abusos dos magistrados e outros funccio-narios públicos, mesmo sob o ponto de vista de lhes ser prestada_a indemnisação devida45; não se nega. todavis, que, disposição particular, impondo ao Estado ou Fisco o dever de reparar osdamnos dos seus funccionarios, de maneira solidaria ou ao menossubsidiaria, não se encontra realmente no referido direito. *  Allein von einer, sei cumulativen oder subsidiaren, Haftungs-  pflicht des Staates selbst oder Fiscus aus rechtstviãriger Scha-

denszufiigung der Beamten, dem Beschàdigten gegenuber, findenwir im rbmischen Re chi durcJiaus Tctine befriedigende Spur. »4(f 

 

Entretanto, desta ausência de textos no direito romano, emrelação ao Estado, não é licito inferir, que assim suecedia, ouporque, tratando-se de pessoa jurídica, o Estado ou a cidade nãodeviam responder por factos ou culpas alheias, ou porque,sendo o Estado apenas a cóllectividade dos interesses e direitosde todos, não devia, jamais, indemnisar ao particular, que por-ventura se considerasse lesado pelos seus actos, aliás, feitos em

nome do bem commum... Não, certamente, não. São numerososos textos, em que se acha consagrada a obrigação expressa deresponder por   factos de outrem, não só, como consequêncianatural das relações contractuaes, como ainda, de relações di-versas, taes, as de mandato, as exercitorias, institorias, guasiinstitorias, assim como, as que se costumam ainda agora indicar 

45 Dig, l XXVII, 8; Cod. I. V, 75; id. 7. X, 2 e 16; id. I. LXI, 80; LexCalpumia, "juãicium repet. pecuniarwn"; etc. 

vM« Zacharise, ob. cit., p. 684-87. 

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— 119 —I 

pelos títulos de "quod metus causa, de dolo maio, noocales, furti,condictio furtiva, vi bonorum raptorum, condictio sine causa,actio de in rem verso, juãicium repetundarum pecuniarum",

etc.; todas as quaes, tanto podiam ter logar contra os indiví-duos, como contra as pessoas collectivas, a dizer, a universitas personarum. Não é mister citar aqui as fontes, que são pordemais conhecidas... 46a

 

Ora, sendo este o direito privado vigente, diz Zachariae,não se pode negar, que as suas disposições podiam por ana-logia (Rechtsanalogie) servir de fundamento racional á respon-sabilidade do Estado em casos semelhantes. Além disto, se en-contram ainda no próprio direito romano certos textos que, emcasos particulares, chegaram mesmo a reconhecer a obrigaçãode indemnisar aos indivíduos por parte do Estado, como porexemplo, nos casos de desapropriação por utilidade publica, e deprejuízos occasionados na execução de obras publicas. <6b R 

— Não fora, pois, pelo desconhecimento dos bons princí-pios da justiça, que o Estado Romano deixara, porventura, dereparar os damnos causados pelos seus representantes. A expli-cação tinha outra causa conhecida: não se comprehendia então,  

46  tt Uípianus:   Aequum prcetori vvntm est, sicut com/moda senthnus ex

actu institorum, ita etiam óbligari nos ex contractitus ipsorum et conveniri.(Dig. I. 14, tit. 3, 1; Id. I. 14, tit. 1, 1 pr.)—Si vi me dejecerit quis nommemunicipii, in munícipes mini interdicturn reããendum, Pomponius scribit, siquid ad eos pervenit (Dig. I. 43, tit. 16, 4.) Animadvertendum autem, quod  prcetor hoc edicto generaliter et in rem loquitur, nec adjicit, A atro QESTUM ;et iãeo sive singularis sit persona quce metum intulit, vel POPULUS, vel CÚRIA,vel COLLESIUM,  vel CORPUS,  huic edicto locus erit (Dig. I. 4, tit. 2, 9, § 1).Vide mais :   Dig. I. 4, tit. 3, de dol. maio; lã. I. 15, tit. 1, 3 § 12, de pecúlio; lã. I. 19, tit. 1, 30 pr. ãe action. empti et venã.; lã. 1.15, tit. 3, dein rem verso; lã. I. 9, tit. 4, ãe noxalibus action.; lã. I. 12, tit. 7, ãe conãict.sine causa; lá. h 13, tit. 1, conãict. furtiva; lã. I. 31 78, 2, ãe legatis et...;lã. I. 39, tit. 2, 17, ãe ãamno infecto; et., etc.  I 

46b

Vide: Palazzo— Teoria ãella responsabilitâ civile ãello Stato, p. 9 ;Cf. Coã. Theoã. 1. 50-51; Coã. Justin. 1. 18, ãe operibus publicis, etc. 

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no Estado antigo, que o individuo pudesse ter um direito definidocontra o Estado; sendo este, por assim dizer, considerado comocreador dos próprios direitos individuaes.47

 

30 b. — Concluindo, pois, sobre este ponto diremos : A theoriada irresponsabilidade do Estado, incondicional, ábso-\ luta, pelosactos dos seus representantes47a, embora lesivos dos direitos deoutrem, não pode ser a regra do Estado, notada-mente do Estadomoderno, — dados os princípios sociológicos e jurídicos, sobre osquaes assenta a sua construcção. Por mais elevado que seja o conceitoque se queira formar da soberania do Estado, "summum imperium,summa potestas", semelhante conceito não pode ir até ao ponto deexcluir a idéa da justiça; porque o Estado é, antes de tudo, a pessoa de

direito por ex-cellencia. Os próprios partidários da irresponsabilidade sustentam-na,principalmente, como um postulado dos princípios, que adoptam emrelação á pessoa do Estado; mas, nem por isto, deixam quasi todoselles de admittir, na pratica, a existência de casos diffe-rentes, nosquaes seria impossível negar a responsabilidade do Estado, como jâtivemos occasiâo de verificar. 

47 De accordo com os princípios do direito publico dominante o Estadonão podia ser chamado a juizo; conseguintemente,, faltava ao individuo omeio legal ou coercitivo de se fazer indemnisar do damno soffrido. Demais,como se tem também advertido, não havia a separação dos poderes doEstado, qual hoje se entende e se pratica no Estado moderno. O Estado,sendo o legislador e o juiz ao mesmo tempo, não se comprehendia, que elletomasse, accidentalmente, o papel de réo, respondendo, por assim dizer, pe-rante si mesmo, nos casos em que, como tal, figurasse.—Palazzo, loc. cit.,p. 10 sg.; Zacharice, ob. cit., p. 584-87 sg. 

47 * Empregaremos a palavra "representantes", para significar de modogeral todos os que agem ou funccionam em nome do Estado, ou executamobras e serviços por conta do mesmo, sejam órgãos, ou não (nota 13 retrodeste Titulo). 

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r  - 121 - 

CAPITULO III Theoria da

responsabilidade geral 

31. — 0 ponto commam de convergência da doutrina, deque ora vamos tratar, é a admissão de uma responsabilidadegeral, em principio, por parte do Estado, pelos actos lesivos dosseus representantes. 

Mas, sobre as condições de applicabilidade da doutrina, a

dizer: no que respeita á verificação da responsabilidade e osfundamentos racionaes desta; quanto á qualidade ou comprehen-são da responsabilidade, isto é, si directa, primaria e solidaria,ou, si indirecta, e simplesmente subsidiaria• bem assim, quantoao direito regulador da mesma, si o direito publico, ou o pri-vado, ou si ambos juntamente; finalmente, quanto á, outrasquestões incidentes no assumpto ; a respeito de tudo isso aindase nota até boje a maior discordância de vistas e pareceres,entre os mais distinctos autores que tem tratado da matéria. 

Emquanto, de um lado, se entende e se sustenta, que a

responsabilidade do Estado deve ser encarada e decidida pelosmesmos princípios e disposições do direito commum, como si setratasse de simples pessoa do direito privado; — de outro lado,se contende, que o direito commum ou privado seria, pela pró-pria natureza e fins, incapaz de dar por si só a razão ou o funda-mento jurídico da responsabilidade, toda especial, que cabe aoEstado, pelos actos dos seus representantes ou funccionarios.Os que combatem a applicabilidade exclusiva do direito com-mum, também por sua vez se subdividem; resultando conse-

guintemente: — que, segundo uns,, a verificação de semelhanteresponsabilidade é matéria privativa do direito publico; em 

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quanto que, segundo outros, a mesma deve ser procurada, parte,nas disposições deste ultimo direito, e parte, nas do direito pri-vado, ou na applicação dos  princípios geraes da justiça e equi-

dade.48

 

Por nossa parte, sem desconhecer o interesse theorico epratico que haja, em elucidar a questão particular de saber, — sia responsabilidade do Estado deve ser fundada, exclusiva ou principalmente, no direito publico, ou no direito privado, ouainda, em leis especiaes segundo os casos differentes; pensamos,todavia, que ao nosso actual intento, não é imprescindível adiscussão preliminar deste ponto, — para que, somente depois,se possa bem examinar e apreciar os fundamentos diversos, com

que se tem procurado justificar a alludida responsabilidade. Oque por ora nos preoccupa de preferencia, não é averiguar, si oacto arguido cabe com maior justeza scientifica no escopo dodireito publico, do que no do direito privado, e vice-versa, —mas, si o acto é susceptível de gerar uma obrigação civil contrao Estado, conforme a idéa da justiça, fundamento essencial,idêntico, desses dous ramos do direito. *9

 

31 a.— Como fundamentos principaes da responsabilidadegeral do Estado, se apontam commummente os seguintes: 

a) Entre o Estado e o funccionario dá-se a mesma relaçãoque ha entre mandante e mandatário; 

48 Sustentam que a questão pertence ao direito privado, além deoutros: F. Laurent, Coure de droit civil, e Príncipes de droit civil; Mar-cadé, Explkation theor. et pratique du Code Napoleon; Sourdat, Traité Gén. de la responsàbilité '; Meucci,  Inst. ãi diritto Amministraiivo; Gierke,

 Die Genossenschaftstheorie. Entendem que ella só pôde ser resolvida pelo direito publico, além de

outros: Pfeiffer, Schmitthenner, Zachariae, etc. Pretendem que a soluçSo depende, parte do direito privado, e parte do

direito publico, além do outros: Heffter, Meisterlin, Schwarze, Bonasi, etc. 49 Hic, Titulo Segundo, cap. IV. 

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b) Ou a relação é idêntica á do dominus negotii e o institor,\ ou a do preponente e do preposto ; 

c)  A responsabilidade resulta da garantia, que o Estado

assume, pelo acto da nomeação do funccionario, e o dever con-sequente de obediência, que o Estado impõe aos particularespara com o funccionario; 

d) Ella resulta do caracter representativo do funccionario,cujos actos devem ser considerados actos do representado; ouainda, de não haver distincção entre o Estado e o funccionario,e, juridicamente faliando, só existir uma só pessoa ou um mesmosujeito de obrigações e direitos; 

e)  A responsabilidade justifica-se, finalmente, pelo dever

de protecção, que incumbe ao Estado, em relação aos indivíduosem geral.

32. — H. Zõpfl.50 não admittindo, como queria Gõnner81,que o cargo publico seja uma forma do mandato do direito pri-vado, vê nelle, todavia, uma relação de natureza instttoria, e poristo, apresenta, como fundamento da responsabilidade primariaque, segundo elle, incumbe ao Estado pelos actos illicitos de seusfunccionarios, o principio análogo, consagrado no direito romano,sobre a responsabilidade do dominus pelo institor. Justifica o

emprego dessa analogia: em geral, porque na responsabili-ldade do Estado pelos actos referidos trata-se essencialmente defazer valer uma pretenção de direito privado (um die Oel-tendmachung eines privatrechtlichen Anspruches) ; e em parti-cular quanto á Allemanha, —porque nesta é admissível, senãoobrigatório, recorrer, na falta de disposição legal expressa, asregras do direito civil romano, por analogia, desde que se veri- 

50 " Grunãsutze cies gemeinen ãeutschen Staatsrechta", § 520 (5a edic.1863). 

61  Der Stoatsdienst  MIS dem GeAchtsjnmkte des Rechts wnd der NationalOeiconomie betrachtet. (1808). 

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fique, no caso, a mesma razão de direito (wo ãieselbe ratio júriskervortrete).B2

 

Alem disto, acredita poder também explicar, como sendo de

caracter stato-jurídico,™ o fundamento por elle adoptado; visto ser omesmo resultante da moderna situação do funccíonario, facto novoou ainda desconhecido ao direito romano. 

Segundo diz Piloty, o referido autor attribue ao acto danomeação do funccíonario, em relação ao Públicum, um effeitointeiramente igual ao que tinha o  jussus da relação institoria nodireito romano; considerando que este modo de ver, é tanto mais

  justificável, quando se sabe, que a relação institoria nem Sempreprecisa fundar-se num mandato -, ella se pôde fundar no encargo ou

ordem recebida do titular de uma faculdade ou [direito (auf einem  jussus ães Inhabers einer potestas), sem que se dê no caso relaçãoalguma de mandato.— Que o acto do funccíonario seja da esphera dodireito publico ou do direito privado, é, no pensar de Zõpfl, cousainteiramente indiferente, quer em vista do serviço publico, quer emvista da pretenção de indem-nisação do lesado, contra o funccíonarioou centra o Estado.M 

52 Não se ignora, que a applicaçâo dos textos romanos, por analogia,

é também autorisada no Brazil, onde o direito romano continua a servir delegislação subsidiaria. (Lei de 18 de Agosto de 1769, e de 20 de Outubrode 1823). 

53 Para corresponder ã technologia de certos escriptores allemães, quedistinguem entre os vocábulos — Staatsrechtliche e õffentlichrechtliche Ver-hãltnisse,— nós diremos respectivamente, « relações statojuridicas, e relações de direito publico», muito embora certos, de que são cilas de natnrezaidêntica. 

54 Piloty, ob. cit., p. 245 sg. Outros autores allemães, anteriores oucontemporâneos de Zõpfl, sustentam igualmente a analogia da aetio institoria do direito romano, como admissível na matéria; entre elles : Bud-deus, no " Weiske'8 Rechtslexikori" II (1844); Reysoher, na "  Zeitschrift\ 

  fiir das deutsche Becht" (1839); Grundler, na   ZwRheins Zeitschrift fur Theorie und Praxis des bayer. zivil-kriminal unã õffentlichen J?cc/»te" (1887);apud Piloty, loc. cit. 

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33.— C. von Kissling entende, que dá-se uma responsa-bilidade primaria do Estado conforme ao direito commum, todavez que os direitos particulares do cidadão forem lesados por

actos ou omissões illegaes dos funccionarios, no exercício dapublica autoridade. Essa responsabilidade cessa, todavia : si o lesado incorrer

em culpa, por não se ter utilisado do remédio de direito que lheera facultado, assim como, si elle ainda se  puder apegar a umterceiro, para resarcir-se do damno soffrido (Diese Haftung ist  jeãoch ausgeschlossen, wenn den Beschãdigten selbst einVerschul-lden trifft, insofern er ein Rechtsmittel, das ihm zu Oebote stanãÁuribeniitzt Hess, sowie, dann, wenn er sich noch an einem Drit-\ ten Schadlos hàlten hann). O fundamento da responsabilidade

do Estado esta na garantia, que este assume pelos actos do func-cionario. Diz elle: O Estado crea pela sua legislação, de um lado,uma relação de representação (ein Beprãsentations-verhãltniss)entre si e o funccionario, e de outro lado, uma relação de su- jeição entre este e os seus súbditos; dahi a garantia assumidapelo Estado por todos os actos do funccionario, concernentes aosmesmos súbditos. 

Ao dever de obediência, imposto ao súbdito, correspondeo dever do exercício ou uso legal das attribuições e prerogati-

vas do poder publico. A razão, porque ao Estado deve caber res-ponsabilidade primaria', vêm de que, na maioria das vezes, seriaimpossível ao lesado descobrir o funccionario culpado...55

 

55 C. v. Kissling,Gutachten in den Verhandlwngen ães achten ãeutscheniJuristentags,1.1, p. 389 sg.— Cf. Piloty; loo. oit.,p. 250. — Jà Sunàheim,em começos do século passado, havia advertido que a obrigação de indom-nisação do Estado, relativamente aos actos illicitos, commettidos por sensfunccionarios no exercício da publica autoridade (bei Ausiibung der Staats-hoheitsreckte) não podia ser decidida em vista dos princípios do direitoprivado somente. Ainda que elle recorresse também às analogias destedireito, procurou, não obstante, deixar bem accentuado o seguinte funda- 

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34. — Dreyer ensina que, em virtude do principio da re-\  presentação, dá-se irrefutavelmente a responsabilidade geral doEstado pelos actos dos seus funccionarios: estes não são simples

mandatários, são membros ou partes orgânicas do Estado (Diehandélnde Olieder sind organische Theile des Ganzen; durch \siehandelt also in der That der Staat selbst). 

E partindo desta concepção, tão nitida para elle, Dreyer nãopodia deixar de considerar dita responsabilidade, assas jus»tificada, como fez ; e bem assim, que ella devia ser directa ou primaria, por parte do Estado.66

 

Entre os actos, que a podem occasionar, se devem indubi-tavelmente incluir os dos juizes, os quaes participam da mesma

natureza dos demais funccionarios.—Sobald man davon ausgeht,iass der Eichter, welcher in iviãer -reclitlicher Weise einen An-geJclagten geschãdigt hat, NICHT ALS BEVOLLMACHTIGTER DES

STAATS, sondem ais organischer Theil desselben functionirt hat,só muss die Ersatzpfiicht des Staats ausser aliem Zweifel stehen.bl

 

mento: «desde que o Estado colloca os funccionarios em posição, que osautorisa a usar das suas funcções, bem ou mal, contra os súbditos, o mesmose torna responsável, (pelo facto dessa outorga de autoridade ao funccio-nario) da lesão, que for feita aos seus súbditos pelos funccionarios, como

representantes do Estado».— Dass der Staat ãaãurch, áass er die Beamten zu den Unterthanen in ein VerMltniss gesetzt hat, seinen Dienst zu Unrecht und Geivalt toiãer die letztern gebrauchen zu Teqnnen, — dass der Staat ausdieser seiner Hanãhmg der Uebertragung soleher Macht fiir das Unrecht und die Verletzung verantwortlich sei, welche seinen Unterthanen durch seine

 Beamten, ais Representanten von ihm, zugefiigt tcerãen ("Pràktische Bechta-  fragen, I, Ueber Schadenstiftung durch Staatsbeamten und Haftverbind- \Uchheit des Staats dafur," p. 4 sg. — Giessen, 1827);— apud. Zacha-riae,ob. cit., p. 601; — Cf. Loening, ob. cit., p. 47. 

56 "Verpflichtung des Staats aus den Sandlungen seiner Beamten (Zeit-schrift fiir franzosisches Civtirecht", III e JV.—Cf. Loening, loc. cit.; Plloty,loc. cit., p. 251. 

57

Loening, ob. cit., p. 106, nota 1. — Karl Salomo Zacharice justifica a responsabilidade geral, ptimaria,do Estado nestes termos: Ein Beamter ist mehr ais ein blosser Bevollmãch- 

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35. — Pfeiffer reconhece uma responsabilidade  primariado Estado, com fundamento no direito publico, nos seguintescasos:  i 

1) O Estado responde —  primariamente — pelo damno cau-sado aos valores pecuniários, consignados judicialmente, desde quese dê negligencia na guarda ou conservação dos mesmos ; I 2)Responde, do mesmo modo, pelos actos illicitos das autoridades oufunccionarios administrativos, si pelos mesmos fôr lesada aliberdade ou a propriedade do cidadão. 

Não é admissível a distincção, entre actos do Governo e actosdos funccionarios, quando estes representam o Estado em suasrelações contractuaes. 

A responsabilidade do Estado, segundo Pfeiffer, assenta emconsiderações stato-juridicas superiores, taes como: 

a) Os funccionarios administrativos representam o Estado nasua effeetividade (in seiner Wirhsamkeit); e por isso, os actos 

tigter, er ist in Beziehung auf sein Amt schlechthin ala eine und diesselbcPerson mit ciem Stoatsherrscher, oder ah dessen Vertreter zu betrachten. —(Vierzig Biicher vom Staate, I, p. 99). 

— Meisterlin funda a responsabilidade primaria do Estado, não só, na falta de boa nomeação e flscalisação do funecionario, mas também, na ne-gligencia do Estado nos seguintes casos *■ — em não adoptar as disposições

mais convenientes ao serviço;— em não prover devidamente aos cargos;—em não fornecer o pessoal e meios bastantes para os fins necessários doserviço; —finalmente, era não haver delimitado, devidamente, o circulo deacção dos respectivos funccionarios. — (Die Yerhaltnwe der Staatsdiener-,p. 99 sg.,—1838). I — Heffter entende que, na matéria da responsabilidade do Estado, oprincipio do mandato só é admissível, quando o acto arguido corresponderealmente a um encargo ou commissão recebida do Estado; mas que se dá,sem duvida, essa responsabilidade, desde que houver culpa na nomeação ouna flscalisação do funecionario, por parte do Estado. — Quanto, porém, aomontante da responsabilidade, este não deve ser, senão, até quanto o Estadohaja tirado lucro do acto ou facto em questão. —   Beitrage zum deutscJien

8taatè»und*Furatenrecht, p. 162 sg.; Archi» des Criminalrechts, p. 446 e458. — (1851): apud Loening. loc. oit., p. 100; Piloty, loc. cit., p. 252. 

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daquelles devem ser considerados, como si fossem actos imme*diatos deste. 

6) Os súbditos estão para com o Estado e para com os func-

cionarios (no exercício das suas faculdades) em uma relação de 1sujeição; e desde que o funccionario pôde, usando da publicaautoridade, que lhe foi conferida, empregar a coacção, se deveigualmente admittir o direito de pedir reparação em favor doindividuo, que fôr, por ventura, lesado pelo funccionario. 

c) Este direito subsiste o mesmo, quer se trate de funccio-nario administrativo, quer se trate de funccionario judicial. 

Mas, com relação aos juizes, Pfeiffer nega a responsabili-dade do Estado, por motivo de suas sentenças • não só, porque os

mesmos decidem com inteira independência do chefe de Estado(des Staatsoberhauptes), mas também, porque o direito de acçãoconferido ao cidadão é, simplesmente, um direito formal (und der Anspruch des Staatsbwrgers auf Rechtsprechung nur ein Anspruch auf formélles Recht ist).  

Cumpre, por fim, notar que a reponsabilidade do Estadopelos actos illicitos es tende-se, mesmo, aos não-funccionarios,desde que se tratar de indivíduos que agirem em nome do Es-tado ou debaixo de suas vistas, para um fim publico determinado.

E', porém, de advertir que, com relação a estes últimos, o autorsó reconhece, contra o Estado, uma responsabilidade subsidiaria,e esta, somente no caso de dar-se culpa na má escolha do indi-viduo em questão.58

 

36. — F. Schwarze não exclue, no todo, a analogia da adioinstitoria, como fundamento da responsabilidade  primaria doEstado pelos actos ou omissões illegaes, commettidas pelos 

58 Pfeiffer, Praktiscke Aiisfúhrungm aus allen Thcilen der liechts-

wusenschaft, t. II, (1828) p. 361-384 ; t. III, (1881), p. 380-386 ; t. VDI,(1846) p. 545 seg. — Cf. Loening, ob. cit., p. 48 seg., 97 seg.; — Zacharia»,loc. cit., p. 601, seg. 

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i m 

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  juizes no exercício dos cargos; mas é no elemento da repre-sentação, que se encontra o melhor argumento da sua theoria. I O  juiz, diz elle, abusa da sua autoridade, como representante doEstado, e o particular é lesado, justamente, pela confiança, quedeposita nessa representação. O individuo não é lesado, pornegligencia da sua parte, mas por abuso do representante doEstado, o funccionario, do qual o Estado, nomeando-o e re-vestindo-o da sua autoridade, se constituiu garante de sua rectaconducta... O juiz deve applicar e executar a lei do Estado ; é a lei

viva (das lebenãige Gesetz); o particular vê nelle o representanteda lei e do Estado, e porisso se conforma com as suas decisões,como si fossem decisões do Estado e da lei, proferidas porintermédio do juiz... E1 o próprio Estado, quem apresenta o juizaos particulares, como sendo a mão e a boca do Estado; e é esta arasão, porque se presta ao juiz a obediência, que é devida aoEstado. 50 Segundo o autor a responsabilidade do Estado se deveestender igualmente aos demais funccionarios, auxiliares dos juízos e tribunaes. 

Schwarze não se pronunciara sobre actos illicitos dos func-cionarios administrativos • mas, conhecidos os princípios, emque elle se apoia para affirmar a responsabilidade do Estadopelos actos judiciaes, duvida não pode haver, que, aos seusolhos, os mesmos princípios deveriam ter igual applicação aosactos administrativos.w 

37. — Schmitthenner expõe a sua doutrina em breves pa-lavras:—entende que o acto, pelo qual um funccionario faz, de 

30 Schwarze, "   Zeitschnft fiír Bechtspflege und Verwaltwig, zunàchst  \fim- das Kònigrekh Sachsm," (1854), p. 305 segs.— Cf. Piloty, loc. cit. 

60 Strippelraann também admitte uma responsabilidade  primaria doEstado, fundando-a, principalmente, na unidade da pessoa Estado com a dofunccionario {"Neue Sanxmlung bemerkenwerther Erkenntnisse"ies O. A.G.*8zn Kassel, IV, p. 296 und VI, p. 248 segs.) 

9  R. C. 

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— 130 — 

propósito ou por negligencia, damno a outrem, é um acto dopoder publico (ein AM der õffentlichen Gewalt), e, conseguinte-mente, é dever do Estado assumir a obrigação de garantia do

mesmo, e prestar «in subsiãium » — a indemnisação devida.Isto decorre, pensa o autor, da própria natureza do serviçopublico. 61

 

38. — H. A. Zacharise, a quem se deve um estudo geral,methodico, da matéria sob os seus diversos aspectos, e dos prin-cípios que lhe são applicaveis, ensina que, na indagação daverdade, se devem admittir as seguintes proposições :  

a) A questão não pôde ser resolvida pelas disposições dodireito privado, e nem a analogia, fundada nesse direito, seria

applicavel á relações do direito publico, por faltar a sua condi-ção primeira—a «partias rationis »; visto como entre o Estadoe o funccionario dà-se uma relação diversa da que existe entre ocontractante, o mandante, ou o dono do negocio (dominusnegotii).62

 

o) Também não se pôde cogitar de culpa do Estado na no-meação do funccionario,—porque a culpa presuppõe sempre aexistência de uma pessoa natural; conseguintemente, si culpa sedér, ella deve recahir sobre o autor da nomeação, isto é, osoberano ou o ministro responsável, mas, não, sobre o Estado.E do que resulta juntamente, que a questão é do direito publico(auf staatsrecMUchen Orunden) e não, do direito privado. 

c) Para que se possa fazer valer uma acção de indemni-sação contra o Estado, precisa que se tenha dado a violação deum direito objectivo e a culpa subjectiva do funccionario, agindodentro das próprias attribuições. 

d) Assim como os actos de indivíduos não f unccionarios nãopodem crear obrigação alguma contra o Estado; assim também, 

61 "Grunãlinien ães aUgenieinen oder ídealen Staatsrecht", p. 513 (1845). 62  "TJéber ãie Haftungwerbindlichkeit ães Staats", p. 607, seg. 

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— 131 

os efíeitos dos próprios actos do funccionario não a criam,desde que o mesmo agir fora das suas attribuiçôes. 

e) Como actos illícitos do funccionario, sô são de considerar

os que se manifestam por um uso illegal do cargo ou da auto-ridade própria (der Amtsgewalt).6 * 

Os mesmos princípios são applicaveis âs omissões de deverpor parte do funccionario; observando-se, a esse respeito, aseguinte regra: — Si ao funccionario incumbia a obrigação,pura e simples (úiibedingte Verpflichtung) de, segundo o objecto,modo e qualidade, fazer determinado acto, e o damno proveio dalomissão desse acto, o Estado torna-se responsável pelo mesmo;mas,. si o damno resultar de actos positivos de terceiros, ca-pazes de responder por si mesmos "ex-délicto suo'\  ou si aofunccionario era licito intervir ao seu livre critério; então, oEstado só será responsável, si o funccionario também o fôr, emvista das circunstancias.64

 

— Advertindo, que a representação do Estado não é umacto de livre arbítrio, mas condição necessária da sua existência,como organismo vivo, Zacharise firma também o principio geral,de que, assim como os actos dos seus órgãos lhe podem trazerdireitos e vantagens, do mesmo modo, lhe devem trazer igual-mente obrigações ou responsabilidades; e que, em consequên-

cia se deve accentuar: « Quando os funccionarios agem, comoórgãos do Estado, e fazem uso do poder que lhes fora outorgadopara fins do Estado, os seus actos devem ser considerados juri- 

08 Zacharias, ob. cit.,p. 607 e 616 sg.; —Idem, Deutsches Staatipund° \Bundes Becht (3a edic);—Idem, Verhnndlungen des VIdeutsclien Jwisteniagst. Ill, p. 323 sg,  I 

I •* Zacharise, Ueber die Haftwigsverbindlichkeit des Staats, p. 617e 642 sg.—Of. Piloty, ob. clt., p. 256.— Zaoharise especifica vários casos,nos quaes a responsabilidade do Estado resulta da omissão, por exemplo: —

a falta de garantia ou segurança individual, a negligencia pelos caminhose pontes publicas, etc. eto.—Ibidem, p. 642-645. 

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dicamente, como actos do próprio Estado >>; regra, que preva-lece, accrescenta elle, tanto em relação á chamada garantia^ dosfunccionaríos públicos nas suas funcções, como no caso de lesões

illegaes commettidas pelos mesmos funccionaríos contra osgovernados (Unterthanen). Deste modo, a responsabilidade doEstado pelo damno de seus funccionaríos torna-se uma obri-gação rigorosamente jurídica, fundada no direito publico (Auf ãiese Weise ívirã die Haftpfiicht ães Staats fiír Schadenszufúgungseiner Beamten eine streng rechfliche auf staastrechtlicher Basisberuhende Forãerung) ; e seria preciso desconhecer completa-mente a natureza da ordem estadoal (des Wesens der Staatsord-nung), para suppor que, no caso, se trata de uma simples relação

moral, e não, efectivamente jurídica.65

 Preopinara, porém, o illustre autor que, em regra, a res-

ponsabilidade do Estado só devia ser subsidiaria, uma espéciede garantia ou fiança, pela conducta do seu representante, e,consequentemente, pelos effeitos dos actos deste, quando lesivosdo alheio direito (... eine Burgsehaft, eine Oarantieleistung desStaats), por ser essa responsabilidade, a que mais se ajusta aoconceito do Estado, e bem assim, ás relações statojurídicas entreeste e os funccionaríos, e ás relações de sujeição entre os

súbditos (governados) e o Estado.

66

 65 Zacharise, Loc. cit., p. 632. 66 Zacharise, ob. cit., p. 619 sg.— Cf. Loening, ob. cit., p. 101 sg.;

Piloty, loc. cit., p. 255 sg.—Vide: Hic, p. G6. Deste modo de ver de Zacharise quanto ã  fiança ou garantia por parte

do Estado, é também Gerber, o qual assim se exprime : « Si ao funcciõ-nario culposo faltarem meios pecuniários, cabe a acção contra o Fisco ;pois, na nomeação de um funccionario, isto é, na sua investidura de auto-ridade publica, e na obrigação, creada para o Publico, de respeital-o, comorepresentante do poder legal, se inclue o compromisso tácito de garantiasubsidiaria pelas responsabilidades do mesmo, tanto as resultantes do uso

indevido das attribuições que lhe foram conferidas, como as originadas daomissão dos deveres do cargo».—Grunãzuge eines Systems des ãeidschenStaatsrechts, p. 202 sg. (1865). 

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. _  

— 133 — 

Também não deixou Zacharise de fazer distineção conveniente entre os actos que pela sua natureza pertencem ao direitoprivado, e aquelles, em que se trata de executar ordens ou resoluções do poder publico contra os que lhe são sujeitos; mascumpre advertir,— assim não o fizera, no intuito de declarar oEstado inteiramente irresponsável pelas consequências dos actosde poder público, como outros tem pretendido. Quanto aos primeiros, desde que o Estado entra na esphera dos negócios ouemprezas de caracter privado, entendia de razão que o mesmo

assumisse uma responsabilidade, tão directa e completa, quantoresulta do direito commum ou civil para os próprios indivíduosparticulares (Es entscheiden hier ãie geltenden OrundsUtze ãesgemeinen CivUrechts und es liegt durcliaus Icein Orund vor, denStaathier anders, in beschrãnJcterer oderin weitergehender Weise,hafien zulassen, ais jeden andern Oeschâftsherrn, es mag nun ein Individuum oder eine dem Staate untergeordnete Corporation oder   juristische Persônlichkeit der Contrahent sem);*1  cabendo, nocaso, alem das disposições das leis especiaes, os princípios da

relação institoria.68

  o — Tratando-se por ventura de damnos causados aos bens

ou valores em deposito ou sequestros judiciaes. era de parecerque a responsabilidade do Estado devia ser  primaria, e não,simplesmente subsidiaria, como em geral.69 

— Quanto aos actos de poder publico, propriamente ditos,a dizer, aquelles, para cuja realização ou execução a autoridadepode empregar a coerção legal, — não deviam ser elles encara-dos sob o ponto de vista da responsabilidade do mandante pelosactos de seu mandatário ou do dono do negocio pelos actos de

seus prepostos (institores); seria desconhecer a posição do Estado

67 Ob. cit„ p. 620. 08 Ibidem, p. 623-625. 69 Ibidem, p. 626 sg. 

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para com os seus funccionarios e os seus súbditos... O poder dofunccionario provém da autoridade suprema do Estado, e asujeição do governado (Unterthan) é consequência necessária da

ordem estadoal ("der Staatsordnung) ; mas, desde que o acto dofunccionario, dentro das suas attribuições, é de considerar —acto do Estado, como já se disse, segue-se simplesmente dahi aresponsabilidade do mesmo Estado pelas lesões feitas aosgovernados, guardadas, muito embora, restricções diversas. E',sobretudo, acerca de taes actos, que o autor pretende, que agarantia do Estado deve ser meramente subsidiaria; porque, emrelação aos mesmos, a cousa succede inteiramente diferente, doque se dá com os actos de caracter privado.70

 

Finalmente, segundo Zacharise, não ha fundamento algumpara distinguir entre funccionarios administrativos e judiciários,no tocante á responsabilidade do Estado ; uma vez que os últi-mos são igualmente de considerar, como órgãos do poder publico,na esphera de suas attribuições.71

 

38. — A litteratura jurídica dos outros Estados da Europa,excepção talvez feita da Itália, não offerece muitos trabalhoslespeeiaes, consagrados ao estudo da importante questão daresponsabilidade civil do Estado. Na França, por exemplo, etambém na. Bélgica, as opiniões dos autores a esse respeito seencontram, em geral, nas próprias obras do direito civil (damnosdo délicto e do quasi-ãelieto), ou nas do direito administrativo;mas, nem sempre, enunciadas com o preciso desenvolvimento,que a matéria requer.72

 

70 Loc. cit.,p. 633-34. 71 Ibidem, p. 637-642. 72 " Os trabalhos especiaes ", publicados em França, que são mais

conhecidos e, certamente, importantes, são: — Sourdat, Traité gen. de larespomàbilité; — Sanslaville,  De la responscMlité de VJEtat en matière de postes et télegraphes;— Michoud, De la responsábilité de VEtat à raison 

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38 a. — Marcadé, na sua obra sobre o Código Napoleão,ensina, que as disposições deste, que regem as relações entre ocommittente ou dono do negocio e o commissario ou preposto, são

igualmente applicaveis ao Estado e os seus funccionarios; di-zendo, consequentemente, a propósito do dispositivo do art. 1384do referido código, o seguinte: "X/es maitres et comtnettants sont tenus du ãommage cause par leur domestiques et préposés". —  La régie, bien entendu, s'applique áVEtat et aux diversesadministrations publiques par rapport á leurs agents, préposés ouemployês, comme aux commettants parUculiers.73

 

38 b. — F. Laurent se mostra ainda mais positivo, dizendo  

sobre a matéria: «L'Etat c'est-à-dire, le gouvernement est aussi

responsable en vertu des articles 1382 et 1383. Tout droit lesedonne droit à une réparation, à moins que la partie lésée ne setrouve en face d'un pouvoir irresponsable, tel que le pouvoirlêgislatif. Or, le gouvernement est responsable quand il agitcomme tel; — ce qui est décisif. Peu importe qu'il ait le droit etmême 1'obligation de faire ce qu'il afait; cela n'excuse paslespartieuliers qui lésent un droit, et cela n'excuse pas nonplus1'Etat. II en est ainsi en matière de travaux publics : le gouver-nement a le droit et le devoir de les faire, mais il ne peut pas lèsérun droit en les faisant; des qu'il a lese un droit, il est respon-sable. Ce que nous disons de 1'Etat s'applique auxprovinces etaux com munes, qui sont une partie integrante de 1'Etat. » 74 Eainda depois accrescenta : «La responsabilité des commettantss'applique-t-elle à 1'Etat ? L/affirmative est certaine, quant aupríncipe, c'est-à-dire, que 1'Etat est responsable quand il estcommettant. Mais la dificulte est de savoir quand on peut direque 1'Etat est commettant et que le dommage est cause par unde ses préposés. II faut appliquer, par analogie, â 1'Etat ce 

des fautes de ses agents (Revue du droit public, t. III e IV, de 1895);—HenriBailby, De la responsabilité de 1'Etat envers les partieuliers, 1901. — Dostrabalhos de Sourãat, Michoud, e Bailby se dirá no cap. IV seguinte. B 

78 Marcadé, Explicatúm Theorique et Pratique du Code Napoleon, t. V,p.270(5» edic.). 

74

F. Laurent, Cours Miem. de droit civil, t. III, n. 361; Príncipes de\ droit civil, t. XX, ns. 419, 420, 432, 489-442. 

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— 136 

que la loi dit des particuliers. Le maitre emploie ses domestiques à unservice qu'il ne veut ou ne peut faire lui-même; la loi le declareresponsable lorsquele domestique, dans Pexercice de ses fonctioos,cause un dommage par sa faute. Ainsi ce qui caractérise le

commettant et le préposé, c'est un service que le préposé execute aunom et pour le compte du commettant. Ce príncipe s'applique à PEtatquand il agit par Pintermé-diaire de ses agents. Tel est le transport delettres et dépêches ; c'est un service que PEtat remplit parPíntermédiaíre descour-riers ou de P Administration des chemins defer. [^ A plus forte raison en est-il de même, quand PEtat est in-dustriei, et il est, quand il exploite voies ferrées, car il est ehef d'industrie. commettant; il choisit ses agents ; s'il les choisit mal, ilest responsable pour avoir fait un mauvais choix ». 

O autor abre, todavia, uma larga excepção â responsabilidadedo Estado, desde que não se tratar de actos praticados pelos seus

prepostos, propriamente ditos... Eis, como elle se exprime nesteparticular: « L'Etat ívest pas responsable quand ce n'est pas lui quiagit, — quand il se borne à organiser et à diriger un service public.La justice et Penseignement sont des services, mais ce n'est pas PEtatqui juge et qui enseigne; les juges et les professeurs ne sont pas sespréposés; donc PEtat n'est pas commettant, et partant il n'est pasresponsable. » 75

 

75 " Cours Elem. de droit civiV, n. 372; — " Príncipes", loc. cit.,D

. 593.

 

A. Batbie, Preás du Cours de droit public et administratif (p. 323. nota,— Pariz, 1885): « L'administration est-elle tenuo, envers les tiers leses,de reparei' le prejudiee qui Jeur a été cause par les delits ou quasi-delitsdes agents administratifs ?' L'art. 1384 da Code Civil declare les com-mettants responsables da dommage cause par leur préposés, dans les fon-ctions aux quelles ils sont employés; et s'il s'agit de savoir si le droitcommum est applicable á-1'Etat; IL DEVRAIT L'ETTRE, A PLUS FORTE RAISON, puísque les services administratifs sont monopolisés et que les particuliersne sont pas libres d'employer d'autres agents. Mais la jurisprudence admi-nistrative tend â ne reconnaltre cette responsabilité que dans le cas oul'agent a cause le prejudico en agissant dans les limites de ses attribui-

tions; s*il en est sorti, les tiers n'ont de recours, que contre 1'auteur dufait dommageable ». 

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%.*.4« 

 — 337 — 

I 39. — Lorenzo Metteei é um dos autores modernos, que 

sustenta o principio da responsabilidade geral do Estado, da 

maneira mais clara e decidida, e por isto convirá lel-o, em 

parte ao menos, nas suas próprias palavras. Diz elle: II sos-teuere in generale che lo Stato e le amministrazione pubblichenon debbano rispondere dei fatto de'loro funzionari vale quantodistruggere ogni obbligazione deli'Amministrazione, contro laessenza e lo scopo d'ogni istitnto pubblico, contro ogni prin-cipio di ragione e contro la legge positiva che fu dettata appo-sitamente per dichiarare essa Amministrazione non solo obbli-gata, ma obbligata per diritto comune e nelle vie processualiordinário di rispondere ai privati d'ogni diritto civile o politicooffeso (Legge sul contenzioso amministrativo 20 mamo 1S65,àllegato È). Imperocchè se 1'amministrazione pubblica contraeobblighi. non altrimenti può contrali se non pei fatti dei suoifunzionari. La osservazione sarebbe inutile se non fosse neces-sária per correggere certe formule di cui si abusa, lasciandosottintendere quello che in ragionamenti sciéntifíci non si devealtrimenti sottintendere, ma esattamente esprimere. 

La prima dichiarazione adunque, sia che la responsabilitàdello Stato e delle altre pubbliche amministrazioni é ammessa peicontratti di 'suoi funzionari. stipulati in loro nome e nel lorointeresse. Questa responsabilità contrattuale e direita o si svolge

per fatti leciti posti dai suoi funzionari in adem pimento delleassunte obbligazioni, come quando lo Stato restituisce un depo-sito ricevuto, o si commette per contravenzione colposa e dolosa<jhe si faceia ai patti contrattuali. come quando lo Stato sia chia-mato a restituire un deposito sottratto per fatto dei suoi agenti. 

L' obbligazione, ossia la responsabilità, non mu ta nei duercasi, essendochè nel secondo il fatto illecito dei funzionario èaffatto incidente ai contralto, di guisa che lo Stato non rispondesolo perla colpa o pei delitto dei funzionario, cioè pei mero rap-porto institorio che lo lega ai funzionario, ma responde pei con-tratto stesso che ha col terzo depositante, cioè pei principio cheil depositário é tenuto per qualunque colpa e sempre, tranne

solo il caso di forza maggiore (códice civ.. art. 1848, 1865)... II símile è da dire in tutti i casi di contratti. sia per imprese pri-vate, sia per opere pubbliche e forniture, di depositi e custodiadi valori, dove il fatto d'un agente delVamministrazione fa siche 1'amministrazione stessa contraente e obbligata non possasoddisfare ai suoi obblighi, e quindi debba sottostare ai danni 

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138 — 

deirinadenipimento. In tutti questi casi la questione è di res-ponsabilità contrattuale e non per qnasi-delitto. E tra le dueresponsabilità v'è, tra le altre, questa differenza. che la prima êãtretta anzi exclusiva delFamministrazione in nome delia quale ilfunzionario contrasse; mentre la seconda è indiretta e dLri-verbero per l'amministrazione e concorre sempre colla respon-sabilità diretta dei funzionario calpevole verso la parte lesa».76

 

39 a.—Como acabamos de ver, o autor é partidário decla-rado da responsabilidade do Estado, quanto ao que elle chamaresponsabilidade directa; apoiando o seu juízo juntamente emvarias decisões judiciarias, que considera no todo correctas, e ásquaes também teremos occasião de referir-nos em outro logar.Este ponto, é portanto, para elle, fora de questão. 

Duvida só poderá existir, segundo Meucci, acerca da res-ponsabilidade que, independente de toda a declaração directa ouespecifica de sua vontade, possa, não obstante, caber á admi-nistração pelos actos illicitos dos funccionarios, " por força daprópria declaração genérica de vontade, manifestada nanomeação dos funccionarios públicos" (nella assunzione de fun-  zionari públici); ou em outros termos, — toda questão se res-tringe ao fundamento da responsabilidade indirecta ou ex quasi-délicto... 

Para bem elucidai-a, o autor aprecia: primeiro, a naturezada obrigação indirecta no seu caracter de relação institoria ;depois, si ella convém ã natureza genérica de um ente moral;finalmente, si a mesma pôde ajustar-se â natureza especifica doEstado e das administrações publicas, e em que limites e effeitos.Da sua exposição a esse respeito, diremos aqui, tão somente, oindispensável ao nosso propósito. 

Meucci entende que, responsabilidade indirecta ou porquasi-delicio, se diz aquella que se contrahe por acto de pessoaem nossa dependência ou por facto de cousa que nos pertença; e 

'• Meucci, Diritto Amministrativo, p. 260-62. Torino, 1898, 4* edíc. 

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— 139 — 

tratando-se, em particular, da administração publica, semelhanteresponsabilidade resulta das relações juridicas, quaes se dãoentre o committ&nte e o  preposto, a dizer, do vinculo institorio(rapporto institorio).' 1''  Tirando argumento das espécies parti-culares, que caracterizam a relação institoria e outras análogasno direito romano, Meucci declara que — «non soltanto contra-bendo, ma ancora délinquendo» — 1'institor obliga il padrone; 78|o que vale dizer, que a responsabilidade institoria é dúplice:contractual ou directa, resultante de contracto feito em nome e

representação do dominus; — e indirecta, proveniente da culpaou acto illicito commettido, por motivo da funcção institoria;—concluindo de tudo, que o referido vinculo (institorio) consiste:—«inim mandato e in una rappresentama delia persona, e guasiin un'estensionedelianostraautoritâ efiduciapersonaleadun'al-tra, cosi laresponsábilitâ che ne nasce non solo si estende a tuttele conseguenze dei fatti leciti da essa persona in nostro nomeoperati, ma a tutte le altre ancora di fatti illecitti conunessi daessa coirabuso dei nostro nome, delia nostra fede ed autoritâ, e

ció perun principio di equitã e di diritto generále* razionaXe e\  positivo: esser giusto e naturale che ognuno risenta gl'incomodidi lâ onde ritrae i yantaggi, e che non sia impunemente pernostra causa e negligenza danneggiato chi trattò con noi o collepersone scelte da noi, collocate sotto la nostra autoritâ e agentia nome e nell'interesse nostro. » 79

 

39 b. — Estabelecidos, por esta forma, os princípios dadoutrina, applicaveis á matéria, Meucci responde â questão es-pecial de saber, si ao Estado deve caber a responsabilidade in-

directa, resultante das relações institorias, nos seguintes termos: 

77 Meucci, loc. cit., p. 264 sg. 78 Ibidem.— "Inatitor ex to appellatw est, quod negotio gerendo instet"

(L. 3 ff. Delnst. act.)  I 70 Meucci, loc. cit., p. 270. 

Ipu 

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— 140 — 

« Noi crediamo che la respomabilitá indiretta si convença alioStato, come ad ogni altro ente giuridico sema distinzione di rap- presentanza, poste soltanto le condizioni che si referiseono aUa

indole dd rapporto institorio, non alia qualitá âelle funzioni delloStato; daUe qualipuô accidentalmente ventre determinai a o es-cl usa VappUcazione delle condizioni, non mu tato il principio.»90Oque, melhor explicado, significa: Muito embora o Estado,) sendoa vida collectiva da nação, ordenada e representada juri-dicamente para a tutela da ordem e da justiça, e para fomentar odesenvolvimento moral, intellectual e económico (in quanto possacastre vagai unto dalVazionc collectiva), tenha, por isto, regrasespeciaes e próprias, que constituam, para o mesmo, um direito

distincto; •— comtudo, não deixa, de formar uma esphera jurí-dica, como a de qualquer outra liberdade privada; — não po-dendo aquella ser transgredida, sem dar logar a reparação dodireito offendido, pertença este á uma outra pessoa publica ou ápessoa privada.M O direito publico, acerescenta o autor citado,não é uma esphera de iromunidade e inviolabilidade, uma anti-these do direito privado; é um ramo ou uma applicação do Di-reito às relações do Estado, sujeito, como qualquer outro ente jurídico, â condicionalidade da existência e harmonia de todos os

direitos. O principio- "que não ha direito contra direito", prevaleceem todo o campo jurídico.S2 Conseguintemente, por mais lataque seja a legitima esphera de acção do Estado, desde que estea ultrapassa e offende o direito de outrem, deve reparal-o. Tal éo grande principio da igualdade dos direitos, segundo o qual,não se admitte a distineção de pessoas, de funeções ou deescopos. O principio da responsabilidade por lesão de direito 

80

Ibidem, p. 277. 81 Ibidem.* Ibidem. 

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— 141 — 

é absoluto. Qualquer restricção ou excepção, uma só que fosse,o destruiria...88  "Agisca puré lo Stato nelle sue funzioni de go-verno e dipolizia,—agisca pei suoifini economia, —agisca per 

un impreza privata,—quella regola lo segue dappcrtutto. Potra in fatto de quelle sue prime funzioni aver maggior larghezza di mo-vimento, maggior liberta de azione, si vuolsi, maggior previlegio;meno nelle seconde, meno ancora nelle terze funzioni, cia saraquestione di fatto e di limiti, ma non di principio." s* 

Não é preciso proseguir na transcripção de novos trechospara, em vista delles, melhor conhecer a conclusão geral deMeucci sobre a responsabilidade do Estado, pelos actos dos seusórgãos, representantes, ou funccionarios. Esta conclusão já

está, sem duvida, prevista pelo leitor:—*Lo Stato o qualunque

ammnistrazione publica in qualunque modo eper qualunque fineoperante, se leda i dintti altrui per opera di persone alie quali sonoaffidati gVincarichi che esso deve compiere per próprio interesse,trovasi sotto il principio dei rapporto institorio, e deve rispon-derne. Se tale possibilita de lesione di diritto e quindi responsa-bilitá si verifichi in tutti i cosi, sara, questione speciale che siriferisce alia matéria ãelle condizioni...» 8B

 

Quanto ao que se deve entender, na espécie, por condiçõese limites da responsabilidade indirecta do Estado, elle nos diz

  juntamente: são, em geral, os próprios elementos ou circum-stancias especiaes, em que se pode dar ou se deve admittir ovonculo institorio na sua comprehensão e effeitos. Trata-se,pois, de relações, inteiramente apreciáveis segundo as regrasexpressas do direito commum, ou por analogias, tiradas dostextos deste mesmo direito. 

88 Ibidem. 84

Meneei, loc. eit., p. 278. 86 Ibidem, p. 379. 

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— 142 — 

O mais, que converia ainda mencionar das opiniões emit-tidas por Meucci, sobre a questão, o leitor encontrará em outraspartes deste trabalho. 

40. — Um outro autor, não menos illustre, que não de-vemos omittir neste capitulo, é o professor Gr. P. Chironi.86 Emsua importante obra, "Colpa Contrattuàle", elle, depois de fazerum breve retrospecto das doutrinas principaes sobre aresponsabilidade civil do Estado, expõe, por sua vez, a theoria,que reputa capaz de servir de fundamento a esse instituto,emittindo entre outros os seguintes conceitos : 

A existência do Estado não é somente ideal, não é umasimples abstracção, mas o resultado necessário da vida dospovos, e esta existência, como entidade perfeita, como pessoa, éconcebida e se revela pelo complexo dos poderes que concorremna sua constituição.87

 

Real ou fictícia, a vida dessa pessoa se manifesta na acçãodos funccionarios, os quaes, nem por isto, são o próprio Estadoque opera e provê:—o Estado, que nomeia os empregados e de-signa os limites das suas attribuições, não se pode confundircom estes, que agem na qualidade de representantes; e si bemque o representante, que se mantém dentro das faculdades rece-

bidas, seja o próprio representado operando, com tudo, este nãose considera ábsente em relação aos terceiros (questo con cio noné considerato rispetto ai terzi come non esistente àffatto). E'esta, uma consequência peculiar da representação, e sobre aqual, principalmente, assenta Chironi a sua theoria da respon-sabilidade geral. 88

 

88 São igualmente de citar, como partidários do principio da respon-sabilidade geral do Estado:—Provenzano Palazzo, Teoria delia responsabilitácivile dello Stato. Palermo, 1889;—Domenico Solari, La responsabilitá delia

 publica amministrazione. Napoli, 1902. 87 Chironi, Oolpa Contrattuale, n. 225. 88 Loc. cit. 

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— 143 — 

Dizer que o acto do funccionario é acto do próprio Estado,é, segundo elle, proferir uma affirmação inteiramente exacta,visto que — o acto do representante é acto do representado ;

mas, partir dahi para confundir  as vontades e as pessoas nopensamento de que só existe o representante, — ê pretender umresultado excessivo, repugnante à noção jurídica da represen-tação. E isto se torna ainda mais grave na theoria que distinguea acção justa da injusta nos funceionarios-órgãos do Estado :equivaleria dizer, que o representante, emquanto procede bem,é. nas suas relações com os terceiros, o próprio representado •mas. quando commette damno. não é mais intermediário, e fi-gura como sujeito único das obrigações resultantes...80

 

Mas, observa Chironi, si o funccionario representa o Es-tado, si é o próprio Estado, quem age na acção do funccionario,porque não se ha de dar acção directa contra o Estado ? E comoo funccionario agindo em nome do Estado, ha de pôr a sua res-ponsabilidade pessoal em tal relevo, de modo a impedir a possi-bilidade jurídica de acção contra o ente representado?... O Es-tado, pessoa independente, faz por intermédio de outrem o que,segundo a sua natureza, não podia fazei*o directamente; porisso, a relação, intercorrente entre elle e funccionario, é comose disse» a da representação, entendida em sentido genérico, ou

comprehensivo tanto da representação in genere, como da re-presentação própria.90

 

Em qualquer hypothese, porém, desde que se trate da res-ponsabilidade por culpas dos seus representantes, o Estado tomaa figura jurídica de committente, e os seus funceionarios a de 

89 Ibidem. 00 Ob. oit.,n. 227. —- Chironi explica o que elle entende pelos qualifi-

cativos de representação própria (ob. cít., n. 177 seg.) e representação in ge-nere ou imprópria (na. 200 seg.); considerando o mandato, como figura da

"rappre8entanza vera ou própria", e a locação de serviços, como a da "rap- presentanza in genere o imprópria ". 

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commissarios (propostos), emquanto agem dentro dos limites dassuas attribuições ; si sahem destes limites, a acção não é mais t dofunccionario, é simples facto particular ou pessoa], ao qual, por

isso mesmo, o Estado é inteiramente extranbo... E deste modo, entende o illustre professor, as relações]

entre o Estado e o funccionario ficam nitidamente determinadas.Si no exercício do cargo se dá certa apparencia de confusão dasduas pessoas, isto não contradiz á theoria proposta: na acção dorepresentante se empessoàlisa o representado (nelVazione deirappresentante s'impersona il rappresentato) que o pôz em seulogar, e de tal maneira, que se deve ter, como obra própria, tudoquanto o primeiro fizer nos limites das suas incumbências;

podendo-se, portanto, instaurar directamente contra o segundoqualquer acção de responsabilidade pelos damnos provenientesda acção do primeiro.91

 

40 a. — Referindo-se á objecção, de que não é licito appli-car os dispositivos do direito privado â relações do direito pu-blico, como são as dos funccionarios, ou que estes não devem serconsiderados, como mandatários ou prepostos do Estado, Chironiadverte, —que o direito privado, como direito commum, é a ex-pressão mais directa e completa dos princípios da justiça ; que o

direito publico é direito excepcional; e que, portanto, dada acarência de leis especiaes, que regulem a matéria de modo dif-ferente, porque o faz o direito commum, a questão pôde e deveser apreciada e decidida nos termos deste ultimo direito. 

O autor insiste em demonstrar, que a figura do Estado, nassuas relações com os funccionarios, é a de committente °2; e ac-crescenta : que, fixada assim a Índole jurídica destas relações,se evita o desaccordo das theorias que. construídas sobre con-ceitos diíferentes, distinguem a culpa coromettida na execução 

91Ibidem. aí Ob. cit.. n. 228 sg. 

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de um contrato, da qae occorre independentemente de um vin-lcalo obrigatório preexistente, - admittindo a responsabilidadeno primeiro caso, e negando-a ou afhrmando-a no segando, ab-

solutamente ou dentro do certos limites... Nào ha razão paradistincçao semelhante; na matéria em exame, conclao Chironi.o que se pode aírtrmar. como theoria geral» é:  nla rwpontabãità dello Stato feimmittente) per finjuria recata da eolpa impulabile ai moi funrionari (commem) in que$ta qualitâ e  neWeeereúio delle foro funzioni, quando per Ugge non tia stabPiht la loro sola regponmhiUtá penouale ".* 

Como elementos essenciaes. constitutivos da responsabili-dade do Estado, devem, pois. concorrer: o elemento objectivo daviolação de um direito, o elemento subjectivo da culpa do agente,

o & condição, de que o acto arguido se dê no exercício e limitesdas attribnições conferidas ao respectivo agente .M 

— Com estas indicações, qne vimos de fazer, embora a tra-ços largou somente, da doutrina professada por Chironi, damospor Anda a matéria do presente capitulo sobre a "theoria da rwpimsahUidade geral" do Estado. I Quanto à analyte ou critica de alguns dos fundamentos par*ticnlares, em que essa theoria se apoia, noa reservamos fazel-aulteriormente em occasiào maia apropriada. 

** Ibidem, a. Stt. I *Oa. ««., a. 231 sg. 10  a. c.1 

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CAPITULO IV Theoria ou

Systema Mixto 

41.— No presente capitulo é nosso intuito dar em resumoas opiniões ou conceitos dos vários autores, que, admittindo em principio a responsabilidade civil do Estado pelos actos lesivosdos seus representantes,—na pratica, todavia, restringem dita

responsabilidade somente aos actos, que pertençam á uma deter-minada categoria, das duas, em que os mesmos devem ser, paraesse fim, previamente classificados. 

O ponto de partida, no qual se reúnem os diferentes parti-dários do systema, é este: no Estado ha duas pessoas ou dousdomínios distinctos, um de direito publico, e outro de direito pri-vado. E, precisamente, nesta distincção, se contém o principioou a razão fundamental do systema, que adoptam e sustentam.  

No modo de considerar, desenvolver e applicar esse prin-

cipio geral, notam-se discordâncias serias, as vezes, difficeis deharmonisar, entre os seus próprios adherentes. Parece, que taesdiscordâncias vém, sobretudo, da falta de um critério geral, se-guro, para, conforme ao mesmo, se poder realisar a classificaçãodos actos nas duas categorias, que servem de base ao systema.Em todo o caso, a despeito de quaesquer divergências, reaes ouapparentes, ha um facto, que subsiste e se patenteia distincto nacontrovérsia: é, que todos os propugnadores da theoria mixta semostram accordes no pensamento commum, de afnrmar a pre-

eminência do poder publico soberano, as vezes, de modo incon-dicional ou discricionário, nas suas relações com os diversossujeitos de direito privado; mas não desconhecendo, ao mesmo 

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tempo, a necessidade de serem respeitados os direitos e inte-resses destes últimos, aomenos, nos limites da rigorosa justiça.— Não seria faeil dizer, qual o autor que primeiro aventara a

idéa de distinguir os actos do Estado ou da publica adminis-tração em duas classes, — como condição de julgar da respon-sabilidade ou não-responsabilidade do Estado, pelos effeitos econsequências dos mesmos.95 Ao nosso propósito, porém, bastaajuntar que, como doutrina, é ella hoje, não só, professada porum grande ^numero de escriptores, dos mais competentes, entreos que se tem o ocupado do assumpto, mas também, invocadamuitas vezes pelos tribunaes judiciários, como razão de decidiros casos que lhes são sujeitos. 

42. —Larombière se exprime na matéria, desta sorte : Si nous soumettons 1'Etat, represente par les différentes

régies ou admioistrations publiques, à la même responsabilitéqu'un simple- particulier, à raison du dommage canse par sesagents et prèposés dans 1'exercice de leurs fonctions, ce n'est 

95 Mantellini, apoiando-so om trechos de escriptores antigos, procurademonstrar, que não é nova a doutrina que distingue ontre os actos doEstado para, segundo a qualidade dos mesmos, affirmar, ou negar, a respon-sabilidade do Estado. Entre os esoriptores, a que se soccorre, oita Grotius(Le droit de la guerre et de lapaix, trad. por Barbeyrac, liv. II, cap. 4, § 12;

cap. 14, § 2 seg.; cap. 20, § 24, etc), Pufendorff, e De Luca,—transcrevendodeste ultimo a seguinte passagem: « Intrat reduplicatio personarum quce inPríncipe consideratur \ quod scilicet una est persona prívati contralientis, et altera est publici administratoris et rectoris príncipatus et reipublicce. Quod scilicet alia est persona JPrincipis tamquanx contrahentis, et alia est personaejusãem tamquam Ugislatoris, et providenHs super bono regimim reipublicoí et 

  príncipatus, ex causa públicos necessitatis et utilitatis... Ideoque id quod per istam posterwrem personam fit ex causa publica, fortuito casui potius refe-rendum est, et assimilandum fulguri, vel tempestati, vel inundationi, aut incêndio, aliisque similibus casibus, ad quos fidei violatio sequi non dicitur. >(De Luca, De officiis venàlibus). E depois do que, observa o próprio Mantel-lini : — Si assim ora, quando o Estado desapparecia no Príncipe, muito mais

deve ser agora no Estado moderno, do qual o Príncipe é apenas o primeiromagistrado. — (Lo Stato ed il Códice Cioile, p. 38-39). 

*• 1 

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pas que le príncipe general et de droit commun, pose dans l'ar-ticle 1384, soit indistinctement applicable à 1'Etat. Lors qu'ilorganise une administration publique, dans un intérèt de mo-nopole ou de spéculation ordinaire, en vue d'une véritableexploitation industrielle, ou que, sous 1'autorité de la loi, ilfonde 1'etablissement de services publics donfil règle les con-ditions d'existence et les rapports reciproques envers les ci-toyens, qu'elles que soient les considérations d'ordre publie et(Vutilité générale qui s'y rattachent, il ne saurait, toute questionde competence demeurant réservée, se faire une po-sitionexceptionnelle et differente de celle d'un simples par-ticulier. IIest censé exercer une industrie privée, et 1'exploitation àl'aquelle il se livre établit entre lui et les citoyens des rapportsprives qui sont régis par les mêmes príncipes ordinaires du droitcommun, du moins en ce qui concerne au fond la res-ponsabilitéqui lui incombe. Dès lors, il est un simple COMMET-TANT

ORDINAIRE, et soumis, à ce títre, à la responsabilité civile établiepar 1'article 1384, sauf les modifications que cette res-ponsabilité, qui, par rapport à lui, n'est ni générale ni absolue,peut subir dans son étendue et ses effets, suivant la nature et lesbesoins de chaque service. Mais, quant aux actes de GOU-VERNEMENT proprement dit, il n'est POINT RESPONSABLE DUOOMMAGE CADSÉ par les délits ou quasi-délits de ses divers fon-ctionnaires, qui, dans 1'ordre de la hiérarchie et dans les diffé-rentes branches de l'administration, sont dépositaires d'une partplus ou moins considérable d'autorité publique. Leurs actes, dequelque nature qu'ils soient, n'engagent point sa responsabilité.Autrement, la marche du gouvernement serait constammententravée, et son action amoindrie. L'intérêt publie souffrirait detout ce quiserait concede à des intérêts individueis. D'ailleurs, lecaractere même des pouvoirs qui resument la sou-veraineté, et enqui reside le gouvernement, la mission de pro-tection générale,dont ils sont investis, lahaute sphère, dans la-quelle ils semeuvent et de laquelle descendent tous les pouvoirs secondairespour entrer plus imraediatement en rapports avec les intérêtsparticuliers, empêchent de faire remonter jusqu'á 1'Etat,considere comme personne morale, les conséquences des délits etquasi-délits, commis dans Texercice de leurs fonctions par lesagents e fonctionnaires de tous ordres et de tous rangs. Lesparties lesées n'ont de recours que contre eux.96

 

96 Larombière, Theorie et Pratique des Obligations, t. VII, art. 1384, n.15.— Paris, 1885. 

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Importa notar da transcripção feita, que o autor não tiraargumento, em favor da irresponsabilidade do Estado, da naturezado acto somente, isto é, de ser este, considerado um [ acto de go ver 

no ou de   poder soberano; não, elle affirma igualmente airresponsabilidade do Estado, em vista de sua qualidade de pessoamoral, e como tal, isenta de responder pelas consequências dos actosillicitos dos seus representantes... 

43. — Sourdat, encarando a questão nos seus differentesaspectos, externa os seguintes conceitos: Todos os corpos epessoas moraes, o Estado, os departamentos, as communas, osestabelecimentos públicos, assim como, as sociedades civis oucommerciaes, são, em principio, sujeitas ao direito commum,

no que concerne â formação das obrigações. Para aquellas,  » como, para os indivíduos particulares, as obrigações tiram a sua

origem das disposições legaes, que regem o direito da proprie-dade, dos contractos, dos quasi-contractos, dos quasi-delictos,e, se deveria ajuntar, dos delictos; porquanto, si a natureza dascousas obsta, que as individualidades moraes sejam attingidaspelas penas physicamente afflictivas, estabelecidas nas leis derepressão, — nada impede, que ellas incorram nas obrigaçõespecuniárias, em razão dos delictos dos seus agentes. Estes últi-

mos, de certo, são os únicos, que podem ser attingidos pela 

F pena corporal. Mas as diversas administrações, às quaes ellespertencem, devem ser sujeitas às reparações civis dos damnos •causados pelo delicto.97

 

« Quanto ao próprio Estado, a immunidade que lhe é reco-nhecida, se estende somente às  penas; mas a responsabilidadepuramente civil existe indubitavelmente ao seu respeito, comoa respeito de qualquer outro committente. O delicto, a culpaimputável pessoalmente ao agente, é, às vezes, o effeito de uma  

87

Sourdat, Traité Qén. de la responsàbilité, t. II, n. 1239.— Paris,1902, 5* edic. 

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imprudência, de uma negligencia da autoridade superior ; emtodo o caso, a escolha do agente em si pode constituir uma culpa;e justo é, que a presumpção legal estabelecida contra os com-

mittentes em gera), para obrigal-os a não empregar, senão,prepostos de idoneidade segura, se estenda igualmente ao Es-tado, representado pelas differentes administrações. O interessepublico assim o exige tanto mais fortemente, guando os poderes,de que são revestidos os agentes, em razão das suas funcções, .podem tornar as suas culpas, mais prejudiciaes aos terceiros, doque a dos simples particulares. » 

Objectarão talvez, prosegue Sourdat, que semelhante res-ponsabilidade pode comprometter a fortuna publica? O perigo

não é real: aliás, si as condemnações pronunciadas contra oEstado se podessem tornar tão frequentes, de modo a compro-metter o património publico ; um facto desta ordem indicaria,,antes de tudo, desordens no corpo administrativo, e o únicoremédio efficaz contra taes desordens seria, precisamente, forçaro Estado, por uma applicação severa da regra da responsabi-lidade, a escolher agentes mais esclarecidos e mais devotadosao interesse publico. E pois, o disposto no paragrapho terceirodo art. 1384 do cod. civ. é applicavel ao Estado, em razão do

damno causado pelos agentes das diversas administrações, nasfuncções que lhes são conferidas.98 

Todavia, adverte logo o autor, seria ir demasiado longe, siconsiderássemos o Estado, como responsável pelos actos detodos os funccionarios, que elle nomeia ou emprega: -"Unedistinction est nécéssaire"; mais c'est un problême diffí-cile qued'en déterminer les bases. Ni la loi ni la jurispru-dence n'ontencore formule un príncipe bien arrete. On peut dire cependantqu'en general les ACTES DE SOUVERAINETÉ OU 

DE PDISSANCE PUBLIQUE ET LEG1SLATIVE, Us fttlts de goUVer- 

»' Loe. cit.,n. 1302. 

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n&mant proprement dits, ou d'administration génêrale, ne don-nent paslieu à la responsabilité de 1'Etat.—Tels sont les faits de guerre,les mesures gétiérales et même particulières, prises dans uninterêt (Vordre public, de salubrité, ou au point de vue

economique, comme la prohibition d'exporter certames denréesou mercliandises, 1'établissement ou la modification des tarifs dedouanes, un changement aux limites de la frontière, par suitede conventions diplomatiques ou autres mesures de haute policeprises par suite d'accords de eette nature, les aetes de tutelleadministrative. II est â remarquer, du reste, que ces disposi-tions d'ordre et de police ne portent pas généralement atteinteádes droits acquis, et e'est la raison fondamentale qui s'oppose àce qu'elles engendrent une action en responsabilité, qui de-vraitêtre admise dans le cas contraire. " Elles sont aussi par-fois lerésultat de la force majeure, comme lorsqu'il s'agit de prevenirou d'arrêter une épidemie, une inondation. Alors même qu'elles

porteraient préjudice à des intérêts respectables, â des attenteslegitimes, elles pourraient n'être de la part du Gouvernement,que Texercice d'un droit. Par exemple, lors-qu'unecirconscription territoriale est modifiée suivant les régieslégales, les notaires ou officiers ministeriels, qui peuventsouffrir quelque préjudice, n'ont pas d'action en réparation; maisV Etat n'userait sans doute pas de cette faculte avec rigueur ensupprimant une circonscription entière, ce qui équivaudrait àpeu prés à la suppression des offices: il donnerait sans doute uneindemnité.—Les actes de cette nature sont donc regardescomme tenant à un   pouvoir discrétionnaire, dont l'Etat est in-|vesti dans Vintérêt public, et dês lors, ils ne sont susceptibles(Vaucun recours par voie contentieuse devant les tribunaux,soit judiciaires, soit administratifs. Cest seulement par voixgracieuse qu'on peut en demander la modification ou réclamerune indemnité. 10° 

43 a.—Entretanto, não se tratando de actos, como os queficam indicados, o autor entende, como se vio, que o Estado deve 

90 Ob. oit., ns. 1304-1305. O autor diz "des droits acquis", — porque'si o acto arguido não ferir, senão, simples conveniências, esperanças naorealisadas, as quaes a lei não protege por uma sanação particular, não ha-verá dam no de modo a constituir o seu autor em culpa, e obrigal-o ã repa-

ração. O damno, na hypothese, não seria apreciável. — Loc. cit., 1.1, n. 444. 100 Ob. cit., n. 1805. 

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ser declarado sempre responsável pelos actos dos seus represen-tantes. Os serviços que elle enumera de maneira especial, nosquaes semelhante responsabilidade é de regra, são: 1) o dos bens

do domínio do Estado; 2) o das repartições flscaes, isto é, admi-nistrações, a que compete a arrecadação de rendas, inclusive osestabelecimentos de industria monopolisada, taes como—a'dostabacos, a de vias-ferreas, etc.; 3) o das obras publicas, civis oumilitares, assim como os que versam sobre a construcção denavios, fabricação de pólvora, armas e outros serviços dos arse-naesou estaleiros da nação. O Estado, como gerente desses dif-ferentes ramos da fortuna publica, age nas mesmas condições,em que o faz um individuo particular, muito embora, as suas

vistas sejam somente dirigidas pelo interesse publico.101

 Segundo Sourdat. a responsabilidade do Estado é directa,

ou reflexa: — directa, quando o damno resulta de factos orde-nados e executados pelo próprio Governo, tendo então appli-cação os arts. 1382 e 1383 do cod. civil;—reflexa, quando osfactos são imputáveis pessoalmente a um funccionario. isto é.quando se dá a sancção do artigo 1384 do mesmo código. Noultimo caso, a acção contra o Estado depende de duas condiçõesessenciaes: Ia, que o acto damnificante seja commettido pelo

agente no exercício de suas funcções ; 2

a

que dito acto constituauma culpa caracterisada, quer dizer,— que o Estado não poderiaresponder por um accidente sem causa reconhecida, ou cujacausa não podesse ser attribuida, com segurança, á negligenciados seus empregados. 102

 

u>i ibidem, n. I30ft. 102 Ob. cit., n. 1307. O autor funda a responsabilidade reflexa, alem do

mais, na escolha ou nomeação feita pelo committente, o qual, — si prepôz aoseu serviço um individuo menos capaz ou negligente, deverá carregar comas consequências dahi provenientes, como suas. (loc. cit., n. 884). 

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43 b.— Referindo-se aos que contestam a responsabilidadereflexa, desde que não haja disposição expressa de lei a respeito.o autor observa: "Ceei revient â dire qu'au fond la responsa-

hilité de VEtat ne existe pas; du moins qu'elle nc será reconnuequ'au gré de V administration elle-même, et sans aucune règlequi la determine â V avance. Or, un pareil arbitraire est essenti-eUement rigrettàble.''108

 

De resto, também Sourdat é de parecer, que as regras domandato ordinário ou civil não podem ser applicaveis ás func-Ições publicas por não haver analogia, dizendo, a esse respeito:Quando eu trato com o mandatário de uma outra pessoa, soulivre de contractar ou não, e tenho o direito de verificar os po-

deres do mesmo. Mas, diante do funecionario publico, me achodesarmado. Elle não me permitte, em regra, discutir a sua au-toridade ; e como os limites das suas attribuições não são exacta-mente conhecidos pela mórparte dos cidadãos, fácil lhe seráabusar delias... A responsabilidade do Estado é a única garantiaefficaz (la seule garantie efficuce contre Varbttre et les obus)contra o arbítrio e os abusos. Ella se justifica, como a de todocomraittente, pela obrigação que lhe incumbe de bem escolheros seus propostos, fiscalisal-os. e dar-lhes as ordens e instruc-ções convenientes.104

 

44.— A. Bonasi foi, senão o primeiro, certamente, aquelle 

que expoz na Itália, de modo particular, o systema da dishncçao 

dos actos do funecionario, como critério da responsabilidade 

ou não-responsabilidade civil do Estado, relativamente aos 

effeitos dos mesmos actos. Convirá ouvil-o, de preferencia, na 

sua própria linguagem. Si vuol sapere. . . si i rapporti che passono fra le publi-che

amministrazioni e i funzionari che le rappresentano, sieno 

1,8

Ibidem, n. 1308.104 Ibidem. 

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delia stôssa natura di quelli che intercedono fra i comittenti e icommessi di cui parla il códice civile, per decidere se a quest'or-dine particolare di relazioni possono darsi le medesime quali-fiche alio scopo di dedurne ginridicamente conseguenze identi-che.'.. In tesi generale sarebbe difncile il trovare un solo argo-mento plausibile in appoggio di una soluzione negativa. Logi-camente lo Stato non potrebbe essere esonerato sempre ed intutti i casi da ogni responsabilitá verso i cittadini, che aliacondizione di non riconoscergli nessun obbligo verso di loro eda questi nessun diritto propriamente detto contro lo Stato;'sistema che toccherebbe 1'estremo limite dei dispotismo, che èrespinto da tutti i governi civili come un'odiosa calunnia, e chein Itália, dopo la sua gloriosa rivoluzione, nessuno pensa piúdimettere innanzi. 

Ma se 1'equitá e la ragione vietano de sottarre intieramentelo Stato dalle disposizioni scrite nell' articolo 1151 e seguentidei códice civile, non si puó neppure ammettere che la sua res-ponsabilitá si trovi sempre impegnata pel fatto de'suoi agenti.105

 

Si, pois, prosegue Bonasi, a verdade não se acha nos estre-mos, é preciso procural-a em um justo meio, isto é, procedendoa distincções, que ponham os princípios da sciencia e os sagra-dos direitos do individuo em accôrdo com a necessidade de nãotolher inteiramente a acção do Estado e das administraçõesmenores, que ao mesmo servem de auxiliar ou de complemento.  

44 a.—Examinado o Estado na sua origem, na sua natu-

reza, no seu fim e meios para chegar á realisação deste, diz oautor, facilmente se lhe descobre um duplo caracter, do qualderiva uma ordem dúplice de funcções e attribuições perfeita-mente distinctas. Por umas, elle se apresenta, como investidodo poder soberano de dictar as leis, de tomar todas as disposi-ções necessárias á execução delias, de distribuir a justiça, demanter a ordem e a segurança entre os cidadãos, protegendo osseus interesses moraes, intellectuaes e materiaes, e no caso 

105A. Bonasi, Responsabilitá Penale e Civile dei Ministri e degli altriufflciali puUici, n. 262, p. 446 sg. Bologna, 1874. 

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de conflicto entre os interesses privados e os do publico,— fazer  prevalecer a causa publica sobre a privada dentro dos limitesda verdadeira necessidade, isto é, fazer prevalecer a primeira

sobre a segunda com o menor sacrifício possível da liberdade epropriedade privada.106 Por outras, o Estado se manifesta, comouma grande pessoa moral, uma pessoa jurídica ou civil,—possuindo bens, propriedades, interesses,créditos e débitos, quenão se confundem, nem com os bens, nem com as propriedades,nem com os interesses, créditos, e débitos, dos indivíduos quecompõem o Estado : podendo este comprar, vender, obrigar-se,estar em juizo, em uma palavra, fazer todos os actos da vidacivil que são compatíveis com a sua natureza de pessoa jurídica,e dos quaes nascem as relações de direitos e obrigações, regi-das pelo código civil.107 Considerado o Estado sob o primeiroaspecto, a dizer, '' come un' incarnazione delia sovranitâ enélla suapersonalitá politica", é evidente, que o art. 1153 docódigo civil não pode ser-lhe applicavel; assim como, é mani-festo que dito código, sô regulando os interesses da ordem pri-vada, ou as relações de pessoa à pessoa,—os seus qualificativosde committente e commissario também só devem ter applicaçãoaos casos, em que se dão commissôes de interesse privado, e nãoaos cargos ou funcções publicas, instituídas pelas leis que inte-

ressam á ordem publica e á administração do Estado, e que,como taes, não podem ser reguladas, senão, pelo direito pu-blico. Consequentemente, accrescenta Bonasi, no silencio destedireito, a responsabilidade pelos factos illicitos e lesivos, prati-cados pelos funccionarios públicos no exercício de funcções so-beranas, a elles delegadas pelo Estado,— é puramente pessoal(resta puramente personale); não cabendo ao individuo, que por 

106 Ob. oit., n. 264, p. 448. Cf. Romagnossi, Principi fonãamentali

dei diritto amministrativo, l. 1. 107 Ibidem. 

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elles fôr lesado nos seus direitos, outro recurso contra o Go-verno, senão o da via graciosa, para pedir a revogação ou reformados actos que lhe causarem damno.108 Emquanto que, conside-

rado o Estado sob o outro aspecto, a dizer, como pessoa civil, nãoha duvida, que em relação aos cidadãos lesados nas suas pessoasou nos seus bens, deve elle ser encarado, como committente dosfunccionarios ou agentes que institue e fiscalisa; porquanto, coma mudança da extensão, não se opera a mudança de natureza, ouem outros termos, por mais vasta e gigantesca que seja apersonalidade jurídica do Estado, esta não deixa de achar-sesujeita âs regras que são próprias e communs ás pessoas emgeral: —   In consegitenza, V azione ãi risarcimento pei fatti

dannosi compiuti dai publici uffiziali, netta loro qualitá di com-messi applicati alia gestione dei privati interessi dello Stato, potraesercitarsi indifferentemente, e come ogni altra azione solidale,o contro lo stesso autorc dei fatto, o contro Vamministrazione, ocontro tutti e due comulativamente.109

 

A apreciação, pois, da matéria e a decisão dos casos de-pende, parte, das disposições do direito publico, parte, das regrasdo direito privado. O autor, porém, reconhece e confessa que,não obstante os princípios geraes, por elle enunciados, grande

dificuldade continua a subsistir no firmar a distincção dos actosdo Estado, quando elle age, num, ou noutro, dos dous aspectos,pelos quaes deve ser considerado, afim de julgar-se da suaresponsabilidade : — lo Stato persona civile, e lo Stato governo, per ciò stesso che Vuno é accessorio e instrumento ãelValtro, si toc-cano frequentemente per tutti punti, e s'intersecano e si compli-cam di guisa, che spesso Vordinária attenzione non basta piú adistinguere i rispettivi confini e â qual titulo siu compiuto unãeterminato atto. E' allora che V applicazione dei principialle fat- 

108Ibidem, n. 265.»'»Ibidem, p. 450. 

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tispede diventa somtnamente ãifficile.no E prova desta diffieul-dade sobre a distincção recommendada nos offerecem os annaesda jurisprudência nas incertezas das decisões judiciaes e nos

pareceres dos jurisconsultos, que tem tido occasião de pronun-ciar-se sobre os casos particulares occorrentes.m

 

44 b. — De resto, Bonasi preceitua, como regra geral, quenão soffre excepção, a não ser que a lei o declare expressa-mente,—que a applicabilidade do art. 1153 do código civil ásadministrações publicas depende sempre da condição, de que osrespectivos factos sejam praticados no exercício das própriasfuncções, ou que, ao menos, se liguem de modo inherente aosfins das mesmas administrações.112

 

O autor estuda ainda a matéria, debaixo de outros pontosde vista, que lhe são peculiares, mas de que não ha mister fazerespecial menção neste lugar, para, depois de tudo, chegar âestas conclusões : 

1.° Que as administrações publicas não respondem peloacto de seus representantes, quando estes agem no caracter dedelegados investidos das funcções soberanas do Estado, e quepor isto, em tal caso, a responsabilidade do damno causado poractos illicitos recae somente sobre a pessoa do funccionario,que os pratica, e não cabendo acção alguma, senão, contra estepessoalmente.  

2.° Que, ao envez, a responsabilidade dos factos lesivos eillicitos dos funccionarios attinge às administrações, de que 

110Ibidem, p. 462 sg. 1,1Bonasi entra no exame de vários actos e factos praticados pelos

funccionarios de diversos ramos da administração publica, no intuito debom esclarecer os fundamentos da theoria que adoptara, citando a propó-sito numerosas decisões das cortes de justiça, belgas, francezas e italianas,proferidas, segando elle, d'accôrdo com a theoria referida.—Loc. cit,, ns. 269

a 283, p. 461-526. 112 Ob. oit., n. 284, p. 526. 

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dependem, quando, no exercício das suas funcções, elles praticamactos que se incluem na esphera dos interesses privados dasmesmas, consideradas estas, como personalidades jurídicas ; e

por isto, em hypotheses semelhantes, as acções de indemnisaçãopodem ser propostas livremente, ou contra as administrações, -ou contra os funccionarios; mas, adverte Bonasi, será contraestes somente, desde que tenham agido fora dos limites do seumandato. 

3.° Que, finalmente, nos casos, em que tem lugar a respon-sabilidade das administrações, a ellas são applicaveis, activa epassivamente, as regras do direito commum.118

 

45.—E. Loening, à cuja importante monographia 1U játemo-nos referido tantas vezes no presente trabalho, entendeque, no estudo da responsabilidade civil do Estado, cumpre di-vidir a matéria em duas partes distinctas: uma, relativa aos actosou omissões illegaes, praticados pelos funccionarios, comorepresentantes do Fisco;11& outra, relativa aos actos e omissõesillegaes dos funccionarios, como representantes do poder pu-blico ou da soberania do Estado: aquella, regida pelas disposi-ções e princípios do direito commum ou privado, e esta, regidapelo direito publico ou direito do Estado. 

Partindo deste pensamento, Loening estuda, em particular,os factos de uma e outra ordem, para, segundo a sua natureza eeffeitos diversos, verificar os casos, em que o Estado 

118 Ibidem, n. 295, p. 539.—Em trabalho posterior sob o titulo "Laresponsàbilitá dello Statoper gliatti dei suoi funzionari", Bonasi sustenta asmesmas idéas, de que vimos de dar ligeira noticia.—Vide: Revista Italiana

 per le scienze giuridiche, vol. I, fase. I. Roma, 1886. 114   Die Saftung ães Staats aus rechtsvÀãrigen Handlungen seiner 

 Beamten naeh deutschen PHvaUund^StaatsrecM. Frankfurt a/M. 1879. 

u» Fisco é, na linguagem official e na litteratura jurídica allemâ, oEstado nas suas relações de ordem civil ou de direito privado. Equivale áexpressão "Fazenda Publica", usada semelhantemente no Brazil. 

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deve, ou não, responder pelos damnos, que dos mesmos provémaos direitos individuaes; dizendo a esse propósito : Emquantoo Estado se mantém nas relações puramente de direito privado,

ou quando de relações, embora pertencentes ao direito publico,resultam reclamações 116 e obrigações contra o Estado, quedevam ser attendidas segundo disposições particulares do di-reito privado, o Estado ou o Fisco (como é chamado neste ca-racter) é sujeito às normas do referido direito: tal é o principioconsagrado no direito commum e em todas as leis particulares. —Não obstante a serie de privilégios, que porventura lhe caibam,o Estado, como Fisco, é uma pessoa jurídica do domínio do di-reito privado (der Staat ais Fiscus ist eine juristische Person auf dem Gebiel des Privatrechts).117

 

Portanto,- accrescenta o autor: « a questão de saber, si, eaté onde, é o Estado obrigado a responder pela conducta illegaldos seus funccionarios, nas relações de direito privado, resol-ve-se, antes de tudo, na questão mais geral de saber, si, e atéonde, as pessoas jurídicas do domínio do direito privado podemser declaradas responsáveis pela conducta illegal dos seus re-presentantes .» U8

 

No exame desta these, douta e longamente feito, Loening,depois de bem apreciar os actos e condições differentes, pelas

quaes os funccionarios podem lezar ao alheio direito em vista dosprincípios do direito privado (na celebração e execução de con-tractos, no quasi contracto, no delido, e no quasi-delictó) chega ãconclusões particulares, que convém mencionar separadamente. 

45 a.—Quanto aos damnos provenientes das relações con-tractuaes, entende o autor, que toda pessoa jurídica, e o Fisco 

116 O autor emprega a palavra"Anspruche", que significa, verdadeiramente, reclamações jurídicas, isto é, acções oudireitos de acção, 

117

Loening, loo. cii, p. 58-54 e 93. 118 Ibidem. 

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em particular, deve responder pela culpa dos seus represen-tantes, prestando justa indemnisação aos indivíduos lesados.110;Tratando-se, porém, de actos extracontractuaes, a respon-sabilidade das pessoas jurídicas por culpa verificada de seus re-presentantes não se pôde fundar, nem directa, nem analogica-mente, na obrigação do dominus pelos delictos, que o institor, oexercitar, ou outros prepostos semelhantes, commettam no des-empenho de um negocio ou encargo. Os representantes das pes-

soas jurídicas não se acham precisamente, para com estas, narelação institoria, e nem, segundo o direito romano, o dominusrespondia pelos actos lesivos, que o institor, ou outro prepostoqualquer, coramettia independentemente de contracto, aindamesmo, quando fosse a relação institoria, que desse occasião aofacto arguido: sendo, portanto, em vista da theoria e pratica,alleraã,120 de apresentar ou afíirmar, sobre este ponto, as se-guintes proposições: 

1)  Uma responsabilidade da pessoa jurídica em geral,assim como, do Fisco em particular, pelas culpas extra-con-tractuaes dos seus órgãos e funccionarios, não pode ser deri-vada, nem da natureza da cousa, isto é, da idéa da pessoa jurí-dica em si, (por não ser capaz do mal), nem da relação jurídica,em que estão os órgãos e funccionarios para com ella. Assim jásuccedia no direito romano, no qual assenta a theoria hodiernada pessoa jurídica, — visto como essa responsabilidade foradesconhecida do mesmo. E nem se pôde dizer, que ditaresponsabilidade era uma necessidade lógica da pessoa jurídica.

2)  A responsabilidade das corporações pelos actos de seus

órgãos e funccionarios, característica própria do direito medie-val, não foi recebida no direito eommum.

lis Loc. clt., p. 64, ngnanter, p. 71. ia» o autor examina e aprecia a matéria, principalmente, em vista

do direito e jurisprudência da Allemanha. 

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3)  Também não está demonstrada a existência de um di-reito usual, por meio do qual essa responsabilidade tenha entradono direito commum. A diversidade de pareceres, sustentados na

litteratura e na pratica, assim como, a vacillação da linguagemdas próprias cortes judiciaes, que tem as vezes admittido aresponsabilidade das pessoas jurídicas, como fundada em direito,mostram claro a falta de convicção geral acerca do assumpto.

4)  A moderna legislação allemã não contém disposiçãoexpressa sobre a questão • m e dos seus princípios geraes esta-belecidos, concernentes às pessoas jurídicas, não é licito deri-var a responsabilidade destas por culpas extra-contractuaes.I 5) Como se disse, um direito usual, relativo a este ponto emparticular, não foi, pelo menos, até agora demonstrado. E em-quanto a existência deste direito não for comprovada, a regra aprevalecer, tanto segundo o direito commum, como segundo amoderna legislação, é esta: « As pessoas jurídicas em geral,assim como o Fisco em especial, não respondem pelas culpasextra-contractuaes de seus órgãos e funceionarios, a menos quehajam assumido, convencionalmente, a obrigação de fazei-o, ouque esta obrigação lhes incumba, excepcionalmente, em dadasrelações, por força de disposições positivas. 

—   Die juristischen Personen tiberhaupt, wie ãer Fiscus

insbesondere, haften nicht fitr die aussercontractlichen Verschul-dungen ihrer Organe und Beamte, sofern sie nicht vertrags-massig eme Haftung iibernomrnen hàbcn oder sofern ihnennicht durch positiven Rechtssatz fiir besondere Verhãltnisse aus-nàhmsweise eme solche Verbindlichkeit aufgelegt tvorâen ist. 

6) Entretanto não se desconhece, que, conforme á umacomprehensão mais lata, a responsabilidade da pessoa jurídica,pela culpa extracontr actual dos seus representantes, é conside- 

131

O autor escrevera antes de promulgado o actual código eivilallemao. 11  R- c. .

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rada, uma obrigação de justiça (ais eine Forderung der Oe-rechtiglceit), e que, segundo este pensamento, as cortes judicia-rias, assim como, escriptores notáveis tem, não raro, admittido

que a sobredita responsabilidade pode encontrar o seu funda-mento no próprio direito vigente.. .m

 

Quanto á esta ultima proposição, Loening procura, maisuma vez, revistar os factos e argumentos, em que a mesma sebaseia, concluindo, porém, de modo insistente : Io que, da cha-mada '' culpa in eligendo sive custodiendo ' ', não se pôde derivaruma tal responsabilidade da pessoa jurídica; visto, si culpa hou-ver no caso, pertencer ella aos órgãos ou funccionarios, e não ápessoa jurídica;123 2o que, consequentemente, só poderá caber

responsabilidade ao Fisco, ou á pessoa jurídica em geral, porãamno extracontractual, quando a questão da culpa fôr irre-levante, a dizer, quando, por exemplo, o Fisco se faz empresáriode certos ramos da industria ou commercio, cuja exploraçãoinvolve perigos para os operários e os terceiros; perigos, que.tanto podem occorrer por negligencia na fiscalisação, como, porse não poderem evitar, ainda com a maior precaução. Quemexplora empresas dessa ordem, mesmo sem incorrer em culpa,pode occasionar daninos e desastres; e como a obrigação de

indemnisal-os não assenta aqui na culpa, porque a exploração éum acto licito, e sim, no perigo que ella acarreta;—é lógico e  justo, que o empresário carregue com as consequências desseperigo, prestando a reparação devida.m 

122 Loc. cit., p. 83-85. 123 Loc. cit., p. 86 seg. 184 Loc. cit., p. 87-91. Segundo Loening, o Estado, como explora-

dor de vias-f erreas, e d'outras empresas do commercio ou Industria, estásujeito ao cod. do commercio e as leis especiaes. Quanto aos fundamentos

particulares, era que elle se apoia para chegar ás conclusões, de que acimase fez menção, são elles idênticos aos de que se soccorre igualmente, paracombater a responsabilidade pelos actos do governo (hic, p. 164-65, sg.). 

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I  — 163 —  I 

45 b.—Passando á, outra ordem de factos, Loening começa

por accentuar, que os princípios do direito privado não podemser applicaveis ao Estado, quando este, em vez de Fisco ou su-  jeito de direitos e obrigações privadas, se apresenta, ao con-trario, no exercício do poder publico, isto é, como autoridadesuprema, a cuja vontade todos os indivíduos devem obedecer,não lhes sendo licito obstal-a, em nome dos seus direitos par-ticulares. 

O Estado pode, por meio da sua legislação, modificar ouabolir os direitos privados existentes; assim como, autorisar,

em dadas circumstancias, aos seus órgãos â violar os mesmosdireitos. Pode igualmente conferir-lhes a faculdade de decidir,segundo o próprio critério e dentro de certos limites, si tal outal medida, aliás infringente dos direitos particulares, se faznecessária, e bem assim, deixar ao arbítrio dos ditos órgãos odecidir, em dados casos, si devem, ou não, usar dos meios docargo, elementos de força, etc, para obstar um perigo, queameace os direitos privados dos indivíduos. Em todos essescasos e outros semelhantes, os actos ou omissões dos órgãos doEstado nada tem de illegal, desde que se conservem nos limites

postos pela lei, ainda mesmo, que o seu procedimento não cor-responda ao fim, ou que a sua interferência seja desnecessária. 

Emquanto não se provar, que se procedeu com dolo ou ne-gligencia, não se pode fallar de damno causado illegalmente:suppondo mesmo, que o funccionario haja intervindo por erroou zelo* demasiado, o seu acto não é illegal, desde que se tenhaconservado dentro dos limites da lei. m Adverte, porém, Loe-ning, que a sua indagação, no momento, não se refere aos actosdesta espécie, mas, somente, às lesões porventura causadas a

terceiros pelos actos e omissões illegaes dos funccionarios.

m

 

198Loe. oit., j. 93-94. 121 Loc. oit., p. 95. 

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Pelo que, entrando no exame particular dos fundamentos di-versos, que tem sido apresentados para justificar a responsa-bilidade do Estado, taes como, — o dever de obediência aos

funccionarios, — a culpa do Estado na nomeação ou fiscalisaçãodestes, — o dever de  protecção ou garantia dos direitos indi-viduaes, ou mesmo, o de assegurar o bem estar dos indivíduos(Wohlfàhrt seiner Angehorigen) por parte do Estado, — e ocaracter representativo do funccionario, cujos actos, segundo setem entendido, devem ser considerados, actos do próprio Es-tado127 ; depois de confutar a semrazão de uns, e a improce-dência de outros, concluirá com as seguintes considerações : 

a) Para saber, si, e até onde, seja admissível a responsa-

bilidade do Estado, precisa examinar os seus fundamentos espe-ciaes, os quaes não se encontram, nem no caracter representa-tivo do cargo publico, nem em uma culpa do Estado. E uma vezacceito, como correcto, que o caracter representativo do cargo,somente, não obriga ao Estado pelos actos illegaes dos func-cionarios, disto resulta igualmente, que não existe uma soluçãogeral da questão. Não ha fundamento jurídico algum, segundo oqual, o Estado deva ser declarado responsável por todos os actosou omissões illegaes, de que os seus funccionarios se mostrem

culpados no exercício dos cargos; assim como, é verdade, nãohaver também fundamento jurídico, que exclua, por completo, aresponsabilidade do Estado, acerca de determinadas espécies deactos e omissões illegaes dos referidos funccionarios. A razão jurídica desta responsabilidade limitada não está na relação docargo publico, como tal, mas na natureza jurídica de certasfuncções, que os funccionarios exercem em nome do Estado. 

b) Do mesmo modo, não se pode admittir a culpa do Estadona nomeação ou fiscalisação do funccionario.. .Dado que um func-cionario superior nomeie, por culpa ou dolo, a um individuo 

«7 Loc. cit., p. 97-109. 

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incapaz... e que, da acção ou omissão illegal do mesmo, resulte 

um damno, a culpabilidade deve recahir sobre dito funcciona- 

Irio superior, assim como, a obrigação consequente de reparar o 

damno; o Estado, porém, nunca estaria por isso em culpa ou na obrigação de indemnisar cousa alguma................  

'' Wenn und soweit also eine Uaftpflicht des Staats anzu-nehmen sein wird, wird dieselbe auf besondern Reelitsgrlindenzu ruhen kaben, die weder in dem reprásentativen Charakter desAmtes noch in einer Yerschuldung des Staats enthalten seinkónnen. Ist das erstere richtig, dass der reprãsentative Chara-rakter des Amtes allein den Staat nicht verpflicbtet, fur dierechtswidrigen Handlungen der Beamten einzustehen, so wirddaraus auch gefolgert werden miissen, dass es úberhaupt eine ALLGEME1NE BEANTWORTUNG DER FRAGE NICHT QIBT. Es gibt keinen Rechtsgrund nach welchem der Staat haftbar zu erklâ-ren wãre fur ALLE rechtswidrigen Handlungen oder Unterlas-sungen, deren sicli seine Beamte in Ausubung ihrer amtlichenFunctionen schuldig maclien. Aber es gibt auch keinen Rechts-grund, welcher allgemein die Haftpflicht des Staats fur ein-zelne Kategorien von rechtswidrigen Handlungen oder Unter-lassangen seiner Beamten AUSSCHLÕSSE.  Der Rechtsgrund derHaftpflicht des Staats, soweit eine solene anzunehmen ist, liegtNICHT IN DEM VERHÀLTNISS DES STAATSAMTS ais solchem, sondemIN DER RECHTLICHEN NATUR EINZELNER FUNCTIONEN, wel-che dieStaatsbeamten im Namen des Staats auszuíuhren haben. Ferneraber kann eine VERSCHOLDUNG des Staats bei Anstel-lnng undBeaufsichtigung der Beamten ebensowenig angenom-men

werden, wie eine Verschuldung einer juristischen Persontiberhaupt. Hat aus dolus oder culpa ein liõherer Beamter einenuntuchtigen Menschen zu einem Amte befbrdert und ist derdurch die rechtswidrige Handhing oder Unterlassung des Letz-tern entstandene Schaden auf die Verschuldung des hõhernBeamten zuriickzufuhren, so kann auch dieser hõhere Beamteschadensersatzpflichtig erklart werden; niemals aber ist derStaat ais solcher iu einer Yerschuldung aus der eine rechtlicheSchadensersatzpflicht entspringen kõnnte".128

 

Continuando, Loening faz juntamente menção do que se  

encontra na legislação e jurisprudência dos Estados allemães 

1WOb. cit., p. 109-110. 

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acerca da matéria* accrescentando, neste particular, que si, comefeito, a responsabilidade do Estado tem sido admittida,relativamente a alguns ramos da administração publica; nem

por isso, é menos verdade, que no direito commum, bem como,na maioria da legislação particular dos Estados, não existemtextos jurídicos expressos, que estabeleçam a responsabilidadedo Estado pelos actos e omissões illegaes dos funccionarios, occor-ridas no exercício das suas funcções politicas (der staatlicJienFunctionen) ,129 E revendo os differentes actos ou funcções desteultimo caracter, das quaes podia resultar semelhante responsa-bilidade, o autor só descobre dous casos, nos quaes ella é ad-missível : 1) quando o Estado haja obtido lucro do acto illegal,

até a importância do lucro;1S0

2) quando a obrigação provenhade contractos de direito publico, (sendo de incluir nos con-tractos da espécie os depósitos públicos recebidos).1S1

 

Tale o transumpto das idéas principaes de Loening, queficarão melhor conhecidas, em vista da sua conclusão final, pelamaneira seguinte: « Temos chegado ao teimo das nossas inda-gações, esperando haver demonstrado que, segundo o direitopositivo da Allemanha, não existe a responsabilidade geral doEstado pelos actos illegaes dos seus funccionarios, e que uma tal

responsabilidade não resulta, como necessidade lógica, nem daidéa do Estado e dos funccionarios, nem da relação dos súbditospara com o poder publico. Também a justiça não exige nenhumaresponsabilidade geral do Estado. Não ha mesmo um principiogeral, decisivo da questão. Pelo contrario, é preciso conhecerdas relações particulares, em que o Estado entra com os seussúbditos, para, segundo a natureza jurídica delias, decidir, si é,ou não, justificável, a responsabilidade do Estado pelos actos 

»» Loc. cit,, p. 96 sg., no sg. i3o Loc. clt., p. 116. isi Loc. cit., p. 181. Cf.-Piloty, DU Haftung des Staati, p. 259. 

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illegaes dos funccionarios». — Wir sind hiermit zum Schlusseunaerer Untersuchungen gelangt. Wir hoffen den Nachweis!geliefert zu haben, dass nach positiven Recht in Deutschland ieineallgemeine Haftung des Staats aus den rechtswidrigen Handlungen

seiner Beamten nicht existirt, und dass eine solene mit logischerNothwendigkeit sich weder aus den Begriffen des Staats und derBeamten noch aus dem Verhàltniss der Unter-thanen zu derStaatsgewalt ergibt. Auch die Gerechtigkeit for-rlert keineallgemeine Haftung des Staats. Es gibt iiberhaupt kein allgemeinesPrinzip, das die Frage entscheidet. Viel-mehr bedarf es einerUntersuchung der eiuzelnen Verbaltnisse, in welche der Staat mitseineu Uutertbanen tritt, um nach deren rechtlicher Natur zuentseheiden, ob eine Haftung des Staats fiir die rechtswidrigenHandlungen der Beamten ge-rechtfertigt ist oder nicht.132

 

Nada mais precisamos dizer, para que se infira, que, conformeas suas próprias palavras, o autor devera figurar, de preferencia,

entre os que sustentam não haver uma razão jurídica, que justifiquea responsabilidade geral do Estado pelos actos lesivos dos seusrepresentantes ou funccionarios, isto é, que o mesmo propendemanifestamente para a theoria da própria irresponsabilidade doEstado. 

133 Ob. cit., p. 134-135.—Collocando E. Loening entre os partidáriosdo systema mirto, AQ que nos estamos occupando, flzemol-o principalmente,para não discordar de autores mais competentes, que assim o tem repu-tado.—Vide : Giorgio Qlorgi, Teoria délle Obbligaziom, t. V, p. 515, nota 2,

5a

edizione, 1900; Idem, La dottrina delle persone giuridiche o corpi morali,it. III, p. 153 sg., 2a ediz. 1900; Michoud, obs. oitadas; eto. Pois, em nossomodo de ver particular, muito embora Loening, assim como outrosesoriptores allemaes, faça distincçao entre os actos de natureza privada doEstado (Fisco) e os de poder publico, propriamente dito, (Handlungen der Staatsgetoalt, —  Regierungshandlungen), é, comtudo, certo que, assimfazendo, não teve em mente obedecer aos princípios de um dado systemaou doutrina particular sobre a responsabilidade do Estado. Longe de admit-tir neste uma dupla personalidade, revestida de caracteres differentes, adizer, uma, considerada representante da pessoa jurídica (Stdlvertreter einer jvruttischcn Person), e a outra, órgão do Estado (Organ des Staats),\ Loening declara, ao contrario, que "esta distincçao é insustentável, e tão

errada, accrescenta ainda, como aquella que procura descobrir no Fisco uma  

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46. —Robert Piloty é também considerado, como partidário dadoutrina que destingue os actos do Estado, entre actos de gestão eactos de império, para o fim de só admittir a responsabilidade do

Estado pelos dam nos provenientes dos primeiros, negando-a, quantoaos segundos. 

No trabalho especial, publicado pelo autor, o que elle sepropoz, foi fazer o estudo e critica da matéria, somente no querespeita aos actos ou omissões illegaes dos funccionarios, noezercicio dos direitos de poder publico; IM mas, na exposição ediscussão das diversas questões concernentes, não lhe faltou tambémazado ensejo pare enunciar-se igualmente acerca dos actos doEstado, relativos á sua gestão administrativa* ou talvez melhor

dizendo, sobre os actos pertencentes aos Interesses privados doEstado.134 

 — ■ " 

pessoa difíerente do Estado, como titular do poder publico (al$ dem In-hnbct- der Staatmjeioalt) : o funceionario, que representa o Pisco, está, paracora o listado, na meami*sima relação, que o funceionario, a quem incumbeexercer os direitos de poder supremo (der Hoheitsrechte ausznUben hat).Em ambos os casos tem de desempenhar funeçoes publicas (Anitafunctio-]nen) o estas, não raro, pertencem a ambos os domínios... Semilhante dis-1tineção assenta, pois, em uma simples ficção, desprovida de todo o funda-mento " (Loc. cit., p. 106). Guardada, sem duvida, diremos nós, a distincçftoentre os actos  patrimoniae», e os actos de   poder publico,do Estado, o queLoening e outros tem em vista, é estudar, separadamente, os factos, que sãodo dominio do direito privado, e os que sfto do domínio do direito publico,para melhor verificar os casos, em que porventura se de, ou não, a respon-sabilidade do Estado, sob a saneção de ura ou de outro de taes direitos; mas,que o façam no Intuito de obedecer a um determinado systema dessa res-ponsabilidade, repetimos, ò o que não nos parece ter estado no pensamentodos autores alludidos. 

183  ''Die Haftung des Staats fUr rechtswidrige Handlungem uvd JJn-terlassnngen der Beamten bei Ausiibung staatlicher Hoheitsrechte" [Annalende» deuUehen Reichs, n. 4, de 1888). 

IM Tem igual applicação ao presente autor o que foi observado anota 132 retro. 

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Antes de tudo, Biloty começa por significar, que o preen-chimento dos diversos fins do Estado requer um systema com-plexamente organizado de funccíonarios. O funccionario age no

interesse do Estado, pelo Estado; e esse facto de agir pelo Es-tado pode, mas não precisa ser, necessariamente, uma represen-tação segundo o direito privado. O interesse commum, por cujomotivo existe o Estado, requer sem duvida uma acção de órgãosestadoaes (públicos) no circulo do direito privado, e á essa neces-sidade corresponde a ficção do Estado, como personalidade jurí-dica do direito privado (Fiscus). Quando o funccionario ê cha-mado a agir em nome deste sujeito de direito, é elle um repre-sentante (Stellvertreter)no sentido do direito civil; tratando-se,porém, de actos do domínio do direito publico, o Estado não é,por forma alguma, sujeito de direito, quer opere directamentepor si, quer por meio de representantes. O Estado deixa apenasver o facto—de um certo numero de homens reunidos em umpaiz debaixo de uma vontade suprema, ou de um só governo.135

 

O sujeito do direito publico, no qual o interesse estadoalse manifesta, não é fictício: é o titular ou portador da soberania(der Trager der Soitveranitcit). O funccionario, chamado a agirem nome deste sujeito do direito publico, é considerado seurepresentante, visto derivar delle a autoridade que exerce, e,

nas suas funcções jurisdiccionaes, fazer as vezes do soberano.Isto quer dizer, que o funccionario, tanto pode representar oFisco, como o chefe do poder publico (den Herrscher) segundose achar disposto na lei. Agindo contra as faculdades desta,elle, não só, fere o dever do cargo, como também, pode lesaros direitos de terceiros; e emquanto, de um lado, fica sujeito aresponder disciplinarmente perante o seu superior, o dono doserviço (dem Dienstherm)t  de outro lado, é obrigado a repararpessoalmente o damno, que por culpa ou negligencia haja cau- 

185 Loc. cit., p. 246. 

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sado a esses terceiros. Pode succeder, entretanto, que o patri-mónio do funccionario seja insuficiente para satisfazer o damnocausado. E quem neste caso deve carregar com o mal, o lesado,ou o Estado? 

A questão, accrescenta Piloty, não offerece nenhuma difi-culdade, em se tratando de actos, nos quaes o funccionariorepresenta o Estado, como   pessoa jurídica do direito privado;porquanto, com relação aos effeitos jurídicos, que as acções ou

omissões illegaes dos funccionarios acarretam ao Estado, comotal, tém applicação os mesmos princípios, que se encontram nodireito privado sobre as pessoas jurídicas em geral. Não se pode,porém, admittir sem mais exame, que o mesmo se dê, quando ofunccionario, em vez de representar a pessoa do Estados/isco,exerce a sua actividade, como órgão do soberano,— por não semostrar com a mesma evidencia, que o Fisco deva responderigualmente pelo damno, que o funccionario causar illegalmentea um terceiro, no exercício das suas funcções de autoridade (in

 Ausilbung obrigkeitlicher Furiktionen).136

 

46 a. — Faz o autor breve resenha das theorias conhecidas,que sustentam a razão ou justiça da responsabilidade,  primariaou subsidiaria, do Estado, e bem assim, das que negam que hajafundamento jurídico para mesma; e, entrando na critica dasdiversas opiniões e pareceres a esse respeito, manifesta-se nosseguintes termos:—A questão da responsabilidade do Estado 

138 Loc. cit., p. 246. Neste ponto o autor declara, que muito emboraseja possível, que a lex ferenda venha reconhecer, por principio de equidade,a responsabilidade do Estado; é, comtudo, certo, que nem no direito commumou usual vigente na Allemanha, nem no de outros paizes (França e Itália)existem ainda disposições expressas de lei positiva, estabelecendo essa res-ponsabilidade, como regra geral. Não desconhece, porém, e antes confessa,que varias leis já existem, reconhecendo-a em relação á certas espéciesde casos e em circumstaneias diversas. — Ibidem, e notas a p. 246-247. 

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pelos delictos (fúr Beamtendelikte) dos funecionarios tem sidotratada, tanto sob o ponto de vista do direito publico (des offent-lichen Reehts) como do direito privado. Dado, porém, que assista

ao individuo, lesado pelo delicto do funccionario, um direito deacção contra o Estado, esse direito só se poderá tornar effectivono direito privado, a dizer, segundo as disposições deste direito,relativas â indemnisação do damno em casos análogos. Certo, ofacto de um damno ser causado illegalmente não basta para au-torizar a acção de indemnisação contra o Estado; porque o damnonão ê, effectivamente, obra do Estado, mas do funccionario; e,conseguintemente, dada a possibilidade de acção, esta sô deviater cabimento contra o ultimo. Precisa, pois, chegar-se a ummomento mais extensivo, para que se possa, então, justificar aresponsabilidade do Estado. 

O fundamento desta só pode ser achado, ou na relação doserviço entre o Estado e o funccionario, ou na relação de súbdito,que se dá entre o Estado e o individuo lesado, ou em ambas estasrelações juntamente; e como as sobreditas re lações pertencemao direito publico, a questão da sua determinação jurídica tocaà esphera deste direito. Subsiste, todavia, como problema do di-reito privado, firmar, ao seu turno, si as relações alludidas dodireito publico são capazes de servir de fundamento à uma acção

de indemnisação contra o Estado: a circumstancia de o direitopublico reger, no caso, a relação dominante entre o funccionarioe o Estado serve, apenas, para facilitar ao diraito privado oproblema, que lhe incumbe... 

Portanto a questão é, em parte, directamente do direitopublico, e em parte, exclusivamente do direito privado.187 I 

46b.—Admittida a responsabilidade do Estado, por este ouaquelle fundamento jurídico, cumpre verificar: 1) as condições 

187 Piloty, loe. cit., p. 260-61. 

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da sua extensão e qualidade; 2) as razões apresentadas, pro oucontra, semelhante responsabilidade. No que respeita às " con-dições " (Voraussetzungen) da responsabilidade do Estado, só é

licito cogitar delia em geral, — quando a lesão causada é de talordem, que o próprio funccionario pode ser chamado a res-ponder por ella. Muito embora não seja impossível, que a legis-lação declare o Estado — o responsável exclusivo—para com olesado, conservando acção regressiva contra o funccionario, A facto é, que, quando nas leis, na doutrina, e na pratica se trata daresponsabilidade do Estado, sempre se tem entendido, ou umaresponsabilidade "primaria " do Estado, conjuncta-mente com ado funccionario, ou uma responsabilidade "subsidiaria" do

Estado138

, no caso de insolvabilidade do funccionario. Querdizer, — a responsabilidade '  primaria ' deste ultimo deve sersempre presupposta ou subentendida... O que seria discutível, éa extensão desta responsabilidade; visto não haver accôrdo devistas, — quanto ao gráo de cuidado, exigido do funccionariopelo direito privado, e cuja inobservância constitua uma violaçãodo dever official. Ào nosso propósito, continua Piloty, satisfaz,todavia, ficar estabelecido, que a responsabilidade dofunccionario pela violação de seus deveres deve ser reconhecida

no direito com mura, como condição fundamental daresponsabilidade do Estado. Mas esta condição, emborafundamental, não é a única condição da responsabilidade doEstado... Condição, para que haja a responsabilidade do Estado,é também a de que o lesado não se ache em culpa, por exemplo,tendo deixado de fazer valer o remédio legal; — é preciso, alémdisto, que não lhe reste mais nenhum reis» Ibidem. —O autor fazmenção de uma lei da cidade de Hamburgo, consagrando a responsabilidadeexclusiva do Estado; mas observa, que tal | é a confusão dos dispositivosespeciaes da mesma lei a esse respeito, que não so pode afflrmar, si, comeffeito, esteve no pensamento delia estabelecer uma responsabilidade primariaon exclusiva Estado... 

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médio legal ao seu dispor. Entretanto ê, por outro lado, supérfluo exigir, como fundamento da acção de indei  contrao Estado, o concurso da violação " objectiva" do direito pelo

acto lesivo e da culpa " subjectiva'' do funccionario, como pretendera  Zacharice; visto como ambas estas exigências já secontém na condição geral,— de que o funccionario seja declarado responsável.189

 

46 c. — Além disto, uma vez supposta a responsabilidadedo Estado pelos actos illicitos de seus funccionarios, não secom prebende porque certas espécies delles, ou certas fun-cçõesde alguns funccionarios do Estado, devam justificar umaexcepção a dita responsabilidade, como, notadamente, se tempretendido acerca dos magistrados ou dos actos judiciários. ..140

A. única distincção, accentúa Piloty, das funcções publicas(AmtsJumãhmgen) que pode influir na questão da responsabili-dade, éa" distincção dos actos: — uns, em que o Estado appa-rece, activa e passivamente, como sujeito do direito privado ;—e outros, em que os funccionarios desempenham funcções degoverno. Esta distincção é de importância, porque a questão daresponsabilidade nos dous casos tem de ser decidida, de pontosde vista differentes". O característico dos actos de governo é a

autoridade (Amtsgewalt). Em certos casos, parece difficil afir-mar, si o acto é, ou não, um acto de governo; tal é o quesuccede com relação aos depósitos, cuja responsabilidade, noentender de Pfeiffer, H. A. Zacharice, Bluntschli e Laming,deve ser verificada segundo os   princípios do direito publico,todas as vezes, que os funccionarios se acbarem em culpa a esserespeito. Entretanto, continua Piloty, esta questão é fácil: nosdepósitos voluntários ha um simples contracto de direito pri- 

13n

Loc. cit., p. 262. "oVide: Hic, p. 128. 

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vado, o qual, si não é o ãepositum do direito romano, deve ser,eomtudo, julgado segundo os princípios do direito privado. OFisco obriga-se, por esse contracto, a guardar o deposito e a

restituil-o no tempo marcado; porisso, no caso de damno,causado por culpa ou negligenciados seus empregados, aquelledeve responder, como qualquer dono do negocio, (aisOesehãftsherr) nos termos do direito privado. No depositoobrigatório, isto é, naquelle, que é feito por mandado do juiz oudisposição da lei, a relação dominante em nada diversifica: umavez que também aqui o Fisco assume a obrigação de conservar erestituir o deposito, deve responder igualmente, segundo o di-reito privado, pelos delictos dos seus empregados. No deposito,

ordenado judicialmente, occorre, é certo, a consideração de que  0 acto judicial que o ordena, é um acto de poder (Regierungs-verhandlung). Mas, a menos que o juiz, ao dar a respectiva ordem, commetta uma illegalidade, a questão da responsabilidadedo Estado, pelo damno resultante, não poderá ser encarada eresolvida, do ponto de vista do direito publico. E ainda assim,como na guarda e restituição do deposito o Fisco age pelos seusempregados, dentro do terreno das obrigações do direito privado, o mesmo deve ser declarado responsável, como si fora

um dono do negocio (ais Gesehãftsherr), pela damnificação dodeposito. Ligação semelhante e, certamente, mais estreita, dosactos de governo com as matérias do direito privado, é a quese dá nas apprehensões e sequestros judiciaes. — Aqui existeigualmente para o Fisco a obrigação  privato-jurídica de guardar as cousas apprehendidas, e, satisfeito o fim da apprehen-são, restituil-as a quem de direito. A questão de saber, si o actoillegal do funccionario deve ser tomado, como exercício de umacto do governo, ou como representação do Fisco, (dono obrigadodo negocio) será illustrada pelos seguintes exemplos: 1 a) Um empregado de policia fez a appreliensão de génerosalimentícios em casa de A, sem haver observado as disposições 

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legaes a respeito, e os géneros, durante a sua appreliensão, sedeterioraram. Esse acto illegal é um acto de governo, e portanto,a responsabilidade do Estado deve ser apreciada, do ponto devista do direito publico.  P, 

b) Um empregado de policia foi encarregado da diligencia judicial de apprehender géneros alimentícios em casa de  A, elevai-os em seguida ao Deposito Publico. Fez a apprehensão naforma da lei; mas, em vez de leval-os a deposito, os consumio.Nem o acto de conduzir os géneros ao deposito, nem o consumodos mesmos foram actos de governo. O juiz, ordenando a con-

ducção dos géneros, assim como, o empregado policial extra-viando-os, procederam, como representantes do dono do negocio,o Fisco, ao qual cabe a obrigação de guardar os géneros appre-hendidos nos termos do direito privado; por consequência, a res-ponsabilidade do Estado, no caso, seria julgada pelos princípiosdeste direito, relativos ã responsabilidade das pessoas jurídicaspelos deiictos dos seus representantes.141

 

Quanto a extensão da responsabilidade do Estado, pensaPiloty, que ella se devia determinar pela própria responsa-

bilidade do funccionario, ambos solidários por todo o damnocausado. Quanto â sua qualidade, a responsabilidade deveriaser  primaria, opinião, alias, sustentada pela maioria dos auto-res, e não, simplesmente subsidiaria; a menos que, em relaçõesanálogas á da fiança do direito privado, o Estado sô tenha, por-ventura, assumido uma responsabilidade desta ultima espécie. 

141 Loo. cit., p. 264. Piloty entende que o mesmo critério deve serempregado, quando, se tratando de casos sobre hypothecas, herança, etutoria, se quizer saber si, no caso particular, o acto do funccionario é, oun&o, um acto de governo ; porquanto, em taes funcções, o funccionario unefrequentemente aos seus actos de governo a acção de agente estadoal ourepresentante do Fisco, conforme ao direito privado. Isto se dá, sobretudo,em relação ao tutor, como guarda dos dinheiros do pupiilo. 

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46 d.—Entretanto, tudo isto, que vimos de dizer, â conta doillustre autor, assenta na hypothese de ser acceito,como ver-dadeiro, o principio da responsabilidade do Estado pelos actos e

omissões illegaes dos funccionarios no exercício do poder pu-blico. U2 Porque, conforme o seu modo de vêr pessoal, e o direito positivo, Piloty, passando em revista os diversos fundamentostheoricos apresentados, uns baseados no direito privado (na re-lação do mandato ou na relação institoria), e outros no direitopublico (Subjelitionsverhãltniss, Reprãsentationsverhaltniss, Ga-rantieverhãltniss), para o fim de verificar o valor ou applicaçãode todos elles, cada um, segundo o seu conteúdo particular,148

não duvidara affirmar, como cousa demonstrada: que todas as

tentativas de fundar a responsabilidade do Estado pelos actosillicitos dos funccionarios, já do ponto de vista do direito pri-vado, já do ponto de vista do direito publico, careciam de pro-cedência. Não existe, realmente, nenhum fundamento verda-deiro para semelhante responsabilidade, insiste elle; pelo con-trario, o que subsiste, como direito commum, é a these : " O Es-tado não responde pelo damno, que aos terceiros fôr causado comos actos ou omissões illegaes dos funccionarios no exercício dosdireitos de poder publico".— Es ist, wieich glaube, durch diese

  Ausfuhrungen der Nachweis geliefert, ãass alie Versuche, eine Haftung des Staats fur BeamtendeliJcte vom Stunãpunkte ães Pri-vatrechts wie des offentlichen Rechts zu begriinden, misslungensind. JEin wahrer Grund fur solche Haftung besteht nicht. Esgilt vielmehr fiir dasgemeine Becht der Satz: "Der Staat haftet  

"2 Loc. cit„p. 265. 148 Para evitar repetições, chamamos a attençao do leitor para os

argumentos com os quaes Piloty combate as diversas theorias da respon-sabilidade do Estado pelos actos de governo, e que se encontram no TituloSegando, cap. II, signanter, nota á p. 241 deste trabalho. 

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nicht fii/r den Schaãen welcher Dritten ãurch rechtswidrige Hand-  \lungen und Unterlassungen der Beamien bei Aasubung Staatli-cher Hoheitsrechte zugefugt ivird".14A

 

I 47.— A. Giron, apoiando-se em razões de principio e emargumentos tirados da jurisprudência, encara a questão daresponsabilidade civil do Estado, da maneira mais simples eprecisa. 

O Estado, diz elle, representa a sociedade debaixo de umduplo ponto de vista, como pessoa civil vis-â-vis das outraspessoas, e como poder publico (puissance publique) vis-á-vis dosadministrados. Quando age, como pessoa civil, tem interesses edireitos da mesma natureza que os dos simples cidadãos, comos quaes trata de igual a igual, se obrigando, e obrigando-os,reciprocamente: neste caracter é elle sujeito à applicação doartigo 1384 do código civil, — desde que a lei não estipula ne-nhuma excepção em seu favor. Mas a disposição desse artigo lhedeve ser applicada restrictamente, uma vez que ella derroga aoprincipio da responsabilidade pela culpa pessoal. A sua influen-cia não sahe da esphera das pessoas privadas e dos interessesprivados, a dizer: o Estado não lhe é sujeito, quando age, comopoder publico, em desempenho da sua missão governamental.

Os qualificativos de committente e preposto se devem restringiraos casos, em que se dão commissões num interesse privado epara actos da vida civil, e, por isto, inapplicaveis aos cargos efuncções publicas, nascidas das leis e regulamentos que interes-sam á ordem publica e à boa administração do Estado.145

 

144 Ob. cit., p. 271. — Compre, talvez, nfto omittir, que o autor chegara a conclusão supra, tendo principalmente em vista o direito até entãovigente na Allomanha. 

145

A. Giron, Le õ/roit admimstratif de la Bélgiqne, 1.1, n. 230 sg.—Bruxelles, 1885, 2.» edic. 13  R. c, 

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■ÉÉ 

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Isto posto, pensa o autor, que o que é preciso, é fazer namatéria a seguinte distincção: 

Toutes les fois que 1'Etat execute lui-même, par l'inter-mediaire de ses ouvriers, preposés ou commis, des travaux oudes opérations qui ne constituent pas 1'exercice de la puissancepublique, et dont il serait possible de deleguer 1'entreprise à desparticulières, —lorsqu'il batit, par exemple, un edifice,—lorsqu'il pave une chaussée, — lorsqu'il se charge de transpor-ter des voyageurs ou de marcliandises, —lorsqu'il fabrique desarmes, etc, il est responsable des délits et des quasi-délits,commis par ces preposés, au même titre et dans la même me-sure que les particuliers.146 

Mas, em contrario, accrescenta elle: Lorsque les fonctio-naires ou employés qui représentent 1'E'tat dans Taccomplisse-ment de sa mission governamentale se rendent coupables d'undelit ou d'un acte arbitraire, la responsabilité qu'il encourentleur est personelle et ne rejaillit pas sur Finstitution générale,provinciale ou communale. 

Todavia, segundo reconhece juntamente A. Griron, estairresponsabilidade do Estado, acerca dos actos de poder publico,não deixa de admittir certas excepções... 

Por exemplo, si do delicto ou quasi-delicto do funccionarioprovier um lucro para o Estado, apreciável em dinheiro, o Es-tado deve ficar responsável pela indemnisação até a importân-cia do mesmo lucro. 

Do mesmo modo, a lei pode estabelecer, e já o tem feito,excepções convenientes, quer admittindo a responsabilidade doEstado por actos, que tem innegavelmente o caracter de poderpublico, quer isentando-o delia em casos, nos quaes o Estado seapresenta nas relações jurídicas da ordem civil.147

 

Em resumo, taes são as idéas de Giron. que interessam aoassumpto, no ponto de vista particular, de que agora nos estamosoccupando. 

146 Ob. cit., 11. 231. 147 Loc. cit., ns. 233-31. 

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48. — Giorgio Giorgi, é partidário decidido da doutrina dadistincção dos actos do Estado,148 como critério ou condição daresponsabilidade, resultante dos mesmos actos. Qualifica

mesmo esta doutrina de "systema dominante", querendo, destemodo, significar, que ella deve ser tida, como verdade jâ alcan-çada na discussão do assumpto. Pelo muito, que esse distinctoautor vale aos olhos dos que se occupam de estudos desta natu-reza, vamos transcrever para aqui uma parte dos conceitos, ra-zões e argumentos, com os quaes elle exprime o seu juizo.  

II collocare nella distinzione fraatto compiuto jure imperii,o  jure gestionis il critério per risolvere, se lo Stato ne sia res-ponsabile, quando fu cotnmesso per un abuso dei pubblico uffi-ciale, sinomizza con la distinzione fra Stato—persona giuridica,e Stato — persona politica: corrisponde ai distinguere due ordinidi relazioni diverse fra lo Stato e gli individui, e due facce dis-tinte delia personalità dello Stato. Relazioni di diritto pubblico,o personalità politica, quando 1'atto compiuto dallo Stato me-diante l'interposta persona dei pubblico ufficiale sia 1'eserciziodei potere pubblico: relazioni di diritto priv ato, o persona giu-ridica, quando 1'atto non sia punto 1'emanazione dei pubblicopotere. Corrisponde ai cânone scientifico, che le guarentigieconcesse ai cittadino contro gli abusi dei pubblico potere appar-tengano ai diritto pubblico interno e derivano dalla Constitu-zione politica, — communis reipublicce sponsio: la quale deter-mina le prerogative delPautoritâ imperante, ei mezzi concedutiai cittadini per contenerla nei limiti delle sue attribuzioni, e per

ottenere la riparazione degli abusi; nè quelle guarentigiepossono chiedersi ai códice civile, corpo delle leggi destinate a 

148 «Io puré fui tra coloro, che prestarono adesione ai sistema, chedistingue 1'atto d'impero dall'atto di gestiono. Seoza pentírmene oggi: perché la discretiva avendo il suo addentellato nelle tradizioni, il suo riscontronella dottrina piú seria e nella giurisprudenza dei paesi che hanno leggi ana-loghealle nostre, il suo fondamento inunconcetto emientemente razionale,mi pare il solo che possa, quando venga inteso e applicato rettameute, con-

  jurei alia solluzione delVarduo poblema.»— La dottrina delle persone giu-ridiche o corpi morali, t. IH, n. 81, p. 171. Pirenze, 1900, 2» ediz. O autor

 jà se havia declarado partidário do referido systema em sua obra anterior- Teoria delle Obbligazioni, t. V, p. 501, da 5a edição, 1900. 

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regolare le relazioui fra individuo e individuo, e non applicabilialio Stato, se non quando, lasciata la veste di potere imperante,svolge la sua operositá nel campo delle relazioni individuali, eutitnr jure privatorum.U9

 

Neste trecho nos dá o illustre autor uma synthese do seupensamento com relação ao systema, que adopta. Não lhe pare-cem, talvez, de escolha muito feliz as expressões de actos deimyerio, e actos de gestão, como correspondentes ás de  perso-nalidade politica e   personalidade jurídica-,— mas observa, si,desgraçadamente, a linguagem se presta a equívocos e favorecea critica, "a distincção, intrinsecamente considerada, é verda-deira". 1B0 Ninguém pode negar, que o Estado é investido depoder soberano, e o exercita pelos três ramos — legislativo, ju-

diciário e executivo, mediante actos de autoridade, executadospor funccionarios públicos; e como estes são susceptíveis deprevaricação e erros, não ha duvida, que os cidadãos podem servictinias de abusos, que lhes causem damno, merecedor de repa-ração pecuniária, segundo ã justiça natural... 

48 a.— " Por acto de império se deve entender o quenasce, se desenvolve, e se realisa no campo do direito publico";elle tem a sua raiz na soberania ou supereminencia do poder

publico sobre os indivíduos, e resulta da necessidade fatal, denão poder haver communidade social, sem autoridade de umaparte, e sujeição de outra.1B1

 

Na esphera dos actos de império se comprehendem os actosdo poder legislativo e do poder judiciário; advertindo, todavia,que em relação ao ultimo poder, só são de considerar, como taes,os actos dos magistrados investidos do império ou jurisdicção, enão os dos outros funccionarios judiciaes. 

"9

Giorgio Giorgi, loc. cit., n. 83, p. 179 sg. 15° Ibidem, p. 180. »» Ob. cit., n. 96, p. 201 sg. 

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Sabidamente, são também de incluir nos actos de impérioos do poder executivo *, mas, justamente, com relação à varie-dade dos actos deste poder, é que se dão, ora funcções de impé-

rio, e ora funcções de gestão. Segnndo os princípios estabeleci-dos pelo autor, são de considerar actos de império, não só, osdecretos, instrucções e regulamentos, mas também, os actos po-sitivos on negativos, executados em qualquer ramo do publicoserviço, diverso da administração patrimonial, comtanto que nãotenham o caracter contractual. Particularisando, indica, comoprincipaes, os seguintes, que mencionaremos nos próprios ter-mos : Gli atti e i provvedimenti di sicurezza o di sanita pub-  

blica, ovvero diritti alia protezione delle indnstrie e dei com-merci: gli ordini delPautorità militare per attnare le leggi deireclutamento dei esercito di terra e delVarmata di maré; gli attitutti che banno per obietto la istruzione pubblica, e la sorve-glianza sull'istruzione privata-, quelli che riguardano 1'accerta-mento dello Stato civile delle persone, la conservazione dei librifondiari e ipotecari, ossia la pubblicitá delia proprieta fondiaria,ferma rimanendo la responsabilitã personale dei conservatori;gli atti di tutela e d'ingerenza governativa sulle provinze, suicommuni, sugli istituti pubblici di beneficenza, e generalmentesui corpi morali di ogni specie, sottoposti alia sorveglianza go-vernativa; le operazioni dei debito pubblico, fatta eccezione diquelle che assumono figure contrattuali; Vaccertamento e la ris-cossione delle imposte, delle tasse e gabelle, salve le conse-

guenze dei solve et repete nella esazione indébita; i provvedi-menti che concernono le amministrazioni dei Demanio PubblicoiNazionale, voglio dire, delle strade nazionali, dei fiumi e tor-renti, delle spiagge e dei fortilizi, purché non offendano la pro-prieta privata, o i diritti individual! di uso garantiti dali a legge:perche allora può nascere un obbligo d'indennitá, fondato sullagnarentigia delia proprieta privata ; — le concessioni governa-tivo di ogni specie, che s'intendono fatte senzo pregiudizio deiterzo-, e finalmente, le espropriazioni per causa di utilitá pub-blica, concesse ai privati a loro rischio e pericolo, salvo ció cheriguarda la revocabilitá delle concessioni-contratti, quando larevoca costitnisca, atteso il carattere contrattuale, nna specie di

espropriazione a danno dei concessionário; finalmente, gli attidelia forza militare in tempo di pace o di guerra, purché  

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non siano invasioni di proprietá private decretate in quelleforme o circostanze, che secondo legge danno diritto a inden-nitá.153

 

Mas, proségue Giorgi, o Estado, alem de depositário dopoder publico, tem uma capacidade civil, assim como, as pro-víncias, as com munas e os corpos moraes, nos termos do art. 2°|do código civil; e quando desenvolve essa capacidade, sem fazeruso do poder, fica sujeito ás obrigações civis, do mesmo modo,que gosa dos direitos civis... Se neWesercizio dei suo possesso, onello svolgimento dei suo diritto contrattuale, reca o ffesa a umterzo, mediante gli atti dei quei pubblici ufficiali che sono prepostialVazienda patrimoniale o contrattuale, ecco il suo obbligoindiscutibile de risarcirne il danno, a norma délVarti-colo 1153dei códice civile.1B8 

48b.— " Por acto de gestão, no seu sentido próprio e res-tricto, se entende o acto de economia patrimonial, praticadopelos funccionarios públicos, no interesse da communidade'', ouoomo administradores dos — bona quos sunt in património populi —, ou como partes contractantes autorisadas a exigir, oua satisfazer, em forma contractual, algum serviço de utilidadepublica.lõ* 

Não se trata de opera do poder legislativo ou judiciário, mas sempre do poder executivo, o qual pode despojar-se das suas 

prerogativas autoritárias, e agir moreprivato. — Presuppone la capacita giuridico-privata dello Stato e

ne constituisce Fesplicazione, versandosi nel ricambio dellecose e dei servigi sotto 1'egida delia giustizia commutativa,estranea ai rapporti di diritto pubblico interno. Perciò soggiaceai códice civile : e come dal códice civile 1'atto di gestione  

«2 Loc. oit., n. 99, p. 205-206.la

»Loc. eit., n. 84, p. 181. i£4Ibidem,n. 88, p. 187. 

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prende norma nel suo svolgimento legitimo, cosi ai códice ri-mane sottoposto, qnando trasmoda o prevarica, e si converte innn abuso de commissione o de omissione, clíe lede qual eh ediritto individuale. Se 1'offeso è colai che aveva contrattato

colV amministrazione, ecco una colpa contrattuale e un obbligodi risarcimento, in corrispondenza deli'entitã di quella colpa: seVoffeso non ê un contraente, ecco invece una colpa Aqniiiana eun danno risarcibile a norma degli articoli 1151 e seguenti deicódice civile.155

 

Isto dito, não seria, talvez, preciso acerescentar da nossaparte, que, como actos de gestão, são, conseguintemente, de)considerar: a) todos os que se referem ao dominio privado doEstado (excluídos, todavia, os do dominio publico, que, tendoseu fundamento no direito publico, não pertencem à persona-lidade jurídica, e, sim, a personalidade politica do Estado); b)todos os que se referem as administrações de caracter industrial,ou á empresas dirigidas por fuuccionarios do Estado, taescomo: correios, telegraphos, laboratórios e ofíicinas civis oumilitares, quaesquer que sejam, e outros serviços semelhantes156; c) os coutractos de obras publicas, fornecimentos, e outrosde igual natureza;—em tudo o que, predomina principalmenteo regimen contractual. 

48 c—No que respeita à responsabilidade pecuniária ou

indemnisação por parte do Estado, Georgi adduz também certasIdistincçÕes, quanto aos actos de império, taes como : 

1) Que dos actos legislativos, isto é, da lei, " la madre deidiritto " não pôde jamais nascer uma responsabilidade civil dopoder publico. A única questão discutível seria a de saber, siuma lei, que altera ou destroe direitos individuaes, deve ser justa, estatuindo juntamente uma compensação adequada... 

155

Ob. oit., n. 88, p. 187 seg. 156 Ibidem, n. 94, p. 195. 

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E pois, « si a lei parecer dura a alguém, este poderá valer-se dodireito de petição, pedindo a sua reforma, mas, não, pretenderuma compensação pecuniária pelo damno soffrido ; salvo si a

própria lei lhe tiver reconhecido semelhante faculdade ...»167 

2) Que o mesmo se deve dizer dos actos do poder judi-ciário ; não, porque os magistrados não sejam capazes deculpas, estando, pelo contrario, previstos os casos de culpas oucrimes dos mesmos, assim como, a sua responsabilidade pessoalde reparar o damno civil ao lesado; mas, porque é impossívelreduzir o magistrado à simples condição de um preposto doEstado, por cujos actos este deva responder... 158 Não ignora oautor, que ha uma escola nascente 159 de criminalistas, que

áffirmam a obrigação do Estado pelos erros ou injustiças dopoder judiciário; mas, no seu entender, as garantias protectorascontra a acção do poder judiciário se devem buscar, antes nossystemas preventivos, do que nas reparações, isto é, naelaboração de leis claras e precisas, as quaes, bem regulando aacção desse poder, a tornem mais fácil, e menos perigosos, oserros dahi provenientes. 16°

3) Que dos actos do poder executivo, ou antes dos errosdos funccionarios desse poder, provém, certamente, damnos aos

particulares; mas, a sua reparação, ou fique a cargo do func-cionario ou do Estado, não se poderá conseguir, sem haver umcorpo de leis especiaes, ou, ao menos, uma tal estructura

157 Ob. cit., n. 98 a o n. 113, pag. 235 sg. 158 Ibidem, pag. 204. 158 Bernard, De la reparation des erreurs judiciaires ; — Pascaud, De

Vinãemnite à allouer aux inãiviãus conãamnés; — Gregoraci,  Delia tipara- zione délle errori giudiciari. — Cf. Bonasi, La responsàbilitá ãcllo Stato per 

gli atti dei suoi funzionari. —Roma, 1886. 160 Giorgio Giorgi, loc. cit., n. 112, pag. 234. 

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e equilíbrio de leis positivas, de que lhes resulte completa garantia. .. Os agentes do poder tem, em matéria de segurançapublica, de saúde e hygiene publica, para nâo fatiar do mais,

tamanha latitude de faculdades, que, no uso delias, podemfacilmente lesar os direitos individuaes da liberdade e propriedade patrimonial...  I 

— Neste estado de cousas, continua Giorgi, a responsabi-lidade pecuniária do Estado, admittida de maneira illimitada,seria, por certo, a mais plena garantia dada ao cidadão. Mas,examinada a questão por outra face, essa responsabilidadepecuniária do Estado por todos os actos do governo, não tempe-rada de restricções opportunas, traria, por sua vez, gravíssimosinconvenientes: não só, tornaria lenta e embaraçosa a acçãogovernativa, como ainda, fomentaria cubicas e litígios, que, porfim, redundariam em damnos aos contribuintes, isto é, aoscidadãos, os quaes, em conclusão, é que teriam de pagar seme-lhantes damnos.161 Em vista do que, pensa o citado autor, que opartido mais pratico seria talvez, estender o systema das cau-|ções (fianças), ao menos, para todos os empregos públicos, queacarretam o manejo de valores ou de objectos patrimoniaes per-tencentes aos particulares; e pelo excedente, quando a fiançanão bastasse, estabelecer a responsabilidade limitada do Estado

de satisfazel-o com os próprios emolumentos dos serviços, a quese referissem os actos lesivos; exceptuados aquelles de caracterstrictamente politico, nos quaes deverá bastar, além da respon-sabilidade politica, a responsabilidade pessoal do ministro oude quem o represente...»162

 

Não é preciso lembrar que, neste ponto, o autor se refereaos actos de império somente- Quanto aos actos de gestão, aresponsabilidade do Estado, é, como já dissera, tão completa, 

181

Loc. oit., n. 100, pag. 201.■"■ Loc. cit. 

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— 186 —I 

quanto couber nas disposições do direito prirado. porTeatara,appikaTeis is espécies partkalares. 

E a. este respeite», esmpre-sos aiada dizer, qse Giorgio

Giorçi são é tio restrictíro. COSM»  ostros, sobre a eoadicãode qae, para  ser repaarmS o dasiso, dere ser ele cassado aoexercido das feseçôes oa faculdades «ossadas ao faaccioaarioíneW -^rdzia âeffle imeombenze. a em, ã* jmíMim mffintie erm faputiÊm): estende qae, geralmente, iallando, a arpotacse é amesma. — qaer assado o fasceãosario applica. suú s lei. —qaer i|sasdo sltrapasss os Imites postos ás asas attríbsições.exerextaodo-as sem coapeteseia.1** 

Cosi relação ã satsreza da responsabilidade, o safar pessa,

ênâlnente. qae se trata de ama obrigação,  gUid4trim> prrHcipa? rcomo é s do próprio fascciosario eslp&so.t4* 

49.—I*. Mkboad é. destra os escriptores fraseezes dedata mais recente, o primeira, qae se aropõz tratar da Bateriada responsabilidade ãrfl do Estado, de asa maneira especial emetbodica, dando, por isso, ao ses trabalno o grande ralar, qaetodos cosi razão lhe recosbecea.» Fazeado aai retrospecto  

TH 

-BBBBBBBBBBsVHLa- 1. av MS. nas- «o, m- tTM. s. ii7-i3&.| 

Jt.¥.S.3»i«_pM.5*l-5« tm JU*mém DnH 

 FmUk.t. Bi •IW_— Parta, 18*= 

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analytico das theorias diversas, que se tem aventado, elle as apreciae critica, já segando o valor de cada uma delias, já segundo aapplicação que das mesmas se tem feito no dominio da

  jurisprudência;—procurando de tudo tirar razão e argumento parademonstrar, que a doutrina « da distincçao entre actos de gestão eactos de autoridade ou de   poder público» deve ser acceita, comobase segura acerca da responsabilidade directa do Estado.— Dizesse autor : 

Au jourd'hui nous concevons 1'Etat comme une person-nalité àdouble face: il est à certains ègards une personne morale de droitprive accomplissant des actes de gestion sur son patrimoine, traitantavec les particuliers par des contrats, exerçant certaines industries,possédant certains biens, et sou-mis, en príncipe, dans ses actes auxrégies du droit prive; il est à d'autres ègards unêtre juridique

supérieur possédant des droits éminents, auxquels aucun particulierne peut prètendre et qui ont tous leur source dans le droit desouveraineté, ou droit de commander aux particuliers et de s'en faireobeir... Remarquons bien du reste, quHlny a pas dansVEtat deux

 per-sonnes, distinctes et independantes 1'une de 1'autre, comme cer-tains auteurs ont paru le soutenir160; c'est un seul et même 

188 O autor refere-se neste ponto a doas autores allemães:  Ronne{Preuss'sches Staatsrecht, III, § 267), que disse: « Fiskiis und Staat seien

 zwei ganz verschieãene Personen, von denen die leztere iíberhaupt eine Ver-bindlichkeit gegen Unterthanen nicht ubernehmen hònne, wãhrend der Fiskus

seincrseits fiir den Staat nicht hafte... »; — e Primker, que por sua vezpreopinara: « A melhor orientação para resolver a questão se acha natheoria da dupla personalidade do Estado, isto é: — considerando-o, como

 fisco, a dizer, possuidor de bens, e por isto mesmo, um sujeito de relaçõesdo direito privado; — e considerando-o, como governo, isto é, sujeito dedireitos de poder publico. O Estado se apresenta como  fisco: quando pos-suo propriedades immoveis, edifícios públicos, terras, florestas, estradas,armazéns de provisões, armas, etc. ;—quando emitte empréstimos, ou au-fere rendimentos de outras fontes, taes por exemplo, exercendo o com-mercio do tabaco, do sal ou de loterias, — fazendo-se emprezario de vias-ferreas, de telegraphos e outros serviços industriaes,— fazendo executar,pelos seus funocionarios, contractos e mais actos jurídicos, necessários aadministração, ao desenvolvimento e aproveitamento dessas e outras ope- 

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être juridique qu'appartiennent et les droits que dépendent de lasouveraineté, et ces droits prives qui sont comme un acces-soireindispensable des premiers, ayant pour objet d'en rendre1'exercice pratiquement possible. Les ageuts mêmes chargés

d'exercer ces divers droits ne sont pas toujours distincts, etbeaucoup d'entre eux ont á exercer en même temps des actesd'autorité comme agents de 1'Etat-puissance publique, et desactes de gestion, comme agents de la personne morale de droitprive.167

 

49 a.— Particularisando melhor o seu pensamento, o autorobserva: que o Estado, como proprietário, credor, devedor, con-tractante, é regido pelas mesmas regras que um particular, sal-vos os casos em que a lei lhe tenha reservado uma situação

privilegiada. Não ha, por exemplo, uma theoria da propriedadeque lhe seja peculiar; elle a adquire e a transfere, quasi damesma maneira, que o faz o individuo particular, salvo asexcepções contidas na lei. Não ha do mesmo modo uma theoriade obrigações, feita expressamente para elle; os contractos quecelebra são sujeitos a um grande numero de disposiçõesespeciaes; mas a multiplicidade destas disposições não lhes tirao caracter de excepcionaes; e a respeito de todos os pontos queellas não regulam, é sempre ao direito commum das obrigaçõesque se deve recorrer. Isto que succede em relação ás obrigaçõescontractuaes, tem logar igualmente em relação às 

rações. Por outro lado, os direitos de jnstiça, de policia, a flscalisaçfto esoberania em matéria financeira e militar, o direito de paz e de guerra, for-mam a noção do Estado no seu sentido restricto, como governo. Os funccio-narios representam o Estado nestas duas ordens de funcções, e si os mes-mos causarem um damno a terceiro, o facto se ha de dar: ou agindo ellescomo representantes dos seus interesses económicos e, por isso mesmo,infringindo uma obrigação fundada no direito privado; — oo agindo comorepresentantes do Estado-governo, e conseguintemente, infringindo, no ul-

timo caso, uma obrigação, cuja sancçâo pertence ao direito pnblico >. —Verhandlungen <h< IX im Juristentags, t. III, p. 28 sg. »' Micboud, ob.cit., t. IV, p. 2 sg. 

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obrigações nascidas dos quasi contracto, do delicto on do quasidelicto. O principio deve ser, insiste Michoud, que o Estado,como pessoa moral do direito privado, é sujeito, no que lhe

concerne, às mesmas regras, que as outras pessoas moraes : sôescapará dessas regras, si houver disposição expressa ou tacitada lei, que a ellas o subtraia.168 O facto gerador  da respon-sabilidade, passando-se todo na gestão dos serviços públicos,não constitue o exercido de poder publico : o Estado não appa-rece ahi dando uma ordem, editando uma prohibição, expedindouma autorisaçãò num interesse geral, — mas simplesmente,exercendo uma industria, oferecendo serviços aos particularesque outros Ih'os poderiam prestar, explorando uma propriedadede natureza especial, como a propriedade territorial, ou emfim,fazendo circular cavallos e carros pela via publica, como opoderia fazer qualquer particular. Nestes casos diversos, si oEstado for responsável, sel-o-ha em virtude das regras dodireito privado, e debaixo deste ponto de vista, deve ficar su- jeito na mesma medida, que qualquer outra pessoa moral, (muitoembora em acção regida por leis especiaes) aos princípios postospelos artigos 1382 a 1386 do código civil.109

 

Entende, que os casos de desvio da jurisprudência fran-ceza a este respeito vém de se tomar em consideração o  fim do

acto ou serviço instituido no interesse geral, em vez de seencarar a natureza dos mesmos; o primeiro desses critérios le -varia a um resultado muito simples, mas inadmissível: o desubtrahir ao direito privado todos os actos do Estado sem ne-nhuma excepção, inclusive os factos que se referem ao patrimó-nio privado do Estado, os quaes ninguém contesta serem todos 

m Loc oit. O autor afflrma que a jurisprudência franceza admitte adistincção supra dita, ainda que nao se mostre sempre correcta ou co-

herente na verificação das espécies controversas. *" Loc. cit., p. 13. 

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elles, actos de pura gestão. E' preciso, pois, distinguir os actos doEstado, tendo cuidadosamente em vista a sua natureza, a dizer:considerar os actos de poder publico, i.é., aquelles, em que o

Estado invoca os direitos de soberania que lhe pertencem, —como inteiramente fora da esphera do direito privado, e somentesujeitos aos princípios do direito publico; — e pelo contrario, ossimples actos de gestão, mesmo quando efectuados num fim deinteresse geral, mas em que o Estado não invoca a suasoberania, deverão ser considerados, em principio, do domínioexclusivo do direito privado.170 Especificando, a titulo deexemplo, esses diversos factos, o autor os explica da maneiraseguinte: 

Quand 1'Etat exerce une industrie monopolisée (postes,télégraphes, téléphones, tabacs, allumettes, etc), les actes parlesquels il établit et défend son monopole sont des actes d'auto-rité ; il ne s'ensuit pas que les actes de fabrication, de trans-portou de vente qui constituent 1'exercice même de 1'industrie,présentent lemême caractere. De même 1'Etat fait au plus hautdegré acte de puissance publique quand il recrute 1'armée pourla defense du pais, quand il 1'exerce, quand il conduit des opera-tions de guerre; il ne resulte pas de lá que tous les actes dei'administration militaire soient des actes de puissance publique.Un ordre donné par le ministre de la guerre n'a point le mêmecaractere juridique que Tacte du cavalier, qui, en transmettant

cet ordre, renverse un passant sur la voie publique ; si 1'ordredonné a cause un prejudico, les conséquences en doivent êtreappreciées d'aprés le droit public, mais le cavalier ne circulaitpas sur la voie publique en vertu d'un droit de souverainetè quiappartient á 1'Etat; il ycirculait comme aurait pu le faire n'im-porte quel particulier; son acte appartient au droit prive. Mêmedistinction pour toutes les autres administrations; 1'incorpora-tion d'un marin dans la flotte n'a point le même caractere que1'acte du pilote, dont la négligence occasione 1'abordage d'unbâtement par un navire de 1'Etat; la poursuite d'une contra-vention forestiére n'a point le même caractere que la marque desbois en vue d'une coupe á eífectuer. Quand 1'Etat organise 

Mo Loc. cit., p. 15. 

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une exposition universelle, il fait acte d'autoritè en expro-priant, s'il y a liea, les terrains nécessaires, en distribuant desrecompenses, en prenant des mesures de police nécessaires pourle maintien du bon ordre; mais il fait acte de gestion en

recevant en dépot les marchandises exposées et en príncipe, ildoit être responsable de ce dépot com me un particalier.m 

49 b. —Não ha duvida, reconhece Michoud. que as operaçõesda administração são quasi sempre complexas, concorrendo ásvezes, numa mesma operação, elementos de gestão e elementosde autoridade; — mas pensa, que será sempre relativamentefácil determinar â qual categoria pertence o acto, que tenhaoccasionado o damno. Na verificação da responsabilidade im-porta também vêr, si no caso se trata de um simples preposto ou

de um dos órgãos do Estado; sendo, segundo Michoud, de con-siderar, como revestidos desta ultima qualidade, todos os func-cionarios investidos do direito de tomar decisões em nome domesmo, em outros termos, todos os agentes autorisados â fazerem seu nome actos de administração, propriamente ditos;172 aopasso que os simples auxiliares, que o Estado emprega na gestãodos seus serviços, agentes de preparação ou execução de suasordens, empregados de repartição, operários de manufacturas,agentes de correios e telegraphos, etc, etc. não são mais, do que propostos do Estado. Desta distincção decorre, que, com relaçãoaos actos dos primeiros, o Estado deve responder, como si foramactos seus, directos ou  próprios, conseguintemente, sujeitos aoartigo 1382 do código civil (francez); emquanto que, 

m Loc. cit., n. 27, p. 15-16. 17a Michoud diz, que o Estado tem por órgãos, não só, as Camarás

Legislativas (que em certos casos também fazem actos de gestão) e o Chefed'Estado, mas ainda, os ministros, prefeitos, sub-prefeitos, assim como todosos ftmccionarios investidos do poder de decisão própria sobre matérias es-

peciaes. Loc. cit., p. 18.— Em outra parte se dirá o que outros pretendemcom essa distincção entre órgãos e empregados on propostos do Estado. 

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com relação aos dos segundos, a sua responsabilidade deverá serregulada nos termos do artigo 1384 do mesmo código.178

 

Si porventura tratar-se. não, de um delido ou quasi delido,

mas de culpa contractual, o Estado será responsável da referidaculpa segundo as regras particulares do contracto, que ã ellatenha dado logar m; cumprindo ainda não omittir, neste ponto,que, em se tratando de acto praticado pelos órgãos do Estado,não é condição, quanto â responsabilidade deste, que o funccio-nario tenha agido conforme á sua funcção (reste fidèle a Vesprit de sa fondion); o Estado será responsável, como uma pessoamoral ordinária, mesmo pelas culpas graves, (des fautes lour-des), pelo dolo, ou delicto propriamente dito, — desde que se

tratar materialmente de actos que caibam no circulo da suafuncção. E, ao contrario, em se tratando da culpa de  prepostosdo Estado, para que se verifique a responsabilidade do mesmo,será preciso, que se tenha dado o concurso de todas as condi-ções, que, em direito commum, são necessárias para fundar aresponsabilidade do committente.176

 

49 c.— Occupando-se, em particular, da responsabilidadedo Estado em razão dos actos de autoridade, Michoud opina quese deve começar por distinguir o damno causado sem culpa, do

damno resultante da culpa do agente. Os actos de autoridadetem, quasi sempre, como consequência, impor aos particulares,em bem do interesse geral, certos óbices, exigências, restricções(des genes, des entraves, des restridions) á sua liberdade de acção,e, muitas vezes, uma diminuição do producto útil, que elles po-diam auferir da sua propriedade; mas, nem por isto, devem elles(as desapropriações e os damnos resultantes das obras 

173 Conforme Michoud, são igualmente applicaveis ao Estado as dis

posições do artigo 1385 - 86 do código civil citado. 174 Michoud, loc. cit., p. 18. 175 Ibidem, e p. 22-23. 

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publicas, por exemplo ) ser considerados, como incluídos nanoção geral dos quasi-delictos. 

O Estado, como o individuo particular, mas, com frequência

maior do que este, por ter direitos mais extensos, pode causarum damno sem sahir do seu direito, e por conseguinte, sem com-metter uma culpa: neminem laedit qui suo jure utitur. Como sesabe, lembra o autor, o legislador não commette culpa, nosentido jurídico da palavra, porque o seu direito é sem limitesna ordem constitucional ou legal; consequentemente, a sua res-ponsabilidade permanece sempre de ordem puramente moral,isto ê, não pode jamais dar logar á nenhuma condemnação pe-cuniária, nem contra o Estado, nem tão pouco, contra os indi-víduos, que hajam participado da deliberação legislativa -, domodo que, em presença de uma lei, arbitrariamente violadorados interesses privados, diante de uma lei vexatória, injusta(une loi tracassière, injuste), contraria aos princípios de nossodireito, a Justiça não poderá apoiar-se na idéa de culpa do Es-tado para conceder uma indemnisação às victimas da lesão. 17° Aquestão da indemnisação só pode ser levantada, ou como de-corrente das próprias disposições da lei, ou, ao menos, como in-terpretação plausível do pensamento do próprio legislador na me-dida legislativa adoptada.177 Do mesmo modo o acto de governo é

collocado numa região superior, distincta daquella, onde se movea acção administrativa, e inaccessivel aos tribunaes da ordemadministrativa ou judiciaria; elle não pode constituir uma culpa,empenhando, juridicamente, a responsabilidade pecuniária do 

176 Loc. oit., n. 37, p. 258 sg. O autor, neste particular, se pOe no ponto de vista de direito con

stitucional da França; não desconhecendo, todavia, que ha Estados, comoos Estados Unidos da America, em que se pode cogitar do damno prove*niente de uma lei inconstitucional perante os tribunaes judiciários.— Loc.

cit., n. 38, p. 254-255. Q 

I m Loc. oit., n. 39, p. 255.  ';•13  R. c.

■ 

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Estado. O governo só será responsável perante as Camarás, ásquaes, somente, compete decidir das consequências do acto, quersob o ponto de vista da responsabilidade do Estado, quer sob

outro qualquer. • Si a indemnisação se dér, será voluntária por parte do

Estado; porquanto, dado que culpa houvesse, nenhum tribunalteria competência para aprecial-a, e consequentemente, oresultado seria o mesmo, caso a culpa não existisse.. i78 Comrelação á autoridade administrativa, a questão da culpa, continuaMichoud, só poderá ser posta em dous casos: primeiro, quando oacto administrativo, de que provém o damno, é illegal, seja porexcesso de poder da parte do seu autor, seja por que o seu

cumprimento se deu sem as formalidades legaes; segando,quando o autor do acto, sem sahir da legalidade, faz, por dolo ounegligencia, mão uso dos poderes que lhe foram confiados. O pri-meiro caso corresponde â noção de culpa, tal como é admittida nodireito privado; do segundo caso, parece, â primeira vista, quenada podia resultar, visto o autor não ultrapassar o seu direito.E', porém, de observar que, fora da culpa consistente no excessode poder, ou na offensa consequente do alheio direito, a mesmase pôde ainda dar, segundo o direito privado,— no faltar á uma

obrigação convencional ou legal, a dizer: não só, ha culpaquando se sahe do seu direito, fazendo-se o que se não tinhadireito de fazer, como também, quando se deixa de fazer o quese tinha a obrigação de fazer.179

 

Nos actos do poder judiciário, se pode igualmente dardamno ao alheio direito, com culpa ou sem ella; lhes sendo res-pectivamente applicaveis as mesmas considerações precedentes.Ha, por exemplo, diz Michoud, culpa numa detenção illegal,assim como, pelo menos theoricamente, numa detenção legal, 

178Ibidem. M Loc. cit., n. 40, p. 257. 

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masíeita sem causa suficiente, ou prolongada sem necessidade.Todavia, com relação á autoridade judiciaria, occorre uma dif-fículdade particular na admissão da responsabilidade efectiva

do Estado, — resultante do principio da cousa  julgada. Esteprincipio serve de obstáculo a que, sob a forma de acção deresponsabilidade, se ponha em questão um facto, que não sepode fazel-o directamente, pedindo a reforma ou annuUaçãoda sentença. Existe, portanto, uma razão de inadmissibilidade(une fin de non recevoir) análoga à que existe quanto aos actosdo poder legislativo, e a qual tem sido também admittida pela  jurisprudência acerca do poder governamental. E' que,na suaesphera, o poder judiciário é igualmente soberano e, conse-guintemente., onde a sua soberania pode ser invocada, cessa todaa possibilidade de arguir uma culpa. A responsabilidade do Es-tado, pois, só seria comprehensivel, tratando-se de sentença,contra a qual fosse possível a via de recurso ordinário ou extra-ordinário, e como um accessorio dessa via de recurso. m

 

49 d.— As considerações, que acabam de ser feitas, âconta de L. Michoud, concernentes á responsabilidade do Estadonos actos de autoridade, são apresentados por esse autor, collo-cando-se no ponto de vista do direito vigente da França, sob

cuja sancção, ao menos em principio, se deve afnrmar a irres- ponsabilidade do Estado.181 Collocado, porém, no ponto de vistamais largo da "lex ferenda", Michoud admitte, que em certoscasos, converia estabelecer, de maneira formal, a obrigação doEstado de "reparar as consequências damnificantes das culpasdos seus agentes ". 

1£f o Loe. cit.,n. 41, p. 258. 181 Ibidem, n. 42, p. 259. O autor não desconhece, no entanto, e pelo

contrario, menciona casos diversos, em que essa irresponsabilidade do

Estado não se da, quer segando os julgados da jurisprudência, e quer emvirtude de leia expressas. Loo. cit., p. 259 seg., e 274 seg. 

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E examinando então, já em vista da jurisprudência, jâ daopinião dos principaes autores,—quaes sejam os fundamentosallegados para constituir o Estado em responsabilidade pelos

actos do  poder ou autoridade publica, depois de aprecial-os aosabor do seu critério individual, concluirá apresentando os se-guintes postulados: 

1)  A melhor garantia a dar aos cidadãos reside numa bôaorganisação dos poderes públicos. Toda a questão de responsa-bilidade em rasão dos actos do Estado se reduz a fazer julgar porum funccionario os actos de um outro funccionario; e de nadavale proclamar o principio da responsabilidade, si os incumbidosde applical-a forem tão suspeitos de abuso do poder, como

aquelles, aos quaes tem de julgar. E' preciso não exagerar a idéae as consequências da responsabilidade... Mesmo, onde é deadmittil-a, não se deve crer que o mais efficaz para a protecçãodos direitos privados seja a responsabilidade do Estado. A dofunccionario é, por si mesma, importante, uma vez que nãoconduz somente à reparação, mas tem ainda um effeito pre-ventivo: sob as formas diversas que reveste, de responsabilidadehierarchica, responsabilidade civil, responsabilidade penal, ellaconstitue uma garantia de boa administração, que é fundamental,

e que importa não deixar enfraquecer. Esta garantia se enervaria,entretanto, caso se substituísse, sem discernimento, a res-ponsabilidade civil do funccionario pela do Estado... O meio dechegar ao resultado almejado seria, pois, declarar, como regra,—que a responsabilidade do Estado, em matéria de actos de poder  publico, não será jamais, senão subsidtaria, e que o funccionarioserá sempre chamado a responder em primeiro logar.182 

2)  As culpas, consistentes apenas em imprudências, negli-gencia ou omissões, que constituindo um uso inconsiderado dopoder, todavia, não ultrapassam este poder, nem contém ama

1<B Michoud, loc. cit., p. 260-279. 

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illegalidade, por exemplo, a culpa de um prefeito, por não havertomado medidas bastantes de precaução para proteger efficaz-mente a ordem publica, ou por ter imposto num regulamento aos

particulares obrigações inutilmente vexatórias, mas não ille-gaes, — não dão direito á nenhuma indemnisação pecuniária,nem contra o Estado, nem contra o funccionario. Elias devemficar à apreciação exclusiva do superior hierarchico do funccio-nario. O principio contrario podia fazer multiplicar indefinida-mente o numero de acções baseadas em motivos semelhantes,—com prejuízo manifesto do próprio interesse geral, diminuindoo espirito de iniciativa do funccionario, e em muitos casos, tor-nando a acção administrativa incapaz de corresponder aos seusfins. Encarada a questão pelo lado dos poderes próprios daadministração, — entregar, por ventura, ao poder judiciário oconhecimento e a apreciação de casos desta ordem, seria trans-formar o poder judiciário em' 'poder politico irresponsável'', comgrande detrimento da boa administração da justiça e da liber-dade de acção, indispensável á boa mantençãoda causa publica.Só uma excepção será. admissível: — para o caso, em que ofunccionario, sob o pretexto do exercício normal do seu poder,se tornar culpado de dolo.183

 

3) Mesmo dado, que o funccionario exceda o seu poder,

tratando-se de culpas leves, excusaveis, não deve ter logar aresponsabilidade. Aindaque aqui não se cogite de uma simplesquestão de prudência ou de opportunidade, mas de umaquestão de legalidade, as considerações precedentes lhe podemser applicaveia. Não é sempre fácil conhecer exactamente a estensão dos direitos de poder publico que pertencem ao Estado ■,a administração e a justiça se podem mesmo enganar de inteiraboa fé sobre a matéria; e si é certo, que erro semelhante ésempre uma culpa, cumpre também reconhecer, que não seria 

183 Loc.cit. 

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de equidade, nem conforme ao interesse geral, — tratar essaculpa, como a do simples particular, que administra os própriosnegócios. O juiz, cuja sentença é susceptível de ser annullada

pela Corte de Cassação, o administrador, cujo acto pode ser ob- jecto de um recurso, e por este meio ser provido pelo Conselho deEstado, não devem, só por isto, ser declarados pecuniariamenteresponsáveis das consequências damnificantes dos seus actos; eé de interesse geral, que em casos taes, o Estado também nãocontraia obrigação alguma de reparação. São erros ou riscosinseparáveis da organisação social. Apenas, nos casos excepcio-naes de dolo ou culpa lata, deve o funccionario responder, e tam-bém o Estado, subsidiariamente. Esta responsabilidade subsidiaria

do Estado não se funda em culpa do mesmo,—o que parecepouco justificável, mas na "razão da obediência" que o Estadocrêa para os particulares em relação as ordens do funccionario: ésem duvida de equidade, que aquelle responda pelos damnos,provenientes da prestação dessa obediência. Si o interesse geralse oppõe, que a responsabilidade do Estado se dê em todos oscasos, elle deve assumil-a, ao menos, nos mais graves. Comeffeito, é útil que a autoridade seja obedecida sem resistência, eesta obediência será tanto mais facilmente prestada, quanto os

particulares souberem, que a mesma não lhes causará prejuízomaior, do que o permittido na lei; do contrario, seriam levados aresistir, pelo menos, nos casos, em que a sua resistência lhesdesse esperança de ser considerada legal. Na hypotbese, pois, ointeresse social e a equidade se acham de accôrdo, em admittir oprincipio da indemnisação; sendo esta prestada pelofunccionario, e dada a insolvabilidade deste, — pelo próprioEstado. Esta doutrina terá a mesma applicação, quer se trate dopoder judiciário, quer do poder administrativo. O Estado ordenaobediência, tanto aos funccionarios de um, como aos de 

is* Ibidem. 

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h-■ 199 — 

outro poder; — não havendo razão de distinguir, desde que aresponsabilidade não se funda, nem sobre aidéa toprepositura,nem de mandato dado ao funccionario.184

 

4) No que concerne ás omissões, o principio não se applicaem todos os casos, mas somente, ás hypotheses, em que a omissão, constitutiva da culpa, equivale à uma ordem tacita, á quese deve obedecer; tal é a hypothese de um encarceramento, ille-galmente prolongado, e muitos outros semelhantes. 

Muitas vezes a execução de um acto por um individuo par-ticular é subordinada á certas formalidades, — que exigem oconcurso de um funccionario administrativo; a recusa desse con-curso, por parte do funccionario, equivale á uma prohibição ;si esta recusa é illegai, a acção de responsabilidade será tantomais necessária, quanto o particular, que por ella é prejudicado,não tem acto algum a combater, e, por conseguinte, só lhe res-taria o recurso da acção referida. Supponha-se por exemplo queo Prefeito se recusa a mandar proceder a um alinhamento daviação publica ou a receber a declaração da abertura de umaescola... São recusas illegaes, tendo por effeito impedir, que seconstrua em determinado sitio, e que se abra uma escola livre •ellas equivalem, embora não se apresentem sob a forma de actospositivos, mas na de simples omissões passivas, á verdadeiras

prohibições; conseguintemente, lhes é inteiramente applicavela theoria precedente. Em contrario, esta não deve serapplicadaás simples negligencias dos funccionarios, quando d'ahi nãoresultar nenhuma prohibição ou obrigação aos particulares. Odamno, porventura, causado por taes negligencias, não dálogar á indemnisação alguma.185

 

5) Alem da responsabilidade geral do Estado, qual ficadeclarada, se pode ainda admittil-a de modo excepcional, emcertos casos particulares. Ella terá logar, quando, embora se  

188 Ibidem, p. 284. 

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trate de culpa leve do funccionario, o damno resultante fôr decaracter vexatório : por exemplo, no caso de uma detençãoillegal, ou de um arresto sem causa fundada. Em casos taes, é de

admittir a responsabilidade do Estado, não pela gravidade daculpa, mas pela gravidade do prejuízo. Si bem que se possaconsiderar a culpa leve do funccionario, como risco social, é, toda-via, de ajuntar a condição : comtanto que esse risco não seja de-masiado grave, ou que não tenha a consequência de impor a umsó individuo — sacrifícios por demais directos e consideráveis.A verificação da responsabilidade nestes casos devia ser regu-lada por princípios análogos áquelles, em que o Estado se de-clara responsável por damnos causados sem culpa; mas sem

perder o seu caracter de excepcional,—por não haver vantagemem multiplicar as suas hypotheses.186 

— Tal é, nas suas grandes linhas, como elle próprio o diz,a doutrina que Michoud desejaria ver consagrada no direitopositivo. Declarou haver deixado fora do seu trabalho o estudodas indemnisações, que podem ser devidas pelo Estado, em razãode damnos causados no '' exercido regular " do poder publico,sem que se possa imputar culpa aos seus agentes; porque se-melhante responsabilidade, tendo um caracter distincto, deve ser

regulada por princípios inteiramente diferentes.

187 

50. — Ainda, como partidário igualmente convencido daverdade da "theoria mixta", não devemos deixar de mencionarHenri Bailby, o qual, expondo-a e apreciando-a nos seus ele-mentos conhecidos, não duvidara affirmar a seguinte conclusão:En notre matière, la distinction entre les actes de gestion et lesactes de puissance publique BST ET DOIT RESTER FONDAMENTALB :suivant que VEtat commande aux particuliers, ou se place avec  

186 Ibidem. 187 Ob. cit., t. Ill, n. 5, p. 407. 

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eux sur un pied à"êgalitê juridique, Xe rapport de droit qui peut naitre entre VEtat et les particuUers, à Voccasion oVun dommage1

eprouvé par ces derniers, est d 1 une NATURE ESSENTIELLEMENT

differente.188

 A responsabilidade incumbente ao Estado pode, segundo a sua

origem ou causa, resultar: 1) de uma culpa imputável ao Estado; 2)da obrigação do Estado de supportar um risco ; 3) de um factolesivo, mas não culposo, do Estado (fait domma-geàble nonfautifdeV Etat).189

 

Para verificar, si a pessoa Estado é capaz de culpa, o autorexamina, em seus argumentos principaes, as differentes theorias dapessoa jurídica, e depois de também emittir a sua opinião individualsobre o valor relativo de cada uma delias, chegara à conclusão, deque o acto do órgão ou representante da pessoa moral, na esphera dasua competência, é acto delia própria; « despindo-se o individuo-agente da sua personalidade, para deixar apparecer somente a doente collectivo nas suas relações cora os terceiros».190 Conseguintemente: Tant que la volonté de Vêtre moral,SPÉCIALEMENT L'  ETAT,  se determine en vue du but, des intérêts

 pour lesquels il a été constitué, c'est'-a-dire tant que les organes ourepresentante agissent dans Vexercice de lleurs fonctions, c'est Vêtre moral qui doit ètre repute agir ET DOIT 

ÊTBE DECLARE RESPONSABLE, s'U y a UeU.191 

188 Henri Bailby, De la Responmbilité de VEtat envers les particuliers,p. 205.—Paris, 1901. 

Pretendendo encerrar o presente titulo com as opiniões deste autor,cumpre indicar aqui, oomo trabalhos dignos de ser lidos, sobre a theoria dadiiúncçâo dos actos do Estado, os seguintes: Luigi Beilavite, Delia rispon-sibúitá deito Stato, — Verona-Padova, 1884; — P. Orivellé, De la distin-ction des antes d'autorité et dei actes degestion,— Paris, 1901. 

188 Ob. cit., p. 21 seg. — O autor declara, fora do seu presente estado,a responsabilidade proveniente de contracto. 

wo

Ibidem, p. 34. 191Loc. cit., p. 35. 

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202 — 

Explicando ou justificando a obrigação, que deve caber aoEstado, de supportar um risco, o citado autor lembra o principiode equidade, geralmente acceito como justo, que o Estado repare

o damno soffrido por um particular, para o fim de manter entre osseus membros a igualdade na contribuição dos encargos dacollectividade. Ora, diz elle, si o Estado tem por fun-cçãoassegurar, na gestão dos interesses communs, a igualdade entreos indivíduos, o mesmo satisfaz apenas á uma das suasobrigações, respondendo por certos riscos; por conseguinte,trata-se de uma responsabilidade, inherente ao próprio fim doEstado.192 E, em seguida, accrescenta: Et quelle que soit la con-ception juridique que Von fasse de ce dernier ; qu'on voie dans

VEtat une personne fictive, une personne purement réellc, ouune personne rêsultant d'élements réels et organisée par la loi,on qu'on rejette Viãêe de personnalité de VEtat, Von doit force-ment, sous peine de nier la fonction même de VEtat, adméttrecette justificatioQi de príncipe de cette responsabilitê fondée sur Vobligation de supporter un risque.193 Finalmente, a responsa-bilidade do Estado, por um   facto lesivo, mas não culposo, doEstado se dá, quando elle offende interesses individuaes, nointuito de satisfazer ao interesse collectivo. O Estado cumpre

nisto a sua missão; não viola obrigação alguma, e, consequen-temente, não se lhe pode imputar uma culpa. A justificação 

193 Ibidem. 15,3 O autor explica com certo desenvolvimento a sua theoria do ruço,

classiflcando-o nas espécies, de riscos reaes (quando apparecem pela sim-ples constatação dos factos, isto é, resultantes do facto de um terctircoudo facto de uma cousa)e de riscos de direito; subdividindo estes últimos emrisco industrial ou profissional,e em risco administrativo. — Vide: loc. cit.,ps. 106-126, 173-180. Também trata o autor da distincç&o conveniente

dos representantes do Estado nas categorias de órgãos e preposUs, aoque teremos occasiao de referir-nos em outras partes deste trabalho.—Ibidem, p. 37-49. 

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theorica desta responsabilidade assenta, como no caso do risco,no mesmo principio de igualdade dos particulares na contribui?ção dos encargos communs: «um damno soffrido por um par-

ticular, em vista de procurar uma vantagem à collectividade,deve ser reparado por esta ultima, isto é, pelo Estado».1M

 

50 a. — Na classificação dos actos, entre actos de poder e 

actos de gestão, Bailby adopta o mesmo critério, geralmente 

admittido pelos partidários do systema, — que a distincção 

pode ser feita, tomando por ponto de partida a natureza do  

poder ou direito, em virtude do qual o acto é efectuado. I 

— I/Etat, dans ses rapports, avec les individus qui le com-posent, apparait avec deux caracteres differentes. Pour remplir

sa mission, il lui est parfois nécessaire d'avoir un pouvoir su-périeur á celui des individus, le droit de leur commander; desorte que les droits individueis n'existent que sous la reservedu droit éminent de 1'Etat qui vient les limiter. LEtat a doncsur les particuliers une puissance légitimée par son but qui estde sauvegarder 1'intérêt collectif, et les actes qui en sont 1'exer-cice sont ceux de puissance publique. Mais, si pour l'accom-plissement de sa fonctíon, 1'Etat n'a pas besoin de recourir á cepouvoir supérieur, il n'a plus qu'un pouvoir égal ã celui desparticuliers, ses droits sont semblables â ceux de ces derniers.II est alors assimile a une personne morale de droit prive ; onpeut le considerei- comme une société plus importante que toutes

les autres, il est vrai, et qui, pour ce motif, bénéficiera parfoisde régies spéciales lui conférant des privilèges; mais un privi-lège implique simpliment qu'un droit est préférable á un autre,et non qull lui est supérieur. En tant que personne morale dedroit prive 1'Etat conserve, diminúe ou augmente son patri-moine, il le gere; aussi les actes juridiques qu'il accomplit danscebut sont-ils appellés actes de gestion.195

 

O autor procura demonstrar, pela indicação dos factos, a ra-zão procedente da sua doutrina; não negando, todavia, a grande 

194

Loc. cit. 185 Loc. cit., p. 51 seg. 

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difficuldade, que ha, "quando se trata de determinar, quaessejam os actos de poder-publico, e quaes os de gestão..." 1W

 

Quanto ao direito, que deve regular a responsabilidade

proveniente dos actos de gestão, se offerecem três theorias prin-cipaes: a primeira, sustentando que lhe são applicaveis, regrasespeciaes do direito publico; a segunda, que dita responsabi-lidade resulta dos princípios de justiça e equidade, semelhantesaos em que se inspiraram os redactores do código civil,notadamente, dos artigos de 1382 e seguintes ; a terceira, final-mente, sustentando que, não havendo na execução dos actos degestão, uma situação jurídica diíferente das pessoas moraes dodireito privado, a responsabilidade, porventura resultante, deve

ser apurada segundo as regras deste ultimo direito.  E' esta a theoria preferida pelo autor, o qual, porém,

observa, que o Estado não pode ser obrigado a reparar umdamno soffrido pelos indivíduos, senão, em dous casos: ou, sicausando o damno, commetteu uma culpa; ou si o damno sendocausado por uma cousa ou por um terceiro, isto é, constituindoum risco, o Estado tinha entretanto a obrigação de supportal-o.Em outras palavras, tratando-se de actos de gestão, a culpa e aobrigação de supportar um risco são os dous fundamentos da

responsabilidade do Estado.

197 

50 b.—Na analyse feita destes dous fundamentos, Bailbydeixa vêr claramente, que o fundamento da culpa, ainda queconsagrado na tradição e no direito positivo, se mostra, cadadia, menos capaz de corresponder ás exigências da pratica;porisso pensa, que melhor fora preferir o fundamento do risco, 

196 Ibidem, p. 50. 15,7 Loc. cit., p. 85 Bg. 

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na accepção que se lhe deve dar, nos differentes casos. Eiscomo elle expressa as suas conclusões neste particular :' 

Notre droit positif fonde la responsabilité de 1'Etat sur

une faute subjective, tantot réelle et três souvent présumée;il est fait cependant exception, lorsque 1'Etat exploite uneindustrie e joue le role de patron; la loi du 9 avril 1898 lerend alors responsable du risque professionel. Le législateurdevrait, il nous semble, admettre d'une façon généraie la notionde risque.  R 

D'abord, pour les domroages causes par le fait des chosesque l'on a sous sa garde, il est inexact de dire qu'on a commisla faute de n'avoir pas apporté une plus grande surveillance oupris des précautions plus minutieuses; cette faute subjective, ilest vrai, n'a pas besoin d'être démontrée, elle est présumée: telest le sens de l'art. 1384-1° du code civil. Pourquoi recourir

ainsi à des présomptions plus ou moins Actives? Peut-être, dansune periode d'évolution juridique oú les vêritables notions n'é-taient pas encore dégagées, ces présomptions ont-elles étê utilespour concilier les príncipes admis avec les exigences de la pra-tique; mais, dès que s'est révélée 1'idée nouvelle a consacrer, ilfaut se débarrasser des présomptions et des fictions. Or, pour laresponsabilité resultant du fait des choses, il s' est produit uneevolution remarquable dont les phases ont été marquées parla jurisprudence. L'Etat a sous sa garde des machines, des armes,des substances explosibles, des ouvrages, des immeu-bles, etc.;ces choses ont les vices inherents à leur nature. Par le fait seulqu'il a la maitrise de ces choses, qu'il les manoeuvre ou lessurveille, s'en sert et en retire un profit, c'est à lui de supporterles conséquences des dommages qu'elles causent plutôt qu'auxparticuliers qui subissent ces dommages. Qui a le profithabituei d'une chose, doit réparer les accidents qu'elle causeparfois. Telle est Téquité; tel doit être le droit. 

Quand les dommages causes aux particuliers sont dus, nonplus au fait des choses, mais au fait de 1'Etat, faut-il aussiadopter la notion du risque?... 

Aqui o autor, antes de responder, lembra a distincção, queê preciso guardar, nos actos da administração publica, entre osfactos de culpa grave (de une faute lourde), consequentemente,

da responsabilidade pessoal exclusiva do agente, e os factos 

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provenientes de culpas leves, isto é, "factos do serviço" e por-tanto, da responsabilidade do Estado; e feito o que, prosegue:  

Mais, ces imprudentes, ces négligences, commises dans les

actes de gestion sont-elles le résultat d'une volonté bienconsciente? Constituent-elles réellement une faute subjective ?Au premier abord, on est porte a répondre affirmativement,parce que c'estla notion traditionnelle; jusqu'à ces dernièresannées, en dehors des contrats, l 'on ne voyait guère de fonde-ment de la responsabilité que dans une faute subjective. Cepen-dant le développement des entreprises modernes. les conditionsnouvelles delavie, la complexité croissante de Tadministrationde 1'Etat ont montré 1'insuffisance de la notion de faute. Sansdoute, en apparence, il y a bien fait de 1'Etat, faute légère; maisle progrés a consiste á pousser plus avant l'analyse, à dé-couvrirla realité: la cause véritable du dommage est dans les difficultés,

les necessites des services publics, dans les conditions forcémentimparfaites de leur organisation et de leur fonction-nernent. Cestla notion plus large et plus pratique du risque administratiffqvCiifaut substituer à la responsabilité délictuelle consacrée par l'art.1382 du code civil. Et il será juste de faire supporter par l'Etat cerisque administratif, parce que les domraages ou accidents quiconstituent ce dernier, sont la con-séquence à peu prés inevitablede la gestion des services publics. or ceux-ci sont établis dans1'intérêt de tous les administres qui en ont le profit. N'est-il pas juste que les dommages soient sup-portés par la collectivité,c'est-à-dire par 1'Etat, plutõt que par les seuls particuliers qui ensont victimes?198

 

50 c. — Com relação aos actos de poder publico, o autorassignala igualmente que, segundo textos numerosos do direitopublico, o Estado é, em principio, irresponsável pelos damnoscausados aos particulares no exercício desse poder; mas, istonão obstante, a responsabilidade do Estado tem sido, com todarazão, reconhecida em casos diversos; podendo a mesma ter ori-gem, tanto na culpa e no risco, como em actos não culposos doEstado. O Estado, diz elle, não deve jamais perder de vista, que 

w* Loc. cit., p. 205-208. 

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elle não existe, senão, para proteger os direitos individuaes e sa-tisfazer as necessidades communs a todos os membros da nação ;o poder publico não lhe fora dado, senão, como meio de realizar

este seu fim. O Estado tem, pois, duas cousas a conciliar: de umaparte, a necessidade de manter a autoridade de suas ordens e deexecutar as suas funcções; de outra parte, o respeito aos direitosdos particulares. Não deverá, portanto, sacrificar os interessesindividuaes, senão, quando for necessário â salvaguarda da suaautoridade e á realisaçào do interesse collectivo.199

 

Segundo parece ao autor, cabem, a esse respeito, as se-guintes explicações: 

Pour les dommages causes par 1'Etat aux particuliers etqni resultent de fautes lègeres ou faits de service commis par

ses agents dans 1'éxercice de la puissance publique, le príncipede 1'irresponsabilité de 1'Etat n'a dans notre droit positif, quefort peu d'exceptions, car, dans ces eas, ce qui apparait surtout,c'est la necessite d'assurer le mantien de 1'autorité et sa libreintervention. Et nous pouvons répéter ce que nons disions ausujet des actes de gestion: 1'Etat n'a pas une volonté bien con-sciente de commettre les imprudences ou les erreurs constituti-ves des fautes lègeres; elles resultent plutôt des difficultés de lafonction, des imperfections inhérentes au service public; voilá lacause véritable de ces dommages qui, en realité, sont donc desaccidents, des risques. Si ces accidents placent les particuliersqui en sont victimes dans une inégalité manifeste vis-à-vis des

autres membres de 1'Etat, n'est-il pas possible, sans porteratteinte â 1'autorité de 1'Etat, de rendre celui-ci responsable?Quand, dans 1'accomplissement de ses fonctions judiciaires, illai arrive de commettre des erreurs d'une gravite parti-iculière,la loi du 8 juin 1895 1'oblige à rèparer le prejudico qu'elles ontcause, met à sa charge ce risque judiciaire. Pour-quoi, lorsque1'Etat exerce des fonctions administratives, ne serait-il pas demême responsable des dommages que causent à des administresdes erreurs evidentes ou des faits qui denotent une défectuositégrave du service public ? Comme le service de la justice, lesser vices administratifs ne fonctionnent-ils pas 

i" Loo. cit., p. 209. 

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 — 208 — 

dans Tintérêt de tons ? S'ils occasionnent un préjudice spécia-lement important à des particuliers, n' est-il pas juste que lacollectivité le repare ? Nous le pensons; aussi émettons-nous levoeu que le legislateur mette à la charge de 1'Etat un certain

risque administratif, comme il l'a faitpour le risque judiciaire.Dans 1'exercice de la puissance publique. 1'Etat est surtout res-ponsable à raison de ses faits dommageables non fautifs; eneffet, ici il lui será possible la plupart du temps d'accomplir samission sans faire supporter aux particuliers dont il est obligé deléser les droits. un dommage definitif. Cest en verta d'une loiqu'en príncipe 1'Etat peut causer ces dommages aux particuliers,et c'est la loi qui determinera les cas dans lesquels Tindemnitéserá due. LTEtat exerçant le pouvoir legislatif crée 1'obligation àlaquelle il devra se soumettre quand il será pouvoir exécutif.Mais, noas le savons, 1'Etat, pouvoir legislatif. n'est pasomnipotent; le droit objectif resultant de la nature de la socièté

vient lui tracer sa règle de conduite. Autrement dit, le legislateura des obligations morales anxqaelles il doit se conformer ; ildevra respecter autant que possible les droits individueis et, sauf le cas de necessite sociale ou de force ma-jeure, ne pas fairesupporter, sans compensation, à quelques-uns une chargedestinée à profíter à tous. L'obligation morale de 1'Etat derèparer les dommages, qu'en vue de Tintérêt colie-ctif il estobligé de causer aux particuliers, apparait dans cer-tains casavec évidence. Cest un príncipe que 1'Etat n'a pas le droit de sefaire ceder la propriété des particuliers, sans les 

E  indemniser : le respect du droit de propriété est essentiel au maintien de 1'ordre social; il s'impose à 1'Etat lui-même, qui ne

peut s'en affranchir sans dèpasser le but qui est la limite de sonexistence et de ses droits. L'article 545 du code civil, nousl'avons vu, consacre ce príncipe. 

Le motif de la responsabilité de 1'Etat pour ses faites dom-mageables non fautifs (expropriation, privation de jouissancedes propriètés, dommages causes à celles-ci) est toujours dansla même idée de justice; dommages qu'un particulier éprouvedans Tintérêt de tous doivent être repares par la collectivité. 

k  EN SOMME, SOIT DANS LES ACTES DE GESTION, SOIT DANS LES ACTES DE PD1SSANCE PUBLIQUE, NOUS VOYONS UN PRÍNCIPE DOMI-NANT JDSTIFICATIP DE LA RESPONSABILITÉ DE L'ETAT. DeS dom- mages sont causes a des particuliers; ils sont à peu prés inévi-

tables et pour ainsi dire, une condition sans laquelle 1'Etat nepeut parvenir ã proteger les droits individueis et à gérer les 

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intérêts collectifs. Ils constituent une charge qui doit passer, enquelque sorte, en frais généraux de 1'entreprise administrative ;et cette charge doit être supportée par ceux qui profitent decette entreprise et contribuent à ses dépenses générales, c'est-a-

dire par tous les membres dela nation. Or ceux-ci sont repre-sentes par 1'Etat. Chaque citoyen a un droit égal ala protectionde 1'Etat, aux avantages des services publics, comme une égaleobligation de contribuer aux charges communes (égalité dedroit, mais en fait proportionelle á la capacite, à la situation etau patrimoine de chacun). Cette égalité juridique est inherenteà la nature et a la constitution mêmes de 1'Etat. II est conformeaux idêes de justice et de solidarité sociales d'en assurer lemaintien: c'est vers ce but que tend la responsabilité de 1'Etatenvers les particuliers. 20° 

— Nos trechos que ficam transcriptos, e aos quaes dêmos,

propositalmente, uma certa extensão, se contém em resumo asconclusões da doutrina professada por Bailby, e dps mesmosse vê que o autor, embora partidário da theoria da "distincçãodos actos", todavia, delimita portal modo o campo da irrespon-sabilidade do Estado pelos actos de poder publico, que, talvez,melhor lhe coubesse o qualificativo de partidário da responsabi-lidade geral do Estado, ainda que admittidas excepções diversas,as quaes, não seria preciso dizer, são de rigor em qualquer sys-tema, relativo á pessoa privilegiada do Estado... 

m Loc. eit., p. 209-212. 

11  K. 0. 

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TITDLO SEGUNDO; 

CRITICA DOS SYSTEMAS 

CAPITULO I 

Da Irresponsabilidade 

51.—Não é muita a matéria que, em sustentação datkeoria da irresponsabilidade do Estado, se nos offerece, comomerecedora de uma critica mais demorada. 

Vários dos seus argumentos tem apenas um caracter nega-tivo, queremos dizer, consistem em negar a admissibilidade ouprocedência dos fundamentos jurídicos, em que mais geralmentese apoiam os que do lado opposto reconhecem a respon-sabilidade geral do Estado pelos actos lesivos dos seus funccio-narios. 

Os principaes argumentos, adduzidos pelos fautores dairresponsabilidade (p. 106), se podem talvez resumir nos se-guintes : 

1) O Estado é um ente abstracto, uma pessoa  fictícia, e

portanto, incapaz de ter actos seus, propriamente ditos; os actossão dos funccionarios, pessoas physicas, dotadas de intelligenciae vontade própria; conseguintemente, si elles no exercício de 

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seus cargos praticam actos lesivos, aos mesmos, e não ao Estado,incumbe a responsabilidade de reparar o damno feito. 

2) O Estado, sendo, como se disse, uma pessoa moral ou

fictícia, e incapaz de vontade, não pôde jamais incorrer emculpa, elemento essencial, para que se dê a responsabilidade dodamno contra o agente do mesmo.

3) O Estado não pôde responder pelos actos, illegaes ouillicitos, dos funccionarios; porque, nomeando-os para os car-gos, não os investiu do direito de agir contra o direito, e, pelocontrario, lhes impoz o dever de só agir na conformidade com asdisposições da lei e do direito. 

4) O Estado é o órgão do direito da collectividade social ou

nação; é o poder tutelar, que obriga a todos os indivíduos aguardar a lei e o direito nas suas mutuas relações, quaesquer quesejam, como condição de justiça e do bem estar geral. Gomo, pois,deveria elle próprio sujeitasse á tutela jurídica de outro poder ?1 

5) O Estado, considerado em sua analyse final, não tem,nem obrigações, nem direitos, propriamente seus; mas, real everdadeiramente, os que tem, são dos indivíduos que compõema collectividade social ou nação; o que elle faz, por meio deseus funccionarios, é para o bem ou utilidade geral dos indiví-

duos; logo, se dahi lhes sobrevier damno ou mal, os indivíduosdevem supportal-o. como condição inherente á organisação socialou politica, de que fazem parte; consequentemente, não se vêporque teriam elles o direito de pedir uma reparação ao Estado.

6) Si fosse reconhecido ao individuo o direito de accionaro Estado pelos actos de seu governo ou da sua administração,

1 Eon lo puó,senza contradire ai suo atesto principio: "Num punidoet eooctio non pouunt procedert, niai a volwitatibus divertis ; ittíque cogent 

et coactue requirunt distinctas personns, neque sufficiunt distincti respectVM. \ — MantelltoJ, ob. cit., t. I, p. 34. 

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isso tornaria a acção do Estado, não só, embaraçosa, vacil-lante, menos enérgica, — como também, accarretaria enormeencargo ao tliesouro publico: não é justo exigir o imposto de

todos os membros da conectividade, para applicar o seu pro-ducto em satisfazer os prejuízos particulares de alguns dellessomente. 

— São, não se nega, argumentos que involvem mais de umaparcella de verdade; mas, certamente, improcedentes quanto áconclusão geral, á que pelos mesmos se pretende chegar.  

51 a. — O ESTADO NIO TEM ACTOS SEDS PRÓPRIOS.  Não éexacto, que o Estado seja uma pessoa fictícia, uma simples

abstracção,2

e, por isto, incapaz de ter actos  próprios, pelosquaes deva responder. Elle é uma pessoa jurídica distincta, deexistência real, a qual exercita direitos e obrigações, activas epassivas, já em relação aos seus próprios funccionarios, já emrelação à quaesquer outras pessoas de direito publico ou pri-vado. O facto de se fazer representar por órgãos ou funccio-narios nos differentes actos, que constituem a esphera da suaactividade, não importa ausência de capacidade própria. 

A pessoa physica também se faz representar, quando lheconvém, ou se torna necessário, por outras pessoas, physicas ou jurídicas, na execução de vários actos ; mas, sem que por isto,a pessoa do representado desappareça totalmente na pessoa dorepresentante, segundo os verdadeiros princípios da represen-tação jurídica.8 O que realmente resulta da representação é, —que o representado tem de responder pelos actos do repre-sentante, ou conforme à lei, ou em vista dos princípios de justiçae equidade. E não é differente a regra, que se applica ã pessoa jurídica do Estado. 

2 Hie, p. 11 sg. •Hic, p. 19 sg. 

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•: Si o argumento, que se invoca, prevalecesse, a consequêncianão seria a isenção de responsabilidade por parte do Estadosomente, mas a sua inutilidade manifesta, senão, a negação da

própria existência do Estado; porque, em verdade, o que éfictício, é nada, isto é, carece de existência apreciável nas rela*ções da vida real, commum ou social.4

 

51 b.— O ESTADO É INCAPAZ DE CULPA.  O argumento ti-rado da falta de culpa também não tem procedência. Antes detudo, não é de todo o ponto verdadeiro, dizer que o Estado, comoqualquer outra pessoa jurídica, não é susceptível de ter culpa.Ha a culpa ou responsabilidade  penal de um acto, e a culpa ou

responsabilidade civil do mesmo. Si a primeira, com effeito, nãopode caber ao Estado, segundo ã sua natureza especifica,—nadarepugna, entretanto, e antes a boa razão exige, que elle seja con-siderado, como sujeito activo da segunda. For isto mesmo que, emvista da sua natureza de pessoa jurídica, elle age sempre pormeio dos seus órgãos ou representantes (os funccionarios emgeral) é de razão, é de irrecusável justiça, que os actos destessejam tidos, como actos do Estado; e, conseguintemente, quandonelles se dér a culpa, esta lhe deve caber, como sujeito, que,

efifectívamente, é dos direitos e obrigações, que se contém, ou re-sultam dos respectivos actos. A objecção, de que o Estado, comopessoa jurídica, não tem vontade ou acção própria, não pode seracceita, porque ella provaria demais. Si tiraes ao Estado a ca-pacidade de querer e de fazer executar os actos da própria von-tade, que lhe deixaes, como essencial aos fins da sua instituição?E como é, que se poderiam legitimar, ou considerar  actos doEstado, as convenções ou obrigações contractuaes, e as medidasde governo, si o ente, do qual emanam, carece absolutamente 

4 Ibidem, p. 57 sg. 

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1 II ■ 

— 215 — 

de vontade ? Por outro lado, como admittir que o Estado tenhauma vontade própria, para praticar actos lícitos ou legaes, e, noentanto, seja incapaz delia, para praticar actos, illegaes ou illi-citos, quando uns e outros, elle os pratica " sempre" por meiode funccionarios, seus representantes ?!... 

Não; é possível que, por uma razão de ordem metaphysica,se chegue ao conceito, de que o Estado é incapaz de toda culpa,mesmo a civil; mas na espbera real da ordem jurídica, que éum todo de relações sociaes positivas, desde que elle apparece

ahi, como sujeito certo, distincto, de direitos e obrigações, jánão poderá escapar ás consequências, que como tal, lhe in-cumbem. Assim como o Estado tem e exerce o poder, direitos,privilégios e vantagens, mediante a actividade de seus funccio-narios, assim também, deve responder pela culpa e mais actos prejuãiciaes destes, dentro de certas normas e limites, a menosque os seus effeitos ou consequências repugnem com os própriosfins do Estado. 

A este respeito disse Michoud: — é preciso rejeitar sem

hesitação o falso dogma, que serve de ponto de partida á todaessa theoria da incapacidade das pessoas moraes para commetteruma culpa. A solução a dar sobre este ponto depende em grandeparte da maneira, pela qual se concebe a noção da personali-dade moral.. . Semelhante theoria é uma consequência (aliásperfeitamente evitável) do systema, mais correntemente admit-tido, sobre a personalidade jurídica, — considerando os seresmoraes, como seres inteiramente artiflciaes ou de pura creaçãolegal.5 

Não precisamos repetir, que semelhante concepção da pessoa

 jurídica não é, nem pode ser acceita, por verdadeira; sendo, aocontrario, de consideral-a, um ente ou sujeito real de direitos,5 

5 Michoud, Revue ãu droit pubMc, ci.t. t. Ill, p. 414 sg. 6 Ibidem, p. 415 sg.; Hio, p. 11 sg. e 57 sg. 

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e como tal, capaz de culpa civil, ou responsável pelos actoslesivos dos seus representantes; queremos dizer: ou se lhereconheça uma vontade natural, como entende Gierke,7 ou uma

vontade legal, como pretende Michoud,8 a pessoa juridica-Estadotem, como as demais, uma vontade própria, por cujos actos líci-tos ou illicitos, contrahe a obrigação de responder. O represen-tante, como muito bem disse este ultimo autor, se despe de umaparte da própria personalidade em proveito do representado ;e portanto, é, com effeito, este, e não aquelle, que, em virtudedos actos do primeiro, se torna proprietário, credor, devedor,etc; a pessoa do representante, como que desapparece, paradeixar somente figurar a do representado, nas suas relações com

os terceiros.' Depois,em se tratando da responsabilidade civil, não é cor-recto suppor que esta só se pode dar, como resultante da culpano agente do damno.10 Por muito respeitável que seja a opinião 

7 Gierke,  Die Genossenschaftstheorie,p. 603 sg. 8 Michoud, loc. oii, p. 414-419 sg. 0 Com effeito, os jurisconsultos do periodo clássico deixaram escri-

pto ( Ulpianus):—Neque enim debet noeere factum alterius ei qui nihil fecit;(Neratius): Neque alienas dolus noceri alteri debet; (Papmianw): Non de-

bet alteri per alter um iníqua conditio inferri. (Dig. liv. 39, tit. 1, 5, § 5; liv.44, tit. 4, 11: liv. 50, tit. 17, 74, etc). 10 E\ precisamente, na convicção desta verdade jurídica, que dizemos

no correr deste trabalho, pelos "actos lesivos dos seus representantes", enão, pelos actos illegaes ou illicitos. 

Wbidscheid, se referindo a questão, disse: Com relação á pena, a res-ponsabilidade da pessoa juridica é absolutamente inadmissível (tet unbe-dingt zu verneinen); é contra a natureza da pena, que esta attinja a outremque Dão o delinquente, — ainda que não faltem na historia exemplos emcontrario... Quanto, porém, á obrigação de satisfazer o damno dos delictos,não prevalece o mesmo principio; porquanto, considerado, que a pessoa

  jurídica, só por meio de representantes, tem a possibilidade de agir em

busca de seus fins, não é licito hesitar em reconhecer de justiça, que apessoa jurídica assuma as consequências prejudiciaes dos seus actos, desdeque ella tem igualmente os proventos dos mesmos (dais die juristische Person 

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!■■  ■ 

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do Jhering, o qual, com apoio nos textos do direito romano, nãoduvidara doutrinar—  Jcein Uebel ohne Scliuld, o facto é, quesemelhante principio não poderia prevalecer, como regra damatéria, sem o sacrifício flagrante da justiça em muitos casos. ISustentamos, muito ao contrario, que a satisfação civil do damno sepode dar, mesmo quando se dê ausência completa da culpa. 

A responsabilidade do damno presuppõe: um agente, um actolesivo, imputável ao agente, directa ou reflexivamente, e um sujeitopassivo do acto. Si o sujeito activo do acto, praticando-o, se apartou

da razão, ou do dever que lhe incumbia, — concorre no acto afigura jurídica da culpa ou dolo, segundo as circum-stancias docaso; e ahi se tem, não só, a culpa subjectiva cara-cterisada, como

  juntamente com ella, uma responsabilidade da mesma natureza.Mas, como se disse, esta responsabilidade subjectiva nem sempredepende da presença da culpa, para que possa existir; não de certo:—ella pode resultar, como alias se verifica frequentemente, deactos escoimados de toda culpa, tal por exemplo, quando o Estadoordena desapropriações por utilidade publica, ou quando faz

executar outras medidas legaes, (da saúde publica, da segurançageral, etc.) que, embora lesivas do alheio direito, não involvem,todavia, culpa alguma da parte dos respectivos agentes. Logo não élicito dizer, que só se dá a responsabilidade do damno civil,havendo culpa no agente .. . 

die naihthdligen Folgen dieser HandKtn/en aufsich nelime, wie sie den Vortheilvon denselben hat). Em direito romano, diz ainda este autor: — não ha dis-posição aflirmativa desta responsabilidade; mas, também não ha ahi dispo-sição expressa negando-a;— ao contrario, é geralmente reconhecido, quea aetio quod metus causa (aetio in retn scripta) fora mesmo autorisada con-tra as municipalidades (Dig.  I. IV, tit. IV, 9, § 1); alem de que, essa au-sência, porventura, verificada do direito romano, em nada impedira á que,na pratica, se tenha affirmado a responsabilidade civii, de maneira pre-ponderante (es hat rich aber fiir ihre Bejahung ewie iiberwiegende Praxisaiisg?sprochen). — Lehrbuch des Pandektenrechts cit., § 59 e nota ibi. 

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Além disto, é de considerar, que não ha somente a respon-sabilidade, dita subjectiva ; ha também a que se tem chamadoresponsabilidade objectiva, na qual é indífferente ter, ou não ter

havido, uma vontade do agente, ou ser ella conforme, ou não, arazão, ou ao dever do mesmo. 

O fundamento desta responsabilidade é fácil de dizer.  

0 património de cada um é, em si e por si somente, um direitoperfeito, e como tal, reconhecido na justiça natural e no direitopositivo. Portanto offendel-o, lesal-o de qualquer modo, é violarum preceito da justiça, um direito reconhecido; e como toda aviolação de direito presuppõe a necessidade de uma reparação,se chega logicamente á conclusão, que, do simples acto da lesão

 patrimonial, resulta uma obrigação contra o seu agente, ou responsável, a dizer, resulta a responsabilidade objectiva de inde-mnisal-a,—independentemente da questão preliminar da cnlpa(in faciendo sive in omittendo), que outros reputam condiçãosempre essencial da responsabilidade subjectiva. 

Não é preciso accrescentar, que « responsabilidade civil»significa, tão somente, a obrigação de prestar uma reparaçãopecuniária,11 que restabeleça a situação patrimonial anterior dolesado, isto é, — faça desapparecer a lesão sofrida por alguém

no seu direito patrimonial; e por isso insistimos: — dada a lesão,se deve suppor  a obrigação consequente da sua indemnisação,salvo, si aquella se der por culpa do próprio lesado (sibi im- putei). De modo que, sem contestar, que a culpa subjectiva sejarazão jurídica determinante da obrigação de prestar indemni-sação pelo damno causado; nem por isto, será menos certo, quesemelhante obrigação pôde também existir, supposta inteiraausência de culpa no facto damnificante. 

1 " E', por a responsabilidade civil ter este caracter, que a pessoa ju

rídica é também considerada susceptível de pena, quando esta se reduz,por exemplo, a multas ou outras imposições de natureza simplesmente pecuniária. 

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51 c. — O ESTADO NÃO AOTORISA ACTOS ILLICITOS OU

ILLEGAES.  A objecção, de que o Estado não dá poderes ou au-torisação ao funccionario para agir de modo contrario ao direito,

e, portanto, não deve responder por actos que sejam illegaes,—Ifora apresentada por Loening nestes termos: — E' indiscutívelo principio jurídico, de que a vontade do Estado consiste no pre-ceito de que todos os funccionarios devem exercer as suas attri-Ibuições dentro das normas do direito. Gomo pode, pois, um actocontrario ao direito e, por conseguinte, em opposição directacom a suprema vontade do Estado, — ser considerado, comoacto deste ? O Estado prohibe um acto, e não obstante, deve serseu o acto prohibido! 

Admittindo mesmo, continua Loening, que os actos dosfunccionarios sejam actos do Estado, ainda assim, só se pode-riam comprehender, como taes, os actos dos funccionarios, con-formes á vontade do Estado, isto é, conformes a direito, — mas,não aquelles,  precisamente prohibidos pelo Estado.. . A facul-dade ou poder conferido pelo Estado não vae, nem pôde ir, alémdos limites da legalidade.12

 

Esta argumentação tem mais valor apparente, do que real;ella só encara a questão por uma das suas faces, aquella, quelhe é favorável. Em resumo, o que nella se diz é: que o Estado,

em vez de attender ao elemento jurídico da lesão de um direito,feita em seu nome ou no exercício da sua autoridade, se limitaa crear-se a situação  privilegiada de declarar, elle próprio, —quando quer, ou não, responder pelas consequências dos seusdifferentes actos. Àpresentando-se, forçosamente, obrigadamente,na ordem social e jurídica, por meio dos seus funccionarios,pessoas physicas, e por isto mesmo, capazes de erros, faltas eculpas, mais ou menos graves, o Estado não pôde distinguir, aoseu livre arbítrio, entre os actos ou funcções pertencentes ao 

Loening, ob. oit., p. 106-107. 

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serviço publico,—para, somente, considerar, como seus, os quelhe forem de agrado ou proveito, e repudiar os demais. Não •isto repugnaria aos princípios elementares da justiça. Queremos

dizerj não se compadece com o conceito fundamental da ordem jurídica, aliás, guardada e garantida pelo Estado, — que nellaseja admittdo um sujeito de direito, o qual, nas suas relaçõescom os demais sujeitos, não responda, senão, pelos actos lícitos,isto é, por aquelles, de que lhe advenham direitos ou vantagens.Solução semelhante viria mutilar, de modo inteiramentearbitrário, diz Michoud, a noção da personalidade moral; seriacrear um privilegio, aoceitando os benefícios obtidos em seunome, e recusando-se a supportar os encargos dahi resultantes1S

. .. 

51 d.— O ESTADO È ÓRGÃO E TUTOR DO DIREITO. A allega-ção de que haveria contradicção ou a impossibilidade de o Es-tado, órgão tutelar  do direito na sociedade, ser, elle próprio,responsabilisado, como violador do direito dos indivíduos, queconstituem a mesma sociedade, — significa apenas uma recor-dação persistente da velha doutrina sobre o conceito do Estadoem outras épocas. Com effeito, não se ignora que o Estado an-tigo ou melhor dizendo, o soberano, em quem o Estado outr'ora

se personificava, era o definidor, senão, o creador ào direito, e,conseguintemente, como tal, era irresponsável.14 Mas, assim nãoé, nem pôde ser considerado, o moderno Estado de direito (der  Bechtsstaat). Este se manifesta e age na ordem social, como umsujeito de direito, sem embargo dos grandes privilégios, de quegosa, por força dos seus elevados fins; para conseguir taes fins.é elle obrigado, como os outros sujeitos de direitos, a 

18 Michoud, loc. eit., p. 419; Ibidem, t. IV, p. 267 sg. Cf. Meucci,

ob. citada; etc.   \~*& 14 Uipianus dizia: "Princips a legibus solutas esV (Dig. 1.1, tit. III, 81).— " Quodprincipiplacuit, legis hàbet vigorem." (Inst. 11, tit. D, §6). 

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guardar as disposições das leis e os princípios da justiça. Con-sequentemente, si prevalecesse a pretenção inadmissível de queo Estado, órgão tutelar dos direitos de todos, se reserva, não ob-

stante, a faculdade suprema de violal-os de maneira irrespon-sável ; desrespeitados estariam os próprios princípios do cha-mado Estado moderno. Além de tudo isto, cumpre também lem-brar que, com a divisão dos poderes públicos,— qual se observana organisação do Estado constitucional, desapparecera a difi-culdade, que se dava no Estado antigo, para apurar a respon-sabilidade do mesmo, a dizer,—a carência de um poder ou ramode poder distincto, ao qual competisse o conhecimento e decisãodos casos, de que resultasse offensa ou lesão aos direitos pri-vados por actos do Estado. 

Referindo-se a este ponto especial da objecção, feita porMantellini, disse Provenzano Palazzo: Para que o particularpossa exercitar uma acção judiciaria contra o Estado, que odamnifica com os seus actos, precisa que exista um poder judi-ciário e um poder legislativo, distinctos e independentes dopoder que age • assim não sendo, o acto do Estado que lesa umdireito privado e não presta indemnisacão, é, ao mesmo tempo,um acto executivo, lei, e sentença; e dahi a impossibilidade deacção do particular, á falta de possibilidade do juizo.15 Era o

que succedia em Roma, assim como em todos os Estados an-tigos, tanto nos reinos despóticos, como nos Estados regidospela liberdade; uma vez que também nestes últimos a liberdadeconsistia no facto de os governados serem ao mesmo tempo go-vernantes, e não, na divisão dos poderes, base das constituiçõesmodernas.16

 

O conceito, então formado do soberano, fosse elle um entesingular ou collectivo, era o de que a sua vontade expressa ou 

15

Palazzo, loo, cit., p. 11, sg. 16 Ibidem. 

■ 

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 — 222 — 

os seus actos significavam a própria lei, e, quando menos, que alei não tinha força ou efficacía, senão, pela intervenção dosoberano, o qual, logicamente, devia ser considerado irrespon-

sável.17

 Não é preciso advertir, que muito outra e diversa, é a idéa

da soberania, que ora alimenta o espirito das constituições dospovos modernos; bastaria notar com o citado Palazzo, que emtodas ellas vem consagrada a regra fundamental da indemnisa-ção da propriedade privada, quando a sua desapropriação se fazmister   por motivos de utilidade publica, para, daqui, poder-sedesde logo affirmar o reconhecimento do principio theorico, doqual se origina a própria responsabilidade civil do Estado.1S

 

Demais, resultando da divisão dos poderes, que as diversasfuncçôes do Estado não derivam de um mesmo poder soberano,e que, conseguintemente, um acto do Estado, porventura, lesivode direitos privados, não é a emanação do poder, que deveconhecer e julgar dos effeitos jurídicos do acto, nem do poder,que deve declarar o direito; patenteia-se, sem duvida, que, detaes circumstancias, nasce logo a possibilidade de, ao individuolesado por um acto do Estado, caber o direito de acção contraeste e de promovei-a perante a autoridade, segundo as formas,que a lei declarar legitimas ou competentes.19

 

51 e.— O ESTADO NÃO TEM FINS PRÓPRIOS. Diz-se que o Es-tado, bem analysados os seus fins, não tem fins próprios, e sim,dos indivíduos, que o constituem; e, portanto, si dos actos do 

17 Donde o dizer de S. Thomaz: Princips dicitur esse solutus a legequantwn ad vim coactivam legis... lex autem non habet vim coactivam nisiex prinripis potestate. Sic igitw princips dicitur esse solutus a lege, quianullus in ipsum potest judicium condemnationis ferre, si contra legetn agcvt.

" Suntma ", questio XCVI, art. 5; ap. Mantellini, loc. cit., p. 34, nota 2. 18 Palazzo, loc. cit., p. 13.» Ibidem, p. 33, sg. 

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Estado lhes vier um mal, devem supportal-o, como condição dosbens, que também recebem e gosam; mas, sem direito â nenhumacompensação ulterior.20 Não procede o argumento. A responsa-

bilidade, de que se trata, não vem tanto do fim, a que se propõeo ente, mas, sobretudo, do modo porque age na realisação dofim. Concedido, que o Estado, como organisação necessária, nãotem por fim, senão, o bem geral da collectividade,— não sesegue dahi, que o seu poder deva ir até o de lesar, irresponsa-velmente, os direitos dos indivíduos, que formam dita collectivi-dade. Isto seria contradictorio com o próprio fim que se propõe;uma vez que, despojar aos indivíduos dos próprios direitos nuncafora meio, legitimo ou acceitavel, de felicitar a communhão, daqual são os mesmos, partes integrantes. 

O exercício e goso dos direitos individuaes podem ser regu-lados, limitados pelo Estado; mas desconhecel-os, violal-os semreparação, não é cousa admissível: portanto, é forçoso haverum modus vivendi, em que o Estado e o individuo subsistam,operem, se encontrem, e até contendam, respeitando cada umdelles os direitos recíprocos de parte ã parte. 

E, além do mais, cumpre attender, — que a obrigação deindemnisar a lesão do alheio direito não assenta neste ou na-quelle fim, que se propõe o individuo, como já se disse; mas

tem a sua razão de ser no próprio conceito e acção do ente jurí-dico. Basta, diz Palazzo, que uma pessoa moral ou physicaexista e opere, e que com a sua acção lese o direito de um parti-cular, para que seja ella responsável; prevalece o mesmo com 

20 E' o que disse Mantellini neste trecho : « Contro il damno dei malgoverno non si da riparo civiie, non potendosi mutare 1'assooiazione politicain associazione civiie degli associati. II fine dello Stato é la tulela dei di-ritto, é il benessere sooiale; non quello di assienrare gli associati da ognidanno che possa venir loro dal fatto próprio, o da tenere inconto di fatto

próprio dello Statto o degli agenti di lui, neU'esercizio delle funzioni a essiattribute dalle leggi o dal regolamento ». — Ob. cit., p. 60. 

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relação ao Estado, a dizer: para que este incorra em responsa-bilidade, não se exige que o seu fim seja o de assegurar os asso-ciados de qualquer danino; basta que o Estado exista, como pes-

soa jurídica, e que com o seu acto lese a um direito privado.-1 Averdade desta doutrina dispensa maior desenvolvimento; ella seimpõe pela sua simples enunciação. 

51 f. — O ESTADO VEB-SB-HIA EMBARAÇADO NA SUA ACÇÃO. Finalmente, também não procede o argumento, de que o direitode acção contra o Estado, exercido pelo particular, embaraçariao funccionamento da autoridade publica, além de occasionar en-cargos enormes, e relativamente injustos, contra o Tliesouro

Publico. Os direitos dos indivíduos na sociedade, ou melhor dizendo,no Estado, que outra cousa não é, senão, a própria sociedadeorganisada sob a sancção immediata do direito,— nada tem deincondícionaes ou illimitados ; pelo contrario, o seu uzo, goso eexercício, e a extensão destes, são determinados ou reguladospelas normas jurídicas ou leis do próprio Estado ; conseguinte-raente, este, que as estabeleça da maneira mais conveniente, jáno resalvar as « exigências supremas » da sua instituição, e jáno respeitar os direitos de cada um dos indivíduos, com os quaesterá necessariamente de encontrar-se e de cooperar no desempe-nho de seus múltiplos fins. No Estado moderno, que é Estado dedireito, a lei serve de regra commum â acção dos indivíduos edo Estado, nas suas relações de constante reciprocidade em todoo espaço da vida social. E pois: si, estabelecidas as normas dodireito pelo Estado, como reguladoras da sua acção ou necessá-rias aos seus grandes fins; — si, em vista destes, delimitados osdireitos dos indivíduos segundo os casos previstos, o Estadoagir, não obstante, de modo que lese os direitos dos indivíduos,  

21 Palazzo, loc. cit., p. 34. 

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a justiça reclama que lhes preste a devida indemnisação, salvasembora as excepções, que sejam de admittir á vista da especia-lidade dos actos. E esta obrigação, acrescentaremos desde já,

tanto pode existir, em se tratando de actos illicitos ou prati-cados com culpas, como também, e com igual fundamento, em setratando de actos revestidos de boa fé ou de inteira legalidade.Deste ponto em particular se dirá ainda em outros lugares dopresente estudo. 

Quanto aos encargos, por ventura cadentes sobre o The-souro, estes nada tem de injusto. Ao contrario, o que não se 

I coaduna com a idéa da justiça distributiva é, que o Estado, agindoem nome da communhão, possa exigir o sacrifício de um ou dealguns indivíduos, sem a menor reparação, afim de que todos osdemais gosem dos serviços ou benefícios realisados pelo 

I Estado por meio de semelhante sacrifício.  

A enormidade do encargo também não é objecção proce-dente. Em primeiro lugar, jamais se pretendeu que o Estadorespondesse incondicionalmente por todos e quaesquer prejuí-zos, que, de seus actos, advenham aos indivíduos; isto seriaimpossível; trata-se somente da reparação de taes e taes lesões,segundo as normas do direito. Depois, como observa notávelescriptor, — si estas lesões se multiplicassem até ao ponto de

constituir um embaraço funccional, ou encargo incomportávelá economia ordinária do Estado, o facto denotava apenas, queeste padecia de defeito orgânico ou administrativo, que cumpria  

[  remediar quanto antes, e, talvez, o caminho mais prompto de 

ahi chegar, fosse, precisamente, este, de chamar o Estado à res-ponsabilidade dos seus erros ou malversações frequentes, con-tinuas e successivas... 22

 

32 Sonrdat, TraiU Qénerale de la Besponsabilité, t. II, n. 1302.*Cf. A.

Klewitz,  Die EntscMdigivngsanspruclic aus rechtstoidrigen Âmtshandlungen,p. 78 — Berilo, 1891. 15  R o. 

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52.—Agora, antes de encerrar o presente capitulo, importarepetir, que a irresponsabilidade, incondicional, absoluta, do Es-tado, a velha doutrina dos regalistas,2S não é, nem poderá ser,

um preceito do moderno direito, e menos ainda, uma regra deverdadeira justiça. Disto se mostram convencidos os própriospartidários do systema, os quaes são os primeiros a abrir exce-pção para vários casos, mesmo, provenientes de actos illicitos,como já tivemos occasião de dizer (p. 120). Além disso, em setratando, por exemplo, de damnos resultantes da inexecução deobrigações convencionaes, ou de quaesquer outros actos, dosquaes resulte lucro para o Estado, a responsabilidade de indem-nisação por parte deste é tida, não, como excepção, mas, como

regra irrecusável segundo os princípios geraes do direito. Com effeito, em relação aos casos, ditos de " enrichessement sans cause ", bastaria a simples idéa da justiça, para combater airresponsabilidade do Estado.— Lucrum ex delictis sperare, im- pium est — (Cod. de reb. cred.); — Ex quâ personâ quis lucrumcapit, ejus factum praestare ãebet (Dig. liv. 50, tit. 17, 149); — Non ãebet quis lucrari ex alieno damno (Ibidem, liv. 4o, tit. 3o,28). Em relação aos damnos provenientes da inexecução dasobrigações contractuaes, muito embora não falte também, quem

sustente ser direito do mandans ou ãominus, não estar pelosactos do mandatário ou preposto, que haja procedido com dolo ouculpa (Loening, ob. cit., p. 60 sg.), e que igual regra sejaapplicavel ao Estado, a verdade é: que a opinião mais geraladmitte a responsabilidade dos primeiros, como sequencianatural, a dizer, prevista nas relações ou faculdades, conferidas  

23 « Por mais elevadas que sejam as necessidades politicas do Estado,não podem ir até ao ponto de conculcar e ferir os direitos dos particulares;ao Estado incumbe o dever de escolher os seus funccionarios ; e si estes

no exercício de snas attribuiçoes excedem os limites postos pela lei, comdamno para os particulares, a equidade e a razão mandam, que o Estadoresponda,reparandoo injusto damno».—P. Mazzoni, loc. cit. 

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pelo mandante ou preponente ao seu órgão ou representante. Aeste respeito, o notável professor G-ierke não hesitou em affirmaro principio da responsabilidade, nos termos mais peremptórios:

—"Quanto á culpa contractual, é hoje principio indis-cutivel: oEstado, assim como, as associações diversas, devem indemnisaro damno resultante da culpa commettida pelos seus órgãos nacelebração ou execução dos contractos ; e isto está reconhecido,não só, na pratica e jurisprudência, como também, em theoria,pelos próprios partidários da doutrina da ficção ' (Das8 der Staat und die Kórperschaften aus eineni BEI ABSCHLUSS ODER

ERFUELLUNG VON VBRTRAEGBN begangenen Verschulden ihrer Organe dem mitkontrahenten Ersatz zu leisten haben, ist nicht nur in der Praxis anerJcannt und namenUich bereits\ mehrfachvom Reichsgericht ausgesprochen, sondem wird auch in der Theorie sogar von den Anhaengern der Fihtionslehre ãurchweg zugestanden).24

 

— Em uma palavra, ao Estado, cuja missão institucionalé declarar a lei, executal-a, e applical-a, pelos seus órgãos dis-tinctos, — não seria licito pôr-se fora do alcance dos princípiosgeraes do direito commum, aliás, por elle próprio estabelecidospara o fim de regular os actos e factos da ordem jurídica, e comocondição, para que nella predomine a regra de justiça. Pois, é

manifesto, que si a elle próprio não pudessem ser igualmenteapplicaveis os princípios desse direito, também impossível seriaa effectividade constante da justiça... 

Com esta conclusão, está claro, não se procura, de maneiraalguma, desconhecer as boas e não menos valiosas razões, emque se fundam as isenções, privilégios e regalias da pessoa-Estado; pelo contrario, não só, reconhecemol-as, como ainda, 

24  Die Genossenschaftstheorie, p. 764 sg. e 784-85; — Cf. Saleilles, ob.

cit., p. 891;—Michoud, De la responsabilité  de VEtat, p. 410 (na  Revue dn droltpublic, 1895); etc. etc. 

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consideramos tudo isso indispensável ás próprias garantias daefectividade do direito e da justiça em toda a ordem social,notadamente, na ordem jurídica. O que ora se combate, é a não-

responsàbiliãade do Estado pelos actos lesivos do alheio direito,como pretensa regra geral, quer em vista da sua natureza par-ticular, quer em vista dos privilégios, que lhe competem. Por-quanto, semelhante doutrina não é a verdadeira, como ficará,melhor demonstrado pela exposição e discussão da matéria, fei-tas, mais desenvolvidamente, nos capítulos seguintes. 

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CAPITULO II 

Da Responsabilidade geral 

53. — Os principaes fundamentos, donde se infere ou seconclue o principio da responsabilidade geral do Estado pelosactos lesivos dos seus representantes ou funccionarios, já foramindicados no Titulo anterior. Agora vamos individualisal-os embreve resenha para, servindo-nos dos elementos da critica,- veri-ficar melhor, qual ou quaes dos fundamentos alludidos devem

ser os preferidos, como capazes de bem justificar "nunc et sem,' •per ", semelhante responsabilidade. 

53 a. — I. A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O FONCCIONARIO É 

A DO MANDATO. Tirando argumento das disposições análogas dodireito privado, ou, positivamente, dos textos do direito romano,apparece-nos, em primeiro logar, a theoria do mandato, comocapaz de explicar a responsabilidade do Estado, a qual, segundoo testemunho dos competentes,2r> chegara a tornar-se a doutrinadominante do século 18°, e como tal, recebida nas decisões judi-

ciaes proferidas sobre a matéria. Entretanto, contra semelhante theoria se tem objectado : 1)Que a relação do serviço publico in concreto, pertencendointeiramente ao direito publico, fica, " ipso facto " excluída ahypothese de um accordo livre das vontades de dous sujeitos,sobre determinados actos jurídicos, (ais willJciirliché Willenseinigung ziveier Súbjekte), como aliás se requer, e dános negócios da esphera do direito privado; 

25

Loening, ob. cit., p. 36-44; Zachariae, ob. oit., p. 591-601; R. Piloty,ob. oit., p. 265-269. 

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2)  Que o Estado estabelece o serviço publico por um actode vontade soberana, creando ao mesmo tempo o representantenecessário, (visto a sua incapacidade de agir por si mesmo), pelo

qual é exercida a autoridade publica e são firmados os direitos eobrigações do Estado ;

3)  Que o exercício da autoridade publica não é acto de ar-bítrio ; mas, conforme a idéa do ser coUectivo, é elle, antes detudo, um dever ; e

4)  Que, em geral, quando o Estado, (o qual, sabidamente,se pode achar também em puras relações de direito privado comos outros sujeitos de direito), no uso da sua autoridade, se servedos seus representantes, para obrigar cada um a fazer o que é

devido, não seria licito faliar da celebração de um negocio (voneinem Geschãftsschluss zu reden), como succéde, quando omandante effectúa dado negocio com terceiros, por intermédiode um seu mandatário;

5)  Que o dever do individuo de submetter-se aos actos daautoridade publica, ou a sua relação de sujeição para com o poder do Estado preexiste (ist scJion vorhanden), e não é creada peloexercício da autoridade publica ;

6)  Que só é licito fallar da relação jurídica de um terceiro,

contractando com o mandatário em nome do "ãominus negotii

 ,,

t quando aquelle, por sua livre vontade, contracta com o man-datário, e em vista das faculdades deste;

7)  Que, finalmente, dadas estas premissas, as regras dodireito privado sobre o mandato não podem ser acceitas, comobastantes para explicar a responsabilidade do Estado, uma vezque delias resulta que o súbdito não se acha, para com o Estadoou seus funccionarios, em uma situação de livre arbítrio, comono caso seria mister.26 

20 Vide: Zachariae, ob. cit, 611-&12; A. Klewitz, ob. cit., p. 73 e gs. 

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Ainda contra a theoria do mandato se tem insistido:Uma applicação directa dos princípios do mandato presuppõe,que a relação jurídica do funccionario para com o seu  patrão

existe de facto em um mandato. Mas, antes de tudo, seria erroencarar o Estado, como sendo esse patrão (fur diesen Herrn).O Estado sô apparece, como sujeito de direitos e obrigações(Fiscus) no direito privado; no mais, ellenão é, de modo algum,sujeito de direito, nem mesmo de direito publico; — não passandoentão de uma mera concepção stato-jurídica (nur ein staatsrecht-licher Begriff). Em vista do que, não pode ser com o Estado propriamente, que o funccionario se acha em relação de serviço •, —esta relação se dá, sim, entre o funccionario e o titular (Trager)do supremo poder no Estado, i. e. o Soberano, o qual, ou celebre, elle próprio, o contracto de serviços com o funccionario,ou faça celebrar por outrem, é a elle, que o serviço é prestadopelo funccionario. Portanto, não é em um mandato, que assentaaqui a relação do serviço, existente entre o funccionario e o donodo serviço (Dienstherr); pelo contrario, trata-se de uma relaçãode direito publico.27  |[ 

Fosse, comtudo, essa relação a do mandato, adverte Piloty,dahi não resultaria jamais, conforme o que fica dito, a obri-gação do Estado pelos actos do funccionario, mas a do man-

dante ou dono do serviço. Queremos dizer: quando o funccio-nario age em virtude de ordem illegal, recebida de um superior(von oben), esta ordem é do dono do serviço (o superior), mas,não do Estado; conseguintemente, a obrigação, reconhecida nodireito privado," de responder pela ordem illegal" deve recairsobre o dono do serviço, e não, sobre o Estado. Do mesmo modoque, na hypothese de ser arguida a nomeação de um indi- 

37 Piloty, ob. oit., p. 266. —Sobre este ponto é também de ver: La-

band, Staatsrecht ães dcutschen Reichs, 1.1, p. 386 e sg.; Seydel, BaytmchesStaatsrecht, t. III, p. 321 e sg. 

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vidão incapaz, ou a falta de fiscalisação dos actos do mesmo,a questão da negligencia deve ser encarada, em relação ao donodo serviço, e não em relação ao Estado.28  I 

— Não nos demoraremos, por ora, em averiguar, si todasas razões allegadas contra a inapplicabilidade do mandato ânatureza da funcçà"o publica têm, realmente, a força e verdade,que se pretende; mas, com certeza, a simples theoria do man-dato, qual resulta dos princípios consagrados pelo direito pri-vado, não basta para justificar a responsabilidade do Estado,como regra geral da matéria. 

53 b.— II. No SERVIÇO PUBLICO SE DA A RELAÇÃO DO DOMI- 

NDS NEGOTII PARA COM o INSTITOR. A analogia dos institutos do

direito romano, commummente designados pelos títulos de "adioinstitoria ou exercitoria", também é impugnada, como inapplica-vel ao serviço publico, ou incapaz de explicar a responsabilidade,dahi resultante, contra o Estado, pelos actos dos seus funcciona-rios. Ninguém ignora, que taes acções, originariamente admit-tidas, a primeira contra o dono da estalagem pelos actos do in-stitor o (preposto), e a segunda contra o armado?' (dono do navio)pelos actos do mestre do navio.29 foram depois ampliadas, porequidade, a outras relações jurídicas de natureza idêntica —

 Aequm praetori visam est sicut commoãa sentimus ex actu insti' torum, ita etiam obligari nos ex contractíbus ipsorum, et conveniri.Mas nos próprios testos invocados se acha igualmente previsto:"Non tamen omne, quod cum institore geritur, óbligat eum, qui  praeposuit; sed ita, si ejus rei gratiâ, cui praepo-\situs fuerit,contractnm est, id est, ãuntaxat ad id, ad quod eum praeposuit".30 Donde, portanto, se deve concluir:—a) que o institorio é, antes detudo, uma relação contractual, o que, se- 

R 28 Piloty, — Loc. cit. 

28 Dig. I. XIV, tit. I, 1, e § 15: Ibidem, tit. IH, 5 e 18.?o Dig. I. cit., tit. III, 5, §11. 

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gundo o parecer de alguns, não se ajusta ao caracter do serviçopublico; b) e que, suppondo mesmo que, por analogia, fossemapplicaveis a dito serviço os principios ou regras da adio in-

stitoria, ainda assim, não se podia affirmar a responsabilidadedo Estado pelos actos dos funccionarios, desde que estes deixas-sem de agir dentro dos limites da sua incumbência, a dizer,desde que os actos do funccionario se apartassem da strictalegalidade, a que são obrigados (duntaxat ad id ad quod eum praeposuit), visto a legalidade ser a regra institucional do pró-prio Estado. E é por isso, que Mantellini sustenta que, a não serno caso especial, em que o funccionario seja autorisado acontractar, não se pode faliar da lei da institoria, como appli-cavel aos serviços da administração publica, ou á responsabili-dade desta pelas obrigações resultantes desses serviços.31 

A admissão, por analogia, da responsabilidade do ãominuspelas culpas do imtitor, como igualmente applicavel ao Estado,é, na opinião de  Zõpfl, por demais duvidosa; uma vez que, nopróprio direito privado, é ella assaz discutível. Mas, dadomesmo, que esta responsabilidade tenha a sua sancção no di-reito commum, nem, por isto, a sua applicação ao Estado seriaperfeitamente analógica; porquanto o dono do negocio (ãomi-nus negotii) não seria aqui o Estado, mas o dono do serviço,

(Dienstherr); e entre a relação jurídica do institor  (preposto)para com o dominus, e a do funccionario para com o Dienstherr (dono do serviço) ha uma tal differença, que não seria licito co-gitar de uma paritas rationis na espécie. 

Em nada diminue essa differença o facto de se dar, muitasvezes, entre o dominus e o institor^ não, a relação do mandato,mas a de autoridade; pois esta relação de autoridade ou poder  

31Mantilleni, ob. cit., p. 148-150. Cf. Loening, ob. cit.; Bellavite. ob.cit., p. 49 sg. Não se ignora, que o illustre professor Meneei, alem de outros,

sustenta, justamente, o contrario, i. e. que a relação institoria é a únicacapaz de explicar a funeçao publica. — Hic, p. 139 sg.  

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(Gewaltverhãltniss) é também, por sua natureza, de direito pri-vado, isto é, só é reconhecida em direito, como fonte de obriga-ções e direitos privados (tal é a relação entre pai e filhos, entre

patrão e creados, etc.)32 — Taes são as razões principaes, formuladas pela critica,

contra os fundamentos da responsabilidade civil do Estado,tirados, por deducções analógicas, dos princípios do direito pri-vado. Passamos em seguida a examinar os fundamentos basea-dos no direito publico. 

53 C.— III. A RESPONSABILIDADE É CONSEQUÊNCIA DO CA-RACTER REPRESENTATIVO DO PDNCciONARio. Sendo o Estado

pessoa jurídica, e como tal, só podendo manifestar-se e agir naordem social, politica e jurídica, por meio de representantes,entende-se, que os actos destes são no todo actos do próprioEstado, e portanto, ao mesmo deve caber uma responsabilidadegeral pelos damnos dahi resultantes.33 Muito legítima, senão, deinteira justiça, se mostra esta doutrina; todavia, também contraella se tem levantado varias considerações ou argumentos, quenão devemos deixar de mencionar. 

1) Allega-se antes de tudo, que é indiscutível o principio,de que só pode ser acceita, como vontade do Estado, uma mani- 

82 Vide:Piloty, ob. cit., p. 267. Este autor accrescenta, a propósito, oseguinte: Assim como Zõpfl, commettera Meisterlin o equivoco de tornar oEstado responsável pela carência de instituições e empregados (necessáriosao serviço) segundo as disposições do direito privado. O caso único, em que,do acto illegal do funccionarío pode resultar acção contra o Estado,—ex-vido direito privado, — é quando o Fisco tira um lucro do acto em questão.O Fisco fica, com certeza, obrigado a restituir o que houver adquirido doacto illicito do funccionarío; mas é somente no facto do lucro injustificável,que consiste o fundamento jurídico da acção contra o Fisco.—Cf. Bellavite

ob. cit., p. 6-7. 33 Tal é o parecer de Seuffert, Windscheid, Roth, Stóbbe, Chironi. eoutros.—Vide: Loening, ob. cit., p. 105. 

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festação legal, a dizer,—a de que todos os funccionarios devemexercer as suas funcções dentro das normas do direito. Donderesulta sem mais exame, que, mesmo convindo em que os actos

do fnnccionario sejam actos do Estado, ainda assim, só seriamde receber, como taes, os actos do funccionario, feitos conformeâ vontade do Estado, isto é, conformes ao direito, e não, osdemais, por serem praticados contra a vontade do Estado. Embôa lógica, acerescenta-se, não se pôde, com effeito, reputar actodo Estado, o que o mesmo não queria, ou prohibira que fossepraticado pelo seu representante... 

Diz Loening: Examinados os factos antes de qualquerdeducção á priori, desde que produzem effeitos jurídicos   pro econtra o Estado, se poderia sustentar, por linguagum metapho-rica, que os actos do funccionario são actos do Estado. Mas,isso concedido, importaria também não esquecer, que a facul-dade do funccionario, estabelecida na lei, regulamento ou outradisposição, de agir em nome do Estado, assignãla juntamenteos limites, dentro dos quaes somente, o seu acto pôde re- presentar ou significar o acto do Estado; semelhante faculdade(Vollmacht) não vae até a pratica dos actos illegaes(rechtsividrig zu handeln); logo, todo o acto illegal do func-cionario é um acto contra a faculdade, que lhe foi conferida, e,

conseguintemente, não pôde ser considerado, como acto doEstado; do mesmo modo que, no direito privado, os actos do re-presentante, praticados contra ou fora do mandato, não podemser admittidos, como actos do mandante.M O funccionario, in-siste Bellavite, sô é representante do Estado, emquanto se con-serva nos limites do poder que lhe fora delegado; desde que otransgride, cessa de ser tal; não se podendo conceber, como oEstado deva responder pelas acções de seus funccionarios, 

34

Loening, ob. cit., p. 107-108; L. Bellavite, ob. cit., p. 42-43A. Rlewitz, ob. cit., p. 73 sg, e 79.  

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as quaes, não só, elle não ordenara ou promovera, mas, ao contrario, prohibira, e as vezes, debaixo de sancções disciplinaresoupenaes.35  •-. 

A esta objecção se.podia, é certo, contrapor, e o próprioautor o reconhece,—que é justamente o Estado que, armando ofunccionario do seu poder ou autoridade,  faculta ao mesmo osmeios de causar o damno em questão ; e que, portanto, assimcomo o committente ou  flommus responde pelos damnos cau-sados de seus  prepostos ou com/missionados no desempenho dos"espectivos encargos, assim também, é de justiça que o Estado ofaça, com relação aos damnos dos seus representantes, causadosno exercício de suas funcções. 

Esta razão é de toda a procedência; ainda que não deva'mos omittir que, em replica, se tem igualmente allegado Q ar-gumento já conhecido, de que as relações do committente oudominus não são idênticas às do serviço publico (p. 229), so-bretudo, pela razão sabida e incontestável, de que o Estado nãoinveste o seu representante de autoridade, em vista de umiuteresse seu próprio, como faz o individuo particular em re-lação ao seu preposto; mas, que assim o faz por uma necessi-dade suprema, qual é a da tutela dos direitos e interesses geraes,

—fundamento jurídico essencial do Estado.

36

 Piloty nega também, que a relação da representação seja

capaz de justificar a responsabilidade do Estado, mas partindode fundamento differente. Ao seu modo de ver, o Estado, como poder publico, não é sujeito de direito (p. .231), e os que assim oqualificam, se servem apenas de um& ficção, no intuito detornar o  património do mesmo, responsável pelos damnos dosfunccionarios.87 Trata-se no entanto de uma ficção intei- 

35

Bellavite, loc. cit. 36 Ibidem. » " Die Haftung dos Staats ", p. 268. 

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ramente desnecessária;— os actos dos funccionarios não precisamdesse sujeito fictício de direito. Elles são auctorisados, em virtudedo poder que lhes é conferido, a praticar actos de governo ou de

autoridade; e quem lhes confere semelhante poder é, no Estadomonarchico, o soberano, fonte da autoridade suprema no Estado. Portanto, os actos dos funccionarios se manifestara, como

actos delles próprios, para cuja pratica se acham autorisados pelosoberano: si correspondem à vontade deste, taes actos se podemconsiderar, como si fossem do próprio soberano, do qual osfunccionarios derivam a sua autoridade; si não correspondem ã ditavontade, são actos da exclusiva responsabilidade do funccionario, enada mais.38

 

Tal é a critica principal dos diversos autores sobre este ponto.Mas, desde já antecipamos que, sobre estas objecções levantadascontra a obrigação particular do Estado, proveniente da suarepresentação jurídica pelos seus órgãos ou funccionarios, setratará mais adiante, e de modo a demonstrar, que o fundamentodessa obrigação, é, não só, verdadeiro, mas ainda, impossível de serrecusado (p. 269 sg.). 

53 d.—IV. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PROVÉM DACULPA NA NOMEAÇÃO OU FALTA DE FISCALISAÇÃO DO FUNCCIONARIO 

(culpa in eligendo seu in inspiciendo), ou AINDA DO DEVER DE OBE-DIÊNCIAIMPOSTO AOS PARTICULARES PARA COM O FUNCCIONARIO. — Entende-se que, sendo a nomeação e a conservação do

funccionario exclusivamente dependentes da vontade do Estado,este deve carregar com as consequências da culpa que porven turase derem, quer imputáveis á incapacidade do funccionario, quer ânão devida fiscalisação do mesmo no desempenho das suasfuncções. 

88 Loc. cit., p. 269 sg. 

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Os argumentos da critica contra este fundamento se re-sumem nos seguintes: 

a) Uns dizem que a nomeação e fiscalisação do funccionario,

só  ficticiamente, se dizem do Estado, porque, na verdade, ellasse effectuam por indivíduos, também funccionarios, de catego-rias superiores; portanto, si culpa nisso houver, deve recahirnestes funccionarios, e não no Estado. 

b) Outros, sem se preoccupar de distinguir entre a pessoado Estado e a de seus representantes superiores, se limitam adeclarar que ao Estado, geralmente fallando, não pôde caberculpa alguma, visto ser uma pessoa moral; e que, quando assimnão se entenda, também no caso particular não se podia dar

culpa, desde que na nomeação e íiscalisação do funccionario seguardassem as normas estabelecidas na lei. Somente verificada a hypothese singular de dar-se a no

meação de um individuo, sabidamente incapaz, para o empregoou certas funcções especiaes, é, que alguns tem admittido quea culpa do Estado possa influir, como elemento a considerar, naquestão da responsabilidade civil do mesmo.I «Nur wenn ãie Staatsgewalt selbt sich verschulãet hãttedurch Anstellung einer offeribar unwiirdigen oder untauglichen JPerson, wenn álso die Wahl der Beamten sélber ais eine Jculposeoder ãolose zu betracMen wãre, wiirde dieHaftpflicht des Staatsin dieser Verschulãung einen Orunã haben.»39  I 

I 53 e. — O fundamento tirado da obediência, imposta paracom os funccionarios, como representantes do Estado, tem sidoformulado assim:—Desde que o Estado exige de seus súbditos, 

39 Vide: Loening, ob. oit., p. 56 sg.;— A. Klewitz, ob. cit., p. 76.Piloty diz a respeito: A nomeação do foncoionario tem togar, mediata ou

immediatamente, sempre pelo Soberano... Conseguintemente, si, pelo factoda nomeação, alguém devesse responder, seria o Soberano, autor da no-meação. — Ob. cit., p. 269. 

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(e pôde e deve exigil-o), que elles reconheçam nos funccionariosos seus delegados, submettendo-se â autoridade dos mesmos,como á sua própria, sem discussão (ohne Wiãerrede) ; é conse-

quente, que elle responda pelo uso de semelhante autoridade,quando, por ventura, forem ultrapassados os limites delia, já -por actos illegaes, e já por abusos do emprego; uma vez que oEstado não permitte, nem podia permittir, que cada individuoverifique, primeiro, a legalidade do uso da autoridade, para,somente depois, prestar-lhe a obediência devida.40 Estas razõessão de manifesta procedência. 

Não obstante, o professor Loening, discutindo o funda-mento alludido, nos termos em que fora exposto por Zacharise,observara: Sabido que o direito reconhece ao individuo a fa-culdade de oppor effectiva resistência, pelo menos,  passiva, ásordens illegaes, dahi lhe resulta o consequente direito de ex-aminar, si a ordem é, ou não, legal. Consequentemente, pela sórazão da subordinação dos indivíduos ao poder publico ou dodever de obediência ás autoridades, o Estado não pôde ser obri-gado a indemnisar o damno, que os mesmos hajam soffrido,prestando, porventura, obediência â uma ordem illegal; "vistocomo não estavam obrigados a fazel-o" tt. Certo, continuaLoening, se podem dar casos, nos quaes toda resistência de

facto seja impossível, e o individuo se tenha de sujeitar ao im-pério da força superior; e não se desconhece que, nos casospresuppostos, o funccionario se prevalece dos meios, que a in-vestidura do cargo lhe dá; —mas, somente por isto, não se gerauma razão obrigatória de responsabilidade do Estado pelo abusode poder do funccionario tó; pelo contrario, o que fica patente 

40 Pfeiffer, Praktiache Ausfiihningen, t. II, p. 369 sg.: Loening,ob. cit., p. 97 sg. I 41 Loc. eit.,p. 103. 

42

Loening, ob. cit., p. 103 sg. 

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é, que a responsabilidade do acto pertence inteira e exclusiva aofunccionario. Porquanto a coerção da obediência, adverte Piloty  juntamente, tem o seu fundamento na lei. Esta é, que veda ao

súbdito de se oppor aos actos do funccionario, e autoriza o ultimoa empregar contra o primeiro as medidas coercitivas necessárias.A lei é a expressão da vontade, devidamente for* mulada, dotitular (Tragar) do poder publico. A vontade do legislador não é,pois, a vontade do sujeito de direito-Estado... E razão não ha,para pôr umA ficção em logar desta realidade.43

 

53 f.—Também partindo do presupposto, de que os actosdo funccionario são actos do Estado, e apreciando as consequên-

cias do dever de obediência, acima dito, outros tem sustentado aexistência de uma garantia tacita por parte do Estado, emrelação aos referidos actos, sempre que elles lesam ao alheiodireito. E' o principio, que von Gerber, se apropriando, aliás, dospróprios argumentos de Zacharim. formulara do seguinte modo : 

"Na nomeação de um funccionario, revestido de publica au-toridade, e na obrigação (necessidade) do publico de tratar comelle, como representante do poder, está o compromisso tácito deuma garantia subsidiaria das obrigações resultantes do exercícioillegal das suas attribuições ou da negligencia no desempenhodas suas funcções.— "In der AufsteUung eines mit òffent-licher  Autoritat bekleiãeten Beamten unã der Nõthigung des Publicumsmit ihm ais Vertreter der Obrigkeit zu verJcehren, liegt diestillschweigende Uebernahme einer subsidiãrischen Oarantie fwr die durch pflichtwidrige Ausubung der ihm anvertrauten Amtsbefugnis oder Vernachlãssigung seiner amtlichen Pflichtenéntstanãenen Forderungen ".u 

Como se vê, a supposta garantia assenta na obrigação quetem o Público de tratar com o funccionario do Estado, nesta 

48 Piloty; ob. cit., p, 269. 44 Von Gerber : Grundziige, p. 207.—Cf. Loening, loo. cit., p. 104. 

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qualidade; é, portanto, o mesmo argumento, tirado da obedien-l cia,apenas, sob nome diferente.. Por isso, contra a sua procedência setem feito igualmente a mesma objecção, já acima mencionada, a

dizer: que essa obrigação ou necessidade do Publico, embora real,não exclue, todavia, a possibilidade de o individuo repellir asexigências illegaes do funccionario, oppondo-lhe resistência, activaou passiva, segundo as circum-stancias do caso; além de que,accrescenta-se ainda, quando mesmo não houvesse a  possibilidadeda resistência, ainda assim, não seria admissível a responsabilidadedo Estado, em virtude de um simples postulado de justiça, como é oque respectivamente se allega. tó

 

45

Loening, ob. cit.  I Piloty, depois de apreciar ã luz da critica os três fundamentos da o&e-diencia, da representação, e da nomeação, como capazes de explicar a respon-sabilidade do Estado, concluirá por estas considerações -. " Só dons funda-mentos subsistem, como possíveis, de semelhante responsabilidade: — ocompromisso contractual, e a culpa própria do responsável... O primeirofundamento é invocado' por aquelles escriptores que, partindo da relaçãoda representação ou da nomeação,— affirmam uma garantia tacita do Estado.E' de ver, que essa garantia seria do Soberano, e não do Estado (Fisco).Em todo caso, à essa supposta garantia seria de applicar o mesmo prin-cipio que regula o contrahimento tácito das obrigações -, — e não se ignoraque o principio alludido só pôde ter cabimento, quando dos actos daquelle,cuja obrigação se trata, se deva tirar, forçosamente, conclusão sobre a sua

vontade de obrigar-se. Não basta, que um sentimento do justiça reclameesse contrahimento de obrigação: é preciso, que se possa concluir, comcerteza, pela vontade do sujeito de responsabilisar-se. A relação, porém,creada da representação ou da nomeação não é um facto de tal natureza, queleve à conclusão obrigada de semelhante vontade. O funccionario é no-meado para proceder de accordo com as leis. E não se comprehende porque,quem nomôa um individuo para agir legalmente, alem desta vontade, assimdeterminada, deva alimentar juntamente a de responder pelo damno, que onomeado tenha de causar pelo não-cumprimento do seu dever. Si podia ainda interrogar, si não seria possível derivar uma responsabilidade qualquer contra o Fisco, conformo ao direito privado,—de umaculpa ou de um acto illegal do mesmo. Assim se tem, cora effeito, pensado;

16  R. c.

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Este ultimo argumento é de Loening, para quem, já se sabe,anão se tratar de actos concernentes ao Fisco, todos os demais sô

serão susceptíveis de crear uma obrigação para o Estado, havendo

disposições expressas da lei, que assim estabeleçam. 

53 g.— V. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PROVÉM DO 

SEU DEVER DE PROTECÇÃO.  Este dever se caracterisa, como umaobrigação inherente ao Estado para com os seus súbditos, e cor-responde aos deveres'específicos de obediência e  fidelidade, e aosónus ou encargos públicos, aosquaesos súbditos se sujeitam para como Estado. Não se trata, diz Klewitz, de um simples dever moral ou debeneficência (Liébespflicht), mas de um dever jurídico,

verdadeiramente tal, e com certeza, não de natureza privato-juridiea,e sim, de caracter rigorosamente  públicistieo. Em geral, todoindividuo pode exigir do Estado o cumprimento desse dever, comouma parte essencial dos direitos que lhe competem na qualidade decidadão ou membro do Estado, 

mas sem fundamento. Mesmo quando se tivesse por acceitavel, & perso-nificação do Estado, como se deprehende, alias, dos próprios autores quenegam a responsabilidade do Estado (Laband, 1.1, p. 56 sg.); ainda assim,esse sujeito sendo apenas fictício, nfto seria capaz de culpa. Seria, então,

mister proceder, como se dá com as outras pessoas jurídicas: não  fingir somente a pessoa, mas juntamente a culpa. Aqui, porém, rúe a construc-ção. A coerção da obediência para com o funcoionario só podia ser matériade culpa, si ella fosse illegal; mas, sabe-so que a mesma assenta na lei.Nem mesmo se poderia fallar de illegalidade por parte do Estado, sup-pondo que semelhante coerção, em consequência de algum acto Illegal inci-dente do funcoionario. se tornasse causa concorrente-de um damno injusto.Illegal ou contra direito, só ficaria sendo o acto ou a omissão do funcoio-nario. Para fingir uma culpa do Estado também se tem dito, que o funcoio-nario e o Estado são uma e a mesma pessoa: o funcoionario é a bocca e amão do Estado; os funccionarios são os membros do Estado, dos quaes estose serve, como instrumentos. ..; consequentemente, os actos desta parte

orgânica nada mais são, do que actos do todo: a culpa da parte constituopor isto a culpa do todo, do mesmo modo que a offensa, feita pela mão, éuma offensa do todo-homem. O facto natural repugna, porém, com esta 

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muito embora não haja a possibilidade de uma coacção judicial aesse respeito. — Em particular, cada individuo pode exigirigualmente que o Estado, na sua actividade administrativa e

  judiciaria, proceda conforme ás normas do direito (Rechtsord- \nunggemass), todas as vezes, que elle precise recorrer ás suasautoridades, — e bem assim, que o Estado faça, ao seu turno,observar as normas do direito, onde e quando o interesse da se-gurança ou o bem-estar commnm tornar legalmente necessária aintervenção espontânea do funccionario (ein spontanes amtli-chesEingreifen gesetzlich erforderlich ist). *6 Exemplo da omissão desteultimo dever por parte do Estado se dá, quando, por occasião detumultos, não são empregados todos os meios neces- 

flcção: o funccionario não é jamais simples instrumento de um outro indi-viduo; mas, elle próprio, éum individuo e sujeito independente de direito.A prevalecer o rigor de uma tal ficção, o funccionario seria incapaz de von-tade, isto é, um instrumento, e, consequentemente, incapaz de responsabi-lidade. 

Entretanto, o que em verdade apparece, são duas personalidades dis-tinctas, das quaes só uma, o funccionario, é a que tem delinquido... 

Não ha, portanto, nenhum fundamento real para admittir-se a culpado Estado. 

A chamada garantia tacita também repousa, por igual, na ficção daculpa. Mas, segundo ficou demonstrado, nem da representação, nem da no-

meação, resulta o compromisso de responsabilidade ulterior; logo, essa ga-rantia tacita é, apenas, a mesma pretensa responsabilidade, proveniente daculpa, embora sob nome differente. Insistem, que o Estado deve ser res-ponsavel por baver nomeado o funccionario, que, mais tarde, procederaillegalmente. Esta construccão assenta novamente na culpa, que, conformeo direito privado, se pode dar na nomeação do mandatário, — se distin-guindo, tão somente, nisto: que ella substituo a prova necessária da culpaconforme a theoria ao mandato, por uma simples presumpção de culpa."Piloty, Loc. cit., p. 270-71. 

— Com esta nota pretendemos completar melhor as idéas do autor, aoqual nos temos, tantas vezes, referido neste trabalho. 

48 A. Klewitz, ob. cit., p. 100 sg. Cf. Kissling "Verhanãlungen ães\ VIII deutschen Juristentages ", t. I, p. 389-90 ; Laband, Das Staatsrecht desdeutschen Beichs, t. I, p. 146. 

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sarios para garantir illesas, a vida e a fortuna dos cidadãos isen-tos de culpa por taes tumultos; sendo, por isto, justificadas asleis especiaes, já existentes, as quaes, efectivamente, reconhe-

cem um direito de indemnisação ás pessoas lesadas em taes cir-cumstancias.47

 

Loening, referindo-se ao mesmo argumento, e tendo par-ticularmente em vista uma decisão da Corte de Appéllação deCassei, fundada na obrigação, que incumbe ao Estado, de prestar  protecção aos que lhe são dependentes ou sujeitos (Staatsan-gehôrigen), se exprimira por esta forma: A linguagem da Corteéque,— M do dever do Estado de prestar protecção resulta aosindivíduos o direito de pedir uma indemnisação dos damnos sof-

fridos em consequência do descuido illegal do mesmo dever."Mas, antes de tudo, não é o Estado, e sim, o funccionario, quemfalta ao cumprimento dos deveres do seu officio (ãurch rechtsivi-drige verabsãumung dieser Pfiicht). Depois, semelhante theoriarepousa sobre uma presumpção, parte não demonstrada, e partede demonstrável falsidade. Certamente, o Estado tem por missão,effectuar ou assegurar uma situação jurídica para todos : nistoestá, embora não exclusivamente, o fim do Estado (der Staats- zweclc). Mas o Estado, em se reconhecendo este fim, não se im-

põe, todavia, para com todos os indivíduos, a obrigação legal de,quanto ao seu preenchimento,—responder pelo mesmo modo, porque o devedor é obrigado a fazel-o para com o seu credor,relativamente á prestações contractuaes. a E, admittido mesmoque assim o fosse, restaria demonstrar que o Estado sejaresponsável pelo damno resultante aos seus súbditos por culpados funccionarios. Pelo facto de serem estes tidos, como órgãosdo Estado, não fica demonstrada a responsabilidade, do Estadopelos actos dos mesmos... a Porquanto, 

47 Klewitz, loc. cit. 48 Loening, ob. cit., p. 99-101. 

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repete Loening mais uma vez: sendo o Estado, como poder pu-blico, ou como fisco, (ais Irihàber der Staatsgewalt, ou der Staat ais Fiscus), incapaz de culpa, é sempre sobre as pessoas phy-

sicas, embora seus representantes, e jamais sobre o stado,que deve recair a obrigação de indemnisar o mal feito, em con-sequência de culpa, qualquer que esta seja... 

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CAPITULO III Da

Responsabilidade segundo o systema mixto 

54.—Já se sabe bastante, qual seja o fundamento do "sys-tema mixto" : o Estado é, ao mesmo tempo, pessoa civil e pes-soa politica ou soberana. Responde pelos actos da primeira ;pelos da segunda, não • porque isso repugna com a idéa da so-berania ou com os direitos essenciaes do poder publico. 

Entretanto esta doutrina, tão simples e fácil de ser com-prehendidae, porventura, acceitavel em principio,— n&o se temmostrado capaz de corresponder ás exigências da pratica. Comefíeito, partir simplesmente da distincção dos actos, para affir-mar a responsabilidade do Estado pelos actos de gestão, e asua irresponsabilidade pelos de império, deixa, evidentemente,muito a desejar, como systema de justiça distribuitiva.49

 

Antes de tudo, é de saber, que emquanto uns querem a res-ponsabilidade pelos actos de gestão, de maneira completa, comosi se tratasse de um individuo particular,50 outros só admittemessa responsabilidade, aliás já delimitada, a respeito das obri-gações contractuaes; negando-a em relação aos actos illicitosextracontractuaes, ainda mesmo na hypothese de ter havidoculpa na nomeação do funccionario (nel caso delVintervento delia 

49 Nos referimos á distincção, que geralmente se faz entre actos degestão e actos de império, segando a natureza especifica dos mesmos, e deque se tratou no Titulo Primeiro, cap. IV. 

Ha, todavia, uma outra distincção, tirada da qualidade dos repre-sentantes do Estado, a saber, si elles são seus órgãos, ou meros empregados

e prepostos. Das razões, com que se pretende fundar esta segunda theoria,diremos igualmente na ultima parte do presente capitulo. 50 Hic, Titulo Primeiro, cap. IV. 

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culpa in eligendo) — pela razão muito repetida, de que uma se-melhante culpa não pode recahir sobre o Estado, e sim, sobre ofunccionario superior, verdadeiro autor da nomeação.51

 

Por outro lado, a irresponsabilidade pelos chamados actos deimpério, ainda que estabelecida, como regra de doutrina, mostra-seinsustentável em certos casos particulares, mesmo aos olhosdaquelles, que se confessam adeptos mais decididos do systema.52 Seria, na verdade, flagrante injustiça, admittir, como theseindiscutível, que todo acto do poder público, só por 

81 Vide: L. Bellavite.ob. eit., p. 49. Cf. Loening,loc. cit.; Piloty. loe. cit.— Referindo-se ã responsabilidade pela culpa in eligendo, disse o primeirodestes autores: 

« Se non che ã questa distinzione, ch'era fondata sul supposto for-mate, che la risponsabilita pel fatto d'altri non potesse, per massima, ori-ginarsi che delia colpa própria, di cui lo Stato, quale persona giuridica,era incapace, si potevano opporre ragioni materiali di gran momento. LoStato é, inconformita delle sue leggi organiche e costituzionali, rappresen-tato nella sua gestione económica dai suoi preposti ed impiegati, onde lanomina é un surrogato delia procura. D ove puó rinvenirsi, all'infuori degliatti dei suoi rappresentanti, 1'azione dei fisco, cosi nei rapporti contrattuali,come nell'amministrazione in genere dei suoi averi ? Non é egli equo cheil terzo, il quale voluntariamente, e PIÚ ANCORA SE COATTO, entra in rapportigiuridico-economici colVimpiegato, che agisce in nome dei fisco, faceia as-segnamento, pella rifuzione dei danni, che gliene possono derivare, non

sul património delHmpiegato, a lui sconosciuto, e sulla condotta dei qualeegli non puó esercitare alcuna influenza autorevole, ma sui mezzi eco-nomici dello Stato, che tiène á sua dispozione le misure disciplinari per man-tenere 1'impiegato nella via dei devore ?... Quei riflessi ebbero forza suf-fleiente da indurre ad abandonare il formalismo angusto, per cui, sulla baseche lo Stato per sé non é capace di tolere, e quindi di colpa, escludevasila responsabilitá dei fisco per gli atti illeciti commessi dai suoi impiegatnella gestione económica, alVinfuori dei rapporti contrattuali; quindi a farpareggiare, anche per tale rispetto, lo Stato, quale persona civile, ai pri-ivati».—Loc. cit., p. 49-60. Neste trecho o autor reconhece que tambémdá-se a responsabilidade do Estado pelos actos illicitos extracontractuaes;mas é de attender, a responsabilidade alludida se refere aos actos do fiscoou da pessoa civil do Estado somente, e nao, aos demais actos do Estado. 

62 Hio, Titnlo Primeiro, Cap. IV. 

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ter este caracter, não obriga á reparação das lesões, sabidamentefeitas ao alheio direito !... 

Entre os actos de império não podem, com certesa, deixar

de ser incluídos: a) os chamados actos de guerra, os de necessi-dade publica, os relativos â ordem, a segurança e á saúde pu-blica ; 6) os que impõem a obrigação das contribuições publicas;c) os que se referem á creação, provimento, suppressão de cargospúblicos, e bem assim, â nomeação e destituição dos funeciona-rios; d) finalmente, os despachos e decisões judiciarias; porquetodos esses são, incontestavelmente, tidos e considerados, comoessenciaes à própria existência, missão e funccionamento do Es-tado ou poder publico. — Perguntasse, porém : mas, só porque

actos taes pertencem, por sua natureza, á classe dos actos deimpério, devem escapar ã todo exame ou jurisdicção estranha,no intuito de se lhes apurar os abusos ou as lesões do direitoindividual, porventura, commettidas pelos agentes ou represen-tantes do Estado? Isto não pôde ser; a affirmativa repugnaria áprópria manutenção da ordem jurídica, que é a missão naturalou a razão primeira do próprio Estado. 

Esta doutrina da immunidade dos actos de Governo seria,no dizer do professor Bréraond, perigosa para os direitos dos

particulares. A sua applicação acarretaria, de facto, a conse-quência, de que o Governo, a pretexto de segurança, podia im-punemente violar os direitos privados mais incontestáveis, semter, por isto, de sujeitar-se ao exame de nenhuma outra ju-risdicção. .. Seria a justificação de todos os abusos do poder; —seria até uma contradicção formal do principio, geralmenteadmittido, de que o caracter governamental depende da naturezaintima dos actos, e não do fim, que se tenbam proposto os seusautores, ou do movei, a que os mesmos tenham obedecido.53

 

58 Bréraond, Des Actes de Gouvernement (B&oue ãu droit public, t. V,p. 23 sg.). 

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Para obviar consequências tão desastradas do systema. ouantes, para não deixar ver a insuficiência do mesmo, se tem re-corrido a explicações differentes : ora se diz, que a irresponsabi-

lidade se refere aos actos do poder publico em si somente, mas,não, aos da sua execução, onde, realmente, podem occorrer vio-lações de direito, susceptiveis de indemnisação ; ora, se alvitraque é preciso fazer subdistincções nos próprios actos, como suc-cede nos actos de guerra,—sustentando-se a irresponsabilidadedo poder publico naquelles, que se dão   por força maior ou ne-cessidade immediata da luta, e, ao contrario, reconhecendo-se aresponsabilidade do mesmo poder com relação aos demais actos,taes como: operações preparatórias, — medidas preventivas dedefesa,—-requisições militares, e outros actos de natureza seme-lhante 5l. Ora, não seria mister demonstrar a inefficacia de umadoutrina, que, para amparar as suas incertezas, vae sempre dedistincção em distincção em busca de um critério, que lhe sirvade apoio ou razão de decidir, mas o qual geralmente lhe escapa,ou lhe pôde falhar, ao aspecto de novas circumstancias... 

Com isto não se pretende contestar as razões procedentes,em que se procura assentar a irresponsabilidade do Estado noexercício de um grande numero de suas funcções politicas, comopoder soberano; são princípios básicos indiscutíveis do direito

publico universal, assas conhecidos, ensinados pela sciencia, econsagrados na jurisprudência dos diversos povos. O que nesteponto, porém, não se pôde deixar de igualmente affirmar, é: quenos domínios da pratica, o simples qualificativo de acto de im- pério não basta por si só, como razão ou argumento da irres-ponsabilidade civil do Estado. 

54 a.— Entre os actos políticos ou soberanos, cuja irres-ponsabilidade se proclama, para assim dizer, de maneira incon- 

54 Ant. e loc. cit. — Cf, Laferrière, ob. cit. 

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dicional, figuram em primeira linha os actos legislativos (as leis)e os actos judiciaes (as decisões ou sentenças). 

A lei, considerada como a declaração de um direito, dictada

pelo poder competente do Estado, não deve conter, por certo, aviolação de um direito individual: a cousa seria con tr adicto -riapor si mesma. A sua desconformidade com os dictamens da  justiça natural, diz notável escriptor, pôde, tão somente, fazernascer uma responsabilidade moral para aquelles que a ado-ptaram e sanccionaram ; mas, nunca, uma responsabilidadepecuniária ou civil do poder publico, apreciável no foro ex-terno.55

 

Dado, pois, que uma lei altere ou destrua direitos indivi-

duaes, continua o mesmo escriptor, ao lesado não cabe direitoalgum de indemnisação, a menos que a própria lei não conceda,desde logo, semelhante indemnisação. A effícacia da lei nãoresulta da sua conformidade com os principios da razão, accres-centa-se ainda, mas de ser dictada pelo poder do legislador (—legem regulam essejustorum et injustorum, Dig. I . I, tit. III, 2). "É dunque in ogni caso la- legge, quella che dá regola ai eittadini suciò, che possono pretenderá o devono prestare; sugli aggravi,chepro bonopublico siano costretti a sopportare. Non c'é leggepro-

 pizia a tutti, e poço monta sepregiudica a qualcuno, purchê serva \alVinteresse publico: nulla lex satis cotnmoda omnibus est\ id imoquaeritur, si maiori parti et in summam prodest. Se a qualcunola legge par dura, potra valer si dei diritto di peticione per do-mandarne la riforma, ma non pretendere giudicialmente un com- penso pecuniário per il danno che reputa di risentime: salvochê,torno a ripetere, la legge medesima non gliene àbbia compartitala f acoita".™ 

» Giorgio Giorgi, Delle Persone Giuridiche, t. Ill, n. 08». •• Loc. cit, n.113.— Cf. Meucci, Diritto Amministrativo, p. 302; Mantellini, ob.di, p. 59 sg. 

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Sem contestar, em principio, a lição doutrinaria que se con-tem no trecho ora transcripto, importa, todavia, observar que,segundo o direito constitucional de alguns Estados modernos,

a própria lei pôde ser objecto de impugnação judiciaria, mesmosob o ponto de vista da sua validade57; e uma vez apurado que,da execução de uma lei, nulla, inconstitucional ou invalida,resultou lesão ao direito individual, já não seria licito affirmar,ao menos de modo absoluto, que o Estado não deve indemnisa-ção alguma pelo mal resultante de semelhante acto.  

E' certo, que o autor do referido trecho sustenta a irres-ponsabilidade, pela razão de não se dar, no acto legislativo, oque elle considera elemento da responsabilidade do Estado, "

cioè Villecito"

IM

', com o que aliás confere a opinião doMeucci,dizendo por sua vez: Essi (gli atti legislativi) sono la legge, ecome potrébbero essere fatti illeciti ? Se anche fossero contrariialie proprietá, ai diritto razionale, una volta devenuti legge,sarébbero per essenza legitimib9... 

E', como se vê, um reconhecimento formal da omnipotênciae rectidão da lei. 

Mas, o leitor também terá certamente notado, que o argu-mento assenta na presupposição, de que só pôde haver a respon-sabilidade civil do Estado, em se tratando de actos illicitos, o que

não é verdade, e nem jamais poderia ser admittido, como regra. 

54 b.—Assim como succede com as leis, pensa Meucci, osactos da autoridade judiciaria também não geram a responsabili-dade do Estado. Porquanto: 1) ou esses actos são strictamenteinherentes ás fmicções judiciarias, (as decisões e ordens) e são 

61 E' o que se dá, notadamente, nos Bstados-Unidos da America edo Brazil.  I 

88

Giorgio, loc. cit., p. 203. 59 Meucci, loc. cit. 

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actos de verdadeira soberania nacional, conseguintemente, in-syndicaveis, irresponsáveis, irrevogáveis, a não ser por via de ap-pellações e outros remédios; e sendo, por presumpção de direito-,

legítimos e lícitos, como a própria lei, são por isto mesmo inca-pazes de produzir responsabilidade, seja directa dos funccio-narios respectivos, seja indirecta do Estado; 2) ou esses actossão estranhos aos indicados, taes por exemplo,— o recebimentode donativos ou de  paga para fazer ou negar a justiça, a dizer, prevaricações e corrupções,—e actos desta ordem, sendo no todoestranhos ao exercício próprio das funcções, portanto, inteira-mente pessoaes aos seus autores, só darão logar á responsabi-lidade penal e civil destes, e não do Estado.. .60 «Perche il\ fatto

illecito non istà nel giudizio suo che è insensurabile, ma nel fattoestraneo dei premio e delia promessa ricevuta. E sebbene questo  fatto alia avuto per oggetto una defezione d'ufficio, e unaviólazione dei dovere d'imparziálitâ, tuttavia, essendo insensu-rábile il giudizio, manca ogni base e ogni mezzo di prova per accertare il pregiudizio o il ãanno che si dovrebbe risarcire ». 61

 

Ora, não é preciso dizer, que, só pelas razões adduzidas doillustre professor, não se pode affirmar, que o Estado não devaresponder pelas lesões dos direitos individuaes, provenientes dos

actos judiciários; porque, manifestamente, ellas não podem ter aforça que o mesmo lhes empresta. 

Justificando essa irresponsabilidade, Pfeiffer se apoia emduas allegações que reputa procedentes:  primeira, a indepen-dência do juiz em todos os seus actos, e conseguintemente, dizelle. — não cabendo ao Chefe de Estado ou aos seus órgãos im-mediatos nenhuma influencia nos actos desse funccionario, élógico, que também não lhe deve caber responsabilidade algumapelas lesões de direito commettidas; —segunda, a circumstancia 

60 Meucci, ob. cit., p. 303. 61 Ibidem, p. 312, sg. 

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de haver remédios legaes, postos á disposição do individuo le-sado, para fazer cessar ou desviar o damno resultante. Si estedeixa de usar do remédio legal, deve soffrer as consequências

da própria culpa-, não tendo, portanto, direito a exigir a satis-fação do mal soffrido.6"2

 

Evidentemente, estes dous argumentos invocados porPfeiffer carecem de toda procedência: o primeiro consiste apenasem confundir o Estado com o Chefe do Estado, e em pretender,aliás contra o próprio principio geral professado por elle, retro-trahir a responsabilidade ã uma culpa, mediata ou immediata,do Chefe do Estado (ães Begenten); o segundo, em esquecer, queha actos próprios do juiz, a respeito dos quaes, nenhum remé-dio legal poderia mais desfazer o damno causado; e mesmo nãosendo esta a hypothese, a acção de indemnisação não se podiadizer exclui da, desde que se tivessem esgotado os remédios le-gaes permittidos. Logo, conclue Loening a este propósito,—sio principio da responsabilidade do Estado fosse verdadeiro, elledevia ser applicado, tanto aos actos dos funccionarios adminis-trativos, como aos actos dos juizes. 63 Não precisamos, porém,relembrar que, segundo este ultimo autor, o principio da respon-sabilidade geral do Estado não existe, ou, pelo menos, nuncafoi demonstrado... 6* 

03 Pfeiffer,Praktische Auafuhrungen, t. II, p. 363 sg. 08 Loening, ob. cit., p. 98. Cf. Zachariae, ob. cit., p. 637 sg. 04 Quanto aos actos lesivos dos juizes, Loening se exprime desta

fornia: A decisão, seja ella sentença, seja um despacho, não pode em geralautorizar nenhuma acção de indemnisação contra o Estado, visto como poresses actos não se pode dar um damno. Este só pode resultar da respectiva execução. — Donde segue-se: que nenhuma pretenção se justificacontra o Estado, emquanto a decisão não se tornar exequível, ou quando olesado haja, porventura, descurado de empregar o remédio legal, que podiaobstar a exequibilidade da mesma. 

Descurado o remédio legal, que o Estado garante ao lesado, claroestá, que não lhe pode caber nenhum direito de indemnisação contra o 

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Piloty também entende que, uma vez admittido que hajafundamento para a responsabilidade geral do Estado pelos actosillegaes dos funccionarios, não se comprehende, por que se devaexcluir dessa responsabilidade os actos de certos funccionariosou de certas funcções; havendo, como ha, para com todos osfunccionarios, as mesmas relações de subordinação por parte dossúbditos, e de representação ou nomeação da parte do Estado.Si os actos de governo (Regierungshandlungen), praticadospelos funccionarios, devem ser considerados actos do Estado,o mesmo se deve dizer dos actos dos juizes; nada influindo acircumstancia, de que estes últimos independem da vontadedo Chefe de Estado (Herrschers) na decisão dos pleitos. Igual-mente não se justifica, o partir da diversidade das funcções pu-blicas, para tirar argumento pró ou contra a responsabilidadedo Estado.66

 

Estado. Uma sentença, revestida de força jurídica, é um direito formal; epois, emquanto ella assim subsiste, a sua execução é também um actolegal. Somente quando uma sentença é annullada por outra posterior, tam-

bém revestida de força jurídica (durch ein anderes rechtskrãftiges Urtheil) é,que a primeira perde o seu caracter de direito formal... O damno pro-veniente da execução de uma sentença, posteriormente annullada, não jus-tifica em todos os casos o direito de indemnisação contra o Estado; mas,somente, quando a annullação se funda numa violação de direito, commet-tida na decisão pela autoridade nomeada pelo Estado. Dada a annullaçãopor motivo diverso, não se pode pretender semelhante indemnisação. Estaobrigação se justifica aqui, porque o Estado coage as pessoas, sujeitas aoseu poder, a requerer o direito perante as suas justiças, declarando illegal,toda a resistência feita â execução da sentença com força jurídica dasmesmas justiças, ainda mesmo, quando o executado a repute uma sentençaillegal. Ora, desde que o Estado declara, que uma sentença, revestida de

força jurídica, crea direito, é de justiça, que o mesmo preste indemnisação,dada mais tarde a sua annullação; porque fora, em consequência daviolação do direito commettida pelo funecionario, que a sentença creara umainjustiça material {das Urtheil niaterieltes Unrecht geschaffen hat). —Loc.cit., p. 124-126. 

66 Piloty, ob. cit., p. 262-263. 

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A verdade destes conceitos dispensa adduzir mais razõessobre este ponto em particular. 

55.—Encarando, agora, o systema da distincção entre actosde gestão e actos de império nos seus termos geraes, a dizer,como critério, segundo o qual se possa affirmar ou negar, emprincipio, a responsabilidade do Estado,—muitas são ainda asconsiderações, que lhe podem ser realmente oppostas. 

Innegavel como é, e aliás, desde muito tempo sabido 66,que na actividade da pessoa-Estado se comprehendem actos efactos, uns de caracter análogo ou mesmo idêntico aos daspessoas privadas, e outros que só podem caber áquella no seucaracter de poder publico; comtndo, esta só circumstancia nãobasta para servir de base a um systema, capaz de explicar odever de justiça, que ao Estado cumpre guardar com os indi-víduos em todas as suas relações reciprocas da ordem social e  jurídica. Para simplificar o systema em questão, ou melhordizendo, para mais recommendar a sua plausibilidade, vimosque se tem doutrinado, que ha no Estado duas pessoas distin-ctas, agindo de per si, —uma civil ou jurídica, e outra politicaou soberana, aquella sujeita ás disposições do direito privado,como qualquer individuo particular, — e esta somente regida

pelo cânon do direito publico. °7 

Entretanto, deixando-se de parte as pretenções do doutri-narismo theorico, para atteuder, de preferencia, ao ensinamentotirado dos próprios factos, não foi difficil verificar, que não épossivel distinguir sempre por um critério objectivo, no dizer dePalazzo, os actos do Estado — poder soberano, dos actos do  

w Vide: Mantellini, ob. cit., p. 38-40; Giorgio Giorgi, ob. cit., D. 115, nota 3. 

07

Vide : Solari, La BesponsaUlitá delia pubblica ammmistrazione,\ p.188g. 

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^B 

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Estado ■*- pessoa civil; uma vez que os mesmos actos variamna historia com o simples caminhar da civilisação.68

 

Em nenhum período histórico determinado, seria licitomanter praticamente esta distincção.; porquanto actos, que pa-receriam próprios do Estado-pessoa publica, se mostram por talmodo ligados aos que se poderia considerar, como do Estado-pessoa civil, que não fora possível scindil-os, uns dos outros; edahi a controvérsia e a confusão, em que se tem achado os sus-tentadores da dupla personalidade do Estado, quando procuramdeterminar as funcções próprias de uma e de outra pessoa... Queo Estado seja uma pessoa civil (jurídica), ninguém pôde comrazão duvidar, assim como, não se deve negar, que também oseja uma pessoa publica ou politica. 

O que cumpre, porém, attender é: que isso significa, ape-nas, duas faces ou caracteres distinctos da sua actividade, e nãoa existência de duas personalidades que, contemporaneamente,  possam ser, e não ser, no Estado w. Capaz de apparecer nocampo do direito civil e na esphera do direito publico, não é afuncção especial, que lhe dá a personalidade, segundo a qual,tenha de agir; mas, o campo do direito, no qual contrahe rela-ções, é que estabelece, si o Estado, em dado acto, deve ser en-

carado, como pessoa civil, ou como pessoa politica; em outrostermos: é a relação jurídica, que surge entre o Estado e os outrosentes, que determina a personalidade, sob a qual o mesmo se nosapresenta: em uma relação do direito publico o Estado se mostracomo pessoa publica, e em uma relação do direito privado, como pessoa civil ou privada. 70

 

Isto quer dizer que, numa mesma funcção, o Estado pode fi-gurar contemporaneamente (servindo-nos de alheia expressão) 

68 p. palazzo, Teoria delia respomabilitá civUe ãetto Stato, p. 42-43. 09 Palazzo, loc. cit, p. 44 70 Ibidem. 

■ 

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de pessoa civil e de pessoa politica, segundo os elementos de direito

publico e privado, que concorram nos respectivos actos. O Estado,

porém, não se distingue em duas pessoas, como se tem pretendido;

subsiste, ao contrario, sempre um ente orgânico, indivisivel, qual é, equal, logicamente, deve ser.71 

71  Ibidem. Vide: Vacohelli,   La Responsabilitá Civile delia pubblxcaamministrazione ed il diritto comune, p. 111 sg. —Milano, 1892. 

— Solar i. referindo-se á essa doutrina, a qual, alias, o mesmo confessater até agora dominado de maneira absoluta na escola e na jurisprudênciapátria, se propôz demonstrar:—Que ella não corresponde, nem ás exigênciasrigorosas da sciencia, entendido o Estado segando a moderna concepção,nem ás exigências da pratica; — Que nas mesmas obras e na mesma ju-risprudência, que a propugnam, se encontra a confutação de dita theoria,a qual, de resto, podia ser explicável e justificável no Estado antigo, mas,nao, no hodierno;-— Que admittindo, muito embora, um poder discricionáriodo Estado e da Administração publica em geral,— este deve ser todaviacontido em limites legaes preestabelecidos, quer dizer, que " Vente pub-blico

 jntó respondere dei danni ehe ai privati apporta senza trincerarsi nella cómoda formola dei JUS IMPEKII ..," 

Para chegar ao fim proposto, o citado autor, depois de fazer breveindicação dos ensinamentos históricos sobre a concepção do Estado, e deresenhar os diversos pareceres dos escriptores, que se tem oocnpado parti-cularmente da matéria, bem como, dos vários considerandos da jurispru-dência, se julgou autorisado a tirar conclusões, que, a priori, não duvi-dara afflrmar, dizendo: «Os actos das administrações publicas, pela suaprópria denominação, presuppõem o interesse publico, e por isso, ditos actos

 jamais ad singularum útil ita tem pertinent; tem por escopo non il privato \ mail publico utile. De facto, continua elle, o seu caracter e a sua finalidadepublica são indicados tanto pela jurisprudência  fautora da distincção, comopelos autores propugnadores dessa bipartição, taes por exemplo: Grozio,Wolf e Vatel, entre os antigos, e Giorgio e Bonasi, entre os modernos, osquaes reconhecem, que o Estado nunca opera jure privatorunt; ainda quenem sempre se mostrem ooherentes, ou accordes na própria essência dadoutrina; pois, em quanto Mantellini sustenta, que o Estado é sempre umente publica, ou se trate de actos de governo ou de actos de gestão,—Bonasie Giorgio, pelo contrario, opinam que, debaixo do ultimo aspecto, o Estado,como que se despoja das suas funcções soberanas, para tomar as vestes deura particular. E' a mesma distincção pretendida por Santi Romano (Prin-

cipii di diritto amministrativo italiano,), segundo o qual, os actos do Estadose dividem era actos administrativos e negócios de direito privado. Coroo 

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56. — Combatendo a doutrina, de que ora nos occupamos, oerudito Chironi fel o de modo tão claro e preciso, que prestaremos,sem duvida, serviço ao leitor trasladando para aqui os seus 

próprios conceitos:   Due diffeti prineipali dànno dehóleeza aUacostruzione or ãescritta. II primo è 1'incertezza non vineibile dideterminara con tratti netti, decisi, come si dovrebbe nelle cos-truzioni giuridiche la distinzione nella personalítà e nella fun-zionidello Stato, secondo lo si considera qual ente politico so-vrano,oppure qual ente giuridico; per qnali limite son separati i due ordinidi funzioni? Dove termina il fine politico, comincia rammnistrativo ogiuridico priva to? Lo Stato anche quando compie atti che paionosimplicemente giuridicí, non perde la qualità a lui essenziale di entepolitico: e pur quando assume intraprese non riferentisi per sè inmodo alcuno ai suo potere di sovranità, ciò fa nell'interesse generale.perche i privati da tale esercizio abbiano, con la maggior garanzia di

esatta sollecitu-dine e sicurezza dei servizio, un vantaggio nei prezzi,perche lo Stato non è speculatore: cosi avviene neiramministrazionedelle poste, dei telegrafi, dei transporti ferroviari e maritimi. Lo Statoagísce nell'interesse di tutti e quando il suo provedi- 

negar, porém, que os negócios jurídicos do Estado não sojam também actosadministrativos, sempre inspirados no bem publico? Porque modo distin-guil-os dos verdadeiros actos administrativos? Com que critério se devemdifferençar as duas categorias do actos? A autoridade não poderá, porven-tura, cair em erro, — desde que a interpretação dos actos não depende deuma norma fixa e determinada? 

Se tem dito, que o contracto qualifica o acto administrativo de gestão:mas o contracto também não é estipulado no interesse publico ?... Não seobjecte, que si o fim que o Estado se propõe alcançar, é de interesse pu-blico, taes não são os meios, a dizer, as relações contactuaes directas paraeffectuar dito fim, porque isso constituiria uma contradicção lógica e pa-tente, sabido, que os meios devem ter, certamente, a mesma natureza dofim... Alem disto, ajunta ainda Solari, a difficuldade de restringir absolu-tamente todos os actos públicos ás duas categorias indicadas, augraenta,sobretudo, em vista do desenvolvimento incessante da actividade do Estadoe do admirável progresso das sciencias do direito publico... A esphera de|acção e as funeções e encargos do Estado moderno crescem cada dia, demodo que, muitos dos seus actos não se podem dizer, nem exclusivamente

económicos, nem exclusivamente políticos. — SOLARI,  La responsábilitá delia pubblica amministrazione. Napoli, 1902. 

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mento ha tal carattere non si può indagara s'egli abbia o pêra tocom'ente  politica od en.te xgiuVidico, senza venire in rizolazioniche "peccano non solo d'incerteza nei coneetti, ma son contrariealPessenza medesima deli'ente, che in nessun atto perde la sua

qualità di ente politico: lo Stato ente giuridico e non politico nonè pia lo Stato, perche gli mancherebbe la ragion di sua esistenza.  

Che in questa osservazione stia il maggior difetto deliateoria, lo si releva dallo stadio che si pone intorno la ricerca diuna regola certa per cui rimangano esattamente difinite e cir-coscritte la fnnzione politica e la ginridica. Ma s'ottiene lo scopocol definire Tentità politica per quella che comprende tutti gliatti di governo propriamente detti, gli atti compiuti in virtu deipotere sovrano ? Riinan sempre a definire quali sono questi atti, ela difficultà non soltanto non rimane vinta, ma neppure è smossa. 

Nè per discernere con sicurezza 1'Índole delVatto vale ilsuggerimento di osservare qual sia, non il suo fine ultimo, ch'è

sempre 1'interesse publico, ma il fino prossimo, avvertendo cioè.k'se 1'atto in questione debba essenzialmente compiersi dalloStato, ovvero se lo Stato potrebbe rilasciarne Tesecuzione aí privati." Una tal ricerca esorbiterebbe assai dai limiti posti alieattribuzioni dei magistrato, il quale dovrebbe negli ordinipolitici constitaiti indagar sempre se il concetto ch'egli ha deliasovranità vi corresponda, e far cosi continuamente dei dirittocostituzionale dove soltanto è da applicare la legge; nè il com-pito piú agevole riuscirebbe ali'interprete, che darebbe diversogiadizio secondo 1'idea ch.'egli ha delia maggiore o minor esten-sione delle attribnzioni inerenti ai fine dello Stato. 

D'altra parte, la ricerca à nessuna utilità approderebbe:

perche se lo Stato eseguisce un atto che potrebbe compiersi daun privato, ciò non vuol dire che non lo abbia esegnito comeStato per considerazioni prevalenti di pubblico interesse; final-mente, distinguere un fine prossimoá&vm fine remoto è processopoço lógico, perche ritenere che in ogni atto dello Stato esistail fine remoto, ossia 1'interesse generale, è già ammettere lainscindibilità delPentità  politica delia giuridica, è contraddirealia base stessa delia costrazione. 

Che se anche fosse possibile la determinazione esatta,certa, delle due ínnzioni, con ciò non s'avrebbero ancora i ter-mini necessari per la justificazione dei risnltato cai s'entendenell'argomento che s'esamina. Perche in matéria di danno datoingiustamente per colpa dei funzionario, basteia dire, a ren-dere non responsabile lo Stato, ch'esso avvenne neiresercizio di  

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fnnzíone politica? S'entende che questa funzione è legitima fin-chè sia esercitata entro i limiti consentiti dalle leggi, nel qualcaso 1'azione è giusta; ma se il fnnzionario è, in eolpa nell'ese-cuzione, se infligge danno ai diritto dei privati, il íatto rimansempre ingiusto, ancorchè si tratti di eseguire atti giusti per sè.72| 

• Tndo isto é tão lógico, claro, e procedente, que nada  

mais será preciso dizer sobre o ponto, á que taes considerações 

se referem. 

57. — ÓRGÃOS E FUNCCIONARIOS OU PREPOSTOS.  Parte inte-grante da theoria da distincção dos actos do Estado é igualmente,a que procura distinguir os seus funccionarios ou representantesem classes diferentes, no mesmo intuito de restringir a respon-

sabilidade civil do Estado. E' simples o enunciado desta nova theoria : " O Estado,como todo ente incorpóreo, precisa, nas suas differentes mani-festações da vontade, ser representado por agentes; e assimsendo, é-se levado pelos próprios factos a distinguir esses agentesem duas categorias, segundo elles representam o Estado» poder,ou o Estado-pessoa", isto é: precisa distinguir os funccionariosque gerem interesses, dos funccionarios que proferem resoluçõese dão ordens aos particulares.73

■ Estes últimos são os órgãos doEstado, e como taes, investi* dos do poder de decisão eautorisados a fazer os actos de administração, propriamente dita,em nome do Estado; os demais são simples auxiliares na gestãodos serviços, agentes de preparação e execução de todas asordens; sendo, por isso, de con-sideral-os tão somente, comoverdadeiros propostos.74

 

Não ha, de certo, inconveniente algum no distinguir osrepresentantes do Estado em orgõos e funccionarios, pre- 

72 Chironi, Colpa Contrattiiale, n. 216 sg.—Torino, 1897. 

78 P. Grivellé, De la distinction ães actes cVautorité et cies actes de ges-tion. — Paris, 1901. <4 Ibidem, p. 73-105. 

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 postos, ete. Segundo Chironi, a distincção serve para designar,quaes os funccionarios que tem a direcção geral da administração publica, ou de uma parte especial delia, com discrição e in

dependência, e quaes os que se limitam ao simples encargo deexecutores de ordens recebidas.75   /;'.* 

Mas dar à esta distincção o caracter de um systema, para,segundo a categoria do funccionario, declarar a responsabilidadeou irresponsabilidade do Estado, pelos actos do mesmo,—é umapretenção, manifestamente descabida, e fatalmente susceptívelde erros e incongruências jurídicas. 

57 a. — Antes de tudo, é de notar a ausência 'de um ponto:

de intelligencia commum entre os fautores da doutrina, quantoaos próprios effeitos da distincção proposta.  

Querem uns que o Estado, como poder soberano, se con-substanciando, por assim dizer, nos próprios órgãos, — de seusactos não pode, pela sua natureza especifica, resultar nenhumaresponsabilidade para o Estado ; emquanto que, dos actos dos funccionarios ou  prepostos, pode resultar legitimamente ditaresponsabilidade, visto o Estado ter aqui a qualidade de ver-dadeiro committente.76 Pretendem outros, que os órgãos, poristo mesmo que ordenam e decidem " ex própria auctoritate ",,

e tem, consequentemente, uma responsabilidade, ma própria,não obrigam ao Estado pelos seus actos culposos; ao passo que,o Estado, se identificando ou se confundindo com demais func-cionarios, como seus instrumentos, deve, necessariamente, res-ponder pelos actos lesivos destes últimos.77

 

75 Chironi, Colpa Contrattuale, n. 210 bis. 76 Grivellé, loc. oit.— Cf. Chironi, loc. cit. n. 217. 77 Gabba, Delia responsabllitá ãéllo Stato per danno dato ingiustamente

ai prwati da puhblici funzionari nello eserckio delle foro attribuzioni (ForoItaliano, de 1881, p. 932 sg. e 952 sg). 

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— Ora, a fraqueza destas construcções theoricas se paten •teia tamanha, que não vale a pena tomar o trabalho de com-batel-as por uma argumentação directa e mais desenvolvida. 

Já se disse, que a distincção dos representantes do Estado,entre órgãos e  funceionarios, empregados e  prepostos, nada temde inconveniente, e agora accrescentamos, que ella pode mesmosignificar uma necessidade da boa organisação admuistrativa, Isobretudo, em vista da ordem hierarchica, que é preciso guardarnas funcções de caracter contencioso ; ella pode também ter asua conveniência, ou uma razão apreciável, no apurar o grau daresponsabilidade do Estado, em vista da discrição ou autoridade,maior ou menor, do agente do acto arguido; ou ainda, com

relação á natureza do processo e condições differentes, pelas quaesse tenha de julgar da alludida responsabilidade e das suasconsequências, civis ou politicas.7S Mas, recorrer á referidadistincção, como critério decisivo da responsabilidade ouirresponsabilidade do Estado, sobreleva repetir, é cousa que, porforma alguma, se poderia admittir.79

 

Em primeiro logar, não se comprehende, porque razão oufundamento jurídico, deva o Estado responder pelos actos dosfunceionarios que representam apenas uma p areei la de poder

ou uma funeção publica menos importante, e não dava fazer omesmo pelos abusos daquelles, que agem immediatamente emseu nome, como verdadeiro poder publico, isto é, como si fora opróprio Estado... E' evidente que, si as premissas de semelhantedoutrina fossem aeceitaveis, a conclusão lógica devia serinversa, a dizer, devia levar, não, à irresponsabilidade do Estadopelos seus órgãos, mas a diminuir, senão, a fazer cessar, 

78 H. Bailby, De la respomabilité de VEtat, p. 44 sg.: « Qu'U s f  agisse

d'organe ou de preposé, VEtat peut être DIEECTEMEXT ACTIONNÍ ; on va droit à la volotdéorvjinaire dont Vacte emane ou est cerne emaner ». ~>° Chironi, loc. cit., n. 221 sg. 

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de preferencia, a responsabilidade do mesmo pelos actos dosseus funccionarios-prepostos. I Depois, por mais respeitável que seja o seu autor, não é

possível conciliar incongruências da ordem que se segue... Pre-tende-se que o Estado não se transforma de conceito abstractoem ente concreto, senão, «per opera dei funzionari», e conse-quentemente, a responsabilidade, única, racional e possível, é ados funccionarios, a qual faz uma só cousa com a responsabili-dade do Estado, (come e perche in concreto lo Stato fa una solae indiscernibile cot funzionari);80 e, no entanto, ajunta-se logoem seguida, — que é preciso, não só, separar os funccionariosentre órgãos e instrumentos, como ainda reconhecer nos pri-meiros personalidades distinctas, e, como taes, com responsabi-lidade sua própria, e não do Estado !81 Ao que observara comrazão o prof. Chironi: mas, si o Estado se confunde com os func-cionarios, não se deveria declarar a sua responsabilidade pelosactos dos funccionarios-instrumentos, que com elle se identificame se confundem, e sim, pelos abusos dos funccionarios-orgãos,sujeitos capazes de uma personalidade própria.82

 

Não é mister insistir sobre a inadmissibilidade de seme-lhantes doutrinas. 

- Simplesmente, para encerrar o presente capitulo, não

podemos deixar de mais uma vez accentnar: quer a distincção,fundada na natureza especifica dos actos (império e gestão), quer 

80 Gabha,   Abusi dei pubblici funzionari e respomabilitá ãello Stato("Annuario Giuridico Sociale Politico", de 1882, p. 532). 

81 Loo. cit. — Cf. Chironi, loc. olt., ns. 217-224; — Bonasi, La res- ponsábilitâ ãello Stato (Revista Italiana per le scienze giuridiche, vol. I,Roma, 1886). 

82 Chironi, loo. cit. — Este antor aprecia detalhadamente as contra-dicçCes de Gabha, relativamente a theoria, de qne acima se fez menofto.

— Cf. Loening, oh. cit., p. 11 e 106; — Miohond, Bevue ãu droit public,cit.t. Hl, p. 419, eto. 

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a de funccionarios-orpííos e funccionarios-prepos\  ou instru-mentos, não servem para resolver, de modo satisfactorio, o pro-blema da responsabilidade civil do Estado. 

Para isto, mau grado, embora, dos que sustentam principiocontrario, não ha, senão, uma só regra de boa razão e justiça,e é : dada a lesão de um direito individual pelos actos do repre-sentante do Estado, seja elle órgão ou outro qualquer funccio-nario, o Estado deve responder por ella; — a menos que, umarazão legal ou um principio preponderante lhe reconheçam, nocaso, uma razão ou um direito superior de isenção. Eis aquia bôa doutrina, simples, verdadeira e justa, como esperamosmelhor demonstrar no capitulo seguinte. 

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CAPITULO IV A Doutrina

preponderante 

58. - - No material de informação, illustração e critica, atéaqui predisposto e coordenado, se encontra com certeza o quede mais importante se tem escripto acerca da questão da respon-sabilidade civil do Estado pelos actos lesivos dos seus represen-tantes :—a indicação das theorias ou systemas diversos, os fun-damentos particulares, que os partidários dos mesmos invocam,e os argumentos principaes de que se alimenta a controvérsia,a juizo dos autores mais competentes nos differentes paizes.  

Mas, tudo isto não obstante, pareceu-nos, que não devêra-mos dar por encerrado o presente Titulo, sem fazer a recapi-tulação de certos pontos para, desfarte, deixar melhor assigna-lados, quaes os princípios que effectivamente se mostram pre-ponderantes na grande controvérsia. 

Não pretendemos rever ou examinar de novo todas as con-siderações theoricas, todos os argumentos da critica ou factos

concernentes, trazidos á discussão. Tratando-se, todavia, no presente capitulo de recapitular 

argumentos e factos, não seria preciso advertir, que nos veremosna necessidade de fazer mais de uma repetição de razões e concei-tos, que o leitor já conhece; mas estamos convencidos, de que,das repetições feitas advirá também maior claresa da critica edas conclusões controversas. De preferencia, vamos restringir-nos á trez questões principaes, de cuja solução depende semduvida a de todo o assumpto. As questões, a que alludimos, são: 

1) Donde a razão determinante ou o principio fundamentalda responsabilidade ? 

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2) Qual o direito, que deve reger os casos dessa responsa-bilidade ?

3) Qual o caracter da responsabilidade civil do Estado eos princípios, que a delimitam ou a fazem cessar, suppostamesmo uma lesão dos direitos privados ?

I.— FUNDAMENTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE 

58 a.—A razão ou fundamento jurídico, capaz de crear parao Estado uma obrigação positiva de prestar indemnisaçao (é oque se chama responsabilidade civil) pelos actos lesivos de seusrepresentantes ou funccionarios, se deve achar essencialmentenestes dous elementos conjunctos: a) no caracter do Estado erelação consequente que o liga ao funccionario; b) na lesão deum direito objectivo, apreciável segundo á sua natureza e con-dições. 

— Começamos por estabelecer, que o Estado é. antes de

tudo, um sujeito de direito, uma personalidade essencialmente jurídica. Os seus direitos podem ser de caracter civil e politico,ou de natureza privada e publica ; dalii a diversidade que senota nas suas fnucções; mas o ente subsiste sempre uno e in-divisível na sua qualidade essencial de pessoa jurídica. Já sa-bemos que, em geral, se costuma dizer, que o Estado é pessoa jurídica e pessoa  politica, dando ao ultimo qualificativo umasignificação, senão opposta, certamente, differente da do pri-meiro. Isto vem de dous elementos tradicionaes, subsistentes

no pensamento e na linguagem dos autores : 1" a presnpposiçãode que a ordem jurídica se reíere somente ás relações e factosde natureza privada, isto é, regidos pelo cânon do direito civil;2° a força de reminiscência, ainda predominante nos espíritos,da concepção antiga do Estado, que faz ver nelle um poder in-condicional, irresponsável... De maneira que, mesmo agora, 

■ 

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depois de recebido e preconisado o novo dogma do Estado dedireito (der Bechtsstaat), — ainda assim, se procura manterpara o mesmo, embora á sombra de distincções, mais ou menos

subtis, ao menos em parte, a sua antiga omnipotência, a velhadoutrina da sua irresponsabilidade. 

Diz-se: o Estado não é pessoa jurídica somente, elle étambém um poder politico, soberano,  fora ou acima da ordem jurídica. 

Mas como, perguntamos nós ? Pois num ente de direito,"Rechtsstaat ", ha algum poder ou força, que escape aos prin-cípios ou ás regras do direito? A idéa moderna do direito, decerto, não se compadece com o império de taes anomalias. 

E aliás, no próprio direito antigo já estavam consagradosos bons preceitos, que são a razão e vida do próprio direito : « Honeste vivere, alterum non laidere, suum cuigue tribuere ». 

Fazer o que é licito ou legal, — não offender a outrem, —dar a cada um o que é seu; eis ahi os preceitos do direito, quecumpre a todos observar, ou se trate de pessoa particular ou depessoa publica. E nada obsta dizer: "qui suo jure utitur nemineni lasdit"; porque no uso do mais incontestável direito,como é, por exemplo, o direito de legitima defesa, se pode lesaro direito objectivo de outrem, e dahi a necessidade de prestar-

lhe uma reparação, ainda que, somente limitada... Esta pretenção de subtrahir o Estado, pessoa jurídica e de

creação humana, como as demais, á responsabilidade relativaá certa ordem de actos, obedece ainda, como dissemos, & concepção histórica do Estado-pofócia ou Estado-autocrata da antiguidade ; mas semelhante concepção é evidentemente incapazde explicar o Estado democrático moderno, o qual é essencialmente um sujeito de direito. Elle ê hoje, como os indivíduos,um ente responsável dos próprios actos.  I 

Não se nega, qne assim como os indivíduos, no uso de certosdireitos, guardados os limites postos na lei positiva, se podem  

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considerar irresponsáveis erga omnes; assim também, o Estado,no uso de certos poderes ou direitos discricionários, guardada aextensão que a sua lei fundamental lhe reconhece, pode ou deve

ser tido igualmente, como irresponsável. Fora disto, porém, asua responsabilidade deve ser a regra, como se diria de qualqueroutra pessoa, physica ou jurídica. 

Conforme aos princípios modernos, o direito é, paia ospovos civilisados, a regra geral de conducta de todas as pessoassingulares ou collectivas, publicas ou privadas, seja qual fôr oaspecto de extensão e poder, pelo qual se manifestem na ordemsocial. O que, aliás, diremos também desde já, não exclue, pormodo algum, as regalias, isenções e privilégios, que devam, por

ventura, pertencer ao Estado, em vista dos seus grandes fins,como poder supremo da collectívidade.83

 

81Precisamos insistir neste ponto.—B' descabida a pretenção de que oEstado-ente-politico deixa de ser, ao mesmo tempo, ente-juridico ou sujeitode direito. Não ha duas pessoas differentes no Estado, mas, tão somente,duas iuncções, que se consideram distinctas, numa só e mesma entidade. Sió certo, que o representante do Estado-ente-politico pode ser irresponsávelpelos seus actos, isto é, não sujeito á coerção de outro poder, como se dá arespeito do corpo legislativo, isso não quer dizer, que o Estado também sejapor isto sempre irresponsável por semelhantes actos. Segundo já vimos, a

própria lei, dada a sua execução, e provado, que ella envolve uma lesão dedireito, pode constituir uma obrigação contra o Estado de indemnizar alesão feita. Portanto, deste ou daquelle modo, qualquer que seja a funcçãodo Estado, é preciso ver sempre nelle um ente jurídico por ex-cellencia, omais elevado órgão do direito da conectividade, a qual se corporifica nomesmo. 

— Beferindo-se ã objecção dos que pretendem, que as obrigações doEstado são de natureza simplesmente moral, por não poder haver contra omesmo uma coerção judicial, Zacharíae faz ver que o conceito do direitonão se contem somente nesta coerção. Si assim fosse, também não haveriaum direito de Estado (garhein Staatsrechi); mas, apenas, uma moral deEstado (Staatsmoral), não passando as saas "constituições" de catechis-

roos de deveres para com o próximo (von 8. g. Liébespflichten). O autor,porém, sustenta ao contrario, que a relação entre o Estado e os seus mem-bros, entrando no conceito do direito, e como tal se exteriorisando, envolve 

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58 b.—Como toda pessoa jurídica, o Estado precisa inevi-tavelmente de pessoas physicas que, como órgãos, funcciona-Inos,ou debaixo de outro qualquer titulo, manifestem a sua vontade e os

actos consequentes desta; e como o que se offerece á observaçãocommum, é a direcção ou execução de serviços por pessoasphysicas em nome e por conta de outrem, não se pôde desconhecer,que o vinculo existente entre o Estado e os seus funccionarios é denatureza análoga aos institutos do mandato e do institorio,**consagrados no direito privado. Entretanto, a despeito dessaanalogia, nem o mandato nem o institorio seriam capazes deexplicar a relação, que se dá entre o Estado e o fane-cionario; oinstituto capaz de fazel-o é o da representação, a qual se differenciados dous primeiros por mais de uma razão. Em primeiro logar, omandatum e o institorium se constituem pela vontade livre domandans ou do dominus negotii, em contrario do que suecede coma representação, que resulta, como necessidade, da próprianatureza do representado, isto é, da qualidade especifica da pessoa

  jurídica. Depois, o funecionario publico, sabidamente, não é um procurador, commissarioou preposto de certo negocio ou operação,segundo os poderes particulares que lhe foram outorgados poroutrem:—os poderes que elle tem ou exerce, não 

obrigações subtrahidas ao arbítrio ou â boa vontade; e que supposto o súb-dito nao possa, em muitos casos, proseguir nos seus direitos por maneiracoercitiva em vista da natureza do Estado; — oomtudo, isso nao dirimeo seu direito de reclamação pecuniária (vermõgensrechtlkhe Ansprikhe),—a qual se pode. fundar nos simples preceitos do direito privado, quer tenhaella uma origem stato-juridien, quando resulta de um acto de poder pu-blico, quer se baseie, por si mesma,num principio de idêntica natureza.—Ob. cit, ps. 614-616. 

84 Para abreviar, diremos institorio, em vez de relação insiitoria. Naomencionámos também a locação de serviços, porque, segundo se tem enten-dido, ella nao é mais, do que uma das formas do mandato remunerado, do

mesmo modo. que a commwsão é uma espécie de institorio (Inst. Jusiin. L III, M. XXVI, §13). 

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os recebera directamente do representado, embora deste rece-besse o titulo (a. nomeação), e sim, da própria lei, regra obri-gatória de conducta para ambos. A representação também se

particularisa pela maneira, porque se forma a vontade do re-presentado, como mais adiante se verá. I Do facto, patente,indiscutível, de que o Estado só se manifesta, quer, delibera, efuneciona, pelos actos de seus representantes ou funecionarios,também não é licito affirmar, como fez Saredo, què ofunecionario não é o representante, nem o mandatário, nem ocommissionado do Estado, mas o próprio Estado em acção, ou nasua própria linguagem: « o ministro é o Estado que governa, oprefeito é o Estado que administra ; o magistrado é o Estado que

exercita a  jurisdicção; o intendente de finança é o Estado quearrecada e paga; o professor é o Estado que ensina; em menospalavras, — o funecionario não é um individuo, é uma funeção».84a

 

 M  E' evidente, que si esta fosse a verdade, a única conse-quência lógica a tirar seria, irrecusavelmente, a de que o Estadoé o único responsável por todos os actos, legaes ou illegaes,lícitos ou illicitos, praticados pelo funecionario, cuja individua-lidade desapparece. No entanto, o iIlustre autor, apezar da sua

concepção tão radical acerca da relação existente entre o Es-tado e o funecionario, não duvidou, ao contrario, distinguir osactos deste, entre os «jure et non jure », para, desfarte, declararos primeiros, como actos do Estado, e os segundos, não;porque, adverte elle, nestes é o individuo, e não mais o fune-cionario, que tem violado a lei, que lhe cumpria observar, e por-tanto, pelo mesmo deve responder somente, como por um factoseu próprio!M

 

M

» Giuseppo Saredo, La nuova Legge mala Animitiitilrazione comunale ? provincial*, n. 1493. Torino, 1892. 88 Loe. cit., 11. 1494. 

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Nem as premissas, nem a conclusão do autor são verda-deiras, e, por isto, incapazes da menor procedência. O Estadonão se confunde com o individuo, que o representa, nem tão

pouco, é uma simples abstracção. Gomo toda pessoa juridica, temuma existência real, (p. 59); é uma organização necessária avida dos povos, que se revela pelo complexo dos poderes que oconstituem, e pela acção e funcções constantes desses poderes.Portanto, sem á necessidade de nenhuma demonstração especialacerca daquillo, que todos conhecem, sabem e sentem, se podeaffirmar que o Estado ê uma entidade própria, perfeita, distinctados indivíduos, por meio dos quaes delibera e age nas suas múl-tiplas relações.86 Com effeito, o Estado, que dieta as leis, quenomeia os seus funecionarios, e lhes marca os limites das respe-ctivas attribuições,—não se pode, em verdade, confundir comos indivíduos, que elle autoriza a agir na qualidade de seusrepresentantes; e supposto que o acto do representante, comotal, deva ser considerado, como acto do representado, comtudo,este subsiste, como   personalidade distincta, em relação aos ter-ceiros. 37 E é precisamente nisto, accentúa Chironi, que con-siste o instituto da representação, a qual, bem comprehendidana sua essência, no seu alcance e effeitos, faz cessar todas asdificuldades, occorrentes na explicação da responsabilidade do

Estado pelos actos dos seus funecionarios;—dispensando, con-seguintemente por inúteis, os sy st emas das chamadas distinc-ções, ora dos actos segundo á sua natureza (p. 146), em actosde gestão e actos de império, ora dos agentes, em órgãos e fune-cionarios ou instrumentos (p. 260). À figura da representaçãonada ofierece de difficil, sendo, como é, a simples explicaçãonatural dos próprios factos, que todos reconhecem: a vontade dorepresentante se compenetra da vontade do representado, e por 

86

Vide: Chironi, Colpa Çkmtrattuale. n. 225 e sg. 87 Loo. cit. 

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isso, nas relações que contrahe, nos actos que effectua, é sempre -

este ultimo, quem age; a vontade do representado apparece navontade do intermediário, e por isso, os terceiros, nas relações

com este, o obrigam, e se obrigam, directamente com aquelle.Pelo que, dizendo-se que o acto do funccionario é acto do pró-prio Estado, affirma-se realmente, o que ha de mais exacto,—considerando-se o acto do representante, como acto do repre-sentado. Mas inferir dahi a confusão das vontades e das pessoas,no intuito de significar que só existe o representante, "é umresultado excessivo, e repugnante á razão jurídica da represen-tação" 88; além de que, se cairia, desde logo, na contradicçãomanifesta de suppor-se um representante, agindo em nome de

outro, sem, entretanto, haver um representado!.. ,89

H Já odeclarámos, e ainda agora insistimos, que o instituto darepresentação deve aqui ser entendido na verdadeira signifi-cação, que lhe é strictamente própria e peculiar. 

58 c.— Não se ignora que a palavra " representação' \ to-mada na sua accepção commum, exprime a relação, em que umindividuo age por outro, fazendo-lhe ás vezes em dado fim oumister; e neste sentido, tanto o mandatário ou proposto, como ocurador, o tutor, etc, são considerados representantes. Mas nãoé desta accepção geral ou commum, de que ora se trata, porém,sim, da significação especial ou technica, que lhe deve caber,para o fim de particularisar um instituto jnridico, que não temno direito positivo nenhum outro qualificativo, que seja capazde exprimil-o. 

REPRESENTAÇÃO é o modo não voluntário, mas necessário, deexprimir a vontade e de agir em nome de outro, que não podeou é incapaz de fazel-o por si mesmo. Tal o caracter da repre- 

88 Chironi, loc. cit., p. 517. 89 Vide-.Ibidem, p. 482-83. 

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sentarão das pessoas jurídicas, sejam de caracter publico ou pri-vado, E' uma necessidade, que entra na constituição da própriapessoa; e alem disto, emquanto nas representações comumns do

mandato ou do institorio, o representante é um órgão, por assimdizer,  passivo, porque recebe a vontade expressa do representado,que lhe cumpre executar ; na representação especial da pessoa

  jurídica, pelo contrario, elle é um órgão actwo, a quem competeformular e exprimir por si mesmo a própria vontade dorepresentado -, não sendo, por conseguinte, adstrido como omandatário e o  preposto, a fazer, somente, certos negócios ouactos, nomeadamente designados, e sim, podendo agir igualmenteem casos diversos, indeterminados, as vezes mesmo, não previstos,desde que occorram na esphera da sua competência, directamenterecebida da lei. Este modo de ver sobre a representação especial dapessoa jurídica confere com a lição seguida por Grierke a esserespeito.90

 

Pode-se sem duvida faliar também aqui, diz Grierke, de umarepresentação (Vertretung), visto como o órgão não é a corporação(associação), e apenas, funcciona em determinada esphera, comoinstrumento da unidade essencial immanente no organismo social.Mas esta relação representativa é especifica- 

9) Quaes são os representantes do Estado? Todos aquelles que, emvirtude de titulo legitimo, exercem um poder ou parcella de poder publico,ou desempenham uma funcçao ou serviço do Estado. Uns tem e exercemesse poder ou funcçao em primeira linha sem dependência hierarchica, epor isto, sao chamados órgãos (nota 13, p. 101); outros tem e exercem o seupoder ou funcçao, por nomeação ou investidura directa dos primeiros, ou

 já de outros, dependentes daquelles: são os diversos funocionarios, agentese prepostos dos vários serviços nos seus differentes gràos e hierarchias.Como se vê, a questão é de esphera ou de gr ao, maior ou menor, do res-pectivo poder ou funcçao; mas, naanalyse do facto, todos elles representamo Estado, embora paroellarmente, nas attribuições ou serviços que desem-penham. E daqui também a razão, pela qual o Estado deve responder pelos

actos de todos elles, os quaes sao, nada mais/nada menos, do que os ele-mentos essenciaes da sua própria existência. 18  R. c. 

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mente differente de qualquer outra imaginável entre as pessoasindividuaes; quasi não tem modelo fora da esphera das pessoascolleetivas... 

Designando a representação de uma pessoa individual peladenominação de " Stellvertretung", e a da pessoa collectiva pelade " Organscliaft," Gierke assignala, que a vontade e a acção dasociedade se manifestam, como comprovação vivida (ais Le-bensbethãtigung) da personalidade immanente no ser collectivo,a qual só se torna effectiva na ordem jurídica, por meio do seuórgão externo, nomeado conforme o direito... Ao contrario doque succede nas demais representações, o ser collectivo tem emcada órgão um pedaço de si mesmo; como personalidade volente

e agente, elle se involve inteiramente no seu próprio órgão: ecomo uwtodo, é representado pela parte, do mesmo modo, que épor ella, que se torna effectiva a vida unificada do todo.—  DasGemeinivesen bezitzt vielmehr in jeden Organ ein StueJc semér selbst, — es deckt sieh ais wollende unã liandelnde Persõriliehkeit vollJcommen mit dem dobei fungirendem Organ, — es wirã ahGames durch den Theil insoweit dargestellt, ais ében durch diesenTheil das einheitliche Lében des Games sich voUzieht.91

 

Donde resulta que, no circulo da actividade do órgão, que

é o próprio da pessoa jurídica, éesta quem, pelo seu órgão, quereage; assim como, consequentemente, o que antes de tudo, é in-dispensável á pessoa jurídica, é a coexistência de um órgão legalda mesma. De facto, este é creado, como parte integrante, naprópria constituição da pessoa jurídica; e, desde que é uma mo-dalidade permanente do próprio ser, deve ser considerado um in-stituto particular de toda associação juridicamente organisada(Jedes Organ ist ais stândige Daseinsmoãalitàt eines rechtlichnormirten socialen Kõrpers ein besonderes Rechtsinstitut). Foradahi se pôde dar um contracto de commissão, de mandato ou de 

91Gíerke,  Die Genossenschaftstheoríe,p. 623-625. 

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locação de serviços, mas, nunca, a constituição de um órgão(niemáls aber eine Organstellung).92   \] 

Não è mister insistir sobre este ponto; porque a verdade, qae

nelle se contém, assenta em razões irrecusáveis. Mas, precisamente,por assim pensar, não podemos deixar de fazer, ainda que depassagem, um breve reparo sobre certas afirmações in-tercorrentesdo prof. Cliironi, à cuja autoridade, aliás, já nos temos tantas vezesabrigado. 

De inteiro accôrdo com as suas idéas, afirmando que| 'nelVazione dei rappresentante s'impersona il rappresentato che loHA POSTO IN SUA VECE E LOOGO, in modo da doversi ritenere opera

 própria quanto quetto faceia nei limiti delle incumbenze ricevute, edichiarate; e   però nei rapporti costituti dal rappre»\ sentantedomina la sola persona dei rappresentato, contro il quale puòessere direitamente instituita ogni azione di responsabilitá per danno''; todavia, não nos é possível acompanhal-o, quando elle, emvez de firmar-se, de preferencia, na representação, como institutodistincto   per se, ao contrario, persiste em doutrinar que as figurasdo mandato, do institorio ou da locação, serão capazes de explicar arelação entre o Estado e o funecionario nos 

93 B' de advertir, que Gierke usa da palavra — órgãos, para designar

os diversos representantes da pessoa jurídica em geral, eada um, segundoa sua competência, e não, como uma espécie distincta de funecionarios damesma. — Ob. cit., p. 686 sg.; Hic, p. 49 nota. 

— Michoud também entende, que se podem designar os representan-tes da pessoa juridica pelo nome de órgãos, comtanto que se marque bema differença entre estes órgãos e os da pessoa pkysica. Nesta, diz elle,não é o órgão, é a própria pessoa, que tem a vontade e a intelligeneia, oórgão é apenas o seu instrumento passivo. Na pessoa moral (juridica) suc-cede precisamente o inverso: não é a pessoa, é o órgão, quem quére age,e este órgão é elle próprio uma pessoa. Donde esta consequência: que, paraattribuir-se a sua acção ao ente moral representado, e não a si próprio,precisa escolher, entre os seus actos, os que lhe cabem, como  pessoaes, eos que devem ser attribuidos a outrem. — Berne du Droit Public, 1.111, p.416 sg,; Idem, La Notion depersonalitémorale, p. 62-63. 

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diferentes casos. Com effeito, segando Chironi, quer o f uncciona-rio se ache nas condições de " rappresentama vera o própria " ;quer nas de simples "rappresentama in genere" 93, a sua relação

é, em certos casos, a do mandato, e em outros, a da locação deserviços; mas, em qualquer kypothese, tratando-se de res-ponsabilidade pelas culpas de seus representantes, o Estado tema figura de committente, e os seus funccionarios a de  prepostos(commessi), que agem dentro dos limites das attribuições quelhes foram conferidas.... 94

 

Não obstante o valor da autoridade, que assim o affirma, ede outras não menos valiosas nos domínios da sciencia jurídica,'—não nos podemos submetter; porque a lição da theoria não

confere com a verdade do facto. As relações do mandato e da lo-cação de serviços, consagrados no direito privado, não bastam,certamente, para explicar a relação jurídica especial que se dáentre o Estado e o funccionario. E' uma relação sui generis; epor isto mesmo requer um instituto, que lhe seja peculiar; e este,segundo ficou demonstrado, é o da representação. 

58 d.—A vantagem de particularisar a figura da repre-sentação, como instituto especial, é manifesta. Cessariam no todoas incertezas, que a applicação analógica de outros institutos(mandato, commissão, etc.) acarreta inevitavelmente, no examee solução dos casos differentes; porquanto, uma vez bem defi-nido e comprehendido o conceito da relação, que se dá entre orepresentante e o representado-pessoa jurídica; isto é, firmada aregra, de que todos os actos do primeiro são de considerar actosdo segundo, desappareceria também a necessidade de 

81 Chironi, Colpa Contrattuale, ns. 210 sg. e 227. Hic, à pagina 148,

se disse, quando se dá uma e outra dessas representações. 94 Como se vio, Meucci professa ignal dootrina. - Diritto Atninistrativo,p. 264 sg.;-Hic, p. 189. 

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indagação previa da culpa, fonte sabida das maiores dificulda-des. Os factos lícitos ou illicitos dos representantes são actosdo representado, eis a regra geral. Dir-se-ha, que ba nisto uma

ficção, mas, como bem se advertira, é uma ficção que está narepresentação ; e nem essa se dá realmente, si se pensar que, oattribuir ao representado a acção do representante, como tal, êa explicação do conceito jurídico, que se contém no instituto,affirmativo da possibilidade jurídica de querer, de modo, que avontade própria seja juridicamente a vontade de outrem.95

 

Trata-se de uma construcção, aliás admittida com relação& responsabilidade das pessoas jurídicas em geral; conseguinte-mente, também applicavel ao Estado, no caso, em que lhe devacaber a responsabilidade civil pelos actos de seus representantes.A circumstancia de os funccionarios terem funcções e poderesdifferentes, nada impede que todos elles sejam representantesdo Estado nos limites dos seus cargos ou attribuições.96

 

A representação, encabeçada no funccionario, é em tudoanáloga, quasi idêntica, à que compete ao tutor, curador eoutros representantes de caracter semelhante, ainda que diffe-rençavel nos modos de exercício, ou nos poderes, faculdades eprivilégios, maiores ou menores, segundo a qualidade do repre-sentante ; porquanto aquellas espécies de representação resul-

tam, como a da pessoa jurídica, não da vontade exclusiva dorepresentado, mas como necessidade, das condições particula-res da pessoa deste, sob a sancção immediata da lei.  

Finalmente, desde que o acto do funccionario ou repre-sentante do Estado é como si fora acto do próprio Estado, ficatambém assim determinado, de maneira concludente, o elementosubjectivo da responsabilidade do ultimo pelas lesões resultan-tes dos actos do primeiro. 

w

Chironi, Colpa Extracontrattuále, n.236. Torino, 1903.86

 Chironi, loe. cit. —Cf. Windscheid, ob. oit., §§ 73-74. 

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Resta-nos, agora, tratar do segundo elemento (dementoobjectivo) de dita responsabilidade. 

I 58 e.— O objecto da lesão deve ser um direito individual, naverdadeira significação desse vocábulo; um simples interesse, ou,mesmo, o chamado direito cm espectaiiva, embora realmenteprejudicado por actos da administração publica, não pode con-stituir o objecto em questão. 

Nem sempre será fácil affirmar, que um acto do poderpublico ou do funccionario seja uma violação indiscutível dodireito individual; mas o critério no caso não deve ser outro,senão, o da existência de um direito objectivo adquirido, e, como

tal, reconhecido na lei vigente. Quer dizer, como direito adqui-rido só pode ser entendido aquelle, cujo sujeito possa fazel-ovaler ou reparar por um remédio legal, também existente.97

 

Isto posto, entramos, desde já, no ponto principal da con-trovérsia, a saber: si, dada a violação de um direito individual,verdadeiramente assim considerado, este só facto basta paraconstituir o segundo elemento concorrente da responsabilidadecivil, independentemente da condição de culpa, aliás, declaradanecessária, segundo os princípios do direito privado.  

Certo, o critério determinante da responsabilidade em di-reito privado consiste na condição de o individuo haver agido  fora da esphera do próprio direito: "qui suo jure utitur neminiinjuriam facere videtur";—donde a distincção conhecida entredamno jurídico e damno material. 

Semelhante critério, porém, não duvidaríamos antecipar,não pode ser applicavel aos actos da administração publica; por-que os motivos, que levam a indemnisar os damnos provenientesde taes actos, se derivam de outras fontes, como por exemplo,das razões de equilíbrio social do bem estar commum, e que  

97Chironi, ob. cit., n. 231. 

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se. não podem, de modo algum, coordenar nessa distincção dodireito civil entre damno material e damno jurídico.98

 

Não é que, considerando-se este, como damno resarcivel, e

aquelle, como não-resarcivel, diz Vacchelli, também não possahaver, pelo que respeita aos actos da administração, um damno jurídico e um damno material; mas uma tal separação se deve-ria fazer segundo critérios totalmente differentes. Desde que nodamno, praticado pelo representante do Estado, não é essencialverificar si aquelle agira, ou não, dentro da esphera do direito,para então decidir da responsabilidade, por ventura, cadentesobre o Estado, deixam de ter applicação ao mesmo as disposi-ções relativas à culpa e ao dolo, e que formam, por assim dizer,

o esqueleto da responsabilidade civil ordinária. De facto, accres-centa o citado autor, as indagações sobre as condições da volun-tariedade do facto e sobre a conformidade da vontade com a leitornam-se accessorias, quando a razão da responsabilidade seorigina de um principio objectivo, isto é, da existência do damno,o qual, por motivos de equilibrio e de justiça distribuitiva, semostre, realmente, digno de ser reparado." 

A voluntariedade, ou melhor dizendo, a relação de causali-dade, que liga o acto da administração á consequência determi-nante do damno, pôde servir, talvez, para distinguir a respon-

sabilidade própria, da imprópria; mas é no todo evidente, queo motivo especifico da indemnisação não reside nesta condição.Oonseguintemente, é licito repetir que, emquanto a responsabi-lidade ordinária procede potencialmente das condições subjecti-vas do agente e estende-se depois, mais ou menos, às segundasdas condições (objectivas) do damno, efectivamente causado; aresponsabilidade civil da administração publica ou Estado, pelo 

88 Vacchelli, La responsabilitâ civile delia pubblica amminitirazione, p.

150 seg. — Milano, 1892.99

Loo. eit., p. 152. 

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contrario, parte das condições objectivas do damno, e chega in-directamente às condições subjectivas da responsabilidade o aimputabilidade. 10° De modo que, segundo as razões expostas, e

pela analogia que se observa entre a responsabilidade admi-nistrativa e a funcção reparatória, se podia dizer que a indem-nisação, por parte da administração pnblica, também se dá, semo concurso da voluntariedade, e pela só condição de haver umdamno verificado ; ao passo que a vontade e a consciência dofacto são condições necessárias, para que se possa cogitar deindemnisação na responsabilidade de direito commum. Sendo,portanto, igualmente de concluir que, emquanto na responsa-bilidade civil ordinária a base, que prevalece, é de força sub-

 jectiva; ao envéz, na responsabilidade civil especifica da admi-nistração publica ou do Estado, o que prepondera, é o caracterobjectivo da mesma responsabilidade.101

 

— Tal, é o modo, claro, lógico, e preciso, pelo qual Vac-chelli encara a questão da responsabilidade do Estado: o seuponto de partida é, como se deduz da sua exposição, a causali-dade do acto, e não a culpabilidade, ainda que esta ultima possaconcorrer com a primeira em differentes casos. 

Por nossa parte, acceitamos esta doutrina, como ensina-

mento de toda razão e justiça na matéria. 

58 f.— Nem de outro modo, ajuntámos nós, se poderia co-gitar seriamente de uma responsabilidade civil do Estado, affir-mada com o valor de um principio jurídico. Ninguém ignora queo Estado pelos amplos poderes, de que é institucionalmente re-vestido em attençâo á diversidade dos próprios fins, pôde lesaros direitos dos indivíduos, não só, por actos exorbitantes dasnormas legaes, mas ainda, sabidamente, se conservando dentro 

i°o Loo. cit, p. 153. 101 Ibidem. 

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delias, ou mesmo, procedendo rigorosamente de accordo ou emcumprimento das próprias leis... Mas, sô porque as lesões dasegunda espécie são provenientes de actos legítimos ou prati-

cados sem culpa, isto deverá importar para o Estado a não-obrigação absoluta de indemnisar taes lesões? Não pôde ser;seria violar abertamente a regra fundamental da justiça. 

E porque sustentar essa theoria em principio, como tantosoutros tem feito, quando ella é a todo momento repudiada, cadavez mais, pelos exemplos frequentes da pratica? O Estado, seja-nos licito repetir, não lesa somente os direitos dos indivíduos,por meio de actos illegaes ou illicites dos seus representantes ;elle os pôde lesar igualmente no exercício de inteira legalidade:a) quando pratica desapropriações por utilidade publica; b)quando adopta e executa medidas, as mais legitimas, desegurança publica, defesa sanitária, e semelhantes; c) quandoordena a detenção de indivíduos suspeitos de crimes; á) quandoordena a apprehensão ou sequestro de bens ou valores, e os fazguardar em depósitos públicos ou particulares; e) quando fazexecutar obras publicas necessárias aos seus fins diversos ; etc,etc. Ora, não é preciso insistir que, destes e de outros] actossemelhantes, se pôde originar lesões, as vezes gravíssimas. dosdireitos individuaes. Mas, si para que recaia sobre o Estado a

obrigação de reparai-as, fosse sempre necessária a condiçãoconcorrente da illegalidade do acto ou de uma culpa subjectiva;melhor fora declarar, desde logo. a não-possibilidade dessa obri-gação. .. 

Ainda que fundando-se em razão differente, a dizer, que oEstado, sendo uma pura abstracção, não pode estar em culpa,L. Duguit afflrma entretanto, que no direito moderno não hacorrespondência exacta entre a responsabilidade civil e a culpa,exprimindo-se, a esse propósito, pela maneira seguinte: I 

« La theorie de la responsabUité ttmcl de plus en plus á seresumer en cette proposition: lorsqu'un acte, accompli en vie du 

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but auquel est affecté nn certain patrimoine, produit une di-minution de valenr dana nn antre patrimoine, 1'équilibre doit êtrerétabli, le patrimoine affecté au but en vue dnquel 1'acte étaitaccompli, doit snpporter une diminntion equivalente à celle que1'acte a occasionée à 1'autre patrimoine, et celui-ci doit recevoirle montant de cette diminntion. Aínsi la notion\ de faute personnelle disparait peu â peu du domaine de la re-sponsabilité civile, pour faire place aux notions du but e de risque... Nousn'avons point à rechercher dans quel cas 1'Etat est responsable.Mais, snpposé qu'il soit responsable, la cause de cetteresponsabilité ne peut' être une faute. Toutes les contro-verses,que se sont élevées sur le point de savoir si les fautes commisespor les agents de l'Etat peuvent être considerées comme fautes de1'Etat, toutes les theories qni veulent distinguer suivant que lafaute est commise parun organe ou préposé, et, | suivant les cas,parlent d'une responsabilité directe ou d'une responsabilitéindirecte de 1'Etat, sont sans objet et sans por-tée. II n'y a paslieu non pias de distinguer, comme on le fait cependant á peuprés unanimement, les cas ou, aucune faute n'étant commise, lesagents del'Etat ont agit réguliérement dans les limites de leurcompétence, et ceux oú une faute a été commise par un agent. Si1'Etat est responsable, le fondement de cette responsabilité doitêtre toujours le même; il ne peut être que celui-ci: lorsqu' unacte, accompli en voe du but que poursuit 1'Etat et auquel sontaftectés les biens composant ce qu'on appelle le patrimoine de1'Etat, produit pour une cause quelconqne une diminution dansla valeur d'un patrimoine affecté á nn but individuei, il fant quecette diminntion soit réparée sur le patrimoine de 1'Etat. Cetteidée générale recevra forcément, dans 1' application, une serieindefínie de va-riations; mais elle forme toujours le príncipeessentiel sur lequel doit réposer la responsabilité de 1'Etat. IIserait facile de montrer que les décisions de la loi et delajurisprudence françaises se conforment de plns en plus ã cetteconception.102

 

I 58 g.—Nesta breve transcrípção se contém realmente todaverdade sobre a questão no seu actual momento. Delia se vê  

102 L. Dugn.it, L'Etat, les gouvernenants et les agents, p. 635.-36. —

Paris, 1903. Cf. Saleilles,   Les accidents de travou, et la responsabilité civile. — 1897 : Bonnier, — ISevolutimi de Vidée de responsabilité', —1898;Hauriou, Droit Administratif (edic. de 1900), etc, ete. 

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que, em se tratando da responsabilidade civil do Estado ou deoutra qualquer administração publica, a lesão do direito objectivo, devidamente verificada, pode ser admittida, como razão

determinante de dita responsabilidade, sem indagar  previamenteda condição concorrente de illegalidade ou de culpa por partedo respectivo agente.  I 

I Esta tkeoria, que cada dia mais prepondera, é a única capazde offerecer razão ou argumento, sobre o qual se possa apoiar aacção extraordinariamente crescente do Estado moderno, sem, porisso, serem sacrificados os direitos dos indivíduos particulares .  

Não se nega, que a culpa do agente deva concorrer em de*terminadas espécies, como elemento indispensável, para ter logara responsabilidade civil. O que combatemos, e por certo nãoadmittimos, é, que a culpa seja sempre condição necessária,para que se possa cogitar da responsabilidade civil do Estado.No mais, somos dos primeiros a reconhecer, não só, que ha actospositivos dos funccionarios, que só serão susceptíveis de respon-sabilidade, havendo culpa por parte dos mesmos, como notada-mente,— que, nos casos de omissão, si não se provar uma culpaconcorrente do funccionario, semelhante responsabilidade de-vera ser totalmente excluída. 

Quando se tem entre os olhos um acto positivo, dos pró-

prios e tf eitos deste se verifica, si houve realmente a violação deum direito individuai, e de nada mais ha mister, para examinaro caso e apurar de lie a responsabilidade do agente, que o pra-ticou, directamente por si ou por intermédio de outrem. 

Na omissão, porém, a cousa é sabidamente diversa. Nãoha uma violação positiva por meio de acto ou facto ; ao contra-rio, ha a ausência destes- Daqui a necessidade de adoptar cri*terio differente na averiguação da responsabilidade, que por-ventura exista, quanto ã supposta ou allegada lesão do alheiodireito. E esse critério, outro não poderia ser, senão, a prova 

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de negligencia ou de culpa na omissão do acto, que devia serpraticado, isto é, o Estado só deve responder pelo damno alle-gado em caso de omissão, quando se houver verificado que a

omissão do seu representante fora proposital, culposa ou dolosa. Bem se com prebende, sem haver mister de dar a demon-

stração, que, si assim não fora, o Estado ver-se-hia obrigado aresponder por tudo quanto os seus representantes deixassem deattender na esphera das suas attribuiçoes, si cada individuoentendesse ou pretextasse, que dahi proviera uma lesão oudamno aos seus direitos... 

Mas basta suppol-o, para regeitar, desde logo, como impra-ticável ou absurdo! 

Concluindo, pois, aqui a primeira das questões que nospropuzemos (p. 266), podemos dizer: o fundamento jurídico daresponsabilidade assenta: primeiro, na causalidade, e não, naculpabilidade; depoÍ3, na lesão effectiva de um direito, realmenteadquirido. 

A causalidade tem a sua explicação natural e fácil no prin-cipio da representação, segundo a qual, o Estado é a causa efi-ciente do acto lesivo, por tel-o querido e praticado pelo seu func-cionario ou representante. 

Quanto ao direito lesado, cumpre apenas indagar, si, nascircumstancias do caso, o mesmo direito não se achava porven-tura sujeito ao  precário de poder ser desattendido ou violado, justificadamente, pelo representante do Estado. Em relação aeste particular, teremos de dizer na ultima parte deste capitulo. 

 jj  II.—DIREITO REGULADOR DA MATÉRIA 

59. — Longa e persistente tem sido, e continua a ser, a

discussão entre os doutos sobre o ponto especial de saber, qualo direito que deve reger a matéria da responsabilidade civil da 

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administração publica ou Estado, pelos actos lesivos dos seusfunccionarios: si o direito privado ou commum, si o direito publico,cada um delles de maneira exclusiva; ou si ambos con-junctamente,

e em que casos e condições determinantes. Procuraremos dizer, apenas, o indispensável a esse respeito,

evitando, o mais possivel, os numerosissimos meandros dacontrovérsia. 

Uma vez admittida, em principio, a responsabilidade civilpelos damnos resultantes das funcções publicas, ê no direito pri-vado ou commum, que se tem ido, de preferencia, buscar o textoexpresso ou a sua applicaçâo analógica, para servir de sancção aobrigação de indemnisar, recadente sobre o agente, directo ou

indirecto, do acto damnificante. Trata-se de uma verdade de facto,attestada pela jurisprudência dos diversos Estados, e que será fácilde verificar da lição de autores da maior competência. 108

 

59 a.— Partindo da natureza exclusiva do facto, o damno(ãamnwm injuria datum ou damnum ahsque injuria datum), e semcogitar da qualidade ou condições especiaes, que concorram no seuagente, como succede com o funccionario publico, 

103

Bonasi, ob. cit., ns. 25 sg.— Vacchelli, ob. cit., p. 96-99. Este ultimo autor faz uma indagação retrospectiva sobre o que sedeve entender por direito commum; concluindo que o mesmo comprehende,tanto o direito publico, como o direito privado, e isto, diz elle, se da notada-mente na legislação francesa, italiana, belga, sueca, hollandeza e ingleza.Não omittira, porém, que, na pratica, na doutrina e na jurisprudência ho-dierna, se da á essa palavra um significado incerto e indefinido, algunsconfundindo-o com o direito civil, outros com o complexo da legislação vi-gente, e ainda alguns com as normas geraes do direito e com os princípiosda equidade. (Loc. cit., p. 57-72). No presente trabalho a expressão, direitocommum, é empregada na sua accepç&o, mais usual, como synonymo dedireito  privado ou civil, incluindo neste, não só, a legislação codificada,como, a não codificada desta natureza. 

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afirmam alguns, que a questão da responsabilidade civil nãopode deixar de pertencer á esphera do direito privado, ao qualcompete, verdadeiramente, não só, definir odamno, mas ainda

 juntamente, regular-lhe os effeítos, quaesquer que sejam os seuscasos ou espécies differentes.10* 

Não se pode dizer, que esta affirmação careça, no todo, derazão ou fundamento.  I 

Mas, com o aprofundar os elementos, que caracterisam e de-terminam as funcções publicas para, desfarte, melhor conhecer e  julgar das relações existentes entre o Estado e os seus funccio-narios, e entre estes e os indivíduos particulares, surgira muitonaturalmente a duvida,— si o direito privado é, com effeito,

próprio ou capaz de reger taes relações, offereeendo, por si só, asancção conveniente para todas as consequências jurídicas,delias resultantes. Áos olhos da critica não podia, certamente,escapar que, na decisão da matéria, não basta attender ao factodo damno em si, feito com ou sem culpa, segundo se observa nosactos de individuo á individuo; mas que é mister verificar aomesmo tempo, si o acto arguido, tendo por agente o Estado ouum funccionario deste, deve ou pode ser legitimamente 'reguladopelas disposições exclusivas do direito privado, como succede

com os actos dos demais sujeitos desse direito. A importânciada duvida se impõe por si mesma; e dahi o interesse, com que oscompetentes se tem proposto elucidai-a. 11 — Entre os quepretendem, que a questão pertence, por completo, ao domínio dodireito privado, e os que consideram inadmissível ou menoscorrecto, sujeitar o Estado ao domínio desse direito, appareceranm grupo de*permeio, o qual, distinguindo os actos do Estadoem duas categorias, — actos susceptíveis de responsabilidade, eactos não-susceptiveis de respon- 

104 Vide: Bonasi, loc. eit., ns. 148 sg., 181 8g., 187 sg. — Vacchelli,loc. cit., p. 98-99. 

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sabilidade, se suppôz na posse da verdadeira solução, - - decla-rando os primeiros, inteiramente regulados pelo direito privado,e os segundos, pertencentes à esphera exclusiva do direito pu-

blico. Esta tbeoria, ainda que ora considerada sob aspecto oufim differente, é a mesma, que distingue os actos públicos, emactos de gestão e actos de império, e da qual já se fez a devidamenção em outra parte. Subsistem, portanto, contra ella asmesmas objecções já adduzidas, sem a necessidade de as repetirneste lugar.106

 

Loening preopinando, como já vimos, que se deve distin-guir, entre a responsabilidade do Estado pelos actos e omissõesillegaes dos seus funccionarios, como representantes do Fisco,commettidas nas relações puramente de direito privado, — e aresponsabilidade do Estado pelos actos e omissões illegaes dosseus funccionarios, commettidas no exercício do poder publicocontra os súbditos do Estado (gegen die der Staatsgewált TJn-terworfenen), —ajuntara, ao mesmo tempo: que o Estado, comoFisco, estando sujeito â autoridade do direito privado, é, se-gundo os princípios deste direito, que cumpre determinar,— si,e até onde—deve aquelle responder pelos seus funccionarios ;e que do mesmo modo, é nos princípios do direito publico (nachOrundsàtzen des Staatsrechts), que se deve indagar, si o Estado

responde igualmente pelos seus funccionarios, quando estes le-sam aos mesmos súbditos, usando ou excercendo, por modo ille-gal, os direitos de poder publico.106

 

Mas, si acompanharmos ao autor citado na própria apre-ciação dos factos, que devem ser decididos segundo as regrasde um ou outro desses direitos, chegaremos à convicção, de que  

105 Vide: Vacchelli, loc. oit., p. 111-112. Este autor indica os erros e|as consequências desastrosas dessa doutrina na jurisprudência italiana. 

106Loening, Die Haftung des Staats, p. 51-53 sg. e p. 93. Cf. OttoMayer, ob. oit., § 53. 

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»*   — 288 — 1 

ambos elles carecem, ao menos por ora, de disposições, <$u|iv-possam ser applicadas, com precisão e conveniência, aos casosdiversos de responsabilidade, porventura, proveniente doa refe-jridos factos. Emquanto de um lado, o direito privado, pelo seudestino próprio e limitado, que é o de reger as relações dos ind divi duos particulares, só por isso, não pode satisfazer, por com-pleto, aos casos em que taes relações se dão entre elles e as pes-soas do direito publico, como é o Estado, mesmo sob o aspectode Fisco, visto a não-identidade das condições; de outro lado, odireito publico, qual tem sido até agora comprehendido e  for-mulado, 107 carece, sabidamente, de normas precisas, oapazes de

resguardar os direitos dos particulares nos numerosos actos depoder publico, que os podem lesar, mas, sem ao mesmo tempoenfraquecerem ou prejudicarem a energia e extensão do mesmopoder, exigidas pelos interesses da causa publica nas variadís-simas circumstancias da vida social. 

59 b.—Ainda, pelo que respeita, em particular, ao direitoprivado, mesmo suppondo que as suas disposições fossem bas-tantes e inteiramente applicaveis ás responsabilidades diversas

da administração publica patrimonial (Fisco), e ás relações pro-venientes de contracto ou quasi contracto, ainda assim, não émenos certo, que taes disposições seriam no todo insuficientes,em se tratando de actos extra-contractuaes, a dizer, dos actosillicitos dos funccionarios do Estado.108

 

Basta attender, que o fundamento da responsabilidade pordireito commum, resultante do damno, é um presupposto daigualdade do direito; partindo, conseguintemente, do principio, 

107 O direito publico, em grande parte, e considerado deorigem recente,

e ainda incerto em alguns dos seus pontos.— Vacchelli, loc. cit., p. 98. 103 Como se terá notado, a mor parte dos autores, ao tratar da res-ponsabilidade civil, se occupam, de preferencia ou exclusivamente, da res-ponsabilidade proveniente dos actos illegaes ou illicitos. 

ii

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que cada um é obrigado a reparar quanto de prejuízo causar &outrem com o facto próprio. Donde os dons grandes postulados

desta theoria: um relativa á razão subjectiva de exigir a com-pensação do damno sofrido; o outro, determinante da origemdo critério na avaliação do damno de maneira correspondente.— Ou enunciando o mesmo pensamento em termos mais claros:para que um damno possa constituir responsabilidade civil emdireito commum, é necessário que concorram estes requisitos:1) imputabilidade por dolo ou culpa no agente, isto é, exercícioda actividade deste fora do circulo legal das suas funcções (é oque se indica pela formula usual de acto illieito); 2) uma lesãoeffectiva naquelle que pretende haver soffrido o damno. Dadasestas condições, se tem a verdadeira responsabilidade civil,segundo o direito commum; faltando, porém, uma delias, se terá,ao envéz, uma responsabilidade civil anormal, isto é, fundadaem outros critérios.109

 

Ora, não é preciso repetir ou demonstrar no momento, quenas relações entre o Estado e os indivíduos particulares, nem élicito pretender, como condição sempre existente, a da igualdadedo direito, nem tão pouco, que o Estado ou os funccionariosdeste, sô por se conservarem no circulo legitimo das suas attri-

buições, não possam, por isto, causar lesões positivas aos direitosindividuaes. Os factos se encarregam de comprovar o contrario,—mesmo deixando fora da nossa consideração actual o requisitoda culpa, tido como essencial á responsabilidade civil no direitocommum ou privado. 

Alem disto, como se poderia suppor matéria de direito pri-vado, o verificar si os funccionarios, nos actos arguidos, pro-cederam, ou não, dentro dos limites do seu poder, autoridadeou jurisdicção, ou na forma declarada nas leis especiaes, ou 

09 Vacchelli, lòc. oit., p. 100-102.19  R. c. 

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ainda, em obediência âs ordens ou instrucções recebidas dosseus superiores hierarchicos ? 

Referindo-se á deficiência manifesta do direito commum

neste ponto em particular, Vacclielli insistira: Examinando ofacto da administração publica, quando esta opera nos limitesdas próprias attribuições, e confrontando-o com os requisitos daresponsabilidade civil ordinária, não será difficil evidenciar, quenelle falta absolutamente, não já, o principio da im-putabilidadeou do damno effectivo, pelo qual se dão, todavia, exemplos deresponsabilidades anormaes, mas também ainda, um outro emais importante elemento, isto é, o do facto Ulicito, queremosdizer, do acto effectuado fora do exercício dos poderes próprios.

A menos que o facto não seja assimilável á uma pura relação dedireito privado, ha ausência absoluta deste segundo requisito;podendo-se affirmar, como regra, que, sempre que aadministração usa de seus poderes discricionaes, deixa de existira razão de responsabilidade segundo o direito commum.110E dahi,os resultados dissatisfactorios, a que se tem chegado : ou aconclusão lógica, mas injusta, da irresponsabilidade do Estadopor taes actos, como pretendem fazer Gabba, Mantellini eoutros; ou a animação theorica de dita responsabilidade, mas

sem se poder precisar o cânon jurídico da sua sancção, como seapura das idéas sustentadas por Bonasi, Meucci, Giorgio eoutros m, relativamente aos actos alludidos. 

Por ultimo, não precisa relembrar que, para sujeitar a acçãoou omissão do funccionario publico ás regras do direito privado,seria mister vêr nelle o mandatário, o  preposio (institor), ou olocador de serviços, segundo os princípios que regulam taesinstitutos neste direito; cousa difficilima, senão, impossível, 

110 Loe. cit. 111 Loc. cit., p. 103. 

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por não se verificarem, entre o Estado e o funccionario, asmesmas ou idênticas relações que se dão entre o mandante e omandatário, e entre o ãominus negotii e o seu  preposto, como

tantas vezes se tem demonstrado. Não desconhecemos com certeza a objecção de que, si ditas

relações não correspondem ás dos institutos indicados do direitoprivado, ficarão,neste caso, sem assento em direito positivo...Mas a objecção não procede inteiramente. A relação especificaentre Estado e funccionario se explica, como já se disse, pelafigura da representação, tomada no seu sentido próprio ou re-stricto (p. 272), e não se pôde negar que esta, considerada comogénero, já é um instituto consagrado no direito positivo, publicoe privado.— "Representar" éa expressão jurídica, geralmenterecebida para significar que alguém age em nome de outrem.O que resta, pois, a fazer, não é trabalho difficil. Seria simples-mente declarar, por disposições expressas, o caracter e a signi-ficação especial do instituto da representação, relativamente áspessoas jurídicas e â outras, incapazes de manifestar, por simesmas, a própria vontade. Não ê preciso lembrar, que a juris-prudência já assim tem feito e continua a fazel-o nos conside-randos de suas decisões, isto é, applicando aos casos sujeitosos princípios análogos da representação, no seu sentido geral

ou ordinário; e quando estes não tem base apparente nos textospositivos, ella applica-os, mesmo, ev equo et bono, para o fim deamparar os direitos individuaes contra os actos arbitrários elesivos das autoridades do Estado.11'2 

112 Não se ignora, que a responsabilidade civil extra-contractual, pro-veniente dos actos de funceionarios, tem sido reconhecida pela jurispru-dência da França e Itália, de accôrdo com as disposições do direito privado(arts. 1384 do código civil francez e 1151 do código civil italiano); aindaque não precisamos aoorescentar, — quanto incerta, inorgânica e duvidosa

se tem mostrado essa jurisprudência, simplesmente fundada por analogianas disposições alludidas!... 

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60.—Verificado, que nos princípios do direito privado so-mente, não se encontra sancção própria, adequada, para resolversobre os actos lesivos do Estado, mesmo quando fosse admissível

a distincção dos mesmos, em actos de natureza privada (degestão) e actos de autoridade ou poder publico (de império);passemos a examinar do mesmo modo, si o direito publico actualseria capaz de fornecer normas mais certas ou mais ajustadas aoproblema da responsabilidade civil do Estado sobre os actos, quese passam dentro da sua esphera em particular.  

Debaixo do ponto de vista, que nos occupa, direito publicoé synonymo de direito do Estado (direito publico, strictosenm).m  Portanto, para bem elucidar a questão da responsabi-

lidade civil do Estado, não será descabido relembrar, muito em-bora por um simples lançar de vista, o que seja Estado. Grandeassociação natural, necessária, composta de innumeros indiví-duos, que formam igualmente múltiplas associações menores aoseio delia, o Estado, não obstante servir-se dos indivíduos oudessas outras associações, como seus membros, órgãos ou re-presentantes ; todavia, se manifesta, como entidade collectivadistincta, com autoridade sobre todos elles, e com fancção ouvida, sua própria; ao mesmo tempo, que todos os indivíduos ou

associações particulares, que o compõem e lhe servem de mem-bros ou representantes, subsistem junta e simultaneamente,como sujeitos de direitos próprios, independentes do Estado. 

Cumpre ao direito dar as normas, que devem reger o com-plexo de relações dessas differentes entidades, constituindo umsó todo, mas, realmente, diferençáveis, umas das outras, eautónomas nas espheras jurídicas, que lhes são peculiares. 

Consagrando, como se sabe, a igualdade de direito dos in-divíduos particulares, o direito commum ou privado se propõe 

113M. Hauriou, Precis de droit administratif, " Avertissement", XIIParis, 1893. 

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regular as relações existentes entre os mesmos, e o faz semduvida de maneira, que se considera satisfactoria, no estadoactual da nossa evolução jurídica. Ha, porém, a considerar os

dous outros lados, que a associação-Estado nos revela, a dizer:o das relações do Estado com os individuos, seus próprios repre-sentantes; e o das relações do Estado com os individuos, sujei-tos distinctos de direitos, em confronto com direitos ou poderesdo próprio Estado. Pertence à esta ordem dupla de relações osactos do Estado, dos quaes lhe pode provir uma responsabilidadecivil, quando forem, por ventura, lesivos de direitos individuaes. 

Mas, assim delimitado o terreno, dentro do qual se tem dedar a alludida responsabilidade, jà não fora licito confundil-ana mesma categoria da responsabilidade civil ordinária do di-reito commum, como se disse; e nem tão pouco, bastará consi-deral-a, como uma espécie anormal dessa responsabilidade, cara-cterizada, analogicamente, pelos princípios do referido direito,como se tem feito, ou insinuado frequentemente. Não, por certo.Os phenomenos jurídicos e os factos constantes, que occorremnas relações indicadas são de natureza e índole tão especificas,que reclamam um critério próprio, e organicamente coordenadode modo a poder dar origem à institutos autónomos.114 Portanto,si debalde, se procura encontrar a satisfação desta necessidade

  jurídica no cânon do direito commum, diz Vacchelli, cumpreproseguir de indagação em indagação; porque a solução doproblema se ha de achar com certeza nos princípios ou dis-posições geraes, sobre as quaes assentam os dous ramos maioresdo direito, a dizer, o direito publico e o direito privado. 

Fallando, no momento, do direito publico, a parte deste, quese refere, de maneira mais directa, ás relações do Estado comos individuos, é, segundo as constituições dos Estados livresmodernos, a que geralmente se intitula: "garantias consti- 

114 Vacchelli, ob. oit., p. 128. 

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tucionaes", ou " declaração de direitos ". São tkeses ou prin-cípios geraes, muitas vezes, incompletos nos seus dizeres; mas,em cuja conformidade cabe ao poder publico agir, afim de que os

seus actos, qualquer que seja a superioridade de intuito, resal-vem sempre os direitos dos indivíduos, a quem possam attingirou interessar. A dificuldade está no harmonisar, em dados casos,o exercício do poder publico ou a acção soberana do Estado,motivada pelo interesse geral collectivo, com a tutela igualmentedevida ao direito individual, de modo que, nem aquella sejaobstada, entorpecida na sua energia e efficàcia, nem este, lesadoou sacrificado sem que, pelo menos, assista ao seu titular umremédio legal para obter a reparação devida. E não basta que

esta segunda exigência se limite a um simples postulado de jus-tiça; é preciso haver uma sancção positiva de direito, que assimo declare e affirme, em relação aos casos occorrentes.  

Onde, porém, encontrai-a no corpo do direito publico vi-gente? 

60 a.— Os que admittem a responsabilidade civil, sem irpedir argumentos, deste ou daquelle modo, ao próprio direitoprivado, procuram fundamental-a, de preferencia, na nomeação

do fnnccionario pelo Estado, da qual si, de um lado. resulta odever de obediência ao mesmo por parte dos indivíduos particu-lares, é de justiça que, do outro, resulte também para o Estado odever de garantia aos direitos individuaes, indemnisando-os, nahypothese de serem lesados pelos actos do fnnccionario, seurepresentante. 

Igualmente se tem procurado fundar dita responsabilidadeno fim principal, senão essencial, da existência do Estado, adizer, na sua qualidade de protector dos direitos de todos quan-tos pertencem á collectividade. 

Mas a critica, por sua vez, se tem esforçado para demons-trar que taes fundamentos são irrelevantes, e mais ainda: — 

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que, "nem da idéa do Estado e dos funccionarios em si, nem dade súbditos para com o poder publico, nem finalmente, da próprianecessidade de justiça, procede logicamente a responsabilidade

geral do Estado pelos actos de seus funccionarios".116

 Já em outra parte tivemos ensejo de apreciar o valor destes

e outros argumentos, relativos á questão, e não precisamos maisinsistir no que então fora assentado, como de melhor acerto. Oque importa agora é saber, quaes seriara as disposições po-sitivas, reguladoras da mencionada responsabilidade nos casosdiversos, em que ella tivesse, por ventura, logar conforme osprincípios do direito publico. 

Não é preciso relembrar que no corpo actual deste direitonão se encontram disposições positivas, bastantes, ou capazesde regular tão importante matéria. 

E, por outro lado, pergunta-se: partindo mesmo dos prin~cipios do direito publico, seria licito ir pedir igualmente ásanalogias do direito privado, declaradamente carecedoras da  paritas raiionis, as razões de decidir sobre a responsabilidadecivil do Estado, proveniente de actos, que são aliás de consi-derar inteiramente fora da alçada deste ultimo direito?... 

As lições da jurisprudência acerca deste ponto fundamen-tal deixam vêr que esta, na mór-parte dos Estados, se tem

baseado, conforme já ficou dito, ora nos simples princípios da justiça natural e ora em argumentos tirados, por analogia, dodireito commura, principalmente do direito romano, para,dest'arte. proteger os direitos dos indivíduos contra os actoslesivos do Estado, sob o ponto de vista da indemnisação dosmesmos direitos.116

 

Mas é manifesto, que nada disto satisfaz ao actual momento jurídico. Desde que existem direitos individuaes, certos, indis- 

115

Loening, ob. oit,, p. 134-135 ; Htc, p. 165 sg. 116 Solari, ob. oit., p. 93. 

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outiveis, 09 quaes podem ser lesados pelos actos do Estado, istoé, dos funccionarios, representantes do Estado, é imprescindívelexistir também um complexo de disposições de direito, certas,

firmes, normaes, positivas, que regulem as relações con-cernentes, do mesmo modo, que o direito civil o faz a respeitodos direitos e obrigações dos indivíduos particulares entre si. 

E para co,nseguil-o seria mister: ou integrar o cânon do di-reito privado, incluindo ahi os casos de responsabilidade civildas pessoas do direito publico, mas sob as condições especiaesdesta responsabilidade, certamente distinctas, das condições daculpa subjectiva, exigidas no direito civil actual; ou então, etalvez com maior conveniência e acerto, formular um novo ramo

especial do direito, que viesse regular esta parte importantíssimada ordem jurídica. R E porque não fazel-o? Matéria de tamanha relevância nãopôde, nem deve ficar, no todo, á intelligencia, qnasi sempre varia,dos tribunaes de justiça, queremos dizer, ao ageitamento, feitopor analogia ou interpretação, mais ou menos feliz, das simplesdisposições geraes de direito, como em geral tem acontecido.  

« Al certo sarébe desideràbbile che una legge venisse a regu-lar e símile gravíssima matéria, la cui difficultá non deve esimere

il legislatore dallo affrontarla; allora avrèbbero fine i vivaci ãi-batiti delia scienza e le sconfortanti incertezze delia giurispru-denza » m. 

A este propósito disse Vacchelli : Si a necessidade deaffirmar a preeminência do interesse publico sobre o interesseprivado deve, não obstante, ajustar-se ao fim, também própriodo Estado, de causar aos particulares o menor damno possível ;é lógico deduzir, que as funcções publicas deveriam andaracompanhadas de disposições relativas â responsabilidade pelos 

117D. Solari, La responsabilitã delia pubblica amministrotione,pagi-nas, 107-118.—Cf. Palazzo, ob. cit., p. 49 sg. e 58 sg. 

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damnos e prejuizos, a que podessem dar logar ; razão porquesobreleva repetir, que, dado o systema do direito moderno, énecessário desenvolver um organismo de institutos que regu-

lem a responsabilidade da administração publica. Assim não sefazendo, ou continuará o estado actnal de cousas, a dizer, deuma jurisprudência, que applica semelhante responsabilidadedentro de limites mal seguros e mal definidos, soccorrendo - seaos critérios do direito privado,—ou então, se negara toda res-ponsabilidade por parte da administração, não se podendo daracção contra a mesma, ã falta do substracto indispensável de umdireito fundado era lei.118

 

Com effeito, em vista da experiência crescente dos factos,

 já não ha mais quem desconheça a necessidade de substituir tãolato arbítrio, deixado ã jurisprudência, pela affirmação positivade disposições, que venham regular, de modo certo e explicito,a obrigação do Estado para com os indivíduos, resultante dosactos lesivos dos seus funccionarios, quer ditos actos sejam le*gaes ou illegaes, quer lícitos ou illicitos, isto é, feitos com culpa,ou isentos inteiramente delia. 

60 b.—No entender de alguns, o theor das disposições,que acabamos de declarar necessárias, já existe, ou deve existirno direito administrativo. Porque, si este é, como se ensina, ocomplexo de regras que regem os direitos do Estado quanto áorganisação e funccionamento dos serviços públicos; e si osdireitos do Estado, no seu exercício, se tem de encontrar, ã cadamomento, com os direitos pessoaes e reaes dos cidadãos; nãoseria possível fixar o alcance do direito administrativo, sem, pri-meiro, conhecer os direitos dos cidadãos; do mesmo modo, queserá impossível ter uma idéa exacta dos direitos destes últimos, 

118Vaceheli, ob. oit., p. 183-184. 

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sem saber também quaes os limites, que podem ser legitimamentepostos á acção administrativa.119

 

De nossa parte, nada oppôremos a este medo de vêr sobre a

comprehensão do direito administrativo. Observamos, porém, que o mais importante não é verificar

technicamente, á qual deve caber, de preferencia, si ao direitoadministrativo, ou si ao direito civil, essa parte complementar dodireito positivo, de que ora nos estamos occupando; o que cumpre, é,antes de tudo, satisfazer devidamente ao que se impõe, como umanecessidade ou razão institucional da própria ordem jurídica, isto é:desde que ha um direito lesado, o Estado, como órgão e tutor dodireito, deve também ter uma sancção positiva, sob a qual se

restabeleça o direito offendido, ou, ao menos, se offereça ao seutitular a devida reparação. Esta sancção não se encontra, por certo, noactual direito administrativo, de maneira completa e satisfactoria.110a

 

119Hauriou, loc. cit. 119 a Acceitando-se, porventura, o ensinamento de que no escopo do di-

reito administrativo se coniprehendem todos os institutos jurídicos, por meiodos quaes, o Estado realisa o seu flui primário, a dizer, a tutela do direito ;daquelle escopo deverá fazer parte integrante o complexo de princípios e

disposições que regulam a actividade do Estado, concernente às suasrelações, consideradas de ordem ou de direito commum, taes como:—asque se referem á  propriedade e outros direitos reaes, ás obrigações, ás suc-cessões, á exploração de serviços industriaes, etc, e bem assim, as que, muitoembora não sendo de considerar da esphera do direito commum, (os actosde governo ou de autoridade publica) se mostram, todavia, capazes do lesaros direitos individuaes, "si et in quantum " incidam na hypothese cogitada.—Dizendo mais claro, quanto a este ultimo ponto: os princípios ou dis-posições, relativas aos actos e funcções publicas, quacsquer que sejam,susceptíveis de fazer o Estado responsável por obrigações resultantes : 1)do contractos ou quasi contractos ; 2) de delictos ou quasi-delictos dos seusfunccionarios, de maneira directa ou indirecta, solidaria ou subsidiaria,

segundo os casos e oircumstancias. Vide : Orlando, PrincipH di dirittoamministrat.vo, ns. 14, e 18-24. — Pirenze, 1902. 

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As disposições e princípios, que devem completar o direitopositivo nesta parte, qualquer que seja o titulo, debaixo do qualappareçam, hão de constituir, em nosso pensar, um ramo mixto

do respectivo direito; porque mixta é a natureza das relações deque se trata:  publicas, emquanto se referem ao Estado ou aosíunccionarios, na qualidade de representantes do Estado ; privadas, emquanto se referem ao valor de damnos ou lesões dedireitos, pertencentes a indivíduos privados. 

Nenhuma opposição radical lia, nem podia haver, entre odireito publico e o direito privado, que obste á que princípios edisposições, explicitas ou implícitas, de um e de outro, se com-binem, se harmonisem, ou se completem reciprocamente, con-stituindo um ramo especial do direito, que regule, dentro dedomínio próprio, estas relações jurídicas de natureza manifesta-mente mixta, que se dão entre o Estado e os indivíduos, quantoas lesões causadas peio primeiro aos direitos dos segundos. Pelocontrario, a melhor presumpção é, que semelhante direito es-pecial jà deve existir, muito embora ainda esparso-, — nostextos do direito civil ou commum, — nas garantias constitu-cionaes ou princípios do direito publico,—em leis administra-tivas especiaes, ou mesmo, — nos costumes, e nas máximas ge-raes, consagradas na pratica do direito e da justiça. 

E é, sem duvida, em virtude desta sua existência, reco-nhecida na consciência jurídica da communhão social, que oslesados pelos representantes do Estado se tem apresentado aostribunaes pedindo a justa reparação de seus direitos, e estes osattendem, fundando-se em disposições, expressas, ou não, dodireito vigente. Suppor, doutro modo, a ausência completa dedireito positivo nos seus julgamentos, seria emprestar aos tri-bunaes a faculdade, discricionária e  perigosa, de crear a leipara os casos sujeitos, usurpando as funcções do legislador... 

Urge, porém, coordenal-o, corporifical-o de modo claro, nassuas normas e condições próprias. 

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E si esta falta se torna sensível nos Estados, nos quaes,como succedeno Brazil, os próprios tribunaes judiciários podem julgar das lesões de direitos individuaes, invocando directamente

os textos do direito publico, fácil é suppor, que muito maior seráo seu inconveniente, em se tratando de Estados, nos quaes uma jurisdicção contenciosa administrativa disputa, parallelamente ao judiciário, o direito de conhecer e decidir, de preferencia, sobreos actos diversos do Governo e da administração publica. 

Na verdade, assim como o direito judiciário, se destacandodo tronco commum, passou a constituir um ramo de direito in-dependente, assim também se podia agora fazei-o, — ou crean-do-se o direito administrativo civil (titulo já indicado por certos

autores), ou completando nesta parte o campo de attribui-ção dodireito administrativo actual, para bem corresponder ao objecto efim importantíssimo que lhe é assignalado, conforme os votos dosmais autorisados cultores da sciencia do direito. 12° 

Neste ramo ou parte especial do direito, cuja organizaçãose patenteia cada dia mais urgente, em vista da interferência,sempre crescente, do Estado moderno na ordem social, não épreciso dizer, — se devera começar por bem definir, não só, oinstituto especial da representação, que caracterisa a relação

existente entre o Estado e os seus funccionarios, na sua naturezae effeitos jurídicos, —mas juntamente, as condições normaes,segundo as quaes, uma lesão objectiva dos direitos individuaesseja capaz de crear a responsabilidade civil do Estado; não,partindo-se da necessidade da culpa subjectiva somente, mas,preferentemente, da causalidade do acto, como melhor convémá natureza especifica do serviço publico e do respectivo agente.  

ião Meuecichama-lhe — direito civil especial (ob. cit., p. 185 sg); Pa-

lazzo,—jus singulare (ob. cit., p. 74,76 sg); Ugo Porte,—diritto civile amminis-trativo, "che attende ancora la sua codifloazione giusta i voti pia aotorevolidei cultori delia scicnza" ; apud Solari, ob. cit., p. 128. 

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60 G. —Ao findar este ponto, seja-nos permittido fazer umaadvertência: —no que ora vimos de dizer quanto ao direito admi-nistrativo em especial, prestamos, apenas, obediência ao ensina-

mento da escola, consagrando distincção rigorosa entre os ramosdo direito publico e do direito privado, para o fim de attribuir

ao primeiro as matérias concernentes aos direitos ou interessesdo Estado ; porquanto, ao nosso modo de ver particular,

nenhuma objecção essencial existe, para que a responsabilidadecivil do Estado não possa ser devidamente regulada pelas dis-posições do direito civil, como aliás se verifica ser a tendênciados códigos modernos. Não procede o argumento, tantas vezes,allegado, de que o Estado, —ente público ou politico, não deveser sujeito às disposições do direito privado: em primeiro logar,porque, não se ignora, que o direito privado, do mesmo modo,que o direito publico, são estatuídos pelo próprio Estado; con-seguintemente, em ambas as hypotheses, este respeitaria â umadisposição legal, sua própria; depois, desde que, na satisfação

de um damno, a questão a ventilar e decidir é, antes de tudo, denatureza jurídica, parece que a mesma teria assento mais

consentâneo com os princípios, —si a responsabilidade doagente fosse apreciada aos olhos do direito civil, abstracção

feita, si et in quantum, da maior ou menor importância da pes-

soa jurídica do mesmo agente. Certo, dadas as disposições deficientes do direito civil

actual, semelhante responsabilidade só pode ter ahi sancção, pormeio das analogias do mandato ou da  prepositúra, as quaes,como já vimos, não correspondem â verdade dos factos sujeitos ;mas, uma vez consagrada no corpo deste direito A REPRESEN-TAÇÃO, como instituto especial, regulador exclusivo dos actos,lícitos ou illicitos, da pessoa jurídica em geral, e das que lhesão semelhantes, isto é, das pessoas que agem necessariamente

por meio de representantes, "EX VI LEGIS

", e não por acto davontade livre dos representados, com os e{feitos próprios desse 

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instituto;—desapparecida ficaria toda a necessidade de dispo-sições do direito público ou administrativo, que outros conside-ram peculiares á solução do assumpto. 

E deste modo cessaria no todo a incerteza enorme, quereina em tão importante matéria, com grave desprestigio, nãosó, para acção do Estado, como também, para os interesses da justiça; desprestigio, sobretudo, oriundo de tantas decisões dis-paratadas, que a jurisprudência dos diversos Estados offerece aesse respeito.121

 

Todos, quantos tem estudado este assumpto, reconhecemessa lacuna prejudicial do direito positivo, e lamentam deveraso triste descuido, que continua haver sobre a sua satisfação.m

 

III.— LIMITAÇÃO AO PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE 

61. — Para podermos apreciar devidamente a matériacomplexa deste ponto em particular, tirando depois as conclu-sões parciaes ou geraes, que temos em mente, é indispensávelcomeçar por avivar, ainda que nas suas grandes linhas somente,os factos e argumentos principaes, relativos ao próprio conceito

politico-juridico do Estado. 

121Vide: Orlando, loc. oit., ns. 21 sg. e 631 sg. — O que existe até agora não satisfaz de modo algum. A excepção dos

damnos provenientes da desapropriação por utilidade publica, e de algumasdisposições especiaes sobre a matéria de obras publicas ou de certos servi-ços industriaes do Estado, aliás, incompletas e sem obedecerem a nenhumprincipio geral, — se pode affirniar,. que nada mais ha, expressamente decla-rad \ sobre tão importante ramo de direito. E dahi os critérios estranhose incongruentes, ora adoptados, ora repellidos, pela jurisprudência. Vide :Vaccheili, loc. cit., p. 96, e 104 sg. 

122

Chironi, Colpa Contrattuale,n. 234 ; — Vaccheili, loc. cit., p. 95 sg.113 e 117 etc.;—Orlando, loc. oit., n. 631 sg.;— Solari, loc. cit., p. 107 sg.;—Giorgio Giorgi, DelU Obbligazíoni, t. V, n. 358. 

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A concepção do Estado moderno sendo a de um ente dedireito (Rechtsstaat), a dizer, de uma entidade que existe pelodireito e para os fins de direito, daqui resulta logicamente a res-

ponsabilidade geral do mesmo, ao menos em principio, peloseffeitos de seus actos, que, porventura, damnitiquem ao alheiodireito. Com effeito, si a sua missão essencial ê, antes de tudo,a tutela e garantia dos direitos da collectiv idade e de cada umdos que entram nella, ê evidente que, dada a violação de taesdireitos por actos do próprio Estado, a responsabilidade destedeve ser a regra; ainda que, em vista de motivos e considera-ções concorrentes de igual força, se devam conjunctamente ad-mittir numerosos casos de excepção ao principio de semelhanteresponsabilidade. Este pensamento pode ser ainda expresso emtermos mais breves: no Bcchtsstaat, como se qualifica o Estadoconstitucional moderno, toda a lesão verificada de um direitoobjectivo deve ser reparada; eis o preceito geral; o qual, nãoobstante poderá deixar de prevalecer: ou si a lesão se dér porculpa do lesado (sibi imputei); ou si, por um principio superiorinherente ao próprio fim do Estado e reconhecido, explicita ouimplicitamente, pelo direito positivo, fôr de admittir a discri-ção ou irresponsabilidade do Estado relativamente ao acto ouíacto, de que se tratar. 

Ora, é dever, que semelhante postulado jurídico não se po-dia outr'ora apresentar ao espirito do philosopho e do jurista,—quando o Estado era considerado o simples património do prín-cipe, ou quando elle se confundia com a pessoa do monarcha, eos direitos dos indivíduos eram tidos, como actos de graça ouconcessões do régio poder. 

61 a.—No Estado Romano, a despeito do aperfeiçoamento,a que attingiram as suas letras jurídicas, pareceria repugnantecom os princípios do direito commum dominante, que ao indivi-duo coubesse '' jure próprio'' o poder de accionar o Estado ou 

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a administração publica, em virtude da lesão de um direito seu,próprio. Acceita a regra, « quod principi placuit, legis lábet vi-gorem »,m—e sendo de considerar na pessoa do príncipe a pessoa

do Estado ou o poder publico personificado, fora lógico admittirigualmente que, pelos actos do seu funccionario ou represen-tante, jamais lhe podésse ser imputada injuria ou obrigação con-sequente. Eram, sob este aspecto, actos sempre legítimos, feitosna supposição do bem commum, no qual se incluía justamente odos indivíduos, a quem taes actos pudessem, porventura,  pa-recer  lesivos; dahi, como corollario: Qux jure :  potestatis ámagistra tu fiunt ad injuriar um actionem nonpertinent... Is qui  jure publico utitur, non viãetur injuriai facienãce causa hoe

 facere;   júris enim executio non habet iujuriam.m

E' desne-cessário lembrar que, em direito romano, a palavra injuria(como synonimo de culpa) era essencial á existência jurídica dodamno. 

No Estado medieval, no qual as noções dos direitos iudi-viduaes, como que desapparecidas ou apagadas, foram substi-tuídas pelas idéas feudaes de soberano e vassallo, seria impossí-vel cogitar igualmente da existência de uma obrigação jurídicado Estado (ou do soberano) para com o individuo ; quando, ao  

123 Inst. Justin., I. I, tit. III, 5. 134  Dig. I. XLVII, tit. X, 13, §§ 1 e 6. A regra era, que o lesado só

tinha acção de reparação contra o funccionario (o magistrado inclusive), cujoprocesso corria, alias, perante a autoridade civil ordinária. Só mais tarde,nos tempos do Baixo-Imperio, também se entendeu de equidade que, quandoa lesão fosse feita por um funccionario subalterno, o qual ordinariamentenão possuía meios de reparar o damno, — a respectiva responsabilidade sepodesse também estender, não, contra o Estado, mas conjunctamente contrao funccionario superior, que houvesse nomeado o subalterno em questão.Para que o funccionario superior fosse, todavia, declarado co-responsavel,era mister que tivesse concorrido dolo ou negligencia na nomeação ou es-colha do funccionario inferior. — Cod. I. IX, tit. XXVII, 1; Nov. Just. 82,c. 7; — Cf. Bellavite, loc. cit., p. 33, 35 e 53-61; Lcening, ob. cit., p. 24 sg.Sobre este ponto é de lembrar o quese disse anteriormente (nio,p. 119-120). 

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contrario, se sabe que a liberdade, os bens, e quaesquer outrosinteresses legítimos do mesmo, singularmente considerado, nãopassavam de cousas, das quaes o soberano do feudo podia dispor,

como lhe aprouvesse, não só, em nome do bem commuin, masainda, em nome dos .interesses da sua família ou do simplescapricho pessoal... 

E' certo, que mesmo na idade média já se encontra, com osvisos de doutrina corrente, a de que a conectividade devia res-ponder pelos damnos causados por alguns dos seus membros.125

Mas, alem de que semelhante doutrina era apenas uma con-sequência do conceito erróneo, que então se fazia da associa-ção, desconhecendo-se a distincção de personalidades entre ellae os indivíduos que a compunham; accresce juntamente que,segundo os exemplos conhecidos, não é licito affirmar, que acollectividade se reconhecesse, porventura, obrigada a inde-mnisar ao individuo, lesado pelos actos de seus representantes,obedecendo á um principio de justiça, como hoje se pretende,sob o titulo de responsabilidade civil das administraçõespublicas. Tal não era, por forma alguma, o que se continha nadoutrina medieval; o que por ella se ensinava, era o seguinte:que, considerados os membros de uma collectividade, como por-ções inseparáveis, integrantes delia, a reparação da lesão cau-

sada pelos mesmos podia ser exigida da collectividade pelosestranhos prejudicados. De facto, em mais de um caso, então,assim succedêra, — de commuuidade á communidade, de umacidade á outra cidade, de município á município, ou mesmo, dosmembros individuaes de umas collectividades em relação aos deoutras. Mas, relativamente ás lesões soffridas pelos próprios in-divíduos, componentes de uma mesma collectividade, não seconhecem exemplos, dos quaes se possa inferir, que esta se con- 

126 vide: Loening, loc. oit., p. 28, 33 e notas ibi.— Cf. Giorgi, DellePersone Giuridiche, t. I, p. 309 sg. 

20 «• C. 

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siderasse obrigada a nenhuma reparação. Em verdade, a própria idéada não-distincção, entre a pessoa do individuo particular é a dacollectividade, devia excluir a existência de toda obrigação jurídica

por parte desta ultima para com o primeiro. 

61 b.—Todavia, como os princípios do direito individual e da  justiça são immanentes á vida social, qualquer que seja o governodos povos em dada contingência histórica, o facto é: que, ou por umaapplicação extensiva da referida doutrina medieval, muito emborasubordinando dita applicação á condição de se tratar de factospraticados pelos órgãos da associação; ou por argumentos pedidosaos textos do próprio direito romano, quiçá susceptíveis de ampliação

analógica; a questão da responsabilidade civil da administraçãopublica, não só, começara a chamar, desde então, sobre si a attençãoconstante dos philosophos e juristas, como ainda, penetrando de maisa mais na consciência publica, vemol-a realmente acceita, por assimdizer, â vista do seu simples aspecto de bôa razão e justiça.186

 

126 Desde o século 14° apparecem documentos, dos quaes se verificaque a responsabilidade pelos actos lesivos do Soberano (o Estado existiaentão, por assim dizer, na pessoa do Soberano) ou doutros orgáos seme-

lhantes, era ensinada, ainda que dependente de determinadas condiçõese circumstancias. I —Oldradus (Comilia et Quaest. Com.): «An ob delicta administra -torum vel preesidentiuni puniatnr universitas?... licet ipsi prsesidentespuniantur, non tamen universitas,—NISI MANDARET, VEL RATUM HABERET- ..Ergo oportet quod hoc delictum pnecedat uuitas consensuum eorum, quideuniversitate simul congregatorum tuba sonata vel campana sonata vel aliotali signo hoc facere deliberantium sunt... Non obstat si DICATUR TENERI PROPTER FACTUM ADVOCATI ET CONSULUM, QUIA VERE N02T TENETDB OB DE-

LICTUM EORUM » . I — Bartolus {Ad leg. 15 D. de dolo maio; ad leg. 16 § 10 D. de pamis):« Quíero, an ex delícto offleialium teneatur universitas? verum quod non;

quia universitas non verum mandasse officiali, quod delinquat... et ideoverum, quod ex facto offlcialis non teneatur, NISI SECDTA BATJHABITIONE 

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Com effeito, snpposto não se chegasse, nessa época, a adoptarnenhum preceito legislativo definido neste sentido-, e, pelocontrario, os próprios autores, que sustentavam a responsabilidade

civil, não se mostrassem, as vezes, coherentes comsigo mesmos,ensinando ao mesmo tempo, ora a responsabilidade, ora airresponsabilidade do poder publico;127  comtudo, não se podecontestar, que aos jurisconsultos mais distinctos da idade média cabe a gloriade haverem reconhecido, já então, 

VEL MANDATO PRECEDENTE... Illi (rectores, etc.) de universitate possuntcoadunato consilio et campana sonata et similibus dolum coraraittere. 

— Prosper Farinadas {Praxis et Theor. Crim,): « Qaod universitas de-linquat per snos rectores et gubernatores, negari nonpotest... Et ex rationoBODIE universitates- propter eorum delicta scepenumero puniri ABSQUE CON-TROVÉRSIA VIDEMUS OBSERVATUM »...

— Mynsinger (Sing. Observ. Cent. IV): «Ergo eònstat, quod-si onmesvel major pars civinmdelictum aliquid committaat, ipsa civitas sive univer-sitas deiinqnisse dicatnr, cum civitas nih.il aliad sit quam homines univer-sitatis »...

— A. Gail (De   pace publica): « Universitas onim nlhil alind est quamhomines universitatis; quldquid igitur homines civltatis deliberato consiliofaciunt, universitas fecisse censetar. »

— Baldas {in Cod. de poena judicio): « Qasero, nnmquid episcopustoneatur ds imperifcia vicarii? Resp. non; quia eum prseposuerit justltise fa-ciendse, et episcopus dedit operam rei Hcitae et consuetse, dam viçariam

ceavit...» O bispo só responderia, aocrescentára Baldus, si não fizesse jus-tiça no caso;—quia débet esse curiosus, ne cúria sua injustitiam faciat...Queero, qaod in facfcis extra judiciam namqaid potestas teneatur do deli-ctisfamiliaris? Resp. non; NISI EATENCJS UT EXHIBEAT, st POTEST, VEL NISI MANDAVERIT VEL RATUH HABUERIT. 

. Das citações feitas talvez se possa inferir, que nellas só se trata deeommunidades oa associações particulares, ou de indivíduos não funcckna-rios públicos; sabo-se, todavia, que a mesma doutrina, {embora controversa)se applicava igualmente a administração publica, notadamente, ãs cidades ecommunas, tirando-se principal argumento, na sustentação da responsa-bilidade contra as mesmas, da "culpa in eligendo". Vide: Loening, ob. cit., p.34-88; Giorgio Gdorgi,   DeUe Personc Qiuriãiche, t. I, p. 309 eg.; t. III, p.144 sg. (2.*.ed.). 

137 Vide: Giorgio Giorgi, ob. cit., t. UI, p. 137-151. 

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os verdadeiros princípios da representação, sobre os quaes as-senta a theoria hodierna do Estado, relativamente aos actos dosseus funccionarios e das obrigações dahi resultantes. 

— Paulus de Castro, distinguindo os actos praticados pelofunccionario no exercício do cargo, dos actos praticados foradesse exercício, declarara que a Corporação era responsávelpelos primeiros, mesmo sendo aquelles illicitos, semelhante-mente ao que se observava no direito romano com o arrematantedos impostos pelos actos de seus propostos, ou o pater-famíliaspelos actos do filho; não cabendo, porém,nenhnma responsabili-dade â Corporação, a respeito dos actos do funccionario, quandopraticados extra officium.128 

— Ludovicns de Ponte (Pontanns) apoiando-se por analo-gia nas disposições relativas ao agrimensor (Dig. I. XI, tit. VI,2, § 1: Si mensor falsum modum dixerit), 129 o qual, como sesabe, respondia pelos actos dos seus propostos ou auxiliares deserviço, fora ainda mais explicito, do que o autor precedente;não duvidando mesmo affirmar a responsabilidade da Corporação(ou administração publica) pelos actos dos seus funccionariosem geral, quando praticados com dolo ou culpa...

H Ora, aindaque sem verdadeiro apoio no texto do direito in-

vocado,

180

ahi temos, positivamente, reconhecido o principio da 

128 P. de Castro, (Consilia, I): Nam ex malefício offlclalium commíssosuper eo ad quod deputati sunt, seu iu offlcio ejus commísso, tonotur do-minus suo próprio nomlne.... Sed in casu nostro extra officium, et oonsumpta occasione ofBcii, nec tamquam guberoator hoc focit, igitur cum-munitas noa tenetnr.—Apud Loening, loc. eit., p. 38-39; Giorgi, loc. <J!fc,p. 145. 

129 L. Pontanus, (Consilia com. 338): Cfeterum dico ipsam civitatemseu communitatem obligatam fore, ei, cai neglectum est seu dencgatam

  justitiam fleri per ipsins civitatis offlciales... REGULA K»T GENERALIB,  qutevolt, quod offlcialis constituens toneatur pro facto vel neglecto offlcialinm

suorum, com DOLUS VEL XEGLIGENTÍA commissa sunt circa oa, quse pertí-nent ad officium sibi comniissuru. — Apud Loening, loc. cit. 1W Vide: Bollavite, loc. oit„ p. 88. 

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responsabilidade do Estado pela lesão dos direitos individuaes.De facto, depois de Pontanus, já não faltam numerosos autoresque, ou tirando argumento do direito romano nos casos análo-

gos, em que este consagrava a responsabilidade pelos actos deoutrem (mandato, institorio, exercitorio, ete.), ou partindo dosimples dever de equidade e justiça natural, não só, se pronun-ciaram pela verdade desse principio, como ainda, reforçaram-nocom fundamentos novos e considerações valiosas. De modo que,logo no período, que se seguira á idade-média, o do  jus receptum,os philosophos*juristas, emquanto de um lado, ensinavam quea summa potestas era um attributo inherente ao próprio sobe-rano de um Estado, de outro lado, também não deixaram deaffirmar, que o mesmo, não obstante as regalias próprias detamanho poder, não devia, ou não podia, privar aos súbditos dequalquer direito adquirido, senão, quando o bem publico assim oexigisse, e ainda assim, sendo elles devidamente indemnisadospelo thesouro publico. 

Entre outros, se poderia citar Grotius, o qual ensinava: fl11 faut savoir encore, que, Jors même que hs mjets ont a quis undroit, le roi peut le ôter en deux manières,— ou en forme de pé/m, ou en vertu de son domaine éminent: oien entendu qu'U n'use du privilége de ce DOMAINE ÉMINENT OU SOPERIEUR, QUE

QUAND LE BIEN PUBLIC LE DEMANDE;et qu'alors même celui qui a pirdu ce qui lui appartienait, EN SOIT DÉDOMM-AGÉ, sHl se peut t du Fond Public. Si cela a lieu en matiêre des autres choses, ildoit avoir lieu aussi à Végard du droit qrfon aquiert par un pro-messe ou par un contract.lu

 

E', sobretudo, para o grande manancial do direito romanoque se voltam, no momento, as vistas dos indagadores, pro- 

131

Grotius, Le droit de la guerre et de la paix, l. II, c. XIV, § 7. Cf.Puffendorf, Droit de la natwe et des gens, l. XIII, o. V, § 7. 

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ourando cada um achar alli os fundamentos da sua doutrinaparticular, relativamente á responsabilidade civil do Estado.18!Não ha, porém, mister que façamos aqui menção especial das

diversas opiniões emittidas; já porque em parte teríamos derepetir matéria, anteriormente exposta; já porque isso empouco podia concorrer para a solução da questão particular queora nos occupa. 

61 c.—Tendo alludido, per summa capita, a alguns dadoshistóricos, quizemos sobretudo deixar ver, que não é de inven-ção moderna a idéa da responsabilidade civil do Estado pelosactos lesivos dos seus funccionarios; pelo contrario, essa idéa já

vem de muito longe; muito embora não tenha ella conseguido 

183 Myler von Ehrenbach, conhecido autor da "Hyparchologia 8. deofficialibus, magistratibus et administris liber singularis (Stutgard, 1678),propondo a questão :— « an princips territorii de negligentia vel damno BUÍ

officialis, in functione offlcii commisso, damniítcantis quandoque teneatur?»,respondera aífirmativamente (Ac utique responsetur — QUOD SIC)  . E argu-gumentando analogicamente com a responsabilidade do arrematante dosimpostos, ou do estalajadeiro pelos actos de seus propostos, accentuara : «bonos servos ad suum ministeriam ELIGERE ac EXPLORARE,  cnjus fldei etinnocentiae sint, qnos operibus suis adhibent, alióqui MAI,A famulorum

ELECTIO culpa3 et negligentise eorum adscribitur »; reconhecendo em con-sequência, o direito do lesado de accionar, quer o funccionario, quer o prín-cipe, quer ambos juntamente... (an contra DOMINUM,  artvero contra OFFI-CIALEM, vel contra UTRUMQUE SIMUL agere velit). p *,» 

Samuel Strykius,autor da obra ''De obligationeprincípis ex facto mi-nistri in genere, etc.", fazendo applicação ao caso da theoria do mandato eespecialmente das relações — institoria e exercitoria, affirmara a respon-sabilidade do Estado quanto aos actos lícitos do funccionario, negandoaquanto aos illicitos, visto não ter elle recebido   facultas delinquendi. Mas,occorrendo porventura a hypothese de culpa na nomeação, o Estado deviatambém responder: «occurrit hic quod Principi IMPUTARI POSSIT,  quod adeoGENERALI mandato íllum ministério suo pratposuerit, cujus fidem et industriam

NOS EXACTE PBOBAVEBAT ANTEA ; debat enim BONOS ministros eligere. » Vide;Zacharlse, ob.cit., p. 591-593; -Loening, loc. cit., p. 42 sg. Estes donsautores citam ainda diversos outros escriptores de pareceres análogos. 

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ttM ti 

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ser formulada na legislação dos diversos Estados, senão, em datarelativamente recente, e isto mesmo, apenas de modo parcial.  

Mas, seja como for, desde que semelhante responsabilidade  já se acha consagrada, como instituto jurídico, e sem duvida,geralmente acceita, ao menos em principio, pela consciência jnridica dos povos civilisados, cumpre bem definil-a ou enqua-dral-a nos seus justos limites, afim de que cessem os males quea incerteza da sua applicação,em muitos casos, tem occasionadocom detrimento do bem commum e dos preceitos da justiça. 

Queiram, ou não, os que persistem em ver no Estado antigoo modelo da verdadeira organisação politica dos povos, a dizer,o creador do direito, o arbitro supremo da razão e da justiça, eportanto, irresponsável \ a verdade é, que a consciência juridicados povos livres actuaes, em vez de admittil-o, como tal, vae,muito ao contrario, exigindo cada dia, que sejam coarctadas,restringidas, senão, suoprimidas algumas das próprias regaliase privilégios restantes, de que ainda se reveste o próprio Estadomoderno. 

E' preciso ter coragem para reconhecer esta tendência ir-resistível da época presente e dos princípios que a dominam.Puro individualismo, —dirão talvez.. . 

Mas, nem por isto, a tendência alludida deixará de ser umaforça, que ora regula, de modo orgânico, todas as applicações emovimentos do direito ao seio dos povos civilisados» 

Dispensâmo-nos de indagar, si na concepção theorica doEstado, considerado como associação necessária, se pode, ou não,cogitar da  preexistência de direitos pertencentes, em exclusivo,aos individues que o compõem; mas o que é innegavel, por serfacto histórico, é, que os direitos individuaes não vem da orga-nisação concreta do Estado... Praticamente encarado, este senos apresenta, como uma união ou composto de indivíduos, cadaum delles, dotado. &c natura, de direitos próprios, aos quaesprocuram melhor prover por meio dessa união, isto é, attender 

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aos interesses geraes ou ao bem estar commum, segundo regrasfundamentaes, a dizer, o direito ou cânon constitucional da pró-pria associação. 

Logo, o que se pode evidentemente concluir, sem maisexame, é, que, no objecto e fim da união ou do ente collectívo-Estado, se ínclue institucionalmente: a) um  poder superior, ca-paz de reger as relações ou interesses communs: b) a obrigaçãodesse poder de guardar e fazer guardar os direitos individuaesdos membros da associação, os quaes continuam a subsistir, demodo certo e definido, em todos os actos e factos constitutivos davida commum ou associação. Conseguintemente, é na boa e justacoordenação destes dous elementos jurídicos do Estado, que es-

tará a sabedoria e a felicidade de todo governo ou administraçãopublica. Nem enfraquecer ou supprimir o primeiro, conforme ápretenção dos invidualistas exagerados, — nem eliminar osegundo, como queriam os regalistas: m médio tutissimus ibis.Ou ainda, servindo-nos de linguagem mais positiva: em vez departir da supremacia dos direitos individuaes para annullar  aacção do poder publico, aliás, essencial á própria tutela e efecti-vidade daquelles direitos; ou em vez de partir da omnipotênciaou irresponsabilidade do Estado para, em nome do bem publico,

desconhecer ou supprimir os direitos individuaes ; o que real-mente importa, é procurar a verdadeira solução do problema noprincipio geral, superior, que domina, tanto aos indivíduos,como ao Estado: aidéa fundamental do direito, e que se resumena própria justiça: — "Suum cuique tribitere, alterum non Iceãere'' (Inst. Justin. 1. I, tit. I, 3). 

O Estado existe, em vista ou para o bem da coliectividade;consequentemente, deve ter faculdades e direitos preponderan-tes aos dos indivíduos. Poristo mesmo, que tem direitos supe-riores, como condição de realizar o bem commum, — o seu exer-cício não pôde ser obstado pelos indivíduos, á invocação de seusdireitos individuaes somente ; succedendo, ao contrario, que a  

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acção do Estado pôde, sciente ou inscientemente, sacrificai-os,quando o bem da conectividade assim exigir.. Mas, como o bemcollectivo ê, em ultima analyse, o bem dos próprios indivíduos

que compõem o Estado, segue-se, que este também não poderáter ou exercer direitos ou faculdades, que importem, sempre èirresponsavelmente, em um mal do individuo. Por conseguinte,os eífeitos do mal, quando porventura commettidos pelo Estado,devem ser distribuídos pela collectividade, do mesmo modo, quese dâ com os effeitos do bem commum; ou o que é o mesmo, — aobrigação lógica da collectividade de indemnisar o mal soffridoindividualmente por um acto do Estado,—repartida a sua quotapelos indivíduos, como o exige a igualdade dos direitos e en-cargos, que cada um deve ter na collectividade-Estado. Porcerto, o poder ou a prerogativa institucional do Estado sobre osdireitos individuaes é enorme: vae, como se disse, até ao pontode violar conscientemente taes direitos, desde que se proponhaaos seus fins do bem publico ou commum, razão fundamental dopróprio Estado. Mas, nem por tudo isso, pôde elle considerar-seestranho ao principio do direito; antes, é o direito, que lhereconhece tamanho poder em vista da sua grande missão; que-remos dizer, o grande poder do Estado não vae até arrogar-se oprivilegio da irresponsabilidade pelo damno dos direitos indi-

viduaes ; porque isso, além de tudo, seria contrario à igualdadedos encargos, que o Estado garante a todos e a cada um dospróprios cidadãos. 

62. — Precisados deste modo os termos geraes da questão,resta-nos agora particularisal-a nestes dous pontos: 1) Qual ojcaracter ou grau da responsabilidade civil, cadente sobre o Es-tado,— primaria ou subsidiaria, — exclusiva ou solidaria; 2) Atéonde se pode estender, e onde deve cessar dita responsabilidade. 

Sobre o primeiro não ha necessidade de fazer grande,razoado, assentado, que os actos do funccionario, na suaquali-1 

■ 

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dade de representante do Estado, são actos deste, é lógico inferirque, ao Estado cabe responsabilidade  primaria nas lesões doalheio direito, quer as lesões provenham de actos contra-? ctuaes

e lícitos, quer de actos extracontractuaes ou illicitos (delicto ouquasi-delicto). 

62 a. — Quanto ao saber, si ella deve ser exclusiva do 

Estado 011 solidaria com o funccionario, divergem os pareceres. Não entraremos, por escusado, na sua controvérsia; citaremos, apenas, um dos mais recentes escriptores, o qual, tratando deste  

ponto, se exprimira deste modo: Si, en eífet, le fonctionnaire aagi dans 1'esprit de sa fonction, e'est-à-dire en poursuivanteffectivement le but qu'avait 1'Etat en établissant cette fonction,il ne peut être respousable ni vis-à-vis de VEtat, ni vis-à-vis ães particuliers, alors même qu'il ait commis une faute. — II ne peutêtre responsable vis-à-vis des particuliers. En eífet, 1'acte étantaccompli dans un but étatique, dans le but même pour leqnel aété ètablie la fonction publique considerée, et auquel, parconsequent, se trouvent affectés les bíens formant le patrimoinede 1'Etat, c'est ce patrimoine qui doit supporter tous les risquesqui résultent de l'accomplissement de cet acte; c'est sur lui quedoit être prise la réparation du préjudice cause á d'autrespatrimoines. Gomme, d'autre part, une double réparation ne peutêtre accordée, le patrimoine du fonctionnaire ne devra supporter

aucunement la réparation accordée au parti-culier. En outre, alorsmême qu'une faute a été commise par le fonctionnaire, si celui-cia ponrsuivi le but de sa fonction et, par consequent, un butétatique, le patrimoine de 1'Etat devra supporter déflnitivementle risque. 133

 

Pensa igualmente o citado autor que, imposta ao Estado aobrigação de reparar o damno, soífrido por um particular, ellenão poderá pretender uma compensação regressiva do patri-mónio do funccionario..i**U n'aura aucun recours eontre le fon-ctionnaire en faute"; desde que o funccionario, embora tendo 

ws Duguit, ob. cit.. p. 638-89. 

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eominettido uma culpa, se mantenha no espirito da sua funcção,isto é, tenha prosegnido o fim conforme á regra de direito e cujarealisação o Estado quizera assegurar ao constituir semelhante

funcção.184

E observa ainda, que este seu modo de ver coincidecom a distincção, agora aãmittiâa de maneira uniforme pela  jurisprudência e a mor-parte dos autores, — entre a culpa defuucção e a culpa pessoal (entre la faute de fonction et la faute personnelle); havendo, alem disto, uma dupla vantagem namaneira particular, pela qual elle encarara o assumpto. Pri-meiro, porque delia resulta logo a justificação da própria dis-tincção; pois se estabelece que, mesmo no caso de culpa dofunccionario, si este conservar-se no espirito da sua fuucção, sóo Estado pôde ser definitivamente responsável, e não o func-cionario ; depois, porque se tem, ao mesmo tempo, o critério parase conhecer a culpa pessoal e a culpa de funcção, a dizer: fica-sesabendo que, o que caracterisa a culpa de funcção, relativa-mente â culpa pessoal (par rapport â la faute personnelle)vnaoé a gravidade da culpa, mas o fim proseguido pelo funccionariono acto praticado. 

Si elle prosegue um fim funccional, insiste o autor, pormais grave que seja a culpa, ê uma culpa de funcção, e nãoculpa pessoal; portanto, o funccionario não é responsável. . . À

culpa pessoal só se darã, quando o funccionario proseguiroutro fim que não aquelle, em vista do qual, a lei lhe conferiudeterminada competência.18B

 

« Ce n'est donc pas véritàblement le degrè de la faute, qui est lefondement de la responsábilitè du fonctionnaire ; c'est la nature,Vobject de la faute ».m 

184 Ibidem. 135

Loo. cit., p. 640. 136 Loe. cit., p. 645. 

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Não concordamos certamente com o illustre professor Du-guit neste modo de excluir por completo a co-responsabilidadedo funccionario, desde que se conserve dentro dos fins, para os

quaes fora nomeado; porquanto o funccionario, pessoa dotadade intelligencia e vontade própria, pelo facto da representação,não desapparece totalmente na pessoa do representado. Ellesubsiste, como pessoa distincta, com direitos e deveresdefinidos, seus próprios, já em relação ao Estado, que repre-senta, já em relação ao publico ou aos terceiros, com quem seacha em contacto. Por isto, mesmo no exercício de seus direi*tos peculiares de funccionario e no desempenho dos deveres cor-relatos, elle não pode deixar de também responder pelas lesões,

que porventura commêtta contra o alheio direito: é um principioou obrigação elementar de justiça. Dúvida pode haver, sim,quando, dada uma responsabilidade  particular  nas funcções dopróprio cargo, si quizer determinar, si ella deva caber toda aofunccionario, toda ao Estado, ou a ambos solidariamente; masexcluir, desde logo, o funccionario, em principio, de todaresponsabilidade, não é erro menor, do que excluir, do mesmomodo, ao Estado, como outros tem pretendido. Segundo o nosso juízo, a regra a seguir na matéria deveria ser esta: a) sempre que

o funccionario agir, fora da sua qualidade própria de repre-sentante, a responsabilidade do acto lesivo é toda sua, exclusiva-mente delle; b) quando agindo, embora nessa qualidade, o fizerde modo illicito ou illegal, cabe-lhe responsabilidade solidariacom o Estado, podendo ser chamado a responder pelo damno,tanto pelo lesado, como pelo Estado; tendo este, alem do em-prego das penas disciplinares, o direito de indemnisação re-gressiva, si tiver sido obrigado a reparar o mesmo damno; c)quando, porém, o acto do funccionario fôr praticado, conforme asnormas legaes estabelecidas, a reparação da lesão, porventura,resultante, deve ser toda imputável ao Estado somente, o qual,ainda que tenha de effecti vara ente indemnisal-a, não terá por  

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isso acção regressiva contra o seu representante j porque ellenada mais fez, do que cumprir com o seu dever de funccionarionas circumstancias,1B7

 

62 b.—À questão especial de saber — a tê onde vae, e ondedeve cessar, a responsabilidade do Estado, requer, sem duvida,um exame mais detido das razões apresentadas.  E 

I PRIMEIRA RAZÃO. — No entender de não poucos autores, ecertamente, muito distinctos, semelhante responsabilidade serestringe aos actos praticados dentro dos limites legaes da acçãodo funcoionario, porque, fora de taes limites, jà não é maisrepresentante do Estado.188

 

Si por esta proposição se quer significar, que o funccio-nario, fora da sua qualidade ou caracter publico, não è represen-tante do Estado, ella é verdadeira; mas, si pela mesma, se pre-tende, que o acto illegal ou feito com excesso de oompetencia,só por isto, deixa de ser acto do representante do Estado, pelaallegação sabida, de que o representante não recebera a facul-dade de proceder fora da lei; então, jã não poderá ser tida, porverdadeira, a alludida proposição... 

Não ô de razão nem de justiça admittir, que seja licito aoEstado considerar o funccionario, num mesmo tempo e fmic-

ções, como senão e não senão o seu representante, segundo osactos deste lhe mereçam approvação ou lhe tragam proveito ;quando, alias, impõe aos indivíduos o dever ininterrupto desempre obedecei-o, como seu legitimo representante nos dtffe-rentes actos. 

l^...i;.;.i,i t \»j-. lfi.V,; ..•■',,•■..-> „ ... .  I 187 Ha ainda quem pretenda, que o funcoionario, em qualquer caso,

só deveria responder ao Estado, e jamais aos indivíduos lesados, pornao ter aquelle nenhuma dependonola ou obrigação, propriamente dita,para com estes. 

188

Vide: Ghironi, Colpa Contrattuale, ns. 225 sg., aignanter, m. 282 e233. Cf. Loening, ob. cit.; Piloty, ob. oit. 

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■  — 318 — 

Assim não pode ser. Seria o caso de invocar por analogiao texto consagrado pelo pretor romano, acerca da responsabili-dade do ãominus nos actos do institor: JSquum Prcetori visum

est, sicut commoda sentwius ex actu institorum, ita etiam obli-gare nos ex contractibus ipsorum, et conveniri. (Dig. 1. XIV, tit.III). 

O já referido argumento de que o funccionario, agindo comculpa ou excesso de poder, deixa de ser representante do Es-tado, não tem força para dirimir a responsabilidade civil desteultimo. O individuo não é livre de ackar-se, ou não, na relaçãode subordinação ou obediência para com o funccionario, que lheé indicado ou imposto pelo Estado em dadas funcções. Conse-

guintemente : desde que ao individuo não cabe a faculdade deverificar, primeiro, a verdadeira situação jurídica do func-cionario no momento para, segundo for ella, prestar, ou não,depois, obediência ao mesmo, com resalva dos seus direitos;desde que, ainda quando isso fosse licito ao individuo, este, emuns casos, não teria os elementos precisos para formar juízo se-guro a respeito, e em outros, a sua desobediência ou resistênciaaos actos do funccionario ser-lbe-hia inteiramente impossível,ou o exporia á consequências graves, senão, ao soffrimento de

damnos ainda maiores; desde que, finalmente, o próprio Estadonão pôde deixar a efectividade e efficacia das funcções publicasa semelhantes eventualidades;— é incontestável, que ao Estadoincumbe assumir a responsabilidade do damno resultante dessasfuncções, sem assistir-lhe o direito de distinguir nashypotheses referidas de culpa ou excesso de poder por parte dofunccionario. O exame destas condições terá a sua razão de ser,em vista das penas disciplinares, que o Estado deva in-flingirao seu representante infiel, ou das penas criminaes, em queeste possa incorrer; quanto, porém, á reparação civil dodamno, ellas não podem ser invocadas em favor do Estado : orepresentado responde pelos actos do seu representante, 

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salvas apenas as vestricções da lei expressa ou d'outras razõesconsagradas de igual valor, relativamente ao facto sujeito. 

Isto posto, entendemos que o representante age nesta qua-

lidade: 1° quando pi atiça o acto no exercício das suas funcçõese dentro dos limites da sua competência; 2o quando pratica oacto, mesmo com excesso de poder, mas revestido da autoridadedo cargo, ou servindo-se dos meios deste, isto é, meios, de quenão poderia dispor na occasiáo, si não se achasse na posse docargo; 3o quando o cargo tenha influído, como causa occasionaldo acto. Convém observar que, a não se tratar de casos deomissão, ou de certos actos especiaes130, a questão da culpa ondolo é impertinente, desde que o acto do representante é actodo representado, seja o acto licito ou illicito. 

62 c—Alem disso, a theoria em questão se mostra contra-dietoria na sua própria applicação aos factos : nos actos illi-citos extra-contractuaes, diz-se, que o Estado não deve res-ponder, porque o funccionario age fora da lei, isto é, com doloou culpa, que a lei veda; no entanto, nos actos illicitos con-tractuaes, não obstante o funccionario agir com igual dolo eculpa, se entende que o Estado deve responder : ou porque oacto é reputado dentro da vontade deste, ou porque semelhante

responsabilidade é um preceito de justiça.,.  Daraus ergébe sich, dass der Wille und dessen Erklârungnach der Person des Stellvertreters eu beurtheilen seien und ausdiesemPrinzip folge, dass der dolus des Stellvertreters heim Schlussdes Vertrags seine rechtliche Wirkungen gegen dm Vertretnen 

ausube ....................War der Vertreter nur bevollmachtigt mm 

  Abschluss eines derartigen Vertrags iiberhaupt, so erzeugt der Vertrag in der Gestalt, die er durch die Willenserklarung desVertreters erhalten, seine rechtlichen Wirkungen fur und gegen 

i» Hic, p. 320, e 327 sg. 

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 — 320 — 

ãen Vertretnen........und ist hervorgegangen aus der Forderung 

der .Oerechtigkeit, dass derjenige, der sich zuni Abschluss von\ Vertragen eines Stellvertreters bedient, weil er will oder weiler muss, auch die Oefahr zu tragen hat t  welchefiir den ãrittenContrahenten darctus erwachsen Tcann, dass nicht der aus demVertrag Bcrechtigte und Verpfiichtete den Vertragsivitten erklãrt,sondem dass seine Willenserklarung dar eh die WillenserMãrungeines. Stellvertreters erzetzt wird.m  I 

Segando Savigny, a responsabilidade pelo acto il liei to dorepresentante, na espécie, se dá, porque o dolo e a culpa são deconsiderar, como uma modificação inherente á obrigaçãoprincipal (ais eine von der Hauptobligation untrennbare Modi- fication), e na qual o consentimento do representado (pessoa

 jurídica) ê cousa indifferente.  M  

Mas, como justificar essa distineção incongruente ? Uns eoutros actos não são, identicamente, praticados pelo funecio-nario, como representante do Estado, e em ambos elles, não con-corre o elemento do dolo ou da culpa, que os torna illicitos, istoé, praticados com a violação do direito ?!... 142

 

Si a theoria, que nega a responsabilidade do Estado pelosactos illegaes do funecionario, fosse admissível, a sua conse-quência não devia ser a de delimitar certos actos de responsabi-

lidade, dos de não-responsabilidade do Estado; mas, positiva-mente, a de excluir toda e qualquer responsabilidade deste pelosactos lesivos da administração publica, a menos que a leiexpressa não houvesse ordenado o contrario. 

140 Loening, ob. cit., p. 60-61.—Cf. Chironi, Colpa Contrattuale, n. 285;Meucci, Inst. di diritto amniínistrativo, p. 260 Sg. 

141 Vide: Loening, loc. cit., p. 59. M2 Meucci, ob. cit., p. 286 sg.: — « Se lo Stato puó víolare nn diritto

contrattuale coll'opera dei suoi agenti, non v'ó ragione percho non possaviolare nn diritto extra-contrattuale col mezzo medésimo...» 

■"»' ■■ .................   ■   ,vmn 

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v -w — 32i — 

O exame do excesso de poder, da culpa ou dolo do func-cionario serve, com certeza, para apurar a responsabilidadecivil ou criminal do mesmo, quer para com o Estado, quer para

com os indivíduos interessados; mas, não é da* culpa ou dolo,nem do excesso de poder, que se pôde tirar argumento  funda-mental da responsabilidade ou irresponsabilidade do Estado. Aprimeira resulta do principio geral, de que a violação de umdireito acarreta comsigo a obrigação de reparar,— conceitoessencial da justiça; queremos dizer, semelhante obrigação éperfeita em direito, mesmo sem cogitar do facto da culpa porparte do agente. Esta regra tem, e nem podia deixar de ter,excepções numerosas; não só, porque a obrigação de indem-

nisar pôde cessar em vista de circumstancias justificativas dodamno segundo os princípios geraes do direito (a necessidadeou força maior, ou a culpa occasional por parte do lesado), mastambém, porque os fins superiores do Estado podem as vezesexigir, que o sacrifício de certo direito individual se dê, semque, por isto, lhe resulte um dever de reparação.  

Também casos ha, ainda que excepcionalmente, nos quaesé preciso cogitar mesmo da culpa, como elemento concorrentepara se poder affirmar, como já se disse, a responsabilidade doEstado, taes são: 1) quando a lesão provier de uma omissão ve-

rificada do funccionario; 2) quando, tratando-se de acto que alei autorizara, mesmo na previsão de trazer um damno relativoao individuo por assim exigir o bem publico,—se demonstrar,todavia, que na sua execução se procedeu com excesso depoder, culpa, ou dolo. 

Esta condição prevalece, nomeadamente, nos actos de poli-cia de segurança ou sanitária, e em outros casos análogos. 

62 d.— SEGUNDA RAZXO.  Uma outra theoria, procurando

distinguir os actos, praticados pelos funccionarios-preposíos,dos praticados pelos funccionarios-or^ãos, admitte a responsa-) 

21  R. C. 

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bilidade do Estado quanto aos primeiros, e a nega quanto aossegundos. Tão infundada é, porém, essa theoriã, que não nosdeteremos para demonstrai-o. Já se disse em outro logar o bas-

tante a esse respeito (p. 261 seg.). Chamem-se órgãos, fimccio*]narios ou  prepostos, todos elles dentro do circulo das própriasfuncções ou competência legal representam a pessoa - Estado.E' certo, que ha funccionarios superiores, representando a von-tade ou a funcção central da vida collectiva,143 e funccionariosinferiores, de nomeação dos primeiros, desempenhando apenasfuncções restrictas sobre dado serviço; mas uns e outros sãoigualmente representantes do Estado, e qualquer delles só o éna esphera das suas attribuições peculiares. A própria compe-

tência dos órgãos superiores, soberanos, é limitada pelas compe-tências dos demais, embora seus inferiores ou subordinados.144 

62 e.—TERCEIRA RAZÃO. Temos ainda a theoria, ora domi-nante segundo alguns,145 e absurda segundo outros,146 a qual,dividindo, como se sabe, os actos do Estado em actos de ges-tão e actos do império, simplifica a solução da controvérsia, —declarando o Estado responsável pelas consequências dos pri-meiros, como qualquer outra pessoa jurídica do direito privado,

— e irresponsável pelas dos segundos, por se tratar de actos da 

148 São os órgãos no sentido da nota 13 á p. 101. 144 Gierke, ob. cit. p. 686-691. —B' da própria natureza da cousa, que cada um seja representante

da pessoa jurídica do Estado, não só porque, seria impossível a um sófunccionario desempenhar todos os fins e misteres, como ainda porque,segundo o direito positivo, o funccionario, por mais lata que seja a suacompetência e poder, não pôde exercer as funcções do alheia competência,ainda que de categoria subordinada. Cada um só funcciona, legalmente, naesphera das attribuições próprias, e todos elles recebem a jurisdicção ou

competência de uma mesma fonte, — a lei. 145 Giorgio Georgi, Delle Persone Qiwridiche, t. III, p. 179, n. 83. 146 Solari, ob. cit., p. 125. 

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 — 323 — 

sua pessoa politica ou soberana. Jâ tivemos occasião dever que,não obstante a sua singeleza, a referida doutrina não se mostracapaz de firmar uma regra, geral, certa, segura, acerca de todos

os casos, em que a responsabilidade civil do poder publico devacom razão cessar ou não ser admissível.u7 

Antes, porem, de proseguir sobre esta questão em particular,cumpre-nos deixar bem claro o nosso pensamento, quanto á dis-tincção, que se pretende, em si mesma. Não se diz que esta dis-tincção entre actos de gestào e actos do império seja descabida;ella tem â sua razão de ser certamente • porquanto, exemplifi-cando, se vê que os actos, nos quaes o Estado apparece, comoempresário de estradas de ferro ou de outros serviços indus-triaes, não são idênticos àquelles, nos quaes o mesmo se apre-senta,  providenciando, ordenando, com a autoridade ou caracterৠpoder publico, taes como,—nas medidas de ordem e segurançapublica, nas decisões judiciarias, nas operações da força militare cousas semelhantes. Do mesmo modo, também não se contestaque os actos, em que o Estado se põe, por assim dizer, ao niveldos indivíduos particulares, entrando com elles em relações deapparente igualdade, istoè, fazendo de proprietário, comprador,vendedor, locador, locatário, credor, devedor, etc., possam oudevam ser apreciados e julgados segundo os princípios do direito

privado, como aliás, já se tem entendido e praticado pelos tri-bunaes nos diversos Estados. Desde que taes actos ou relaçõesse mostram análogas ou idênticas às que se dão entre os pró-prios indivíduos particulares, nada repugna, que sejam sujeitasã sancção de idêntico direito. Não ô sob este aspecto, que enca-ramos a distincção no momento. A impugnação que se lhe faz,consiste em affirmar, que, não sendo sempre possível fazer apreconisada distincção entre os actos do Estado, ella não podeservir de base a um systema, nem tão pouco, fornecer o critério 

141 Hio,p.256 sg. 

■ 

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necessário para, segundo o mesmo, se dizer, quaes os actos quesão, e quaes os que não são, susceptíveis de orear uma res-ponsabilidade civil para o Estado. 

E' preciso insistir: não ha no Estado duas pessoas distin-ctas, como se tem dito, uma civil e outra politica. O Estado éuno; exerce, apenas, como succede com os indivíduos, funcçõesde naturezas diversas. Quando exercita funcções, cuja natureza éidêntica áquellas, que exercitam os indivíduos privados, é derazão, que se lhe appliquem as mesmas regras, que regulam taesfuncções entre os particulares,— "ubi eadem ratio, ibiiãem jus" ;quando, ao contrario, exercita funcções de natureza es-sencialmente differente, como são os actos de legislador, de go-

verno e de juiz, é de vêr, que a taes actos já se não podem appli-car regras idênticas, até mesmo porque no seu estado actual, odireito privado não os comprehende na sua esphera. I Ora, assimentendida, repetimos,— nada ha que objectar contra a distincçãodos actos de gestão e actos de império ou poder publico;comtanto que dahi não se conclua a responsabilidade pelosprimeiros e a irresponsabilidade pelos segundos. Isto repugna áidéa da justiça, segundo a qual, toda lesão de um direito exigereparação, para restabelecer o equilíbrio da ordem jurídica, isto

é, para manter a situação lógica e natural do "Estado de direito".  O que, em verdade se dá, e com todo fundamento, é: certos

actos, praticados em certos limites, não geram a responsabili-dade do Estado, em vista da própria natureza e fins específicosdo próprio Estado; mas tudo, que fôr além, não passará de sim-ples pretenção theorica, incapaz de constituir um systema accei-tavel para solução procurada do problema. 

Si em outras épocas, nas quaes a vida do direito publico(direito do Estado) parecia normalisaãa, não fora possível pro-curar, na distincção dos actos somente, um critério geral paratodas as hypotheses, em que se pudesse proclamar a irrespon- 

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sabilidade do Estado; muito menos, sel-o-hia no actual momento,quando a theoria do Estado, oa melhor dizendo, dos múltiplosproblemas, que se põem â sua conta, constituem, apenas, pro-

posições importantissimas, mas a môr parte delias, ainda sob omartello incessante da discussão... Não ha critérios, absolutos,assas definidos, que autorisem a delimitar com precisão a es-tensão da responsalidade do Estado em um futuro, mesmo pró-ximo. Emquanto, de um lado, as tendensias individualistas doséculo querem cercear umas tantas attribuições e regalias, repu-tadas absorventes, do poder publico; de outro lado, os avançossocialistas, que o Estado moderno vae, cada dia, fazendo emnome do bem estar social, tornam por demais incerto, — atéonde se alargará a esphera de acção legitima dos Estados demo-cráticos. Resultando de tudo isto a necessidade manifesta derever e reconsiderar os principios do direito, afim de applical-osdevidamente aos novos actos e factos, que, de dia a dia, surgemna ordem juridica, pedindo solução. 

Já não é somente o dever de justiça distribuitwa, que ora.se exige do Estado ; nos tempos modernos, este também reco-nhece aos individuos direitos de assistência ou soccorros; e daqui juntamente, a obrigação de garantir, em dados casos, a justiçareparativa em favor dos individuos, que se mostram nas condi-

ções de mereeel-a.. ."8 

148 Não se ignora, que o direito moderno impõe ao Estado a obrigaçãode prestar soccorro em vários casos; o no Brazil, esse direito, já garantidopela Constituição do Império (art. 179, n. 31), esta expressamente declaradono art. 5o da Constituição Federal. Nao se pretende afflrmar que o deverde assistência pelo Estado importe para o individuo um direito accionarei,em vista de uma reparação jurídica individual. Mas, dada a tendência so-cialista da legislação moderna, não se pôde dizer, que assim não venha aser, talvez em futuro pouco distante. Que o Estado já repara actualmenteos prejuízos individuaes, provenientes de calamidades, naturaes ou sociaes

(como exemplo das segundas, é de lembrar os effeitos das guerras), éfacto sabido e acceito em boa consciência juridica. 

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I Não ha mister, porém, de mais alongar-nos a respeito;destas e outras questões incidentes, para, por meio do seu es-tudo, chegarmos ao termo, a que nos dirigimos. Vamos, portanto,

resumir o nosso modo de ver em poucas palavras. 

62 f. — Acceito o principio da responsabilidade geral doEstado pelos actos dos seus representantes, não será impossível,ainda que difficil, verificar também quaes sejam as condições principaeSy em que a mesma deve cessar ou se torna inadmissível.Em muitos actos, é a própria lei, que expressamente reconhecea irresponsabilidade do Estado, e esses actos podem augmentarou diminuir aos olhos do legislador, sem, por isto, serem viola-

dos os princípios fundamentaes do direito. Também outros actos existem, que, não só, é direito, mas

um dever imprescindível do Estado, praticar, por serem sabi-damente necessários á tutela e garantia dos próprios direitosindividuaes e do bem estar commum, taes por exemplo, os actos.de segurança pública em geral e os de justiça; portanto, salvoas circumstancias especiaes de uma lesão manifestamente gravedo alheio direito, seria contradictorio, senão absurdo, tornar oEstado civilmente responsável pelas consequências dos referidos

actos. Do mesmo modo, o indivíduo pôde concorrer, já de uma ma-neira positiva, já por omissão ou negligencia, para que se venhaa dar o próprio damno, por elle soffrido; e nesta hypothese,também não seria justificável, que recaísse sobre o Estado aobrigação de indemnisal-o: "Qui datnnum sua culpa sentit t  necdamnum sentire viãetur. — Qui occasionem ãamni dai, causamdamni prwstitisse videtur." 

— Em resumo, taes são os princípios geraes, que de-vem reger os casos da não-responsabilidade civil do Es-tado. Abstemo-nos de formulal-os em normas mais positivas;porque estas, para serem acceitas, deveriam ser ajustadas 

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 — 327 — 

a espécies concretas,i49 e isto excede o objecto do presenteTitulo.  I 

ítesta-nos, todavia, antes de encerral-o, dizer mais algu-

mas palavras sobre a responsabilidade civil do Estado, quandose tratar, não de damnos provenientes de actos positivos, masde simples omissões do dever por parte do representante doEstado. 

62 g.— Não ha o menor fundamento para negar a respon-sabilidade na espécie-, visto como, em todos os casos, em que aomissão è illegal, esta equivale inteiramente a um acto posi-tivo. —  Zur Vemeinung dieser Frage liegt nicht der minãeste

Orundvor, da in allen Fallen, wo die Unterlassung selbst einerechtswidrige ist l sie der positiven Uandlung ganz gleichsteht.160 

O que precisa, é provar, que a omissão ou a negligenciado dever fora realmente a causa efficiente do damno (ah selbst  fortwirjcende Ursache).m  I 

— Falazzo affirma, que o individuo é civilmente respon-sável pelo damno succedido a um terceiro, quando o damnodevia ser impedido ou afastado por elie, e deixou de sel-o porsua negligencia ou imprudência; ainda que o admitta, com todosos civilistas, que, para haver responsabilidade no caso, é ne-

cessário que o individuo, chamado a responder pelo damno,tenha, não só, uma obrigação moral, mas também, uma obriga-ção jurídica, verdadeira e própria, de impedil-o... Este prin- 

149 Será a matéria própria do Titulo Terceiro, que se vae seguir. 150 Zachariee, Deutsches 8taat8»wBunde8recht,Theil. II, ',§ 146; Id.

Ueber die Haftungaverbindlichkeit des Stmts, p. 642. 151 Ibidem, p. 643.—Loening, partindo do principio que a responsabi

lidade nao se deriva, nem da illegalidade do acto do funccionario, nemdo dever de obediência dos stàditos ao mesmo, recusa a responsabilidade

no caso de omissão; porque obediência, se deve à uma ordem ou preceito,mas nao, á uma omissão.— Ob. cit., pag. 104 e 126.  

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cipio de direito privado, confessa o autor, se applica igual-mente ao Estado; suppôsto a sua applicação tenha dado logará controvérsia.. ,162

 

I —Michoud entende que, em se tratando de omissões, o prin-cipio da responsabilidade civil só deve ser admittido na hypo-these, de que ellas se dêem com culpa e equivalham, por seuseffeitos, ã uma ordem tacita, a qual se deva obediência. Taes sãoos casos, figurados por esse autor, e dos quaes se fez a devidamenção em outra parte. "■ 

62 h. — Resumindo, finalmente, esta questão, o que nosparece justo, é o seguinte: uma vez sabido, que a negligencia,a culpa ou o dolo in omittendo são susceptíveis da lesão de di-reitos individuaes do mesmo modo, que os actos positivos (culpain facienão), não se pode deixar de dizer, que ao Estado cabeigualmente, ao menos em principio, a responsabilidade civil 

162 p# Palazzo, Besp. civile ãello Stato, p. 65 sg. Este autor cita umaIdecisão do Conselho de Estado, (20 de novembro de 1875) recusando aresponsabilidade do Estado na hypothese de damnos feitos á propriedadeindividual, por occasião de motins ou perturbações da ordem, sob o funda-mento de a autoridade ter sido omissa em tomar as devidas precauções. H— Zacharise cita, pelo contrario, uma decisão da Corte Sup. de Appella-ção

de Cassei reconhecendo a responsabilidade do Estado nestes termos pe-remptórios: Der Btaat sei fii/r den Schaãen, wélaher in Folge von Handlungenoder Vhterlassungen der zu Aufrechthaltung der õffentliehen Sicherheit bes-

  \tellten Beamten bei Gélegenheit eines Volksauflaufs eugefiigt toorden, sélòat ohne vorgãngige Ausklagung ães unmíttelbaren Urhébers ães Schadens wid des Beamten zu haften verbunden. — Loc. cit., p. 614. 

— Lcening, que combate, aliás, a responsabilidade do Estado pelosdamnos provenientes da omissão, como se disse, também cita a lei de dousEstados Allemães, — Grande Ducado de Hesse, e Sachen-Altemburgo, (doprimeiro, de 3 de março de 1859, e do segando, de 25 de março de 1837),reconhecendo a responsabilidade das municipalidades pelos damnos resultantes de tumultos e   perturbações da ordem, quando as respectivas auto

ridades locaes não tenham feito todo o possível para impedil-as. — Loc.cít., p. 127, nota.  I 168 Michoud, loc. cít. — Hic, p. 198-199. 

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da lesão, quando resultante da omissão illegal ou culposa dos seusrepresentantes. Mas, de outro lado, não recusando, e autes,reconhecendo a necessidade, de que o poder publico tenha, ás

vezes, faculdade discricionária, irresponsabilidade mesmo, emnão agir em dadas circum st anciãs, conforme ao seu critério ex-clusivo ; pensámos juntamente, que a responsabilidade civil doEstado, nas condições alludidas, deverá ser apreciada debaixode dous aspectos differentes: 

1) Quando se tratar de um dever geral de prestar certosserviços, ou de tomar as medidas convenientes acerca de certosramos da administração, digamos, relativamente á saúde pu-blica, á segurança das pessoas ou da propriedade, á conservaçãonecessária das vias publicas, e cousas semelhantes, — e da suaomissão, por inadvertência ou simples negligencia da respectivaautoridade ou funccionario, resultar um damno a terceiros*, nem,por isto somente, se deverá logo concluir, que ao Estado resultauma obrigação de indemnisal-o. Seria tolher por demais à admi-nistração publica na liberdade de acção, que institucionalmentelhe compete; sendo, neste ponto, de manifesta procedência aponderação feita por Loening, de que o individuo não tem odireito de acção contra o Estado (heinen Rechisanspruch an denStaat), para obrigal-o à cumprir os seus fins próprios, ou para

que as leis e os regulamentos, promulgados no interesse geraldo Estado, sejam desde logo executados. Assim como, accies-centa esse autor, não sendo a missão do Estado, o promover osinteresses privados dos indivíduos, e as leis não sendo essen-cialmente adoptadas pelo Estado no interesse privado dosmesmos ; segue-se que também não existe para o Estado a obri-gação de indemuisar o damno, que, porventura, succeda aosindividuos, pela não-execução das mesmas leis e mais actossemelhantes, fallando-se de maneira geral.15í 

 

154Loening, ob. cit., p. 126-127. 

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2) Quando, porém, se tratar de um dever, particulari-sadopela lei, ou pelas circumstancias especiaes do caso, porexemplo, o dever da autoridade publica competente de impedir

que se reàlise um ataque á propriedade, tendo sido avisada ousolicitada, em tempo, para impedil-o, e, não obstante, deixado 

0 acto consummar-se por sua negligencia, culpa ou dolo; —em caso tal, entendemos, que a responsabilidade civil do Estadoé de rigorosa justiça; porque a omissão alludida é a causa effir ciente do dainno, de maneira tão manifesta e irrecusável, comose elle proviesse de um acto, realmente positivo, illegal ou culposo, do representante do Estado, em relação ás garantias dasegurança individual e da propriedade. 

Como casos análogos da omissão de um dever legal parti-cularisado, e, conseguintemente, devendo acarretar os mesmosefeitos jurídicos, poderíamos ainda lembrar: a) o não despachoao pedido de certidão da nota da culpa ou de outros instru-mentos da defesa, quando feita pelo preso ou detento; b) o nãodespacho de licença para a reconstrucção de obras, que, pelassuas circumstancias, se tornam urgentes; c) o não despachosobre a entrega ou restituição demorada de objectos appre-hendidos ou depositados sob a guarda de repartições ou funceio-

narios públicos; d) o não despacho sobre a permissão de expor âvenda géneros do commercío, sob o pretexto infundado deserem elles nocivos á saúde publica, etc, etc. 

Seria, comtudo, de advertir que, em todos esses casos, sepresuppõe que o dever de praticar o acto assenta em leiexpressa, e que o não cumprimento desta se dá por negligenciaou culpa do funccionario incumbido do serviço em questão. 

1 62 i.— De quanto ficou dito, considerámos revista todamatéria do presente capitulo, pelo menos, nos seus aspectos

principaes; e, como conclusão final, relativa á limitação do 

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principio da responsabilidade do Estado, estamos convencidos,de que se pôde, fundadamente, estabelecer o seguinte:  I 

I — EUa cessa, nos casos positivos:

 , 

a)  quando se tratar de acto, declarado discricionário ouisento de responsabilidade por disposições da lei;  I 

b)  quando o lesado dér causa directa ou occasional paraque succeda o acto em questão ; 

i) quando o acto fôr de considerar um caso de força maior; d) quando o damno resultante de actos, reconhecidamente

essenciaes á vida collectiva ou ao bem commum, como os desegurança publica e outros análogos, fôr de efieitos relativa-mente pequenos, e não provenientes de culpa ou excesso depoder por parte do respectivo agente ; 

e)  quando o acto fôr praticado pelo agente, fora da suaqualidade de representante (Mc, p. 319). 

— A responsabilidade cessa igualmente, quanto ao damno,proveniente da omissão, desde que se não provar que a omis-são foi  proposital, isto é, motivada por culpa ou dolo do func-cionario. 

Em boa razão, é tudo quanto nos parece se poder affirmar

a priori) sem desconhecer, todavia, que as hypotheses alludidaspossam, talvez, ser susceptíveis de ampliação, em vista dascircumstancias do caso particular... 

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TITULO TERCEIRO 

PRATICA DOS SYSTEMAS 

CAPITULO I A

Jurisprudência Franceza 

§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES  1 

63.— No exame da matéria da responsabilidade civil doEstado, feito em vista do direito positivo e a jurisprudênciafranceza, dous factos principaes desafiam "desde logo attenção

particular: primeiro, a questão, por assim dizer, previa da com- petência, isto é, á qual das duas jurisdicções pertence o conhe-cimento do acto arguido,— si ao contencioso administrativo, siaos tribunaes judiciários ; segundo, a classificação doutrinariados actos do Estado, em actos de governo ou de poder publico(aeies de gouvernement ou de puissance publique) e em actos degestão (aeies de gestion). 1

 

1 Examinando os diversos autores, os princípios invocados do direito

publico franoez, e os considerandos das decisões administrativas e judi-ciaes, se vê que na jurisprudência se tem admittido as seguintes distino-ções: 1) distracção entre os actos de governo e actos de administração; 2)distracção dos actos da administração em actos de império e actos de 

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A questão da competência constitue, quasi sempre, a partemais importante dos considerandos das decisões, quer proferidaspelos tribunaes judiciários, quer pelos tribunaes administrati-

vos ; porque, segundo os princípios geralmente admittidos, ellainteressa ao próprio fundo da acção ou pretenção. 

gestão (actos puissauce publique et actes de gestion); 3) distincção de actosdo serviço e actos pessoaes; para, depeis de tudo isso considerado, se poderextrahir o fundamento da responsabilidade civil do Estado. Uma

  jurisprudência, baseada em taes elementos, uns apenas suppostos, outrosdemasiado subtis, não" podia deixai* de mostrar-se, em muitas casos, inco-herente e contradíctoria... Tal é, realmente, o que tem sue cedido. 

Com relação á primeira das distineções indicadas, a dizer, relativa aos

actos de governo e actos de administração, M. J. Lonné publicou, ha poucotempo, um trabalho especial, tendo em vista demonstrar a sem-razão desemelhante distineção. Entende, ao contrario, que esta theoria que declaraos actos de governo, sempre irresponsáveis, ou não sujeitos á nenhuma

  jurisdicção, e um perigo permanente, e, aliás, sem base jurídica oufundamento expresso no direito positivo. 

« E', diz elle, uma porta entreaberta ás illegalidades, as mais appa-rentes e perigosas,— porque o poder concedido ao governo é incerto e maldefinido... A nossa affirmação é, que o pensamento exacto de nosso direitopublico tem sido o de submetter todo acto de poder publico, mesmo ossuppostos actos de governo, ás regras ordinárias do contencioso adminis-tativo... Contra os abusos do poder nós protegemos o direito individual,

declarando que todo governo, que se põe acima das leis, contrahe umaresponsabilidade, e, não somente politica, mas também judiciaria. » 

Lançando rápido olhar sobre a lei e a jurisprudência estrangeira, Lonnéacha que na Allemanha e na Itália predominam theorias análogas ás da ju-risprudência franceza acerca dos actos de governo; e quanto aos outrospaizes, acerescenta: na Áustria e na Hespanha,« on ne trouve plus ici Vactede gouvernement ;... en príncipe, 1'acte de puissance publique emanant dupouvoir central peut être porte dovant une jurisdiction administrativo » ; —na Inglaterra e nos Estados Unidos, — «la theorie de acte degouvernement,  parfaitement inconnue, n'est snsceptible d'aucune applica-tion » ; — e mesmo na Bélgica, não obstante a lei manter a separação entrea autoridade judiciaria e a administração activa, — «le droit individuei est 

ici aãmirablement protege' contre Vacte de puissance publique... II appartientaux tribunaux, sinon d'arrêter 1'execiition d'un acte admi-nistratif illogal,au moins d'en appréoier les conséquences par rapport aux 

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De modo geral se pôde dizer: quando se trata de uma res-ponsabilidade de direito commum (por actos de gestão), derivadados arts. 1382, 1383 e 1384 do cod. civil, a competência judiciaria

deve prevalecer; quando, ao contrario, se trata de responsabilidadede natureza diversa, regida pelo direito administrativo, ou derivadade relações especiaes entre o Estado e os seus funccionarios, e nãodas relações ordinárias de um com-mittente com os seus prepostos,a competência deve caber, ao menos em principio, â jurisdicçãoadministrativa. 2

 

Os artigos citados e, porventura, applicaveis á matéria,dispõem : 

Art. 1382. Tout fait quelconque de Vhomme, qui cause aautrui un dommage, oblige celui, par la faute ãuquel il est arrivé, ale reparer. 

Art. 1383. Chacunest responsáble du dommage qu'il a causenon milement par son fait, mais encore par sa negligence ou par son imprudence. 

Art. 1384. On est responsáble non seulement du dommage queVon carne par son propre fait, mais encore de celu i qui est cause

 par le fait des personnes dont on doit repondre, ou des choses que

Von a sous sa garde. Mas admittindo, que essas disposições tenham igual appli-

cação aos actos da administração publica, observa-se, subsisti* 

intérêts oivils de lapersonne lesée »; nâo sendo, portanto, de admittir nesteponto a opinião de Laferrière, quando considerara o systema belga inferiorao systema francez... Basta attender, diz Lonnè, que os tribunaes judiciá-rios belgas podem conceder indemnisacão por um acto administrativo ve-xatório, e que a victima de um acto illegal pode accionar o autor por dam-nos, fundando-se nos arts. 24,92 e 107 da Constituição.— Lonué, Les Actesde gouvernement.— Paris, 1898. 

—■ Nos logares próprios se dirá sobre as outras distineções de actos, âque se aUudio, bem como, de maneira mais completa, sobre a jurisprudên-cia dos diversos paizes, a que o citado autor também se referira.  

2 Laferrière, Traité de la Jurisdiction Admnistrative, t.1, p. 674. 

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ria a difficnldade de saber, qnaes destes actos deveriam cairdebaixo da soa sancção.  I 

Conforme ao conceito, de qne o Estado, ora age. comopessoa politica on poder publico, propriamente dito, e ora comopessoa privada, entende Michoud qne, segundo as decisões da jurisprudência franceza, o Estado, nesta segunda qualidade, estásujeito ás regras do cod. civil; advertindo, porém, juntamente :

fora da matéria de contractos, na qual o Estado é obrigado aresponder pela culpa nas mesmas condições de qualquer outrapessoa moral, a jurisprudência só o considera pessoa privada emum caso único,— " oú il a agi dons Vexploitation de son patrimoine prive ". - a

 

Quer dizer, que no mais, on se tratando em geral dedamnoscausados pelos fanceionarios e agentes dos serviços públicos, oque prevalece 6 a regra contraria, isto é, a da competênciaadministrativa. Eis aqui as próprias palavras do Tribunal dos

Confiietos sobre este ponto em particular, proferidas, aliás, emum caso que, pela sua natureza, parecia competir á autoridade  judiciaria:— «Considerando que a acção intentada por Mr.Blanco tem por objecto fazer declarar o Estado civilmenteresponsável, pela applicação dos artigos 1382, 1383 e 1384 docódigo civil, do damno resultante do ferimento qne a sua filhasoffrêra por cnlpa dos operários empregados na administraçãodos tabacos; qne a responsabilidade, que*póde recahir sobre oEstado pelos damnos causados aos particulares em razão defactos das pessoas empregadas no serviço publico, não pôde serregida pelos princípios qne são estabelecidos no código civilpara as relações de particular á particular • que esta res-ponsabilidade não é, nem geral, nem absoluta; que ella tem assnas regras especiaes, que variam segundo as exigências 

s« li. Michoud. De la rt*po*múÀl\li de VEtat (na R*vue du Droít Public, t.4° p. 4).—Cf. Laferriére, he. át, fc. I, p. 684. íed. de 1896). 

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do serviço e a necessidade de conciliar os direitos do Estadocom os direitos privados; que, isto posto, e nos termos das leisacima indicadas (leis de 16 e 24 de agosto de 1790 e 16 fructi-

ãor anno III), a autoridade administrativa é a única compe-petente para conhecer da espécie.»—Trib. dos Confl. 8 de fevereiro 1873, "Caso-Blanco".8  IA doutrina do "Caso-Blanco" não era, aliás, uma novidade;delia se encontrava exemplo em decisões anteriores, mesmo dedata relativamente remota (Caso-Rothschild  de 1855)*; masgrande divergência subsistira sempre entre a Corte de Cassação 

8 Tratava-se de ama creança, ferida por um wagonôte, devido á

imprudência de empregados da administração dos tabacos, pertencenteao Estado. — Vide: Michoud. loo. cit., p. 5. sg.; Laferrière, loe. cit., p.681 sg. 

4 Laferrière, loe. oit., p. 680 seg. "Bien que n'appliquant pas dans ce cas le droit prive, le Conseil

d'Btat admit la responsabilité de 1'Etat absolument, comine s'il avait appli-qué 1'art. 1384 ~ 3o du code civil. Le jugement du Tribunal des Conflitspresente une importance particalière, car la theorie qu'il consacre a étésuivie depuis par toutes jurisdictions. '' — Bailby, loe. cit., p. 78. 

A razão determinante da não applicação do direito privado vem deque não se tem separado a questão da responsabilidade, da questão dacompetência; entendendo-se que o meio de manter a competência admi-

nistrativa sobre os actos dos funecionarios é subtranil-os a applicação dodireito privado. O que, observa Bailby, assim não é: nenhum principio seoppõe a que os próprios tribunaes administrativos sejam competentes paraapplioar as regras do código civil, as quaes elles invocam, alias, ao apre-ciar os contractos do Estado, que entram no circulo de sua competência.— Loe. oit. 

A distineção entre os actos de gestão e os actos de autoridade, à quea jurisprudência também tem recorrido, não satisfaz, por falta de critério

 preciso para determinar, onde' cessa a intervenção do poder publico. Ede tudo isso, a dificuldade enorme para o particular, que tem de accionaro Estado por damnos causados, de saber qual a via legitima a seguir; nãopodendo, conseguintomente, evitar as declarações de incompetência eoutros inconvenientes análogos a esse respeito.— Loo. cit.

f p. 80-81. 

32  U. C. 

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e o Conselho de Estado: aquella, sustentando nas suas decisõesque o art. 1384 do cod. civil, que declara os patrões e committen-tes responsáveis pelo damno de seus empregados (domestiques) e

propostos no exercício das fnncções que lhes são confiadas, nãocomportava excepção em favor do Estado (C. C. 11 agosto 1848;19 dezembro de 1854); este, ao contrario, repellindo sempre eenergicamente a applicação do citado artigo aos actos da admi-nistração publica, e affirmando ao mesmo tempo, não só, que opoder judiciário era incompetente para conhecer da respon-sabilidade do Estado na sua qualidade de  poder publico, comotambém, que semelhante responsabilidade devia ser apreciadapor outros princípios, que não os do código civil.B

 

Bem ou mal, é a ultima doutrina, que hoje se tem porassentada, a saber: que o Estado, quando mesmo tenha de res-ponder pelos actos lesivos dos seus representantes ou func-cionarios, não está sujeito ás disposições do direito commum,que rege as relações jurídicas dos particulares; e. que, con-seguintemente, a acção ou reclamação, apresentada por quem sediz lesado por taes actos, deve ser apreciada e decidida, ousegundo leis especiaes, porventura, reguladoras do caso, oumesmo, segundo os princípios geraes de equidade e justiça, mas,sem esquecer jamais a condição privilegiada da pessoa-Estado. 

A esse propósito disse o illustre Laferrière: Ce n'estdonc 

pas 1'article 1384 du code civil considere comme règle de droitpositif, qui impose à 1'Etat, dans certains cas, le devoir d'in-demniser ceux qui ont souffert de fautes commises por un fon-ctionnaire dans 1'exercice de ses fonctions. Ge devoir découleuniquement d?une príncipe de justice dont la loi civile s'est ins-pire pour régler les rapports de particuliers à particulíers, dontla jurisprudence administrativo s'est inspirée a son tour pourrégler les rapports de 1'Etat avec ses fonctionnaires et av.ec les 

5

J. B. Simonet, TraitéElem. de droit public et administratif, n. 536.jEste autor cita os considerandos de duas outras decisões em tudo accórdescom os princípios do "Caso-Blanco ". 

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tiers, et que de lois spéciales ont appliqué dans quelques caspartieuliers, par exemple, en matière de postes, de douanes, decontiibutions indirectes. II ne serait pas juste, en effet, que despartieuliers, lésés par les erreurs ou les fautes de fone-

tionnaires, restent victimes d'accidents, dont un service pu-blicest la cause ou tout au moins 1'occasion, et il est conforme àl'équité que la responsabilitê de 1'Etat se substitue ou s'ajoute,dans certains cas, à celle du fonctionnaire. Seu-1 lement,comme cette responsabilitê ne resulte pas d'une régie fixe dedroit positif, comme elle doit varier d'après la natuie desfautes, d'après les ordres donnés à 1'agent, d'après l'in-dépendance plus ou moins grande de ses fonctions, il est na-turel que l'appreciation de ces circonstances d'ordre admi-nistrativo releve de la jurisdiction administrative et non de 1'autorité judiciaire.6 

63 a. — Quanto á doutrina da distineção dos actos do Es-tado, em actos de gestão e actos de império, é ella em geral re-commendada pelou autores francezes;7 e ainda que não se possaaffirmar, que a jurisprudência a tenha sempre tomado declara' ãamente para base das suas decisões, o facto é, que não have-ria erro ou temeridade em dizer, que dita jurisprudência a temadmittido em diversos casos, sobretudo, no intento manifestode sustentar a irresponsabilidade do Estado pelos actos de sobe-rania ou governo, propriamente ditos, quer praticados pelos seus

representantes immediatos (Corpo legislativo, Chefe de Estado, 

• Loc. oit., p. 679-680. 7 Não faltam, todavia, autores francezes, que combatam os funda-

mentos da alludida doutrina, Duguit, por exemplo, um dos mais recentesescriptores, assim se exprime: «Theoricamente, não podemos admittil-a,pois a própria distineção dos actos de autoridade, de actos que não temeste caracter, nos parece arbitraria. De outro lado, bem se vê que odireito moderno tem uma tendência marcada para estender a responsabi-lidade do Estado e reconhecel-a mesmo em casos onde, segundo a dou-trina dominante, o "poder publico" se mauifesta muito claramente: a lei

de 1895, reconhecendo o direito de reparação por motivo de sentenças in- justas, nos fornece disso uma prova notável».—Ob. oit., p. 638. 

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f ----- 

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Ministros, Magistrados), quer pelos simples fanccionarios noexercício das respectivas funcções.8 E não obstante a dificul-dade pratica de fazer ou de guardar, em muitos factos, a dis-tincção referida, se pode igualmente ajuntar, que são conside-rados na jurisprudência, como principaes actos de império, osseguintes: os actos legislativos, os decretos e regulamentos dopoder executivo, e as medidas deste poder de caracter geral, oumesmo particular, relativas â polícia e á saúde publica, ou or-

denadas nalgum outro interesse do bem publico, e bem assim,— os actos praticados em virtude de convenções diplomáti-cas, os actos directos da autoridade judiciaria, os factos deguerra, as ordens militares e mais serviços das forças publi-cas; entendendo-se que, como em taes actos o Estado age, porassim dizer, discricionariamente no interesse exclusivo da ordemou do bem commum, para o qual fora instituído, ou sendo elleSo exercício de um direito positivo, — não podem dar logar ánenhuma acção de indemnisação, muito embora sejam lesivos

de interesses individuaes, os mais legítimos e incontestáveis.Só por via graciosa se poderá pedir qualquer modificação ou in-demnização, relativamente aos actos arguidos.9 

8 Laferrière — (Traité de la juriã. administr.) parece distinguir osactos, em actos de soberania, de poder publico (puissance publique), e degestão; negando a responsabilidade do Estado quanto aos primeiros; admit-tindo-a, em certos casos, quanto aos segundos; e deelarando-a de regrageral, quanto aos últimos. Nos primeiros elle inclue os actos legislativos,os de governo, os factos de guerra, e o exercício do poder judiciário; ob

servando, porém, que, com relação aos actos deste ultimo poder, dá-se.agora, a limitação feita pela lei de 8 de junho de 1895, dispondo que, sida revisão criminal resultar a innocenoia do condemnado, este tem direitoa exigir uma indemnisação pecuniária do próprio Estado.—.Ob. çit., t. II,p. 184-185. — Cf. Sourdat, Traité Oén. de la responsabilité, t. II, p. 510;Hauriou, Les actions en indemnité contre VEtat (na REVUE DU DROIT PUBLIC,t. VI. p. 51-65). 

9 Vide: Sourdat,ob. cit., t. II, ns. 1804-1306; Laferrière, locs. cits. 

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— 341 — 

Esta é a doutrina consagrada, não ha duvida, pela juris-prudência franceza sobre a matéria. 

Entretanto, da admissão destes dous princípios — a) de

que os actos do Estado não podem, em principio, ser submettidosás disposições do direito commum,— 6) de que os actos de poderpublico não são susceptíveis de responsabilidade do Estado,não se queira logo inferir, que o individuo, lesado nos seusdireitos, se ache incapacitado de defendei-os, por não haverremédio legal a esse respeito. De maneira nenhuma. Emquantodo seu lado, diz Sourdat, a Corte de Cassação tem proclamadoem numerosos arestos,que «as regras postas pelos arts. 1382,1383, 1384 do cod. civ. são applicaveis, sem excepção, a todos

os casos, em que um facto qualquer do homem causa a outremum damno, produzido por culpa do seu autor; e que o Estado,representado pelos differentes ramos da administração publica,é passível da condemnação, âque o damno, causado pela culpa,negligencia ou imprudência de seus agentes, possa dar logar •o Conselho de Estado, por sua vez, a despeito do principio porelle próprio firmado da não-sujeição ao direito commum, tem,não obstante, apreciado e resolvido sobre as diversas lesõesdos direitos individuaes, submettidas ao seu conhecimento,apoiando-se igualmente em razões e argumentos, em tudo se-

melhantes, senão, idênticos aos que resultam dos textos supra-'indicados desse mesmo direito.10

 

Isto, que disemos, se patenteia, aliás, das próprias pala-vras de Laferrière no seguinte trecho: « Quanto aos serviçospúblicos, para os quaes a lei não edictou regras especiaes deresponsabilidade, a jurisprudência.do Conselho de Estado, se 

'o Sourdat (loc. cit., nota ao n. 1303) cita decisões numerosas nestesentido,—Cf. Laferriôre, ob. oit., t. U, p. 190.—E* de saber, que no próprioCiuo-Blanco, já referido, o Conselho de Estado admittlo a responsabili-

dade do Estado, a despeito do principio da nao applicabilidade do direitoconimum aos actos da administração publica. 

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I*--------- 

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inspirando nos princípios geraes do direito, reconhece que oEstado pode ser pecuniariamente responsável pelas culpas dosseus agentes; sem, todavia, admittir que o art. 1384 do cod. civ.lhe seja textualmente applicavel». u

 

63b. — Em justificação desta doutrina, que nega a appli-cabilidade do direito commum aos actos da administração pu-blica, se costuma fazer duas allegações principaes.  

Primeira: O committente ou o mandante nomêa prepostosou mandatários para a gerência dos seus interesses próprios,mas o Estado ou o poder publico tem funccionarios, conforme aodisposto na lei, para a gestão dos interesses geraes ou communs;e emquanto as pessoas privadas escolhem livremente os seus au-xiliares, o Estado não pôde siquer conhecer a todos os seus,—cuja nomeação e promoção dependem, as vezes, só do concursoou da antiguidade; havendo, mesmo, auxiliares obrigados doEstado, taes por exemplo, os cidadãos sujeitos ao serviço militar

e os officiaes proprietários de seus postos (proprietaires de leur grade); finalmente, os committentes ordinários podem e devemfiscalisar todos os actos de seus prepostos e mandatários," aopasso que o Estado é obrigado a proceder por via de instru-cções e regulamentos geraes, sob a sancção de penas discipli-nares ; não pôde  prepôr  fiscaes a todos serviços, e quando ofizesse, por quem seriam os próprios  fiscaes fiscalisados ?— Quiscustodiei custodes ?12

 

Segunda: Si se quizesse fazer entrar, nas previsões docódigo civil, as relações do funccionario com o Estado, taes re-lações não seriam as do preposto para com o committente ou asdo creado para com o patrão (de domestique à maitre)t  mas as 

" Loc. cit., p. 189. C f — Sourdat, loo. cit., ns. 1807, sg. 12 Laferrière, ob.cit., 1.1, p. 679.— ,Cf. Sourdat, loe. cit., ns. 1348 sg. Estes autores citamdecisões, confirmativas dos pontos, acima alludidos. 

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do mandatário salariado para com o mandante. Ora, segundo oavt. 1998 do código civil, o mandante ê obrigado a executar oscompromissos tomados pelo mandatário "na conformidade do

 poder que lhe fora dado". Aquelle não ê obrigado pelo que setenha feito além, senão, quando o haja ratificado, expressa loutacitamente.—A admissão da doutrina contraria levaria aoresultado de tornar o Estado responsável por infracções, dasquaes seria elle próprio á queixar-se, isto é, da violação do seumandato, ou da desobediência ás regras por elle traçadas aosseus agentes. Chegar-se-hia, mesmo, á pretexto de applicar odireito commum ao Estado, â derogação desse direito em pre- juízo do Estado.13

 

63 c.—Não temos que entrar no exame da procedência ouimprocedência das duas allegações, que acabámos de mencio-nar; importa, todavia, não deixar de dizer, que essa doutrina,seguida pela jurisprudência franceza,u é tida por assaz defei-tuosa aos olhos dos próprios escriptores nacionaes, mais compe-tentes. Referindo-se á ella, escrevera Sourdat: "Ceei revient àdire qu'au fond la responsabilitê de 1'Etat n'existe pas; damoins, qu'elle ne será reconnu qu'au gré de l'ad minis tration 

is Laferriére, loc. eit. w 14 Laferriére, (t. I, p. 648 sg.) cita decisões diversas, que servem

para Ulustrar a doutrina acima exposta. Esta preoceupaçao de subtrdhir  o Estado ás disposições do direito

commum e, em consequência, á jurisdicçao dos tribunaes ordinários, obedeceá uma regra tradicional e histórica da vida publica do paiz, prevalecendo naobra da jurisprudência, ora mais, ora menos, segundo se verifica das decisõesproferidas em differentes épocas. Mais uma das razões, fortemente allegadascontra a intervenção judiciaria nos actos administrativos, é também a faltade elementos bastantes de informação ou mesmo de competência dos tri-

bunaes para interpretarem, oom a precisa conveniência, as leis, regulamen-tos e mais actos, peculiares a administração publica.— Vide: Laferriére,loc. cit., p, 10-11, 675-78, e 688; —Sourdat, loc. oit., ns. 1348 sg., 1354-1356, etc. 

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elle-même, et sans aucune règle qui la determine á 1'avance. |Or, un pareil arbitraire est essentiellement regretable."16

 

Por sua vez o professor L. Michoud fiséra, muito judiciosa-

mente, notar sobre o mesmo propósito: ■ Cest lá un defaut grave, parce qu'il fait la part trop large á1'appreciation du juge et peut conduire a des solutions arbi-traires. Puis, quine voit que, si 1'idée est vague, elle a surtout ledéfaut de ne pas fournir une base solide à la responsabilité del'Etat? Les tribunaux (tribunaux administratifs, aussi bien queles tribunaux judiciaires) ne sont point des arbitres qui puis-sentprononcer une condemnation contre 1'Etat toutes les fois qu'ilsla jugent équitable. Ils n'ont pas le droit de disposer des denierspublics, même pour secourir un malheur quileur paraitinteressant. Ils ne peuvent faire autre chose que de recon-nâitre

a la charge de l'Etat une obligation preexistente, soit en vertud'un texte, soit en vertu d'un príncipe juridique re-connu. Ils nepeuvent se baser sur la simple équité, sans s'ex-poser auxreproches de   faire le droit au lieu de Pappliquer. I/aboutissantlogique du systême, ce serait la transformation de la demanded'indemnité en reclamation purement gracieuse, adressée à1'Ádministration elle-même, qui 1'examinerait, ex equo et oono,en tenant compte de la situation de la victime et de 1'état descrédits mis á sa disposition par 1'autorité bud-gétaire.16

 

E fundado nestas considerações, manifestamente valiosas, ocitado autor não duvidara mesmo affirmar, que a alludidadoutrina não podia chegar, senão, a resultados negativos; por-quanto, " écarter les articles 1382 á 1386 du code civil, c'est | enrêalité renoncer au seul point ã'appúi solide que Von puissetrouver dons notre législation pour établir la responsabilité deVEtatr 17

 

— Infelizmente, essa incerteza ou carência de base certa dedireito positivo, que se nota nos julgados da jurisprudência fran-  

15Sourdat, loe. cit., n. 1308, signantcr, n. 1856 bis. ■ w Michoud, Dç la responsabilité de 1'Etat {Bevue du droit public, t. IH, p. 405). 

17

Michoud, loo. cit., t. IV, p. 14. 

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ceza, ainda se encontra igualmente na morparte dos outrosEstados... Sem embargo de que em todos elles o principio daresponsabilidade civil abre, cada vez, mais larga entrada na

consciência jurídica; faltam, com tudo, disposições positivascompletas, que o appliquem aos diversos casos, de modo justo econveniente. 

De resto, cumpre não esquecer que a questão da não appli-cação do direito commum ã pessoa do Estado se refere somente aosactos de poder publico ou de governo; porquanto, das própriasdecisões do Tribunal dos Conflictos e do Conselho de Estado severifica que, com relação aos actos de gestão, não só, se admitte aapplicação desse direito, mas também ainda, que, por se tratar deactos sujeitos ao direito privado, é ao poder judiciário que competetomar delles conhecimento e julgal-os, segundo fôr de justiça.18 

18A. Batbie (Precis du Cours de droit public et administratif, p. 322;Paris, 1885) d;z a respeito : Cest une question três controversée que cellede savoir s'il appartient aux tribunaux, ou à 1'antoritó administrativo dedeclarei- 1'Btat dèbitear. La jurisprudenco du Conseil d'Btat decide qu'iifaut distinguer entre 1'Btat  puismnce publique et l'Btat  personne privée;dans le promier cas, c'est 1'antorité administrativo qui est competente;daus le second c'est 1'autorité judiciaire. Cette distinction resulte du prín-cipe de la separation des pouvoirs, et c'est en ce séns qu'il faut interpreter|

Farrêt directorial du 2 germinal an V. Dans plusieurs affaires, le Conseild'Etat a consacré la compétenoe administrativo, meme quaud il 8'agissaitde déclarer débiteur VBtat pumance privée (ler mai 1822,4 fevrier 1824, 8mai 1841); mais, dans d'autres affaires los plus nombreuses, il a renvoyéaux tribunaux des demandes qui n'intéressaient pas 1'Btat  puwance publi-que (28 janvier 1814, lf> mars 1826, 28 mars 1838,16 raars 1839, 7 dé-cembre 1844, 10 décembre 1843, 26 mai 1850, etc.). A plusieurs reprises,ia Coar de Cassation a decide que les tribunaux ordinaires sout compétentspoar statuer sur des demandes formées contre 1'Btat, comine responsabledu fait de ses agents (30 janvier 1833, 22 janvier 1835, 29 fevrier 1836,30 janvier 1843, ler aVril 1845, 19 décembre 1854); cependant la Cour deCassation n'admet pas cette compétenoe lorsque pour juger la question, lestribunaux auraiont à s'occuper d*un prejudico cause par 1'executiou de 

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64.—Também se tem procurado distinguir, no próprio acto li lesivo dofunccionario, certos caracteres, segundo os quaes o acto deve, ou não,

ser considerado um acto do Estado. Com relação ao modo de vôr da jurisprudência neste particular, dissera também Laferrière: 

Elle distingue entre les fautes de service et les   fautes per-sonnelles. Les premières résultent d'un service mal fait, d'un ordremal donné, mal compris, imprudemment execute, mais n'ayantcependant en vue que les fonctionnement du service; les secondesconsistent dans des délits, des malversations, des fautes lonrdes, oíiapparaissent les   passions personnélles de 1'agent  plutôt  que lesdifficultés et les risques de la fonction. Dans ce dernier cas, 1'agent etpersonnellement responsable devant les tribunaux judiciaires, et il estde príncipe, que 1'Etat ne repond pas pour lui. Au contraire, les

 fautes de service sont censées commises par 1'Etat lui-même, comraecon-sequence d'une organisation defectueuse de ses ser vices, d'uneinsuffisance dans ses moyens (Vaction ou de surveillance. La res-ponsabilité de 1'Etat n'est pas la responsabilité pour autrui prevue par1'article 1384 du cod. civil, mais la responsabilité directe: le servicepublic est censé 1'auteur de la faute ; c'est-à-dire, 1'Etat quiindemnise.19

 

mesures administra ti ves ou par 1'absenoe de mesures que 1'administrationauraifc díl prendre (arr. du 3 juin 1840). La distinction entre 1'Etat  puis-sance publique et 1'Etat personne privée a été admise par le Tribunal desConflits dans les arrêts : 8 fevrier 1873— Bransiet, 8 fevrier 1873— Blavcoc. VEtat, 25 fevrier 1873 — Masson c. 1'Etat, et 17 janvier 1874 — Paris-

 Lyon-Méâitenanée.D'áprès un troisième systeme, cette distinction est d'nneappréciation fort difficile et aucun texte de loi n'en porte Ja moindre trace;il faudrait décider que 1'autorité administrativo será competente pour dé-clarer 1'Etat débiteur, sauf le cas ou un texte attribuerait expressement laconnaissance d'une catégorie d'affaires aux tribunaux.—M. Th. Ducrocq,qui enseigne cette opinion, fait observer à 1'appni «la tendance du législa-teur à introduire dans les lois nouvelles des dispositions expresses cha-que fois qu'il veut investir l'autorité judiciaire da âroit de declarer 1'Etatdébiteur». M. Daorocq oite en faveur de son opinion:—C. d'Etat 20 fevrier1858 — Carcassone; 6 aout 1861 —Dékeister; e 7 mai 1862 — Vmcent. 

19Laferrière, los. cit, p. 189.— A preferencia, que damos sempre áautoridade deste autor, vem, não só, do seu saber jurídico incontestável, 

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  — 347 -r--  

Como se vê, pretende-se faser uma distincção subtil, senão,arbitraria, segundo a qual o acto é, ou não ê, um acto aãminist*trativo, à dizer, um acto pessoal, ou impessoal do funccionario.—Perdido o sen caracter de acto administrativo, o acto torna-seum dolo ou uma culpa do individuo, e como tal, só sendo impu-tável a este, ao Estado nada obriga; devendo, conseguinte-mente, a responsabilidade do mesmo acto ser apurada perante a justiça ordinária.20

 

Não ha rasão para recusar a possibilidade de distinguir en-

tre os actos pessoaes e os actos funceionaes do individuo-funccio-nario do Estado; mas affirmar, como regra ou critério que, quandoa culpa for de caracter grave (um furto, um roubo, um acto depaixão pessoal, como diz Laferrière), trata-se de simples culpa pessoal, (faute personnelle) e não de um acto administrativo,excluída, consequentemente, a responsabilidade do Estado-, écousa descabida e sem nenhuma razão legitima, que lhe sirva defundamento. E' verdade que, segundo o testemunho de Michoud,não se conhece decisão alguma, na qual se tenha feito referencia

clara à distincção pretendida. À jurisprudência, diz este autor,estabelecera a distincção entre a culpa pessoal e o actoadministrativo, apenas, no intuito de subtrahir o funccionario,no caso de acto administrativo, á pesquizas ou demandas pe-rante os tribunaes judiciários; mas não se conhece aresto, quehaja declarado, em principio,— que o Estado não fica sujeito áser demandado no caso de tratar-se de culpa pessoal.81

 

mas também, de oocupar elle o elevado posto de vlce-presidente do Con-

selho d'Estado. 20 Michoud, loc. oit., p. 6-7.— Vide : Hic, p. 815, a opinião de Du-gait a respeito das culpas pesscaes e culpas da fwncção. 

81Michoud, loc. cit., e nota ibi. ~ Bailby, tratando deste ponto em particular, affirma que a distincção

entre actos de serviço e factos pessoaes do funccionario tem sido admittidapelos diversos autores, e, em contrario do que Michoud parece affirmar, elle 

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Por íallar, incidentemente, em subtrabir o funccionario' áindagações judiciaes, não se pense que o mesmo esteja exemptode responder no judiciário pelas culpas ou damnos commettidos

contra terceiros, mesmo em razão do cargo. Não, de certo. Aocontrario, revogada pelo decreto de 19 de setembro de 1870 aproliibição fundada na legislação anterior de processar os agen-tes do Governo sem prévia autorisação deste (sans autorisation préalable); tem-se agora como certa e reconhecida, a jurisdicçãodos tribunaes judiciários a esse respeito, nos limites de suacompetência.8S A questão única, que subsiste, e com certezasubsistirá, emquanto houver as duas jurisdicções (ContenciosoAdministrativo e Autoridade Judiciaria), é a de saber,—quando

os tribunaes de justiça ordinária se deverão abster de tomar 

cita decisões do Trib. dos Conflictos e do Conselho de Estado, consagrandoo principio dessa distincção. Não se conhece, porém, diz Bailby, nenhumcritério seguro, que se deva seguir a respeito; porque um mesmo factopoderá, em certos casos, não ser, senão, uma culpa administrativa, e, noentanto, degenerar em culpa pessoal por motivos e ciroumstancias par-ticulares. 

O autor lembra vários casos e hypotheses, donde melhor se apura adificuldade do critério procurado.—Vide:" Dè la responsalnlité de VEtat'',p.140-147. 

22 Quanto aos juizes o cod. do processo (cod. de procedure)  já continhadisposição expressa consagrando a sua responsabilidade judicial: 1) noscasos de dolo, fraude ou concussão; 2) noutros casos declarados expres-samente na lei; 3) quando a lei declara os juizes responsáveis, sob a penade perdas e damnos (à peine de dommages et intérêts); 4) quando hadenegação de justiça (Cod. cit., arts. 505 seg). Sobre este ponto emparticular é de vôr: René Bellanger,   Du Juge qui fait le procès sien. —Paris, 1892. 

— A responsabilidade do professor, que o art. 1884 lhe reconhecia,no caso do damnos causados pelos aluamos das escolas do Estado, foi

substituída pela do Estado (lei de 20 de julho de 1899); visto como o pro-fessor publico não podendo escolher, nem o local, nem o pessoal, nem osseus aluranos, a sua responsabilidade exclusiva no facto seria injusta. 

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conhecimento do feito ou demanda por se tratar, na e3pecie, de umacto, rigorosamente administrativo, e,por conseguinte, fora da sua

 jurisdicção própria.. -a2a 

§ 2.° CASOS B DECISÕES 

65.—ACTOS LEGAES OU ISENTOS DE CULPA.  Debaixo destetitulo são de comprehender, principalmente, os chamados « actosdo império », a dizer, o exercício immediato do poder publico, ebem assim, quaesquer outros actos, que o Estado ordena e pratica, de animo deliberado, fora de toda culpa, sob as suas formasde governo, autoridade e administração publica, muito emboracerto ou consciente, de que taes actos sejam susceptíveis de causar damno aos direitos individuaes. Entendesse, que são deliberados e executados em nome do bem publico, superior ao dosindivíduos particulares, e mesmo às vezes, como necessários áprópria defesa e segurança do Estado. A julgar das espéciesoccorrentes, a jurisprudência dominante acerca de taes actos éa que vamos expor em seguida.  I 

65 a.—   Actos legislativos. A irresponsabilidade pelos actoslegislativos é affirmada de modo absoluto; estes actos não podemdar logar ã nenhuma acção nem contra o Estado nem 

sa » Vide: Laferrière, ob. cit., 1.1, p. 644 sg. A abrogação do art. 75 daConstituição do anno VIII pelo decreto de 19 de setembro de 1870, observaBailby, deixou subsistir, o principio que veda aos tribunaes judiciários apre-ciar os actos administrativos; mas o dito decreto da exclusivamente a essestribunaes o direito de conhecer das culpas pessoaes, separáveis da funcçãoe susceptíveis de ser apreciadas, segundo os princípios do direito commnm.— Loo. cit, p. 142. Sobre este ponto é também de ver:—E. H. Porreau,  Dela responsábilité envers les particuliers ães fonctionnaires aãvninistratifs,\ —Bordeaus, 1894; Guérin, La responsábilité civile ães fonctionnaires pu-\ blicsenvers lei particuliers,— Paris, 1895; Nésard, Theorie juridique de la

 fonction publique, — Paris, 1901; A. Gr. Boulen, De la. reapomábilitéenversles partkulier8 ães fonctionnaires administratifs, — Rennes, 1-902. 

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contra as pessoas dos legisladores, que hajam tomado parte nasua adopção. Si bem que o legislador deva proceder cora a má-xima prudência, evitando sempre offender aos interesses priva-

dos; todavia, si assim não fizer e ferir realmente esses interessesou direitos, é ao próprio legislador que cabe o livre arbitrio deconceder, ou não, a satisfação do damno, porventura, resultantedas suas leis e resoluções. Conseguintemente, desde que o actolegislativo em questão não consigna, de modo explicito ouimplícito, o direito ã uma indemnisação, a jurisprudência se temrecusado firmemente a admittir qualquer acção ou reclamaçãoneste sentido.28

 

« Quando o Estado desempenha a sua funcção de fazer as

leis, não pôde incorrer em culpa civil, porque a culpa presuppõea violação de uma obrigação... Mas se o poder legislativo esta-belece uma regra de direito, que esteja em contradicção corauma anterior, elle não viola esta ultima; a abroga ou a modifica,haja, ou não, assim declarado expressamente. Pôde suc-cederque, por uma lei ordinária, o legislador derogue às leisconstitucionaes; neste caso, elle não as abroga nem as modifica,porque para tanto carece de direito; elle as viola, porque,theoricamente, ellas subsistem em vigor. Se pôde dizer que o

poder legislativo commettêra uma culpa, lato sensú. Mas nãoexiste nenhum meio jurídico de fugir á applicação de uma leiinconstitucional, e de declarar a fortiori o Estado civilmenteresponsável por essa culpa; porquanto em França a própria leiinconstitucional tem, pela força das cousas e em vista dos meiosde execução que possue o Estado, um caracter imperativo; osnossos tribunaes judiciários ou administrativos, accrescenta-se,não tem o direito de apreciar a constitucionalidade das leis. »23*| 

23 Vide: Laferrière, ob. cit., t. II, p. 4 e 13 sg. e decisões citadas ibi;Michoud, loc. cit., p. 254-55, e decisão do C. E. 4 abril 1870, ibi citada.23« Vide: H. Bailby, ob. cit., p. 166. 

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65 b.—  Actos judiciários. Igual irresponsabilidade, cobertapela égide da soberania, se reconhece ao Estado pelos actos dos juizes e tribunaes (despachos e sentenças), cuja legalidade é sem-

pre presumida. Mesmo em casos, nos quaes se dá talvez um actoillicito da autoridade judicial, em regra, se tem decidido namesma conformidade. No entanto, em virtude de lei recente (8de junho de 1895) a irresponsabilidade judiciaria soffrêra mo-dificação importante; admittindo-se, agora, a acção de indem-nisação contra o Estado em favor dos indivíduos, que forem de-clarados innocentes pela revisão das sentenças criminaes, queos tenham condemnado.24

 

65c.— Actos de governo. Os-actos de governo, propriamenteditos (hic, p. 102, nota 14), são também considerados, como per-tencentes ã uma região superior, distincta da administração nosentido stricto desta palavra (hic, p. 102, nota 15), e conseguin-temente, declarados isentos da obrigação de prestar uma in-demnisação, salvo deliberação voluntária por parte do próprioEstado em favor dos interesses do lesado.z5

 

— Quanto aos actos da administração, propriamente, aindaque predomine também a seu respeito o principio da irresponsa-bilidade; todavia, não são poucas as modificações ou excepções

feitas ao dito principio, como melhor se verá das próprias es- pécies, de que teremos de fazer menção. 

24 Vide: Michouâ, loc. cit., p. 260 e 275 sg.; Laferrière, ob. cit., t. II,p. 184-85.  I 

I 25 Laferrière, loc. cit., p. 12 e 32; Michoud, loc. cit., p. 256-59. — Esteultimo autor cita numerosos julgados neste sentido. — Lonné (Les Actesde Governement), depois de haver afflrmado que o individuo tem direitossuperiores e anteriores aos do Estado, e qae o Estado os deve respeitar,accrescenta: « H existe cepeitãant une theorie dans le droitpiiblic françaisl qui

 peut servir de justificativa aux atteintes les plus graves aux droits indim*diiels; c'est la theorie dite des actes de governement.» — Loc. cit., p. 6. 

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— 352 — 

65 d. —   Desapropriação, e occupação temporária da pro- priedade por utilidade ou necessidade publica. Toda desapropriação,

feita por causa de utilidade publica, dá ao lesado o direito de umaindemnisação ; este direito está reconhecido em lei expressa ;conseguintemente, jamais fora elle recusado ou posto em duvida pela

 jurisprudência.26 Um direito análogo de indemnisação é reconhecido,no caso de occupação temporária da propriedade alheia. Apenas,quanto á occupação temporária, se admitte uma excepção em favordos serviços militares, notadamente em casos de guerra, si asnecessidades da defesa exigirem semelhante medida. A próprialei(dec. de 10 agosto de 1853, art. 39) o declara : "Qualquerconstrucção, qualquer privação de goso, qualquer demolição,destruição ou outro damno resultante de um facto de guerra ou deuma medida tomada de defesa, seja pela autoridade militar durante oestado de sitio, seja por um corpo de exercito ou destacamento, emface do ini- 

26 Vide: Aubry et Rau, Cours de droit civd (rançais, t. II, § 193, p.297 sg., 5a edic. Paris, 1897. Neste logar se acha indicada a legislaçãofrancesa, tanto relativa á propriedade imraovel em geral,como a certos casosespeciaes, e bem assim, a citação de decisões concernentes do Conselho de

Estado. —Talvez devido á circiimstanci a de o direito de indemnisação nocaso de desapropriação por utilidade publica se achar hoje declarado ougeralmente reconhecido em artigo do próprio direito constitucional, — amor-parte dos autores não se referem á esta espécie de lesão, quando seoccupam do thema da responsabilidade civil do Estado. Entretanto não nosparece que essa omissão seja assaz justificável; ao contrario, pensamoscom P. Palazzo que, precisamente, neste reconhecimento de indemni-sar odamno, proveniente da desapropriação por utilidade publica, se offe-receargumento irrecusável, de que o Estado -poder publico, não obstante agirem vista dos fins ou da necessidade publica, 6 o primeiro a se confessarobrigado a reparar as lesões do direito individual, e que, portanto, semostram incoherentes os que, admittindo a responsabilidade de in-

domnisar no caso da desapropriação, negam-na, comtudo, nos outros casosde lesão da propriedade privada, sob o pretexto, de que o Estado age nasua qualidade de poder publico ou soberano.—Vide: Palazzo, ob. cit., p.31-.32. 

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migo, não dá lugar á nenhum direito de indemnisação." Entretanto devemos ajuntar, que a despeito dos termos categóricosda lei, que acabam de ser citados, mesmo se tratando de caso

de guerra, a jurisprudência tem, por diversas vezes, reconhecidoo direito de indemnisação a favor dos indivíduos lesados emdadas circumstancias do facto.  n 

— Quanto á desapropriação, propriamente, o prejuízo re-sultante se pode estender á um grande numero de pessoas, taescomo: o proprietário, o usofructuario, o usuário, o rendeiro, olocatário, o sub-locatário, etc.; a todas ellas se reconhece di-reito a uma indemnisação distincta, e esta deve ser arbitradapor um jury, segundo regras estabelecidas na lei.26* 

65 e — Actos de policia e segurança publica. Estes actosse distinguem principalmente em medidas de ordem publica, emedidas de policia sanitária ou saúde publica. 

1) Quer no uso das medidas expressamente declaradas nasleis, quer no emprego de outras excepcionaes, que o governoou a autoridade publica ponha discricionariamente em pratica,para o fim de manter a ordem publica, se podem, sem duvida,dar frequentes lesões dos direitos individuaes, não só, da liber-dade, mas também, da propriedade privada; éisso cousa sabida,

e que ninguém pensará em contestar. Todavia a regra geral damatéria é: o Estado não responde civilmente pelos damnosprovenientes de semelhantes actos, muito embora, no caso deculpa dos respectivos agentes, possam estes, às vezes, ser cha-mados pessoalmente a responder pelos abusos commettidos.27

 

28» Estas regras se acham devidamente expostas por Siraonet (DroitPublic et Adm., n. 961) e illustradas pelas decisões da Corte de Cassaçãoproferidas sobre os casos occorrentes, 

27 Nos casos de omissão se sustenta também o principio da irrespon-

sabilidade. Assim se deeidio, por exemplo, na omissão dos agentes da admi-nistração em tomar as medidas precisas de segurança contra manifesta- 

23  n. c. 

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Um dos actos do poder publico, praticado no intuito demanter a ordem publica, e que assume, só por si, um caracter damaior gravidade, é o Estado de sitio. Elle pode ter em vista, não

só, a segurança interna, como, externa do paiz, em dadomomento. Segundo a lei que regula a matéria na França (lei de 9agosto de 1849, e de 3 de abril de 1878), as medidas ex-cepcionaes do estado de sitio consistem: em autorisar buscas,em afastar os indivíduos suspeitos (les repris de justice) e aspessoas não domiciliadas, em apprehender armas e munições, eem prohibir as reuniões e as publicações, consideradas peri-gosas. Os cidadãos, diz a própria lei, continuam, não obstante oestado de sitio, a exercer todos os direitos garantidos pela

Constituição, cujo goso não se considera suspenso em virtude dodispositivo citado. E' pois natural, observa Laferriére, que,conservando os direitos deixados intactos pela declaração doestado de sitio, os cidadãos conservem igualmente os recursos eas acções de justiça, que servem de sancção a esses direitos.28

No entanto, a julgar pelas decisões até agora proferidas, já peloTribunal dos Conflictos, já pelo Conselho de Estado, relativa-mente a pedidos de indemnisação por damnos causados duranteo estado de sitio, se chega á convicção de que semelhante in-

demnisação não é admittida, sob o fundamento de se tratar demedidas tomadas no exercido e limites de poderes consagrados 

ções popalares, que constrangiram a um individuo particular a deixara cidade, onde exercia a sua profissão (C. E. 8 de janeiro de 1875).Do mesmo modo se decidio a respeito do accidente cansado por nm tirodado por desconhecido, sendo a policia acousada da falta de devida vigi-lância, á que é obrigada (C. B. 13 de janeiro de 1899). Na decisão o Con-selho de Estado declarou positivamente: "E' de principio, que o Estado,como poder publico, e notadamente no que respeita ás medidas de poli-cia, não responde pela negligencia dos seus agentes."—Esta ultima de-

cisão fora, todavia, objecto de critica fundada. Vide : Bailby, ob. cit.,|p. 170-171. 28 Laferriére, loc. cit., p. 37. 

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na lei.. ,29 A expressão limites parece indicar que, transpostos estes,a indemnisação pode ter logar. Não ha, porém, decisões explicitas,que autorizem a affirinar, ou a negar, o principio da

responsabilidade civil do poder publico sobre este particular. 

65 f. — Fallando, em geral, das medidas policiaes sobre aordem ou segurança publica, cumpre, entretanto, não omittir: airresponsabilidade por taes medidas só se estende âquellas,consideradas necessárias e  próprias do fim indicado,— manu-

 \tenção da ordem, e não, a todos e quaesquer actos, que se praticama titulo de policia, porventura, lesivos dos direitos in-dividuaes daliberdade e propriedade. Não, positivamente não: isto seriacontradictorio ao principio geral, que reconhece ao Estado a

obrigação essencial de defender e garantir esses mesmos direitos, e,aliás, um dos fins immediatos das próprias medidas policiaes, cujoemprego o Estado autorisa aos seus func-cionarios.80

 

29 S&o de ver: T. 0. 26 julho de 1873, CasoPelletier ; C. E. 5 julhode 1874, Caso Chéron; 24 dezembro do 1875,   Memorial des Yosges. Ante-riormente : C. B. 5 janeiro de 1855, Caso Boulé; 10 janeiro de 1855, Caso

 Dautreuille. Os últimos arestos versaram sobre daranos causados a typo-graphias, onde se publicavam jornaes interdlctos em virtude do estado desitio. —Laferriére, loc. oit. 

8(

> « Tout (Vabord elle (1'irresponsabilité) n'existe que si 1'aote repro-che au fonctionnaire a été fait reéllement dans uu but de police, pour pro-teger les interêts que la puissanoe publique a pour mission de défendre.Elle cesse au contraire, lorsque le pouvoir confie au fonctionnaire a étédétourné de son but...»— Michoud, loc. oit., p. 260. 

Nos termos da lei de 5 de Abril de 1884 (art. 106), as oommunas sãocivilmente responsáveis pelos estragos e damnos, resultantes de crimes edelictos commettidos, por força ou violência nos seus territórios, em con-sequência de tumultos ou ajuntamentos armados ou não armados, seja con-tra as pessoas, seja contra as propriedades privadas. "E" ama excepçãonotável, diz Journé, ao principio da separação dos poderes e a regra, queo Estado, o departamento e a communa não são jamais responsáveis pelosseus actos de policia ou peta negligencia de não haverem tomado as ne- 

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Assim é, que se podem citar, como exemplos, alem deoutros, os casos seguintes: 

— No fechamento de uma fabrica de phosphoros, feita á

pretexto de medida policial, mas, em verdade, para assegurar omonopólio do Estado e evitar, por esse meio, a necessidade desua desapropriação e consequente indemnisação, foi reconhe-cida a responsabilidade do Estado de pagar ao individuo lesadoa indemnisação pedida.31

 

cessarias medidas a respeito ".— M. Journé, Preás Elem. de droit admi-nistratif, pag. 131, Paris 1904. Ha nisto, sobretudo, uma condradicção, dizoutro autor, pois, emquanto se impõe semelhante obrigação ás communas,

dá-se o contrario com relação ao prefeito, isto é: quando os actos de policiasão exercidos por este em nome do Estado, elle ó irresponsável pelas con-sequências dos mesmos actos l—H. Bailby, ob. cít., p. 171-72. 

31 0. E. 4 dezembro de 1879. Esta doutrina tem sido igualmenteapplicada contra as communas, quando o maire nega o alinhamento de ruaao particular, — com o propósito de impedil-o de construir, e evitar, destasorte, uma desapropriação, que as vezes se afigura de necessidadepróxima para a communa. (C. E. 18 julho de 1873; 11 julho de 1879; ap.Michoud, loc. cit). 

Sobre a matéria especial de monopólios industriaes que o Estado sereserva, cumpre attender. Em uns casos a lei os tem estabelecido, guar-dando inteiro silencio quanto á questão de indemnização. Assim succedeu

com relação á fabricação do tabaco, segundo a lei de 12 de fevereiro de 1835,declarando, a esse respeito, o Conselho de Estado: que o Estado não podiaser responsável pelas consequências das leis que, num interesse geral, pro-hibem o exercício especial da industria...; que a lei de 12 de fevereiro de1835, interdictando a fabricação do tabaco, não havia aberto nenhumdireito á indemnização em proveito dos individnos que anteriormente seentregavam ã essa fabricação (C. E. lide janeiro de 1838, Duchatelier; '28de maio, Mathon). Do mesmo modo a lei de 2-6, maio de 1837 monopo-lisouera favor do Estado a industria ou exploração das linhas telegraphicas semcogitar de indemnização aos particulares, e o Conselho de Estado serecusou por isto a reconhecer semelhante direito ás em prezas, que foramdesapossadas desse ramo de industria (C. B. 6 agosto de 1852, Ferrier).Em outros casos, porém, a lei estabelece o monopólio e, ao mesmo tempo,o direito á indemnização respectiva. Foi o que fez realmente a lei de 2 doagosto de 1872, a qual attribuindo ao Estado o monopólio da fabricação e 

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— Na apprehensão de objectos, por mais legitimo que sejao acto da autoridade policial, o Estado se constituo responsávelpela sua restituição a quem de direito; e assim não o fazendo,

recáe sobre o mesmo a obrigação de indemnisar.sa

Neste casoparticular se tem entendido que o acto da autoridade publica,tomando, pela guarda dos objectos, o caracter de deposito, entrana categoria dos actos de gestão; razão, então determinante daresponsabilidade do Estado. 

65 g.— 2) Quanto ás medidas, que a autoridade publica[pode tomar contra a invasão ou propagação das epidemias,epizootias, e a carestia de viveres ou géneros alimentícios, adoutrina applicavel â espécie, segundo Laferrière, é a seguinte:Em geral quanto á policia sanitária, o Estado ou o governo éautorisado por lei expressa (de 3 março de 1822) a interdictar as fronteiras terrestres e marítimas, por meio de quarentenas ecordões sanitários, às pessoas, &s mercadorias, aos navios e aoutros instrumentos de transporte que sejam susceptíveis detransmittir o contagio. Pode igualmente adoptar medidas deprotecção interna, declarando interdictas as localidades con-taminadas. Taes medidas são verdadeiros actos de soberania,cuja sancção ê assegurada por penas severas, inclusive a pena

de morte (lei cit., art. 7.°, sg); sobre ellas não se admitte re- 

venda dos phosphoros chiiuicos, ajuntara logo, « que os particulares nãolpodiam ser desapossados das suas fabricas o do direito de exercer a in-dustria, senão, por via da desapropriação » (Trib. de Marselha 25 de marçode 1874; Trib. de Dijon 24 de novembro de 1875; Trib. do Bourges 11 dedezembro de 1875). Diz-se que as razoas differentes das leis sobre a ma-téria vém de qne, em uns casos, o Estado priva aos particulares da indus-tria, nao em vista de um lucro, mas de um fi.ni de ordem, segurança ousaúde publica; ao pa*so que, era outros, o Estado, visando um lucro, naose deve enriquecer a custa dos particulares, aos quaes priva de sua ex-

ploração lucrativa. —Vide: H. Bailby, ob. cit., p. 187-88. 

8 C. E. 2 março de 1883; 20 janeiro de 1884; ete. 

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urso algum contencioso no intuito de annullar as deliberaçõestomadas ou de obter a reparação dos damnos causados na suaexecução (lei de 21 julho de 1881, art. 24, sg). Todavia, si, como

medidas governamentaes, tem ellas este caracter de irresponsa-bilidade, comtudo, os actos da sua execução pelos respectivosfunccionarios são sujeitos a certas regras de fundo e de forma, ea não-observancia destas regras pode dar logar á responsa-bilidades. Por exemplo, em um aresto de 26 fevereiro de 1863(Caso Ouilbaud) o Conselho d'Estado, não obstante ter decidido"que os damnos, causados aos particulares na execução demedidas sanitárias, não podem dar logar a nenhum recursocontra o Estado," examinara, entretanto, o fundo da questão para

saber, si a ordem de pôr a pique e fazer submergir um navioinfectado de febre amarella, como meio de desinfectai-o, tinhasido regularmente dada e notificada, e si na sua execução sehaviam guardado todas as precauções que as circumstanciascomportavam 83; donde é licito inferir que, no caso dos actosalludidos não terem revestido todas as formas legaes, o pensa-mento do Conselho de Estado fora apparentemente, que a irres-ponsabilidade devia cessar... 

— A matéria da saúde publica e das medidas á ella con-

cernentes é agora regida na França pela recente lei de 15 defevereiro de 1902, com algumas pequenas modificações feitaspela de 7 Abril de 1903, e pelos vários regulamentos expedidosneste ultimo anno. Segundo a nova legislação a autoridade sa-nitária se acha revestida de amplos, senão, discricionários po-deres em relação ás medidas de policia sanitária. Mas, isto nãoobstante, o direito de indemnisação foi reconhecido, ao menos,em dous casos: 1) quando a autoridade {ordena a destruição demoveis, susceptíveis de transmissão ou contagio da peste (lei de1902, art. 26); 2) quando, em se tratando de prédios, for 

33Laferrière, loc. eit., p. 42. 

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reconhecida a insalubridade dos mesmos por causas permanen-tes; devendo-se, neste ultimo caso, proceder a sua demolição,mas, mediante prévia desapropriação por utilidade publica feita

nos termos da lei reguladora desta matéria (lei cit., art. 18)-M

Por emquanto, não se conhecem ainda decisões judiciarias •sobre lesões dos direitos individuaes, porventura, resultantesdas medidas autorisadas na recente legislação sanitária, de quevimos de faliar. 

— Quanto á policia sanitária de animaes, o governo podeigualmente vedar a entrada dos que forem susceptíveis de com-municar a sua doença contagiosa -, mandar matal-os nas fron-teiras e tomar outras medidas prudentes contra a invasão daepizootia no paiz (lei cit. de 1822, art. 5); assim como, poderáprohibir a exportação dos animaes afFectados de doenças con-tagiosas. Sobre todas estas medidas não se admitte nenhum re-curso contencioso ou pedido de indemnisação (lei de 21 de julhode 1881, art. 18). Tratando-se, todavia, de medidas internas, dizLafêrrière, razões de equidade tem feito admittir a inde-mnisação em favor dos proprietários dos animaes, mandadosmatar pela policia, guardadas certas condições impostas (Lei de1881, arts. 14 a 22; 0. E. 16 maio de 1884, Caso Lafon). I

— Quanto às medidas contra a carestia, ellas podem no-

tadamente consistir em vedar o consumo de determinados ce-reaes ou o emprego de certos géneros alimentícios para finspuramente industriaes. Não ha lei expressa, que dê semelhantefaculdade ao governo; mas este tem usado delia, apoiando-se natradição. E o facto é, que o Conselho de Estado, tendo tomadoconhecimento de um pedido de indemnisação, fundado no pre- juízo causado aos industriaes pelo acto do governo (decreto de26 de outubro de 1854) que vedara a "distillação dos cereaes ede qualquer outra substancia farinácea própria para alimenta-

8* Vido*. Hio, oap. VI,medidas sanitárias, nota "demolição de prédios." 

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ção", decidira: que uma tal prohibição era uma medida de governo,tomada no interesse geral e da segurança publica, e que,conseguintemente, não cabia ao Estado a responsabilidade pelos

prejuízos particulares dalii resultantes.86

 

65 h.—   Actos ou factos de guerra. Tratando-se de actos deguerra, quer osdamnos sejam occasionados pelos inimigos, querpelas necessidades da defesa nacional, a regra é : que elles não creampara o Estado a obrigação de indemnisar.36 Não ha duvida, que, maisde uma vez, o Estado tem concedido reparação aos indivíduos pelos(Jamnos resultantes da guerra87; mas, assim o tem feito, não, emreconhecimento de um direito dos mesmos, e sim, por consideral-ode equidade, ou um acto de boa politica para os interesseseconómicos da collectividade. 

Cumpre, porém, observar que, nem todo facto, praticado naguerra ou em vista da guerra, deve ser considerado exempto 

35 C. B. 26 fevereiro de 1857, Caso Cohen.— Cf. H. Bailby, loc.cit.,p. 196-97. 

36 Sourdat, loc. cit. ns. 1305 e 1331; Ibidem: C. B. 11 maio, 1854;18 agosto, 1857; 9 maio, 6 junho, e 8 agosto, 1873, etc. 

87 As leis de 6 setembro de 1871, de 7 abril de 1873 e 28 julho de

1874 autorisaram indemnisacões pelas perdas soffridas em consequênciada guerra estrangeira ou civil. Mas nos pareceres e noutras declarações,feitas pelos legisladores, ficou accentuado, que, com isso, não se pretendiacrear um direito á indemnisação, nem consagrar uma divida do Bstado ;|tratava-se apenas de um acto de beneficência ou generosidade nacional, se-gundo a expressão de Thiers. —Vide: Laferrière, loc. oit., p. 54; —Sourdat, loc. cit., n. 1331; Michoud, loc. cit.; H. Bailby, ob. cit., p. 174-75.  

Em todo caso, só o poder legislativo tem o direito de conceder, ou não,indemnisação por perdas semelhantes; o poder executivo carece deste di-reito, conforme se pronunciou o Conselho de Estado (18 maio de 1877) sobreuma reclamação do Banco de França, relativa á somma de sete milhões defrancos que lhe haviam sido extorquidos pela communa levantada em in-surreição. Não seria preciso accrescentar,—que o conhecimento das re-clamações a respeito de actos de guerra pertence ao Contencioso Adminis-trativo, com exclusão dos tribnnaes judiciários. 

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de indemnisação. Quando as medidas são a consequência do es-tado actual de guerra e immediatamente necessárias ao ataqueou á defesa na luta com o inimigo, sem que, aliás, importem

uma posse permanente das cousas, não ha certamente direito áindemnisação; mas quando se trata de actos livremente or-denados, como medidas de precaução, esse direito é admissivel.Particularisando, pensa Sourdat, que a destruição de uma pontepara cobrir a retirada das tropas, e o incêndio de habitações,causado pelo íogo da artilheria, podem servir para illustrar ocaso: na primeira hypothese, ha uma verdadeira desapropriaçãopor causa de utilidade publica, e portanto, indemnisavel; na se-gunda, o damno deve ser considerado, como resultante da forçamaior, e portanto, não indemnisavel.w

 

Laferrière, enumerando os casos provenientes da guerra,nos quaes, segundo a jurisprudência, se dá, ou não, a obrigaçãode indemnisar os damnos, clasificâra-os desta sorte: 

« Não são de comprehender entre os actos de guerra: Io asoperações preparatórias, taes como, o fornecimento dos exérci-tos, a mobilisação, a concentração, os transportes de tropas ede suas equipagens, as marchas e manobras dos exércitos emcaminho para o theatro das hostilidades; 2o as medidas preven-,Uvas de defesa, consistentes em trabalhos feitos nas praças de

guerra ou seus arredores ou em pontos estratégicos, na previ-são de um sitio ou doutras eventualidades que se possam dar;3o as requisições militares, quando feitas no território nacionalpara satisfazer às necessidades do exercito nacional. Sobreestas requisições em particular, a lei 3 julho 1877 reconheceraexpressamente o direito de indemnisação. 

« São, ao contrario, de considerar, como actos de guerra:Io todos os damnos provenientes de facto do inimigo, mesmo em 

Sourdat, loo. olt. Cf.— C. E. 13 maio e 6 junho, 1872 ; T. C. 11 o25 janeiro, © 15 março, 1873; C. C. 27 janeiro, 1879. 

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suas operações preparatórias, porque tudo que vem do inimigotem um caracter de coacção e força maior para o paiz invadido,seus habitantes e seus haveres; 2o todos os damnos, qnaesquer

que sejam os seus autores, que resultam dos encontros á mão ar-mada, de estragos causados pelos projectis e pelos combatentes,das occupações, demolições, trincheiras, aterros, e outras obrasfeitas no campo da batalha, e nos seus arredores immediatos (sesàbords); 3o todas as occupações e destruições operadas para adefesa das praças de guerra durante o estado de sitio especial(previsto na lei 10 julho 1791 e decretos de 24 setembro 1811,10agosto 1853 e 4 outubro 1891); 4o todos os actos em geral,, que seprendem ás necessidades immeãiatas da luta ».89 Nenhuma

dificuldade, acerescenta Laferrière, se levanta acerca dos doisprimeiros pontos indicados (factos do inimigo e combates) ; masos dois outros (estado de sitio das praças de guerra, enecessidades immediatas da luta ) tem dado logar a questões dedireito e & decisões controversas da jurisprudência... 

Quanto ao estado de sitio, o qual não se deve confundircom o estado de sitio politico (previsto pelas leis 9 agosto 1849e 3 abril 1878), é preciso, que o mesmo seja effectivo, e decla-rado nos termos da lei. Durante o estado de sitio (por motivo de

guerra) os poderes da autoridade civil e a sua jurisdicção emmatéria de delictos são transferidos â autoridade militar, a qualse considera investida de poderes discricionários para os fins dasua investidura; e como os seus actos são considerados, verda-deiros actos de guerra, não se pode pedir, a respeito, nenhumaindemnísação por via contenciosa. Apenas, (conforme á lei ci-tada de 3 julho 1877), se admitte o direito de indemnísação,relativamente ás requisições de géneros e ao uso ou gôso deoutros objectos moveis ou immoveis nas condições previstas.40

 

88Loc. cit., p. 57-58. 40 Vide: H. Bailby, loc. cit., p. 100-92. 

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Mas pergunta o autor: fora deste estado de sitio da lei 1791,não ficam as pessoas e as propriedades particulares igualmentesujeitas às mesmas imposições da guerra? A jurisprudência

assim não tem admittido, ao menos, de um modo absoluto. Ellasó tem reconhecido o caracter de actos de guerra âs demolições,destruições de colheitas, damnosdetoda sorte, operados nos ar-redores de uma praça de guerra, não somente, durante o sitioeffectivo, mas ainda no período anterior, em que o sitio se mos-tra imminente.41

 

Isto não quer dizer, que todas as obras feitas no intuito dadefesa, mesmo depois de declarado o estado de sitio, mas nãorelativas á praça ou pontos em sitio effectivo, tenham sido con-sideradas actos de guerra pelas diversas decisões da jurispru-dência. *2 A regra, applicavel ao estado de sitio effectivo, o éigualmente para os casos succedidos em período de combate. 

Fora do combate ou do sitio, o que prevalece em relação âspraças de guerra, assim como, em relação aos exércitos, é:—oumedidas preventivas, que dão direito á indemnisação;—ou me-didas impostas pelas necessidades immediatas da luta, pela im-minencia do sitio ou do combate, que supprimem esse direito porserem actos de guerra, como já se disse. ** 

41

Vide: C. B. 23 maio 1873 (destruição de edifícios);— 6 junho 1873(incêndio de colheitas para subtrahil-as ao inimigo);—1° maio 1874(incêndiodo uma estancia de madeiras para evitar que servissem ao inimigo); apndLaferrière, loc. cit., p. 63.  *-| 

43 Vide: Decisões do C. B. 13 maio, 1872 e do T. C. 11 janeiro, 1878.Negon-se o caracter de actos de guerra: as obras executadas em Parizantes do desastre de Sedan e da marcha do inimigo sobre esta Capital(C. E. 3 julho, 1894,— Maurice); as executadas em Lyon no mez de setem-bro, quando anda nenhum estado de sitio ameaçava a referida cidade(C. B. 13 maio, 1872,— Brac de la Perrière);as executadas em Belfort, dousmezes antes da investida, época, em que o estado de sitio nao parecia im-minente (C B. 15 março, 1878,— Fkreck;16 maio, 1874.— De Riencourl);

13 fevereiro, 1874.— Batteux)." 48 Laferrière, loc. oit., p. 66 

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Sobre este ultimo ponto, " necessidades immediatas ", oaresto do Conselho de Estado de 9 maio 1873 (Pesty Remond)

contém a doutrina corrente. Tratava-se da occupação de umapropriedade situada perto de Versailles por um corpo de tropasreunidas para o segundo sitio de Pariz; e sustentou-se que essaoccupação não tinha o caracter de um acto de guerra, visto comoa autoridade militara havia deliberado livremente, e que, alémdisto, não se achava no theatro próprio das operações do sitio. OConselho de Estado, porém, respondera, que a occupação se haviaimposto, como uma necessidade das operações militares dirigidascontra Pariz e para o fim de fornecer um logar de acampamento áuma parte das tropas destinadas a participar dessas operações;que ella cessara, desde que as tropas se haviam ap-proximado dePariz, e que, em taes circumstancias, devia ser considerada factode guerra... Nos considerandos da decisão, se disse:« A doutrina,que não vê o acto de guerra, senão, no acto fatal, a aggressãobrutal, subdivide arbitrariamente uma operação única. Ellaadmitte o facto da guerra lá onde se estabelece a bateria, lá ondetroa o canhão, lá onde se move a columna do assalto; mas não oadmitte, onde acampam os homens promptos a formar a suacolumna, onde estão as reservas das tropas, da artilharia, das

munições, que permittem entreter o fogo e utili-zar-lhe oseffeitos,—como si um facto fosse possivel sem o outro, como sinão fossem as faces diversas de um mesmo objecto, que é oexercito sitiante ...»á4

 

De accordo com a doutrina mencionada, e, conseguinte-mente, não dando direito á indemnisação, tem sido esta re-cusada igualmente nos seguintes casos:—na tomada de moinhose de forragens em terrenos occupados pelo exercito sitiante (C.E. 11 maio 1854,— CiviU)\ no corte e devastação de plan- 

44 Apud Laferrière, loc. oit., p. 58-59. 

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tacões para as necesidades das tropas dos postos avançados (0.E, 1 maio 1874,— Defretne); na tomada de saecas de lã paraamortecer os projectis (C. E. 8 junho 1873,—Faglim); etc. I

Não ha mister insistir, que se trata de factos que, bem ou mal,se consideram motivados pela necessidade actual imme-\ diata;desde que assim não sejam, devem entrar na categoria dos actos preparatórios ou  preventivos, e como taes, susceptíveis deindemnisação.45 Conforme á ultima regra foi, por exemplo,recusado o caracter de actos de guerra âs occupações de terrenose âs obras de fortificação, feitas em dezembro de 1870 nas li-nhãs de Carentan, para defender a península de Contentin contrauma aggressão, que não estava imminente, e que não se deu jamais, e bem assim, as que foram feitas para fortificar os arre-dores do Havre em uma época, em que o inimigo não mostravaainda o designio de nenhum ataque (C. E. 28 junho 1873, — Dumont \ T. C. Io fevereiro 1873, — de Pomereu). 

65i.— Obras públicas em geral. A regra desta matéria ê:que o Estado toma â sua conta todos os damnos resultantes daexecução, boa ou má (irréprocháble ou defectueuse), das obraspublicas que elle emprehende. Em certos casos dita regra pôdesoffrer restricções, tornando-se a responsabilidade do Estado,

umas vezes, somente subsidiaria, e outras vezes, insubsistentemesmo; mas taes restricções, que se devem apoiar na legislaçãoespecial sobre a matéria, não destroem o principio geral estabe-lecido.46 A. administração, embora conservando-se no limite dos 

45 Laferrière, loc. oit., p. 60.—Cf. Batbie, Précis de droit public et!administratif, p. 323-24. Pariz, 1885.  B 

— Todas as reclamações da espécie são do conhecimento do Conten-cioso Administrativo, salvo o caso de indemnisação por damnos em imrao-veis, resultantes de obras executadas, distantes das praças de guerra, cujoconhecimento pertence então ao Judiciário. (T. C. Io fevereiro 1873, —de

Pomereu). 48 Michoud*loc. cit., p. 274-75 ; Cf. H. BaUby, loc, cit., p. 199 sg.  

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seus direitos, ou mesmo, no desempenho das obrigações que lhesão legalmente impostas, não fica por isto menos sujeita a repararos damnos causados na execução das obras publicas. . . Estas

devendo aproveitar a collectividade, é justo que os seus encar-gos sejam igualmente repartidos entre todos. A jurisprudênciaadmitte mesmo, que a responsabilidade de reparação possa sub-sistir nos próprios casos de força maior • distinguindo entre oseffeitos, naturaes e directos, desta força, e as aggravantes, quea obra publica possa occasionar. Por exemplo, dá-se a suppostaaggravante dos effeitos, quando a violência ou duração de umainundação é augmentada, ou por trabalhos executados no cursodas aguas e nas suas margens, ou por aterros de estradas de

ferro, retardando, em consequência, o escoamento da enchentee o enxugamento das terras.47 

Alem disso, a regra comprehende, tanto as obras publi-cas,*9 mandadas executar directamente pelo Estado, como asque se fazem executar por adjudicação (concessão), e ella serefere, não só, aos damnos causados ás pessoas, como também,às cousas. á9

 

47 Laferríòre, loo.cit., p. 156-157.—Segundo diz Sourdat, diariamente

se concedem indemnisações, por damno directo e material, aos proprietários, cujos terrenos tenham sido inundados, quer em consequência doobstáculo posto pelas obras ao escoamento das aguas naturaes das suaspropriedades ou de propriedades superiores, quer em consequência do refluir das aguas de uma ribeira, occasionado pela sabida insuficiente deixada ás mesmas (O. B. 3 setembro 1844; 9 janeiro 1849; 25 abril e 19agosto 1855 ; 28 janeiro 1886.— Sourdat, loc. cit, n. 434. 

48 A expressão — obras publicas — tem na technica da administraçãofrancesa uma significação assaz lata; nella se comprohendem, nao só, asobras, que se fazem geralmente sob a direcção immediata da administração,ou por empreitada, mas também, as que se fazem,—mediante concessões,como as estradas de ferro, os trabalhos de canalisaç&o, os abastecimentos

dagua, o fornecimento de gaz e electricidade nas cidades, a construcçaoè conservação de estradas ou vias publicas, etc, etc. 49 Sourdat. ob.cit., t. II, n. 1830 bis. 

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Mas, para que haja um damuo uo sentido jurídico da pa-lavra, observa Laferrière, é preciso, segundo a formula con-sagrada pela jurisprudência, que o damuo seja directo e ma-

terial: directo, isto é, que a obra publica seja a sua causaimmediata, e não simplesmente, a occasião; material, isto é,que se prejudique physicamente á propriedade, á sua explora-ção, ou ao seu accesso. Importa ainda, que o damuo seja actuale certo e, não somente, eventual ou  provável; que, finalmente,não se trate de simples consequências naturaes das obras feitas,as quaes, embora diminuam vantagens das propriedadescontíguas, nem, por isto, as damnificam de modo directo. Gomoexemplos relativos á esta ultima condição, o citado autor de-clara, que — a diminuição das vistas de uma propriedade porobras que a encobrem,— o bruido que causa a passagem de trenssobre uma ponta metallica,—os incommodos temporários, occa-sionados com os serviços da reparação de uma via publica, eoutros taes, não podem obrigar a administração publica â prestarnenhuma índemnisação.50

 

65 j.—Agora, em contrario, como casos, que servem paramelhor illustrar a applicação da regra geral da responsabilidade, bastara citar os seguintes :  I 

— Em consequência do levantamento do nivel de uma rua,um estalajadeiro vio-se obrigado a modificar as disposições doseu estabelecimento; e por isto, pediu, uma índemnisação pelainterrupção da sua industria e deterioração dos moveis e maisobjectos. O damno foi considerado uma consequência immediatadas obras ordenadas; e portanto, um damuo directo (O. E. 6 julho 1858).B1 Mas, si a abertura de uma nova rua, mudando acorrente da circulação popular, acarretar uma diminuição nos  

w

Laferrière, loe. oit., p. 158.—Cf. Sourdat, ob. cit., 1.1, n. 431.

61

 Simonot, Dr<Át public et administratif.,n. 1039. 

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lucros dos negociantes estabelecidos nas outras ruas visinhas; odanino aqui não é, senão, uma consequência remota da execuçãodas obras, isto é, um damno apenas indirecto e, por- | tanto, não

dará logar á nenhuma indemnisação.52 

— Quando a construcção de um caminho de ferro ou de umaterro altera as condições de salubridade e de habitação deuma casa, privando-a de luz e ar, ou tornando o seu accesso mais *difficil; ha nisto um damno material (C. E. 3 julho 1861). Mas si o aterro fosse feito á uma grande distancia da casa, e somentelhe tirasse a vista de uma bella paysagem, semelhante prejuízoseria considerado de difficilima apreciação pecuniária, por nãohaver nisto um damno material... (C. E. 25 março 1867).53

 

— Commummente succede, que os moradores lateraes dasvias publicas gosam de  permissões diversas em vista desta situação; ess&s permissões não constituem, todavia, um direitopara aquelles que as tem e, apenas, um goso precário, vistotratar-se de cousa do domínio publico, que é inalienável e im-prescriptivel. Si pois, uma obra publica nullificar algum gosoda espécie, dahi não resultará direito ã indemnisação. M Domesmo modo seria de decidir em todos os mais casos análogos. 

E' ainda de attender, qUe o damno resareivel deve resultarde um facto, que não se entenda comprehendido no legitimo 

H Ilidem.- Cf. Sourdat, loc. oit., n. 437.  V|É3 Casos ha, em que o damno pôde ser directo e material, sem que hajacontacto physico immediato entre as obras e a propriedade lesada.Assim: a derivação de um rio acarreta o fechamento de usinas estabelecidasno seu percurso, e os mineiros, ainda que collocados a grande distancia daagua derivada, soffrendo por esse facto um damno, têm direito a ser in-demnisados.— Simonet, loc. oit.—Cf. Sourdat, ob. cit.,t. I, ns. 431-32.

Este ultimo autor cita outros exemplos importantes sobre casos de daninosdirectos e indirectos, etc. 61 Simonet, loc. cit. 

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exercido do direito de proprietário. Em principio, não se pôdedesconhecer que o proprietário tem o direito de fazer no sensolo todas as construeções ou escavações que bem lhe pareçam;

não devendo indemnisação alguma ao proprietário visinuo, siusando strictamente do seu direito, as obras, por elle efectua-das, vierem causar algum prejuízo a este ultimo. À administra-ção publica não deve ter a este respeito direitos menores, que oparticular ; e por isso se tem decidido muitas vezes, fazendo-seapplicação dos princípios do código civil (art. 552), quenenhuma indemnisação é devida aos proprietários visinhos, pelofacto de as valias ou poços, feitos em execução de obras nosterrenos do Estado, haverem feito estancar as fontes que rega-vam as suas terras (C. E. 14 dezembro 1877; 11 julho 1879.)55

Mas também se tem entendido que nem sempre se deveradecidir de accordo com as regras invocadas do direito civil, querege as relações ordinárias de visinhança entre os proprietáriosprivados. Por exemplo, si em vez de uma simples valia, setratasse da abertura de um túnel perfurado atravez de terrenos,cujo fundo fosse adquirido por via de desapropriação para essefim; os damnos dahi resultantes já não seriam considerados,como consequentes do uso normal da propriedade, e, por 

55 Loo. cit., n. 1041.—Na derivação de uma ribeira para o fim demelhorar um porto, fora aberta uma grande valia nos terrenos adquiridospelo Estado. O ex-proprietario fizera, depois da venda, construcções no ter-reno visinho. Mas, desde os primeiros trabalhos da cavação da valia, assuas construcções começaram a soffrer taes abalos e desordens, que asubsistência das mesmas parecia ameaçada. A causa era, sobretudo, attri-buida á mobilidade do solo. O prejudicado levantou, portanto, o seu pe-dido de indemnisação. A administração, porém, tendo demonstrado haverprocedido com todas as precauções para impedir o ma) arguido, o pedidodo ex-proprietario foi rejeitado, visto a administração não ter ultrapassado

os limites, em que podia usar da sua propriedade. (C. E. 7 dezembro 1847 ;Cf. Bourdat, ob. cit., t. 1, n. 426. 

•21  R. C. 

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conseguinte, a quem os soffresse, caberia a acção de indemni-sac.ão (CE. 11 maio 1883). 

— Questão, muitas vezes agitada, tem sido a de saber,

si o abaixamento do solo das ruas ou caminhos públicos, diminuindo, de modo sensivel, as facilidades de accesso ás casassituadas aos lados, pode dar logar á uma acção de indemnisa-ção contra o Estado, ou contra a empreza concessionaria. Pelaadministração se tem sempre sustentado a negativa, sob o fundamento de. que as vias publicas não são gravadas de servidão alguma em proveito dos proprietários lateraes, aos quaesincumbe, alias, a obrigação de pôr os seus prédios de accordocom as condições daquellas, quaesquer que sejam as alterações

feitas para melhor attender ás necessidades da viação ; e que,conseguintemente, emquanto a administração não sahir doslimites do domínio publico, não lhe poderá caber nenhuma obrigação ou responsabilidade do facto. Entretanto pelos tribunaes  judiciários, e notadamente pela Corte de Cassação, tem sidoadmittido o direito de indemnisação em favor dos proprietárioslesados; e o próprio Conselho de Estado não tem deixado, porsua vez, de reconhecer a applicação do mesmo principio, aindaque limitando-o a determinadas circumstancias somente..56

 

Não ha mister proseguir na citação de outros casos. 

— Sobre os chamados damnos indirectos notam-se frequentes hesitações e duvidas no reconhecer aos lesados um direitode indemnisação; se podendo inferir que, em geral, esse direitolhes é negado; emquanto que, com relação aos damnos directose materiaes, já vimos e podemos repetir que, em regra, a boa 

se c. C. 18 janeiro 1826; 11 dezembro 1827; 30 .abril 1838 ; 11 de-zembro 1843.— C. B. 15 março 1844; 28 agosto 1844; 19 março 1846;

24 janeiro 1846; 18 junho 1846; B agosto 1865, — Cf. Sourdat,loc. cit., jx, 429 sg. Pode-se ver neste autor, qnaes as razões que militam em favordo principio seguido pela jurisprudência na-hypotnese das decisões citadas. 

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 jurisprudência tem reconhecida a obrigação do Estado de ptes»tar aos lesados a devida indemnisação.M  I 

Não precisaríamos lembrar que, nos casos indicados, temo-

nos apenas referido aos damnos de obras publicas, resultantesdos actos lícitos. Dos provenientes de actos illicitos se dirá;si houver casos dignos de menção, no seu logar conveniente. 

66.—ACTOS ILLICITOS OU ILLEGA.ES. Debaixo deste titulocomprehendem-se os actos lesivos, nos quaes concorrem, alémda lesão de um direito objectivo, o elemento do dolo, culpa, 

r 57 Também se comprehendem entre os damnos das obras •puhlAcm'.

os provenientes da occupação temporária de immoveis, .que a administraçãoou os emprezavios, seus subrogados, fazem para deposito de materiaes eoutros misteres, o bem assim, as cavações feitas em terrenos de terceirospara extrahir materiaes necessários às referidas obras. A lei e a jurispru-dência reconbecem a obrigação do Estado de prestar a devida indejnnisa-çao (C. E. 31 janeiro, 9 o 21 maio 1867; 4 janeiro 1863 ; 8 fevereiro 1868;6 março 1872; 8 janeiro 1875); e quando a occupação se torna prolongadaindefinidamente, ella toma o caracter de verdadeira desapropriação, e comotal, o caso, em vez de ser da júris dicção administrativa, fica 'sujeito ao co-nhecimento dos tribanaes ordinários.—Simonet, loc. cit., ns. 1046-1056;H. BaUby, ob. cit., p. 183 sg. Neste ultimo autor se encontra a indicaçãodas leis, que regulam as differentes espécies de occupaçao, sendo a mais

recente delias a de 29 dezembro de 1892. (C.C. 16 maio 1877 ; 5 feve-reiro 1879; 25 fevereiro 1880. — T. C. 14 novembro. 1879; 26 junho 1880.—C. B. 14 março 1879; 21 abril 1830; 14 março 1890; 22 julho 1892*;10 dezembro 1897). As decisões do Conselho de Estado tem sido sempre decaracter restrictivo, isto é, só admittiado a indemnisação, quando a lesãode um direito adquirido é manifesta. Por exemplo, dado que, pela elevaçãoou abaixamento do solo da rua, o proprietário lateral se veja na necessi-dade de fazer obras para dar novo accesso ao prédio, ou que este fiquerealmente depreciado, o Conselho de Estado tem decidido, que se deveprestar reparação pelo prejuízo causado; más si se trata de damno relati-vamente insignificante, como uma mudança ou perda da vista anterior, omesmo Conselho não o tem considerado, como razão bastante, paraempenhar a responsabilidade do Estado. — Vide; H. Bailby, loc. cit.', p.

200 sg. 

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negligencia, ou mesmo ignorância, por parte do representantedo Estado ou da administração publica. 

Como regra de methodo, distinguiremos os actos lesivos

praticados em consequência de relações contractuaes, dos actoslesivos praticados fora dessas relações, a dizer, no simplesexercicio da funcção publica. 

I. Casos provenientes de relações contractuaes.—De accordocom a distincção admittida entre actos de gestão e actos depoder publico, a jurisprudência também reconhece duas espé-cies de contractos distinctos, celebrados em nome e por contado Estado : os que se referem ao seu património, lato sensu, e

ás relações deste,—e os que são actos do poder publico, emboracreando um vinculo contractual entre o Estado e a parte inte-ressada . 

Nem sempre é possível manter clara, a linha divisória des-tas duas espécies de contractos,—a primeira, do conhecimentodos tribunaes ordinários, e a segunda, das autoridades admi-nistrativas; visto como semelhante classificação esta sujeita ãmesma difficuldade, que se dà em geral com relação aos actosde gestão e de império, e de que já tivemos occasião de tratar.

Todavia, é ella invocada e recommendada, ao menos, em princi-pio, como seria fácil de verificar dos diversos casos occorrentes. 

Se tem considerado, por exemplo, como contractos da pri-meira espécie, os que se fazem : sobre a adjudicação de cortesde madeira nas mattas ou florestas do Estado; sobre o arrenda-mento de direitos de caça nas mesmas; sobre o arrendamentode direitos de pesca nos cursos de aguas navegáveis; sobre oarrendamento de fontes mineraes e outros semelhantes; e bemassim, os que se referem: á locação de immoveis, â execuçãode obras publicas, á fornecimentos para os serviços públicos,á operações de empréstimos da divida publica, á operações dathesouraria, cauções ou garantias de serviços, etc.; todos os 

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quaes, são sujeitos às disposições do direito commum, ou de leisparticulares reguladoras da matéria.58

 

Se tem, porém, considerado, como da segunda espécie, os

contractos, ou melhor dizendo, certos actos de caracter contra -ctual, taes como: as concessões diversas, qne o poder publico fazsobre a navegação, a viação em geral, principalmente a decaminhos de ferro, a exploração de minas ou de vários outrosramos industriaes, a concessão gratuita de terras e de outrosbens do dominio do Estado de maneira definitiva ou revogável,e mais actos de natureza análoga. Também se tem pretendidoincluir nesta segunda espécie de contractos os engajamentosmilitares e os cargos públicos (estes últimos considerados comomandatos salariaãos).M 

Mas guardada, ou não, a alludida distincção, aos contra*ctos do Estado em geral são applicaveis os principios do direitoeivil, muito embora sujeitos à modificação. Em direito adminis-trativo, como em direito commum, diz Dareste, as convenções,egalmente feitas, fazem lei entre os que as celebram (cod. civ.art. 1134); todavia, emquanto no direito commum ellas nãopodem ser revogadas, senão, por consenso mutuo das partes con-tractantes, ou por causas previstas na lei; o Estado, ao con- 

58 Não seria preciso enumerar, entre os exemplos supraditos, os contractos ordinários da compra e venda, troca, e outros, próprios da gestãodos bens e interesses patrimoniaos do Estado. 

59 B* de ver a este respeito: Laferrière, loc. oit., p. 587-621; Dareste, La Justice Administrative, p. 388 sg. — Paris, 1898. Este segundo autor,depois de fazer um ligeiro estudo, historioo-legislativo, da matéria, diz:*Le contrai qui se forme entre VEtat tt le fonctíonnaire est un mandat sa-larié, mais un mandai sui GENEBIS.» Mas, logo em nota, observara: Trata-se apenas de uma analogia, porque a lei rege imperativamente as relaçõesexistentes entre o Estado e os funocionarios, e nenhuma convenção podederogar às disposições legaes. — Loc cit. E' também a doutrina de Lafer

rière (loc. cit., p. 619), salvo si se trata de missões ou commissões espe-ciaes, que possam ter o verdadeiro caracter de um contracto. 

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traria, pode sempre rèsilir as suas convenções, quando o inte^resse publico assim o exija, salvo a obrigação de indeninisar.Esta mesma indemnisáção, accresceuta o citado autor, é regu-

lada de maneira especial: em direito commum a satisfação dosdamnos comprehende a perda oceasionada e o lucro de que o lèdsado foi privado; em direito administrativo, isto é, tratando-se desatisfação devida pelo Estado, só se deve attender  â perdasoffrida.60 Em todo o caso, para que haja direito à indemnisação,é mister, que se trate de um verdadeiro contracto entre o Estadoe o individuo reclamante; do contrario, a administração ver-se-hia diariamente detida na sua acção. 

A jurisprudência tem mantido este principio restrictivo, e

notadamente: a) a propósito de reclamações de negociantes e iu-dustriaes, por motivo de alterações feitas nas tarifas aduaneirasou nas disposições regulamentares do exercício de certas indus-trias ; b) contra a reclamação dos açougueiros de Pariz, por occa-sião de ser restabelecida a liberdade desse ramo de commercio,de que os mesmos tinham o monopólio. (C. E. 30 junho 1859 ;14 julho 1859 ; 20 janeiro de 1882).tL

 

66 a.—Seja, porém, como fôr, em se tratando verdadeira-mente de contracto, a regra da matéria é: que o Estado responde

pelo damno proveniente das relações contractuaes, seja licito ouiUicito o acto do funccionario, que dér causa ao damno.6a

 

Não ha mister citar casos particulares da jurisprudência aesse respeito; apenas, a titulo de illustração, ainda ajuntaremosaqui algumas palavras. 

w. Dareste, loo. cit., p. 275-76. O.autor observa, entretanto, que emdecisões recentes o Conselho de Estado já tem modificado a jurisprudênciaacima dita.—Cf. Simonet, loo. cit., ns. 1017-1036 e 1045 ; — Michoud, lòc.

cit., p. 256. e* Dareste, loo. cit. ^ Vide: Michoud, loc. cit., p. 4, e 261 sg. 

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strictamente determinadas na lei (0. E. 25 julho 1884; 20 fe-vereiro 1885).64

 

A suppressão dos empregos de officiaes públicos (offieiers

mmistêriels) 6*a tem dado lugar á controvérsia. Sustenta-se deum lado, que o offieiát publico, não obstante o seu direito deapresentar successor á contento do governo, é simples titular,e não proprietário da funcção publica. Mas sabido, de outrolado, que o emprego em questão comprekende, além disso, umescriptorio e clientella, que representam um capital productivode rendimento, como o de qualquer profissão livre, não serialicito negar que a suppressão importa um damno ao titular doemprego. A lei de 18 de julho de 1866 assim o entendeu, com

eífeito, quando, supprimindo os corretores de mercadorias, lhesreconheceu logo o direito â uma iudemnisação pela perda docargo, iudemnisação, que devia ser estimada segundo os doiselementos: o titulo e a clientella. Entretanto, dado que o Es-tado augmente ou diminua o numero dos officiaes públicos emdeterminada eircumscripção territorial, conforme as exigên-cias do interesse publico, a jurisprudência tem decidido, queos então existentes não terão, por isso, o direito de reclamarindemnisação alguma (C. E. 13 de janeiro 1865). 

64 Michoud, loc. cit., p. 262 e notas ibi.—Laferrière, que sustenta quena nomeação do funccionario ha um acto de autoridade hierarchica, e nãoum contracto, cita decisões do T. C. e do C. E., recusando o direito deacção judicial de indemnisação, em favor de funçcionarios municipaes, quese queixavam de exoneração não justificada. Nas decisões alludidas „seaccentuara: que a autoridade judiciaria, incompetente para apreciar a validadeda exoneração, não podia evidentemente apreciar o pedido da indemnisação,fandado, justamente, em que a exoneração fora irregular ou inopportuna.—Laferrière, loc. cit., p. 621. 

64 * Se consideram assim "les avocats U la cour de cassatwn, les notaires,leu avoués, les greffiers, les huissiere, les commissaires-priseurs, etc.", — os

quaes, conforme a lei de 28 abril 1816, art. 91, tem o direito de apresentaro seu successor no cargo.—H. Bailby, loc. cit., p. 197;—A. Magnitot, Diction. de droit ptiblic et administratif, t. II. 

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67.—II. Casos provenientes de relações extracontractuaes.Comprehendemos debaixo deste titulo todos os actos lesivos,que se podem dar nas funcções publicas, não ainda indicados

nas classes anteriores.  I E\ sobretudo, com relação a taes actos, que se costuma

invocar a distincção, já assaz conhecida, de actos de império eactos de gestão, para decidir da responsabilidade ou irresponsa-bilidade do Estado. Como regras geraes da matéria, não seriamais preciso lembrar: — Os actos do Estado-poder publico nãodão logar a recurso algum perante os tribunaes judiciários ouadministrativos ; somente por via graciosa será licito ao lesadopedir modificação do acto ou uma indemnisação do damno sof*frido -,65 em contrario, os actos do Estado-pessoa jurídica, oumelhor dizendo, os actos de gestão obrigam o Estado pelosdamnos resultantes, e na mesma forma das disposições do pró-prio direito civil, desdeque nos actos susceptíveis dessa respon-sabilidade concorram duas condições: que o acto arguido sejapraticado pelo agente no exercício das suas funcções, e que omesmo constitua uma culpa caracterisada.66

 

67 a.—No entender dos autores e conforme á jurispru-dência fundada no direito positivo francez, a irresponsabilidade

do Estado pelos actos de  poder "publico é incontestável, aindamesmo reconhecido, que o acto arguido seja illicito ou prati-cado com excesso de poder. 

Entre outros casos, nos quaes se recusou admittir a res-ponsabilidade civil do Estado-poder, se mencionam os seguintes : 

a) O acto do governador de uma colónia ordenando ille -galmente a expulsão de um colono (C. E. 12 dezembro 1884).  

w Sourdat, loe. cit., n. 1805. M

Sourdat, loe. cit., n. 1806-1807.— Michoud, loe. cit., p. 257-258 ;Laforriòre,loo. cit., t. II, p. 188, signanter, p. 185 seg. É í  

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h) O acto de ama decisão ministerial recusando a um par-ticular a autorisaçãó necessária para explorar uma fonte d'aguamineral (CE. 23 junho 1882 j 9 fevereiro 1883). 

c)  O acto culposo de um cônsul, que causara damno, seoppondo ao desarmamento de um navio (C. E. 8 janeiro 1875).

d) O erro de um prefeito, prejudicando á Communa na co-brança de taxas (C. E. 13 abril 1881). 

e)  A demora (negligencia) em marcar os instrumentos depesos e medidas apresentados á aferição (C. E. 1 agosto 1884). 

 f) O erro do prefeito pondo fora de actividade, em virtudede seus poderes de policia, a uma usina, sobre a qual não deviarecair legalmente essa medida (C. E. 5 fevereiro 1892). 

o) O acto do governo autorisando um departamento a estabe-lecer um tramway, em concurrencia com um caminho de ferro, jáconcedido por esse departamento (C. E. 13 janeiro 1893); etc.67

 

Não são muitos, como se vê, os exemplos mencionados;mas, fundada, ou não, na autoridade dos arestos, a regra, quese insinua e prevalece, como dominante, é a da irresponsabili-dade do Estado, como acima se disse.67a

 

67 Michoud, loc. cit., p. 258-259. Não sabemos, si os poucos casos

acima citados fornecem argumento bastante para a affirmaçâo categórica,que o illustre professor. Michoud faz, da irresponsabilidade do Estado,quanto aos actos illicitos de poder publico.... 

Pelo menos, casos também tem havido, derivados de actos de poder,cujas decisões, muito embora excepcionaes, não corroboram a regra allu-dida. Laferrière (ob. cit., t. I, p. 187) dà-nos, com effeito, noticia de dousarestos; o primeiro (C. B. 26 novembro 1875) annullando um acto dogoverno por excesso de poder ; e o segundo (C. E. 5 dezembro 1879) con-demnando o Estado a pagar uma indeínnisação de 53.000 frs., como re-paração de damnos causados por um acto de poder publico. 

67a Com relação às Communas, a lei lhes attribue um circulo maior deresponsabilidade, do que ao Estado; sendo, a esse respeito, digno de toda

attenção o trabalho publicado por Michoud,   De la responsabilité desCommunes q. raison des fautes de leurs agents (na REVUE DU DROIT PUBLIC, t.VII, p. 41-84). Também se pode ver : A. G. Boulen, De la responsabilité  

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I 67 b. —Pelo que diz respeito aos actos de gestão, e algunsmesmo de natureza differente, o Estado tem sido declaradoresponsável, além d'outros, nos seguintes casos: 

a) Pelos damnos provenientes de délictos ou quasi delidos,commettidos na exploração e serviços das suas vias-ferreas,por lhe ser igualmente applicavel .o disposto no art. 22 da lei15 julho de 1845, que dispõe : « Os concessionários ou arren-datários de uma via-ferrea serão responsáveis do damno cau-sado pelos administradores, directores ou agentes, empregadosá qualquer titulo no serviço da exploração da via» férrea. OEstado será sujeito á mesma responsabilidade para com osparticulares, si a via-ferrea fôr explorada ã sua custa e por suaconta.» (C. C. 5julho 1886; 25 outubro 1886 ; 9 março 1887). 

o) Pelos damnos provenientes da administração do património ou bens do Estado, — por lhe serem inteiramente appli-caveis as disposições do direito civil, que regem as relaçõesidênticas dos particulares (T. C. 30 maio 1884). 

c) Pelo damno de accidentes succedidos a operários em tra-balho nos arsenaes (C. E. 4 abril 1879; 7 julho 1893).68 1 

d) Pela perda de um processo confiado a autoridade militar,

perda, que teve por consequência a impossibilidade de se podereffectuar a cobrança de um credito (C. E. 20 junho 1884). 

e) Pelos damnos causados ás propriedades pelos agentes danavegação, culpados da demora na abertura da comporta dasaguas (C. C. 6 janeiro 1882).

 f) Pelos damnos causados â navios em virtude de culpados officiaes do porto (CE. 6 maio 1881; 21 Julho 1882; 11 de-zembro 1885; 27 junho 1890).  I 

envers les partkrdiers ães fonctionnaires administratifs, p. 116-117, e 265 sg.— Rennes, 1902. 68 Tem-se entendido qne a lei de 9 de abril 1898, relativa aos acci-dentes do trabalho, é, por igual, applicavel aos serviços indnstriaes do Es-tado . —Vide: H. Bailby, ob. cit., p. 116 sg. 

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g) Pelos damnos da explosão de uma usina occupada pelaadministração militar para o fim da fabricação da pólvora (0. E.9 março 1877).  -1

h) Pelos damnos causados por carros ou trens de equipagens militares ou da artilharia (O. E. 4 abril 1879; 27 julho1883), ou por cavallos empregados em serviço militar (C. E.21 maio 1879; T. C. 8 fevereiro 1893).I i) Pelos damnos cansados por agentes do Estado encarregados dos serviços de uma Exposição Universal (T. O. 4 agosto1891; C. E. 24 abril 1885).  1 

H ;') Pelo damno resultante do engano de agentes da admi-nistração florestal, de que proveio a damnificação de arvores,

que pertenciam a terceiro, e não ao adjudicatário da floresta(T. C. 10 maio 1890). 

Tc) Pelo damno proveniente de uma eontrafação, comniet-tida pelos agentes do Estado, embora em proveito do serviçopublico (C. C. Io fevereiro 1891).69

 

 I) Pelos damnos causados ás propriedades visinhas com oestabelecimento de um campo de tiro, e bem assim, on conse-quentemente, pelo prejuízo feito ás pessoas ou cousas por tirosmal dirigidos ou dados com imprudência (C. E. 31 março 1882; 

6  julho 1883; 8 agosto 1884; 29 janeiro 1892; 16 junho e7  julho 1893). —A mesma regra se applica aos damnos causa-dos pelas manobras militares (C. E. 11 maio 1893; 25 fevereiro1884; 25 julho Í884)70, assim como, aos accidentes, de que certosindivíduos são victimas, em rasão de imprudência ou negli-

69 Os agentes do Estado haviam contrafeito um apparelbo para o fimde facilitar a verificação dos pesos e medidas. E a condemnaçfio eomprehen-deu, aJéra da satisfação do damno, a apprehensão dos objectos contrafeitos.—Míchoud, loc. oit., p. 10. 

m70

Sobre a matéria de manobras militares ha a lei de 3 de julho de 1877,art. 64, admittindo o principio de indemnisação pelos damnos causados,quando se dá culpa ou illegalidade na occupação do terreno pelas tropas.  

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gencia commettidas por militares no cumprimento de seus ser-viços (C. E. 25 março 1892 ; 7 julho 1893 ; 6 dezembro 1895 ;17 julho 1896). 

m) Pelos damnos causados por abalroações de navios doEstado (CE. 25 agosto 1861; 14 março 1873; 16 janeiro 1875;7 julho 1876; 25 abril 1890); sendo applicaveis a taes damnosas mesmas regras do Código do Commercio, quando menos, peloque respeita as suas razões ou princípios. 

n) Pelos damnos que provém em geral dos accidentes nasfabricas, fundições e outros serviços do Estado (C. E. 8 maio1874; 4 abril 1879; 20 julho 1883, etc). 

o) Pelo damno proveniente de homicídio, praticado poragente das alfandegas ou empregado da administração das con-tribuições directas, muito embora no exercício de suas func-ções e no intuito de evitar a fraude (C. C. 19 julho 1829; 30 janeiro 1833) .M 

 p) Pelo damno proveniente da apprehensão on penhora,feita sem   justa cama, de mercadorias pela alfandega ou administração das contribuições indirectas (C. C. 21 desembro 1831;22 janeiro 1835).7a  I 

q) Pelo damno resultante da subtracção de títulos de renda(divida publica) por funccionario incumbido do serviço de trans-

ferencia ou regularisação do mesmo (C. C. 29 fevereiro 1836);e bem assim, pelo resultante da irregularidade no pagamentodos juros vencidos da divida publica, em consequência de abusodos respectivos funccionarios.7B

 

r) Pelos extravios de cartas, cujo porte (duplo) fora devi-damente pago nos Correios, e bem assim, pelos papeis de valor 

71 Vide: Decisõesa esse respeito, apud Sourdat, ob. cit., t. II, h. 13108g. — Cf. Batbie, ob. cit., p. 323-24 e notas. 

[■

  " Sourdat, loc. cit., n. 1311 sg. 73 Loc. cit., n. 1314. 

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incluídos nas mesmas cartas (0. C. 12 janeiro 1849 ; 12 maio1851; 0. E. 12 julho 1851; lá setembro 1852). Do mesmo modopelos valores remettidos pelos Correios, de que se havia feito adevida declaração e pago a respectiva porcentagem (Lei 4 junho1859; C. 0. 26 dezembro 1866; 25 junho 1890; 31 janeiro 1893;

C. E. 21 janeiro 1876; 7 agosto 1883).n

 s) Pelo prejuízo causado em consequência do estrago das

malas postaes (0. C. .1° abril 1845). t) Pelos damnos resultantes de accidentes na execução

de obras publicas, succedidos por negligencia, imprudência, edefeito no plano ou no modo da execução, ou por falta das pre-cauções necessárias (O. E. 19 dezembro 1839; 26 abril 1847;22 junho 1882: 28 maio 1886 j 24 junho 1892; 15 junho 1894;28 junho 1895). 76

 

67 c—Não nos parece de necessidade proseguir na ex-emplicação de outros casos particulares. Conhecidos os prin-cípios da doutrina corrente, fácil será suppor a sua- applicabi-lidade aos casos ou espécies análogas. 

De algumas das decisões, que foram mencionadas, se terácom certeza notado, que o Estado, nem sempre, tem sido decla- 

74 Sobre os fundamentos das decisões e os casos de excepção ourestricção, é de ver:—Sourdat, loc. cit., ns. 1315-1320; Bailby, loc. cit., p.

97 sg. 75 O damno é reputado facto da administração, quando se trata deaccidentes succedidos em consequência de vícios do plano, ficando o em-presário ao abrigo de responsabilidade pessoal; porque elle desempenhaapenas o papel passivo de agente da administração, isto é, executando or-dens superiores, de cuja conveniência não é juiz... Portanto, si o plano ouo modo da execução ordenado são viciosos, e dahí resulta o accidente, é oEstado o responsável (T. C. 22 abril 1882; ap. Sourdat, loc. cit.,n. 1328). Aregra é a mesma, si o accidente se dér por falta da devida ftscalisação, —sendo applicavel ao caso o disposto no art. 1383 do código civil (C. E.-29agosto 1835; 27 maio 1839; 9 novembro 1888 ; 17 maio 1889; 9 e 31dezembro 1892). —Loc. cit., n. 1330. 

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rado irresponsável pelos damnos dos actos illicitos, emborapraticados no exercido de funcções, que se reputam de poderou autoridade.— E em vários actos seria, certamente, difícil

dizer, onde termina o império, e onde começa a gestão, como emoutra parte já tivemos occasião de observar.75a 

Esta tneoria da distincção dos actos, insinuada com tantainsistência, já como argumento da responsabilidade ou irrespon-sabilidade do Estado — já como meio de subtrahir os actos daadministração, propriamente dita, ã sancção do direito privadoe dos tribunaes judiciaes, não têm, na realidade dos factos,correspondido ao fim, que se pretende. Verifica-se, pelo con-trario, que as razões ou princípios invocados pelo Conselho deEstado nas suas decisões, quando lhe cabe conhecer da res-ponsabilidade civil do Estado, tem sido, em regra geral, osmesmos, sobre os quaes a Corte de Cassação, ao seu turno,procura assentar as suas sentenças sob a sancção immediata 

 \   t   l 

ao referido direito. E, que são de natureza idêntica os ca-minhos, que levam ao templo da justiça, apezar da subtilezadas insinuações, com que se pretende desviar os que deliaprecisam... 

Para encerrar o capitulo precisamos, todavia, declarar,—

que a tendência da jurisprudência franceza é, manifestamente,a de amparar os direitos individuaes contra as lesões, com-mettidas pelos representantes ou funccionarios do Estado. Masde um lado, a preoccupação tradicional dominante, de que osactos administrativos só podem ser apreciados péla autoridadeadministrativa, o que leva a fazer distincções e subdistincçõesnos actos ou funcções publicas, para evitar a interferência do 

n* De resto, a responsabilidade oivil do Estado tem sido declarada

em França por diversas leis particulares, cujo elenco se pôde ver em — H.Fromageot, De la faute comme source de la responsabilité, p. 153-155.1 —Paris, 1891. 

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  — 384 — I 

poder judiciário,—e de outro lado, a falta de disposições legaesde caracter geral, especialmente reguladoras da matéria, temdado occasião a tantas incertezas, senão, incongruências ou con-

tradicções nas normas seguidas e nas decisões dessa jurispru-dência, que jamais poderíamos apontal-a, como modelo de boarazão e critério, na questão que nos occupa. |- • Ella carece,sabidamente, de base solida em face do direito positivo vigente;é o que reconhecem e confessam os seus próprios defensores... 

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CAPITULO II A

Jurisprudência Belga 

§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES 

68.— Não é muito o que nos propomos dizer sobre a juris-prudência belga, relativa â questão da responsabilidade civildo Estado. Devido, principalmente, ao facto da origem commumda sua legislação com a da França, a referida jurisprudênciaapresenta traços da maior semelhança, às vezes mesmo, de iden-

tidade com a jurisprudência franceza no que concerne à appli-cação dos princípios e regras de direito, invocados nas suasdecisões. 

Entretanto num ponto, aliás, de summa importância,aquella se distingue desta, e, ao nosso ver, com vantagem paraa defesa dos direitos individaaes: é, que na Bélgica não existemduas jurisdicções, a contenciosa-administrativa e a judiciaria;em principio, pelo menos, a autoridade judiciaria é competentepara conhecer e decidir os litígios de toda espécie. 

Ainda que a lei mantenha o principio da separação dospoderes, entre a funcção judiciaria e a funcção administrativa,vedando, conseguintemente, a intervenção judiciaria em casos,que importem uma usurpação ou um obstáculo directo à acçãodo poder executivo, e estabelecendo para a hypothese, o recursodo conflicto de jurisdicção;70 o facto é, que, na ausência de tri-bunaes administrativos, é sempre ao judiciário, que cabe a com-petência em matéria contenciosa, senão, para impedir ou desfa-zer o acto administrativo, com certêsa, para conhecer dos seus  

70

Laferrière, ob. oit., 1.1, p. 85 sg. — Cf. Lonné, ob. oiti, p. 141. E' &Corte de Cassação, que compete resolver sobre a matéria dos conflictos. 

25  R. c. 

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effeitos, objecto do litigio. Isto tem assento na própria Consti-tuição belga, a qual declara expressamente: Les contestations\ quiont pour ooject les ãroits civils SONT EXCLDSIVBMENT du res-\ sort des tribunaux (art. 92). 

As próprias questões, que tem por objecto direitos políticos,são igualmente declaradas da competência dos tribunaes, salvasas excepções estabelecidas pela lei (art. 93). 

Ainda mais: a Constituição também reconhece aos tri-bunaes de justiça o direito de não applicar os regulamentosgeraes, parciaes e locaes, desde que os considerem em desac-oordo com as leis (art. 107). 

Em vista destas disposições do direito constitucional, a ex-pressão «direitos civis» é tomada, diz Laferrière, na sua maislarga accepção, de modo a abranger todos os contractos, todosos compromissos pecuniários do Estado, e todos os actos degestão em matéria de serviço publico,—considerando-se o Es-tado, no tocante a taes actos, como simples pessoa civil, em con-traposição á pessoa politica, que elle representa, quando exerceo poder publico.76 * 

68 a.— Com relação ao ponto especial da responsabilidadecivil do Estado pelos actos lesivos da administração publica, se

tem, como regra da matéria : 

a) Os actos de  poder publico, desde que sejam praticadosna forma e limites legaes, não dão, em principio, direito ánenhuma acção de indemnisação, muito embora susceptíveis dedamno ao alheio direito. E de facto, assim se tem decidido namaioria dos casos, a dizer que o Estado não é respon sável pelosactos de negligencia ou culpa dos seus funccionarios, sob o 

™» Laferrière, loe. cit., p. 91. —As decisões da C. C. 21fev. 1832,

11 janeiro e 9 dezembro 1833, e da C. App. Liège 11 nov. 1883 consa-gram realmente a doutrina supradita com relação á pessoa do Estado. 

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387 — 

fundamento de que, segundo a melhor intelligencia, a disposi-ção do art. 1384 do cod. civil, que declara o committente res-ponsável pela cnlpa de seu preposto, se refere ás relações de

individuo a individuo, e poristo não pôde ser applicavel aoscargos ou funcções publicas, nascidas das leis, que interessamá ordem publica e ã administração do Estado (CO. 24 abril1840 e 7 novembro 1851). 

b) Nos demais actos, porem, nos quaes o Estado apparececomo pessoa civil, sejam relativos á infracção de contractos e ãmatéria de obras publicas, sejam concernentes a serviços indus-triaes ou a quaesquer outros actos de gestão, a responsabilidade-do Estado pelas culpas dos funccionarios é a doutrina firmadapela jurisprudência. Com ella conferem a lição dos autores maiscompetentes e os considerandos de numerosas decisões, tanto daCorte de Cassação, como dos outros tribunaes superiores do paiz<C. C. 28 dezembro 1855, e 9 dezembro 1880, etc.)  

Diz Be Fooz: L'article 1384 ne s'étend pas â 1'administra-tion publique, en tant que celle-ci se produit comme application•de la souveraineté et dans sa personnalité politique (Õ. C. 28dezembro 1855). A ce point de vue, 1'Etat, la province, la com-tnune ne répondent pas civilement des fonctionnaires qu'ils em-ploient et des torta qu'ils peuvent causer par leur fait ou leurnégligence dans leur mission administrative. 

Áinsi, en matière de douanes, le gouvernement ne répond

pas des actes illégaux, vexatoires ou arbitraires des préposés•de la douane, pas plus qu'il ne répond des dommages causespar des troupes, des soldats, à des propriétés privées. En l'ab-sence d'un príncipe contraire pose par les lois d'ordre public, laresponsabilité s'arrête au coupable (C. C. 24 abril 1840).  

Mais l'Etat, la province, la commune ne semblent paspouvoir se soustraire á 1'application du droit commun, celuide 1'article 1384 du code civil, toutes les fois quils agissentcomme personne juridique, individuelle et que, comme telles,ils posent des faits de propriêtê, des faits' industrieis ou com-merciaux, et font acte de la vie civile.77

 

77 De Fooz, ob. cit.,t. I, p. 346. 

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O motivo politico, que determina o Estado a fazer tal outal acto por seus prepostos, é indiferente; o que importa, é anatureza própria do acto.77a

 

A mesma lição, variando apenas de forma, é ensinada porum outro autor mais recente, e de igual autoridade na matéria.  

« No que respeita & separação e independência respectivado poder executivo e do poder judiciário, disse Beltjens, é pre-ciso distinguir o poder administrativo representando o Estado,como soberano, como personalidade nacional, do Estado agindocomo pessoa civil. Como soberano, o Estado não poderia sersujeito ao poder judiciário, e os seus actos não poderiam jamaisdar logar â nenhuma acção de responsabilidade civil; emquanto

que, como pessoa civil, o Estado pôde ser obrigado a responderperante os tribunaes, ficando sujeito a todas as regras do direitocivil.» 78

 

69.— Quanto â responsabilidade pessoal dos funcciona-rios, a lei reconhece aos particulares o direito de chamal-os pe-rante a autoridade judicial, pelas offensas ou lesões commettidas-nos seus cargos ou funcções (Const., art. 24). 

Decerto, o direito de acção contra os funccionarios na

Bélgica é actualmente livre, independente de qualquer auto-risaçâo do governo, como outr'ora se exigia. Alli não se dáo conflicto de jurisdicção, nem a excepção de incompetência;nem, tão pouco, o funccionario se poderá acobertar, como emFrança, com o pretexto de haver agido, não, como particular,mas a titulo de agente ou mandatário do soberano. Um burgo-mestre, por exemplo, que commetter um acto vexatório no exer- 

" » Loo olt., p. 348.—Vide: C. C. 25 fevereiro 1850, 27 maio 1862,

19 dezembro de 1854; e numerosas outras decisões, Uri citados.— Cf. A.Girou, ob. cit., D. 230 sg. 78 G. Beltjens, La Oonstitution Belge Reviste, p. 424. 

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cicio de suas funcções, é declarado responsável; muito emborapossa elle provar que agira na qualidade de burgomestre e nointeresse da communa (C. C. 25 fevereiro 1883).79

 

Das decisões mais conhecidas sobre este ponto particularda matéria se tem por assentado, que, além da responsabilidadecriminal que porventura resulte do acto, os funccionarios pú-blicos são ainda sujeitos à responsabilidade civil nos seguintes•casos: a) quando usam de dolo ou fraude para prejudicar aosindivíduos particulares • b) quando ajuntam calumnias ou in- jurias aos despachos de ordem geral que proferem; c) quando searrogam um poder que não tem, ou saliem dos limites do seumandato legal, causando com isto damno a outrem; d) quando -causam damno por imperícia ou ignorância;  f) quando abusamda autoridade para impor actos vexatórios, ou empregam viasde facto attentatorias da propriedade, ainda mesmo, que pre-tendam íazel-o no interesse commum.79a A responsabilidade emtaes casos, adverte De Fooz, è pessoal; ella não remontaáquelles, de quem os funccionarios recebem o mandato, a menos■que os actos fossem executados em virtude de ordens recebidasde superior, a que o funccionario devia obediência hierarchica;sendo, nesta ultima hypothese, a acção de indemnisação admis-sível tanto contra cada um delles separado, como contra ambos

 juntamente (C. C. 13 janeiro 1848, e 19 fevereiro 1857).79b Entretanto devemos ajuntar, a jurisprudência, em regra, sô

tem admittido a responsabilidade do funccionario administrativo,nos mesmos casos, em que ella teria logar contra os juizes  

T« A. G. Boiílen, ob. oit., p. 264-65. 78a De Fooz, Le droit ndmin. belge, t. I, p. 342-344. Este autor cita decisões das cortes judiciarias, firmando os pontos da

■doutrina acima indicados. 79b

Sobre os casos de responsabilidade pessoal do funccionario, é dever ; A Giron, ob. oit., ns. 227-280 e 236-237. 

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e funccionarios judiciaes, a dizer, provando-se dolo, fraudeou culpa grave no acto arguido; uma simples interpretação,mesmo errónea, da lei não daria argumento procedente para a

alludida responsabilidade. Assim, pois, si a autoridade policia)fizer prender arbitrariamente a um individuo, fora dos casosprevistos na lei, deverá responder por semelhante acto (Trib.Bruxellas 27 janeiro 1844; C. C. 19 junho 1880); mas si oburgomestre causar um damno, devido á uma interpretaçãoerrada das disposições regulamentares, não deverá ser, por isso,declarado civilmente responsável (C. App. Bruxellas 30 dezem-bro 1882). 79c

 

§ 2.° CASOS E DECISÕES 

I 70. — ACTOS LEGAES ou ISENTOS DE COLPA. Conhecidosos principios geraes, que dominam a matéria, seria escusadorepetir, que o Estado jamais responde civilmente pelos damnos,que porventura provenham das leis e mais actos de poder sobe-rano, propriamente taes, contra os direitos individuaes. A esterespeito a doutrina e a jurisprudência belga em nada differem,

quanto á affirmação do principio, da jurisprudência franceza,da qual já se fez a devida menção no capitulo precedente.  

Disemos que a jurisprudência belga não differe da fran-ceza, '' quanto á affirmação do principio''; porque, quanto áapreciação dos casos, notam-se não poucas divergências. Ostribunaes belgas, com effeito, têm considerado ás vezes certosactos, não susceptíveis de responsabilidade por pertencerem, 

73° Apud Giron, loc. cit., p. 260; Cf. A. G. Boulen, loo. oit., p. 366. Comrelação aos juizes, os casos da sua responsabilidade pessoal estãodeclarados no art. 605 do Cod.do processo civil. 

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digamos, á categoria dos actos de poder, os quaes a jurisprudênciafranceza teria certamente reputado fora dessa categoria ; além deque a jurisprudência belga faz, em geral, appli-cação mais lata das

disposições do direito privado na apreciação dos actos do Estado,do que o tem sido admittido por aquella jurisprudência.80

 

a)  Actos de policia e segurança publica.—A administração dasegurança publica prende-se às attribuições da soberania ; por isto oEstado não responde pelos actos abusivos dos seus agentes a esserespeito. O art. 1384 não se applica a administração publica,quando se trata de acto politico ou de soberania (C. C 28 dezembro1855).8°a 

b)  Factos de guerra. — Quanto âs medidas de guerra, a  jurisprudência mais seguida é a da irresponsabilidade do Estado,sobretudo, tratando-se de perigo imminente. Mas, não obstante,também se tem decidido que o Estado deve indem- 

80 Michoud cita, como exemplo de divergência entre as duas júris»prudencias, uma decisão da Corte de Cassação belga (C. C. 3 março 1892),declarando o direito commum inapplicavel ao Estado no caso de um damnocausado a um barco em consequência da falsa manobra feita pelo guardada represa (éckisier), sob o fundamento de que o serviço da navegaçãoconstituo um serviço publico, que o Estado exerce a titulo de poder pu-blico -, accrescentando o citado autor: nós não admittiríamos esta solução,por ser a manobra da represa, aos nossos olhos, um acto de gestão, apezardo fim de interesse geral do serviço e dos poderes de policia que podemaliás pertenoer-lhe. Por outra parte, Michoud ainda declara, que a juris-prudência belga recorre, de modo geral, as disposições do direito privadoem numero maior de espécies, do que a franceza; assim é, que ellaapplica esse direito: — com relação ao serviço dos caminhos de ferro (C.C. 27 maio 1852);— em matéria de obras publicas (C. C. 15 janeiro1888);— de correios (C. App. Gand 24 maio 1879,);—de damnos causadosno serviço da manufactura de armas (C. App. Liège 16 junho 1887); —matérias todas estas, cuja apreciação na França assenta em leis espe-ciaes.—JRèuMe du droit public, t. IV, p. 28. 

80a Vide: De Pooz, loc. cit., p. 345, nota. 

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nisar os damnos causados, quando estes resultam de medidas,que são apenas tomadas na previsão de uma guerra (G. C. 12março 1833; C. App. Bruxellas 14 agosto 1835). 

c) Casos de desapropriação. — Verificada embora a causa deutilidade publica, a propriedade particular não pode ser des-apropriada, senão, nos casos e maneira estabelecidos na lei, emediante justa e previa indemnisação.81 Reputa-se também,como verdadeira desapropriação, o facto de privar uma pessoade algum dos direitos reaes, como são os desmembramentos dodireito de propriedade: o usufruto, o uso, a habitação, as ser-vidões, a emphyteuse, a superfície, a antichrese, os privilégios,e as hypothecas. A indemnisação deve ser pecuniária, previa e

  justa; salvo accôrdo em contrario, não é licito ao desapro-priante compensar um terreno por um outro; a indemnisaçãodeve ser paga em moeda. (C. App. Gand 10 janeiro 1885; C. App.Bruxellas 4 junho 1864; Trib. Verviers 20 outubro 1864). 

— Antes de ser desapossado o proprietário, este deve terrecebido a importância da indemnisação (C. App. Bruxellas 14 julho 1888); mas o facto de assim não se dar, em nada prejudicaao direito de acção do proprietário para havel-a depois (C.C. 11fevereiro 1886; C. App. Bruxellas 20 março 1868).

— A justa indemnisação comprehende, não só, o valor ve-nal da propriedade, mas ainda, a reparação dos differentes pre-  juízos que resultam, immediata e directamente, da desapro-priação, sem que se precise examinar si taes prejuízos foram, ounão, previstos pela desapropriação. (0. C. 16 outubro 1851; 7fevereiro 1868; 22 junho 1871; 28 abril 1887).8U 

81Const. Belga, art. 11; Leis de 16 setembro 1807, de 8 março 1810,de 17 abril 1835, do 1.© julho 1858, de 15 novembro 1867, de 27 maio 1870. 

si a Vide: G. Beltjens, La Const. Bélge Revisée, art. 11, onde se tratada matéria, por assim dizer, exhaustivamente, á vista de numerosas deci-sões jndieiaes.— Cf. De Pooz, ob. clt., t. II, p. 611 sg. 

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- A indemnisação deve comprehender o equivalente daprivação do gôso si, annunciado o processo da desapropriação,o desapropriado não poude mais tirar partido da sua proprie-

dade,— não podendo mais alugai-a por exemplo. (C. App.Bruxellas 13 abril 1846 ; 22 junho 1865 ; 22 dezembro 1869; 8março 1877; 22 março 1882; 3 dezembro 1884; C. App. Gand 29dezembro 1883; CG. 22 junho 1871). 

— A indemnisação, para ser justa, deve comprehender, nãosó, o valor do terreno considerado isoladamente, mas também,a minoração de valor do restante (C. App. Bruxellas 27 feve-reiro 1837 ; G. G. 10 janeiro 1838, e 12 janeiro 1844; C. App.Liège 11 dezembro 1855; Trib. Liège 19 junho 1847).

— O desapropriante não se pode propor a executar obras noterreno restante com o fim de restabelecer as antigas communi-cações e, desta sorte, evitar o prejuízo do desapropriado; deve,sim, pagar a este, a titulo de indemnisação, uma somma corres-pondente ás obras precisas, as quaeso desapropriado executará,ou não, segundo lhe convenha. (O. App. Bruxellas 5 abril 1871).

Todas as regras, que vimos de mencionar, e outras dis-posições legaes concernentes, são obrigatórias para o Estado,si fôr elle o desapropriante, assim como, para a província e acommuna. 

d) Obras publicas. •*■» A responsabilidade civil da admi-nistração publica tem sido reconhecida, além de outros, nos se-guintes casos: 

1) Pelas roturas dos diques, de um canal do domínio doEstado, de que provieram damoos ás propriedades visinhas,sem que se provasse ser um caso fortuito ou de força maior.(C. App. Bruxellas 20 fevereiro 1856, e 19 janeiro 1880; C. C.16 agosto 1879. 81b

 

sib rje Fooz, ob. cit., p. 346; G. Beltjens, La ConsUtutioti Bélge Re-viste, p. 428, etc. 

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2) Pelos actos de operários e mais agentes executores deobras no leito e margens de rios do domínio publico, de queresultou damno aos proprietários ribeirinhos. (C. App. Liège 13

 junho 1846, etc.)3) Por trabalhos executados na via publica que prejudi-

caram á uma propriedade particular. (C. App. Liège 31 janeiro1835).

4) Pelos estragos resultantes da demolição de uma pedreira,que aliás ameaçava ruina. (Trib. Liège 20 janeiro 1855).

5) Pela mudança do curso natural das aguas, em conse-quência de uma obra de utilidade publica, e de que proveioprejuizo aos proprietários visinhos. (C. C. 4 julho 1850).

6) Pelas obras necessárias á uma estrada publica, mas quetornaram inaccessiveis ou insalubres as casas visinhas (Trib.Bennes 1834; Trib. Angers 28 janeiro 1835; C. App. Bru-xellas5 novembro 1844, e 9 julho 1845, etc.)

7) Por terem as aguas de um rio, em consequência dasobras feitas no leito do mesmo, refluído e causado damno (C.App. Liege 10 julho 1851).

8) Pela construcçao de um dique que occasionou o desaba-mento de uma parte ou de toda a propriedade alheia. (C. App.

Liege 28 fevereiro 1845, 12 junho 1846, e 11 junho 1847).9) Pela construcçao de um esgoto no subsolo de uma ruater trazido prejuizo aos proprietários lateraes da rua. E' indiffe-rente a circumstancia de se tratar de obra de interesse geral(Trib. Bruxellas 25 março 1885).

— No que se refere, mais em particular, ás obras necessá-rias a viação publica, são de indicar as decisões que se seguem :I 1) Não ha obrigação de indemnisar, quando as modificaçõesalteram, mas não supprimem, nem a circulação, nem as facili-dades existentes (Trib. Liège 24 janeiro 1889 ; C. App. Bru-xellas 5 agosto 1884; Trib. Oharleroi 6 março 1886; Trib.Bruxellas 21 de maio de 1887). 

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2)  Mas tem logar a indemnisação si, supprimido um cami-nho vicinal, se aggravam por isto os encargos da cultura dapropriedade interessada (C. App. Brnxellas 23 fevereiro 1880).

A mesma decisão, quando a propriedade fôr dividida em duaspartes separadas por vias férreas.3) Quando as modificações feitas no perfil transversal de

uma rua prejudicam directamente à passagem que conduz áscasas da rua, o Estado não pode fugir â responsabilidade do pre- juízo, ainda que não haja tocado materialmente a propriedadealheia (Trib. Bruxellas 20 fevereiro, e 25 março 1885). I

•i) O Estado ou a Communa respondem pelo damno causadopor obras, que levantam o solo, aos indivíduos, que, devidamenteautorisados, edificaram ao longo da respectiva rua ou estrada(C. App. Bruxellas 9 agosto 1870, 3 e 6 julho 1874,27 julho 1878,22 dezembro 1882, 5 agosto 1884, e 29 junho 1889; C. App.Liège 15 junho 1846 ■ C. App. Gand 18 junho 1881; C. C. 1 dezembro 1881, etc). A mesma doutrina, quando os damnos provierem do abaixamento do solo (Trib. Bruxellas 6 maio 1885, e12 junho 1886).  I 

5) Quando uma via férrea corta uma avenida, ha logar aindemnisação, pelos inconvenientes da interrupção na passagemdos comboios, e pelas precauções incommodas que o novo estado

de cousas occasiona (C. App. Gand 23 junho 1853; C. App.Bruxellas 13 agosto 1855).

6) O proprietário ao longo de uma via publica tem direitoà indemnisação, quando, pela alteração do nivel da mesma, oaccesso â sua casa se torna impossível ou mais difncil (Trib.Bruxellas 26 dezembro 1846 ; C. C. 7 janeiro 1845).  I

7) O proprietário, que, por se conformar com o alinha-mento da viação urbana, tem de abandonar parte da sua pro-priedade, tem direito â indemnisação (Trib. Bruxellas 5 março1855; 0. App. Bruxellas 18 junho 1857 ; G. 0. 10 fevereiro1865).

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8) Não ha logar a indemnisação, quando, por necessidadeda segurança publica, a administração sujeita as casas de amarua a deixar fixar sobre ellas fios telephonicos das repartições

publicas, caixas de aviso de incêndio, e cousas semelhantes (C.0. 2 fevereiro 1880, e 29 novembro 1883 ; C. App. Bru-xellas 9agosto e 11 dezembro 1882). 

71. — ACTOS ILLICITOS EM GERAL.  — Dá-se na jurispru-dência belga o mesmo, que já verificámos na jurisprudênciafrancesa, isto é, o emprego de critérios differentes na apreciaçãodos respectivos casos, segundo se trata de actos contractuaes oude actos extracontractuaes. 

I. Provenientes de relações contractuaes. — Em matéria decontracto a regra é: o funccionario, que o celebra em nome doEstado, província ou communa, não contrahe obrigação pessoal ;esta pertence toda ao Estado, província ou Communa (C. C. 11dezembro 18 L6).82

 

— Uma concessão de natureza gratuita não é, todavia, con-siderada, como contracto. E' essencialmente precária: poderáser opposta aos particulares, sem duvida ; mas não, aos re-presentantes da autoridade publica. Conseguin temente, nãocabe indemnisação aos ribeirinhos pela suppressão do cursod'agua, não navegável (non navigable, infiotable) em certostrechos da corrente; muito embora percam elles com isso assuas construcções e outras vantagens existentes. A duração daposse no caso não lhes dá melhor direito (Trib. Bruxellas 

82 De época, em que na Bélgica se admittia a jurisdiceão contenciosaadministrativa, se costuma citar uma decisão do Conselho de Estado de-clarando, que, si o funccionario exceder o seu mandato ou agir fora de

seus poderes, a obrigação, embora proveniente de contracto, deve recairsobre o mesmo pessoalmente, conforme ao art. 1998 do"cod. civil (CE. 4agosto 1819). Não é, porém, esta a doutrina hoje corrente. 

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12 agosto 1873; C. App. Bruxellas 14 fevereiro 1871, 29 maio1873, e 5 março 1874 ; C. App. Liège 2 março 1876).  1 

II. Provenientes de relações extracontractuaes. — Quantoaos actos lesivos extracontractuaes, se tem reconhecido a obrigação de responder civilmente, além de vários outros, no»seguintes casos:  I 

a) Pela falta da devida conservação das obras dos rios ca-nalisaãos para o fim da navegação, nas condições exigidas paraque os barcos possam ahi circular sem perigo (C. App. Liège15 fevereiro 1883).  I

b) Por se ter deixado ao fundo de um canal navegável, per-

tencente ao dominio publico, umaestaca,

susceptível de occa-sionar o naufrágio de navios (0. C. 25 maio 1882).  e) Pelas faltas commettidas no serviço de transporte das

pessoas e mercadorias pelas vias férreas do Estado, sendo appli-cavel ao mesmo, como committente, o art. 1384 do cod. civil(C. App. Liège 8 março 1849; C. App. Bruxellas 6 março 1850;C. App. Gand 30 maio 1851).—Dâ-se no caso um verdadeirocontracto (C. 0. 27 maio 1852, e 7 maio 1869).  ■ 

d) Pelo facto de um director de estabelecimento publicoter prohibido arbitrariamente a entrada de um individuo no

estabelecimento sob a sua direcção, e haver escripto nos registros uma ordem do dia ultrajante contra o mesmo (C. App.Bruxellas 23 maio 1876.8a

  I 

e) Pelo accidente prejudicial a terceiros, resultante de umascensor ou guindaste, pertencente á administração publica. 

83A espécie fora esta: O director da escola de pyroteohnica prohibiraa Clerbois a entrada no estabelecimento, e escrevera nos registros deste

uma ordem do dia injuriosa contra Clerbois. Este propoz a sua acção em jaizo, e a Corte de Appellaçao de Bruxellas eondemnou o Estado a pagar500 frs. de indomnisaçao. 

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que o explorava e o tinha sob a sua guarda, mas que, por negli-gencia, deixára-o funcccionar em condições perigosas {C. App.Br uxel las 1 dezembro 1881). 

71 a.—Nâo ha mister proseguirmos na citação de outroscasos análogos. Apenas converia talvez lembrar que, como regrageral de jurisprudência, — o Estado, a província e a communanão se podem subtrahir á appiicação do direito communi, isto é,do art. 1384 do cod. civil, todas as vezes que agem, como pes-soa jurídica individual, e que, como taes, praticam actos de pro-prietário, industrial, commerciante, ou fazem actos da vida civil.(C. App. Bruxellas 20 fevereiro 1856, etc. etc.) 83a

 

Também para melhor illustração da doutrina, cumpreigualmente accrescentar, que o Estado ou a administração pu-blica tem sido declarados irresponsáveis pelos damnos resul-tantes dos seguintes casos: 

a) Pela baixa das aguas de um canal sob a fiscalisação daautoridade publica, — prejudicial á irrigação e á navegação;muito embora o facto se desse por culpa dos respectivos agentes.Se disse, que o art. 1384 era completamente estranho à espécie,desde que não se tratava de actos da vida civil, mas de factos daalta administração (0. C. 28 dezembro 1855). 

h) Pela negligencia ou falta de cuidado do guarda da re-presa (êclusier) de um porto, considerado este, como dependên-cia do domínio publico (C. C. 9 dezembro 1880; Hic, nota 80). 

83 a B' desnecessário advertir, que não esteve no nosso intuito resenhar os differentes casos e decisões, em que o Estado é sabidamente obrigado aresponder pelas culpas dos funccionarios, commettidas nos actos frequentese ordinários, em que o Estado apparece, como proprietário, contractante,credor, devedor, industrial ou constructor ; mas, apenas indicar um certonumero de espécies e decisões, nas quaes o Estado fora declarado respon-

sável pelo damno proveniente da negligencia ou culpa dos funccionarios, e)sem nos preocouparmos de saber, si o Estado na oceasiao era pessoa civilou pessoa politica. 

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c)  Por actos vexatórios ou abusivos de um burgomestre,feitos fóra das suas attribuições; considerando-se, que em taescasos a responsabilidade fora toda pessoal deste, conforme ao

art. 1382 do cod. civil (T. Bruxellas 8 agosto 1850; C. App.Bruxellas 26 dezembro 1882.83b 

d) Por actos illegaes ou arbitrários dos prepostos do ser-viço aduaneiro (C. App. Bruxellas 10 fevereiro 1841, 24 de-zembro 1842, 16 janeiro e 23 dezembro 1843), considerando-seapplicaveis as mesmas razões, segundo as quaes o Estado nãoresponde, em geral, pelos damnos causados por tropas ou solda-dos às propriedades privadas: «  Attendu que le gouvernement ríest pas le ma%tre% ãans le sens de Varticle 1384 du code civil,des militaires appellés au service de VEtat ; qu'il ríest pas davan-tage leur commettant, et que les militaires ne sont pas des prepo-sés...» (C. Àpp. Bruxellas 23 dezembro 1843; C. C. 24 abril1840).88 c 

e)  Finalmente, ê também principio geral consagrado: odamno,  puramente possível, eventual ou  futuro, não basta paraservir de base â uma acção judicial; é preciso haver um in-teresse legitimo ou um direito actual, effectivamente lesado(Trib. Liège 17 fevereiro 1844, e 28 março 1846; 0. App. Liège13 agosto 1855; Trib. Gand 24 dezembro 1856 ; C. App. Gand

13 junho 1856, etc.) 

88b Vide: Hic, p. 387.—Bm resumo, diz A. Giron, o Estado, a provín-cia, e a communa não são juridicamente obrigados a reparar os damnos re-sultantes dos abusos de autoridade, das fraudes, omissões ou negligencias,das quaes se tornem culpados os seus agentes, no desempenho de uma funcção politicaou administrativa— Loc. cit., n. 232. No entanto, cumpreobservar, que muito poucos e limitadíssimos foram os casos, nos quaes o ci-tado autor se apoiara para afirmar tamanha conclusão... alias, não com-provada pelos exemplos da pratica. 

83 ° Vide: Bonasi, ob. cit., p. 454; Mantellini, ob. cit., p. 169. 

— Quanto às servidões militares, a lei de 2 de abril de 1873 mandaindemnizar os immoveis, que forem gravados pelas mesmas. 

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71b.—Embora relativamente poucos os casos e decisões,que vimos de mencionar, elles deixam vêr claramente, quaes asregras princípaes, que a jurisprudência belga se tem propostoguardar na matéria da responsabilidade civil do Estado. IAffírmando, antes de tudo, e do mesmo modo que o faz a jurisprudência franceza, — que ao Estado-poder publico não sepôde imputar a responsabilidade consagrada nos arts. 1382-1384do cod. civil (C. C. 12 janeiro 1893), aquella não podia, poristo mesmo, deixar de se mostrar, como esta, varia e incerta no

exame e decisão particular de mnitos casos... E' um defeito inevitável, ou melhor dizendo, inteiramenteconsequente; desde que dita jurisprudência procura assentar osseus considerandos na tbeoria insuficiente da « distincção dosactos » do Estado, quando de preferencia deveria fazel-b noprincipio da justiça, que não muda, mas subsiste igual paratodos, que delia precisam na defesa ou reparação dos própriosdireitos. 

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CAPITULO III

A Jurisprudência Alleman  ';"

f  j 

§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES 

72. — Antes de constituído o actual "Império Federal daAUemanlia'' em 1871 já existia nos Estados, que então for-

mavam a Federação da AUemanlia do Norte (Norddeutscher  Bund), duas jurisdicçõ3s distinctas para conhecer e decidir dasquestões originadas dos serviços públicos: a dos tribunaes  judiciários, e a das auctoridades administrativas. E ainda quenão houvesse tribunaes administrativos, propriamente ditos, ondevidamente organisados, a esphera de competência do poderadministrativo sobre as questões alludidas era, no entender deLaferrière, muito mais lata, do que a do poder judiciário.84

 

Hoje, ao lado das autoridades administrativas, vários dosEstados federados já possuem tribunaes de igual natureza, naaccepção própria deste vocábulo. E tomando, para exemplo damatéria, a organisaçao existente na Prússia, vemos que ellaconsta do seguinte: 1) Juntas de Circulo (Kreisausschuss), asquaes, em certos casos, são substituídas pelas Juntas urbanas(StadtausscJiuss); 2) Juntas de Districto (BezirTcsaussehuss), queconhecem por via de recurso dos actos das primeiras; 3) Tri-bunal Administrativo Superior com sede em Berlin (Oberver-lualtungsgericht), o qual conhece dos negócios contenciosos, já 

84Laferrière, ob. oit,, t. I, p. 37 sg.   j§ 

26  H.C.

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por via originaria e em única instancia, já por via de recurso, já finalmente, como Corte de Cassação, nos casos marcadosem lei.84a

 

4  a Sem o intuito de entrar em detalhes acerca da organisação dostribunaes administrativos da Prússia, que, como se sabe, é o Estado prin-cipal da Federação Alleman, sobreleva, todavia, dar breves informações aesse respeito. 

A' testa da administração de cada Circulo ha um conselheiro provin-cial (Landrath) de nomeação do rei, e que é o presidente da Junta. Esta secompõe de seis membros, eleitos pela Assembléa do Circulo. — A  Juntaurbana se compõe do burgomestre ou do seu substituto legal, como presi-dente, e de quatro membros, que a Municipalidade elege de seu próprioseio. Ha ainda disposições da lei regulando, de modo particular, certos

círculos ruraes, e bem assim o da cidade de Berlin, etc. etc. A' testa da administração do Distrioto ha um presidente do governo(Regierungspraesident) nomeado pelo rei, o qual preside a  Junta do Dis-tricto. Esta se compõe de seis membros, dous também de nomeação do rei(um destes serve de vice-presidente), e os outros quatro, eleitos na forma econdições marcadas na lei. 

As Juntas de Girado e de Districto desempenham funcções de simples,caracter administrativo, conjuntamente com as de jurisdioção contenciosa,proferindo, portanto, em uns casos,— despachos ordinários (Beschlmse), eem outros, decisões com forca de verdadeiras sentenças (Entscheidungen). 

Como legislação especial sobre a matéria, é de ver: leis de 13 de-zembro 1872, de 29 junho e 3 julho 1875, de 26 julho 1876, de 26 julho e

2 agosto 1880, de 19 e 22 março 1881, de 30 julho e 1° agosto 1883, e de27 abril 1885, etc. E' considerada, como consolidação das anteriores, a leide 30 julho de 1883 (Gesetz iiber ãie allgemeine Lanãesverwaltung), e comocomplementar, em matéria de competência, a do Io agosto do mesmo anno(Gesetz iiber ãie Zustãndigkeit der Venoaltungs und Verwaltungsge-richtsbelwrãen). 

— Quanto á organisação judiciaria da Prússia, a lei de 4 março 1878creou os tribunaes superiores do Reino (Oberlandesgerichte e Landgerichte)de accordo com a organisação geral da jnstiça, estabelecida para os Estadosdo Império pela lei de 27 janeiro 1877, e logo depois, fora também promul-gada a lei orgânica de toda justiça estadual (lei de 24 de abril do mesmoanno— Ausfiihrungsgesetz zum dentschen Gerichtsverfassungsgesetz), e bera

assim, o decreto de 26 julho (1878), regulando os tribunaes cantonaes(Amstsgerichte). Nos termos da lei de 24 de abril citada, aos tribunaes re-gionaes (Landgerichte) compete exclusivamente o conhecimento de todos 

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72 a.— Os conflictos levantados, entre as autoridades ou[tribunaes administrativos e os tribunaes judiciários, são decididospor tribunaes especiaes, organisados segando as prescri-pções da lei

federal.81

 b

Na apreciação, porém, dos casos sujeitos pretendemalguns autores, que, antes de tudo, cumpre atten-der para a naturezados actos, de que se tratar. « Si são actos •do Estado,  propriamentetal, a via de direito (der Rechtsiveg) se deve considerar  fechada t  tanto para os tribunaes judiciários, como para os tribunaesadministrativos; porque o acto praticado pelo poder publico, no seuexercício próprio, não é susceptível de invalidação, nem tão pouco,poderá dar logar á tndemnisação do damno, que porventura tenhacausado. Consequentemente, accrescenta-se, as decisões do Chefede Estado, dos ministros e outros representantes da altaadministração central, desde que não tenham unicamente porobjecto con- 

IOS litígios propostos contra o Thesouro, ou contra os funccionarios por«motivo de actos dos respectivos cargos (art. 39). —O disposto neste artigo•está de inteira harmonia com a lei federal da organisaçao judiciaria (das'Gerichtsverfassungsgesetzde 27 janeiro 1877), a qual dispõe desta forma: «Ostribunaes ordinários conhecem de todas as matérias contenciosas, civis e•crirainaes, que nao sejam da competência das auctoridades ou tribunaes ad-ministrativos, ou de tribunaes especiaes, instituídos por lei federal (art. 13).

« Compete exclusivamente aos Tribunaes Regionaes (Landgerichte), semattenção ao valor da demanda: a) as acções contra o Fisco Federal, seja■em virtude da lei do 1 de junho de 1870 relativa aos direitos de trans-porte por agua (Mosserei), seja em virtude da lei de 31 de março de 1873relativa aos direitos e deveres dos funccionarios do Império; b) as acções•contra os referidos funccionarios por excesso de poder, ou negligenciano cumprimento de seus devores. A legislação particular dos Estados pôde^sujeitar ao conhecimento dos Tribunaes Rogionaes: as acções dos func-cionarios estadoaes contra o Estado por motivo de seus empregos; asacções contra o Estado, relativas—ás medidas ordenadas por auctoridadesadministrativas, — ás culpas dos funccionarios estadoaes, — á suppressão•de privilégios, — e ás contribuições publicas » (art. 70). 

84b Lei de organisaçao judiciaria de 27 de janeiro de 1877 (art. 17) oJ.el de introducção da mesma data (art. 17). 

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tractos celebrados com o Estado ou a gestão dos interesse s-economicos e financeiros do mesmo, — em resumo, todas as de-cisões, onde apparêça, em um grão qualquer, a delegação do

poder publico ou o direito de mandar (le droit de commande-ment) escapam, não só, á competência judiciaria, mas também.â própria jurisdicção contenciosa administrativa. A via de di-reito não se abre contra o Estado-pocZcr publico; porquanto, in~siste-se ainda, este não deve discutir com os seus subordinadossobre os seus direitos eminentes, nem sobre as consequênciasdos mesmos direitos... 8i 0 Puro regalismo! 

Não é, todavia, com este rigor, isto é, sob a égide da ir-responsabilidade, que os factos se passam no domínio da juris-

prudência, mesmo quando praticados pelo Estado-poder publico t como em seguida teremos ensejo de verificar. 

72b.—A competência dos tribunaesjudiciários é, em theser

fácil de estabelecer: a esphera da administração, á diser, do di-reito publico, lhes é inaccessivel; a que lhes é própria, é a dascontendas de direito civil, em outros termos, quando se disputar«uma preterição resultante das relações do direito civil». Md Masr

como bem observa Otto Mayer, a dificuldade está justamente

em saber,— quando se dão relações exclusivas de direito pu-blico, e quando se dão relações exclusivas de direito civil; por-que não se trata simplesmente de applicar textos de lei, mas debem comprehender a própria natureza da relação jurídica... *'" 

84 c Von Rõnne, Das Staatsrecht der preussischen Mcnarchie, t. Ill (Bi r—lin, 1883); ap. Laferrière, loc. cit., p. 38-39. 

' Md Otto Mayer, Le Droit Administratif Allemand, t. 1, § 16, p. 276. —Paris, 1908. 

84

• Loc. cit., p. 277. O autor citado estuda a questão da competência-demodo satisfactorio; por isso, para elle remetteraos o leitor, que queira, obtermaiores esclarecimentos sobre a mesma questão. 

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Não é, porém, o nosso intuito occupar-nos das differentesrazões, amas históricas, outras de direito vigente, a que cumpreattender na solução desta questão. Apenas ajuntaremos aqni:

•que, segundo a jurisprudência do Tribunal Federal do Império,sempre que se suscitarem questões de direito pecuniário, ainda-mesmo, si para a sua decisão fôr mister recorrer às regras do•direito publico, os tribunaes ordinários serão considerados competentes. (R. G-. 2 fevereiro 1884)8*f   I 

73.—Com relação aos funccionarios, as leis particulares ea jurisprudência dos Estados sempre os declararam pessoalmenteresponsáveis por todo acto ou omissão illegal, erro, negligen-cia, ou excesso de poder no desempenho dos cargos; e, além•das penas criminaes ou disciplinares, em que podessem incor-rer, seriam igualmente obrigados à satisfação do damno cau-sado a terceiros ou ao Fisco, segundo as circums tancias do caso.A allegação de ter agido em virtude de ordem superior não•excusava o funccionario, desde que o seu acto fosse contrarioalei.85 Presentemente, porém, a matéria se acha regulada por 

•disposição expressa do código civil allemão; — Le fonction-tiaire qui, intentionnellement ou par négligence, viole le devoirprofissionnel lui incombant vis-à-vis d'un tiers, doit ré-sparereavers celui-ci le dommage cause. Si le fonctionnaire iTest

coupable que de négligence, il ne peut être pris à par-tie quelorsque le lésé ne peut obtenir reparation d'une autre manière.Si dans la decision d'un procés, un fonctionnaire viole i-sondevoir profissionnel, il n'est responsable du dommage cause •quesi la violation du devoir est passible d'une peine publique parvoie de procédure criminelle. Oette dispositon ne s'applique j)asau refus ou au retard illegal de remplir 1'ofíice. L'obliga- 

 Ht   Otto Mayer, loo. oit., p. 281, nota. A sigla— B. Q. significa""Rektisgericht". 

85 Zorn,  D M  Staatsrccht, t. I, p. 826-327. Cf. P. Laband, Le Droit

Public de 1'Empire ÀUemand, t. II, § 44 sg, signanter, § 48; Otto Mayer,4)b. olt., t. I, § 17. 

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tion de réparer le dominage n'a pas lieu lorsque, intentionnel-lement ou par négligence, le lese a omis d'ecarter le dommagepar une voie legale (art. 839).85a

 

Na applicação pratica desta disposição é de advertir, alegislação particular dos Estados poderá fazer-lhe modifica-ções, tornando mesmo o recebimento da acção judiciaria contra o-funccionario,—dependente de decisão preliminar, proferida pelo-Tribunal Administrativo Superior do Estado (onde o haja), oupelo Tribunal Federal do Império. Esta decisão jtreliminar t diz se, tem por fim evitar que o funccionario responda por per-das e damnos, em razão de actos que a Administração, talvez,

reconheça legítimos e necessários...851" Mas dependente, o»não, de decisão preliminar, affirma Windscheid, a acção de in-demnisação é garantida aos indivíduos contra os funccionario»(inclusive os juizes, mesmo no caso de sentenças) pelos dam-nos, que lhes tenham causado por dolo ou grave negligencia(Arglist oder grobe Nachlãssigkeit) ; e no exame do caso sujeito-os tribunaes, ao contrario do que succede na França, podem in-terpretar as regras do direito administrativo para o fim de fazerdelias a applicação conveniente.85c

 

«Muito debatida, porém, accrescenta o mesmo autor, temsido a questão de saber si, juntamente com o funccionario, devetambém responder o Estado, que o nomeara...» 8C

 

65 a Vide: Cod. Civ. Allemand, trad. par O. de Meulenaere.— Paris,.1897. 

85* Loening,  Lehrbuch des ãeutscJien Vemoaltungsrechts, pag. 785. Cf.Otto Mayer, ob. cit., 1.1, § 17; Lei dlntroducç&o ao Cod. Civil cit., arte. 11,e 77-81. 

88• Windscheid, ob. cit., § 470. 86

Loc. cit. Em nota ao texto Windscheid cita: Pfeifer, Zacha-riae, eStobbe, como sustentadores da responsabilidade do Estado, — e| Loening,como contrario á mesma; confessando, entretanto, não se poder negar, quea tendência da pratica preponderante é pela responsabilidade do Estado,seja primaria, seja apenas subsidiaria... 

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74.—Na Allemanha, quando se encara o Estado nas suasrelações de natureza civil, dá-se-lhe, como se sabe, o nome deFisco; e fora precisamente sob esta denominação, que o modernoCódigo Civil Àllemão o considerou pessoa juridica (art. 89),declarando ser-lbe applicavel, por analogia, a disposição do seuart. 31, que resa assim: — « A associação ê responsável pelodamno, que a directoria, ou um de seus membros, ou qualqueroutro representante nomeado de accordo com os estatutos, possacausar a um terceiro no exercicio de suas funcções, por acto il-licito que obrigue à reparação » (DerVerein ist fur ãen Schaãenverantivortlich, ãen der Vorstanã, ein Mitglied des Vorstandes,

oder ein anderer verfassungsmassig berufener Vertreter durcheine in Ausfuhrung der ihm eustelienden Verrichtungen began-gene, zum Schadensersatze verpflichtende Hanãlung einem DriU ten zufugt). 

Dos termos da disposição transcripta parece indiscutivel oreconhecimento da responsabilidade civil do Estado pelos actosillieitos de seus órgãos ou funecionarios. Mas não devemosomittir que, segundo pretendesse, semelhante responsabilidadese restringe tão somente aos actos, em que o Estado apparece

como Fisco, tomado este vocábulo na significação limitada, queacima se lhe deu. Quanto aos demais actos, isto é, os que sãopraticados pelos representantes do Estado no exercicio da suaauetoridade politica ou soberana,— sustentasse em contrario,que o Estado é irresponsável pelos damnos resultantes dosmesmos...86* 

86 a Hie, ns. 45, 46 e 72.— Referindo-se à matéria da responsa-bilidade proveniente dos actos illicitos, praticados pelos representantes dapessoa juridica, disse Windscheid: « A capacidade de agir, artificialmente

attribuida à pessoa juridica, estende-se aos delictos ? Queremos dizer, umdelicto commettido por um representante da pessoa juridica, nesta suaqualidadee dentro das faculdades da sua [representação, se considera delictoda pessoa juridica, de modo que as consequências delle recaiam sobre 

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De facto, a linguagem de vários autores e, mesmo, a dealguns arestos se mostram insistentes na necessidade de fazeresta restricçáo em favor da administração publica, o que aliás,

não deixa de ter a sua explicação, assaz conhecida. 

74 a.— Moldada nas velhas tradições do direito romano,que continuou sabidamente a ser o direito commum vigente nosdiversos Estados da Allemanha, a doutrina jurídica, mais geral-mente acceita, sobre os damnos causados aos indivíduos pelo 

a pessoa jurídica ? Esta questão deve ser respondida de modo negativo, noque se refere & penalidade: repugna ã natureza da pena, que ella seja

applicada a outrem, que não o delinquente. Não se dá porém o mesmo como dever de, reparação do damno resultante do delicto. B quando seconsidera que a pessoa jurídica, só por mão de seus representantes, tem a

 possibilidade de agir em busca dos seus fins, não se poderá deixar de achar  justo, que ella tome sobre si as consequências prejudiciaes dos actos da suarepresentação, do mesmo modo, que recolhe as vantagens resultantes dessarepresentação* Outra questão, é a de saber si esta obrigação de justiça éreconhecida polo direito commum. Pelo que respeita ao direito romano, aquestão não pode ser afflrmada; ella tem, todavia, os exemplos preponde-rantes da pratica em seu favor. Quanto á personalidade do Fisco, aceres-oenta o autor, lhe ó, em todo o caso, reconhecida a capacidade de querer...e por isto a sua responsabilidade deve ser admittida pelas culpas dos seus

representantes (Trib. Sup. de Berlin, 27 setembro 1859) ».— Pandekten, t.I, § 59. — Sobre o mesmo propósito também observara Sintenis: o limite da res-

ponsabilidade pelos actos illicitos dos representantes é restrkto á esphera deacção, que o direito prescreve á pessoajuridica representada.— " Universitasdelinquere potest; attamen tantum eh crimina ipsi qua tali imputari possunt qua: ad negotia pertinent cum fine suo perpetuo cofuerentia ".—Diss. § 16. 

— Ainda quanto a questão particular de saber si, no direito allemao,a conectividade (associação) deve, ou não, responder pelas consequênciasdo deficto, é também de vôr: Gierke, ob. cit., p. 743 sg. Este ultimo autorpensa que, conforme o direito allemao, é licito sustentar a afflrmativaápezar dos esforços dos romanistas em contrario, e que as próprias de-

cisões, que negam essa responsabilidade, a admittem no caso de culpa nanomeação, ou no caso de commissão especial do representante da conecti-vidade.— Ob. cit., p. 747-754 sg. 

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Estado, foi por muito tempo a de que elle só devia ter a obrigaçãode indemnisal-os, quando os mesmos resultassem das relaçõespatrimoniaes do Estado; muito embora seja igualmente certo,

que semelhante doutrina, na pratica, nunca chegou a dominarde maneira exclusiva, por se mostrar repugnante aos olhos daprópria justiça.86b

 

50 b O professor Otto Mayer, tratando da obrigação .de indemnisar osdamiios dos funccionarios por parte do Estado, faz um resumo da doutrinapreponderante em vista do direito e da jurisprudência, exprimindo-se damaneira seguinte: A lesão feita ao individuo deve ser indemnisada porquem a causou. Isto não assenta sobre as regras do direito civil, que regema obrigação resultante de um damno illegal (vechtwidrige Schàâigung), por-que a indemnisação tem logar, mesmo sem dar-se um delioto do represen-

tante ou serventuário do Estado, a dizer, quando o damno ó cansado por actode indiscutível legalidade... O pensamento fundamental fder Grundgedanke),sobre o qual assenta essa indemnisação, é inteiramente independente, epertence à esphera do direito publico: — "a lesão patrimonial (der Yen/nS*gensnachteil)" é compensada por causa da injustiça, que ella acarreta aolesado... 

Bem entendido, o autor trata da lesão, considerada como um sa-crifício particular (ais ein besonãeres Opfer), que fere a um individuo semoutra compensação especial, impondo-lhe desigualmente um encargo, quenão recao sobre os demais indivíduos; — para, deste modo, excluir todosos encargos públicos geraes, taes como, impostos, taxas e outras prestações,ou mesmo, certos constrangimentos pessoaes, como sejam as penalidades,

e as restricções policiaes de toda espécie.  Dando compensação do prejuízo feito, mediante uma somma equiva-lente em dinheiro, o Estado faz cessar a injustiça; e como elle tira essedinheiro da caixa oommum, o damno reparte-se por todos os seus con-tribuintes, ou em outros termos, a indemnisação é a forma de tornar igual,um encargo desigual (die Form um eine ungleiche Belastwng in eine gleiche

 zu verwandeln). Encarada sob este aspecto, a indemnisação deve ser tida,como de direito publico. Mas não. basta fundal-a na idéa da justiça, comose tem feito; é preciso convertel-a em disposições geraes do direito (zu

  Mechtssãtzengestaltet tverden). Sem duvida, já não são poucas as leisespeciaes (Sondergesetzen) sobre a indemnisação de direito publico (uber offentlichrechtliche EntscJiãdigung), taes como, as de desapropriações, deservidões reaes impostas, e outras: isso, porém, não satisfaz às exigênciasdo instituto jurídico; cumpre fazel-o por uma regra geral, assaz compre- 

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Não querendo fallar, senão, dos factos mais recentes, nin-guém ignora que, por occasião dos trabalhos do projecto doCod. Civ. Allemão, se manifestou no Congresso Legislativo

uma forte corrente de opini&o no sentido de incluir em artigoexpresso do código o principio da responsabilidade civil do Es-tado, quer considerado como Fisco, quer na sua qualidade de 

hensiva dos diversos casos. Na falta desta, é certo, a theoria e a pratica temprocedido, como si a mesma existisse, baseando apoio nesta ou na-qnelladisposição do direito civil ou do direito publico. Pondo de parte a questão,— em virtude de que? {woher?), contentam-se de asseverar, que o Estadodeve, no caso, uma indemnisaçao « segundo os princípios funda-mentaes dodireito », ou « segundo os prineipios incontestáveis do direito. ..» — O

principio, que o Estado deve indemnisaçao pelos sacrifícios particulares,que impõe, é direito antigo, tendo sido recebido na consciência jurídica e napratica do direito, desde que o Estado começou a agir mais vivamente e aexigir taes sacrifícios com maior frequência. O direito romano não offereciaexemplo da espécie ; mas, não obstante, formou-se um direito usualallemão,— a principio para os casos mais graves, como no uso do jm eminens, e, pouco a pouco, o mesmo se generalisou para os casos diversos. ..A forma, em que a lesão se mostra (o autor falia da lesão proveniente derelações do direito publico), é indifferente; assim oomo não é tamb9messencial distinguir,— si o acto lesivo fora, ou não, conforme ao direito,—sifora resultante da vontade, ou apenas casual,— ou si, justamente, devera tersido evitado. Basta que, pela relação de causalidade

(Kausalzusanimenhang) a lesão tenha resultado do serviço publico (ausdem Stoatlichen Unternehmm). B' desnecessário dizer, que, era vez do Es-tado, também pode ser obrigado a indemnisaçao qualquer outro sujeito daadministração publica, desde que seja um corpo Independente, e bemassim,aqnelle que, como concessionário, exerça uma parte da administraçãopublica (Stiicke õjfentlicher Verwaltung): o responsável é aqnelle, a quempertence o serviço, que occasionou o damno... 

O acto lesivo, para ser indemnisavel, presuppõe que ello affectara umacousa ou um direito, adquerido, próprio do individuo, taes como os seusbens materiaes (Sachguter), a sua integridade corporal, a sua liberdadepessoal, on outros direitos, prestações, privilégios, concessões, que Ibepertençam effectiva e individualmente (ein Opfer kann nur bringen, ver 

éticas hat). — O autor trata também dos elementos da avaliação do damno, assimcomo do direito de acção, declarando que esta é um direito subjectivo do 

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poder publico ou soberano. Quando na segunda leitura do pro- jecto foi adoptado pela commissão o dispositivo, que declararaa pessoa jurídica (a associação) responsável do damno causado

pela sua directoria ou outro representante delia, foi na mesmaoccasião apresentada uma emenda, segundo a qual, as pessoas dodireito publico, notadamente o Estado e as communas, ficavam 

lesado; e passando a referir-se aos limites postos ao uso desse direito,prosegiie: «Alei pôde excluir dado caso de indenraisação, desde çme assimo declare nas suas disposições; ainda que pareça, que os individuos, queella attinge, soffrem com isso um encargo desigual. O que, alias, não des-tróe o principio estabelecido, de que os encargos legaes (Belastung durch

 Rechtssatz) devem, deste ou daquelle modo , manter a igualdade.  ■ 

t Quanto à obrigação de indemnisar, quando o Estado age nas re-

lações de ordem patrimonial, elle deve responder, como qualquer outrosujeito, segundo as regras do direito civil; mas não é desta espécie de res-ponsabilidade, que ora se trata, e sim daquella, em que o Estado incorrefora do terreno desse direito. 

« São numerosas as tentativas, feitas em todos os tempos, para funda-mentar a responsabilidade do Estado, dada a illegalidade (die RechtsuÂdrig-keit) de um acto do mesmo (o autor cita algumas das theorias recommen-dadas); se tendo aventado construcções maravilhosas para darem um teci-do jurídico â essa obrigação, e servirem de ponte ao abysmo, que ha, entroa idéa — Estado e a illegalidade. 

« Mas, por outro lado, as cortes jamais cessaram de declarar o Estadoresponsável, em geral, pelos delictos dos seus funccionarios, invocando

para os casos os princípios do direito civil, mesmo quando se tratava deactos da administração publica e do exercício de direitos soberanos. E exa-minando-se mais de perto, se verifica que quasi sempre as cortes procede-ram realmente com justiça, embora presas de equivoco, fazendo applicaçaodas regras do delicio ex-vi do direito privado, ao conhecerem de indemni-sações de direito publico... A impressão, que se tem, é, — que não ha umprincipio firmado (kein festes Princip) sobre a responsabilidade do Estado,resultante do acto Ulegal do funocionario; por isto precisamos ser claro aesse respeito: 

«) Em regra, é indifferente (glefchgiiltig) a demonstração da illegali-dade no caso de indenraisação de direito publico; esta tem lugar, desde quese imponha um sacrifício ao particular sob qualquer forma de direito. Ellatambém seda, quando o sacrifício resulta da actividade da administração pu-blica, involuntariamente, sem distinguir, si houve ou não, uma illegalidade. 

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igualmente sujeitas á idêntica responsabilidade, — mesmo,quando o seu funccionario ou representante se achasse reves-tido das fnneções de poder publico (ôffentlichen Geivalt); e os

seus sustentadores procuraram demonstrar, que o conteúdo daemenda, alem de caber ao domínio do direito privado, devia seradmettido, como um preceito de justiça— (dass die Fr age ais eine 

b) Nas circuoistancias, a existência da illegalidade pôde, entretanto,exoluir a indemnisaçao, nina vez que esta só é devida pelo damno causadoao individuo pela administração. Si a illegalidade do funccionario é de talordem, que não involve uma falta da administração (Fehlgehen), mas umabuso da opportunidade (einen Missbrawh der Qelegenheit), que o cargoproporciona, — a responsabilidade caberá toda ao funccionario somente.

— c) Casos ha, em que a illegalidade e juntamente a culpa se tornam con-dição da indemnisaçao de direito publico, por exemplo: quando navios seabalroam,— quando carretas da artilharia passam sobre um individuo, —ou quando se dá um desastre em obras da viação publica, é preciso averi-guar quem se devia afastar e prestar attenção. Quem agiu illegalmente, éque causou o damno ; e da causalidade depende a obrigação de indemnisa-çao de direito publico. Além disto, só haverá um sacrifício, resultante dedamno feito pela administração, si este fôr injusto (ungerecht) e não, quandosuoceder ao interossado o que lhe devia sueceder.— Taes são os casos dedetenções, ou mesmo de offensa corporal no intuito de obstar a perpe-tração de deliotos, a confiscação de contrabandos, a destruição de génerosalimentícios falsificados, e a demolição de construcoóes, que prejudicam a

viação publica. Si a medida, porém, não devia ter lugar, déra-se umaillegalidade, e a indemnisaçao é devida: não, porque houvesse uma falta dofunccionario, pela qual o Estado responde... mas porque a illegalidadeobjectiva deixa ver no damno nm sacrifício injusto e particular (sondemwegen der objectiven Rechtsicidrigkeit, welche die Schãdigung, ah eine unge-rechte, ais ein besonderes Opfer, erscheinen làsst) ». 

— Entre os damnos, que não dão direito á indemnisaçao, estão, noentender de Otto Mayer, os da justiça e da guerra (die, Justizschaden und die Kriegsschaden). Quanto a não indemnisaçao dos primeiros, diz, que ó odireito vigente, ainda que haja um certo optimismo no modo de consideraras cortes de justiça, a dizer, como si ellas fossem impeccaveis. Quanto aosdamnos da guerra, só são de considerar taes, os que as tropas occasionam

no campo da luta ou nas suas dependências immediatas. Não se trata desacrifício exigido pelo serviço publico, mas de caso de força maior (Natur-getvalt).— Otto Mayer, Deutschcs Vencaltvngsrecht, §§ 53*54. 

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Frage des Privatreehts aufzufassen sei,... dass ihre Bejahungais einOehot derQereéhtigkeit erseheine). Na votação da emendaporem, deu-se o empate de oito votos contra oito, e o presidente

da commissão decidia contra a suaacceitação.860

I Depois, ao tratar se das disposições relativas à responsa-

bilidade pessoal dos fuuccionarios, foi novamente levantada aquestão da responsabilidade civil do Estado e da communa, aqual, segundo nns, devia ser estabelecida de maneira solidaria,e segando outros, apenas subsidiaria, relativamente aos damnoscausados à terceiros com a fancção publica.864 Finalmente, nadiscussão do projecto no Congresso Legislativo, a mesma questãofora, ainda uma vez, objecto da mais calorosa discussão, como,aliás, não podia deixar de ser, já em vista da importância damatéria, já dos oradores que com tanta competência se fizeramouvir, batendo-se pela necessidade de sua adopção. 

Triumpliou o principio, de que a responsabilidade do Es-tado-poder publico não devia ser incluída entre as regras do di-reito privado-, mas, de tudo quanto se pôde apurar da discussão,assim se resolvera,— não, porque o Estado devesse ser consi-derado irresponsável nesta qualidade, mas principalmente, porestas duas razões: primeira, que não se podia apreciar a res-ponsabilidade alludida sem conhecer da questão connexa do

dever profissional do funccionario publico, matéria do dominiodo direito publico *, segunda, que o conhecimento desta ultimaquestão, pertencendo particularmente á competência das auto-ridades dos Estados-federados, devia, consequentemente, conti-nuar a ser objecto da legislação dos mesmos, e não, regida poruma disposição commum do direito federal. Em vista destas eoutras ponderações de natureza análoga é,que foram adoptados 

86 o "PROTOKOLLE" der Kommission fiir ãie ziueite Lesung des Entwwfs\ des

 Burgerlichen Gesetzbuchs,1.1, p. 607 sg.~ Berlin, 1897.M

*0b. oit., t. II,p.663 sg. 

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os dispositivos constantes dos arts. 89 e 839 do Cod. Civil e osdos arts. 77-80 da sua lei de introduccão; mas não, de formaalguma, porque â consciência jurídica do legislador houvesse

parecido, menos legitimo ou menos procedente, o principio daresponsabilidade geral do Estado.868

 

74 b.— De resto, esse modo de vêr com relação aos dispo-sitivos do Código Civil coincide com a doutrina corrente acercadas duas jurisdicçõesdistinctas, a das auctoridades ou tribunaesadministrativos, e a dos tribunaes judiciários, segundo a qual,o que realmente se pretende, é firmar a regra, de que o Estado,fora das suas relações patrimoniaes (Fisco), não pode ser su-

 jeito ás disposições do direito privado e aos tribunaes que appli-cam este direito; mas não, que o mesmo seja sempre ou absolu-tamente irresponsável pelas lesões feitas ao direito individual.Ao contrario, resulta da lição dos factos, que, mesmo em se tra-tando de actos de poder publico ou de governo, casos se dão,em que a obrigação de indemnisar o damno feito é no todo reco-nhecida, jâ em virtude de leis especiaes, já em nome dos prin-cípios geraes da justiça; não faltando até quem entenda, queaos actos do Estado se deve applicar, sem distincção, os dispo-

sitivos dos artigos 831 e 832 do Código Civil, relativos á res-ponsabilidade proveniente dos factos de outrem. Além disto, tendo o Código Civil, nos arts. 77-81 da  Lei

de Introduccão, respeitado a legislação particular dos Estados edas Communas sobre a responsabilidade civil, proveniente de 

sóe Ob. cit., 1.1, p. 610-611. — Cf. Saleilles, Théotiè Oen. de VobVga-tion, p. 399.— Paris, 1901. Este autor, depois de haver analysado o pen-samento do proj. do Código Civil Allemão sobre o ponto em questão, aoreferir-se â responsabilidade pelos factos de soberania, disse: "nonpas que

les motifs prétendent exclure la responsabilité de VEtat pour ces derniers, maisih déclarent n'avoir pcts à s'en oecuper et laisser la question au domaine ãudroit piiblic."—Loc. cit., e mais: p. 424-427, nota» 

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damnos causados por seus funccionarios, não se ignora que emdiversos Estados foram, em consequência, adoptadas leis espe-ciaessobre a matéria, e em algumas delias, reconhecida positivamente a

responsabilidade doEstado pelos damnos referidos.86

§ 2.° CASOS E DECISÕES 

75. —ACTOS LEGAES OU ISENTOS DE COLPA.  Conforme aoprincipio, de que os actos de poder  são insusceptíveis de res-ponsabilidade por parte da Administração, se pretende, que gósamdesta isenção, não só as leis, mas também os actos de governo,propriamente taes, e as decisões judiciarias.87 Mas, isto não

obstante, e a despeito da legalidade incontestável do actoadministrativo,— desde que, em consequência delle, se déreffectivamente a lesão de um direito individual, apreciávelpecuniariamente, e a lei não haja expressamente disposto emcontrario, os tribunaes tem decidido, que, tanto a Communa, comoo Estado, podem ser declarados civilmente responsáveis pelodamno resultante; visto não ser justo, que o individuo soffra semreparação um sacrifício, proveniente da Administração, a qualassim o faz, alias, no interesse commum de todos 

86f  Vide: Otto Mayer,   Le Droit Administratif AUemand, t. I, § 17p. 314.— Os Estados que adoptaram nova legislação neste sentido são -.Bade, Baviera, Hesse, Wttrttemberg, e vários outros menores.—Cf. Boulen,

 De la responsàbilité enven les partieuliers ães fonctionnaires administratif8,p. 348-355.—Rennes, 1902.  ■ 

— Também por uma recente lei federal do Império (14 Julho (1004)acaba de ser assegurado o direito de indemnisação aos individuos injusta-mente presos. No "Jornal do Commercio " do Rio de Janeiro, de 21 e 30maio 1904 se encontra breve noticia a respeito dos fundamentos da novalei alleman. 

87 Vide: Loening, ob. cit.; Piloty, ob. cit. Bic, ns. 45 e 46. Seria de

vêr no mesmo sentido uma decisão do "Tribunal Federal do ImpérioAllemão", de 21 dezembro 1886. 

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 jlj 

— 416 — 

(C. Sup. App. Darmstadt, 6 outubro 1848; C. Sup. App. Weis-baden, 9 março 1850, 10 outubro 1862 ; C. Sup. App. Lubeck,31 dezembro 1847; C. Sup. App. Iena, 21 novembro 1850;C. Sup. Wolfenbuttel, 6 março e 17 novembro 1874; C. Sup.App. Rostock, 12 junho 1865 ; Trib. Fed. do Imp. 16 dezem-bro 1885).87a

 

87a Apud Gierke, ob. cit., p. 808.—Segundo este autor, acollectivi-dade está sujeita a prestar a indemnisação devida pelos seus actos culposos,nos termos do direito privado, do mesmo modo, que a pessoa individual;sendo de incluir nesta regra geral, tanto o Estado, como a Communa. Peloque respeita ás infracções de natureza contraetiial, esta regra prevalece demaneira indiscutível (O. G. Wolfenbuttel 17 setembro 1867, e 28 dezembro1868 ; R. G. 9 maio, 3 novembro, e 12 dezembro 1882); entendendo-se que,nesta hypothese, se trata de responsabilidade por culpa própria, sem pre-cisar recorrer aos princípios que regem a responsabilidade dos actos narepresentação (R. G. 7 junho 1871, e 5 maio 1880). B não é licito allegar,como escusa, que na espécie se tratara, porventura, do exercício de direitossoberanos (R. G. 3 novembro 1882; O. A. G. Dresden 26 julho 1851, e 27março 1863; O. A. G. Cassei 5 julho 1847; O. A. G. Berlin 30 março 1871;O. G. Wolfenbuttel 23 junho 1865, etc.,etc.)—Loc. cit. p. 784-787. 

— Quanto, porém, aos damnos ou culpas commettidas em actos extra-contractiiaes, Gierke confessa que ha divergências, tanto na matéria deprincípios,, como nos exemplos da pratica (loc. cit., p. 788); mas que, issonão obstante, a responsabilidade tem sido admittida pela jurisprudência, nãosó, quando se trata de factos que tragam um lacro ao Estado, ou daquelles-que elle pratica nas suas relações de proprietário ou industrial, como tam-bém, de actos, nos quaes o mesmo apparoce como poder publico, "desdeque os damnos sejam causados pelos seus órgãos no uso das suas attri-buições ". — Wir werden namenilich auch ãen Staat, ãen Gemeinden und allen anderen õffentlichrechtlichen Kõrperschaften eme privatrechtliche Er-satzverbindlichkeit fur Schaden aufzubiirden hàben, ãen ihre Organe inner-hálb ihrer Wvrktmgssphãre durch schuldhafte Vertvendung oder Nichtvertcen»

dung Õffentlicher Machtmittel anrichten (loc. cit., p. 794). Nesta con-formidade a praxe commum (die gemeinrecktliche Fraxls) tem garantidoaos lesados por culpas dos órgãos públicos a acção aquiliana contra o Es-tado e as Communas, tenham os indivíduos sido offendidos na sua integri-dade ou liberdade pessoal, ou no seu direito de posse e propriedade (magnun dabei der Einzelne durch e.nen Eingriff in die Integritãt oder Freiheit der Personlichkeit, oder durch Entziehung oder Zerstorung von Sachen).— 

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■ 

H — 417 — 

Não é assaz numerosa nem completa a resenha dos casosparticulares, de que podemos fazer menção no momento; mas,dos que se offerecem em seguida, se poderá, com certeza, ajui-sar da doutrina corrente na Allemanha a respeito da matéria.  

I 75 a.— A desapropriação, ainda que seja um acto de sobe-rania (jus eminens, dominium eminens), não poderá ser feita,senão, guardadas as formas legaes,— Enteignung findet nur nach Massgabe des G-esetzes statt,— e dando-se realmente uma

razão verdadeira de utilidade ou necessidade publica.87 b Logi-camente, se devia fazer primeiro a desapropriação, porque deliaé que resultaria a obrigação de indemnisar, como consequên-cia; mas, para evitar delongas, que o desapropriante, uma vezna posse da cousa, podia occasionar, a regra é: que a indemni-sação seja prestada primeiro, como condição da própria validadeda desapropriação (die vorgãngige EntschMigungsleistung wirciBEDINGUNG der Gultigkeit des Enteignungsausspruches).n" 

a) A obrigação de indemnisar a cousa desapropriada é um

principio geral do direito: — Der Mann, ãem durch die Enteig-nung das Opfer seines Eigentums oder sonstigen liechts an der 8ache auferlegt wird, erlangt eben dadurch den Anspruch auf   Ausgleichung dieses Opfers in Oéld ; podendo o desapropriadofazer valer o seu direito contra aquelle, a quem a desapropria-ção aproveita, seja o Estado, seja a Communa, seja um conces-sionário, revestido do direito de desapropriar.87#l

 

Loc. cit., p. 797-799, e notas.—Gierke cita decisões confirmativas das suas

asserções, das quaes fazemos a devida menção nos casos particulares, queo leitor encontrará no texto. 87 b Otto Mayer, Deutsches Verwaltungsrecht,t. II, § 33.—Leipzig,

1896. 870 Loc. cit., p. 44. 87* Ibidem, p. 43 sg. 

37  R. C. 

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I  

— 418 — 

— No valor da indemnisação da cousa desapropriada deve

também entrar o do caminho perdido que dava accesso a partenão desapropriada do prédio, e de que resultara a necessidade defazer um arrodeio para se poder chegar ao mesmo (R. G. 17 junho 1884). 

Entende-se, entretanto, que a collocação de caixas do cor-reio, de lampiões de illuminação das ruas, de postes telephoni-cos e telegraphicos, e de taboletas de nomes e numeração dasruas, e cousas semelhantes, são delimitações do direito de pro-priedade, que se justificam como medidas de policia e necessi-

dades publicas, e por isso o proprietário não tem o direito deacção contra ellas. Taes limitações são essencialmente condi-cionaes do próprio direito de propriedade em face da adminis-tração. Com tudo, não se deve concluir, que o proprietário ficasempre privado dos meios legaes de oppor-lhes resistência e deexigir indemnisação; porquanto elle o poderá fazer, toda vez quese dér excesso nos actos da administração, ou uma lesãoparticular caracterisada da sua propriedade.87' Dada esta hy-pothese, ou outras semelhantes, se poderá cogitar de indemni-

sação, comtanto que se trate realmente da lesão de umdireito

adquirido e de que se esteja no goso, como tal, "Verletzung einesbestéhenden rechtlichen Zustandes" (R. G. 28 maio 1880)87f 

 

6) As servidões publicas impostas á propriedade, em regra,dão direito â indemnisação; mas não se deve confundir as me-didas temporárias de policia com as servidões propriamenteditas.870—Bem assim, não é caso de indemnisação o facto de um 

87 e Otto Mayer, loc. cit., p. 185 e notas ibi. 

8" No caso da decisão citada no .texto, se tratava de um dique feitoera um rio, e de que resultou ficar a propriedade visinha privada de inun-daçÕe8 fertilisaãoras das suas terras. A indemnisação foi negada, por nãohaver um direito adquirido.— Otto Mayer, loc. cit., p. 354. 

87g otto Mayer, loc. cit., p. 171, nota /.e p. 175 sg. notas 14 e 15.  

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funccionario fiscal ou policial penetrar na propriedade alheia,em perseguição de um contraventor ou criminoso (O. Tr. 1 de-zembro 1875 ; O. V. G. 28 novembro 1885).87h

 

c) O direito de propriedade não pode ser opposto ao exer-cício de uma Unha de tiros sob o fundamento de encommodoscausados por estes; mas o lesado tem direito á indemnisação<R. G. 24 setembro 1889).

d) O proprietário não se pode oppor ã construcção de uma•estrada de ferro sob o fundamento, de que damnifica a sua pro-priedade por fagulhas ou pela trepidação ; pode, porém, exigirindemnisação por taes damnos (R. G. 20 setembro 1882). 

e) A obra publica da construcção de uma ponte, da qualresultou a perda de freguezia para a exploração privilegiada deuma barca existente, não dá direito á indemnisação (O. Tr. 25setembro 1856).

 f) Os indivíduos, que edificam numa rua publica, adque-rem uma servidão tacita na mesma (O. Tr. 10 abril 1866, e 27abril 1869; R. G. 7 março 1882 e 13 fevereiro 1883); e aindamesmo contestando-se, que o direito dos proprietários tenhaeste caracter de servidão, se tem admittido que a mudança oualteração da rua, que prejudique ao proprietário de maneiraparticular, dará logar à indemnisação. Não se pode negar que a

rua constituo um dos elementos de valor do prédio; dahi o fun-damento para indemnisação (C. C. H. 13 outubro 1866; R. G.16 novembro 1880). 87hh

  I g) Pelos damnos da guerra, causados pelo inimigo ou pelo

exercito nacional, não responde o Estado; trata-se, entretanto,dos actos da guerra propriamente, e não, dos actos preparatórios 

87 h A sigla — O. Tr. quer dizer: Tribunal Superior de (Berlin) ;•■—I

O. V. G. significa: Tribunal Administrativo Superior. 87 nii A sigla—C. G. H. quer dizer: Tribunal dos Confliotos da Prússia-

Vide: Otto Mayer, loc. oit., t. II, p. 135-136. 

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 — 420 — 

delia. Aos damnos de uma luta ou uma sedição intestina se applica amesma regra (O. A. G. Dresden, 18 maio 1852).871

 

h) Uma ordem de policia negando licença para construir,, no

intuito de deixar um monumento á vista livre do publico, dá. direito áindemnisação (O. Tr. 28 outubro 1869). 

i) Não é caso de indemnisação a ordem de policia impondo aofabricante de pólvora a obrigação de fazer um tapagem, que isole omoinho da estrada publica (R. G. 12 novembro 1887). 

;') O direito de propriedade não pôde ir até o ponto de prejudicaraos interesses do bem commum; por isso não ha direito áindemnisação contra uma medida policial, que não impõe encargos,e apenas, priva a continuação de um perigo (O. V. G. 5 dezembro

1881).87 j

 h) Nenhuma indemnisação é devida pela simples execução da

prohibição legal de cemitérios communaes dentro da cidade (O. Tr.19 junho 1863). 

76.—ACTOS ILLICITOS EM GERAL.—A obrigação de prestarindemnisação pelos actos illicitos prevalece contra o Estado até-ademonstração de uma excepção legal, do mesmo modo, que se dácom os damnos provenientes das culpas individuaes. Tra-tando-se de

infracções contractuaes, este principio é, como já. 

871 A sigla — O. A. G. quer dizer r Corte Superior de AppellaçSo deDresden; apud Otto Mayer, loc. cit., p. 359.— A lei federal de 18 junho de1873 [Ge-setz iiber die Kriegsleistungen) regulara de modo completo as variasespécies de fornecimentos, que as forças militares podem requisitar, e bemassim, o modo de fixar o valor pecuniário das respectivas indemnisações.— A lei de 13 de fevereiro de 1875 regulou igualmente as  prestações in na-tura, feitas ao exercito em tempo de paz, as qnaes deverão ser indemni-sadas pelos fundos do orçamento militar (lei cit., art. 9o). 

37j Na espécie se tratava da prohibição de fogões com válvula,

(Ofenklappen) declarados perigosos a saúde, etc. Os proprietários, que os-tinham nas suas casas, pediram indemnisação, mas foram julgados care-cedores desse direito.  l «3 

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— 421 — 

se disse, tido por indiscutível. E não só as diversas cortes«estadoaes de justiça, mas também o Tribunal Federal do Im-pério em particular, assim o tem reconhecido, ou se trate

propriamente do Estado, ou das demais corporações publicas.<C. Súp. Wolfenbuttel 17 setembro 1867, e 28 dezembro 1868;<J. Sup. App. Celle 20 abril 1855.; Trib. Federal do Imp. 5maio 1880, 9 maio, 3 novembro, 12 e 30 dezembro 1882). |**Nestes casos, disse o Tribunal, a obrigação de responder pelaculpa do representante (órgão ou auxiliar) é, como si se tratasse■de culpa própria" (Trib. Federal do Imp. 3 novembro 1882;Trib. Fed. Sup. do Com. 18 junho 1872).Conseguintemente, oEstado e as Communas, desde que contratam, entrando na es-phera do direito privado, ficam responsáveis pelas obrigaçõesresultantes, mesmo quando se mostrem no exercicio de poderpublico (ihrer Hoheitsrechte).*1* E' igualmente por isso, que,considerada a concessão, como um contracto, a sua revogaçãodá direito ã indemnisação, a menos que essa revogação estejaprevista na lei ou em clausula do respectivo acto.87' 

Fundamentando a responsabilidade pelos actos illicitosnas relações contractuaes disse uma corte de justiça: « O Fisco,sendo apenas uma pessoa fictícia (nur fingirte PersònlichJceit),não pôde agir por si mesmo; e como só pôde exprimir a vontade

própria por meio das acções e omissões do seu representante,■elle se torna responsável pela conducta deste nas suas relaçõescontractuaes. E uma vez admittido este fundamento, cuja pro- 

87 k Vide: Gierke, loo. oit., p. 786 sg. e notas ibi.— Cf. Loening, loc.cit., p. 58 sgs. 

A questão da responsabilidade do Estado pelos depósitos em poder deíunccionarios públicos foi outr'ora assaz debatida; mas, afinal a doutrinaque prevaleceu, foi a da sua responsabilidade, reconhecendo-se no facto -do deposito uma verdadeira obrigação contractual.— Gierke, loc. cit.,4>. 787 e decisões ibi. 

871 Otto Mayer, ob. cit., § 89, p. 159. 

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  — 422 — 

cedência é indiscutível, razão não ha para negar a responsabi-lidade do Fisco, sob a allegação de que não se trata de obri-gações contrahidas livremente, mas à elle impostas pela lei: si a

ficção possibilita â pessoa jurídica do Fisco a acquisição e oexercido de direitos, ella deve ter igual effeíto com relação àsresponsabilidades provenientes.» (Trib. Federal Sup. do Com-mercio 10 dezembro 1872).87m

 

76 a.— No que respeita aos actos extra-contractuaes, nãoobstante subsistir a controvérsia e a discordância das decisõesr é,todavia, certo, que os melhores autores são os primeiros aconfessar, que a tendência moderna é toda pela admissão da

responsabilidade (hic, p 406, nota

8fl

,

80

* e

86

 

b

). 

Mas a jurisprudência alleman, dependendo nesta parte dalegislação particular dos diversos Estados-federados, sem em-bargo de haver agora um Código Civil obrigatório para todoselles, não pôde offerecer-nos uma regra geral ou doutrina uni-forme sobre tão importante matéria. 

Ha Estados, cujas leis estabelecem em principio a res-ponsabilidade civil do Estado,87" assim como não faltam tribu-naes que, na maioria das suas decisões, a tem admittido, comouma necessidade indeclinável de justiça. Outros tribunaes,porém, tem recusado admittir a responsabilidade, como regrageral, muito embora lhe hajam dado a sua sancção em nume-rosos casos particulares.870

 

87m Apnd Giorke, ob. cit., p. 755 e decisões ibi. 87 n Entre os Estados, cuja legislação consagra o principio da res-

ponsabilidade civil, são ainda de citar: Sachsen-Coburg-Gotha, Sachsen-Altenborg, Cidade de Hamburgo, Schwarzburg-Sondershausen, Meklenburg-Schwerin.— Vide: Loening, loc. cit., p. 110-113; Klewitz, ob. cit., p. 82,sg. Hic, p. 415, nota 88f . 

87 ° Na matéria de depósitos, bem como, nos casos de culpas commet-

tidas no serviço das hypothecas, a obrigação de indemnisar está geralmenteconsagrada pelas diversas legislações e pela jurisprudência. — Klewitz,loc. cit. 

I K 

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 — 423 — 

Com effeito, muitas cortes judiciarias, rompendo com odogma romanista da incapacidade do ente collectivo para que-rer e agir, tem affirmado ao envez, que o mesmo ê até capaz

de delinquir (deren Delihtsfãhigkeit im Prmcip bejaht)... Mas, sem pretender levar tão longe o principio da responsabilidade, se tem por assentado em boa doutrina: que, si é ver -dadeira a proposição,— que a pessoa jurídica é incapaz de delicto, d'ahi não se segue, que ella não deva responder pecuniariamente (vermogensrechtliehe) pelas consequências do delictodos seus órgãos ou representantes; porque com as vantagensda representação devem ir juntamente as desvantagens provenientes (Corte Sup. App. de Celle 15nov. 1878). Kp Mesmo setratando de actos de poder publico (Hoheitsrechte) as cortes judiciarias tem declarado o Fisco, responsável pela indemnisaçãodo damno ex-ãélicio (C. de App. Colmar 9 janeiro 1888; R. G.21 dezembro 1886); podendo a respectiva acção ser propostae decidida contra o Estado segundo os princípios do direitocommum (R. Gr. 13 janeiro 1883).87 q  I 

— Do mesmo modo, desde que tenha havido culpa na no-meação ou fiscalisação do funccionario, a responsabilidade doEstado tem sido geralmente reconhecida. (Tribunal Superior daPrússia 21 junho 1847, 9 outubro 1863, 3 fevereiro e 24 novem-

bro 1864; C. Sup. App. Celle 16 fevereiro 1827, 19 abril 1861,14 fevereiro 1879; C. Sup. Wolfenbuttel 23 junho 1865 • Trib.Fed. do Império 1 e 13 abril 1880, 8 abril 1884; C- Sup. App.Iena 5 outubro 1877).^ 

A Corte Sup. de Appellação de Iena accentuâra numa dassuas decisões (de 1836): "O Estado é um Organismo, no qualas autoridades ou funccionarios apparecem, como membros ou 

87 PApud Gierke, ob. cit., p. 751 e nota ibi. 87

1 Vide: Otto Mayer, loe. oit., p. 360. 87 r Cf. Gierke, loo. cit., p. 753- 54 e 760, e notas ibi. 

 \ 

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instrumentos do Estado; portanto, elle tem de responder pelaactividade destes em qualquer hypothese, como sua". E ao seuturno, disse a C. Sup. App. de Munich (8 julho 1851) : "Como o

Estado, só por seus órgãos, e por estes somente, apparece emfuncção, segue-se, que nas culpas dos funccionarios, agindocomo taes, é elle o próprio agente lesivo do alheio direito".— OFisco é responsável, como pessoa capaz de vontade, declararaigualmente o Tribunal Superior da Prússia (Decisão 27 setembro1859).87s

 

Ha também decisões em contrario, não se nega, poucas,aliás, fundadas na incapacidade da pessoa jurídica para com-metter um delicto (Deliktsunfãhigkeit); verifica-se, porém, que

as cortes judiciarias, que assim tem julgado, não deixaram comtudo de reconhecer e firmar,—que em dados limites, os actosillicitos dos representantes devem ser, do mesmo modo que oslícitos, considerados  juridicamente, como actos da própriapessoa jurídica, por haver nisto um verdadeiro postulado da justiça. 

Segundo o prof. Gierke, a doutrina da responsabilidade doEstado ou de qualquer outra associação, pelos actos illicitos ouUlegaes, tem vencido justamente pela força da idéa verdadeira

(weil sich die richtige Auffassung Bahn brach), de que os func-cionarios, em quanto agem neste caracter, manifestam juridi-camente a vontade e a acção da pessoa collectiva.. .87t E' intui-tivo, insiste elle, que a ordem jurídica (die Bechtsordnung) nãopode attribuir a um ser collectivo ou a um individuo certos de-veres sem a possibilidade da violação dos mesmos, nem certosdireitos sem a possibilidade do abuso destes... Donde segue-se presumptivamente, que é a pessoa collectiva, quem commette as 

87* Ibidem. 87 * Gierke, loo. elt., p. 755-758. 

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próprias acções ou omissões culposas, que o seu órgão legitimo,como tal, commetter dentro da esphera da sua competência.8711

 

76 b.—Agora, para se poder melhor ajuizar da matéria,cumpre saber, que a responsabilidade civil, quer das Conimu-nas,quer do Estado, tem sido ainda affirmada, além de muitas outrasespécies, nos casos abaixo mencionados: 

a) Por negligencia das obrigações, que lhes incumbem, comoproprietários (Trib. JTed. Sup. do Com. 10 dezembro 1872). Naespécie se tratava da morte de um individuo, occasionada pela faltada devida guarda de um fosso pertencente ao Fisco. Do mesmomodo, foi condemnada uma communa urbana à prestação dedamnos, por se ter dado a introducção de líquidos fétidos em umaqueducto (pertencente à Communa), que servia às suasnecessidades e ás dos moradores,—visto não se ter empregado aprecisa fiscalisação ou as providencias adequadas para o desvio domal (Trib. Fed. do Imp. 13 abril 1880). Igualmente foi condemnadauma outra communa urbana a prestar indemni-sação, por nãoconservar um canal de sua propriedade em estado conveniente aosseus fins (Trib. cit. 2 maio 1881). 

87

 u

Ibidem, p. 761. Giorke cita numerosas decisões das varias cortesallemaes neste sentido; observando a propósito, que, si o Trib. Federaldo Império pretendesse fazer cessar a pratica dominante, ver-se-hia nanecessidade de rejeitar a idéa de responsabilidade da pessoa jurídica portodo acto de culpa, imputável á mesma. ~Loc. cit., p. 762. Ha, no en-tanto, decisões do referido Tribunal, declarando que os actos do represen-tante da pessoa jurídica devem ser considerados, como delia própria.— «

 Die amtlichen Vertreter sina mit der juristischen Person, insofern es auf den WUlen ankommt, rechtlich zu identifizieren, denn was sie innerhalb ãesihnen zugeiciesenen Amtskreis ais Vertreter desselben und in ihrem Natnen vor-nehmen, ist so aufzufassen, ALS WAEEE ES VON DER DURCH SIE REPRAESEN* TIRTEN JURISTISCHEN PERSOM SELBST VORGENOMMEN WORDEN » (Decisões de 17

 junho 1887 e 15 outubro 1888). Apud A. Klewitz, ob. cit., p. 91, notas. 

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b) Pela construcção ou conservação defeituosa de caminhos,pontes, portos, etc. (Trib. Sup. Berlin 21 janeiro 1847,14 julho1859,18 março 1867, 1 julho 1869; Trib. Fed. cit. 6 novembro

1879,4 abril e 16 dezembro 1882; C. Sup. App. Lttbeck 18 feve-reiro 1871; C. C. H. 5 junho 1852, e 13 agosto 1873, etc.). 

c) Pela falta de devido cuidado nas construcções de obrasem geral (O. Sup. App. Munich 28 março 1851; C. Sup. Ãpp.Darmstadt 26 abril 1846; C. Sup. App. Wiesbaden 18 março1853; Trib. Sup. Berlin 27 setembro 1859 e 6 julho 1874; C. App.Celle 14 fevereiro 1879; Trib. Federal do Imp. 1 abril 1880, e 12dezembro 1882, etc).I d) Pela inobservância das regras sobre a conservação e se-

gurança das vias publicas, (R. Gr. 4 abril 1882).87

 v 

e) Pelos actos de direcção inconveniente (clurch ungeeigneteEinrichtung), como empresários de estradas de ferro e de outrasexplorações industriaes, susceptíveis de perigos, e por nãoserem tomadas as precauções necessárias no sentido de evitartaes perigos (Trib. Sup. Berlin 13 dezembro 1869; C. Sup. App.Munich 11 maio 1853, 16 abril 1861,11 dezembro 1877; C. Sup.App. Celle 19 abril 1861; Trib. Fed. do Com. 17 dezembro1873, etc.). 

 f) Por violências contra a liberdade pessoal e o livre exer-cício de industrias (C. Sup. Wolfenbuttel 30 junho 1871; Trib.Sup. Berlin 2 outubro 1877; Trib. Federal do Império 15 junho1881). I g) Por embargo ou apprehensão de bens, feitos contra asdisposições da lei (C. Sup. A. Oldenburg 1860 ; C. Sup. App.Wolfenbiittel 4 fevereiro 1845; Trib. Federal cit. 10 junho 1881). 

87 v Na espécie se tratava de um individuo, que fracturara uma perna

por ter cahido á noite numa valia, aberta na estrada para dar escoamentoas aguas. Na decisão se teve era consideração o disposto no art. 1386 docod. civil francez. 

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h) Pela omissão de deveres, que o direito publico impõe láadministração publica (negação de justiça, falta de segurança emdadas circumstancias, recusa de despachos necessários para

garantir ou manter os direitos individuaes, etc.)87x

 i) Pelos damnos provenientes de perturbações da ordem

publica, quando taes perturbações se derem por negligencia dorespectivo funccionario incumbido de manter a segurança publica(C. App. Cassei 24 março 1847, e 2 agosto 1849). 

 j) Por culpa na nomeação de funccionario incapaz, ou por faltada devida íiscalisação sobre o mesmo (Decisões da C. App. Cellede1823 e 1826).87 y

 

 Jc) Pelas detenções illegaes ou prisões prolongadas sem justacausa. A regra em matéria policial é : "  fur polizeiliche Anordnungurird nicht entschãdigt " ; mas, isto não obstante, a lei geral, assimcomo leis particulares, garantem ao lesado a acção de damnos nashypotheses alludidas. Em regra a responsabilidade do Estado, nocaso, é apenas subsidiaria.872

 

87 * Vide: Gierke, ob. cit., p. 799, e decisões em nota ibi. Este autorreferindo-se à opinião dos que entendem, que o Estado nos actos da espherado direito publico não responde absolutamente pelos damnos cansados (assim entende, entre outros, von Ronne, Preuss- Staatsr. t. III) disse : —Pelo contrario, esta responsabilidade existe, e os principios do direitoprivado lhe são applicaveis... À pratica commum tem garantido aos lesa-dos, pelas faltas dos órgãos públicos, a acção aquiliana usual contra oEstado e as Communas, alem da "conditio of injustam musum" e da "actionegatoria ittilis ". Semelhante responsabilidade está mesmo consagrada emleis expressas a respeito de certos casos, taes como: pela culpa ou ne-gligencia dos fnnocionarios no serviço do hypothecas, na subtracção dedepósitos, etc. — Loc. cit. p. 794-799 sg. e notas ibi. 

87 y Àpud Loening, Die Haftwng des Staats, p. 110 e notas ibi. 87* Vide: Gierke, loc. cit.,p. 797;—Loening, loc. cit., p. 123, onde se

encontra a indicação de varias disposições a respeito das prisões illegaes.Também se tem reconhecido o direito de indemnisação em casos de res-

trioções policiaes impostas ã liberdade ou exploração de industrias (O. G.Wolfenblittel, 30 junho 1871). 

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 — 428 —i 

l) Por todos e quaesquer actos illicitos, de que provier lucroao Estado, até a importância desse lucro.87zz

 

I 77. — Revendo também, para findar, o que dizem as decisões judiciarias acerca do caracter jurídico do funccionario, emalgumas, as cortes lhe tem reconhecido a relação do mandato(C. Sup. App. Munich 28 julho 1846; C. Snp. Wolfenbttttel23 junho 1865; Trib. Fed. do Império 15 novembro 1880, II julho 1881, 21 novembro 1882, etc.); em outras, porém, setem procurado accentuar, que o funccionario não é um mandatário, mas um órgão (sondem aís Organ des Staats und deshaJbais Representant der ganzen juristischen Persònlichkeit ãessélbenanzuséhen sei). E como o Estado se personifica nos seus órgãos,a obrigação que se dá, por força desta necessidade ou  personificação legal, deve ser cumprida pelo próprio Estado, como parteimmediatamente interessada e responsável; responsabilidade,que se estende igualmente aos damnos dos actos administrativos, como si o Estado fora o próprio agente do acto lesivo —"der eigentlich verleteende Theil." (C. Sup. App. Munich8 julho 1851: 0. Sup. App. Jena 24 agosto 1847, e 21 novembro 1850; C. Sup. App. Berlin 30 março 1871). 

— Já em decisões de 1762 e 1763 a Corte Superior de

App. de Cassei, tendo admittido a responsabilidade do Estado,firmara, como regra, que o acto praticado em razão do oflicioobriga aquelle, de quem o individuo é empregado, como si setratasse de um mandato privado — "dass das Factum einesjedenOffizialen, welches er ex vi officii vornehme, Denjenigen, dessen  Beamter er sei, verbinde, soivie dass dasjenige, luas bei einemPrivatmandatar stattfinde..."88

 

87 M Vide : Ant. cit. p. 116-117 e notas ibi; Gierke, loc. cit, p. 789. 88 Pfeiffer, Praktische AusfUhrungen, U, p. 876; apud Loaning, loc.cit., p. 45 sg. e notas ibi.— As decisões da Corte de Cassei,a que se alludiu, 

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 — 429 — 

— Igualmente de accôrdo com estes princípios, também aCorte Suprema da Baviera decidiu, contra os julgados das duasinstancias inferiores, que nos casos, em que se trata de actos

sujeitos ao direito civil, como são os referentes á perturbaçãoda posse, o Município deve responder conforme ás regras dessedireito; não lhe sendo licito recorrer ao direito civil para sus-tentar os seus direitos de propriedade, e allegar ao mesmotempo, que lhe não está sujeito pelos actos illicitos dos seus re-presentantes, — por ser, como pessoa jurídica, incapaz de deli-ctos. (Decisão de 16 de janeiro 1880).88 a 

— Entretanto o Tribunal Federal do Império, sem embargode já ter mais de uma vez reconhecido a responsabilidade doEstado por actos illicitos dos seus funccionarios, mesmo noexercício de poder publico (R. Gr. 21 dezembro 1866, e 13 ja-neiro 1883), insiste em declarar, que se não pôde cogitar dessaresponsabilidade, quando proveniente de delicto (R. G-. 8 abril1884). Ao que observara Windscheid, — " mas a questão sub-siste discutível sob o ponto de vista da culpa in eligendo ' ; eGierke, ao sen turno, faz notar:—que taes decisões negativasdo Tribunal Federal deixam effectivamente"indeciso o caso par-ticular de concorrer no acto arguido uma culpa própria por partedo Estado ou da Communa.. .88b 

— Finalmente, quanto a natureza da obrigação de satis-fazer o damno proveniente dos actos illicitos do representante,dão-se também divergências nos actos da jurisprudência: uns

foram reafirmadas pelas de 25 março 1820, 7 março 1828, 7 abril 1824, eoutras de datas posteriores, que mostram a flriuid&o de doutrina daquell©tribunal na matéria.— Loening (loc. oit.) discute o valor jurídico dessa ju-risprudência; sendo também de vôr a respeito: Gierke, loc. oit., p. 621-622e801 sg. 

88» Vide: Gierke, loc. cit., p. 760-51 e nota» ibi. 88b

Windscheid, loc. oit.,—Gierke, loc. oit., p. 559-760, e 769-770, ©notas ibi. 

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querem que, não havendo direito positivo em contrario, ditaobrigação incumba, de modo principal, tanto ao agente culpado,como á pessoa representada; outros, porém, não admittem-na

com relação á pessoa representada, senão, de modo subsidiário.Da primeira intelligencia é a Corte de App. de Celle (Decisãode 14 fevereiro 1879); da segunda, é a Corte Sup. App. de Iena(Decisão de 24 agosto 1847, e 5 outubro 1877). 

Nas legislações particulares, que, como a de Coburgo-Gotha, consagram expressamente a responsabilidade geral doEstado pelo dolo ou culpa lata dos funccionarios, o principiomais geralmente admittido, em relação ás espécies particula-res, é o da obrigação subsidiaria sãmente por parte do Estado. 

— E com isto damos por encerrado quanto nos pareceuconveniente adduzir acerca do teor da jurisprudência alleman. 

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CAPITULO IV A Jurisprudência

Italiana 

§ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES 

78. — Do mesmo modo que foi observado sobre a juris-prudência belga, o estudo da jurisprudência italiana relativa ãmatéria da responsabilidade civil do Estado deixa vêr, que siella não procurou imitar os mesmos princípios adoptados pela

 jurisprudência franceza, como alguns autores affirmam, é, pelomenos, certo, que a semelhança dos preceitos do -direito admi-nistrativo e do direito commum de ambos os povos tem levadoos tribunaes italianos a idênticos resultados. Assim ê, que naItália se encontra, não só a mesma questão, constantementedebatida, acerca da autoridade competente para conhecer dosactos dos funccionarios públicos, como ainda juntamente, a re-commendação da theoria da distineção dos actos públicos (emactos de gestão e actos de império), como critério indispensávelao exame e decisão dos casos occorrentes.  

Abolido, muito embora, o Contencioso Administrativo em1865,80 vemol-o, por assim dizer, restaurado, ao menos emparte, pelos actos legislativos de 1889-90 89ft, isto é, voltou-se 

8o Lei de 20 março 1865. 89» Leis de 2 junho 1889 e do Io maio 1890.—Vide: Meucci, oh. cit.,|

p. 116 sg. Em decisão de data recente se reafirmou a doutrina, — de que aadministração publica, mesmo em se tratando de actos de império, quandoestes importam um damno para o cidadão, e não resultante da offensa deum simples interesse, mas da lesão de um direito civil, deve responder

perante a autoridade judiciaria, como succede com os actos de gestão;uma vez que uns e outros sejam praticados pelos funccionarios no exer- 

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 — 432 — 

ao regimen da dupla jurisdicçao, o qual, aliás, havia sido con-demnado por se ter mostrado menos capaz de bem garantir osdireitos individuaes... 

Não temos que entrar em exposição particular a esse res-peito; ao nosso propósito satisfaz dizer que, no estado actual dalegislação italiana, pertence á autoridade judiciaria o conhe-cimento dos actos administrativos, toda vez que estes involvema lesão de um direito civil, ou mesmo politico, fundado em leiou contracto. Si o acto, porém, em vez de um direito, offenderapenas a interesses, o exame da sua legitimidade (além dos casostaxativamente indicados no art. 25 da lei de 1889 e arts. 1 e 21da lei de 1890) será da competência contenciosa da Secção IV

do Conselho de Estado ou da Junta Provincial Administrativa,segundo o teor do caso e das circumstancias.  

E' desnecessário accrescentar, que, na pratica, a questão dedeterminar, o que seja realmente um direito ou um interesse,.lesado por acto administrativo, não pode deixar de dar origem áconflictos de jurisdicçao, mais ou menos frequentes, e não, semgrave prejuízo para os interessados... 

78a.—Pelo que respeita ao direito regulador da respon-

sabilidade civil do Estado pelos actos de seus órgãos ou fnnccio-narios, dá-se igualmente na Itália a mesma controvérsia, pormuito tempo agitada na França, sobre a questão de saber, si asregras do direito civil, que consagram a responsabilidade docommittente nos casos de culpa do preposto, são applicaveis aoEstado. À mór-parte dos autores e a jurisprudência dos tribu-naes, diz Laferrière, se pronunciam pela negativa, e resolvem a 

cicio das próprias funcções (C. C. Florença 16 janeiro 1902; Hio, p. 459 sg.nota, e 467 sg.) Para completa illustraçao da matéria do competência se po-

derá ver: lei de 20 março 1865, arts. 1 á 4; lei de 2 junho 1889, arts. 24-25;G. C. Roma 24 junho 1897, caso Ditta Trezza; ap. Luciano Bardarir II Sindacato Oiudiziario.— Napoli, 1902. 

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I— 433 — 

a questão fazendo a seguinte distincção: si se trata de actospraticados  jure imperii, isto é, no exercício do poder publico eem vista do interesse geral, o Estado ê reputado haver agido,

como soberano, escapando por isto á toda responsabilidade; sise trata, porém, de actos feitos pelo Estado  jure gestionis, istoé, agindo este, como pessoa civil, como proprietário oucontractante, as regras do direito commum lhe são applicaveis.Neste caso, as questões concernentes à alludida responsabili-dade do Estado serão julgadas pelos tribunaes judiciários; mas,sob a reserva do direito de conflicto, si a administração entenderque o acto fora praticado jure imperii.89 b 

Entretanto, para que se possa formar juizo seguro acercado pensamento e razões preponderantes, seguidas pela juris-prudência italiana, o que nos parece de melhor, é transcreverna integra os próprios considerandos de varias das suas deci-sões ; por este modo a matéria ficará illustrada de maneira maissatisfactoria, e se evitam os equívocos, que poderíamos com-metter numa exposição de conta própria. 

Entre as decisões, cujo conhecimento se faz mais provei-toso a esse propósito, é de razão considerar a que foi proferidapela 8. C. de Roma em data de 21 de fevereiro de 1879, naqual o Tribunal se manifestara nos seguintes termos : 

E' incontrastabilmente reale nello Stato Tesistenza di dueentità, Tuna politica, 1'altra giuridica-, la prima principale ediretta ai conseguimento dei suoi alti fíni sociali; 1'ai tiasecondaria e quasi servente come mezzo a possedere e agireentro la cerchia dei diritto priva to coordinatamente ai suoi su-premi fini. Non dissimile nella sostanza, diferentíssima nellamisura, ha luogo la stessa distinzione nella Província o nelComune. 

I/azione legislativa non crea certamente per lo Stato alcunaresponsabilità. Imperciocchè il potere legislativo se nel modifi- 

80T,Laforrière, ob. cit., 1.1, p. 84.— Jffic, nota 89a retro. Os conflictos de jurisdicçâo sao decididos pela Corte de Cassação de Roma. 

28  U. C. 

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 — 434 — 

care la legislazione auteriore diminuisce o toglie diritti già pos-seduti dai cittadini, non arreca loro ingiuria, poichè i loro dirittinon possono considerarei come acquisiti anche di fronte ai poterelegislativo; non potendo questo avere mai limiti giuridici deri-|vati dalla legge positiva già costituita, ma solamente limiti eticisegnati dall'idea dei diritto ; il rispetto dei quali é abban-donatoalia sua saggezza o prudenza e giammai affidata ai ma-gistratoche non è nè può costituirsi potere superiore ali egis-lativo.  

La legislazione rimane in ogni momento ed in ogni suaparte sotto 1'azione onnipotente dei potere legislativo; e il citta-dino deve subire le diminuzioni e le abolizioni dei diritti chepossedeva, senza indennità di sorta, se lo stesso potere legisla*tivo non glie lo acordi. Senza speciale concessione delia legge,l'azione d'indennità per una disposizione di essa che diminuisceo toglie un diritto, non può neppure concepirsi. 

La responsabilita dello Stato non può essere neppure im-pegnata dalPesercizio delle   funtrioni giuãiziarie. Perciocchél'errore giudiziario oltre che deve andare immune da ogni res-ponsabilita per quanto nel giudizio ha avuto parte il convinci-mento insindacabbe dei giudice, é escluso dalla presunzionelegale di verita dei giudicato. Per altri íatti colpevoli deter-minati che i magistrati o gli ufficiali dei Ministero Pubblicocommettono nelFesercizio delle loro funzioni, la responsabilitarimane limitata alie loro persone (art. 783 cod. proc. civ.) e nonrisale alio Stato. Perciocché sono mancamenti che essi com-mettono, contravvenendo alie leggi dei loro ufficio. Quanto infine all'esercizio dei potere esecutivo non può mettersi in forseche lo Stato debba rispondere degli atti suoi che violano i dirittiacquisiti dai cittadini, perche agisce allora fuori delia sfera deliasua autorità, fa ciò che non gli compete. Ciò non solo risulta,ma è anche espressamente dichiarato dalPàrticolo 4 delia leggesul contenzioso amministrativo, dicendo che quando lacontestazione sopra un diritto che si   pretende leso da un attodeli'autorità amministrativa i Tribunali si limiterano a conosceredegli effetti delPatto stesso, in relazione alPoggetto dedotto ingiudizio; perciocché 1'atto amministrativo é quivi atto deipotere esecutivo, atto di governo. E se i Tribunali conosconoche 1'atto amministrativo lese il diritto civile o politico e cheper soprappiú questa lesione arrecò danno ai titolare dei dirittomedesimo, l'autorità amministrativa sul precetto fattale dellostesso articolo 4, di conformarsi ai gindicato dei Tribunali in 

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  — 435 — 

quanto che riguarda iu caso deeiso, dovrà reintegrara la partelesa nel pieno possesso dei diritto e faria indenne dei danni. 

E ciò è assolutameute giusto; perche assoluto è il prin-cipio che ogni diritto leso esige riparazione. Resta la questione

•concreta fondamentale per tenere ristretta nei limiti legali laresponsabilità dello Stato, se sia veramente diritto o, nonpiuttosto mera facoita ciò che si pretende leso. I/autorità am-ministrativa non può ledere quelío se non consumando un attoillegale, causa delia sua responsabilità; può impedire 1'eser-■cizio di questa, compiendo atto perfettamente legale senzaresponsabilità alcuna; qualunque nocumento ne possa venire achi ne godeva; como se alia prima minaccia d'epidemia, vieti■entro o in vicinauza di popolazioni agglomerate l'esercizio d'in-•dustrie innocue nelle condizioni normali delia sanita pubblica,pericolose nelle anormali. Perocchê non potendo darsi diritto•quesito contro la sanita pubblica, lo stabilimento e Vesercizio diesse in quei luoghi costituiscono necessariamente atti facoltativi,■compiuti o liberamente o in seguito a concessione subordinatanecessariamente alia permanenza delle condizioni normali deliasalute pubblica; perche contradirebbe ai fine dello Stato vigile■cnstode delia salute pubblica una concessione prejnidizievole a■questa nei momenti, piú difficiti o dolorosi. O perche, se sembrimeglio, 1'uso di tali facoltà o diritto incomincia a cadere sottoil divieto delia legge o dei regolamenti (art. 426) dei quali1'autorità amministrativa cura Vesatta escuzione essencialmenteimmune da ogni responsabilità. Per la sua entità giuridica laresponsabilità dello Stato è governata dal diritto privato, inquanto è applicabile in questo speciale subietto agli enti giuri-■dici. Le obbligazioni, qualunque ne sia la causa, deve adempiere

■esattamente come i privati, e mancandovi deve risponderne•como questi, senza che possa opporre essere tale mancanzaimputabile ai suoi agenti,perocchê Tadempimento di ogni obbligoincombe sempre ai debitore; a chiunque poi egli per volontà onecessita commetta 1'esecuzione degli atti che lo costituiscono,non potendo il fatto degli esecutori non considerarsi próprio dilai. E agendo nella qualità di ente giuridico, può anche incor-rere in responsabilità per fatto altrui, quando compie atto che•dí'i vi ta a quello speciale rap porto giuridico nel quale esso as-sume la qualità di committente e 1'altra parte di commesso,giusta il significato delFarticolo 1153 códice civile, comma 3°.Poicliè 1'atto che possa dar vita a tale rapporto non è incom-

patibile colla natura dello Stato... Ma perche questa respon- 

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sabilitá possa in concreto avere Inogo a carico dello Stato, sirichiede che anche ad esso si possa applicare la presunzione dicolpa nélla scelta dei preposto e che il negozio sia civile e com-messo ad altri in tale maniera da doversi considerare esegoito anome, per conto e sotto la dipendenza dello Stato in tutte esingole le incombenze che ne costituiscono 1'esecuzione, sicchèil danno arrecato dai preposti sembri dato dallo stesso Statopreponente. Perciocchè se niuna legge ammette a favore delloStato il privilegio di esenzioni da questa responsabilitá in cuialtri enti giuridici e i privati incorrono per atti ed affari iden-tici,neppure veruna legge gli impone condizioni piú dure. II di-rittocomune anche per quanto concerne queste condizioni deveessere applicato non solo quando il negozio com messo non siacoordinato ad altro obietto e segnatamente alia prestazione di unservizio pubblico, come Tesercizio delle ferrovie, o ad unoscopo fínanziario, come il monopólio ; lo Stato deve rispondereindistintamente dei danno che i suoi preposti a tali incombenzearrechino a terze persone nell'esercizio delle medesime. 89 ° 

— Nas razões e motivos da decisão transcripta se encon-tram todos os elementos precisos para cada um conhecer e ava-liar, por si mesmo, da procedência ou improcedência da dou-trina, que na mesma se contém, sem que nada mais se precise  juntar a semelhante respeito. Somente, não podemos deixar dechamar a attenção especial do leitor para este ponto: é que, não-obstante a sua affirmação categórica da irresponsabilidade doEstado pelos actos de império, o Tribunal não poude fugir âJ

necessidade de também consignar o principio superior, abso-lutamente justot  de que "ogni diritto lesoesige riparazione..." 

78 b. — Quanto a responsabilidade civil do funccionariopublico pelos actos lesivos dos direitos privados, ella pode serverificada praticamente por um dos seguintes modos: 1) por 

89o Também se pôde ver no mesmo sentido: C. C. Roma 7 maio-1877, 24 agosto 1881,19 março 1882, 12 março 1887, 80 mato 1892, 11 janeiro 1898, 20 janeiro e 7 julho 1897; C. App. Lucca 24 maio 1888;C. C. Florença 27 janho 1889; C. C. Torino 1871; etc—Cf. Vittore VI-taii, Del Danno, n. 291. — Placenza, 1892; Solari, oh. oit, p. 51 sg. 

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uma simples reclamação dirigida à autoridade administrativasuperior; 2) por meio de processo contencioso administrativo;3) por acção judiciaria nos casos e nos limites marcados na lei,

— quando as primeiras formas indicadas não sejam efficazes,ou quando, pela natureza do damno causado, deva caber a ju-risdicção judiciaria decidir da matéria. E' este segundo modo,que interessa principalmente ao nosso assumpto. 

Em principio, a jurisprudência italiana reconhece a res-ponsabilidade pessoal do íunccionario; havendo, todavia, res-tricções postas quanto aos meios de tornal-a effectiva. Em pri-meiro logar, é preciso obter autorisação governativa, isto é, oíunccionario não pôde ser accionado, penal ou civilmente, poractos do seu emprego, sem que o governo dê previa autorisaçãopara esse procedimento; e embora semelhante restricção jã tenhasido combatida por diversos autores, e a sua abolição já fossemesmo proposta em projecto de lei, ella continua â subsistir nalegislação italiana,894 e consequentemente, não pôde deixar de serrespeitada pelas cortes judiciarias.89* A razão fundamental darestricção é tirada da independência dos poderes, a qual,pretende-se, seria violada, si fosse absolutamente livre a umparticular chamar os representantes do poder administrativo aprestar contas dos seus actos perante autoridade de ju-|

risdicção differente. E', como se vê, uma razão análoga áquella, em que se

apoiam os sustentadores da necessidade de um contenciosoadministrativo com jurisdicção exclusiva para conhecer e de-cidir dos actos da administração publica em geral. 

Entretanto na pratica, após muita discussão sobre a questãode saber,—quaes os actos do íunccionario, que podem ser U 

SOa Vide: Legge Commuwle e Provinciais de 1865, arts. 8, 110, 139.—Cf. A. Q. Boulen.ob. cit.,p. 855-858. 

808 Meujcci, Dir, Amministrativo, p. 238. 

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accionados sem previa autorisação do governo; parece ter-se^como regra assentada,—que, no excesso de poder , o funccionarionão gosa dessa garantia legal. A lei tendo dito: «non possono

esser chiamati a render conto delVesercizio deUe loro funzioni», seconclue que, excedidas estas funcções, jã não podem os func-jciouarios ser protegidos pela disposição da lei.89f 

 

78 c. — Com relação á sancção da responsabilidade dos-actos praticados, a jurisprudência tem também admittido certasexempções em favor dos funccionarios, taes como: 1) estes nãosão declarados responsáveis por simples erros de direito, amenos que não revelem completa ignorância das regras elemen-

tares da profissão; 2) não o são igualmente, quando os actos são-feitos em presença de uma impossibilidade absoluta de o indi-viduo se conformar com a lei, ou em execução de ordens de umsuperior, a quem devam obediência hierarchica, não sendo taesordens manifestamente illegaes ou dolosas; 3) nem tão poucoserão declarados responsáveis, tratando-se de actos impossíveisde ser feitos de outro modo nas circumstancias, ou si forempraticados em vista da necessidade urgente do interesse publico.** 

A responsabilidade do funccionario é, porém, sempre affir-mada pela jurisprudência nos casos de culpa e dolo, quaesquerque sejam os actos praticados. 

— Relativamente aos funccionarios de caracter judiciário,a dizer, os juizes e representantes do ministério publico, a lei osdeclara civilmente responsáveis: 1) quando no exercício das suasfuncções são accusados de dolo, fraude ou concussão;. 2)quando se recusam a providenciar sobre os pedidos das par» 

89

' C. B. 21 março 1851, e 7 janeiro 1864. 89- Laferriere, loo. oit., p. 83-84; Cf. Bonasi, Delia respcnsabililà penale e civile dei ministri e degli officiali pvbblici, Part. III, cap. 9o e 10. 

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tes, ou negligenciam de promover ou de julgar os feitos, que seacham em estado de ser decididos; 3) nos outros casos declara-dos em lei.89h Mas estes funccionarios não poderão também ser

accionados por individuo particular, sem que a corte de justiça(competente para julgal-os) dê previamente a necessária auto-risação para o respectivo processo. 89' 

§ 2.° CASOS B DECISÕES 

79.—ACTOS LBGAES ou ISENTOS DE CULPA»—-A irresponsa-bilidade do Estado pelos actos legislativos, pelos actos adminis-

trativos (os praticados   jure imperii), e pelos actos judiciáriosé, como já se disse, a regra consagrada pela jurisprudência. 

Sustentando-a, disse Mantellini: « Per una legge, per laquale vengano a spostarsi degli interessi loStato non si fa pagarida chi ci guadagna e non risarcisce chi ne scapita. Chi ne scapitaaveva in quel suo interesse un diritto finchè la legge lo assis-teva; ma che torno alia condizione di mero interesse, o cessod'esser diritto, appena la legge gli tolseTassistenza compartita|da prima. Lo Stato non assume obbligazione, nè indennizza

quando d'una libera industria crea un monopólio per for maréuna fonte di pubblica entrata. Come nel 1869 (legge 5 giugno1869, n. 5111) dichiarò libero il polverificio, già soggetto di pri-vativa, potrebbe ora tornare a monopolizzarlo; e come allora loStato non si fece pagare la liberta, non rifarebbe i danni dei vin-colo... Trovasi per tanto deciso non risarcibile il danno conse-quente dalla suppressione o dal divieto d'una industria, comenon, il deprezzamento lamentato nelle case d'una piazza dove 

89

* Vide: Códice di Procedura Civile, art. 788. 89»Cod. cit., art. 788. Cf. C. App. Roma 16 julho 1887. 

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siasi trasferito il patibolo (In Francia, C. E. 11 gennaio e 28maggio 1898; C. 0. de Bruxellas, arr. 27 giugno 1845).w

 

Gonsideramo-nos dispensados de discutir ou apreciar, maisuma vez, o valor da theoria, que ezclue a responsabilidade do

Estado pelos actos denominados de " império ". Limitamo-nosa dizer, que ella, embora consagrada, como regra, na jurispru-dência, sofre, e nem podia deixar de soffrer, excepções diversas,pelo menos na parte que se refere aos actos administrativos,além do mais, pela razão sabida, de que nem sempre se pôdeaffirmar — onde acaba o acto de império, e começa realmente oacto de gestão... 

Os casos particulares, de que em seguida se fará menção,darão disto irrecusável documento. 

90 Dando as razões e factos, segundo os quaes entendia que, doseffeitos da lei não pode recair sobre o Estado nenhuma obrigação de in-demnisar aos indivíduos lesados, Mantellini citara os seguintes exemplos: 

— Proscripta por Pietro Leopoldo a liberdade frwnentaria, entraramem qnestão os privilégios e direitos que, por leis, costumes e contractos,competiam aos arrendatários do pão fino (agli appaltatori dei pan fino).Estes puzeram demanda por perdas e damnos; mas foram vencidos (Libur-men. prcetensce refect. damnorum dei 30 luglio 1768 cor. Querei, Scara-mucei e Ulivelli relatore, nella raccolta  Artimini, serie 2a tomo V, p. 612).Dos considerandos da citada decisão, cuja integra Mantellini transcreve, se

vê que, já então, se procurara attender á dupla personalidade do Príncipe{synonymo de Estado naquella época) nestes termos: "Alia est per -sonaPrincipia tamguam contrahentis, et alia est persona ejusdem tamquamlegislatoris, et providentis super bono regimine reipublicce et principatus excausapublicaenecessitatis, velutilitatis; etc. etc... expluries insinuata dupli-citate personarum quae consideratur in Príncipe, una scilicet privati contra-hentis, et altera supremi moderatoris reip. in illis actibus, quos gerit pro

 publica necessitate vel utilitate, ejusãemque resp. bono regimine; ideoque id,quod per istam posteriorem personam flt, ex causa publica, fortuito casaipofcius referendum est et assimilandum fulguri, vel tempestati, sive inun-dationi, aut incêndio, aliísque similibus casibus, ob quos fldei violatio sequinon dicítur." (De Laca, de ofllc. venal. cap. 16 n. 12 e cap. 17 n. 20).

— Outro, exemplo, citado pelo mesmo autor: Tendo a lei das obraspublicas (legge mi lavori pubblici) prohibido no art. 11, que houvesse estrada 

■  ■ ■ ■PH» ~  —  -----  

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79 a. —   Desapropriações por utilidade pública. Tratandodeste ponto, manifestamente comprehendido entre os actos desoberania ou de governo, diz o professor Bellavite: O partido legal

mais grave, em matéria de damno causado ao particular, que oEstado' pôde tomar, é o da desapropriação no sentido technico, istoé, constranger os particulares a abrir mão dos seus bens immoveisou direitos concernentes a estes, em vista da execução de obrasdeclaradas de utilidade publica. w* Toda vez, porém, que assimsuccede, não só o acto da desapropriação deve ser feito mediantenormas ordinárias estabelecidas nas leis90 *; mas também se reconheceSEMPRE ao pro- 

nacional entre dons pontos unidos por via-ferrea, tornon-se impossivel a a

constrncção de nma estrada, considerada nacional, e como tal, já dada porcontracto de arrendamento (appalto). O arrendatário pedio que se appli-casseao caso o art. 345 de dita lei, que dava á Administração a  faculdade delibertar-se (ãi prosciogliersi) a todo tempo do contracto, mediante paga"mento dos trabalhos executados e do decimo da importância dos trabalhospor executar. A Administração entendera, porém, que o art. 345 só se referiaâ resilição voluntária por parte da mesma, e objectara que o facto da lei era  facto imputável a força maior,  fortuito, com a excepção consequente,indnzida dos arts. 1225 e 1226 do cod. civil; e assim se decidio, com effeito,em juízo (C. C. Nápoles 9 maio 1877; C. App. 31 maio 1879,— casoPascarélla). 

— Mantellini preopinando igualmente, que não se deve reparação civil

pelo julgamento injusto ou pelos defeitos da ordem judiciaria existente,relembrara o texto do direito romano: Quce jure potestatis a magistratu fiunt, ad injuriarum actúmem non pertinent (L. 6 ff. de injwiis); concluindo,afinal, com estas palavras: «  Non si consente contro lo Stato azione civile aidanno per effetto di legge, come d'altra sua determinazkme di gene-raleinteresse*.— Ob. cit., p. 67-76. 

Parece-nos dispensável lembrar ao leitor, que Mantellini ê consideradoum dos mais insignes fautores da "theoria da irresponsabilidade do Es-tado".—-Hic, p. 113 sg. 

°o* Bellavite, ob. cit., pag. 21 sg. Este autor procura provar, que já viaantiga Roma o Estado indemnisava a propriedade dos particulares, quandodelia se utilisava para fins do interesse publico. 

00b Lei de 25 de junho de 1865 (sobre a desapropriação), elei de 20de março de 1865, art. 240 (sobre obras publicas). 

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prietario lesado o direito á uma justa indera nisação, paga peloscofres do Estado. 

Tal é a regra da matéria; ena sua sustentação a jurispru-

dência se tem mostrado sempre firme e coherente, sem que hajamister citar decisões particulares a esse respeito. m — Pode sersujeito activo da desapropriação, tanto a administração publica,como o seu representante em virtude de arrendamento ouconcessão; entendendo-se, que os arrendatários e concessionáriossão subrogados nos direitos e obrigações da administraçãopublica desapropriante, e não, mandatários delia (C. G. Torino 1e 6 maio 1875, 28 maio, e 16 junho 1866). I 

Do mesmo modo, toda pessoa, privada ou publica, o pró-

prio Estado, pode ser sujeito passivo de desapropriação (Lei 25 junho 1865, art. 58). 90e 

79 b.—   Actos de guerra. Nos damnos de guerra, diz P.Mazzoni, são de distinguir os occasionados em guerra effecti va (inguerra combattuta) a dizer, no theatro da acção bellica, dosoccasionados por medidas de precaução adoptadas na previsãoda guerra ou na execução de um plano geral de ataque ou defesa.Os primeiros se equiparam aos casos de força maior, e não dãologar á acção privada de indemnisação; os segundos, aocontrario, são susceptíveis de indemnisação, e neste sentido a  jurisprudência tem admittido muitas vezes a acção respectivacontra o Estado.904

 

Em uma decisão da Corte de Cassação de Florença, 9 de-zembro 1879, se disse: E' riconosciuto dalla dottrina e dalla 

"O0 As indemnisações devidas por motivo de servidões militares estãotambém previstas em lei, e Armadas por decisões da jurisprudência. —Vide: Vittore Vitali, loc. cit., n. 300 sg. 

■ *>« P. Mazsjxmi, Inst. de dir. civ. italiano, t. 4o

 , p. 1M. — C. C. Flo-rença 15 dezembro 1879 ; C. C. Roma 25 fevereiro e 18 abril 1880 ; C. C.Torino 8 janeiro 1876. 

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  jurisprudenza il principio dí diritto pubblico assunta dalla sen-tenza, che si debbono distinguere i danni che ti governo infe-risee alia proprietâ dei suoi cittadini negli apparecchi di difese

mi li tare, da quelli, che le proprietâ dei cittadini patiscono nellebelliche conflagrazioni, in causa belli. I primi avvengono perrisolnzione dei governo, che li reputa necessari in communemutilitatem, e peró debbono es ser e risarciti dal pubblico erário.Airoppostoi secondi danni sono l'effetto dei caso fortuito, deliaforza maggiore, che il governo, con la sua autoritá e la suaforza, non giunge ad impedire, et nocent dominis. I primi dannisono effetto di espropriazione per pubblica utilita, e vanno com-presi nella generale disposizione dei paragrafo 365 dei códicecivile austríaco: "Quando 1'utilità pubblica 1'esiga, deve cias-cun membro dello Stato cedere anche la sua piena proprietâcontro una conveniente indennizazione. Ben distinti dai primisono i danni di guerra, per compenso dei quali non é data azionegiudiziaria, ed invece é stabilito nel paragrafo 1044 dello stessocódice, che le determinazioni saranno prese dalle autoritá po-Utiche à norma di speciali regolamenti. w'   B 

Nos diversos considerandos das suas decisões, as cortestem procurado distinguir com critério o que se deve entenderpor actos preparatórios e por actos de guerra ou de força

maior, afim de decidir os casos occorrentes d'accordo com aregra estabelecida. Neste intuito a Corte de Cassação de Roma:«Mentre learmi tacciono, e non sovrasta pericolo di guerra,non si tratta dei caso di forza maggiore, che ognuno deve sop-portare senza diritto di domandarne rinfranco ad alcuno. Chein quella vece, quando nella previsione piú o meno lontana diostilità future, per aggiustare il terreno alie piú gagliarde edefficaci difese, viene sgombrato tutto intorno alie fortincazioni, 

*>• Cf. Lomonaoo, Delle obbligazioni,t.I, p. 292.— C. C. Roma 17 de-zembro 1880 e 3 julho 1883. 

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ai fine di allargare la visuale e togliere ai nemici ogni pos-sible riparo contro 1'azione delle artiglierie, si ha il caso diuna vera espropriazione forzata per causa di pubblica utilitá,secondo che i principii dettano, la ragione persuade, e la dot-

trina ha riconosciuto, avvalorata da una jurisprudenza con-stante. In síffattí casi i privati devono cedere le loro pro-prietá, locché equivale sopportare i danni che per ragioni dipubblica utilitá si sono apportati; ma il governo, come rap-presentante delia societá civile, che ne risente i vantaggi,deve ai privati medesimi la rifazione in pecunia, nella pro-porcione corrispondente ai danni da loro sofferti. Ció vuole ilprincipio assoluto delia giustizia, su cui unicamente possonoreggersi le societá civile; ed esso non permette che 1'interesse

ed il diritto dei singoli sia immolato ali, interesse ed utilitáuniversale deli o Stato senza corrispondente rinfranco. Quindii privati che hanno sofferto danni ed espropriazioni nellecircostanze indicate, acquistano un vero diritto civile, la cuiazione deve spiegarsi per essere fatta valere innanzi ai tri-bunali ordinari.» 90f 

 

— Pelo que respeita ás requisições militares de qualquerespécie, seja feitas pelas tropas legaes, seja pelas forças do ini-migo, durante a marcha da guerra, a mesma Corte as tem con-

siderado igualmente, como actos de força maior, e portanto, nãoresarciveis pelo Estado.— "Rapinae, tumultus, incendia, agua- 

00  f  C. C. Roma 13 abril, e 17 dezembro 1880, 22 janeiro 1881 ; C.App. Torino 4 julho 1876; C. C. Torino 6 julho 1877; C. C. Florença 15dezembro 1870. Quando os damnos são occasionados na guerra, actual,

 flagrante, a tendência da Corte de Cassação de Roma tem sido a de negaro direito á indemnisação, quer os actos damnificantes, (incêndios, depreda-ções, etc.) venham da parte das forças do governo, quer das do inimigo.—C. C. Roma 30 junho e 8 julho de 1884. — Ápud Ricoi, DeUe Obligazioni,

ns. 290-291. Sobre os damnos de guerra é também de ver: Vittoro Vitali,ob. bit,; ns. 32-39. 

éá 

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rum magnitudines, iwpetus praedonum, a núllo praestantur"(Dig. 50, 17, 24). 90e

 

79 c.— Actos de policia ou de segurança publica em geral. E'cousa fora de duvida que, uma vez acceita a distincção entreactos de poder e de actos de gestão, os da policia devem perten-cer à primeira destas categorias; porque nelles se revela talvezmais, do que em nenhuma outra espécie de actos, a autoridadediscricionária dos funccionarios do Estado. 

No entanto, isto que se diz, tem a sua applicação, comoregra geral, em se tratando de actos de policia, que entendam:com a garantia das pessoas e da propriedade particular, — coma defesa das instituições,—com a manutenção da ordem,—coma vigilância sanitária ou com outras medidas necessárias aremoção ou extincção de males, perigos e calamidades occor-rentes, que affectem ao bem publico ou geral da população. Sãoactos, que tem por fim a segurança individual ou collectiva; con-seguintemente a irresponsabilidade do Estado a respeito dosmesmos tem sido reconhecida pelos tribunaes italianos, como,aliás, succede na mor parte dos outros Estados. 

Entendesse que a autoridade publica, executiva ou poli-cial, nos casos suppostos, precisa ter inteira discrição; por-

tanto o seu acto não deve ser, no momento, obstado por nenhumoutro poder estranho, nem aquella responder posteriormente 

90* Vide: C. C. Roma 17 maio 1886. « Na Itália, diz Mantellini, comana mórparte dos povos civilisados, se admittia a theoria de Vattel, quedistingue o damno do inimigo, — in/suisus hostium —, tido por fatal, dodarano dos nossos; esto também se tem por fatal, quando se da na confla-gração da lata — nelVurto bdlico; é, porém, reputado uma figura da des-apropriação por utilidade publica, quando o damno é premeditado, como pre-paratório de de*esa militar... O mesmo se deve dizer das requisições, asquaes, quando feitas pelo inimigo, sâo rapinas, e por isto fata eh, ao passo

que, quando feitas polo amigo, são fornecimentos, que aguardam o paga-mento do sen preço.—Op. cit., p. 79. 

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pelos damnos causados, a não sêr, em casos excepcionaes decla-rados na lei. 

Mantendo esta doutrina, no caso de uma abertura mandada

fazer pelo governo no paredão de um dique para o fim de evitaruma inundação imminente, a Corte de Cassação de Roma se ex-primira pelas seguintes considerações: « Apparisce manifesto,che il provvedimento dei governo, ordinando il taglio delFarginesinistro delia Fossa Polesella, íu determinato dalla forza mag-giore delle cose, ed ebbe il fine non giá di liberare alcuni dallainondazione a danno di altri, ma di prevenire la rottura violentadelia stessa Polesella che fatalmente era imminente per forzairresistible delle acque, facendo si che lo scolo piú lento e menoabbondante di queste arrecasse danni minori di quelli cheavrebhe certamente patito dalla inevitabile inondazione il ter-ritório sottostante all'argine sinistro delia Polesella, nel quale

território giacciono i fondi dei ricorrente... Imperocchè non puómettersi in dubbio, come lo stesso attore giammai ha ne-gato,che il governo non poteva rimanere inerte dinanzi ad un disastroche in vasta proporzione minacciava cose e persone di parteconsiderevole delia societâ da essa retta ed amminis-trata; ed erasuo diritto e suo devere dí provvedere a che il disastro deliainondazione avesse il minor possible effetto dan-noso. Oradovendo ció íare per sua missione politica ed ammi-nistrativa,esso puré era chiamato dalle leggi, in quel caso di-sastroso comein quelli di guerra, a giudicare con 1'aiuto delle nozioni tecnichedei suoi agenti quale era lo stato delle cose e quale ilprovvedimento piú idóneo e piú opportuno a diminuire i danni

che la forza maggiore tendeva a produrre inevitabil-mente e nongiá presumibilmente, alie cose ed alie persone. II qual giudizioche competeva aU'autoritá araministrativa, non puó essere sottoposto a critica e ri formato dall'autoritá giudi-ziaria, aprendosiun mezzo istruttorio per rivedere qual era lo stato di quellainondazione, se era fatale la rottura violenta delia FossaPolesella e se era conveniente il taglio deirargine deliamedesima, e contraddicendosi a quanto era accertato competen-temente e tecnicamente dalTautoritá amministrativa. Sicché inquesto speciale caso delia disastrosa inondazione di cui é esame,la base di fatto da cui si vorrebbe far discendere la responsabi-litá giuridica dei governo per il taglio deirargine sinistro delia

Fossa Polesella, non puó essere giudizialmente mutata da quellarisultante dagli atti amministratí vi, come é stato di sopra riferito. 

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Considerando che do vendo rimaner ferma questa base difatto, la domanda deli'indennità dei danni che è stata spiegatadal Casazza contro il governo, si mostra destitnita di qnalsiasi

fondamento giuridico, in vista dei qaale potrebbe essere inçar-dinata nella competenza giudiziaria. Imperocchê ainmessa parela teoria larga delia Corte di mérito, quella di dire che 1'atto deigoverno, emanato anclie in casi di urgenza, sia   jure gestionis,sia  jure imperii, possa dar ragione di rivalsa o di indennità, didanni, quando esso abbia avuto 1'effetto di diminuire il património dei privato da restarne leso il suo diritto civile, nel concreto caso di cui si ragiona, la petizione dei Casazza manca diogni titolo giuridico sia per la colpa aquiliana, sia per disposi-zione di proprietá privata in caso di pubblica utilità o di pubblicanecessita, a senso delia legge d'espropriazione per causa di pubblica utilità, o a senso dell'art. 7 delia legge sul contenziosoamministrativo. Difatti il fatto dei goverho, consistente nell'or-dinare il taglio dell'argine sinistro delia Fossa Polesella, deter -minato dalla forza maggiore delia inondazione, per diminuireil danno che indubitalmente avrebbe prodotto se fosse stata la-sciata a se stessa, essendo stato un provvedimento dato legitimamente e per forma e per attribuzione, esclude ogni idea dicolpa aquiliana; e non avendo in alcun modo disposto delia proprietá dei ricorrente, quando si provveda che questa proprietáimmancabilmente soggetta a inondazione, ne avesse sofferto ilminor danno possibile, proveniente dalla forza maggiore, si mostra tale da escludere ogni ragione di indennità per í'art. 7delia legge sul contenzioso amministrativo. o per legge di es-propriazione per causa di pubblica utilità. Sicché 1'atto dei go

verno non avendo potuto avere nel caso alcun efíetto lesivo deidiritto di proprietá dei ricorrente, rende va improponibile 1'azionedei danno.90h  1 

79 d. — Não obstante, porém, os pontos firmados na deci-são supra, se tem admittido em decisões posteriores, que mesmocontra um acto, legitimamente executado por autoridade admi-nistrativa no uso de poder ou direito de império, se pode proporacção para haver a justa indemnisaçao, quando o acto da admi- 

*>h C. C. Roma, 20 julho 1886.—Cf. C. C- Florença 11 novembro 1873, —caso Conremni ; C. E. 22 julho 1871,— caso Qherarâi. 

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nistração restringe ou supprime o direito de propriedade, da,

qual o lesado se ache no goso com inteira observância das leia eregala mentos. Assim se decidiu, com efeito, no caso do fecha-mento e destruição de um theatro de madeira, ordenado pelaautoridade, como medida de segurança publica. Servira de razãoá medida tomada o incêndio occorrido em um outro theatro deigual contrucção; mas a Corte, embora não desconhecesse que oacto da autoridade fora legitimo, entendera juntamente que odono do theatro tinha neste uma propriedade perfeita, conformea lei, e que, portanto, devia ser indemnisado do damno

sofrido.

901

 — Entretanto, no caso da detenção de um individuo sus-

peito de alienação mental e da guarda dos bens delle, por ordemda autoridade publica, fora declarada a irresponsabilidade doEstado; fundando-se a Corte de Appellação de Lucca nas se-guintes razões, certamente dignas de especial attenção: 

Attesoché 1'operato degli agenti di pubblica sicurezza in.relazione ai caso dei giovane studente Luigi Mediei, ossia l'ar-resto e 1'associazone di lui alie stanze di osservazione dei R.ospedale di Piza, non ché 1'assicurazione, la provvisoria custo-dia e la suecessiva consegna a chi di ragione dei valori ed og-getti trovatigli indosso e ai domicilio, costituiscono altrettautiatti di auotritá e di impero posti in essere in un generale inte-resse, e rientrino tra le funzioni di polizia o di governo, spe-cialmente contemplate dali' art. 9 delia vigente legge sulla si-curezza pubblica, che loro impone de vegliare alPqsservanzadelle leggi e ai mantenimento delFordine pubblico, di prevenirei reati ed a far opera per sovvenire a pubblici ou privati infor-tunii, uniformandosi a tale scopo alie leggi ed agli ordinidell'autoritá competente.—Attesoché invano a torto si sostengadalPattore signor Nicoló De Mediei che funzioni politiche e digoverno fossero soltanto i provvedimenti stati presi relativa-

mente alia persona, e non quelli riguardanti le cose di proprietãdei demente, in ordine ai quali ultimi debba dirsi verificata in-vece la gestione, e quindi incorsa la civile responsabilitâ dello 

ao i C. C. Roma 18 Abril 1899. 

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Stato, imperocché onde c,i abbia atto di gestione, anzi che d'im-pero sia necessário che 1'interesse patrimoniale dello Stato formilo scopo nnico e preeminente deli'atto posto in essere dai snoifunzionari, e non ne sia ai contrario 1'eventnale indiretta pas-

siva conseguenza. Cosi essendo, senza ragione s'invocano dallostesso attore De Mediei in appoggio dei próprio assunto le de-cizioni delia Corte de Cassazione di Roma dei 22 julho 1876 e28 março 1881 intorno alie merci sequestrate per sospetto dicontrabando e nelle quali venne animessa la responsabilità delloStato per la mala custodia delle merci nei magazzini d'ainmi-nistraziono dogonale, poiché quel supremo collegio ben fu cautodi dichiarare, in speciale nella seconda di dette decizioni, cheintanto ammetteva quella responsabilità, in quanto che le fun-zioni che lo Stato compiva per mezzo dell'amministrazione do-gonale, col ritinere in deposito nei suoi magazini gli oggetti dicontrabbando sequestrati, erano atti di gestione, perche sempre

in modo prevalente ed assorbente avevano in mira la garanziadeli'interesse patrimoniale dello Stato.—Attesoché dei parisenza fondamento si voglia dal Mediei affermare che se nei casonon vi fu gestione nell'interesse dello Stato, vi fu gestione nellin-teresse dei privato, per la ragione che gli ufficiali di pubblicasicurezza, e per mezzo loro lo Stato, ricevono un depositonecessário ai termini dei disposto degli articoli 1864 e 1865 deivigente códice civile, per cni rimasero obbligati inforza dell'ar-ticolo 1856 a restituirlo a chi aveva 1'amministrazione dei benidei deponente, il quale, atteso l'avvenuto cambiamento di statoprodotto dali' interdizione, aveva perduto dopo il suo deposito1'amminitrazione dei beni. Á prescindere prima di tntto essereun assurdo il retinere che per l'esercizio di funzioui politiche edi governo lo Stato ed i suoi funzionari possono entrare inrapporti contrattuali coi privati, e che un atto d'impero si trás-formi in atto di gestione per questo solo perche vi si trova co-munque implicato un privato interesse, é decisivo poi il rilevarecome il deposito necessário sia un vero e próprio contratto cheha bisogno, alia pari dei volontarío, deli'essenciale estremo deiconsenso, il quale se in questo é spontaneo, in que lio é coatto,e nei caso di manifestazione di consenso non puó concepirsi intervenuta fra un demente da un lato e funzionari di pubblicasicurezza dall'altro, adempienti ad un rigoroso devere di nfficio,e non obbligati a custodire depositi di veruna legge speciale.90J

 

90 j C. App.Lucca 18 abril 1882. — Apud Riccl, ob. cit., n. 307.30  R. C. 

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79 e.— Actos ãe policia sanitária. Os actos sobre a hy-gienepublica, embora damnificantes da propriedade privada, maspraticados segundo ás necessidades evidentes do serviço, são

considerados pela jurisprudência, como medidas de alta tuA telaãa saúde publica, a dizer, verdadeiros actos de império; portanto,não dão ao prejudicado o direito de pedir indemnisação algumacontra o Estado. 

Todavia, a esse respeito cumpre attender: em primeirolugar, que essa irresponsabilidade, reconhecida pela jurispru-dência, presuppõe a ausência de abusos graves ou de excesso depoder na execução das respectivas medidas; depois, que se tratatão somente de damnos resultantes ou inherentes aos próprios

actos ordenados em si mesmos, e não, de outros sacrifícios,impostos conjuntamente á propriedade alheia. Queremos dizer,os simples prejuízos, soffridos de uma medida sanitária, não dãodireito á indemnisação alguma; mas si, para os fins ou misteresda medida empregada, fôr necessário damnificar umapropriedade particular, occupal-a durante um certo tempo, oudesaproprlal-a no todo ou em parte, o Estado poderá sem duvidaassim fazel-o, prescindindo mesmo, segundo as circum-stancias,de dadas formalidades legaes, — sujeito, porém, em casos taes,

a prestar a indemnisação devida pelo damno que fôr causado. Oprincipio regulador, na hypothese, é o mesmo da desapropriaçãopor necessidade ou utilidade publica em geral : 

r« nel caso, cioé in cui Vuso e il goãimento delia privata pro-  prietâ passa dal privato nel púbblico, si a Stato, provinda o co-mune, colVobbligo di soddisfare una indennitâ corrispondente aivalore di quelVuso e goãimento che ju tolto ai privato (coã. eiv.art. 438) • eólia sola differenza fra i casi ordinari di espropria-  zione per púbblica utilitâ, e le oecupazioni ordinate per urgenteinteresse púbblico, che per procedere a questa non si riehiède Vos- •8ervanza delle forme dália legge stabiltteper quelle. »90k 

 

£ok Vide: C. C. Roma 25 maio de 1886. 

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— 451 — 

Semelhante responsabilidade só deve cessar numa circum-stancia: quando, porventura, a cousa damni&cada ou destruídafor, ella própria, a causa do mal contra a saúde publica; por-]

que seria manifestamente contradictorio, que o poder publicotivesse a obrigação de indemnisar a perda de cousa, « que aliei, não só, não garante, mas, pelo contrario, prohibe»9?1.Aqui, ao "jus utendi et abutendi" se contrapõe, como correctivo, o preceito '' neminem laedere ".  M 

A este propósito também se lê em Mantellini: « Nas provi-dencias de segurança e hygiene tomadas pela autoridade compe-tente e na forma estabelecida nas leis, pôde caber responsabi-lidade ao funccionario que as ordenou ou dispôz; nunca, porém,em nenhum caso, debaixo de qualquer razão ou pretexto, terálogar a responsabilidade civil do Estado. Poderá, mesmo, havernisso uma responsabilidade politica deste; civil, jamais ».90 m 

Não precisamos advertir, que o citado autor, segundo a dou-trina que professa, estende por demais a irresponsabilidade doEstado ; não sendo por forma alguma de admittir,na hypothese,essa distincção, entre responsabilidade  politica e responsabili-dade civil do Estado, para chegar ao fim que o mesmo pretende. 

00 ' C. C. Roma, 18 de junho de 1883 e 14 de novembro de 1889. -~

<3f. O. App. Florença 18 fevereiro 1867 (fechamento de estabelecimentosInsalubres); C. C. Roma 25 maio 1886 in fine.—Apud Ricci, loc. oit., ns. 294,296 e 808. 

oo m Mantellini, ob. oit., p. 84-85. Este autor cita a respeito alguns julgamentos, em que fora condemuado, não o Estado, mas o autor do facto,taes como: a) um engenheiro civil pelos damnos causados com a destruição arbitraria de plantas (O. C. Bruxéllas 31 de julho de 1845); 6) umoficial sanitário pela morte de um animal, erradamente declarado, comosoffrendo de mal contagioso (Trib. Liéges 30 abril de 1846); c) o directordos cárceres por ter dado fuga a um devedor detento (T. Bruxéllas 2agosto de 1848); d) o guarda dos cárceres por ter deixado escapar umdetento (C App. Florença 10 de julho de 1849): e) um oficial da segurança

publica por ter feito uma detenção arbitraria (T. Bruxéllas 13 agosto■do 1848), etc. - Cf. Meneei, ob. cit., p. 305, sg.  4 

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79 f. — Obras Publicas. Com relação aos damnos proveni^entes de obras publicas, ou estes se dêem no simples acto de-execução das mesmas, ou como consequência das construcçõesfeitas, a jurisprudência tem sido no sentido de reconhecer a

responsabilidade do Estado, isto é, de obrigal-o a prestar aindemnisação conveniente. Servem de exemplo os casos se-guintes: 

1)  Feito o abaixamento dos paredões roarginaes de umcanal publico, e disto provindo a inundação das propriedade»visinhas, — não obstante as disposições da lei, que haviam au-torisado o governo para assim fazel-o, a Corte de Cassação re-conheceu á parte lesada o direito de indemnisação; fundando-se,além de outras razões, na de que a propriedade particular fora

occupada temporariamente (durante o escoamento das aguas) semse haver dado na espécie o caso caracterisado de força maior.901*

2)  Do mesmo modo se tem decidido que, si, em conse-quencia de obras executadas nas ruas e praças publicas, resultardamno aos edifícios particulares fronteiros, assiste aosproprietários destes o direito de uma justa indemnisação; me-recendo ser mencionadas as razões, que numa das espécies su- jeitas, foram adduzidas pelo tribunal, ao tomar em consideração-as duas escolas diferentes a propósito da matéria: 

I/una sostiene non competere ai privati, e in nessun casoT ilresarcimento dei danni cagionati alie loro proprietà immobi-liari dai innovazioni fatte sulle vie o piazze pubbliche, argo-mentando dalla pienezza delle facoltà di disporre di tali beni,spettanti alio Stato, alie Provincie, ai Comune. Per tal pienezzadi facoltà la Pubblica Amministrazione damnum non facit  pelnoto aforismo delia legge 151, Dig. ãereg. júris. 

La contraria scuola invoca essenzialmente l'equità natu-rale riconosciuta dalla legge sulT espropriazione per causa dipubblica utilità e, se nelle altre argomentazioni ene non é quiacconcio riferire si suddivide, é peró concorde nel conehiudere 

oon VWe: C. C. Torino 28 de dezembro 1888. 

*A ™U  

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— 453 — 

•che ai fronteggianti suUa pubblica via è dovuto il resarcimentonon dei danni rainirai e passaggieri, ma dei danni gravi e per-manenti. A quest' ultima opinione accede non solo per le ragioniche si possono desumere dalla naturale equità, ma anche perquelle che risultano dall'indole stessa dei diritto speciale, a cuisono soggetti i beni destinati ai pubblico uso nelle cita e neivillaggi. Che la naturale equità assista ognuno che viene a sentirdanno pel fatto altrui eccedente il diritto, non ha bisogno di■dimostrazione. E' pregio deli' opera invece Pesaminare se lapubblica amministrazione pella natura giuridica dei beni di cuisi tratta, e per la loro speciale destinazione, abbia il piít effre-nato potere di usarne e di abusarne senza incorrere in alcunaresponsabilità verso i cittadini, o se questi per la natura stessadi detti beni non abbiano alia lor volta dei diritti d'uso da do-versi rispettare, da non potersi senza risarcimento violare. 

Rimontando alie sorgenti dei diritto, per attingere unlímpido concetto delia natura ed índole giuridica dei beni inquistione, è facile il convincersi che il domínio attribuito aiCom uni sui beni destinati ali'uso pubblico é un domínio tuttospeciale che non trova perfetto riscontro nei domínio dei pri-vati sul próprio fondo, nè nelle leggi che regolano i rapporti di•domínio fra privati. Quei beni, come li chiama Volf nelle sueIstituzioni júris naturae, sono resiãuae primaevae communionis. 

La stessa ragione che strinse gli uomini nelle prime so-cietà, il provvedere cioè ai besogni di ciascuno col concorso e1'aiuto di tutti, ha costituito il villagio, la città. Prima cura di -queste società primordiali fu l'ordine e la difeza, e fu cosi chesi fecero bastioni, recinti, fossi, cimiteri, piazze e vie destinati

ali' uso di tutti. La necessita dei luoghi pubblici, la cura di essi, indusse aliacreazione di magistrati, che nell' interesse di tutto il governo(Domat, Traitè des lois) provvedessero alia manutenzione diquesti pubblici luoghi cui contribuiscono i cittadini in propor-cione dei loro averi, o col frutto di quei beni comuni cosi dettipatrimoniali, che anch'essi furono alie cure dei magistrati com-messi. La proprietà adunque di codesti beni desitnati ali'usopubblico (secondo la lora primitiva Índole) è di tutti i cittadini € di nessuno di essi; son beni fuori di commercio, aífetti ali'inte-resse dei civile consorzio, soggetti solamente a quelle modifica-zioni che 1'utile dei piú, oioé il pubblico utile, richiede ; non puó

il diritto privato regolarli colle norrae comuni delia proprietà edei prossesso, ma debbono essere governati da um diritto 

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publico e speciale, consentâneo alia loro destiuazione, a queltácito patto pel quale i prirai occupanti entrando in società, lilasciarono indivisi quasi res communes necessarie alie riunionidi abitazione, come 1'aria, la lace, clie sono di nessuno, ai parinecessarie perche mezzo di godere delia luce e delTaria in queiraggregazione di case e di famiglie, che si chiamano città, bor-ghi, villaggi. 

Da ciò si scorge qnale sia il domínio che la legge positivaattribuisce su detti beni alio Stato, alia Província, ai Comune -Jnon ê un ;'««  proprium, un domínio assoluto, una facoltá diusarne e di abusarne, che è la misura delia prívata proprietà, maun potere di regolarli e di amministrarli in conformità delle lorodestinazioni, avendo di mira il vantaggio dei piú senza1'assoluta íattura dei meno. La massima adunque qui jure sitoutitíir nemini injuriam faetre videtur, se trova nei rapporti traprivati ampia applicazione, perche il domínio dei privati é piú.esteso ed assoluto, non puó averne altrettanta nei rapporti traComune e cittadini intorno ali'uso di codesti beni. 

E la ricognizione implícita di tali principii, desunti, comesi é visto, dalla natura e dalla destinazione di codesti beni non sirecerca invano nt>lla legge vigente. 

L'art. 432 dei cod. civ. li riconobbe col disporre che ladestinazione di esse beni, il modo e le condizione deli'uso pub-blico, sono determinati da leggi speciali. 

L'art. 22 sulla legge delle opere pubbliche, nei dichiarareche il suolo delle strade comunali è proprietà dei Comuni, siaffreta a soggiuogere : nelFinterno delle città e vellaggi fauno

parte delle strade comunali le piazzi, gli spazi, ed i vicoli adesse adiacenti ed aperti ali' uso pubblico, restando ferme però leconsuetudini, le convenzioni esistenti, ed i diritti acquisiti. 

Si ha, dunque, per ricognizione dei legislatore, che i citta-dini possono avere sulle strade, piazze e vicoli comunali nonsolo dei diritii civitatis, ma anche dei diritti uti singuli, dei di-ritti acquisiti. B non poteva essere altrimenti, poichè avrebberipugnato a ragione ed a giustizia che i privati i quali elevanoediflzi fronteggianti le pubbliche vie, e costituiscono il mate-riale delia cita, assoggettandosi nelle loro fabbricazioni alieesigenze edilizie, non avessero acquisito alcun diritto e potes-sero impunemente venir danneggiati dalle immntazioni e novittà

fatte sul pubblico suolo stradale. Ma v'ha di piú: il legislatore non manca di riconoscere ilconsequente diritto d'indennità spettante ai privati, dispo- 

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nendo àll'art. 46 delia legge 2 gingno 1865 in termini generici,che è dovuta un indenuità ai proprietari dei fondi i quali dali'esecuzione delle opere di pubblica utilità vengono gravati di ser-vitíi o vengono a soffrire un danno permanente, derivante dalla

perdita o dalla diminazione d'un diritto. Posto, per le premesse considerazioni, in evidenza, che ildomínio dei Comune snlle strade pubbliche è un domíniospeciale, non assoluto, ma a titolo d' ammistrazione e di tutelanell' interesse dei piíi: che i cittadini hanno sulle pubbliche viee piazze pubbliche, non sol tanto i\jus civitatis, ma possono ancheavere un jus qucesitum, che la legge stessa riconosce e ríspetta ;che il principio d'indenuità ai privati per la diminuzione d'undiritto cogionato da un'opera di pubblica utilità é dalla leggesancito, ne deriva necessariamente, facendo applicazione aicaso concreto, che 1'Astengo habia diritto ad una côngrua in-|dennità ogniqualvolta sia provato che dalla costruzione delia

tettoia sulla piazetta delle Lavandaie un suo diritto sia statoleso, ed egli ne abbia risentito danno permanente. » 90° 

—Tão claras e circumstanciadas tem sido as decisões, cujas 

transcripções temos feito, que nos julgamos dispensados de pro- 

seguir na citação de outros casos particulares, relativamente 

aos actos legaes ou ordenados sem culpa por parte do Estado. As espécies, sobre que versam as decisões alludidas, bastarão  

certamente, como exemplos da doutrina seguida a respeito de 

semelhantes actos.w p 

80.—ACTOS ILLICITOS EM GERAL. E' guardada neste pontoa conhecida distincção, entre os damnos cansados por actos 

800 C. App. Génova 29 março 1878. Cf. Cass. Florenza 14 fevereiro1881; Cass. Torino 8 março 18S2; — C. App. Palermo 17 março 1882; —C. App. Bologna 27 julho 1883; Cass. Roma 8 janeiro 1884; Apud Rioci,loo. cit., n. 298.  I 

00 P Dando a integra de algumas decisões das cortes italianas, comoora vimos de fazel-o no texto supra, fizemol-o, não só em reconhecimentodo grande valor, que hoje tem as letras jurídicas dessa nação, como ainda,levado do pensamento particular, que já tivemos occasião de manifestarnoutro logar, (Hic, p. 110, nota.*) 

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ou factos sujeitos a um vinculo contractual, e os damnos extra-contractuaes, isto é, resultantes das funcções publicas, por dolo,culpa, negligencia, ou imperícia dos funccionarios. 

I. Damnos provenientes de relações contractuaes. — Emtodos os casos de contractos, seja para exploração de emprezasou industrias, seja para a execução de obras publicas e forne-cimentos, seja sobre o deposito e guarda de valores, etc, desdeque, pelo acto respectivo, o funccionario obrigar o Estado, comocontractante, se pôde affirmar que a responsabilidade desteultimo pelos damnos, provenientes de não-cumprimento ou dequalquer infracção,—é a regra geral da jurisprudência.91

 

E esta regra prevalece, ou se trate de contractos propria-mente ditos, ou de actos de concessão, arrendamento, etc., nosquaes se dê o vinculo contractual, como notadamente succedenas concessões sobre bens patrimoniaes do Estado, nos arrenda-mentos de agua, pesca, minas, e outras semelhantes 91" 

01 « Se si tratta di contratto delVuffiziale deputato AD CONTRAHENDUM, anessuno mal è venuto in mente che in vigore di guesto contratto non resti il fiscoobbligatoò nè per essere la esecuzione dei contratto delittuosa, o fattadalVu/fiziale con dolo e contro le leggi devesi render deteriore la condizione dei

compratore, non complice dei medesimo dolo... Ma nel caso d'uffiziali deputatiad amministrazione, o deputati a qual un sivoglia genere di contratti, non v'edubbio che il príncipe che li ha deputati è tenuto non solo pei loro contratti, maanche, per ogni danno cagionato ai contrahenti dalla loro colpa e dolo, pro-ceãendosi in tali cosi con le regale delVazione institoria... Alhragioua esami-narese sia il caso di limitare Vaccennata regola dell'obbligazione dei preponente pelcontratto o dolo dei suo uffiúale,—nel caso che Vuffiziale abbia contrattato odelinquito fuori dei limiti dei suo offkio...» 

Estes considerandos são tirados do voto de Pompeo Neri na Florentina pretii locorum montium montis redimibilis (31 julho 1737 e 18 setembro 1742) eque se encontra na "Baccolta delle decisioni" do mesmo Pompeo.—ApudMantellini, ob. cit.,p. 159-165. 

oi * Vide: Meneei, loc. cit., p. 262 sg. Este autor cita decisões judi-eiaes,confirmativas da regra supradita. Cf. Chlroni, Colpa Gontrattuák\ ns. 235 e notasíbi. 

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Relativamente às ultimas espécies, se podem indicar osseguintes julgamentos:  I 

a) Certas obras ordenadas pelo Prefeito de Ferrara nas

lagunas de Comaechio, tendo prejudicado ao arrendatário dapesca (Vaffituario delia pesca) em taes lagunas, este reclamou, eobteve decisão favorável da Corte de Cassação de Torino pelodamno soffrido (C. C. Torino 15 abril 1869, — caso Gastàldi).

b)  A administração Publica não pode avocar o direito depesca, que haja concedido sobre um* rio publico, sem prestarao concessionário uma justa indemnisação (C C. Torino 24maio 1882). 

c)  Quando, porém, uma concessão ou adjudicação (d'unappalto) se tornar incompatível com a lei do Estado ou com al-guma regalia do mesmo,—ao concessionário, que fôr privado docontracto, caberá apenas o direito "alia remissione dei cânone :tunc mercês débetur pro rata temporis, ma non aliquid interest ''.I(C. App. Florença 2 setembro 1861; C. C. Florença 17 março1863).91b 

II. Damnos provenientes de relações extra-contractuaes. —A doutrina predominante, quanto a este ponto, tem sido, como já se disse, a de que o Estado só responde pelos damnos causa-

dos na pratica dos actos de gestão, excluída a responsabilidadedo mesmo, relativamente aos actos de império. Mas, alem de que na pratica sempre bouve, em todo tempo,

excepções ao preceito da doutrina geral, apparecem agora re-centes decisões, que, procurando mesmo destruir a própria dis-tincção consagrada, não duvidaram affirmar o principio, emnosso entender, único verdadeiro na matéria,— de que onde sedá uma lesão de direito, ahi deve haver uma reparação, semcogitar da natureza do acto, causador da lesão. 

81 b Cf. Mantellini, loo. oit., pag. 67. 

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Mais adiante se fará. menção especial das decisões recen-tes, á que vimos de alludir; vejamos, porém, antes disto, algunsdos casos, em que o Estado tem sido declarado civilmente res-

ponsável : a)  Por haver o Ministro do Commercio feito sequestrar,

sem motivo legal, uma patente de invenção (brevetto 'd'inven-\  zione) (C. C. Torino 30 dezembro 1871).

b)  Pela subtracção de um processo feito em favor da liber-dade provisória de um individuo (C. C. Torino 20 julho 1871).Entretanto, dado o furto dos autos de um corpo de delicto, pornegligencia na sua guarda, se declarou que o Estado não eraresponsável. (C. C. de Palermo 30 agosto 1872). 

c)  Pela recusa de mandar reabrir um moinho, depois deabsolvido o industrial da pena de contravenção, que sem razãose lhe havia imposto (C. C. Torino 9 dezembro 1875, no Foro Italiano de 1876, p. 273).

d) Pela subtracção de sommas em dinheiro depositadas naAlfandega para despezas aduaneiras (C C. Torino 13 maio 1879). 

e)  Como possuidor de bens ou ezplorador.de emprezas e in-dustrias, o Estado é considerado igual & um particular. Por isto,si para tirar agua de um seu moinho, elle faz executar obras, que

privaram d'agua a um edifício hydraulico, situado na mesmacorrente abaixo, deverá responder, como qualquer individuoparticular: — " attetoehê avea lo Stato in questo caso agito come privato e non in virtu dei suoipoteri oVamministrazione, e d'altatutela mi corsi d'acqua..." 91 c 

 f)  Si uma via publica ou estrada, cuja construcção ou con-servação pertence à Administração Publica, achar-se em estadoperigoso para as pessoas ou cousas que por ella transitam, dita 

oi« Os autores italianos citam precisamente a respeito, como de boadoutrina, a decisão da Corte de Cassação de Paris de 23 abril 1844 (Sirey,44, 1-712). 

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— 459 — 

Administração, seja o Estado, a Província, ou a Communa, res-ponde pelos damnos causados (C. G.Florença 10 fevereiro 1890).>*- O damno na espécie decidida se dera por motivo da rotura

das taboas de uma ponte na occasião, em que pela mesma passa-vam carros de particulares • tendo sido condemnado á Communaa pagar a indemnisação pedida. 

g) Si da construcção defeituosa de um palco pertencente áuma Communa resultar alheio damno, ella deve a justa indem-nisação do mesmo.--Tal fora a decisão da C. de Cassação deFlorença (27 junho 1889) pelo accidente soffrido por um actordurante o espectáculo; declarando-se na citada decisão, que oacto do Syndico reputa-se acto do Conselho Communal. 

h) No caso de damnos de projectis, sahidos da linha de tiro,organisada pelo governo para a instrncção dos soldados ou cida-dãos, foi também reconhecida a responsabilidade da adminis-tração ; dizendo-se nos considerandos: A organisação da linhade tiro presuppõe a construcção de um anteparo para o alvo,capaz de conter o projéctil na sua força, o, conseguintemente,fora da possibilidade de offender as pessoas ou a propriedadealheia. E pois, desde que o anteparo não se achar nestas condi-ções, e por isso os projectis sahidos vão offender aos individuospessoalmeute ou damnificar as suas cousas, aos lesados compete

o direito de pedir a indemnisação do damno soffrido (C. Àpp.Torino 21 janeiro 1889, e 10 março 1891).  

i) Por haver o syndico municipal feito sequestrar um ca-vallo e carro de praça durante maior tempo, do que a lei autori-sara, foi a fazenda municipal condemnada â prestar indemnisação, não obstante o sequestro se ter dado nos casos, que a mesmalei o admittia (C. C. Florença 16 janeiro 1902).91d  I 

91 a Damos om seguida a integra desta decisão, na qual a distiucçaodos actos de império e gestão foi posta inteiramente de lado. Na sentença

de primeira instancia (Tribunal de Pisa) se disse: «Não se pôde duvidarque a responsabilidade indirecta do art. 1153 do cod. clv., relativa ao 

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 j) Igualmente por haver o syndico municipal mandado de -molir uma carvoaria, concedida por arrendamento, mas decla-rada prejudicial à saúde publica pela autoridade sanitária, foi

a fazenda municipal obrigada á responder por perdas e damnos; 

vincolo institorio, convenha á Communa, como a qualquer outro ente publico.As administrações publicas devem indubitavelmente responder pelos actosdos seus representantes, seja que elles tenham causado damno era obriga-ções contractuaes, ou de outro modo.—"Nèéil caso ãi segvire la troppo vagaeperkohsa distinzione tia atti aVimpero ed atti digestione, non essenãovi akunaragione di eseluãere la responsábilità delia amministrazione per gli atti ãi im-

 pero quando siano arbitrarii ed illiciti"- A única indagação a fazer ó, ao con-trario, a de verificar si o acto praticado pelo funccionario seja: —licito, isto é,fundado em disposições de lei ou regulamento;— discricionário, isto é, cabivel

na esphera discricionária que a lei e os regulamentos deixam á administra-ção; —ou illicito, isto é, consistente em uma violação das normas jurídicasadministrativas, estabelecidas nas leis e regulamentos. No primeiro e se-gundo caso, nenhuma responsabilidade pôde recair nem sobre o funccionarionem sobre a administração; no terceiro caso, pelo contrario, a administra-ção deve responder pelo acto illicito sem distincção entre actos de impérioe actos de gestão. E' o que resulta do próprio art. 2° da lei de 20 março1865, allegato-E, sobre o Contencioso Administrativo, onde, como dispo-sitivo geral e illimitado, e em relação cora outro do successivo art. 4° seaffirma, — que a administração publica pôde ser chamada a juízo, toda vezque se questione da lesão de um direito, quer civil, quer politico. No casopresente se tem em primeiro logar um acto illicito e lesivo, commettido pelo

funccionario ou por funccionarios propostos a policia municipal de Piza, econsistente em se ter illegalmente detido, além do termo marcado no regu-lamento, o carro e o cavallo sequestrados... Em sogundo logar, nos func-cionarios da policia municipal concorrem todas às condições exigidas dovincolo institorio em respeito á Communa: ha um mandato estável, umcargo a exercitar em nome da Communa commíttente, e uma ordem hie-rarchica sob a fiscalisação directa das supremas autoridades autarchicas daCommuna. Em terceiro logar, é indubitável que o acto illicito fora com-mettido pelo inspector da policia municipal no exercioio das suas funcções.E* evidente que, em vista do art. 1153, 3o do cod. civil, as administraçõespublicas, como os particulares, não podem responder por actos de seusfunccionarios, praticados fora das faculdades que lhes conferiram, não se

dando em taes casos a relação de mandato. Mas quando o acto não pecca por incompetência, e sim somente por excesso, irregularidade ou {ilegitimi-dade, estando, todavia, o funccionario autorisado a pratical-o, — a adminls- 

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visto a fabricação do carvão não se achar incluída no elencodas industrias insalubres segundo o respectivo regulamento (C.App. Nápoles 18 abril 1902.)91e

 

traçao fica, sem duvida, obrigada pelo mesmo. Ora, si é certo que "il faiecontravenzioni e sequestri e il prendere misure disciplinar i in mataria di vet-ture pubbliche neutra nclla exclusiva competenza delVufficio di polizia tniud-cipals," também náo é menos que — "Vatto delia íUicita protrazione disequestro avvenuto in danno... deve ritenersi commcsso da queWufficio nelV esercizio delle funzioni affidate dal comune".—Nem se pôde objectar valida-mente que, no caso, tendo havido culpa da parte do lesado, a culpa desteelide a da administração conforme o principio: qvi occasionem danni dat causam danni jtratstitisse videtur. O facto iUioito do lesado (desobediência aordem da autoridade respectiva) dera causa, é verdade, ao sequestro, masnao, ao prolongamento deste além do prazo regulamentar ; excedido este,

o lesado tinha direito a restituição dos seus objectos; o facto do prolonga-mento excessivo se deve imputar exclusivamente à culpa da policia muni-cipal . Do contrario, se teria do afOrmar, que a administração podia pro-trahir, ao seu arbítrio, os prazos da lei, as providencias coercitivas, emboratomadas em prejuízo dos cidadãos... » 

Taes foram os fundamentos, em que se baseou a decisão, para cou-demnar a fazenda municipal, como se disso acima no texto. 

01 a Nesta decisão também se sustentou doutrina, que por certo naoconfere com a regra geral da "distincçfto dos actos", como se vao vôr:« Avrebbero dovuto, invece, i primi giudici considerare che quando puré il sin-daco di Barra avesse agito jure imperii e non JURE QESTIONIS e come cupodei Município, la potestà degli ufliciali dei governo acendo forza dalla legge

non si estende oltre i 'imiti delia stessa c perció, ove manchi la legge, cessa loimpero t xubentra Varbitrio che fa rispondere dei danni cagionati. Le ordi-natize dei sindaco di Barra, come sopra ri è detto, non erano fondate in legge,e non possono godere delia garentia amministrativa, ma conte lezione di undiritto privato obbligano pel risarcimento pel principio generale di giustiziaconsagrato nelVart. 1151 C. O. II sindico per Vart, 151 delia legge com mu-nais e provinciais può adottare i provvedimenti contingenti ed urgenti chederivano dai suoi poteri tanto quale capo delVamministrazione comunale, chequais uffltiale dei governo, giusta gli art. 149 e 150 delia detta legge; daicosi concreti può sta'>ilirsi in quale qualitd abbia agito. Le surriferite ordi-nanze dei sindaco di Barra sono stats emanate nella orbita degli interessilocàli, accsnmndosi a reclami degli abitanti d-l palaszo Bisignano ed ai rego-lamento locais di polizia urbana; perciò acendo agito quale capo * rappresen-tante dei Comune, le conseguenze gravano sullo Erário municipais, essendo 

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h) Tratando-se de mercadorias entradas nas alfandegas,embora ahí retidas pela falta do pagamento dos impostos, aresponsabilidade do Estado é completa, no caso de deterioração

ou desapparecimento das mesmas; visto tratar-se, na hypothese,de simples gestão patrimonial (C. C. Nápoles 1 dezembro 1875;C. C. Roma 25 fevereiro 1748, e 25 março 1881).91 f  

l) Mas, em matéria de contrabando, isto é, quanto aos actosde sequestro e outros praticados, como meios de prevenil-o, a  jurisprudência seguida é em favor da irresponsabilidade doEstado; visto tratar-se de acto de império (C. C. Roma 31 julho1876; C. App. Ancona 15 dezembro 1877; C. C. Roma 11 janeiro e 7 de maio 1877, 25 fevereiro 1878, e 17 fevereiro

1881).91s

 m) Com relação aos depósitos da " Cassa dei depositi e

 prestiti" em particular, a Corte de Appellação de Brescia con-demnãra (6 março 1877, caso Morétti) a "Caixa" a entregar osvalores, e o "Debito Publico" a dar os titulos, de que o respe-ctivo funccionario se havia apropriado. Mas, sob o fundamento 

consentâneo á giustizia che chi si giova dei fatto dei suo rappresentante risenta  \anche i ãanni dei costui operato: "ab ordine elechis, experiri potest.. ? per sgndicos hae omnia solent explicari (L. 6 § I o D). — Quod cujusque univer-sitatis nomine vel contra eam agatur". H che trova tanto piU applicazione\ nelVattuale sistema dei sindaco élettivo creato dal voto delia maggioranza ãeglielettori che stabiliscono la rappresentanza delia comunità. — '' Sicut cómodasentimus ex actu institovum aquum est ita etiam óbligari nos ex contractibustpsorum et convenini'' (L. 1 D. de inst. act.).—Apud Solari, ob. cit., p. 16-18. 

91 f  Rioci, loo. cit., n. 309; P. Mazzoni, ob. cit., t. IV, p. 154, notas.—Numa decisão antiga do Trib. Civil de Florença (3 fevereiro 1855, caso Dini)se dissera: «o la mercê é mancai a senza dolo o colpa dei eustodi, e restaestinta ogni azione ed obbligazione respectiva, o émancata pel dolo e la colpalata di essi eustodi e la dogana non é tenuta a nulla, secondo le massime diragione, che VErário déllo Stato o dei Príncipe non è responsabile dei fattoitticito dei ministri». Apud Mantellini, ob. cit., p. 186. N&o é, porém, estaa doutrina seguida pela jurisprudência italiana. 

81« Vide: Mantellini, loc. cit., p. 115 ; Cf. Rioci, loo. cit., na. 305-806.  

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de se ter provado, que a parte não tinha cumprido inteiramente comas disposições regulamentares nos actos concernentes à entrega dostitnlos (Ta concegna non risultasse effettuata nei Inoãi e secondo le

 forme dei regolamenti), a Cassação de Torino annul-lou a sentençada Corte' de Brescia (8 novembro 1878). Uma decisão da Corte deCassação de Roma (25 junho 1878, caso Topi) absolveu também aCaixa no caso de um furto de dinheiro levado à Thesouraria,—baseando-se no principio geral, de que o proponente não respondepelos delictos do preposto, assim como na consideração particular,de que o depositante entregara o dinheiro a um outro funccionario,que não o próprio thesoureiro.91 h 

91

 h

Pela sua importância damos aqui os fundamentos da decisão su-pradita : " Decisione delia Gassazione di Roma nélla Cama Topi, publicataalVuãienza dei 25 giugno 1878; F. Bona&i estensore".— «La responsabilitàdei preponente, come lo si è superiormente avvertido, riposa snlla pi-esun-zione delia colpa di lai di avere scelto una persona incapace, imprudente odisonesta, per affldarle un deter mina to inçar ico. La responsabilità non po-tendo eccedere i limiti delia colpa, è quindi necessariamente circoscritta aicasi nei qaali il preposto abbia agito in forza delia scelta cbe il preponenteha fatto cadere sopra di lui. Tutti gli abusi portanto cbe il preposto com-metta neH'esercizio delle funzioni affidategli quand'anche raggiungano gliestremi di um reato, ricadono per le couseguenze civili sul preponente,avendo la loro radico nellascelta; ma per laragione inversa il preponentenon può mai essere chiamato a rispondere dei fatti commessi dal prepostoall'infaori delia sfera (Vazione che colla scelta gli era stato assegnata.E se in nessun caso è licito preterire da questo critério nei quale è ripostala ragione delia legge, meno che mai è permesso di farlo a propósito di unreato avvegnachè se la legge ha voluto spingere il rigore fino a sottoporreil preponente ai danni causati dal reato commesso da un terzo in base a duna eolpa meramente presunta, non può il magistrato aggravare la dispo-sizione allargando la presunzione delia colpa ai di-là dei limiti entro i qualiè dalla ragione non meno che dalla legge circoscritta.—La distinzione adot-tata dalla Corte deriva dalla confazione che essa ha fatto delia teórica deimandato con quello delia preposlzione, ed implica un doppio errore. Nellaipotesi dei fatto lecito la Corte infatti ritiene il preponente responsabile inquanto il preposto abbia agito nei limiti precisi delia commissione, sicchè 

■ML 

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w) Entre as questões sobre a responsabilidade civil doEstado nenhuma occupára mais a attenção dos tribunaes judi-ciários da Itália, do que a de saber, si elle é, ou não, responsa*

vel pelas sommas pecuniárias e titulos de credito, dep ositadosem mão do chanceller (funccionario da justiça) para a satisfa-ção de custas e outros misteres de ordem judiciaria, e para opagamento de direitos ou taxas fiscaes. A julgar pela lição dosautores, a doutrina prevalecente nas decisões seria a da irres-ponsabilidade do Estado, nos casos de subtracção ou desvio dos 

lo fa rispondere dei fatto próprio in virtú dei mandato e ai termini dell'ar-tieolo 1151, mentre pretende di applicare 1'articolo 1153 • nella ipotesi dei

reato lo fa rispondere bensi dei fatto altrui ai termini deli'ar ticolo 1153 : masostituendo nn critério vago ed arbitrário alia condizione netta e precisastabilita dalla legge. 

D'altra parte oocorre appena avvertire come sia erróneo 11 ritenere-che il proposto non possa mai delinquere senza nscire dalTeseroizio delle-incombenze affidategli. Di delitti comessi dal proposto nella cerchia dellesue attribuzioni si possono addurre esempi flagranti, senza nscire dallaipotesi dei pubblici funzionari, anzi dalle funzioni precise intorno alie quale-sicontroverte. 

Se infatti il tesorière riscnote una somma delia qnale la legge glidelega la esazione, ma invece di versaria nella cassa la converte in uso-próprio ; si il controllore nell'esercitare il sindicato che gli è affldato dis-

simula le irregolarita delia gestione dei tesorière per aggvolarne le sottra-zioni; delinqnono senza dubbio nell*esercizio delle loro incombenze inquan-tochè non fanno che volgere ad un fine colpevole le attribuzioni delle qualisono rispettivamente invéstiti.—Delinquono invece fnori dell'esercizio delle-funzioni loro, se per uno scopo criminoso escono dalla sfera di azione lororispettivamente assegnata e anzichè abusare delle proprie, usurpano le-attribuzioni altrui, come appunto nel caso dei controllore che per impadro-nirsi di una somma spettante aU'amministrazione pubblica, assuma la vestedi tesorière. 

Del resto se vi ha caso nel quale sia evidente la necessita di nonperderei di vista la condizione alia quale 1'articolo 1158 subordina la rei-ponsabilità dei proponente, è quello in cui sia invocata la responsabilità

dello Stato pel fatto dei suoi funzionari. Lo Stato come ogni altra persona-morale non può esplicare la própria azione senonchè per mezzo dei suoidelegati. Nessun altro Ente però é obbligato a ricercare nel suoi agenti atti- 

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depósitos referidos.011 Mas, examinadas as decisões partícula* res,destas se verifica que os tribunaes admittiram as seguintesdistincções: 1) Em uns casos se afíirmara a responsabilidade do

Estado, partindo simplesmente da natureza do deposito sem tomarem consideração o seu fim especial, sendo o funccionario,recebedor do mesmo, encarado como verdadeiro agente da fazendapublica; 2) Em outros casos se entendera, ao contrario, que ofunccionario, recebendo o deposito por dever de officio e pordisposição da lei, e não por encargo do poder executivo, devia elleser sempre considerado na sua qualidade de empregado judiciário,e, consegaintemente, o seu acto em nada obrigando aAdministração ou a Fazenda Publica; 3) Em outros casos,finalmente, se procurou adoptar uma doutrina intermédia, segundoa qual, — si o deposito fosse feito para o pagamento de taxas edespesas judiciaes, elle se considerava validamente feito sob aresponsabilidade do Estado, e portanto, este obrigado a indemnisal-o na hypothese de sua subtracção; — si, porém, dito deposito fossefeito para um fim de interesse particular do individuo, como porexemplo, o deposito do decimo do preço do leilão ou arremataçãopara o individuo poder con- 

tudiní pia disparate onde ciaseuno di essi risponda alie esigenze dei próprio

uffieio, nessuuo avendo fanzioni tanto nnmerose e svariate quando lo Statoconsiderato anche semplicemente come persona giuridica nell'esercizio deliagestiono económica. 

Pretendere ohe egli eia tennto dei danni recati da nn funzionarionella sfera d'azione d'un altro, vale quanto esigere che ia ciaseuno dei suoiageati concorrano le gaarentigie necessário all'esercizio di ogni sortad'ufflcio e tutto questo per indulgere per alia leggorezza degli amministrati1 quali coutraggono rapporti con un funzionario per nn affare demandatoad nn altro. La Corte d'appello avrebbè dovuto tanto piú rendersi contodeirassurdità di qnesto sistema, inquantoohò nella specie si trattava dellefanzioni dei tesoriére pel quale lo Stato oltre alie guareatigie morali co-mnni agli altri impiegati esige una cauzione pecuniária proporzionata alia

entità delia gestioue.» — Apud Mantellini, loc. cit., p. 183-84. 01l Ricci, DeUe Obbligaziorii, n. 301; Mantellini, ob. cit., p. 100 seg. 

30  R. C

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correr, a perda do deposito não daria acção alguma contra oEstado.01 J  % 

— Segando Meucci, esta questão dos depósitos judiciários

fora sempre mal posta, sendo encarada, como obrigação ex-quasidelido, quando se tratava realmente de uma obrigação contra-ctual de deposito: «Ese v'è caso in cui la teórica delia distinzionedelle due persone dóvesse concludere ad ammettere la responsa-bilità ãello Stato, era quéllo dédepositi giudiziari. Eppure vi funegata, e ciò sia perche si sblaglò stranamente la qualificazionedelia personalità spiegata dallo Stato in quel caso, sia perche in-vece ãi prendere di mira Vóbbligo contrattuale deUo Stato per depositi si ébbe in considerazione solo il fatto illicito INCIDENTE 

dei funzionario che li sottrae. »91k

 

01  i P. Mazzoni,   Inst. di dir. civ. ital., t. IV, p. 153. Este autor citanumerosas decisões judiciaes em abono da jurisprudência, de que acima sefez menção, distinguindo as differentes espécies de depósitos. Cf. VittoreVitali, ob. cit., ns. 297-299. 

91  k Meneei cita igualmente grande numero de decisões das cortes -italianas, umas reconhecendo a responsabilidade, e outras, a irresponsabili-dade, na matéria dos depósitos judiciários.— Diritto Amministratwo, p. 259,nota 3, e p. 261. 

— Mantellini sustentara a não-responsabilidade do Estado nos casosacima alludidos : « Sia che lo Stato apponga guardie a tutela delle cose e delle

 persone, sia che apra registri dove notare e transcrivere fatti o atti civili, la sua funzione intenda a fine politico necessário o contingente, i rapporti non mutano,e come lo Stato non garentisce dai furti, dalle rapine, dalle offese, cosi nondai danní per omissioni o irregolarità negli annotamenti, sia bene o inaleordinato il servizio... U cancellière è ufficiale ãelVordine giudiziario... E neWamministrazione delia giustizia lo Stato ri/mane ente politico, nè può mairisalire a lui rapporto di civile responsabilità.—Ob. cit., p. 103-112. Cf.: C. C.Nápoles 5 fevereiro e 26 novembro 1876,1 junho 1878 ; C. C. Torino 8novembro 1878; C. C. Palermo 19 janeiro 1878.

— De resto, observa Lomonaco (Delle Obbligazioni, 1.1, p. 283 nota), aquestão da responsabilidade do Estado pelos depósitos alludidos deixou deter razão, depois que a lei de 29 de junho de 1882, n. 835, regulara essa

matéria de modo definitivo, ordenando que os depósitos judiciaes fossemfeitos na "Cassa dei depositi e prestiti".—Se poderá ainda ver: Chironi, Colpa.Contrattuale, ns. 237 sg.

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— 467 —I 

81.— Agora ao encerrar o capitulo, sobreleva ainda ajuntarduas palavras sobre a doutrina da "distincção dos actos," aqual, já se sabe, mais do que nenhuma outra, tem servido de

base ás decisões das cortes italianas. No empenho de manter o principio, de que os actos de im-

 perto são insusceptíveis de crear responsabilidade contra o Es-tado, as referidas cortes tem as vezes tecido os mais difhceismeandros de considerações e argumentos: ora affirmando, nummesmo facto, a gestão e o império segundo o maior ou menorrelevo que uma circumstancia apresenta sobre outra ; ora re-vestindo a gestão ou o império de um caracter sni generis naespécie occorrente; ora finalmente, cahindo em incoherencias -e contradicções, confrontados os fundamentos das suas própriasdecisões, umas com as outras.... Os dous factos, quese seguem,bastarão, sem duvida, para comprovai-o. 

Io) Um carniceiro levou ao matadouro de Roma dous bois<para a matança, e fel-os recolher nos estábulos que a Commimamantém sob a guarda e vigilância de seus empregados; pagando■aquelle o respectivo aluguel e as taxas estabelecidas. Sem sesaber como, — desapparecera um dos bois. O carniceiro propozpor isso a sua acção de dam nos contra a administração cora*munal. Esta não negou o facto; mas, allegando ter no caso agido

  jure imperii, sustentara que não estava obrigada a responderpelos actos dos seus empregados. O Pretor decidio na conformidade da defesa; e não obstante o Tribunal Civil ter, ao envez,admittido o direito do lesado â indemnisação, a Corte de Cassação recusou-o, declarando nos seus considerandos que, com«e tf eito, se tratava na espécie de um acto de império (C. C. Roma7 julho 1897).  I 

— Um acto de império ou de soberania na guarda de boispara a matança publica l ... Entretanto o mais sorprehen-<lente,

observara um magistrado italiano, é, que a mesma■

Corte, emCamarás reunidas sobre o mesmo facto, em data de 

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 — 468 — 

29 março 1900, não duvidara firmar o principio contrario, a di~zer,—.que o exercício da matança não era um acto jure imperiijmas,simplesmente, evidentemente, um acto de gestão, regulado por

vinculo contractual, creado entre a Oommuna e o particular. í 2.°) Um carroceiro teve a sua carroça quebrada e o seu cavalloferido, por haver caido numa valia que, ha trez dias, prejudicavao uso da via publica (che guastava la continuitá delia via).Propusera, portanto, a sua acção de damnos contra a Communa,a qual, defendendo-se, allegara que, na manutenção das viaspublicas, ella agia jure imperii. — Sem embargo dessa defesa, oTribunal Civil reconheceu o direito de indemnisação em favor doautor, e a Corte de Cassação confirmou a respectiva sentença (C.

C. Florença28 de dezembro-de 1898). — Nada temos a dizer sobre o mérito da decisão. Quanto,.porém, ao principio invocado do   jure imptrii, repetimos aquias palavras de um escriptor italiano, proferidas a propósitodessa questão: —  Infatti se la manutenzione delle vie pubbli-* jche viene riguardata QUALE ATTO D'IMPERO, come, in qual guisa,,e perche nella sua attuazione si trasforma in atto di gestione T Curiosa forma di atto amministrativo, che ra subenão si strane-metamorfosi nel suo svolgimento, per giunta contemporâneo, si' 

multaneo I,.. *

w

De maneira que, segundo o testemunho insuspeito dos pró-prios fautores da distincção dos actos, semelhante doutrina, emvez de facilitar a tarefa do magistrado no julgamento doslitígios, tem, pelo contrario, servido para difficultal-a, pela in-certeza e contradicção, que a sua applicação inevitavelmenteacarreta! 

— Findando neste ponto quanto nos propusemos dizeracerca da jurisprudência italiana, só nos resta declarar que, 

91 ' Vide: Solari, ob. cit., p. 46 sg.e 52. sg. 

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— 469 — 

a despeito de já serem assaz numerosas as decisões, nas quaesa Cassação de Roma tem procurado firmar com claresa os ver-dadeiros princípios dessa doutrina, que ella adopta,—ainda em

data recente foi affirmado no próprio seio dessa Corte, que, doconjuncto das suas decisões, não se podia, comtudo, tirar umcritério geral seguro, para resolver as differentes questões par-ticulares, que â mesma se apresentavam.9l m Eis ahi toda ver-•dade do facto... 

01m O trecho final, a que se alludira no texto, contém as palavras do«Procurador Sarai, Franceseo Auri ti, no seu discurso inaugural, dirigido áCassação de Roma em janeiro de 1899. — Apud Solari, loo. cit., p. 59-60. 

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 — 470 — 

CAPITULO V 

A Jurisprudência Ingleza e Norte-Americana 

82. — Dous Estados se destacam, por assim dizer, d'entrejos demais Estados modernos no tocante á importante questãor 

de que nos occupamos, e constituem um corpo de doutrina, in-teiramente differente: são a Inglaterra, e os Estados Unido*da Norte-America. Em principio, se pôde affirmar que a regra

predominante nos mesmos é, a de que o Estado não respondecivilmente pelos actos lesivos (actos de administração propria-mente) dos seus órgãos ou funccionarios; ainda que na praticase possa admittir casos de excepção. 

Não é, portanto, muito o que teremos de dizer sobre a  jurisprudência desses dous Estados. Não devêramos, todavia,omittil-os; dado o pensamento de imparcialidade, que nos im-pusemos guardar na elaboração do presente trabalho. 

§ 1.° QUANTO Á INGLATERRA 

83.— Na Inglaterra, persistindo até agora a intelligenciada sua politica tradicional, de identificar a pessoa do Soberanocom a do Estado, e sendo principio fundamental da sua Consti-tuição, e máxima jurídica, que "o rei não pôde fazer o mal'(King can do no ivrong), porque, segundo Blackstone, a prero-gativa da Coroa, creada para o bem do povo, não pôde ser exer-citada em prejuízo deste; dahi resulta que, si nenhuma respon-sabilidade lhe pôde caber das acções ou omissões, snas-propriasr

muito menos lhe poderia advir semelhante responsabilidade, 

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— 471 — 

doa actos de outrem, embora agindo em nome delle e nos mis-teres do seu serviço. 9'2 

Outr'ora essa irresponsabilidade da Coroa era insinuada

tão ao pé da lettra, que, não obstante o grande principio da jurisprudência ingleza, de que onde se da uma lesão de direito,ha ahi o remédio para cural-a, ("Itis a general and indisputablerule, that where is a legal right, there is àlso a legal remedy, hysuit or action at law, whenever that right is invaded") ; a ver-dade é, que, em se tratando de lesão por acto do Rei ou Estado,— a parte lesada carecia de meio legal, pelo qual se podésseresarcir do damno sofirido... 

De maneira que, si por falsa informação ou por inadver-tência (hy misinformation or inadvertence), a Coroa fosse indu-zida a invadir os direitos privados de algum dos seus súbditos,nenhuma acção se podia dar contra o Soberano, sobretudo, porfalta de um poder superior, que delia tomasse conhecimento.Mesmo no caso de uma violência ou damnificação provada, feitaá propriedade particular, a única medida, à que o individuopodia recorrer, era fazer uma petição (petition de droit) ousupplica (monstrans de droit) a Corte da « Chancery», ou do«Exchequer», segundo o teor das circumstancias ; mas estas oattenderiam, ou não, por simples via graciosa, como bem lhes

parecesse de rasão ou de equidade.0á * Alias, esta doutrina era no todo consoante com o conceito

do Estado antigo, reputado, como creador do próprio direito e justiça!... 92b

 

»! W. Blackstone, Commentaries, 1.1, § 246; III, § 254. — Cf. Fon-blanque and Holdsworth, Sow we are governed, p. 17. — London, 1869. 

82 * Blackstone, ob. oit., 1. III, § 23 e § 254-56. 83 b Todavia, segando o espirito de liberdade e de amor ao direito indi

vidual, que nunca faltou ao povo inglez, essa prerogativa do rei, pondo-o

superior a todas as outras pessoas e fora da acção do direito commum, nãolera, de facto, incondicional ou absoluta, como alguns pretenderam e outros 

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83 a. — Actualmente, muito embora subsista a condiçãopreliminar da «petition ofright», ella é agora considerada amasimples formalidade, por meio da qual a parte obtém o «fiat*, e na

posse deste poderá promover a sna acção nos tríbunaes ordinários,como succede entre os indivíduos particulares.93 Mas cumpre aindaadvertir, a responsabilidade da Coroa só é admittida emdeterminados casos, taxativamente declarados: « The only cases intohich the petition ofright is open to the subject are, where the land or gooãs, or money of a subject have found their wmj into the

 possession ofthe Crown, and the purpose of the petition is to obtainrestitution, or if restitution cannot be given, compensation inmoney,—or when a claim avises out of a contracta as for goods

supplied to the Crown or to the publie ser-vice.»93

 a

— Quer dizer: aacção só é permittida para os casos de desapropriação dapropriedade alheia, ou por damnos provenientes da infracção decontractos, taes como, de fornecimentos 

insinuavam. Os bons autores nunca deixaram de affirmar o contrario: —"Nehil enim aliuã potest rex, nisi id solum quoã jure potest";— " Rex ãebet esse sub lege, quia lex facit regem" (Blackstone, ob. cit., 1.1, § 239). Dofacto de as cortes não terem jurisdicção sobre o rei, observa este autor, nãose conclua, que os súbditos da Inglaterra se achassem destituídos de todo

remédio, caso a Coroa invadisse os seus direitos, já por lesões privadas, jápor publica oppressão (either by private injuries, or publie oppreasion); não:— a lei providenciara acerca de ambos os casos. Quanto as lesões privadasfeitas á propriedade, ha o direito de petição á "Court of Chancery", a qualfará justiça, muito embora a titulo gracioso. Quanto aos cai os de publicaoppressão ordinária, como o rei não pôde abusar do seu poder (misuse his

 power) sem o conselho de mãos conselheiros (the advice of evil counsellors) e oauxilio de ministros infleis (the assistance of wickeã ministers), taes indi-víduos poderão ser processados e punidos pelo abuso praticado.—Loc. cit.,§§ 243-244. 

98 Anson,   Lavo and Custom, Part. II, p. 475 e nota. —Oxford, 1896.Foram as leis: 20 e 21 Vict. c. 44; 23 e 24 Viot. c. 84; 36 e 87 Vict. c. 69,

que simplificaram as formas da acção contra a Coroa nos casos, em queella é permittida. 93»Ibidem. 

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para as necessidades diversas do serviço publico. Em relação atudo mais, isto é, em relação aos actos de negligencia, culpa, ouqualquer outra falta, embora grave do funccionario publico, o

Estado ou a Coroa são inteiramente irresponsáveis (cannot beliáble for iwong). O direito da parte lesada, quando porventuraexista, será exercitado unicamente contra o funccionario pormeio de acção competente, o qual não poderá allegar, comodefesa ou excnsa, a circumstaneia de haver praticado o actoarguido, em cumprimento de ordem, implicita ou explicita, daCoroa ou do Governo.98b No entanto, o próprio funccionariotambém poderá escapar á responsabilidade nas seguintes hypo-tbeses: 1) si, no caso de infracção de contracto, tiver agido embeneficio do Governo, sendo, então, este o responsável, e não ofunccionario; 2) si se tratar de funcção ou de facto, pelo qualelle deva responder perante a Coroa, ou directamente perante oParlamento, e não, ao publico ou aos indivíduos particulares-,3) si no facto imputado não houver culpa, ainda que haja erroou certa negligencia somente (damnum àbsque injuria). 

83 b.—Nos casos indicados, assim como em outros quaes-quer de lesão de direitos individuaes, é indiscutível a compe-tência do judiciário, o qual, não só pode conhecer e decidir da

espécie em acção regular, mas também intervir desde logo poralvarás interdictorios, prohibitorios ou mandaticios (writs of injoncMon, mandamus, quo warranto, certiorari, etc), tendo emvista, já impedir o próprio acto ou as suas consequências, já or-denar que dado acto seja praticado, nó caso de indevida omissãodo respectivo funccionario.93 ° 

08" Anson, loc. oit., p. 477 ; Cf. Laferrière, ob. cit., 1.1, p. 113. 930 Anson, loc. cit., p. 476-80.—Cf. Laferrière, loc. cit., p. 114-115.

Nestes autores vem citadas algumas decisões judiciarias das cortes ingle-

zas, segundo ás quaes se poderá melhor ajuisar do teor da sua jurispru-dência sobre a irresponsabilidade do Estado pelos actos culposos dos seus 

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Essa competência dos tribunaes ordinários da Inglaterra,para conhecer contenciosamente dos actos dos funccionarios pú-blicos, é, aliás, no todo consequente e indispensável; visto não

haver alli nenhuma   jurisdicção administrativa, independente-mente organisada para o mesmo fim, como succede em váriosoutros Estados. 

83 c.—Referindo-se á doutrina ingleza, observara Da- 

reste: En même temps que les fonctionnaires sont toujours res-ponsables, 1'Etat ne l'est jamais. Cela tient a plusieurs causes.D'abord en Angleterre, les fonctionnaires sont plus indepen-dants que partout ailleurs. Souvent même leur nominationn'appartient pas au gouvernement, et toujours ils agissent librement, sous leur responsabilité personnelle, sans avoir á dé-manderni á attendre 1'ordre d'un snperieur. Mais ce n'est pas tout. Cestun príncipe du droit anglais que le roi ne peut mal faire «ihekingcan do no vrong».En consequeuce, aucune action en dommages-interêts ne peut étre intentée contre 1'Etat. 

La partie lesée ne peut s'adresser qu'au Chancelier qui, s'ily a lieu, fait justice par voie de grace, ou au Parlement,  

funccionarios, e bem assim, acerca das exempções, que aproveitam aosmesmos em dados casos ou circumstancias. 

— Casos, relativamente recentes, em que a responsabilidade tem sidoreconhecida contra a Coroa (para usar a linguagem consagrada), se podem

indicar: Feather v. The Queen, (6 B. & S. 293);Windsor and Annapolis Bail-tcay Co. v. The Queen, (11 App. Ca. p. 615); Thomas v. The Queen, (L. R. 10Q. B. 31); Farnell v. Bowman, (12 App. Ca. 643); Attorney-General of StraitsSettlements v. Wemyn, (13 App. Ca. 192). — Apud Anson, loc. cit., p. 476.

— Nos contractos feitos em nomo da Coroa e em beneficio do Go-verno a responsabilidade é sempre deste, e não do funcoionario: Qidley v.

 Lord Pahnerston, (3 B. & B. 284).—Apud Anson, loc. cit.  ■!,( — As cortes não admittem, como defeza, a distincção de "state ne-

cessity, ou state offences", e ontras... "The common lava does not unãerstand   fhat Jcinã of reasoning, nor do our boolcs taJce notice of any such distinction":Entick v. Carrington ; ap. Anson, loc. cit., p. 477. Sobre a responsabilidadedo funcoionario em particular, é também de ver: A. G. Boulen,  De la res-

 ponsabilité envers les particulieres de» fonctionnaires administratifs,p. 381 sg.;E. H. Perreau,  De la responsabilité des fonctionnaires publica, p. 143 sg.—Bordeaux, 1894.

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|qui peut toujours accorder une indemnité par loi especiale. II y en adeux exemples notamment pour des personnes condamnées etdeportées par erreur.93 d 

C'est ainsi que, partis du même point, le droit anglais et le

droit français sont arrivés aux extremes opposés. A notre avis c'estle droit français qui est en avance. Ce n'est pas en poursuivant les fonctionnaires, qu'un ci-toyen

maintiendra efficacement son droit contre les entreprises de 1'Etat.Cest contre 1'Etat qu'il doit agir directement, parce que, dans laplupart des cas, c'est 1'Etat qui a íait le mal et qui seul peut lereparer. La pratique est ici d'accord avec la theo-rie; en realité lesystême français est aussi liberal et plus efn-cace, que le systêmeanglais... 

83 d. — Seria desnecessário dizer, que, do mesmo modo quese dá com os actos da Coroa em geral,— os actos do Parlamento,quando lesivos de direitos individuaes, não dão direito de reparaçãoao lesado; porque, sendo igualmente a expressão do podersoberano, se consideram incapazes de fazer 

93d Uareste, La Justice Administratiie, p. 504 sg. Paris, 1898. B oChanceller e o Parlamento não deixarão de fazer a devida justiça, acres-centamos nós; porque, apesar do principio geral em contrario, nao se pôde,na pratica, deixar de reparar a offensa do alheio direito, sem negar ao mesmotempo a razão fundamental das leis e do próprio Governo. Isto dizemos comrelação aos actos ilUcitos ex-contractuaes; porquanto, com relação ã obriga-ção do Estado de prestar a devida indemnisação nos casos de desapropria-

ção da cousa alheia, ou nos de responsabilidade proveniente de contractos,ella subsiste também na Inglaterra, como nos outros paizes. Alem disto,mesmo sem dar-se, propriamente, uma desapropriação, desde que ha umaoooupação duradoura da propriedade, ou a sua daraniflcação em consequên-cia de uma necessidade do serviço publico, tem logar a indemnisação. O quesuccede, muitas vezes, é, que esta não sae dos cofres do Bstado, e sim, dodas corporações looaes, dada, como se sabe, a grande descentralisação daadministração publica. O serviço da saúde publica pode servir de exemplo.A lei de 11 agosto 1875 —'\4n act consolidating and atnending the acts rela-ting to public health in England", reconhece, com effeito, o direito de in-demnisação, quando das suas medidas resultar damno: a) pela destruiçãode cousas moveis (art. 121); b) pelo recuo ordenado de prédios nas ruas

(art. 155); c) por outros prejuízos em geral, resultantes das varias medidas(art.808). Vide: Hic, nota "J neste Titulo. 

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o mal;93G asaim como é de regra, que os actos judiciaes (as sen-tenças e despachos dos juizes e cortes) não são susceptíveis deacção contra os seus autores.—Eis aqui as palavras da jurispru-

dência a respeito destes últimos actos:  No action witt he against a judge for any acts done or words spocken in his judicial ca- pacity in a court of justice. This doctrine has heen applied not only to the superior courts, hut to the court of a coroner and to acourt martial, which is not a court of recorã. It is essential in alicourts that thejuãgeswEO ARE APOINTED to administer the lawshould he permitteã to administer it under the protection of thelaw indepedently anã freely, tvithout favor and without fear. This provision of the law is not for the protection or henefit of a mali-

cious or corrupt judge, hut for the henefit of thepuhlic, whose in-terest it is that the judges should he at liberty to exercise their   fonctions with inãepenãence and tvithout fear of consequences. How could a judge so exercice his office if he were in daily and hourly fear of an action heing hrought against him anã ofhavingthe question suhmitteã to a jury whether a matter on which hehad commented judicially was or was not rélevant to the casehefore him ? 93 r 

Convém talvez lembrar que na palavra corte também se

comprehendem os juizes singulares nos actos de seu officio, in-clusive os juizes de paz, os quaes na Inglaterra exercem, não sófuncções judiciarias, mas juntamente outras de caracter ad-ministrativo ou politico.93 e 

98 e Blackstone, loc. cit., § 244-245. 93 f Vide: Scott v. Stanfleld (L. R. 3 Bxoh. 223); Anderson v.

Gorrie (1895, Q. B. C. A. 668).—Cf. Anson, ob. cit., p. 477-78.  98 * Quanto ã responsabilidade dos juizes de paz em particular, e as

restricções delia, é de vôr: Dareste, La Justice Administrative, Part. II»

oh. XX;—A. G. Boulen, ob. cit., p. 345;— e bem assim, "Nova Organisaçãodo governo local", effectuada pela legislação de 1888 e 1894,— ap. Anson,loc. cit., p. 241 sg. 

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§ 2.° QUANTO AOS ESTADOS-TJNIDOS 

84.—Nos Estados Unidos da Norte-America a jurisdicção ecompetência do Judiciário para conhecer dos actos do Governo ouda Administração são sabidamente ainda mais latas, do que naInglaterra-, uma vez que, segando os princípios do direito publicoamericano, o referido poder julga até da própria validade das leis,isto é, da sua conformidade, ou não, com os| textos constitucionaes.Consequentemente, se pode desde logo affirmar, como principiogeral da sua jurisprudência: que os juizes e tribunaes de justiçanorte-americanos, quando devidamente provocados pelas partes,podem declarar insubsistentes ou nullos, quaesquer actos dos dous

outros poderes, para o fim de assegurar os direitos individuaes,porventura ofendidos por esses actos. E de facto, assim succedefrequentemente; verificando-se a intervenção judiciaria, não sô,mediante o processo regular de uma acção, mas ainda, mediantecertos actos swn-marios,—remédios preventivos ou incidentes(extraordinary re-Uef, extraordinary remedy), pelos quaes se ordenaa pratica de certo acto, ou se obsta a execução de algum acto illegalou lesivo, ou se concedem outras garantias â parte, em favor dequem são elles expedidos.94

 

94 Os actos judiciaes, mais usados, que tem o caracter de remédios ex-traordinários, são semelhantes aos da praxe ingleza, taes como: 1) Writ of mandamm, o qual é um mandado ou ordem de um tribunal de justiça com-petente, dirigido a um individuo ou autoridade de jurisdicção inferior, paraque faça ou execute o que no mesmo se prescreve; 2) Writ of injonction, oqual é um mandado expedido nas condições do precedente; mas dellediffero, porque pelo mandamus quasi sempre se ordena a pratica de algumacto, emquanto que pela injonction, em regra, se prohibe que um acto sefaça, guardando-se a respeito o statu quo; é semelhante ao interdicto pro-hibitorio da lei brasileira; 3) Writ of certiorari, o qual é uma ordem de umtribunal superior a um tribunal ou autoridade inferior, para que lhe re-metta por certidão as peças de determinado feito, afim de ser este revisto  

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■ E' ás cortes judiciaes, que a Administração publica recorreigualmente, quer para a applicação litigiosa das leis e regulamentosadministrativos, quer para os actos de coerção ou de execução

 forçada, que se fazem necessários contra os seus própriosfunccionarios. 

84 a.—No tocante á questão particular da responsabilidade civildo Estado (União, Estados*federados, Municípios), a jurisprudênciaamericana não podia deixar de ter tomado, como ponto de partida, osprincípios consagrados no Império Britânico. A lei das Colónias eraa própria lei da Metrópole; e quando, mais tarde, ellas setransformaram em «Estados-Unidos», si é certo, que não mais havia

o rei, incapaz de fazer o mal; subsistiu, todavia, a  pessoa soberanado Estado (a União, considerada como pessoa jurídica nacional), quedevia gozar de idênticas prerogativas, na sua qualidade de  poder supremo do território e da nação. 

Daqui, certamente, ess'outro principio corrente do direitopublico americano,— que a União, assim como os Estados da 

pelo primeiro; 4) Writ ofprohibition, o qual é em tudo análogo ao recurso deaggravo por incompetência adraittido na lei brasileira; mas, usado na JustiçaNorte-Americana um pouco diferentemente, quanto ao modo processual. 

Na pratica judicial ordinária, e sobretudo, na pratica federal em ma-téria de equidade (on equiiy), também se emprega, ás vezes, a "injonction",como remédio inandatorio á semelhança do "mandamus".—Deixamos dedizer, quaes os casos particulares, em que são permittidos os remédios ex-traordinários, que ficam indicados; porque isso nos levaria longe, e n&o sefaz mister ao escopo limitado do presente trabalho; convindo, no entanto,ainda advertir, que o " writ of injonction " e o "torit of mandamus'', embora,análogos a alguns dos nossos interdictos possessórios quanto aos effeitos ;delles differem quanto á norma do respectivo processo e ás circumstanciasparticulares, em que podem ser expedidos. 

Em geral sobre os remédios, ã que vimos de alludir, é de vôr: —Foster'8 Federal Pratice, t. I, p. 341 sg.;— H. G. Wood,  A Treatise on the

legal remedia;—T. C. Spelling, Kxtraordinary Relief: — High, On Injonction»; ete. 

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mesma, não podem ser chamados a juízo, Bem o seu assentimento, pelos individuos particulares, ainda que sejam estes,seus credores legítimos.  I 

Este principio acha-se mesmo consagrado expressamente emalgumas das constituições estadoaes, na de Illinois por exemplo.Outras, porém, obedecendo talvez a um sentimento de moralidade,consagram disposições que, si não derogam o principio geral, aomenos, autorisam o legislador ordinário a adoptar leis que regulemo processo a seguir, relativamente aos credores do Estado. E' o querealmente succede com as constituições da Carolina do Sul,Carolina do Norte, Arkansas, Wisconsin, Indiana, Pensylvauia,Califórnia,94a etc. Mas, seja como fôr, no estado actual da legislaçãodo paiz em geral, não haveria erro em dizer, que o meio de petiçãoao Corpo Legislativo continua a ser a regra, que o individuo deveseguir, para que possa obter a satisfação do seu direito, quando oréo ou o devedor fôr algum dos Estados federados.94h

 

94 a A Constituição da Califórnia de data relativamente moderna (de1879) dispõe mesmo: — « Suits may be brought against the state in such\ manner and in such courts as sliall be directed by lato» (art. XX, § 0o). 

94b A. Carlier, La Rep. Americaine, t. III, p. 138-39;—Cf. H. C. Black, Handboók of American ConstituUonal Law, p. 130-31.  fl 

— Story, encarando o attributo da soberania com relação à matéria,

se pronunciara nestes termos : «As to private injnstice and injuries, they may regard either therights of property or the rights of contract, for the national government is

 per se incapablo of any merely personal wrong, such as an ássault andbattery, or other personal violence. In regard to property, the remedy forinjuries lies against the immediate perpretors, who may be sued, and can-not shelter themselves under any imagined immumity of the governmentfrom due responsability. If, therefore, any agent of the government shallinjustly invade the property of a citzen under color of a public authority,he mast, like every other violator of the la ws, respond in damages... Thegreatest difficulty arises in regard to the contracts of the national govern-ment ; for, as they cannot be sued without their own eonsent, and as theiragents are not responsible upon any such contract when lawfully made, 

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Em principio, não é differente a doutrina professada, rela*tivamente á União (U. 8. v. Peters, 5 Cranch, 139; Osborn v.Bank of U. S. 9 Wheat. 738; 9 How. 386); ainda que na pratica o

rigor, ou antes, a injustiça de semelhante principio não tenhasido geralmente observada. 

Com effeito, ha mais de meio século, que foi creada peloCongresso uma Corte especial de reclamações (Court of Claims)com sede em Washington, cuja jurisdicção se estende a todos ospedidos ou reclamações contra os Estados-Unidos, fundados nasleis do Congresso, nos regulamentos do poder executivo, noscontractos, expressa ou implicitamente feitos com o GovernoFederal, e ainda á outras questões, que forem remettidas á dita

Corte por qualquer das casas do Congresso. 84b.—A Corte de reclamações (Court of Claims) foi organi-

sada pela lei de 24 fevereiro 1855, a qual definio desde logo asmatérias da sua jurisdicção e competência. Varias leis posterioreslhe tem ampliado a competência, sendo de citar, como mais im-portantes, as de 3 março 1883 (Bowman Act), de 20 janeiro1885 (Freneh Spoliation Act), e de 3 março 1887 (Turcker Act). 

A lei da sua creação declara, que a jurisdicção da referidaCorte se estende (to hear and determine) ás seguintes matérias: «

 AU claims founded upon the Constitution of the United States, or anylaw of Congress, except for pensions, or upon any regu-lation of anExecutive Department, or upon any contract, ex-pressed or implied,with the Government of the United States, or  

the only redress which can be obtained raust be by the instrumental ity of Congress, either in providing (as they may) for suits in the common courtsof justice to stablish such claims by a general law, or by a special act forthe relief of the particular party. In each case, however, the redress de-pends solely upon the legislativo department, and cannot be administred

execpt through its favor. The remedy is by an appeal to the justice of the nation in that fórum and not in any court of justice, as a matter of right.» — Story, Commmtaries,ns. 1675-77. Cf. H. C. Black, ob. cit., p. 129. 

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— 481 — 

  for damages, liquidated or unliquidated, in cases not soundingin tort, in respect of which claims the party would he entitiled toreãress against the United States either in a court of law, equity,

or admiraly, if the United States were suáble: PROVIDED, HO-WEVER, that nothing in this section shall be construed as givingto either of the courts herein mentioned, jurisdiction to hear and determine claims growing out of the late civil war, and commonlyknown as «war claims», or to hear and determine other claims,which have heretofore been rejecied, or reported on adverselyby any court, department, or commission authorised to hear and determine the same ». w ° 

— Conforme ao texto citado são excluídos da competênciada Corte os damnos provenientes da guerra civil, assim comoos provenientes de actos iIlícitos. E segundo a doutrina daCorte Suprema, para a tjual cabe o recurso de appellaç&o dasdecisões da Corte de reclamações, os damnos, a cuja satisfa-ção o Governo Federal pode ser condemnado, são, em regra,somente os provenientes de contractos, legalmente feitos, demodo explicito ou implicito, com os representantes do mesmoGoverno; doutrina, que a mesma Corte Suprema baseia nosseguintes fundamentos: 

With the exception of claims for the proceeds of captured

or abandoned property and others arisiug under special statu-tes, the Court of Claims lias no jurisdiction of claims DPONTORTS committed by the United States (Langford v. U. S., 101TL S. 341; Nichols v. U. S., 7 Wall. 122; Gibbons v. TL S., 8Wall. 269; Dennis v. TL S., 2 Ct. Cl. 210; Dykes v.U.S., 16 Ct.Cl. 289). The jurisdiction of that court nas received fre-quentadditions... but the principie originally adopted, of li-miting itsgeneral jurisdiction to cases of contract, remains. There can beno reasonable doubt that this limitation to cases of contract,express or implied, was established in reference to 

"*• Se pode ver a respeito: Foater's Federal Practice, t. II, p.881 sg.Boston, 1892. - Cf. A. Carlier, ob. ctt., t. IV,p. 234-237 sg. 

31  R. c.

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 — 482 — 

the distinction between actions arising out of contracto, as dis-tinguisbed from those founded on torts, which is inberent in theessential nature of judicial remedi es under ali systems, andspecially under the system of the common law. The reason of this restriction is very obvious on a momenfs reflection. WhileCongress might be willing to subject the Government to the ju-dicial enforcement of valid contracts, which could only be va-lidas against the United States when made by some officer of theGovernment acting under lawful authority, with power ves-tedin him to mate such contracts, or to do acts which impliedthem,—the very essence of a tort is that it is an unlawful act,done in violation of the legal rights of some one. For such acts,however high the position of the officer or agent of the Go-vernment who did or command them, Congress did not intend tosubject the Government to the results of a suit in that court. Thispolicy is founded in wisdom, and is clearly expressed in the Actdefining the jurisdiction of the court; and it would í 11 becomeus to fritter away the distinction between actions ex delido andactions ex contracta, as well understood in our system of  jurisprudence, and thereby subject the Government to paymentof damages for ali the wrongs committed by its offi-cers oragents, under a mistaken zeal, or actuated by less wor-thymotives» (Langford v. U. S., 101 U. S. 341). 

— Quando a Corte de reclamações acha procedentes asallegações dos indivíduos, profere verdadeiras sentenças contraa Fazenda Federal. Ella não dispõe, é certo, de meios coerci-tivos para obrigar o Governo á cumprir as suas decisões; mas,

em regra, o Congresso não deixa de consignar nos orçamentosas verbas de credito para a satisfação do alheio direito, uma vezreconhecido este pela Corte.94  a Trata-se, como se vê, de umverdadeiro tribunal de caracter administrativo, muito emboralhe faltem alguns requisitos próprios destas orgauisacões. 

84 c.—Com relação aos Estados, a mór parte delles já temtambém juntas administrativas (board of auditors), ou mesmotribunaes semelhantes á Corte federal de reclamações, para 

ojd H. C. Black, Comt. Late, p. 129 sg. 

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liquidar os direitos ou questões levantadas pelos indivíduosparticulares contra o Estado. 

Mas, por outro lado, quanto ao chamamento deste & juizo,

se tem, como pontos assentados na matéria: 1) Si a acção forproposta contra o respectivo funccionario, na qualidade de re-presentante do Estado ou para compellil-o ao cumprimento deuma obrigação do Estado, se entende que este, embora não fi-gure no feito, ê realmente parte, e, conseguin temente, a acçãonão pode ser mantida em juizo, por ir de encontro & 11a emenda[da Constituição (In re Ayers, 123 TL S. 443; Louisiana v. Ju~mel, 107 U. S. 711;  Antoni v. Qreenhow, 107 U. S. 769; Cun-ninghan v.  Macon & Brunswick Bailroad, 109 U. S. 446;  Ha-goodv. Southern, 117 TL 8. 52);—2) Si, porém, a acção forproposta contra indivíduos que, embora invocando a qualidadede funccionarios do Estado, commetteram, com a applicação deleis inconstitucionaes, culpa e damno contra a propriedade e osdireitos do lesado, fundados em contracto com o Estado (acts of wrong and injury to the rights and property of the plaintiff),semelhante acção, seja para o fim de rehaver dinheiro ou bens•em poder do réo, illegalmente arrecadados por este em beneficiodo Estado, seja para obter a satisfação de damnos, ou, em casosnos quaes o remédio na lei é inadequado, para obter uma in-

 juncção ou um mandamus para coagir o réo à execução do seudever official (legal duty, purely ministerial), não se consideradentro da 11.* emenda citada, que veda acção contra o Estado{Osborn v.Barik of the XJ. States, 9 Wheat, 738; Davis v. Oray,16 Wall, 203; Tomlinson v. Branch, 15 "Wall. 460; Litehfield v.Webster County, 101 TL S. 773;  AUen v.   Baltimore & Ohio Railroàd, 114 U. S. 311;  B o ar cl of liquidation v. Mc-Gomb,92 TL 8. 531.; Poindexterv. Qeenhow, 114 TL S. 270).94e

 

»le

Foster'8Federal Practice, t. tt, p. 896. — Cf. Miller, On tht Const.of the United States, p. 864 sg;—H. C. Black, loo. oit. 

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Entretanto, é de saber, que, proclamado muito embora o»principio da irresponsabilidade do Estado pelos actos illicitos dosseus representantes, veriíica-se, não obstante, que na pratica!

a jurisprudência não tem podido deixar de admittir varias ex-cepções ao alludido principio... 

84d.— Fallando, porém, da doutrina predominante, emgeral esta se poderá resumir no seguinte: 

9 1) Nos contractos, feitos pelo funccionario, devidamenteautorisado e nos limites de sua autorisação,—a, responsabilidadedos actos cabe toda ao Governo ou Estado, excluída a obri-gação pessoal do funccionario ; 

2) Nos demais casos, ou se trate de um vinculo contra-ctual, ou de outros actos culposos no exercício das funcções doseu emprego, é o funccionario, quem responde pelo damno cau-sado, com exempção completa do Estado.94f  Esta regra é deapplicação geral na jurisprudência, quer se trate de funccio-narios federaes, quer de funccionarios estadoaes.94* 

 mesma doutrina prevalece, ao menos em principio, acercada responsabilidade civil dos municípios; mas em dados casos,principalmente, si estão previstos em disposições especiaes, as 

84' Mechem, On Public Officers, §§ 803 seg; §§ 848-49, e decisões,ahi citadas. Tratando-se de fornecimentos, feitos por particulares para mis-teres do serviço publico, se tem decidido muitas vezes, que um agente do-governo, agindo neste caracter, nao eontrahe a obrigação pessoal de res-ponder pelos artigos fornecidos por sua ordem; o vendedor deve dirigir-seao próprio governo (Macheath v. Haldimand, 1 T. R. 172; Jonnes v. LeTombe, 3, Dali. 384; Gill v. Brown, Johns. 385; Randall, v. Van Vechten,|19 Johns. 63; Brown v. Austin, 1 Mass. 208; Adams v. Whittlesey, 3 Conn.560; Ghent v. Adams, 2 Kelly, 214; Parks v. Ross, 11 How, 362; —apuà

Blaokstone, 1.1, § 243, nota 2). 94 * Mechem, loc. cit. 

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■cortes judiciarias tem declarado a responsabilidade dos municí-pios pelos actos lesivos dos seus representantes. 94 h 

84 e. — A irresponsabilidade dos juizes e cortes judiciaesé considerada, por assim dizer, inteira e completa, quanto à le-sões, porventura feitas aos direitos das partes, que lhes reque-rem despacho ou sentença. Diz Cooley: «  His ãoing justice ashetween particular individuais, tohen they have a controversyhefore him (the judge) is not the end and object ivhich were inview when his court was created, and he was selected to preside•over or sit in it. Courts are created on public grounds; they areto do justice as hetween suitors, to the end that peace and order 

may prevail in the 'politicai society, and that rights may be pro-tected and preserved. The duty is public, and the end to be accom- plished is public; the individual advantage or loss results fromthe proper and thorough or improper anã imperfect performance<of a duty, for which his controversy is only the occasion. The judge performs his duty to the public by doing justice between in-dividuais, or, if he fails to do justice as between individuais, hemay be called to account by the State in such forni and hefore■csuh tribunal as the law may have provideã. But as the duty ne*glected is not a duty to the individual, civil redress, as for an \ 

individual injury, is not aãmissible »fl41 

Continuando, accentuâra ainda o citado constitucionalista: 

Wlienever the State confers judicial powers upon an individual, it confers them with full immunity from private suits. In effect, the State says to the officer, that these duties are confided to his 

94h E' de ver, a respeito, as decisões mencionadas por Mechem (ob. cit.§§ 852-58). 

94 Cooley, On Torta, p. 320.— Cf. Mechem, loc. cit., § 619 sg. O segundo destes autores cita varias decisões, segundo as quaes, o

 juiz não deve jamais ficar sujeito a responder pessoalmente pelos actos dasua jurisdicçao aos indivíduos, que se julgam prejudicados por taes aotos. 

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 juãgment: that he is to exerdse his juãgment fulhj, freely anãwithout favor, and he may exerdse it without fear; that the ãu-\ ties concern individuais, hut they eoncern more especiálly the

welfare of the State, anã the peace and happiness of society ;that, if he shall fail in a faithful ãischarge of them, he shall becalled to account as a criminal; but that in order that he may not be annoyeã, ãisturbeã and impeded in the performance of thesehigh fonctions, a dissatisfied inãiviãual shall not be suf-fereã tocall in question his offícial action in a suit for ãa-\mages. This iswhat the State, spealcing by the mouth of the '' Common Law",says to the juãicial ofjicer.» Mj

 

84 f. — Quanto á responsabilidade do funccionario admi-nistrativo, a regra da matéria é: só lia direito de acção contraelle por parte do individuo que se diz lesado, quando concorremno acto os dous elementos do ãamno e da culpa■  juntamente; odamno, por si só, não autorisa a exigir a reparação: «The mere fact that the individual has sustained injury byreason of the a et of the public ofjicer is not enough to create a right of action. Inorder to create the right of action, two things must concur, —DAMAGE to himself anã WRONG committeã by the other party. MlL

 

Além disto importa não omittir que, não obstante o prin-cipio firmado, de que o Judiciário tem toda competência paraconhecer e julgar dos actos dos dous outros poderes, quandoelles interessam aos direitos privados; todavia, os tribunaes seabstém de fazei o, desde que se tratar de actos  políticos ou so-beranos, ou de outros, nos quaes caiba ao funccionario agir dis-cricionariamente; respeitando desta sorte a independência, quea Constituição reconhece igualmente a todos os poderes. Emconsequência, não só os órgãos do poder legislativo (CongressoNacional, e Legislatura dos Estados) e do executivo (Presi-  

94 ■) Apud Mechem, loe. cit., § 620 eg. M k Mechem, loe. cit., § 599 sg. e decisões ibi citadas. 

I . V

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dente da Republica, e Governador de Estado), mas também osfunccionarios, investidos de funcções governamentaes ou dis-cricionárias (ministros e secretários de Estado), não respondem

civilmente por actos daquella natureza, muito embora sejamestes lesivos dos direitos privados.941 

§ 3.° OBSERVAÇÃO COMPLEMENTAR 

85.—Conforme a norma seguida neste titulo, o nosso tra-balho é de simples informação, e não <Le polemica; porque desta já nos occupámos em outra parte, quanto nos pareceu bastante(hic, p. 211-331). Comtudo, antes de encerrar o presente capi-tulo, será conveniente additar algumas palavras acerca da dou-trina da irresponsabilidade do Estado, adoptada, como regra,pela jurisprudência ingleza e norte-americana. 

Mesmo pondo de parte os argumentos theoricos, que emcontrario jâ foram adduzidos (p. 313 seg.), semelhante doutrina se mostra menos juridica, e menos garantidora dos direitos individuaes, do que a preferida pela jurisprudência dos outros povos, reconhecendo a responsabilidade civil do Estadopelos damnos dos seus representantes ou funccionarios, exceptuados embora numerosos actos, em vista da sua natureza

especifica e dos altos fins, que taes actos se propõem.  I Menos jurídica; porque, partindo do falso principio, de que

o Estado é incapaz de Jazer o mal, distingue arbitrariamente 

941 Loc. cit., § 601 sg. e decisões ibi citadas. — Cumpre advertir, no entanto, que nenhuma lei geral, nem acto algum

administrativo definiram jamais o que se deve entender por acto discricioná-rio ou governamental, para o fim de subtrahil-o ao conhecimento da auto-ridade judiciaria, como succede em França por meio do seu Conselho deEstado. Pelo contrario, são os próprios tribunaes superiores, notadamentea Corte Suprema, que, no uso da própria competência, tem declarado, si

no caso sujeito se trata, ou não, de actos que tenham aquelle caracter ex-cepcional, ao terem de prestar a devida protecção aos direitos individuaes. 

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entre os actos do fanccionario, todos, aliás, praticados em seunome e por sua autoridade,—para declarar, que acceita a auto-ria ou responsabilidade de uns (actos legaes, ou mesmo illegaes,

provenientes de vínculos contractua.es), e rejeita a de outros,que   ferem igualmente o alheio direito; quando, logicamente,sobre estes a responsabilidade se devia impor com a mesmaforça, visto incumbir ao Estado o dever de assegurar a invio-labilidade de todos os direitos sem distincção. 

Menos garantidora; porque, supposto seja reconhecido aolesado o direito de pedir a indemnisaçao do damno soffrido aofunccionario pessoalmente, ninguém ignora, que a capacidadede reparação deste, nem sempre, será bastante para satisfazer

o damno causado, e, em todo caso, se ha de mostrar de solvabi-lidade incomparavelmente inferior á do Estado. °5

 

95 Só, como razão de força tradicional, se explica essa theoria per-sistente da irresponsabilidade do Estado; quando, aliás, não se desconhecenos dons paizes em qnestão a boa doutrina da responsabilidade das pessoas

 jurídicas em geral, pelos actos dos seus representantes. Eis o que a esse res-peito ensina Cooley:—« Corporations are responsible for the wrongs com-mittecl or autkorised by them, unãer substantially the same rules, which governthe responsability of natural persons. It was forraerly supposed tbat thosetorts, which involved the element of evil intent such as batteries, libeis and

the like, could not be conimitted by corporations, inasmuch as the State, íngaranting rights for lawful purposes, had conferred no power to commitunlawful acts; and such torts, committed by corporate-agents, mustconsequently bo ultra-vires, and the individual wrongs of the agents-themselves. But this idea no longer obtains. » — On Torts, § 119 sg. Edepois de citar decisões de casos, confirmativas da nova doutrina daresponsabilidade, Cooely ainda accentúa: « To deny redress against thecorporations would, in many cases, be a denial of ali remedy... The rule isnow well settled that, while keoping within the apparent scope of cor-porate powers, corporations have a general capacity to render themselvesliable for torts,—except for those, where tbe tort consists in the breachofsome individual duty; which frora its nature could not be imposed upon

or diseharged by a Corporation. » — Ibidem. Que resta, pois ? Que, considerado o Estado uma associação ou pessoa

 jurídica, como realmente é, lhe sejam applicados os mesmos princípios da 

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85 a. — Como explicação particular ou razão histórica, justificativa do systema da irresponsabilidade existente na In-|glaterra, e, embora modificado, igualmente na Republica Norte-

Àmericana, se tem commummente observado: que, predomi-nando nesses dous Estados o Sélfgovernment, carecem elles, poristo mesmo, de uma organisação administrativa, ramificada portodo o paiz, mas constituindo uma sà unidade pelos vineulos dedependência hierarchica, que ligue e subordine todos os func-cionarios e repartições publicas a um Centro Superior, o Go-verno geral, de maneira que se possa dizer, que o acto de umfunccionario qualquer é um acto do referido Governo ou Estado.Ao contrario, o Governo Nacional, ou a Administração Publicaé distribuída, senão, parcellada por numerosos governos ou ad-ministrações locaes (local government, municipal corporations,local boards), revestidas, cada uma delias, de autonomia e res-ponsabilidade própria, e cujos funccionarios são, em regra, ouda sua livre nomeação, ou de eleição popular, e portanto, os actosde taes funccionarios se distinguem dos actos do Estado, pro-priamente assim considerados, isto é, dos actos daquelles func-cionarios, por meio dos quaes o Estado delibera, ordena e age,immediata ou mediatamente, nos misteres do publico serviço. 

Depois, a circumstancia sabida de não haver um Conten-

cioso Administrativo Nacional, chamando ao seu conhecimentoos actos dos funccionarios em geral, como succede em outrosEstados, e, ao envez disto, serem ditos actos sujeitos á autori-dade judiciaria commum, nos casos de illegalidade ou lesão dedireitos individuaes, do mesmo modo, que se pratica entre osindivíduos nas relações do direito privado, — faz com que so- 

doutrina que acaba de ser exposta. Infelizmente na Inglaterra, como nosEstados-Unidos, o que ainda predomina, é a concepção do Estado, como

 poder on autoridade soberana somente; e, justamente dahi, é, que vem ooorollario da sua supposta irresponsabilidade.., 

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mente se torne visível aos olhos do interessado a responsabilidade pessoal ou directa do índividuo-funccionario; desappare-cendo dasua cogitação ess'outra responsabilidade, occulta ou mais remota, do

Estado ou da Administração, pelos abusos do seu representante.90* Por ultimo, é também de saber que, na pratica, não se dá jamais

a irresponsabilidade completa da Administração, embora affirmadaem principio. As administrações ou corporações locaes tem sido emdiversos casos obrigadas a reparar os dani-nos causados por actos dopublico serviço95b ; e o próprio Estado, por sua vez, não se temrecusado a prestar a devida inde-mnisação por damnos causados emvarias circumstancias.95 e 

85 b. — Fallando dos Estados Unidos em particular, temos nofacto, que se segue, um exemplo indiscutível de que, não 

95a Pelo que respeita á Inglaterra, a sua situação jurídica na matéria seresume nestas poucas palavras segundo o juízo de um autor moderno: 

— Com o apagamento (avec Veffacement) quasi completo do poder cen-tral nas questões de administração; e com o direito que pertence ao juiz deexpedir prohibições e interdictos aos agentes da administração, raramentese verá uma autoridade administrativa commetter impunemente ille-galidades.

— Para toda lesão (a tout tort) ha um remédio em direito, diz a dou-trina ingleza. Com effeito o   Banco da Rainha e o   juiz de paz, dada areclamação de um cidadão lesado, dirigirão á autoridade administrativa —" une defense, une mise en demeure, mente un ordre d'agir. Mieux qui cela :sil y a illegalité, le Bane de la Reine, par un writ of certiorari, réformerala decision prise par Vadministration" .. A Inglaterra é o paiz, onde aresponsabilidade pessoal do funecionario, paia com os indivíduos lesados,é mais largamente praticada,— e tornada efectiva, ajuntaremos de nossaparte. — Lonné, Les Actes de Gouvernement, p. 144-145; — J. L. Delolme,The Const. of England, p. 374. —London, 1816.

95 b vide: Laferriére, loc. citado. 950 W de vêr decisões numerosas neste senitdo em Blackstone (1. I,

p. 475, nota 7, eãiç. de Th. Cooley.—Chicago, 1879).—Cf. Cooley, Principiesof Constit. Law, p. 311 sg. e decisões ibi citadas. 

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obstante o principio, "o Estado não responde pelos actos illi-ctos (for torts) de seus funccionarios", — na pratica, o mesmoEstado tem, todavia, admittido o contrario. 

Tendo uma commissão da Camará dos Representantes(the House of Representatives) mandado chamar à sua presençaMr. Kilbourn, vendedor de bens immoveis em Washington,para o fim de exnibir os seus livros e depor acerca de dadatransacção, e elle se tendo recusado a fazel-o, a Camará orde-nou que Kilbourn fosse preso por desobediente, sendo para istoexpedida a competente ordem pelo « Speaker » ao commandanteda força (Sergeant-at-arms). Kilbourn foi conservado em prisãodurante algum tempo, e depois, solto por habeas-eorpus concedidopela Corte Suprema do Districto de Colômbia. Uma vez solto,propoz a sua acção de damnos contra o Sergeant-at-arms, que oprendera, e os membros da commissão, que haviam solicitadosua prisão â Camará. Os rêos defenderam-se, allegando que setratava de uma ordem da Camará dos Representantes, e a CorteSuprema do Districto de Colômbia julgou procedente a defeza;mas, interposto o recurso para a Corte Suprema dos Estados Uni-dos (on a writ of error), esta, em uma decisão precedida de va-liosas considerações, feitas no intuito de demonstrar a illegali-dade da prisão ou a não-competência da Camará para ordenal-a,

—concluirá annullando o julgamento da Corte inferior, e condem-nando o «Sergeant-at-arms» áindemnisação pedida (Kilbourn,v. Thompson, 103 U.S.n. 168). A importância desta indemnisa-ção não foi,porém, paga pessoalmente pelo «Sergeant-at-arms»,e sim, pelo Thesouro Federal, conforme a verba de credito, ex-pressamente votada pelo Congresso Nacional para esse fim. 

85 c. — Eis ahi pois reconhecido, um caso de responsabi-lidade civil do Estado, resultante de acto illegal dos seus repre-

sentantes, e a cuja condemnação o mesmo se submettêra, comouma obrigação de justiça. 

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A. propósito do mesmo o juiz Miller96 d escrevera: «A de-cisão da Corte Suprema é notável, por estabelecer o direito deuma parte poder reclamar damnos por uma prisão illegal...

Ella foi recebida com satisfação geral, e seguida nos Estadosda União em casos análogos. E ainda não menos importante,—por conter, de certo modo, uma fiscalisação directa da CorteSuprema dos Estados Unidos (a direct control) sobre as decisõese actos de um dos ramos do poder legislativo, feitos sem auto-ridade da lei (maãe tvithout the authority ofthe la/w)-». 

Que importa, que o condemnado fosse o funccionario,quando o thesouro do Estado é, que teve de carregar com aimportância da indemnisação ?... 

— Concluindo finalmente, ainda se podia relembrar, quenos casos de desapropriação, própria ou imprópria, nos de vio-lação de contractos, e bem assim na lesão formal de direitos,mesmo adquiridos em virtude de concessões obtidas do próprioEstado, a administração publica, sempre nos dous primeiroscasos, e muitas vezes no ultimo, tem sido obrigada a prestarindemnisação dos damnos, causados pelos seus funccionariosou por outros agentes legaes ao seu serviço.95e

 

03d Miller, ob. cit.,p. 412-415.—Poster (ob. cit.,t. I, p. 95) cita tambémdiversos outros casos, nos quaes a responsabilidade do Governo da Uniãofora admittida pelas cortes judiciarias. No tocante á lesão de direitosíndividuaes dos estrangeiros, a União tem, ella própria, reconhecido a obri-gação de prestar a devida indemnisação, quando a lesão resulta de actos deculpa das autoridades do paiz. Assim o fez, entre outros, no cato itah-americano da Nova Orleans, em que se tratava do li/nchamento de algunsitalianos que se achavam na prisão, tendo sido o crime perpetrado por umgrupo de indivíduos, sem que as autoridades locaes tivessem tomado as me-didas precisas para evital-o. Vide: L, Le Par, Etat Federal et Confeáerationd'Etats, p. 810 seg. — Paris, 1806. 

»• Vide: Cooley, loc. cit;—C.Black, ob! cit.,p. 366 sg. e522 sg.:-Tiederaan,   Limitatiom of Police Potier, p. 372 sg. St. Louis 1886. Cf.Poster, ob. cit., t. I, §§ 36 e 37; etc. etc. 

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CAPITULO VI

A Jurisprudência Brazileira  I 

I  § 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES 

86.—No Brazil jamais se pôz em duvida, que as pessoas jurídicas do direito publico, nomeadamente o Estado, sem em-bargo da maior somma de poder e privilégios, que caibam insti-tucionalmente à cada uma delias, se acham sujeitas ás leis civisou ao direito commum quanto aos effeitos das suas relaçõescom as pessoas do direito privado; sendo, ao contrario» doutrina,corrente, que os litígios, em que as mesmas figuram activa oupassivamente, devem ser, em regra, decididos pelos tribunaes judiciários e na íórma dos processos ordinários. 

Os principaes privilégios reconhecidos a pessoa do Estado* pela lei brazileira se podem resumir nos seguintes: 1) Ter juizo privativo para todas as causas, em que for autor ou réo,assistente ou oppoente *, 98' 2) Não serem os seus bens sujeitos à

penhora96b

; 3) Gosar do beneficio de restituição, o qual, aliás, 

06 Nos referimos, de preferencia, ao Estado, já por ser a pessoa dedireito publico, que tem maiores regalias e privilégios, e já por constituirelle o objecto especial do presente trabalho.  I 

00» Lei n. 242 de 29 novembro 1841; Ordem n. 6 e Insfcr. de 12 ja-neiro 1842; Deo. de 14 julho 1846 inserido na Ordem n. 78 de 3 agosto 1846;Deo. n. 3084 de 5 novembro 1808, parte 1», arts. 57, 58 sg.; Lei n. 85de 1892, arts. 32*33, etc. 

06b Const, do Imp. art. 16, § 15 ; Instr. da Dir. Geral do Contenciosode 10 abril 1851, art. 14, etc. ; Consol. das leis civis, art. 586, §§ Io e 2° enotas lbi; Lei n. 85 de 1892, art. 41. 

■ 

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é commum aos menores e á outras pessoas incapazes |||; 4)Usar do processo executivo para a cobrança de suas dividasactivas96d; 5) Gosar da prescripção das suas dividas passivas

em prazo relativamente curto (cinco annos), e, ao contrario,do alongamento do referido prazo contra os seus devedores(quarenta annos)96e; 6) Serem processados e julgados adminis-trativamente : a) os casos de prescripção das suas dividas; b)os litígios concernentes ao cumprimento, interpretação, vali-dade, rescisão, e effeito das fianças, e bem assim os contractoscelebrados com a administração publica tendo, por objecto,rendas, obras ou serviços públicos á cargo da mesma adminis-tração. 96f 

 

86 a.— O primeiro dos privilégios enumerados não signi-fica, que a Fazenda Nacional ou o Estado esteja fora da sanc-ção do direito commum. Além de haver outras pessoas, quetem igualmente juízo privativo para as suas causas, taes porexemplo, os militares em matéria criminal (Reg. de Io junho1678, § 49; Cod. Proc. Crim., art. 171, § Io; lei de3 dezembro1841, art. 109; Reg. n. 120 de 1842, art. 245; Const. Fed., art.77), accresce que ao juizo privativo dos Feitos da Fazendaincumbe decidir os pleitos, de conformidade com os preceitos doreferido direito ou certas disposições especiaes; guardadas,porém, em todo o caso as mesmas formas das acções 

96c Ord. liv. 3°, tit. 41, § 4.° Cf. Souza Bandeira,   Novo Manual doProcurador dos Feitos, § 77, etc. 

06d Dee. n. 736 de 20 novembro 1850, art.79; Deo. n.9885 de 29 feve-reiro 1888; Dee. do Gov. Provisório, n. 360 de 26 abril 1890. Cf. SouzaBandeira, loo. cit., § 85, etc. 

8«° Deo. cit. n. 736 de 1850, art. 80; Deo. n. 857 de 12 dezembro1851. 

88' Dee. n. 2343 de 29 janeiro 1859, art. 1°, §§ 1°, 2° e 3o, etc. 

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L- 495 —  ■ 

 Ijudiciaes, que são admittidas entre os próprios indivíduos particulares. 96g  " 

Do mesmo modo, o privilegio de  processo executivo para a

cobrança das suas dividas é somente quanto & forma processual, mas não, quanto ao fundo da questão (decisorium litis).)E não é preciso ajuntar, que, de privilegio análogo tambémgosam outros títulos de credito, que não os do Estado, taes porexemplo, as dividas de alugueis de casas, as hypothecarias, oshonorários de advogados, as custas judiciaes, etc.96h  | 

— Dentre as regalias ou privilégios mencionados, só umdeli es seria, em verdade, capaz de subtrahir a pessoa-Estado asancção do direito civil ou commum: é o que se refere ao pro-cesso e julgamento de certos litígios, exclusivamente, por auto-ridades administrativas. E como existe justamente uma relaçãodirecta deste privilegio com o assumpto, de que ora nosoccupamos, será talvez conveniente examinar, ao menos por umrápido olhar, como as cousas se passavam, ou ainda se passam,a semelhante respeito. 

86b.— O Governo do Império, convencido da necessidadede subtrahir diversas questões, oriundas da administração pu-blica, ao conhecimento do poder judiciário, " pela inconveniên-

cia, segundo se dizia, que dahi podia resultar aos interesses de 

110« Lei oit. n. 242 de 29 novembro 1841, arts. 8« e 14; Ordem e Instr.de 12 janeiro 1842, art. 4o; Instr. oit. da Dir. Qer. do Contencioso de 10abril 1851, art. 9.» 

« Considerado como pessoa jurídica, ensina a escola, o Estado tambémesta sujeito às leis civis oommuns e os seus litígios à alçada do poder ju-diciário e as formulas communs». —Ribas, Dir. Civ. Brazileiro, t. II, p. 119.■ «eh Qrd. llv. 4°, tit. 23 § 3o, tit. 57 § 1°; Consol. art. 673; Deo. n. 169 Ado 19 janeiro 1890; Deo. n. 870 de 2 maio 1890; Deo. n. 5737 de 2 setem-

bro 1874, arts. 202 e 205; Dec. n. 3363 de 5 agosto 1899 ; Deo. n. 3422 de30 setembro 1899, etc. 

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ordem publica e particular",97 pretendeu crear e organisar umContencioso Administrativo, ao qual competisse processar e jul-gar as questões alludidas. Não chegou, porém, jamais a realisa-

ção desse desideratwn: o que tivemos no Império (e em parte,!embora mínima, ainda subsiste na Republica) com o título de"Contencioso Administrativo" nunca passou de simples ensaio...Nem mesmo, pelo que diz respeito aos serviços peculiares daFazenda Publica Nacional, sobre a qual foram adoptadasdisposições especiaes, mais ou menos detalhadas, acerca dasreclamações contenciosas, não se conseguira estabelecer umaorganisaçâo, digna do seu objecto e fins. 

— O nosso Contencioso Administrativo em geral, confes-

saram os mais competentes no assumpto, não ofíerecia garan-tias; o seu processo era por demais deficiente e perfunctorio;tendo, apenas, alguns vislumbres de desenvolvimento e de regu-laridade no tocante aos negócios da Fazenda.07* Basta dizer, quea sua instituição não foi resultante de nenhuma lei orgânica, quelhe houvesse lançado as bases convenientes; fora formado, porassim dizer, aos pedaços, pelos regulamentos e instrucções que oPoder Executivo ia expedindo para a execução de certas leis,valendo-se das autorisações implícitas que nas mesmas se

continham.

97

 

b

Dahi as arguições constantes que se faziam contrao Contencioso Administrativo: falta de princípios assentados nosseus arestos; incerteza das matérias, 

97 Visconde do Uruguay, Ensaio sobre o direito administrativo, t . I,p. 125 e 137 sg. 

'•''•a Ibidem, p. 135 sg. n b São de citar, como prineipaes, a esse respeito: Reg. n. 124 de 5

fevereiro 1842, expedido para a execução da lei n. 234 de 23 novembro1841, que creou o Conselho de Estado; Decs. n. 730 do20 novembro 1850 ,| qnereorganizou o Thesouro Nacional; n. 870 de 22 novembro 1851, queregulou as Thesourarias de Fazenda nas Províncias; n. 2343 de 29 Ja-neiro 1859, que fez diversas alterações nos doas anteriores; e n. 2548 de 

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que deviam legitimamente caber á sua jurisdicçâo; e outrosgraves defeitos que ninguém ignorava... 

A este propósito lê-se na obra do Visconde de TJruguay,

a que jà nos temos referido: «Excluido o que é exclusivo, emuito exclusivo, do Ministro da Fazenda, do Thesouro e repar-tições que lhe estão sujeitas (onde, já se disse, havia vislum-bres de regularidade), é*o Contencioso Administrativo, pelo querespeita aos outros Ministérios e às Presidências de província,um verdadeiro câhos, no qual ainda não penetrou um só raiode luz.» 07c

 

86 c—Fosse, porém, como fosse, o Contencioso Adminis-trativo existira durante todo tempo do Império, sendo exercidopelos ministros de Estado, pelos presidentes de província, epelos outros chefes dos vários serviços da administração, —guardadas as hierarchias ou instancias estabelecidas nos regu-lamentos com recurso final para o Conselho de Estado.97 d 

Pelo que interessava peculiarmente à Fazenda Publica Na-cional, fora estabelecido, como doutrina certa e indiscutível,que ás autoridades administrativas da mesma competia pro-cessar e decidir as questões contenciosas que versassem:  

a) sobre lançamento, applicação, isenção, arrecadação e

restituição de impostos, e quaesquer outras questões entre oscontribuintes e a Administração, relativamente ã matéria dasrendas publicas-, 

10 março 1860, que regulou a tomada de contas; — todos elles expedidosem virtude da lei n. 563 de 4 julho 1850. Seriam também de citar igual-mente : as Ordens n. 160 de 5 julho, e 268 de 8 outubro, ambas de 1859,assim como numerosos outros actos, que deixamos de indicar por nãoserem de importância capital na matéria. 

«c Ob. cit.,p. 157. 97

 

d

Qual tenha sido a marcha do Contencioso Administrativo, a datarde 1808, é de vôr: —Visconde do Uruguay, Ob. cit., p. 137-153. 3-2  R. c.

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6) sobre apprehensões, multas e outras penas, nos casos defraude, descaminho, e contrabando, ou outras infracções das leisfiscaes; 

c)  sobre as fianças e contas dos responsáveis; d)  sobre o cumprimento, interpretação, validade, rescisão,

e effeitos das fianças dos mesmos, e dos contractos que tivessempor objecto quaesquer rendas, obras ou serviços públicos a cargoda Administração da Fazenda ; 

e)  sobre os casos de prescripção, quer das dividas activas,quer das dividas passivas da Fazenda.97e 

— As decisões dos chefes das Repartições de Fazenda, doTribunal do Thesouro, e do Ministro da Fazenda, nas matérias

de natureza contenciosa, proferidas dentro da sua competência,tinham a autoridade e força de sentença dos tribunaes de justiça.97f 

 

Alem disto, também se achava expressamente declaradoem lei, que a autoridade judiciaria não devia interferir em obje-cto administrativo, e si o fizesse, cumpria ao funccionario com-petente levantar o conflicto de jurisdicção.97e

 

—Ora, em vista das disposições que foram citadas, é inne-gavel que, pelo menos com relação aos negócios da Fazenda Na-

cional, se havia chegado a formar uma jurisdicção contenciosaadministrativa; a qual existiu effectivãmente, funccionandosegundo normas certas, conhecidas, e firmando verdadeiros ares-tos com força obrigatória sobre os casos occorrentes.97 h 

«• Dec. cit., n. 2343 de 1859, arts. 1°, 3«, 4°, eto. 97 f Dec. cit., n. 2343, art. 25. 97e Dee. n. 124 de 5 fevereiro 1842, art. 24; Av n. 268 de 3 outu-

bro 1859; Dec. n. 2548 de 10 março 1860, art. 38 ; Av. n. 348 de 80 ju-lho 1862.—Diversas Consultas e Resoluções do Cons. de Estado declara-ram igualmente ser inadmissível a intervenção judiciaria nos negócios da

Fazenda Publica, que acima foram indicados. 07 b Quanto aos negócios contenciosos, que corriam pelos outros mi-nistérios, que não o da Fazenda, nunca houve nada de regalar e definido 

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Actualmente, isto é, na Republica não ha mais nenhumContencioso Administrativo organisado, com jurisdicçào própria,capaz de subtrahir o conhecimento de dados feitos aos juízos

ou tribunaes da justiça commum. O qne subsiste e nem podiadeixar de subsistir, é o processo e despacho ordinário dos actosadministrativos pelos respectivos fnnccionarios ou autoridades,admittindo-se recurso das suas decisões, de umas para outras,segundo a hierarchia delias, estabelecida nas leis. Quanto aos-actos fà fianças, tomadas de contas, ou de responsabilidade pelosdinheiros públicos, etc, o seu conhecimento pertence agora aoTribunal de Contas, creado pela lei n. 392 de 8 de outubrode 1896, o qual resolve e decide a respeito, como verdadeiroTribunal de justiça, e não como simples repartição de caracteradministrativo (Dec. n. 2409 de 28 dezembro 1898). 

 M  

86 d.—Mas, muito embora sujeitas ao conhecimento do■Contencioso Administrativo as questões diversas, de que acimase fêz menção, uma cousa se pôde, todavia, assegurar com inteiraverdade: é, que no Brazil nunca se ensinou ou prevaleceu airresponsabilidade do Estado pelos actos lesivos dos seus repre*

sentantes.—Si não havia, nem ha uma disposição de lei geral,reconhecendo e firmando a doutrina da responsabilidade civil doEstado; nem por isso é menos certo, que essa responsabilidadese acha prevista e consignada em diversos artigos de leis e de-cretos particulares; e a julgar do teor das suas disposições con-sagradas, e dos numerosos julgados dos tribunaes de justiça, e•das decisões do próprio Contencioso Administrativo, emquanto•existiu, é de razão concluir,—que a theoria, acceita no paiz, 

nas leis e na pratica; a matéria dos diversos contractos, celebrados com•esses ministérios, continuara a ser regulada pelas prescripçOes do direitocommum. — Ribas, Dir. Civil Brás., t. II, p. 167, o nota. 

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tem sido SEMPRE a do reconhecimento da alludida responsabili-dade, ao menos em principio; ainda que deixando juntamentelargo espaço para frequentes excepções, em vista dos fins e in-

teresses superiores, que o Estado representa e tem por missãorealisar em nome do bem commum. 

Tal é, com efeito, a verdade de facto, sabida de todos, ôsobre a qual não haveria mister de insistir. 

—Ruy Barbosa, tendo de referir-se â presente questão em 

um dos seus trabalhos mais recentes, se exprimira desta sorte:  

Na jurisprudência brazileira nunca logrou entrada a theoria dairresponsabilidade da Administração pelos actos dos seusempregados. Apesar de profundamente repassada na influenciado direito romano, a nossa evolução jurídica, modificada pelo

concurso dos elementos liberaes que intervieram sempre naeducação do pensamento nacional, não deixou penetrar no es-pirito dos nossos tribnnaes essa revivescência democrática dosprivilégios regalistas. Sempre se professou nos nossos cursos, enos nossos auditórios se proclamou sempre a noção da imputabi-lidade das pessoas moraes pela culpa contractual ou aquilianados seus representantes... Pelo damno causado ao direito departiculares não hesitaram jamais as justiças brazileiras emresponsabilisar municipalidades, províncias, estados, o governodo império, o da republica, tendo por idéa inconcussa a de que,no ministro, no presidente, no governador, no prefeito, em todosos que administram, ou servem á uma funcção administrativa,

conta a administração publica verdadeiros prepostos, cujaentidade, pelo principio da representação, desapparece na doproponente. Não desanimam, é certo, os procuradores do erário.Mas, não obstante o brilho superficial que ás velleidadesregalistas vae emprestando hoje, entre nós, o reflexo dos Man-tellinis, a linha da tradição antiga se não quebrou; os julgados,na magistratura municipal, na estadoal, na federal, repetidos euniformes, em acções de perdas e damnos, vão dia a dia au-gmentando o thesouro opulento dos arestos, que fazem talvez danossa jurisprudência, a esse respeito, a mais persistente ecopiosa de todas».971

 

071 "A Culpa Civil das Administrações Publica»".— Rio, 1898. 

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87.— No tocante aos funccionarios ou empregados públi-cos, incluindo entre esses os magistrados, quer durante o regi-men monarchico, quer no regimen republicano actual, a lei tem

sido sempre expressa em declarar a-responsabilidade penal dosmesmos (Const. Imp., art. 156 e 179, § 29 • Cod. Crim. de 1830,arts. 137-166; Cod. Proc. Crim., arts. 150 sg.; Const. Fed., arts.82 e 83; Cod. Penal de 1890, arts. 207 sg.); podendo o processocontra taes funccionarios ser promovido, tanto por queixa daparte offendida, como por denuncia do Ministério Publico(Cod. Penal cit., art. 407).M E não se ignora,que alei brasileiracolloca, immediatamente ao lado da responsabilidade penal, aresponsabilidade civil, isto é, a obrigação de satisfazer o damnoresultante do delicto; se achando estabelecidas a esse respeito,além de outras, as seguintes disposições: 

— A satisfação será sempre a mais completa que fôr possí vel, sendo no caso de duvida-á favor do offendido (Cod. Crim.ue 1830, art. 22).  I 

— O perdão ou minoração das penas impostas aos rêos,com que os agraciar o Poder Moderador, não eximira da obrigação de satisfazer o mal causado em toda a sua plenitude (Cod.cit , art. 66). 

— A indemnisação em todos os casos será pedida por acção

civil... (Lei de 3 dezembro 1841, art. 68; Cod. Pen. de 1890,art. 69 6, e art. 70); sendo licito ao offendido pedir a indemnisação do damno independentemente da condemnação criminal<lo delinquente (Cod. Crim. de 1830, art. 31, § 3.°;  Revista"do antigo Sup. Trib. de Justiça" n. 8894 de 16 junho 1876;  

98 O Assento de 28 novembro 1634 declarara, que os desembarga-dores não podiam ser demandados pelas sentenças que dessem, ainda queas partes se considerassem lesadas por ellas. Esta doutrina, porém, tor-uou-se insustentável em vista da generalidade do art. 21 do Cod. Crim.de 1830, que impunha a todos os delinquentes sem excepção a obrigaçãode satisfazer o damno causado com o delicto.  

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Pimenta Bueno, Proc. Crim. n. 383 sg.; Ribas, Dir. Civil Brás.,t. II, p. 162-163). 

— A isenção da responsabilidade criminal não implica a da

responsabilidade civil (Cod. Pen. de 1890, art. 31).  

As disposições, que ficam transcriptas,"sobre a obrigaçãode satisfazer o damno causado pelo delicto, muito embora ca-pituladas em diversos artigos do Cod. Criminal do Império(arts. 21-32), foram igualmente consolidadas, como direito vi-gente, em matéria civil (T. de Freitas, Consol. das leis civis,.!art. 798 sg.). 

— Quando a obrigação, de satisfazer o damno do delicto, etambém do quasi-delicto, recae sobre a Administração Publica,

ou melhor dizendo, sobre o Estado, as referidas disposiçõeslhe são por igual applicaveis; porquanto, já vimos que segundoa lettra expressa do próprio Cod. Penal (art. 31), a isenção daresponsabilidade penal (a qual não pôde ser imposta ao Estado, como pessoa jurídica) não implica a da responsabilidadecivil.98* 

87 a.— Si, como se disse, não ha uma lei geral, firmandoa responsabilidade civil do Estado, não faltam, todavia, dispo-sições especiaes, reguladoras de vários actos ou serviços daAdministração Publica, que reconhecem expressamente ditaresponsabilidade nos casos de lesão dos direitos individuaes,commettida pelos seus representantes. Além de outras, são dolembrar neste sentido as seguintes: 

1) A administração individual ou collectiva de uma es-trada de ferro é civilmente responsável pelos damnos que cau-sarem os seus empregados no exercício de suas funcções (Dec. 

98» Em trabalho forense, que foi publicado no « O Paiz » (Rio Janeiro,2 maio 1901) o dr. Oliveira Santos faz ama resenha olara e precisa das dis-posições da lei sobre este ponto, e das razões jurídicas da sua applicaçfto-aos factos lesivos da autoridade publica. 

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n. 1930 de 26 abril 1857), regra, que prevalece com o mesmovigor e applicação contra o Estado, tratando-se de estradas deferro ao mesmo pertencentes. Com relação â obrigação par-

ticular de responder por perdas e damnos dos objectos ou va-lores confiados a administração da estrada de ferro para o fimde transporte,— nos casos de extravio e avaria, lbe são semreserva applicaveis as próprias disposições do Cod. do Com.(art. 99 sg.), as quaes reconhecem a referida obrigação pelamalversação ou omissão dos respectivos agentes, etc. (Cf. Dec.n. 9417 de 25 abril 1885, art. 121).9Sb

 

2)  A Repartição Geral dos Telegraphos terá especial cui-dado na collocação das linhas, afim de que não prejudiquem á pro-priedade particular, e deverá reparar ou indemnisar os damnoscausados de qualquer natureza que sejam. Aquelle que se julgarprejudicado pelo estabelecimento de qualquer linha cabe recursoimmediato ao Governo (Decr. n. 1663 de 30 janeiro 1894, art.552; Decr. n. 4053 de 24 junho 1901, arts. 538, etc).

3)  Quanto ao serviço especial dos Correios está declarado,que a "União" ê responsável: a) pelos valores declarados emcarta e encommendas registradas; 6) pelas quantias confiadasao Correio para a emissão de vales ou cheques; c) pelas quan-tias cobradas por intermédio do Correio e por conta de tercei-

ros,—de titulos, letras e obrigações pagáveis avista; d) pelaimportâncias recebidas para assignaturas de jornaes e outraspublicações periódicas; e) pelos valores, a que se referem oscasos previstos nos aceordos e convénios internacionaes (Dec.n. 1692 A de 10 abril 1894, art. 8o; Dec. n. 2230 de 10 fevereiro1896, art. 6o).  I

os b Nas « Condições Regulamentares » da Estrada de Ferro Centra)do Brasil, de propriedade do Estado, a responsabilidade da administraçãose acha reconhecida, assim como especificados os casos, em que a mesma

responsabilidade deve cessar. Vide: Condições Regulamentares ditas»arts. 7o, 161 e 232 Bg. 

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— 504 —I 

4) Pelo que respeita ao serviço aduaneiro, se acha disposto:» Reputar-se-ha damno, todo e qualquer estrago, prejuízo ouavaria que soffrerem as mercadorias ou seus envoltórios, desde o

seu desembarque nas pontes ou cães das alfandegas ou mesas derendas, ou de seus entrepostos, armazéns e depósitos, até a suaentrega, ou sahida legal; e extravio, todo e qualquer descaminho,falta ou não-entrega das mercadorias depositadas, ou sob aguarda da Repartição... Os empregados, guardas, operários eserventes da alfandega ou mesa de rendas são responsáveis pelodamno ou extravio reconhecido, em virtude de denuncia ouqueixa, ou qualquer outro motivo, nas mercadorias queestiverem a seu cargo, sob sua guarda, ou sujeitas á seu exame,

desde que se prove que o extravio ou damno foi occa-sionadopor fraude, malversação, omissão, negligencia, culpa ou outraqualquer causa que poderiam ter prevenido ou evitado.Verificado o damno ou extravio, e reconhecido o seu autor oucausador,—si este não puder satisfazer logo a sua importância,será satisfeita á custa do cofre da alfandega ou mesa de rendas,com direito e acção regressiva contra o mesmo.» (Consol. das leisdas alfandegas e mesas de rendas, arts. 246-250). I Segundo sevê, o que a lei admitte no caso, é a responsabilidade subsidiaria

do Estado pelo acto lesivo do seu empregado ou proposto; masella assim o faz de maneira immediata e completa, como resultados próprios termos indicados.98c

 

B 98 c A respeito dos objectos recolhidos ás differentes caixas ou cofres do Deposito Publico, regalado pelos decretos,—de 8 janeiro 1835, do 1.° de-zembro 1845, de 22 janeiro 1847 e 19 março 1898, a responsabilidade doThesouro Publico pela sua entrega não foi jamais objecto de duvida nos

 julgados da nossa jurisprudência, dado, porventura, o seu extravio por ne-gligencia ou fraude do respectivo fnnccionario. — Quanto ás demais caixaspublicas, em que também se recebem depósitos, como sejam, o cofre dos or-

 phãos, dos bens de defuntos e ausentes, a caixa económica, etc. a responsabi-lidade do Estado é perfeita, considerando-se taes depósitos, como dividafluctuante do mesmo. Vide: Amaro Cavalcanti, Elementos de Finanças, 

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— 505 — 

5)  Relativamente â matéria de desapropriação, feita pornecessidade ou utilidade publica, disposições expressas garan-tem a indemnização devida, quaesquer que sejam os casos e

•circumstancias (Oonst. do Imp., art. 179, § 22 ; Const. Fed.,art. 72, § 17; Lei n. 85 de 20 setembro 1892, art. 15, § 9 e art.37; Lei de 9 setembro 1826; Dec. n. 353 de 12 julho 1845; Dec.n. 816 de 10 julho 1855; Dec. n. 1664 de 27 outubro 1855; Lein.221 de 1894,art. 50-,) Lein.3129 de 1882, art. 1" §,4°; Lei n.1021 de 26 agosto 1903; e Dec. n.4956 de 9 setembro 1903).

6)  Tratando-se de decisões judieiaes, a lei determina que,declarado o individuo innocente de uma condemnação criminal,em consequência de revisão feita pelo Supremo Tribunal Fe-deral , — a sentença de rehabilitação consequente reconheceraao rehabilitado o direito ã uma justa indemnisação, que seráliquidada em execução, por todos os prejuízos softridos com acondemnação. A Nação ou o Estado são responsáveis pela inde-mnisação (Cod. Pen. de 1890, art. 86, § 29). Por disposiçãoparticular estão também especificados os casos, em que estaindemnisação deixa de ter logar; e bem assim que, prestada aindemnisação, o Estado terá acção regressiva contra as autori-dades e as partes interessadas na condemnação, que forem con-vencidas de culpa ou dolo (Lei n. 221 de 1894, art. 84).

7)  Em lei ultimamente votada pelo Congresso Federal,relativa á reorganisação do Districto Federal (n. 939 de 29 de-zembro 1902), não obstante se ter vedado a concessão de inter-dictos possessórios pelas autoridades judiciarias contra os actosdo Prefeito Municipal, foi, todavia, reconhecido o direito de pe-dir indemnisação pelos damnos soffridos, nestes termos: Fica

p. 403 sg.—Entendemos, que igual doutrina deve prevalecer com rela-ção ao Deposito Geral, regulado pelo dec. n. 2818 de 23 de fevereiro 1898,sobretudo, em vista das disposições constantes dos seus artigos 19 o 21,

quanto ao producto dos bens abandonados e o saldo dos rendimentos doDeposito Geral. 

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— 506 — 

salvo ao particular lesado o direito de reclamar judicialmente;as perdas e damnos, que lhe couberem, si o acto administrativotiver sido illegal, ou si nelle tiver havido excesso de poderes

(Lei n. 939, art. 17; Dec. n. 5160 de 8 março 1904, art. 45)»8) A respeito das medidas, tomadas ou ordenadas pela autoridade sanitária, prevalece disposição idêntica ã que se refere aos actos do Prefeito Municipal, e da qual vimos de fazera devida menção (Lein. 1551 de 5 de janeiro de 1904, art. I.0,

§ 20; Dec. n. 5156 de 8 março 1904, art. 288).98d  1 

87 b.— Conforme se verifica das ultimas disposições ci-tadas, o principio da responsabilidade civil se acha admittido

contra os actos do poder publico nos termos mais expressos. Sóresta, fazel-o applicar ás espécies análogas. Si o principio éverdadeiro com relação á administração dos serviços munici-paes e da saúde publica, elle deve sel-o igualmente com relaçãoaos demais serviços públicos, em que se dér a lesão dos direitosindividuaes: " Ubi eaãem ratio, ibi idem jus". 

A disposição da lei n. 939, acima mencionada, presuppõe,todavia, a condição da illegal idade do acto ou o excesso depoder por parte do agente, para que se possa dar o direito â in-

demnisação,—o que não nos parece assaz justificado; porquantoé ocioso repetir, que a lesão dos direitos individuaes pode tam-bém ter logar, mesmo procedendo o funccionario dentro damais stricta legalidade. 

08 d Quanto ao Proj. do Cod. Civ. Brazileiro,  já approvado pela Ca-mará dos Deputados na Sessão Legislativa de 1902 e pendente da delibe-ração do Senado, cumpre dar uma breve noticia. 

— No Projecto primitivo, elaborado por Clóvis Beviláqua, a responsa-bilidade civil estava expressamente articulada nestes termos: As pessoas

  jurídicas de direito publico responderão pelos damnos causados por seus

representantes: l.o Quando estes obrarem no exercício da porção de poderpublico que lhes ó confiado, si a lei nao tiver determinado, para o caso, asimples responsabilidade pessoal do funccionario; 2.° Quando, em nomo 

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— 507 — 

— Além das disposições legislaitvas, que deixámos indicadas, convém lembrar, como documento irrecusável, de quea doutrina corrente no paiz é a da responsabilidade do Estado

pelos actos lesivos dos seus representantes ou prepostos, o factofrequente,— que, independentemente de condemnação judiciaria, o governo se tem em geral reconhecido obrigado á prestar 

delias praticarem actos de direito privado, dentro dos limites de suasattribuioões (Proj. cit, art. 42). E conspantemente, DO titulo das obrigaçõesresultantes dos actos illicitos, se dizia: A responsabilidade da União, dos Es-tados e dos Municipios, a que se refere o art. 42 n. 1, pode provir daomissão do funccionario no cumprimento dos deveres, que lhe incumbem,ou do mào uso da porção de poder publico que lhe é confiado (art. 1647).Mais ainda: "Todo aquelle que responde pelo damno causado por outrempode repetir do autor o que houver pago por elle, salvo si este for seu des-cendente. Esta disposição aproveita ã União, aos Estados e aos Municipios,quando repararem damnos causados por seus funccionarios" (art. 1648).Além disto, tratando das penas, em que incorre o credor, que cobra di-vida não vencida, ou.não existente, ou já paga no todo ou parte, semresalvar o recebido (art. 1652-53), o Projecto-Bevilaqua accrescentara :"As penas comminadas nos dois artigos antecedentes são também appli-caveis ã Fazenda Publica, sempre que promover cobrança indevida, salvoseu direito regressivo contra os seus agentes ou representantes, culpadospor prevaricações, abuso de poder ou falta de exacç&o no cumprimento dosrespectivos deveres (art. 1654). 

— No Projecto, revisto pela Commissão do Governo, foi conservado oart. 42, assim redigido: As pessoas jurídicas de direito publico respon

derão pelos damnos causados por seus representantes : 1.° Quando estesagirem no exercício de suas funcções, excepto si praticarem abusos ouomissões, pelos quaes serão os únicos responsáveis ; 2.° Quando era nomedelias praticarem actos de direito privado, dentro dos limites das suas attribuições.— Ao tratar, porém, das obrigações resultantes de actos iUidtos,a Commissão supprimio o disposto no art. 1617 do Proj ecto-Bevilaqua, conservando, apenas, o do art. 1654, posto agora sob o numero de art. 1826.A nova redacção dada ao art. 42 do Projecto foi proposta pelo Conselheiro O. H. d'Aquino e Castro, membro da supradita Commissão Revisora f depois de haver fundamentado o seu voto a semelhante respeito. (Vide:"Actas dos Trabalhos da Commissão Revisora do Projecto do Código Civil Brasileiro elaborado pelo Dr. Clóvis Beviláqua".— Rio, 1901). 

—No Projecto approvado pela Camará dos Deputados, a única dis-posição adoptada sobre a matéria é a seguinte: As pessoas jurídicas de 

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indemnisação pelos damnos diversos dessa origem, á vista desimples requerimento ou reclamação da parte, que se mostraprovadamente lesada nos seus direitos. 

A presente asserção, assentando sobre factos notórios, porninguém ignorados, dispensa-nos, sem duvida, de mencionarcasos particulares para o fim de corroboral-a.98e

 

direito publico só responderão pelos damnos cansados por seus represen-tantes, quando estes, em nome delias, praticarem actos de direito privadodentro dos limites das suas attribuições (art. 15). No titulo das obrigaçõesresultantes de actos illicitos não se faz mais nenhuma referencia às pessoasde direito publico. E', como se vê, uma disposição assaz restrictiva, in-completa, e cuja redacção obedecera evidentemente â idéa de implantar noCódigo Civil a theoria conhecida da distincção dos actos públicos, em actos

de império o actos da gestão,— tornando o Estado somente responsávelpelos damnos provenientes dos últimos; doutrina, que certamente nãosatisfaz aos interesses da justiça, como já tivemos occasião de ver (hic. p.255 sg.). Evidentemente, a disposição do Projecto-Beviláqua assentava emfundamentos mais sólidos de razão e justiça. Emendou-se para peior. 

— Tendo-nos cabido concorrer para os trabalhos da Commissão Es- pecial da Camará dos Deputados sobre o Projecto do Código Civil, preten-demos que ao menos se deixasse, desde logo, clara e definida, a responsa-bilidade civil do Estado a respeito de determinados casos. Neste intuito, aotratar das "obrigações por actos illicitos", apresentámos á Commissão o se-guinte adlitivo : « A Fazenda Publica responde pelos actos de seus repre-sentantes ou fnnccionarios, segando o disposto no art. 15, nos seguintes

casos : 1.° quando se dér a lesão de um direito privado effectivamente ad-quirido nos termos do art. 3.° deste código; 2.° quando a administraçãofaltar à fé dos contractos, ou os romper no todo ou em parte; 3.° quando emconsequência de medidas puramente administrativas, ou do estabelecimentoe execução de serviços e obras publicas em geral, inclusive as de operaçõesmilitares, resultar damno à propriedade particular; 4.° quando, na guarda debens e valores, ou na gestão e exploração de serviços de naturezaindustrial, a administração publica assumir os riscos e perigos que lhes sãopeculiares».— Este additivo, ainda que incompleto, e visando, tão somente,explicar  o conteúdo do art. 15, já adoptado, não logrou ser acceito pelaCommissão. 

08 e Bastará rever a esse respeito a lista dos créditos abertos em cada

exercício financeiro pelo governo, para cada um convencer-se dasimportâncias, as vezes avultadas, que o Estado tem pago a titulo de indem-nisação de damnos causados poios seus representantes ou funccionarios, 

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§ 2.° CASOS B DECISÕES 

88.—Ainda que assaz conhecida em nossa litteratura jurídica"

a doutrina, que distingue os actos da administração publica em actosde império e actos de gestão, e não se ignore juntamente, que asignificação especifica destes vocábulos tenha sido, por vezes,invocada nas discussões judiciaes e nos próprios considerandos dassentenças; é licito comtudo não affir-mar, que semelhante doutrinase acha recebida em nossa jurisprudência, como critério decisivodos seus arestos." a

 

Pelo contrario, si alguma cousa se pôde apontar, como regrada jurisprudência brazileira sobre a questão, é, como já se disse, a

admissão do principio da responsabilidade geral do Estado; sendoestaaffirmada, ou negada nos casos particulares, segundo áscircumstancias e provas do respectivo facto, e nem sempre, a dizertoda a verdade, guardando-se inteira coheren-cia nos fundamentosdas sentenças proferidas... 

independentemente de acção judicial, que a isso o tenha obrigado. Pelo quese refere as reclamações de direito internacional privado, pode-se dizer, queesta é a regra; quando, as reclamações desta espécie deviam aliás, sersujeitas, antes de tudo, ao exame e decisão dos tribunaes do paiz, paradizerem sobre a sua procedência e justiça. 

09

Não são ainda nnmerosos os trabalhos ospeciaes, publicados noBrasil, sobre a responsabilidade civil do Estado, ou doutras pessoas jurídi-cas do direito publico. De nosso conhecimento podemos apenas indicar: dedata anterior, — o que se encontra em Ribas, Direito Civ. Brasileiro, t. II,pags. 119 e 157 (Rio Janeiro 1865), e de datas mais recentes: Ruy Bar-bosa, A Culpa Civil das Administrações Publicas (Rio Janeiro 1898); JoãoVieira, Razões na Àppellação n. 626 do S. T. F. (Rio Janeiro 1900); Idem,idem na Àppellação n. 893 (Rio Janeiro 1903): Ampbilophio de Carvalho

 Responsabilidade Pecuniária da União ou Razões na Àppellação do S. T. Fn. 795 (Rio Janeiro 1902); J. S. Viriato de Medeiros, Responsabilidade Civil,do Estado ou Rabões na Àppellação do S. T. F. n. 851 (Rio Janeiro 1903). 

90 a Em duas leis federaes, do n. 939 de 1902 e de n. 1151 de 5 de

 janeiro 1904, vemos empregada, pela primeira vez, a expressão "actos ra-tione imperii". como razão justificativa das próprias disposições. 

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Portanto, supposta ainda entre nós a carência de um sys-tema firmado sobre o assumpto, e não reconhecendo, de nossaparte, outra verdade jurídica da matéria, que não seja o principio

da responsabilidade geral (hic. p. 266 sg.), "

b

passaremos, desdelogo, a revistar o que se encontra a respeito na lei e na ju-risprudência do paiz, tomando, principalmente, para argumentodesta, os julgamentos diversos do Supremo Tribunal Federal,sem excluir muito embora as decisões de outros tribunaes e juízos, cuja menção nos pareça de igual conveniência. 

88 a.— DAMNOS PROVENIENTES DAS LEIS E ACTOS no GO-VERNO.  Se tem geralmente admittido, como regra de direitopublico, que os indivíduos não podem reclamar indemnisação doEstado pela lesão, que as leis tragam porventura aos seus di-reitos individuaes; a menos que, das próprias disposições deliasnão resulte o reconhecimento de um direito â essa indemni-sação. Este principio geral, se pôde dizer, constituíra, sem res-tricção, o direito positivo e a jurisprudência dominantes ao tempodo Império. 

Na Republica, porém, já não seria licito afíirmal-o de ma-neira tão categórica. Cabendo, agora, ao poder judiciário afaculdade do julgar da validade das leis, é manifesto que o in-

dividuo, que se considerar lesado pelos seus dispositivos, pôdelevar á sua acção ao referido poder e, uma vez obtida a annul-lação da lei, poderá igualmente, segundo as circumstancias docaso, exigir e obter uma justa indemnisação da lesão soffrida. 

99 b Não sendo aoceita por nós a disfcincçao entre actos de império eactos de gestão, adoptámos, como se viu, com relação á morparte dos capí-tulos precedentes, a divisão de actos legaes e actos illicitos ou illegaes; flze-mol-o, porém, como simples questão do methodo na exposição da matéria, enada mais. Quanto â jurisprudência brasileira, pareceu-nos mais conve-niente, tratar dos factos concernentes á mesma, usando ainda de maiorliberdade na sua classificação. 

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De certo, declarada uma lei invalida ou inconstitucional pordecisão judiciaria, um dos effeitos da decisão deve ser logicamenteo de obrigar a União, Estado, ou Município, a reparar 

0 damno causado ao individuo, cujo direito fora lesado,— querrestituindo-se-lhe aquillo que indevidamente foi exigido domesmo, como succede nos casos de impostos, taxas ou multasiucoustitucionaes,—quer satisfazendo-se os prejuízos,  provada-mente sofíridos pelo individuo com a execução da lei supposta. 1 Com effeito, em casos diversos sujeitos ao seu conhecimento, o Supremo Tribunal Federal já. se tem pronunciado deaccôrdo com esta doutrina. (S. T. F. 30 janeiro, 13 e 23 fevereiro, 2 março, 4, 9, e 25 setembro, 1895; 23 maio, 9 dezembro 1896; 13 fevereiro de 1897; 30 novembro 1898; 29 julho, e16 dezembro 1899; 13 janeiro de 1900 ; 9 janeiro, e 10 agosto1901; 4janeiro 1092; 18 junho, e 31 outubro 1903).We

 

09 c B' de advertir, que o S. T. P., em relação â reparação do damno,se tem limitado, na maioria dos casos, a mandar restituir o indevidamenterecebido, ou a pagar o que o lesado deixara devidamente de receber ; demaneira que não se pôde amimar, que haja jurisprudência certa, fundadaa respeito. Isto mesmo confessara o próprio presidente do Sup. Trib.Federal nos seguintes termos: « Quanto aos julgamentos do Supremo Tri-bunal Federal, é certo, que por mais de uma vez tem sido a Fazenda Pub-

lica condoranada a pagar avultadas quantias a titulo de indemnisação dedamnos, por actos praticados sem autorisaçao legal por agentes da autori-dade ; mas também é verdade, que taes decisões tem sido tomadas com vo-tos vencidos o perfeitamente fundamentados, oomo os do accordam de 27 de

 julho de 1898 na app. civ. n. 875; e ha julgamentos em sentido contrario,oomo o de 21 de novembro do mesmo anno na app. civ. n. 834, reco-nhecendo que," si houve abuso ou omissão da parte dos que se apoderaramda propriedade alheia, s&o por esses factos responsáveis, não a FazendaPublica, mas os funocionarios públicos que os praticaram no exercido deseus cargos." Não ha, pois, jurisprudência assentada sobre assumpto detamanha importância; e justamente para que não prosiga a duvida, con-vém que seja no oodigo firmada a verdadeira doutrina quo, no meu ver, éa que estabelece a responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados aterceiros pelos funocionarios públicos, somente quando provenham do 

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— Do mesmo modo tem procedido o Judiciário acerca dosdecretos, regulamentos, instrucções e mais actos dos represen^tantes do Poder Executivo, isto é: uma vez declarados inválidos

ou illegaes, a respectiva decisão tem reconhecido juntamentea obrigação de prestar a devida indemnisação ao lesado peloscofres públicos, alem de vários outros, nos seguintes casos: 

a) Nos de demissão ou aposentadoria de funccionarios pú-blicos, bem como na demissão ou reforma de officiaes militares(S. T. F. 19 setembro, 27 novembro 1895 ; 16 maio, 3 outu-bro, 21 novembro 1896; 7 abril 1897; 19 março, 10 e 24 setem-bro, 7 novembro, 5 dezembro 1898; 8 julho, 30 agosto, 21 ou-tubro, 2, 4, e 16 dezembro (três decisões desta data) 1899;

22 janeiro e 16 maio, 19 e 22 setembro 1900; 26 outubro e27 novembro 1901; 7 junho 1902; 30 maio, 5 setembro e 11 no-vembro 1903; 5 outubro 1904). "a

 

regular exercício das fmicções respectivas; responder o património daNação pelos damnos provenientes de um acto arbitrário ou de um abuso, éinverter os princípios de direito, em virtude dos quaes deve indemnisar odamno aquelle que o causou (art. 69& do Cod. Penal) e esquecer o queprescreve a Constituição Federal no art. 82. » (Actas da Commissão Revi-sora do Proj. Cod. Civil, p. 101). 

— Estas considerações do iilustre presidente do S. T. F. foram feitasao discutir a questão de saber, si o principio da responsabilidade do Estadopelos actos lesivos de seus funccionarios é suffragado pela lei n. 221 do1894, como- em geral se entende, e assim tem sido julgado diversas vezes,pelo Supremo Tribunal Federal.

— Si o nosso testemunho pessoal também podésse valer nesta maté-ria, devíamos afirmar, que realmente no pensamento da lei n. 221 a inva-lidação do acto importa a obrigação consequente de prestar justa indem-nisação do damno, que o acto causar ao individuo lesado. — (hie, notam)J  

99 d Mais adiante se tratará em especial da intervenção judiciaria nos-actos administrativos desta espécie.—Durante o Império jamais foram le-vadas ao judiciário questões resultantes da demissão, aposentadoria, ou

reforma de funccionarios, civis ou militares. Si o individuo se consideravalesado por taes actos, ou reclamava por via graciosa, ou, quando muito, recor-ria aos meios do Contencioso Administrativo. O judiciário não intervinha. 

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b) Em casos, não menos frequentes, de indevida arreca-dação de impostos, taxas e multas (S. T. F. « março 1897; 25 e28 maio, e 21 novembro 1898; 2 maio, 26 julho 1899; 12 maio,

7 julho, 10 e 20 outubro, 10 ei.4 novembro 1900).c) Em casos de desapropriação, directa ou indirectamente

feita (S. T. F. 23 agosto 1893 ; 30 março, 4 setembro 1895;23 maio, 19 outubro, 19 dezembro 1896; 19 maio 1897; 10 se-tembro 1898 ; 26 agosto 1899, etc). " e

  I 

88 b. — DAMNOS PROVENIENTES DE MEDIDAS POUCIAES. 1) Medidas de segurança propriamente ditas. As medidas

tomadas pela autoridade publica para os fins da segurançapublica e privada, ou para outros misteres da policia em geral,ainda que, as vezes, violadoras das garantias da liberdade in-dividual, taes como: a prisão dos responsáveis pelos dinheirospúblicos, — a detenção dos indivíduos suspeitos de crime, oupara determinadas indagações policiaes,—a reclusão temporá-ria de individnos, suppostos loucos ou dementes, sem prece-derem todas as exigências legaes,— e mais actos semelhantes,não dão, em regra, logar â nenhuma acção de reparação pecu-niária contra o Estado. Esta doutrina fora invariavelmente se-

guida durante o Império, e assim continua a prevalecer naRepublica.99í 

 

00 e Como já se vlo á pagina 505, a inderanisação da propriedade des-apropriada foi sempre expressamente garantida pelas leis do paiz, muitoembora o facto se dê por utilidade ou necessidade do Estado. — As deci-sões acima citadas versam sobre a invalidação de leis estadoaes, que dei-xaram de attender devidamente a obrigação do indemnisar ao proprietário. 

99 f  O remédio contra as possiveis violências a liberdade pessoal é opedido de lwbeas-corpvs, o qual costuma ser concedido frequentemente pelostribunaes, mesmo em lavor dos responsáveis á Fazenda Publica, não ob-

stante o dispositivo expresso da lei em contrario (Dec. n. 657 de 5 dezem-bro 1849 ; Lei n. 221 de 1894, art. 14; Cf. Rego Barros, Apont. sobre Con-tencioso Administrativo, cap. 47 sg.; Resol. C. B. 10 julho 1880, etc). 

33  n. c. 

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Quando de taes medidas resulta um damno directo á pro-priedade privada, se tem procurado distinguir as hypotheses:—Si o damno provém de acto positivo (culpa in fadendo) bem ca-racterisado, a indemnisaçãò pode ser admittida, como um deverde justiça, á vista das circumstancias. Si, porém, se trata dedamno, attribuido á omissão do respectivo funccionario ou au-toridade em evitar o acto lesivo de terceiros (culpa in omit-tendo), se tem decidido, que a indemnisaçãò não deve ter logar.(S. T. P. 21 julho 1897, 20 junho, e 26 dezembro 1900;— Acc.do T. de Just. de S. Paulo de 29 junho 1899 e 7 abril 1900) .99g

 

"e No Aco. do Sup. Trib. Ped. de 21 de julho de 1897 a espécie fora

esta: a negação de licença por parte da policia para o desembarque depólvora, destinada ao commercio da Capital Federal, durante o estado desitio, em que então se achava o Distrioto Federal. 

No Acc. de 20 junho de 1900 o S. T. F. rejeitou o pedido de in-demnisaçãò pelo damno causado em consequência da circular do GovernoFederal de 10 de abril 1897 que prohibira despacho nas Alfandegas dearmas e petrechos de guerra, declarando: «que desse acto não resultaraoffensa ou lesão de um direito, hypothese única, em que poderia servir defundamento à uma acção judicial, nos termos e para os fins do art. 13 da lein. 221 de 20 novembro de 1894, observado, entretanto, o disposto no § 9°letras a e b desse mesmo artigo; que a Const. Fed. garante, é certo, aliberdade de industria, esta liberdade, porém, não ó illimitada, alem de

depender, como os demais direitos assegurados pela Const. Federal, de leisespeciaes que lhe regulam o exercício...; que na espécie dos autos tratava-se de uma medida geral tornada pelo Governo no interesse da ordempublica, em virtude de um poder discricionário conferido por lei (NovaConsol. das leis das alfandegas, art. 445, § 7°).» 

Nos Accs. citados do Trib. de Justiça de S. Paulo tratava-se do assaltoe destruição das oficinas e esoriptorio de um jornal, factos attri-buidos ánegligencia ou culpa da autoridade policial, á qual o administrador do

 jornal avisara duas vezes, pedindo garantias contra o assalto projectado. Osalludidos aooordams nos sous considerandos procuraram firmar osseguintes princípios: «1.° Que os funccionarios e empregados públicos sãoos responsáveis pelos damnos causados pela inobservância dos deveres a

que são obrigados ; 2.° Que o dever do Estado de nomear funccionariosidóneos fica satisfeito desde que a nomeação é feita nas condi- 

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— Não fazemos duvida em acceitar, como verdadeiro, oprincipio de «que, só excepcionalmente, deve o Estado prestarindemnisação pelo damno in omittenâo, proveniente das me-

didas policiaes»; mas entendemos, que esse direito, embora de 

ções preestabelecidas pela lei; 3.° Que, desta sorte, o Estado não respondepelos actos futuros dos funccionarios, exorbitantes dos poderes conferidos,da mesma forma, que o committente não responde pelos actos dos propostosexcedentes de taes poderes; 4.° Que o Estado ó responsável in faciendo,■quando agindo dentro da esphcra do direito, lesa direitos por actos dosseus agentes directos ; 5.° Que, porém, quando age por intermédio de func-cionarios creados por lei, com funcçSes estabelecidas nesta, não lhe caberesponsabilidade in omittenâo ; 6.° Que as obrigações nascidas do delictoconservam o caracter personalíssimo deste e, conseguintemente, a sua in-transmissibilidade (Ribas, Dir. Civ.); 7.° Que, finalmente, nenhuma prova

havia de culpa por parte do Estado com relação ao facto, de que se pediaindemnisação.» — O Tribunal também observara, que "o Estado tem duplapersonalidade, ora agindo como poder politico ou administrativo, ora comosimples particular e, neste caso, sujeito às regras de direito commum aosparticulares " ; mas isto dizendo, não tratou, todavia, de delimitar as esphe-ras de acção dessas duas pessoas, conourrentes no Estado. [Revista áe Ju-risprudência, vol. IX, p. 367 sg. — Rio de Janeiro, 1900). 

Interposto o Recurso Extraordinário para o S. T. F., este não tomouconhecimento do feito, por não ser caso deste recurso; não deixara, porém,de observar que a sentença recorrida, « embora se não fundasse expressa-mente em texto de lei pátria que positivamente roja o caso, e que de factonão existe, deoidio e julgou, invocando nos seus numerosos considerandos

os princípios de direito, as opiniões dos doutores, oonsoantes á boa razão,ás leis dos povos cultos e a jurisprudência de tribunaes federaes, nacionaese estrangeiros, nos termos da lei de 18 do Agosto de 1769 » (S. T. P. 26de dezembro de 1900). I —Aproveitando do ensejo, pergunta-se: qual a regra a respeito dosdamnos feitos, por ocoasião de motins, arruaças, greves, e outros casosanormaes de perturbação da ordem publica ? E' preciso distinguir: si taesdamnos são causados pelos funccionarios, como uma necessidade ao resta-belecimento ou manutenção da ordem, elles deverão sem duvida entrarna regra da responsabilidade geral do Estado segundo os princípios, quedeixámos estabelecidos; — si os damnos, porém, são causados pelos pertur-badores da ordem, o Estado nada terá que vôr com a reparação jurídicados mesmos, a menos que os seus funccionarios ou autoridades tambémnão se achem em culpa manifesta de omissão a esse respeito (hio, p. 328).  

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excepção, precisa ser realmente attendido e reconhecido nos ca-sos, em que se verificar que, da negligencia, proposital ou cul-posa, do funccionario é, que resultara com certeza a lesão do

direito individual. A razão de justiça, que exige a satisfaçãodo alheio damno, subsiste a mesma; e por isto, não ousaríamosaffirmar si, na hypothese dos julgados do Tribunal de Justiçade S. Paulo, a que se alludio, foi rigorosamente guardado o«suum cuique tribuere», no qual, podiamos dizer, se resumeo próprio fim ou objecto do poder judiciário... 

— Entre as medidas de segurança policial, a detenção ouprisão individual, facto de frequência quotidiana, e reputadoindispensável â própria conservação da vida collectiva, não dá

logar a nenhum direito de indemnisação ao individuo, porven-tura passivel de semelhante medida; — tal é a regra da matéria,,geralmente seguida pela jurisprudência, como ficou dito. 

Entretanto não nos parece, que dita regra  possa sempre*prevalecer, de maneira absoluta, incondicional. Comprehende se-que uma detenção simples, breve, sem offensa á honra pessoalou ao credito do individuo, sem uma lesão concurrentementefeita ao seu património particular, e executada por motivosreaes de ordem e de justiça, não deva dar logar ã nenhuma

acção de reparação por parte do paciente; são encargos ou sof-frimentos, ás vezes inevitáveis, necessários, para que a comnm-nhão possa, em compensação, gosar dos benefícios e garantiasda vida social e da ordem jurídica. 

Mas uma detenção injusta, prolongada, a qual, dando-seesta ultima circumstancia, não pode deixar de affectar ao cre-dito do individuo, e mesmo de prejudicar directamente a suasituação económica, deverá com toda razão crear para o Es-tado a obrigação de indemnisar o mal feito, muito embora comdireito regressivo contra a autoridade, que a tenha ordenado.Não se desconhece, que pôde haver difficuldade no conciliar, emvários casos, a necessidade da detenção (direito do Estado) com 

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a Uberdade individual e o direito â reparação (direito do indi-viduo); mas, seja como fôr, não seria justo recusar a indemni-sação nas circumstancias suppostas. Tratasse, não, da suppres-

 pão temporária da liberdade do individuo somente; ha também aconsiderar a lesão do património privado que a detenção acar-reta juntamente, fazendo cessar a actividade económica do de-tento, e conseguintemente, occasionando-lhe a diminuição ou aruína dos próprios bens e haveres. A obrigação de indemnisar,em tal caso, só devia cessar, si o detento tivesse praticado actoculposo ou immoral, embora não punível, do qual resultasseuma razão de suspeita contra si; porque, nesta hypothese, o seusóffrimento, sem direito á indemnisação, seria a consequênciada sua má conducta (sibi impntet), ainda assim, não bastariaque a autoridade desse, como motivo da detenção, a suspeitacontra o individuo; se devia provar que, efectivamente, elle seachava em culpa; porquanto ninguém pôde ser castigado,senão, depois de feita a prova da sua culpa ou do delicto, quelhe é imputado.. .90h

 

2) Medidas de policia sanitária. Das medidas de policia sa-nitária, embora autorisadas em lei, podem sabidamente provir■damnos aos interesses ou direitos individuaes. A autoridade sa-nitária se acha revestida de poder,—não só para fazer a appre-

hensão e destruição de géneros deteriorados ou consideradosnocivos â saúde publica, o sequestro e a venda de animaes ou 

00,1 No periódico "Die Wochç" de 20 julho 1901 (Berlin) o prof. I.Kohler publicou um artigo assaz conceituoso sob o ponto de vista jurí-dico, afirmando o direito de indemnisação dos injustamente presos. Em ar-tigos insertos no Jornal do Commercio, de 20 e 30 de maio de 1904 pro-curamos, por nossa vez, tornar conhecidas as idéas do professor berlinensena matéria.—Hlo, p. 415, nota. 86f - 

Mais adiante ainda se dirá sobre este ponto e, em particular, sobre■

a indemnisação do damno proveniente da detenção pessoal durante o es-tado de sitio. 

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objectos, cuja existência nas habitações fôr prokibida, a cassa-ção de licença, o fechamento ou interdicçao de prédios, e a im-posição de obras e construcções,—como ainda, para ordenar a

própria demolição de prédios e a venda do seu terreno e per-tences para o pagamento das respectivas despezas (Dec. legis-lativo n. 1151 de 5 janeiro 1904, art. Io, § 3o, letra f, I e II jDec. n. 5156 de 8 março 1904, arts. 17 e 123,175, etc.)- Alémdisso, com o simples processo e execução das desinfecções do-miciliares, igualmente autorisadas na lei, se pôde occasionar,ás vezes, grave damno ás pessoas, ou aos objectos de alheiapropriedade. 

Pelo que diz respeito ã apprehensão e destruição de géne-

ros deteriorados ou nocivos á saúde publica, e bem assim á deanimaes ou objectos, que a lei prohibe ter nas habitações, —embora pecuniariamente prejudiciaes aos seus donos, taes actosnão dão a estes nenhum direito á indemnisação. A autoridadepublica faz apenas, e muito legitimamente, cessar um abusoou delicto (Cod.Penal, arts. 163-164) em bem do interesse com-mum, e nada mais: a ninguém é licito tirar proveito da própriaculpa ou dolo, ou da omissão de um dever legal. Outro tanto sepoderia também dizer, não o objectámos, com relação ao fecha-

mento ou interdicçao dos prédios, verifícadamente carecedoresdas condições hygienicas, exigidas péla lei para a sua habita-bilidade. 

Mas cumpre não esquecer que, na execução das medidasindicadas, assim como na de varias outras, se dá, ou se podedar, o abuso ou a culpa do funccionario incumbido do respectivoserviço; e nesta hypotliese, não obstante a necessidade legal im- prescindível dos actos da policia sanitária; ao lesado não sepoderá deixar de reconhecer incontestável direito ã uma in-demnisação pelos damnos sofridos. Por exemplo: os génerosapprehendidos podem não estar deteriorados, nem ser nocivosá saúde;—os animaes ou objectos sequestrados podem não ser 

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os prohibidos na lei;—os prédios, cuja cassação de licença, fe-chamento ou interdicção se ordenara, podem, não obstante, seachar em boas condições de hygiene e habitabilidade, etc...

Em todos estes casos e nontros análogos, uma vez provado oabuso ou a ignorância do funccionario, a obrigação de repararo damno ê de justiça, visto como o direito individual é lesadopelo representante do poder publico. 

Mesmo nos actos ordinários da desinfecção por motivo depeste, — desde que ella damnifica aos objectos, de modo a tor-nai-os imprestáveis ao seu possuidor, é de justiça que uma in-demnisação relativa seja prestada ao seu proprietário.99i

 

—Ainda que a lei sanitária federal não contenha disposi-ção expressa, garantindo o direito de indemnisação em cada umdos casos particulares, acima snppostos, ou nontros semelhantes •comtudo, esse direito se acha previsto na mesma pela maneiraseguinte: « Fica salvo a pessoa lesada o direito de reclamar ju-dicialmente perante a justiça federal as perdas e damnos quelhe couberem, si o acto ou medida da autoridade sanitária tiversido illegal, e promover a punição penal, si houver sido crimi-noso»; accrescentando-se, ao mesmo tempo, que «em caso dedesapropriação, esta se fará segundo a Constituição federal eas leis respectivas» (Dec. cit. n. 5156, art. 288, segunda parte.) 

Ha apenas um defeito na disposição citada, que sobrelevaassignalar, como jà fizemos a respeito do dispositivo análogo dalei 939 (hic, p. 506): é, que ella só admitte o direito á repara-ção das perdas e damnos, em se tratando de acto ou medidaillegal. Assim não deve -ser: o acto ou medida da autoridadesanitária pode ser muito legal, isto ê, conforme aos dispositivos 

i9i E' o que se acha consignado na lei ingleza, alias, uma das legisla*ções mais vigorosas sobre a matéria de saúde publica (The Public Health

 Act de 11 agosto 1875, art. 121 e The Public Health Acts amendment Act\ 

de 1870, art. 6°), e bem assim na recente lei franceza de 15 de fevereirode 1902, art. 26, etc. 

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da lei e, não obstante, ser a causa de uma lesão manifesta aoalheio direito; e na ultima hypothese, a indemuisação não teráfundamento menor, do que na primeira. Já tivemos occasião

de demonstrar em outra parte, e não ha mister repetir, que ofundamento do direito â indemuisação pôde muito bem as-sentar em razão differente de culpa do agente ou de illega-lidade do acto praticado.99j

 

99 j DEMOLIÇÃO DE PRÉDIOS ". — No regulamento actual dos serviçossanitários a cargo da União ha uma disposição, que cumpre mencionaraqui na sua integra para, depois, dizermos sobre ella quanto convém; é ado art. 123 que resa: «Toda casa que apresentar graves e insanáveisdefeitos de hygiene, considerada, portanto, inhabitavel, será desoccu-pada,

fechada definitivamente por ordem do inspector sanitário, á juizo dodelegado de saúde, sendo marcado prazo para o inicio da demolição, findoo qual, a directoria geral de saúde publica fará por si esta demolição,cobrando do proprietário as despezas; e no caso de recusa de pagamentopor parte deste, fará que o terreno, materiaes, etc. sejam vendidos em hastapublica, indemnisando-se das despezas feitas e depositando o restante daimportância no Thesouro Federal á disposição do proprietário (Dec. n.5156 de 8 março de 1904). 

Semelhante disposição não pôde ser a lei do paiz, mesmo em nomedo magno interesse da saúde publica. Antes de tudo, ella é antagónica coma Constituição, a qual não permitte que o poder publico disponha dapropriedade particular, senão, fazendo a sua desapropriação por neces-

sidade ou utilidade publica mediante indemnisação previa. (Const. Fed.,art. 72, § 17). — Convimos de boa mente que o poder publico possa impor multas

repetidas, simples ou progressivas, contra o proprietário que descure deconservar o seu prédio nas condições legaes de hygiene; que, não satis-feitas taes condições debaixo das penas indicadas, possa a autoridade pu-blica intervir directamente, mandando fazer as obras ou melhoramentos ne-cessários, cabendo, por isto, á fazenda publica.um ónus real no prédio emquestão, como garantia das despezas feitas; que, finalmente, seja, em casosespeciaes, ordenado o fechamento temporário do prédio, ou mesmo a suainterdicção definitiva. .. Tudo isto seria admissivel em vista do grandedever, que incumbe ao poder publico de guardar a saúde publica; e, com

effeito, medidas análogas se encontram nos regulamentos sanitários de ou-tros povos de reconhecida cultura jurídica. Mas passar além, e ir até aoponto de mandar demolir a propriedade particular, e dispor dos seus per- 

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88O.— DAMNOS PROVENIENTES DOS ACTOS DE GUERRA. — No 

que respeita aos damnos cansados â propriedade privada pof actos e factos diversos, concernentes ou resultantes da guerra,

são de citar as seguintes decisões: 

1) Condemnando a União à indemnisar o valor de gados,apprehendidos pelas forças legaes para a provisão destas 

tences, a pretexto de medida de policia sanitária, é providencia, que em-bora consignada na lei, constituo uma violência cruel contra o direito depropriedade 1 

—À legislação sanitária, ora vigente no paiz, deixa ver, que ella tema sua origem directa na legislação da Inglaterra e da França sobre a mesmamatéria. Entretanto, em nenhum dos códices destas nações se encontra dis-

posição alguma, como a de que se trata. Ao contrario, na legislação deambos esses paizes se acham disposições expressas mandando indemnisaros próprios objectos moveis, quando em certos casos convenha destruil-os>como medida sanitária {Lei ingleza cif. de 1875, art. 121; Lei franceza cit.de 1902, art. 26); e quanto a propriedade immovel a disposição reguladoraé a seguinte: « Quando a insalubridade é o resultado de cansas exteriorese permanentes, on quando as causas de insalubridade não possam serdestruídasj senão, por obras totaes (travaux dSensemble), a commnna pôdeadquirir a totalidade dos prédios, mediante as formalidades presoriptas pelalei de desapropriação por utilidade publica» (Lei franceza cit., art. 18). 

— Mas lançar mão da propriedade particular, sem ser por meio dodesapropriação e consequente indemnisação, — é invenção da recente leibrasileira, a despeito do texto expresso da Constituição em contrario! 

B porque demolir o prédio ? Era regra se suppõe, que um prédio ésempre susceptível de obras ou melhoramentos, maiores on menores, quelhe restituam a salubridade conveniente: por isto,—ou taes melhoramentossão feitos, o neste caso, o prédio continuara a ser habitável,— on não são ,.feitos, ou são impossíveis, e o mesmo poderá ser declarado inhabitavel, in-terdicto: e quer numa, quer n'outra hypothese, a autoridade sanitária terácumprido o seu dever sem detrimento para a saúde pnblioa. 

E' até onde vae, realmente, o rigor da lei sanitária da Inglaterra (Leide 11 agosto 1875, arts. 97 e 109), a qual manda fechar a casa pelo tempoque fôr necessário, caso o sen proprietário deixe de obedecer á intimaçãode reparal-a segundo as prescripções hygienicas. 

— Só em um caso único, nos parece, o prédio de propriedade par

ticular poderia ser demolido pela autoridade pnblioa: qnando ameaçassemina. Porque, tal sendo p seu estado, o simples fechamento ou interdicção 

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(S. T. F. 29 abril, e 7 novembro 1896; 8 dezembro 1897; 20 julho 1898; 20 junho 1900J.99k

 

2) Condemnando-a do mesmo modo a indemnisar o valor

e mais prejuízos e lucros pela apprehensão ou destruição denavios pelas forças legaes (S. T. F. 20 abril 1897, e 31 dezem-bro 1898). M1

 

não evitaria o mal publico. Dada, porem, a separação da jurisdioção dapolioia sanitária, da policia de segurança, segundo a lei brasileira vigente, émanifesto, que o acto pertenceria então á autoridade municipal, e não ásanitária, como se vê do decreto do Prefeito do Districto Federal, n. 391 de10 de fevereiro de 1903 (arts. 52-53), regulando os casos da espécie. 

Ainda aqui, é de razão, que se verifique no caso a existência doperigo imminente, considerado igual ao caso de força maior; porque, siassim não íôr, ao proprietário deverá 'caber o direito à indemnisação. E nãovai nisto uma simples opinião individual; não de certo: a nossa legislaçãovigente sobre a matéria do desapropriação contém disposição expressa, quemanda respeitar os direitos dos proprietários, mesmo nos casos de perigoimminente (Dec. n. 4956 de 9 setembro 1903, art. 40). 

— Seja, porém, como for, si o dispositivo do art. 123 do regulamentosanitário, na parte relativa á demolição dos prédios e actos consequentes, tiverreal applicação na pratica, isso importará um damno violento, feito aodireito individual de propriedade, e, portanto, uma obrigação irrecusávelpara o Estado de prestar a devida indemnisação segundo o teor dos casosoccorrentes. O citado dispositivo se nos afigura um arbítrio tanto maisescusado, quanto a própria lei, na previsão da necessidade de desapropriara propriedade particular por motivo de hygiene, declarara expressamente,que, nesta hypothese, a desapropriação devia ser feita segundo aConstituição e as leis respectivas (Dec. legislativo n. 1151, art. Io, § 20 in-

 fine). 99 k g. rp, pa negou a procedência das acções (á falta de provas) tendo

por objecto pedidos análogos pelos Accordams: — de 29 fevereiro e 19 outu-bro 1896; 6 setembro, 11 e 19 outubro 1898; 18 e 30 dezembro 1899; 13 ju-lho, e 8 setembro 1900, etc, etc. 

69l Por Acc. de 14 janeiro 1899 se julgou improcedente o pedido deindemnisação de navios, dos quaes os revoltosos se haviam apoderado, e

mais tarde entregues ao Governo legal, que os conservou em seu poder atérestituil-os á Companhia, proprietária dos mesmos. Do mesmo modo foi julgado no Acc. de 4 dezembro 1899 o pedido de indemnisação de um navio 

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3) Condemnando-a igualmente aprestar indemnisação pelaapprehensão de armas permittidas no commercio, e pelos pre juízos consequentes (S. T. F. 28 agosto 1897).  I 

—Nos considerandos das decisões citadas, alem de maisrazões e argumentos, disse o Tribunal: «Si a lesão assume ocaracter criminal, a responsabilidade é exclusivamente pessoal(Cod. Pen., art. 25); si é civil, a responsabilidade pertence tantoao funccionario, como ao poder que o prepôz ao serviço emquestão, ficando ao lesado a escolha do responsável. Si foraccionado o poder preponente, a este compete acção regressivacontra o seu preposto. Desfarte ficam salvos, não só a respon-sabilidade dos funccionarios públicos pelos abusos e omissões,em que incorrerem no exercício dos seus cargos (Const. Fed.,art. 82), como também os direitos dos indivíduos em geral e,mais particularmente, dos que, como na espécie, forem preju-dicados, por actos de agentes do Governo, na sua propriedadesacrificada em beneficio da União (Lei n. 221 de 1894, art. 13).Pouco importando códigos e opiniões estranhas, esta é a lei bra-sileira, e, de conformidade com ella, tem sempre julgado esteTribunal, bastando citar os Accordams ns. 134, 197, 243, 257 e317, alem de outros »." m

 

K-eiterando a mesma doutrina, oS.T. F. concluirá em outra

decisão : « Sendo o Estado responsável civilmente pelos actosdos seus agentes no exercício de suas fnncções, quando causamdamnos a terceiros, principio fundado no que prescreve a lei de9 de setembro 1826, art. 8, e na de 12 julho 1845, assim comona Oonst. art. 72 § 17, o que está de accordo com a jurispru- 

particular, o qual, estando carregado de artigos bellicos do Governo mediante frete, foi aprisionado pelos revoltosos, antes de seguir para o portodo seu destino.— Sobre espécie análoga é também de vôr: S. T. F. 27 dezembro 1902.

  A 

w m vide: Aco. cit., de 20 julho 1898, no qual se tratava de gadosapprehendldos pelas forças legaes em período de guerra. 

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dencia deste Tribunal, expressa nas sentenças n. 197 de 7 no-vembro 1896, n. 134 de 29 abril do mesmo anno, n. 243 de20 abril 1897, ns. 259 e 317, alem de outros...» "n

 

—Entretanto, restringindo por demais, on negando mesmoa responsabilidade civil do Estado pelos damnos resultantes deactos on factos occorridos durante a guerra, se tem igualmentedecidido, que o Estado deixa de responder nos seguintes casos: 

1) Pelos damnos causados por tiroteios entre as forças le-gaes e as forças revoltosas, por se tratar de actos necessáriosá defeza das instituições (S. T. F. 16 setembro 1896).

2) Pela occupação temporária de prédios pelas forças mili-tares, como medida necessária á defeza da cidade (S. T. F.

10 abril 1897; e 24 outubro 1898).3) Pelos damnos provenientes de uma explosão de pólvora,attribuida à negligencia ou culpa dos soldados, por se tratarde caso fortuito, e quando o não fosse, porque as praças de pret não se reputam, nem mandatários, nem propostos do Estado(S. T. F. 9 junho, 23 junho, 28 agosto, e 24 novembro 1897).

4) Por damnos cansados pela artilharia das forças legaese das forças inimigas ; não se podendo descriminar o autor dosdamnos na flagrância do combate • e porque, quando praticados

fossem pelas forças legaes, seriam de considerar, como resul-tantes de força maior (S. T. F. 27 janeiro, 7 e 21 julho 1900).—Nos considerandos destes dous últimos Accordams, o Tri-

bunal dissera positivamente: a) que a occupação temporária deprédios pelas forças legaes, em vista da necessidade da lata,não dava direito á indemnisação, embora os mesmos tivessem,por esse motivo, soffrido estragos pelas balas do inimigo; b) queuma tal occupação e estragos são, por sua natureza, classifica - 

oo» Vide: Acc. de 31 dezembro 1898. Tratava-se de embarcaçõesdestruídas pelas forças legaes e de outros damnos causados pelas mesmasforças em operações de guerra. 

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dos entre os actos ãe guerra, e, portanto, não davam logar a in-demnisação...  I 

— Também, tratando-se da apprehensão de gados pelas

forças legaes para o abasteeimetno das mesmas, o Tribunal pa-rece ter modificado a sua doutrina anterior, adoptando agorarazões de mais á mais restrictivas na apreciação dos direitosdos que se diziam lesados. Assim é que o mesmo, considerandoque a tomada de gados alheios pelos commandantes das forçasconstituía um verdadeiro delicto e crime pessoal, sujeito às leispenaes, decidira, que a União não era civilmente responsávelpelos damnos provenientes, ainda quando fossem devidamenteprovados os actos lesivos em questão (Accs. de 19 setembro1900). 10° 

100 Em trez Accordams da mesma data (de 19 de setembro), alemdas razões indicadas no texto e doutras, que não nos parecera proceden-tes, se considerou, como fundamento da nâo-responsabilidade da União,o facto da tomada das rezes ter sido, as vezes, praticado pelas forças oivisjdo Estado do Eio Grande do Sul, e não por forças do exercito federal; muitoembora aquollas e estas se achassem então empenhadas na acção conjnnctade debellar a revolução dominante no mesmo Estado. Do mesmo modo seprocurou dar uma nova intelligencia á lei de 9 de setembro de 1826, aqnal certamente não se contém nos dispositivos desta, e, em todo caso,dando-se verdadeiro desaccordo com a doutrina anterior do Tribunal, já|

manifestada em espécies idênticas... — Com relação á matéria especial da expropriação e liquidação dosdamnos por motivo de guerra, o S. T. P. adoptara em ura dos seus jul-gados os seguintes fundamentos: « Considerando que, quando o Estadoexpropria a propriedade em bem da utilidade ou da salvação publica,exerce um direito incontestável, inberente â soberania, e pois só é obri-gado a pagar ao dono o justo preço da cousa expropriada com os juros damora, si a houver (Cod. Com. arts. 205 e 249), os quaes jamais se confun-dem com os  fruetos percipimãos, por que responde o devedor incurso emdolo ou culpa lata; — Considerando que a lettra do art. 4o da lei de 9 desetembro de 1826, emquanto manda indemnisar ao proprietário o valorintrínseco da cousa expropriada, attentos o seu local e interesses que delia

se aufere, esta regulamentada pelo deo. n. 353 de 12 julho 1845 no art. 20e pelos art, 12 alíneas, 2* e 4a e art. 13, alíneas 2* e 3a do dec. n. 1664 

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88 d. — DAMNOS PROVENIENTES DE RELAÇÕES CONTRAC-TUAES.  A obrigação do Estado de responder civilmente porperdas e damnos, provenientes da infracção de seus contra-

ctos, jamais fora objecto de duvida na jurisprudência do paiz. Durante o Império a lei declarara apenas, que as ques-

tões relativas aos contractos celebrados com a Fazenda Pu-blica eram reservadas ao conhecimento e decisão do Conten-cioso Administrativo, como já se disse;101 subsistindo, porém,quanto aos demais contractos celebrados com o governo paradiversos fins e misteres, a doutrina predominante de sujeitaros actos de infracção, e de não-cumprimento dos mesmos, ou delesão de direitos das partes contractantes, ao conhecimento da

autoridade judiciaria, quaesquer que fossem as faculdades, que 

entendido que foi este pelo art. 21 da lei n. 3396 de 24 de ontnbro de 1888,e pelo art. Io do decr. n. 802 de 24 de julho de 1890, e agora generalisadopelo citado art. 50 da lei n. 221), segundo cujas prescripções attenderão osárbitros á localidade, ao tempo, e ao valor, em que flcar o resto da pro-priedade, por causa da obra nova, ao damno que provier da expropriação equaesquer outras circumstancias que influam no preço, o qual, com pequenamodificação da regra estabelecida no alv. de 30 outubro de 1773 e no § 11da lei de 20 junho 1774, nunca excederá de 22 ou 24 décimos ou pensõesannuaes de arrendamento, limite peremptório, que exclue arbitramento á

compensações de qualquer damno intrínseco; — Considerando que o valorda indemnisação de rezes ou de animaes expropriados para uso ou con-sumo das tropas legaes não é outro, senão, o preço da acquisição por partedo expropriado, ou a sua commum e geral estimação, etc, eto.»—S. T. F.29 outubro 1898. 

—E' de ajuntar finalmente, que a recente legislação sobre a desapro-priação por necessidade publica manteve, quanto aos actos de guerra, osdispositivos das leis anteriores—Dec. n. 4956 de 9 setembro de 1908, art. 40. 

101O que não significava a negação da responsabilidade do Estado. OContencioso Administrativo condemnava-o á prestar a devida indemni-sação do mesmo modo, que faria o Judiciário, dadas as condições de justiça 

Convém accrescentar, que, mesmo sob a sancção da legislação vi-

gente no Império, si a parte não se conformava com a decisão do Conten-cioso Administrativo, não raro, recorria ao próprio Judiciário, pedindo oreconhecimento do seu direito. 

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o Governo se houvesse reservado nas clausulas do respectivoinstrumento. 

Para comproval-o, bastará lembrar um exemplo.— E' de

regra, o Governo fazer inserir nas clausulas de seus contractoso direito de declarar, por acto próprio, a caducidade ou rescisãodos mesmos, uma vez commettidas taes e taes faltas pela outraparte contractante. Pois bem; dada, não obstante, a existênciade semelhante clausula de maneira expressa,—em numerososcasos o uso do direito nella previsto foi recusado ao Governo,não só pelo Judiciário, mas igualmente pelo próprio Conselhode Estado. Tratando-se de contractos com o Ministério daAgricultura (ora da Industria), que são sempre os mais impor-tantes, o Conselho de Estado procurou firmar, como doutrina jurídica, a seguinte: «Não se conhece lei alguma, que autoriseo Ministério da Agricultura para estabelecer validamente a de*cisão proferida; pelo contrario, isso não cabe nas suas attribui-ções. Os contractos, embora celebrados com esse ramo do Go-verno, emquanto não houver lei especial em contrario, não temoutro caracter, senão de convenções voluntárias, regidas pelasleis civis e subordinadas ao juizo ordinário commum. Emquantonão se organisar o Contencioso Administrativo, e uma lei nãodér ao Governo competência para, por via de consultas do Con-

selho de Estado,102

decidir as questões de interpretação ou ou-tras, que derivem dos contractos que os particulares celebremcom elle, a única autoridade para isso competente é, e conti-nuará a ser, a judiciaria. Antes disso, será, nessa relação, ape-nas uma das partes contractantes, que não pôde impor á outra asua opinião, e sim pende, como ella, de um outro julgador. 

102 B' do advertir, que o Conselho de Estado oraittia apenas pareoeressobre Consultas, os quaes, si aoceitos pelo Governo Imperial, tinham entãoo caracter de resoluções ou decisões: Lei de 23 novembro 1841; Resoluçãodo C. E. de 14 novembro 1850. 

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O dec. n. 2343 de 29 janeiro 1859 é especial à Repartição daFazenda e não pode ser destendido a outros Ministérios, semque intervenha lei nesse sentido. O contrario seria não só despo-

 jar o poder judiciário de suas legitimas attribuições, mas exer-cer sobre os particulares um constrangimento illegal ou umaviolação das garantias da propriedade. Convém erearuma com- petência especial a favor do Qoverno, mas isso é questão de jureconstituendo f  e o que por ora regula é a competência ordinária.Em taes casos, a decisão do Governo pode ser considerada ille-gitima e violenta»'.108

 

—Ainda mais: mesmo com relação aos contractos celebra-dos com a Administração da Fazenda, o Conselho de Estado não

duvidara impor certas restricções, como se deu a propósito doarrendamento de uma   fazenda do domínio publico privado, di-zendo no respectivo parecer: « 1.° que o art. 1°, § 2o do Dec. de29 janeiro 1859 não é extensivo aos contractos de locação debens do domínio do Estado, embora celebrados sejam por formaadministrativa, não se tratando na espécie senão de um inte-resse pecuniário, que não se entende com o poder governamentalou administrativo; 2.° que pertencia, portanto, â autoridade  judiciaria decidir as questões que versassem sobre o cumpri-

mento, a interpretação, validade, rescisão e effeitos de taes con-tractos, não sendo licito estipular-se a competência administra- 

103 Consulta de 23 dezembro 1867, e Resol. de 7 março 1868.— Noentanto cumpre lembrar, que o Dec. do Poder Executivo, n. 2926 de 14maio 1862, ao estabelecer as regras para os contractos do Ministério daAgricultura e Obras Publicas, havia estatuído no sou art. 38: «Qne todas asduvidas e contestações sobre a intelligencia, tanto das clausulas geraescomo das especiaes dos contractos, seriam resolvidas pelo dito Ministério naCorte, e nas províncias pelos respectivos presidentes, quando ascircunstancias requeressem brevidade na decisão.» As clausulas adoptadas

no Dec. cit. de 1862 foram também mandadas applicar aos contractosanálogos feitos com o Ministério da Fazenda. (Circulai' da Fazenda, n. 253de 30 agosto 1864 e da Dlr. Ger. do Contencioso, n. 806 de 16 julho 1866).  

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tiva; porquanto dar-se-ia unia inversão na ordem das jurisdic-ções,que é de direito publico ; 3.° que, mesmo nas matérias em que acompetência é da Administração, as questões entre con-tractadores

e terceiros pertenciam ã autoridade judicial, porque são de ordemmeramente privada e não de interesse publico.»104

 

No parecer em questão, o qual foi confirmado pela ResoluçãoImperial, o Conselho de Estado reaffirmara, mais uma vez, oprincipio, já consignado em Consulta anterior (de 22 dezembro1866): « Que quando o Estado funcciona, como pessoa civil,contractando com um particular a respeito de um direito individual,sujeita-se, como qualquer cidadão, alei privada e ao poder

 judiciário.» 105 

E, em regra geral, se pode dizer, que o Conselho de Estadomauteve sempre esta doutrina nas diversas questões que envolviamlesão manifesta dos direitos privados, proveniente de contractoscom o Governo; muito embora se possa encontrar, âs vezes, certaincoherencia em alguns dos seus pareceres.106

 

104 Consulta do Cons. d'Estado de 26 fevereiro, e Besol. de 13 abril,e Av. de 14 maio de 1867. 

103 Vide: Consulta do 1° junho, Resol. de 22 dezembro 1866, e Av.de 27 janeiro 1867.— Como se vê, das razoes do Conselho de Estado trans-parece o pensamento de tirar argumento da doutrina, que distingue no Es-

tado a pessoa politica ou soberana, da pessoa civil ou jurídica... 106 Disto temos exemplo no seguinte facto:—Tendo o presidente daprovíncia de S. Paulo indeferido uma reclamação da Companhia Soroca-bana, fundada em clausulas do seu contracto com o governo provincial, ebem assim, tendo deixado de obedecer ao despacho da autoridade judiciaria,que, a requerimento da Companhia, intimara o Procurador da Fazendapara nomear árbitros para decidirem dita reclamação; o mesmo presidentelevantara o conflicto de jurisdicçáo, Tomando conhecimento, o Conselho deEstado declarara no seu parecer: « Io) que existia o Contencioso Adminis-trativo Provincial; 2°) que, portanto, o presidente decidira muito correcta-mente, nao admittindo a intervenção judicial no caso.» — Resol. C. E. de21 fevereiro 1874; Av. Jnst. 28 fevereiro 1874. 

— Agora, sem querer pôr em duvida a elevação de vistas, com quea douta corporação sempre encarava os assumptos sujeitos ao seu exame, 

84  R. c 

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— De accordo com os princípios adoptados pelo Conselhode Estado a autoridade judiciaria, quando devidamente provocada, jamais recusáraa sua intervenção na matéria; e segundo as

suas decisões, o Estado foi muitas vezes obrigado, quer ao cumprimento das condições ajustadas no contracto, porventura infringidas pelos seus órgãos ou representantes, quer a prestar aindemnisação devida pelos prejuízos ou damnos causados á outraparte contractante, que se mostrava juridicamente lesada.107

 

importa, todavia, não esquecer que na mesma tinham assento os chefespolíticos dos partidos militantes; e por isto, em mais de um caso, na de-cisão não podia deixar de influir a idéa de não desprestigiar o presidentedesta ou daqnella província, de cujo acto se tratava. A respeito do parecer e

consulta referidos, seria de apreciar o voto discordante do ConselheiroNabuco, o qual affirmou estar com a boa doutrina. (Coroatà,   Itnp. Resol.sobre Consultas da Secção de Justiça, p. 1846-47.— Rio, 1884). Outro pa-recer, também divergente da doutrina, geralmente seguida pelo Conselhode Estado, é o constante da Resol. de 26 novembro 1881, citada na mesmaobra á p. 2112 sg. 

107 — Como exemplo da doutrina seguida pelo Judiciário em relação áfé dos contractos feitos com o Governo, damos aqui breve noticia da de-cisão constante da Revista Oivil n. 8002 de 23 de Junho de 1876, cuja espé-cie fora a seguinte: —H. J. Pinto propuzera acção contra a Fazenda Nacio-nal pedindo indemnisação de trabalhos feitos em cumprimento de contractocelebrado com o Director interino da Repartição da Estatística; contracto,

que o Ministro do Império desapprovara (depois de começada a sua exe-cução) por falta de competência daquelle funccionario para fazel-o. A Fa-zenda Publica fora condemnada em Ia e 2* instancia (Accs. da Relação doDistricto do Rio de Janeiro de 23 julho e 10 dezembro 1875); e manifestadaa revista, foi esta negada unanimemente, por não haver injustiça notória ounnllidado manifesta, e dando-se como regras assentadas: « Ia Os contractosfeitos com as repartições publicas, embora não estejam as mesmassuficientemente autorisadas, são validos em relação áquelJes que o fizeramde boa fé, induzidos pela authenticidade que taes repartições devem inspirar; 2a Como consequência deste principio, a Fazenda fica obrigada sempre ásatisfação do que justamente lhe for exigido, pois, nó assim, pode serrespeitada a fé dos contractos.  Multa prohibitur in jure fieri, quae ta' men

 facta, tenent». — Outro exemplo "CADUCIDADE DE PRIVILEGIO ":  A obtivera do go

verno de uma província a concessão e privilegio para a construcção de uma 

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88 e.—Na Republica, estabelecida a competência do poder  judiciário para conhecer, eui geral, dos actos dos outros poderes,toda vez que se allega a lesão de direitos individuaes por parte do

Estado, não seria preciso dizer, que este se acha sujeito a responder judicialmente pelos damnos ex contractu ■segundo os principios dodireito civil, ou outras disposições es-peciaes, que, porventura,sejam applicaveis ao caso sujeito.108

 

Em virtude dessa competência geral, ora reconhecida ao judiciário, cessou igualmente a limitação, que outr'ora se pretendiafazer em favor da jurisdicção do Contencioso Administrativo sobreas questões, concernentes à interpretação, validade a execução deprivilégios e concessões feitas pelo Governo, ou á. applicação daspenas (multas, rescisão, caducidade) constantes •das respectivasclausulas;109 e bem assim, sobre as questões, oriundas de contractosde obras publicas e de fornecimentos 

•estrada de ferro na mesma provinda. Não tendo o concessionário reali-zado, durante certo tempo, o objecto do sen privilegio, o governo geral,— fandando-se em razões de interesse publico e em motivos, que consi-derou procedentes, declarou a concessão caduca e extincta, e declarando,ao mesmo tempo, geral, a estrada de ferro em questão, ordenou a sua con-|«tracção por conta do Estado. Em vista disso, o concessionário propoz a suaacção por perdas e damnos; e a Revista n. 10.417 de 24 fevereiro de 1886,

reformando dons Accordams do antigo Tribnnal da Relação da Corte, con-demnou a Fazenda Nacional a prestar a indemnisação pedida; visto o con-cessionário ter sido privado do sen direito,—o que não podia ser, senão,mediante desapropriação nos termos do § 22 do art. 179 da Constituição eleis regulamentares. 

Segundo a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça do Império ea do Tribnnal Revisor (Relação de Porto Alegre, 1 julho 1886), manifestadaã propósito,— a concessão do privilegio não importa somente um vinculo•contractual; é uma propriedade do concessionário, susceptível de desapro-priação nos casos da lei. 

*08 Confere: B. T. F. 9 setembro 1893; 3 agosto 1896; 6 dezembro1896; 20 março, 15 maio e 27 julho 1896 ; 25 julho 1898, eto. eto.  I 

loo Vide: S. T. F. 11 junho, 15 outubro, 19 dezembro 1898; 16 se-tembro e 18 dezembro 1899; etc. etc. 

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para os diversos serviços do Estado, oa d'outros semelhantes,inclusive os contractos com a Fazenda Publica, declarados entãode privativo conhecimento e decisão da mesma. 

— Quanto aos princípios da jurisprudência actual, regula-

dores de tão importante assumpto, estes são do teor seguinte : 1) A responsabilidade do funccionario publico pelos actos,

que pratica em nome do Estado ou em razão de suas attribui*ções legaes, jamais pôde excluir a do mesmo Estado com relaçãoa terceiros; sendo assim, em verdade, responsável a FazendaNacional pelos contractos, em que figura, como parte devidamente representada... Por direito, todo o damno deve ser satisfeito por aquelle que o causa, ou seja proveniente ex delicioou ex contractu, desde que dahi resulta prejuízo ou perda para

outrem (S. T. F. 9 de setembro de 1893). 2) Não assiste ao Governo o direito de declarar, por acto

seu, a rescisão ou caducidade do contracto, em que é parte ;porque seria arrogar se a attribuição estranha de ser parte e juiz ao mesmo tempo, isto é, juiz do próprio acto ; conseguinte-mente, si o fizer, o Estado será responsável pelos damnos resultantes â outra parte contractante (S. T. F. de 5 dezembro 1896 j-15 maio e 21 julho 1897 ; 11 e 25 junho, 15 outubro, 19 dezembro 1898; 16 setembro 1899; 30 novembro 1901; etc., etc.) 

Convém notar, que, pela decisão de 9 setembro acima ci-tada, o S. T. F. affirmára o principio geral da responsabilidadedo Estado, não só quanto ao damno ex contractu, mas tambémex délicto. 

—Contra o direito, ordinariamente exercido pelos governos,de resilir ou declarar caduco o contracto, dada a inobservânciade certas clausulas por parte .do contractante ou concessionário,,os tribunaes tem, às vezes, decidido com tanto rigor, que, tra- 

tando-se mesmo de contractos inquinados de vicio substancia], nnllos depleno direito (8. T. F. 16 setembro 1899), ou de contractos, em que se acha

estipulada a condição resolutiva ex- 

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 pressa (8. T. F. 19 dezembro 1898; 30 novembro 1901), tudoisso não obstante, o Estado tem sido condemnado a pagar per-das e damnos,—sob o fundamento supradito de que, no acto de-

claratório da resilição ou caducidade, o Estado (o seu represen-tante) faz de juiz e de parte ao mesmo tempo.1.10 Deste pontoem particular ainda se dirá mais adiante. 

— Alem do que respeita aos actos declaratórios de rescisãoou caducidade de contractos, a responsabilidade da administra-ção publica (União, Estado, Município) de prestar indemnisaçàonos differentes casos particulares de infracção ou não-cumpri-mento de clausulas ou condições contractuaes, seja por inter-pretação errónea das mesmas, seja por culpa ou simples negli-gencia daquelles, que representam a pessoa jurídica do direitopublico nas circumstancias, tem sido affirmadaereconhecida pela jurisprudência, além de muitas outras, nas seguintes espécies: 

1)  Por não ter o governo tornado efectiva a clausula deuma concessão, reconhecendo a isenção de direitos de impor-tação para mercadorias pertencentes á empreza concessionaria(S. T. F. de 20 março 1897).1U  1

2)  Pelos damnos causados em prédio alugado pelo governo,muito embora praticados por sublocatários ou terceiros, até

110 E\ todavia, de saber que, a despeito das decisões acima citadas doS. T. F. recusando peremptoriamente ao Governo o direito de rescindir os próprios contractos, nem por isto, seria difflcil mencionar também decisõesdo mesmo Tribunal,— igualmente confirmativas de despachos de rescisão ocaducidade proferidos pelo Governo... Neste sentido, alem de outros, se-podem vôr os seguintes Accordams : de 19 outubro, e 16 dezembro 1895 ;de 15 dezembro 1897 ; de 28 outubro 1898; de 17 maio 1899 ; etc, etc. 

111 Por sentença do Juizo Federal da secção do Distrioto Federal, de5 novembro 1902, foi a Fazenda Nacional condemnada a pagar a importância devida e os juros de 6 %, por não ter observado a isenção de direitos, concedida era favor da Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro.—

Esta sentença pende ainda de decisão do Supr. Tribunal Federal, em virtude do recurso de appeUação de n. 890. 

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a entrega do prédio ao proprietário (8. T. F. de 17 novembro 1897).  3

3) Pelo não pagamento das quantias ajustadas nas épocasdevidas, segundo o andamento das obras (contracto de obras),sendo applicavel a disposição terminante e expressa do art. 249"do Código Commercial (S. T. F. 13 dezembro 1899). m

 

88 f. —DAMNOS PROVENIENTES DE CASOS DIVERSOS.  De-baixo desta epigraphe indicaremos ainda algumas decisões judi-ciaes, reconhecendo a responsabilidade civil da AdministraçãoPublica por actos lesivos dos seus representantes, taes como : 

1) Pela utilisação de aguas e terrenos do domínio privado-na execução de obras e mais serviços necessários ao apro-veitamento e canalisação das aguas para o abastecimento pu-blico; sendo applicavel ao caso o disposto na Ord. liv. IVT

tit. 58 princ. e Const. Fed. art. 72, § 17 (S. T. F. de 23-agosto 1893).

2) Pelo prejuízo e damniíicação cansados á propriedade par-ticular na execução de obras e serviços públicos diversos (S. T»F. 19 maio 1897, e de 10 setembro 1898).

3) Pela prohibição de funccionamento feita á uma eia prezade divertimentos públicos (Frontão) em dias úteis; sendo decla-

113Por dous Aços. do 8. T. F. de 18 junho 1904 de ns. 925 e 939 foi aFazenda Federal condemnada a pagar a quantia pedida (de somma avultada),

 juros da mora e custas, por não ter o governo querido cumprir um accordofeito com diversos concessionários de burgos agrícolas sobre a respectivaindemnisação destes, á pretexto de que o pagamento da indemnisaçãoajustada ficara dependente de condição,— quando, realmente, semelhantecondição não existia, e ao contrario, se tratava de obrigação contractual,

pura e simples. A supposta condição ou pretexto se reduzia ao seguinte' —que o governo não se considerava obrigado a cumprir o ajustado, sem queo Congresso votasse o credito necessário... o qual, aliás, não fora solicitadopelo mesmo governo... 

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rada inconstitucional a lei municipal, que assim o havia orde -| nado(S. T. F. 12 dezembro 1898).m

 

4) Pelo prejuizo resultante do fechamento de armazéns al-

fandegados, fechamento inevitável à vista da recusa arbitraria doinspector da alfandega em nomear para administrador dos mesmosa pessoa proposta pelo respectivo concessionário. Sobre o casodisse o Tribunal: «E' indisputável a responsabilidade civil do Estadopelos damnos causados aos particulares pelos funccionariospúblicos, órgãos de sua acção, ficando-llie salvo o direito regressivocontra estes para haver o q_ue houver pago pelos seus abusos eomissões » (S. T. F. 27 julho 1898).1U

 

113 A Municipalidade é,que fora condemnada a prestar a indemnisação.— Em uma decisão da Corte de Àpp. do Districto Federal se disse:  

« O funccionario publico tem o caracter de um oommissario da pessoa ju-rídica por quem funcciona; a seu turno a pessoa jurídica é a representantedo seu funccionario. A Municipalidade, em consequência, assume aresponsabilidade civil pela culpa de seus funccionarios no exercício defuncções próprias nos termos do direito commum. O art. 36 da lei n. 85de* 1892, assim como o art. 82 da Constituição da Republica, estatuindo aresponsabilidade civil e criminal dos funccionarios, não excluíra de modoalgum a responsabilidade civil da própria administração (União, Estados,Município, eto).» Vide: Aços. da Corte de App. do Districto Federal de29 abril 1899, e 17 janeiro 1901. — Espécie: O governo municipal man-

dara fechar, por seus agentes, diversos commodos do mercado á Praça da Harmonia, sem razão procedente e sem intimação dos coproprietarios. A in-demnisação pedida referia-se aos alugueis de ditos commodos durante otempo, em que os mesmos estiveram fechados (Rev. de Jurisprudência,vol. XE de 1901, p. 355 sg.). 

114 Acceitamos o principio do Acc. acima citado, como de inteira razãoe justiça. Entretanto na App. n. 795, se tratando de prejuízos materiaese moraes de toda a sorte, causados ao appellante com o vexame de actosadministrativos e o processo de contrabando, a que o mesmo teve de responder, por erro on abuso de funccionarios aduaneiros, e, não obstante a provaofferocida dos grandes prejuízos soffridos, se decidío, que não havia logara indemnisação dos mesmos prejuízos; limitando-se o Tribunal a mandarrestituir a importância dos objectos apprehendidos e o valor da fiança,multas e custas, indevidamente arrecadadas.— B. T. F. 5 setembro 1903.  

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5) Pelo prejuízo resultante da venda de bilhetes de estradade ferro do Estado para pontos, onde o destinatário não podiachegar em vista da suspensão do trafego nessa zona, circum-

stancia, aliás, não ignorada pelo empregado, que vendera osbilhetes; se tendo declarado que, da culpa do empregado decor-rera a obrigação, não só de restituir o custo dos bilhetes, comoa de indemnisar as demais despezas da viagem, feita inutil-mente (S. T. F. 18 dezembro 1899).11B 

6) Pelos prejuízos provenientes do acto do governo prohi-bindo a venda e circulação de bilhetes de loterias á uma socie-dade anonyma, que explorava esse ramo de negocio, mediantecontracto com o Governo Federal (S.T.F. 6 março 1897).1M 

7) Pela importância das mercadorias, apprehendidas à pre-texto de contrabando, com os juros da mora; —mas, não jun-tamente, pela satisfação de outros damnos resultantes (S. T. F.2 dezembro 1901). Prevalece a mesma doutrina no caso de asmercadorias se haverem extraviado nas alfandegas. (S. T. F.11 novembro 1903). m 

115 No caso de mercadorias, não chegadas ao seu destino, por se terem precipitado num rio os wagões que as conduziam,— se decidio quenão tinha logar a indemnisação por se tratar de caso fortuito, previsto nasinstracções regulamentares da matéria, e não se haver provado dolo ouculpa nos propostos da Fazenda Nacional.— S. T. F. 4 junho 1898. 

Entretanto, por Accs. de 3 março e 10 dezembro de 1897 do SuperiorTribunal de Justiça do Estado de Pernambuco se decidio,— « que a Admi-nistração de uma estrada de ferro responde civilmente pelos damnos a pro-priedade particular, cansados por seus empregados no exercício das suasfuncções conforme ao art. 142 do Beg. n. 1930 de 1857.» ( Rev. de Juris-

 prudência, vol. VIII de 1900, p. 166 sg.). 116 No caso supra, o condemnado á indemnisar foi o Estado, cujo acto

se tratava, e não a Fazenda Federal.  117

E' de vêr também sobre matéria idêntica o Acc. de 5 setembrode 1903, onde a questão da responsabilidade civil de Estado foi longa e doutamente discutida, tanto na sentença de primeira instancia, em parte con- 

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— Ao occupar-nos da matéria da '' intervenção judiciaria'' noparagrapho seguinte, ainda teremos occasião de mencionar variasoutras decisões, reconhecendo a responsabilidade civil! do Estado

pelos actos lesivos dos seus representantes ou fane-cionarios. 

§ 3o INTERVENÇÃO JUDICIARIA 

89.— PRINCÍPIOS GERAES.  Verdadeiro, como é, o principioadoptado pela jurisprudência do paiz, declarando o Estado,responsável pelos actos de seus órgãos ou representantes, quandodesapropriam ou damniíicam a propriedade privada, ou 

Armada pelo S. T. F., como nas razões do appellanto; sendo a decisão doS. T. P. nos mesmos termos das duas, que foram mencionadas no texto. 

Anteriormente, no Aoc. n.681,proferido em 2 dezembro 1901,o S. T.F. jà havia declarado: 1) que não se dá a responsabilidade da Fazenda Publicapelas violências e arbitrariedades do funecionario; 2) que o principio daresponsabilidade exclusiva e pessoal do funecionario pelos abusos e ex-cessos que pratica no exercício do cargo, sobre ser o geralmente seguidoe até consagrado em diversos códigos civis, como sejam o portuguez, oargentino e o allemão, é o único que se pôde inferir do art. 82 da Consti-tuição federal e do art. 86 da lei n. 85 de 20 setembro 1892; 8) que,quando assim nao fosse, a responsabilidade na hypothese sujeita só poderiadecorrer de um quasi-delioto da sua parte, e apenas obrigaria á prestaçãodos damnos emergentes, dada a provede que a apprehensao das mer-cadorias se tivesse feito com ma fé (argumento do art. 337 do reg. n. 737de 1850)... E em vista de taes fundamentos, o Tribunal condemnou a Fa-zenda Publica, tão somente, a restituir a importância da venda das mer-cadorias, apurada em leilão, com os juros da mora; negando, porém, âparte qualquer direito a titulo de indemni sacão de damnos. 

— Espécie: O varejamento de casas commerciaes e a apprehensaodo meroadorias por suspeita de contrabando, e bem assim o processo cri-minal dos proprietários de taes mercadorias, tudo conformo as ordens ex-pedidas pelo Ministro da Fazenda; verifleando-se, afinal, a falta de justacausa para a apprehensao das mercadorias, assim como a absolvição dosseus proprietários no juizo competente. 

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• — 638 —i 

lesam de qualquer outro modo aos direitos indivíduaes m; cum-pre, todavia, verificar com inteira prudência e critério os ter-mos e condições, em que a intervenção judiciaria pôde ou deve

ser legitimamente provocada a semelhante respeito. * Com a jurisdicção institucional independente, de que o po-

der judiciário se acha investido na Republica, como um dosseus órgãos soberanos (Const. Fed., art. 15), é elle, sem du-vida, competente, não só para conhecer dos actos administra-tivos em geral, mas também da própria validade das leis do 

118 Infelizmente ainda se nota, ás vezes, certa vacillação nos conside-randos de algumas decisões, e dahi a incoheroncia dos seus fundamentos, oque tanto enfraquece o valor doutrinário das mesmas decisões... 

—Em alguns julgamentos do Supremo Tribunal Federal se tem allu-dido, como argumento da irresponsabilidade do Estado, o ter a ConstituiçãoFederal no seu art. 82 estatuído a responsabilidade directa ou pessoal dofunooionario publico pelos abusos e omissões commettidas no exercício deseus cargos. 

Não se comprehende bem, porque se procura tirar essa conclusão obri-gada de um texto, no qual nenhuma palavra se refere, siquer, á responsa-bilidade ou irresponsabilidade do Estado... Nao pôde ser o caso de dizer cinclusio unius, eocclusio alterim », — visto não dar-se opposição fatal decousas ou de conceitos. O que se vê firmado na Constituição,é o principio daresponsabilidade, criminal e civil, do funooionario pelos seus actos e omis-sões, illegaes ou culposos, e segundo o qual o mesmo responde, tanto ao

Estado, como aos terceiros, que forem lesados por taes actos ou omissões.E nem ha nisto uma novidade; porque o dispositivo do art. 82 da Consti-tuição Federal é copia do art. 179 § 29 da Const. Imp. de 1824, e delle seencontram análogos nas constituições e leis dos vários Estados civilisados. 

Nunca, porém, se cogitou outr'ora, ou alhures, que semelhante pro-videncia importava, por si só, argumento ou razão excludente da respon-sabilidade do Estado pelas lesões do direito individual, feitas pelos seusfunecionarios. 

Não é preciso repetir, que a responsabilidade do Estado é puramentecivil, isto é, a obrigação de indemnisar a lesão do alheio direito medianteuma reparação pecuniária; e responsabilidade desta natureza também pôdecaber, segundo à nossa lei positiva, ás pessoas, aliás, reputadas incapazes

de todo delicto ou crime (Cod. Pen., arts. 27, 81, 82; Hic, p. 502). Consequentemente, fundamento não ha, não pôde haver, para ser in-vocado o art. 82 da Constituição Federal, como razão de decidir, pela 

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Congresso Nacional, e dos decretos, regulamentos, e mais actosdiversos do Poder Executivo; podendo, conseguintemente, decidirnos diferentes casos, já sobre a nullidade dos actos arguidos ou

impugnados, e já sobre a indemnisação, que o Estado fica obrigadoa prestar aos lesados pelos actos em questão. Tal é a lei actual, econforme á mesma, também se acha firmada a pratica da nossa

 jurisprudência.119 

Mas á amplitude da sua applicação importa traçar juntamente

limites certos, e tão assignalaãos quanto possível, afim de 

isenção do Estado, nas espécies sujeitas; não se vendo, insistimos, porqueprincipio ou regra a responsabilidade civil do Estado não possa coexistir-com a do f.mecionavio, já de maneira principal ou solidaria, jà simplesmente

de maneira subsidiaria era dados casos particulares. Si a razão supposta prevalecesse, ella deveria excluir, por completo, a

responsabilidade do Estado, visto o art. 82 invocado não conter nenhumrestrictico quanto á sua applicação aos differentes casos... Mas ha quementenda, que isto possa ser juridicamente admissível ? 

Não. Repugnaria, antes de tudo, com a regra seguida tradicionalmentepela jurisprudência pátria, e com nm sera-numero de decisões, mesnioreeentes, nas quaes os tribunaes do paiz tem reconhecido a responsabili-dade civil do Estado, às vezes, sem alludir siquer á responsabilidade pes-soal do funccionario... 

Parece-nos, que estas breves considerações bastam para deixar ma-nifesto, que o art. 82 da Const. Fed. não é, por forma alguma, uma razão-

excludente da responsabilidade civil do Estado nos casos, em que, segundoa justiça, ella deva ter logar. — Commentando, precisamente, o texto era qnestão, o ministro do Su-

premo Tribunal Federal, João Barbalho, depois de rever a jurisprudênciaseguida pelo referido Tribunal, concluirá citando o Acc. da app. oiv. n. 375de 27 julho 1898, no qual se affirmou a responsabilidade do Estado nestestermos: « Considerando que indisputável é a responsabilidade civil doEstado pelos damnos causados aos particulares pelos funocionarios pú-blicos, orgaras da sua acção, ficando-lhe salvo o direito regressivo contraestes, para haver o que houver pago pelos seus abusos e omissões (Const.,art. 82)...»—J. Barbalho, Const. Fed, Brasileira Commentarios, p. 364-55.— Rio, lb02. 

«o Vide: Lei n. 221 de 1894, art. 18; Dec n. 3084 de 5 novembro1F98, Part. I, arts. 58-62. 

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Y  — 540 — 

que a intervenção judiciaria, sempre vigilante no seu elevadointuito de protecção aos direitos individuaes, não descure poroutro lado, não obste, mesmo, a realisação de actos e factos que,

porventura, envolvam os interesses e direitos maiores da col-lectividade, e dos quaes dependa a própria existência do bempublico: —Est moãus in rébus... 

Antes de tudo, ha uma razão constitucional, superior, quese impõe ao poder judiciário, muito embora tratando-se de actoslegítimos da sua jurisdicção: é o respeito que lhe incumbe guar-dar igualmente â independência dos dois outros poderes, legis-lativo e executivo;—sem o que, não seria possível a coexistên-cia e harmonia que o legislador constitucional estatuio, como

condição de inteira efficacia das medidas e actos, emanados decada um delles.120 

■ 120 No Império, ainda que também se desse a intervenção da autoridade judiciaria nos actos da administração (quasi somente em lesões de direitoscontractuaes), e a independência do referido poder estivesse consagrada naConstituição de 25 março 1824 (arfcs. 151 e 179 § 12); jamais o mesmo seconsiderou competente para julgar da validade das leis e dos decretos ouregulamentos do Poder Executivo. Pelo contrario, os juizes e tribunaesdessa epocha se julgavam strictamente obrigados a decidir os pleitos, não

só de accordo com as leis vigentes, quaesquer que fossem, como até, aprestar obediência aos regulamentou, instrncçQes e avisos do Executivo, —dado mesmo, que taes actos interferissem na esphera da acção judiciaria,como, por exemplo, nos casos, em que definiam a própria competência dos

  juizes e tribunaes! Não é preciso notar a possibiUdade dos abusos dahiresultantes; podendo o Governo, por esse meio, subtrahir ao conhecimentodo Judiciário taes e taes actos da Administração, muito embora offensivosdos direitos privados... 

—Com relação á matéria de damnos provenientes da guerra, ha umfacto dos tempos do Império, que, a propósito, cumpre lembrar. Para fazerparar a torrente de condemnações (diz um autor competente) contra a Fa-zenda Publica, a Assemblca Geral adoptou a seguinte disposição: Não será

inscripta, nem paga divida alguma, que respeite á perda de particulares pormotivo de guerra interna e externa, sem autorisação da Asseinbléa Geral(Lei de 24 outubro 1882, art. 81). « Esta disposição, observa o Visconde do  

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■  — 541 —  I 

Depois, não se deve também jamais olvidar, que os direitose interesses, próprios do Estado, na sua analyse final, nada maissão, do que os  próprios direitos e interesses da collectividade

publica; e que, sem a acção continua e desembaraçada de todosos seus órgãos ou representantes, taes direitos e interesses dei-xariam de ter o devido valor e efficacia na sua applicação.  

89 a.—Não existe, é certo, a jurisdicção de um ContenciosoAdministrativo; mas, nem por isto, deixam de subsistir as mes-mas razões de independência e a necessidade de acção autónomado poder administrativo, vis-à-vis do poder judiciário. Mesmo naausência de um Contencioso Administrativo organisado, ha, enem podia deixar de haver, uma esphera própria da acção poli-tica e administrativa, exclusivamente regulada segundo a hie-rarchia das respectivas autoridades ou funccionarios, na qual oJudiciário, ou não deve jamais penetrar em respeito ao prin-cipio da separação dos poderes públicos, ou si lhe parecer in-dispensável fazel-o, cumpre, que a sua intervenção não passedos limites, rigorosamente necessários á protecção do direitoindividual offendido.— Sobre este ponto, estamos convencidos,de que nada melhor poderíamos dizer, do que repetir as pala-vras de um dos nossos mais illustres professores de direito:  

« Tanto a administração como o poder judicial tem por mis-são a execução das leis; a primeira, porém, só se occupa comas leis de interesse geral, e o segundo com as de interesse pri-  

Uruguay, era uma attentado contra o Poder Judiciário, cuja independênciaviolava abertamente, arrogando-se o Legislativo a faculdade de rever einutilisar decisões soberanas e independentes. » —*V. do Uruguay, Ensaiosobre Direito Administrativo, p. 148-44. 

Ora, isto, que se fez por meio de uma lei, certamente votada porsolicitação do Governo, seria muito mais faoil fazel-o, em casos análogos,

por meio de disposições regulamentares, ou, às vezes mesmo, por meio desimples avisos... 

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vado; a primeira é incumbida de curar das necessidades geraesou collectivas, e o segundo de defender os direitos individuaesdos associados. Desta diversidade de missões provém a dife-

rença de sua natureza e funcções... Assim constituídos a admi-nistração e o poder judicial, e girando dentro das suas orbitaspróprias, ficam ao mesmo tempo satisfeitas estas duas supre-mas necessidades da vida social, a defeza dos interesses col-lectivòs e a dos direitos individuaes. Invertam-se, porém, ospapeis, ou invada qualquer delles a orbita alheia, e appareceráa anarcbia; todos esses direitos e interesses soffrerão profun-damente. »121

 

A verdade destes princípios subsiste idêntica, inalterável,

seja na monarchia, seja na republica. Ella não contraria, porforma alguma, o maior desenvolvimento das funcções e a energiaprecisa, que cada um dos poderes públicos pôde realisar eexercer dentro das attribuições próprias; o que ella, apenas,exige por ser indispensável, é, que a acção dos mesmos poderes 

181Ribas, Dir. Admiti. Brasileiro,?. 78 sg.—Rio, 1866.—Cf. Visconde■do Uruguay, Ensaio sobre o Dir. Admin. p. 32 sg. —Rio, 1862. 

Sobre a mesma matéria conviria lèr igualmente as palavras de uma

decisão da Corte de Cassação de Roma (de 11 janeiro 1893), onde muito judiciosamente fora ponderado : « La contraria teoria in luogo delia reci-proca independenza e liberta dei due poteri trarrebbe ad una inevitabile■confusione nello svolgimento di loro mansioni o, sottoponendo i decreti■delia pubblica potostà amministrativa alia censura dei potere giudiziario,■ove ne intralcerebbe, ove ne impedirebbe con pubblioo nocnmento la azionee il pieno funzionamento. II compito, dunque, deU'autoritá giadiziaria èlimitato aU'esame esteriore delTatto, alia lega li ta dei medesimo, com res-peito alie forme con le quali è stato reso, come in riguardo alia competenzadelia antoritá da cui promana. Questo esame soltanto ha carattere giudi-ziale e forma oggeto appunto delia questione di competenza, ene allora puòdirsi ricorre alia giurisdizione ordinária quando alFatto amrainistratívo non

■possa opporsi il defotto di potestà, quando, cioè, sia stato emesso dal po-tere amministrativo nei limiti delle sue attribnzioni e nolle condizioni enelle forme prescritte dalla leggo » — Apud Solari, ob. cit. p. 44. 

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seja dirigida e regulada com prudência, de modo que jamais serompa e enfraqueça o equilibrio harmónico, que devem sempreguardar, como órgãos, que são, das funcçóes coordenadas do

Estado. 

89 b.— Não se pôde dizer uma novidade de direito publicoo systema da intervenção judiciaria, ora vigente no Brazil,quando legitimamente provocada a conhecer dos actos da Admi-nistração Publica. Não faliando da Republica Norte-Americana,donde directamente tomámos o modelo, de que nos servimos, ahi•está a própria Inglaterra, onde, diz B. Dareste, não ha um sóacto do poder administrativo, cuja legalidade não possa ser apre-ciada pelas cortes de justiça. Todo cidadão, que se consideralesado no seu direito, pôde recorrer ao juiz ordinário, venhadonde vier a lesão,— salvo o direito que compete ao juiz de exa-minar, si a acção está, ou não, em termos de ser recebida.»182

 

Na Bélgica e na Hollanda todas as questões relativas aos di-reitos civis syoliticos (salvo quanto aos últimos as excepções es-tabelecidas pela lei) são também da competência judiciaria. 123| 

E não seria preciso accrescentar, que, em nenhum dos pai-zes indicados, a acção do poder judiciário jamais fora arguida deconstituir obstáculo a qualquer acto legitimo da Administração.

Tudo depende da sabedoria, com que cada um dos poderes exerçaas attribuições constitucionaes, que lhe são privativas, não ul-trapassando a linha de competência, que devem guardar entre si. 

89 c.— Diz Á. Giron: «Encarregada de tornar efectivas asprescripções que as leis decretam, a Administração tem opoder discricionário de escolher, entre as medidas de detalhe e de 

183 Dareste, Li Justice Administrativo en France, p. 200 sg.— Paris,

1898. 123 Vide : Const. Belga, arte. 92 e 93 

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applicação, aquellas que julgar mais adequadas para conseguirsemelhante resultado. Quaesquer que sejam o mérito intrínseco,a opportunidade, a conveniência, e a sabedoria de suas decisões,

os cidadãos devem a ellas submetter-se; porque na esphera desuas attribuições, a Administração é soberana, infallivel, irres-ponsável. Debaixo desta relação, é ella autónoma, independente,e escapa á censura dos tribunaes. Mas a sua autonomia é limi-tada ao livre exercício de suas attribuições legaes. Si tomarresoluções ou proferir decisões que,— para fallar como a Con-stituição,— não forem necessárias â execução das leis, ella agefora da sua soberania e da sua independência; longe de ser umbem, torna-se um flagello para os administrados, cujos direitos

viola. E eis porque a intervenção judiciaria é legitima em casostaes, sobretudo, para dizer acerca da legalidade dos actos, quandolesivos do alheio direito ».124

 

Mas, dada esta intervenção, observa ainda o citado autor,os tribunaes não podem avocar os negócios administrativos, nemdar ordens aos administradores. Se limitara a recusar o seu con-curso e protecção, quando se lhes pede a applicação de um actoillegal nos processos de sua competência. Reduzida a estes ter-mos, a intervenção dos tribunaes não poderá crear obstáculos á

legitima acção da Administração.»

12&

 — Exprimindo-se sobre o mesmo assumpto, adverte o pro-fessor Thonissen : « Não se deve dar, todavia, aos artigos 92 e93 da Constituição uma interpretação tão ostensiva, que tenhapor effeito sujeitar o poder executivo, e transportar a Adminis-tração do paiz para os tribunaes. Ao lado da independência dopoder judiciário, o legislador constituinte collocou e consagroua independência do poder executivo. Os tribunaes não tem odireito de annullar os actos que a Constituição e as leis confia-  

124 A. Giron, Droit, Admiti, de la Belgique, t.I, p. 228.—Paris, 1885. 125 Ibidem, p. 229. 

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ram á apreciação soberana de um outro poder. O art. 107 lhespermitte somente não tomar em conta resoluções e regulamen-tos illegaes, cuja applicação lhes seja requerida. Àdmittir uma

interpretação differeute, estender a competência dos tribunaesalem destes limites, constituil-os juises soberanos (appréciateurssouverains) dé todos os actos do poder executivo, seria procla-mar a omnipotência da magistratura e a subserviência (Vas-scrvissement) da Administração nacional; seria desconhecer osdireitos e aniquilar a independência de um dos três poderesconstitucionaes »,126

 

— G. Beltjens, condensando a boa doutrina dos autores eda jurisprudência, advertira por sua vez: « O direito de exame,que o art. 107 confere aos tribunaes, não é illimitado, e deveser combinado com as disposições constitucionaes, que garan-tem a independência do poder executivo. Em todos os casos,em que o poder executivo não haja transposto o circulo de suasattribuições constitucionaes, não é licito ao poder judiciáriorecusar-se ã applicação de seus actos, sob o pretexto de quelelles são inopportunos ou inúteis... Aos tribunaes não cabe aqualidade de apreciar o a-proposito e o mérito governamentaldos actos do poder executivo. O art. 107 presuppôe, que oscorpos administrativos ou os funccionarios, cujos actos se ar-

gúem, tenham sabido da esphera de suas attribuições legaes,ou que os seus actos não estejam revestidos das formas que alei requer para tornal-os obrigatórios. Recusando, porventura,a applicação de uma resolução ou regulamento illegal, os tribu-naes não tem, todavia, o direito de modificai-os ou abrogal-os ; 

126 J. J. Thonissen, La Constitution Belge, n. 383.— Bruxellas, 1879.Cf. De Fooz, Xe Droit Admin. Belge, t. I, p. 272 sg. 

— O artigo 107 da Constituição Belga, complementar dos artigos 92 e 93da mesma, reza: « Les court et trtbunaux n'appliqueront les arretes et regle-

mente généraux, provinciaux, et locaux, qu'autant gu'ils seront conformesaux lois ». 

35 R. C. 

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assim como não possuem igualmente o direito de impedir a exe-cução de um acto administrativo por via directa e principal...»127'—Também na própria Jurisprudência Americana, sem embargo

da competência do Judiciário para conhecer da validade dosactos dos outros poderes,— se considera ponto assentado : queos tribunaes nada tem que ver com as questões de naturezameramente politica, tendo-se por definitivo, o que a esse respeitofor resolvido pelos departamentos políticos do Governo. Os dif-ferentes poderes políticos (íhe several departments ofthe governe-' ment), diz Oooley, são iguaes era dignidade, e com poderes co-ordenados ; por isto, nenhum delles pôde sujeitar o outro â sua jurisdicção, ou prival-o de qualquer porção dos seus poderes

constitucionaes. O Judiciário é a autoridade final na interpre-tação da Constituição e a das leis, e a sua interpretação deve serrecebida e guardada pelos outros departamentos do Governo...Mas os tribunaes não tem autoridade para decidir questões ab-stractas, ou não sujeitas ao seu conhecimento em litigio actual,assim como, não tem que ver com as questões, exclusivamente,pertencentes á autoridade legislativa e executiva...»128

 

1"7 G. Beltjens, La Constitution Belge Reviséè, (ao art. 107).—

Liège, 1894. 123 Cooley, The General Principies of Constitutional Law, p. 146 sg.— Boston, 1891; Hio, p. 485-86 e nota ibi. I — Sobre a mesma matéria, diz Á. Carlier: Para a solução destes gravesproblemas, se tem estabelecido distincções entre os poderes conferidos pelaConstituição: uns são de ordem politica, ou melhor, tem um caracter dis-cricionário ; outros, a dizer, o maior numero, affectam ã vida civil e devemser encarados, abstracção feita da autoridade que os exerce... O exercíciodos poderes políticos ou discricionários pode dar logar a abusos, não haduvida; mas a opinião publica e a curta duração da delegação de taespoderes refreiam, senão, obstam, completamente as más tendências. Overdadeiro remédio para essas eventualidades reside nas eleições perió-

dicas, que submettem cada um dos membros do Congresso e o Presidenteda Republica a prestar contas dos seus actos ao próprio povo, — passíveisda pena de não-reeleição, si tiverem desmerecido da opinião publioa. Quanto 

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89 d.—Pelo que respeita, em particular, ao nosso paiz, nãoliaveria talvez ousadia em dizer, que até agora não se acham bemdefinidos e assentados os principios ou as regras relativas ás

restricções, que o poder judiciário se deve impor a si mesmo,quando haja de tomar conhecimento ou julgar dos actos dos dousoutros poderes, arguidos de invalidade nos respectivos pleitos. E,certamente, devido á esta circumstancia, na curta historia daRepublica já se nos offerece mais de um exemplo, de [que aintervenção judiciaria, como as vezes se tem entendido, pôde sersusceptível de crear embaraços sérios, não só aos actos daadministração publica,  propriamente dita, mas igualmente ásmedidas essenciaes de governo, discricionárias, ou de verdadeirasoberania, e cujo exercício compete privativamente ao Executivoem virtude de textos expressos da Constituição.. . 

— O modo e os casos, em que se pode dar a intervenção doJudiciário nos actos do Legislativo e do Executivo, estão, ao menosde modo geral, previstos e marcados na Constituição e leis daRepublica; mas como, de um lado, o Judiciário pode, por erro ouirreflexão, intervir e julgar occasionalmente de es- 

ao Presidente, pode elle ser sujeito igualmente ao impeachment, segando ascircunstancias do caso... Com relação, porém, aos poderes de natureza

•differente, e que se referem particularmente aos actos da vida civil, o seuuso fica, sem duvida, sujeito ao exame das cortes de justiça,— não de ma-neira absoluta e em todas as circumstanoias, mas occasionalmente nos lití-gios, que forem submettidos ás respectivas jurisdicções. Somente então, as■cortes declararão, si tal lei invocada ou tal-acto do poder é, ou não, validoem vista da Constituição... Esta prerogativa seria cheia de perigos, sifosse exercida diariamente ou de uma maneira theorica. Não suocede,porém, assim, como já se disse. O poder legislativo não tem que receiar-sedo poder judiciário, o qual é antes um auxiliar, do que um rival, — com-tanto que os magistrados saibam conter-se a si próprios, e não preten-dam substituir suas idóas as do legislador. —A presumpção de validadeé em favor do acto legislativo; é preciso haver razões peremptórias, textos

 precisos em contrario, para que o mesmo acto seja privado da sua sanc-«ção...— A. Carlier, La Republique Americaine, t.IV, p. 123 sg. 

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pecies, que não devem caber na sua jurisdicçâo, taes por exem-plo, de actos puramente políticos, ou discricionários do Governoe Administração; e como o Legislativo e o Executivo, também

ao seu turno, podem entender que nas hypotheses ditas não sãoobrigados a cumprir as decisões judiciarias, considerando-asofíensivas da sua qualidade de poderes igualmente indepen-dentes ; torna-se manifesto, quanto será difficil, na pratica, obom desempenho desta, talvez, a mais importante e transcen-dente das funcções do Judiciário, a dizer, a da sua interferêncianas matérias administrativas... Basta attender, que o Judi-ciário não sendo superior aos dous outros poderes constitucio-naes, mas apenas um seu igual, que deve exercer uma autori-

dade coordenada, compete-lhe, entretanto, decidir da validadedos actos dos primeiros, sem desconhecer ao mesmo tempo, que,dentro da esphera das attribuições próprias, cada um delles é,não só autorisado, mas até obrigado, a ordenai* e resolver porsi mesmo acerca do valor e efficacia jurídica dos differentes mis-teres e factos, que constituem objecto da administração geraldo Estado. 

Certo, repetimos, haverá dificuldade de bem delimitar pra-ticamente os actos legislativos e administrativos, que, por suanatureza e fins, devam escapar & jurisdicçâo do Judiciário,em nome da igual independência e harmonia de todos os po-deres públicos; mas, qualquer que seja a dificuldade inter-posta, é imprescindível que essa delimitação exista, e seja con-sagrada nas leis e na jurisprudência, sob pena de chegar-seá conclusão, aliás, inconstitucional,— de que o Judiciário é oúnico poder verdadeiramente soberano no regimen politico, emque ora vivemos.129

 

12) j£0 Congresso Jurídico Americano, reunido no Bio de Janeiro em

1900, a questão da intervenção judiciaria nos actos aãministrativcs constituiráuma das suas theses. Discutida esta, na votação final foi approvada por 34votos contra 23 a conclusão do relator Godofredo Cunha nestes termos: 

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— Segundo vimos, na Federação Norte-Americana, ondesabidamente o poder judiciário gosa de jurisdicção mais lata,do que em nenhum outro paiz, isso não obstante, a experiência

ensinou que, sem restricções prudentemente postas á inter-venção judiciaria, impossivel seria manter a acção livre e in-dependente, que os outros poderes da Republica deviam exercerem nome da Constituição. B facto realmente digno de nota: nãofoi a lei positiva, que cuidou de estabelecer regras e preceitospara assegurar o fim almejado; pelo contrario, foi o própriopoder judiciário, representado na sua Corte Suprema, que sepreoccupou, desde muito cedo, de firmar os princípios de boadoutrina, que lhe servissem de regra no legitimo exercício dassuas próprias funcções.130 Estes princípios de doutrina são váriossegundo as espécies differente3, e já tem sido, muitas vezes,invocados e considerados em numerosas decisões judiciaes donosso paiz, tanto pelo Supremo Tribunal Federal, como poroutros tribuuaes de justiça da União e dos Estados.m

 

Resta, entretanto, que a jurisprudência pátria firme taesprincípios, como seus próprios, de maneira certa, inalterável,indiscutível; porque, só assim, veremos cessar a duvida e incer-teza, que infelizmente ainda reinam na linguagem de muitosdos seus arestos... 

kA intervenção indiciaria nos actos da Administração ou do Governo só élegitima quando um direito individual é lesado.» — E\ como se vê, o s'm-

 plej principio já consagrado na lei n. 221 de 1894. (Congresso Jurídico Am ricano, vol. I, p. 232 —Rio, 1902). 

130 Hlo, p. 486, nota 9n.—Sobre quaes sejam os princípios reguladores da intervenção judiciaria, nos actos legislativos e administrativos, sepoderá vêr o meu livro "Regimen Federativo", p. 228 sg. (Rio, 1900),onde se acha condensado quanto os bons autores recommendam de melhora esse respeito.  I 

181Vide: S. T. P. 16 maio 1896, 21 outubro, e 16 dezembro 1899. 

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90.— ESPÉCIES PARTICULARES.  Apontados ligeiramente o»princípios geraes, que cumpre guardar na matéria da interven-ção judiciaria, quando ella fôr provocada a respeito dos actos

legislativos ou administrativos, sobreleva igualmente conhecer,qual seja a pratica seguida pela nossa jurisprudência nos casosparticulares da maior importância, que tem sido submet-tidos ádecisão dos tribunaes. E' o que vamos verificar das brevesindicações que adiante se offerecem. 

90 a. — Direitos dos funccionarios públicos. Nada se pôdesuppor de mais peculiar ás prerogativas do poder executivo,fonte da administração geral do Estado, do que a faculdade de

nomear e destituir os funccionarios dos differentes serviços; e épor isto que, segundo se vê da lei e da pratica dos váriosEstados, uma grande discrição é sempre reconhecida ao dito-poder no uso das suas attribuições a esse respeito. I Examinandoas próprias espécies, em que se tem dado-a intervenção  judiciaria sob a razão ou pretexto de violação de direitos dofunccionario, é licito distinguir os julgamentos proferidos emduas categorias principaes. I 1) De um lado se encontram decisões, nas quaes o Judiciáriotomando conhecimento de actos do poder executivo (ás vezestambém do legislativo), relativos â demissão, aposentadoria,reforma (de militares), promoção, vencimentos, etc, de func-cionarios, que se dizem lesados nos seus direitos individuaes,tem accentnado os seguintes princípios: I a) Que o poder judiciário não exerce funcções, próprias do Executivo, como. asde nomear, ãemittir, ou reintegrar empregados públicos (S. T. F.16 maio de 1896).18i

 

132 No Acc. de 27 novembro 1901 do S. T. P. se disse, que o funccio-nario de concurso nfto pôde ser demlttido ad nutum (inteJligencia da lein. 191 B de 80 setembro 1893, art. 9°); por isso, o Tribunal mandou que- 

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o) Que, attenta a divisão dos poderes públicos, os actosadministrativos, que não ferirem direitos civis ou políticos,excluem-se da competência do poder judiciário e, portanto, do

texto do art. 13 da lei n. 221, sem embargo da lettra b do seu §9o, evidentemente incompatível com os arts. 15 e 60 daConstituição Federal; que, para a reparação de interesseslesados por actos administrativos, em que intervier a violaçãoda lei, incompetência ou excesso de poder, só ha dons recursos,— o da via hierarchica, instituída no art. 41 n. 2 do decreto n.596 de 19 julho de 1890 e no art. 24 da lei italiana de 2 junho de1889,— e o da responsabilidade dos autores do abuso, como seacha expresso nos arts. 52 § 2o, 54 e 82 da ConstituiçãoFederal; que a demissão de empregados, não providos vitali-ciamente, ou por prazo certo, não offende a direito algum, masapenas á simples interesses do demittido (S. T. F. 23 agosto,20 setembro, e 9 de setembro 1899). 

c) Que, sendo os empregos públicos estabelecidos para obem da sociedade e não para o bem dos empregados, nada obstaou pode obstar, a que sejam extinctos, desde que se tornem inú-teis ou não mais possa o Estado custeai-os, e portanto, a vitali-ciedade de um emprego não pode ser entendida, senão, comosimplesmente asseguradora do exercício do mesmo emprego,

emquanto este existir; achando-se expressamente estatuído odireito da União de crear e supprimir empregos (Const. Federal,art. 34, n. 25).m

 

um conferente de alfandega continuasse no sen emprego, do qnal havia sidodemittido sem causa declarada, condemnada a Fazenda Publica a pagar-lheos ordenados c om juros da mora. Entretanto, por decisões posteriores (de 5setembro e 13 novembro 1903) o B. T. F. declarou que o poder judiciárionão tinha o direito para mandar reintegrar o funccionario, embora viéaKciô,mas somente para assegurar-lhe a percepção dos respectivos vencimentos.188 O empregado, demissivel ad nutum, não tem direito as vantagens do

emprego, de que foi destituído, á dizer, aos vencimentos do tempo-decorrido entre a data da demissão e a da sua reintegração ou aposenta- 

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d) Que é licito, no caso de suppressão de emprego vitalício, reduzir os vencimentos do funccíonario á percepção doordenado somente. Porquanto, dado mesmo: 1) que podessem

ser taxadas de retroactivas as leis que cream e supprimem empregos, quando ellas não regem relações da vida particular doscidadãos no que respeita á sua pessoa e bens, mas apenas operam sobre os elementos geraes da sociedade, modificando-os eapplicando-os ao fim social; 2) que fosse rasoavelmente admissível a obrigação, por parte do Estado, de continuar a pagarserviços que deixou de receber por inúteis, ou de que prescindiupor falta de meios; ainda assim, seria de todo ponto destituídade fundamento a pretenção... por isso que, o Congresso Nacional

tendo competência para diminuir ou reduzir os vencimentos dosfunccionarios federaes vitalícios, salvo as restricções expressasna Constituição, é fora de duvida que, mandando pagar a funccionarios vitalícios (lentes e professores), postos em disponibilidade por excederem ás necessidades do serviço, não os vencimentos integraes, que até então percebiam, mas apenas os ordenados,— nada mais fez, que usar de um direito que lhe erapróprio, porque quem pode diminuir vencimentos, pode diminuirgratificações e até acabar com ellas (S. T. F. 21 outubro 1898).  

e) Que, finalmente, a faculdade de prover os cargos públicos, isto é, de nomear e demittir os empregados, não se achandolimitada pelo direito ã vitaliciedade, cabe inteira ao Governo,o qual poderá usar delia segundo as exigências do serviço publico, etc, etc.184

 

çfto. No caso de reintegração, esta equivale á uma nova nomeação. Nemmesmo a própria vitaliciedade importa a perpetuidade do emprego, o qualpode ser supprimido, quando convenha ao interesse publico (S. T. P. 3 e27 outubro de 1900; 25 abril 1901, 28 maio 1902, 7 outubro 1903). 

134 vide: S. T. P. de 3 e 27 outubro de 1900.—B mais: os Accor-dams anteriores de 18 março, 1 agosto, 2 e 26 setembro, 4 e 9 novem-bro 1896; de 17 março, 20 abril, 5 maio, 12 junho, 18 agosto 1897 ;  

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2) Entretanto, de outro lado, tratando-se notadamente defunccionarios vitalícios, como são os magistrados, os professorese os militares de patente, se offerecem decisões, nas quaes o J

udiciario tem dado a mais ampla garantia a todos elles, desdeque allegam uma lesão dos seus direitos por actos da Adminis-tração. 

Assim é que:—a magistrados, aposentados por decreto doPresidente da Republica em cumprimento de disposições trans-itórias da Constituição Federal (S. T. F. 21 março de 1896, 7abril de 1897,19 março, 10 setembro e 7 novembro del898,etc); —a professores, que abandonaram o emprego voluntariamentepara conjurarem contra o governo legal (S. T. F. 4 janeiro e 2dezembro de 1899);—e a militares, que foram reformados oudestituídos por factos de indisciplina ou revolta; não obstanteos actos do governo serem declaradamente praticados, comomedidas necessárias á ordem publica (S. T. F. 19 setembro e27 novembro de 1895; 16 maio, 3 outubro 1896, etc), o Judi-ciário reconheceu em favor de todos esses, não só, a procedênciada acção para a annullação do respectivo acto, mas também, ásvezes, o direito de reintegração no emprego e de indemnisaçãodos prejuizos soffridos. Affirmando o direito do funccionariodemittido ou reformado quanto aos seus vencimentos, o Judi-

ciário não duvidara mesmo fazel-o com relação ao período, noqual o funccionario se achava fora do serviço por fazer parte de 

de 12 março, 6 setembro, 11 outubro 1898-, de 19 abril, 24 junho, 1 julho,18 dezembro 1899. 

— No Acc. do S. T. F. de 26 outubro 1901 se disse, que não ha ne-uhu m preceito constitucional que vede que a garantia da vitaliciedade possaser conferida por lei a qualquer cargo publico, federal ou estadoal. Mas emAccordam posterior fora advertido, — que o principio é, que o funccionario

é demissivel; visto como a vitaliciedade, sendo um ónus contra o Estado,só pode ser creada por lei expressa (S. T. F. 7 outubro 1903). 

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revolta armada contra as instituições do paiz.. .1M Até em questões concernentes ã imposição de penas, meramente disciplinares, a funccionarios públicos (vitalícios) pelos seus superiores

hierarchicos legítimos, o Judiciário não tem recusado a suaintervenção.180  I 

I 90 b. — Todos reconhecem, quanto a matéria da interven-ção judiciaria em favor dos direitos do funccionario publico é,alem de importantíssima, ás vezes em extremo delicada... Porisso, antes de passar a outros assumptos, não devemos deixarde ajuntar aos arestos da nossa jurisprudência algumas brevesconsiderações acerca de certos pontos, que lhe são peculiares.Supponha-se,por exemplo, que um empregado publico, pornegligencia ou falta mais grave no cumprimento de seus de-veres, é suspenso disciplinarmente de suas funcções, ou remo-vido, aposentado, destituído do cargo, e que a autoridade ju-diciaria, intervindo a requerimento do mesmo e no intuito deproteger o direito individual, que se presume offendido, an-nulla o acto e manda reintegrar o empregado na efectividadeda cargo... No caso de suspensão disciplinar, semelhante in-tervenção importaria nada menos, do que desprestigiar, tirartoda a força moral ao superior hierarchico, e dahi a conse-

quente impossibilidade de haver boa ordem e regularidade norespectivo serviço. 

185 Quanto á garantia da vitaliciedade dos magistrados, o S. T. F. seconsiderou igualmente competente para intervir, em tratando-se mesmo demagistrados estadoaes, aliás, creados pelas constituições e leis dos Estadose exclusivamente nomeados pelos governadores dos mesmos. (S. T. F. 4dezembro, 16 dezembro 1899, etc.). 

186 Disto deu-nos exemplo o despacho do juiz federal da Secção doDistricto Federal, de 27 julho de 1896, concedendo interdito de manu-tenção a deseseis lentes da Escola Poiytechnica contra a pena disciplinar

de três mezes de suspensão de exercício, imposta aos mesmos por acto doPresidente da Republica de 15 do mesmo mez. Adiante (p. 592 sg.) se dirámelhor sobre este facto. 

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E nas outras hypotkeses, aindaque a intervenção possa ter,sem duvida, todo cabimento, ou ser mesmo um acto de in-declinável justiça, todavia, si ella se dér desde logo e de forma

prohibitoria (tal ê o meio da manutenção, a qual se tem recor-rido), essa protecção ou mão-forte da justiça, assim prestada emfavor dos direitos individuaes, será presumptivamente em»prejuízo dos interesses do serviço publico, os quaes terão decontinuar a mercê de individuo, ora considerado, inconvenienteou incapaz, no exercício de dado emprego, pelo seu superiorcompetente... Por certo, não será preciso accrescentar, que aopoder administrativo, e não ao judiciário, é que competeconhecer e julgar da idoneidade dos funccionarios para osdifferentes cargos ou empregos da administração publica. 

Entretanto, somos de parecer que nos casos indicados,tanto os direitos ou interesses do individuo, assim como os daadministração, ficariam inteiramente harmonisados e defendi-dos, si na matéria se procurasse attender aos seguintes pre-ceitos ou regras de prudência e critério: 

1) a autoridade judiciaria só deveria intervir, tratando-seda lesão de direitos realmente adquiridos do funccionario, comosão os de vitaliciedade e outros análogos, reconhecidos em leiexpressa;

2) a intervenção judiciaria não deveria ir alem de declararpor sentença,—uma vez annnllado o acto em questão, — quala indemnisação que a Fazenda Publica ficava obrigada á pres-tar, como reparação do damno causado. Queremos dizer, nocaso de uma suspensão, remoção, aposentadoria ou destituição,feita com preterição da lei ou violação de direitos adquiridos, ofunccionario lesado deveria ser indemnisado do prejuízo resul-tante, em vista das vantagens, de que se vio privado pelo actoillegal, e não mais;— em menos palavras,— o effeito da annul-lação do acto devia ser o strictamente necessário para o fim deassegurar ao lesado a justa reparação do damno soffrido.

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Mas, ordenar por sentença judicial a reintegração de umfunccionario administrativo, é, mutato nomine, exercer o di-reito de nomear empregados, aliás, serventuários de um outro

poder independente, ao qual compete a faculdade constitucio-nal, privativa, de escolher livremente os individuos, que lhepareçam aptos ou idóneos para os misteres do publico serviço. 

3) Quanto á forma da intervenção, salvo os casos declara-dos em lei, ella não deveria ser prestada no intuito de obstaro effeito immediato do acto, isto é, para que o acto não po-desse ser consumado. Semelhante forma é, quasi sempre, in-conveniente, qualquer que seja o pretexto ou razão allegada.Mais adiante esperamos ter occasião de ainda insistir no mesmo

pensamento. — Estamos convencidos de que a observação dos preceitosalvitrados, seria, não só útil, mas necessária, ás boas relaçõesdos poderes e á regularidade do publico serviço.

— Além disso, na apreciação da matéria que no momentonos occupa, é preciso não esquecer, que os direitos dos funcciona-rios públicos são estabelecidos nas leis, não em vista dos indi-viduos revestidos do cargo, mas, antes de tudo, em vista dasexigências do bem publico. Si as circumstancias mudarem, e

com ellas as necessidades do serviço, que se procura realisar,os direitos do funccionario não poderão jamais constituir ob-stáculo á adopção de novas medidas, mais convenientes e acer-tadas. Quem solicita ou acceita um cargo publico, não ignoraque os seus direitos, no cargo, ao cargo, e do cargo, se achamsubordinados â condição superior, "emquanto não collidiremcom o bem publico ou do Estado"... Conseguintemente, não sóa alteração dos serviços ou da remuneração do funccionario, masaté a snppressão do próprio emprego, se podem dar,—quaesquerque sejam os respectivos direitos do seu titular. A vitaliciedademesma, embora resalvados os direitos do individuo quanto k sua compensação pecuniária, não pode constituir um obstáculo

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ao poder publico no sentido de legislar supprimindo o cargo, áque ella se achar ligada. Em mais de um caso o Supremo Tribunal Federal já tem, com effeito, procurado firmar a verda

deira doutrina a esse respeito; infelizmente, porém, em outrosas suas decisões não tem guardado os mesmos limites de sabiaprudência...137  *| 

90 c.—Não se ignora que as pretenções levantadas pelosfunccionarios assentam quasi sempre na allegação de "direitosadquiridos''; será, portanto, opportuno também encarar, aindaque brevemente, o assumpto debaixo deste aspecto. 

Os direitos adquiridos devem ser respeitados, protegidos ;esta é a regra, não ha duvida. Mas, difficuldade pôde haver em

saber, o que se deve entender por direitos adquiridos do func-cionario... 

Às mais das vezes, semelhante questão sô poderá ser res-pondida á vista do caso concreto e da lei particular, que lhe fôrapplicavel; não havendo sabidamente uniformidade de parece-res sobre a verdadeira definição dos « direitos adquiridos ». 

Em sentido restricto, se pôde dizer, que são de assimconsiderar—os direitos nascidos de factos consummados, ou decontractos perfeitos e acabados, os quaes a lei nova não pôde

abolir ou modificar, sem incorrer na pecha de retroactiva, econseguintemente, transgressora da Constituição.138 São, enten-dem outros, aquelles que o titular ou o seu representante pôdeexercer ou tornar effectivos, quaes subsistem,) e não alteráveis aoarbitrio de outrem;139 ou como os define C. Black: «direitos»tão completos e definitivamente accrescidos ou constituídos em 

w Vide: S. T. F. n. 240 de 21 outubro 1899; Hic, p. 653-54. —Nos Aços.n. 254 e 255 de 16 dezembro 1899 o mesmo Tribunal pareceu quererdestoar dos bons princípios consagrados... 188 Ribas, Dir. Civ. Brás., 1.1.

p. 288. is» Vide: Proj. do Cod. Civ. Brasileiro (pendente do Senado), art.8.» 

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favor de uma pessoa, que não estão sujeitos a ser desfeitos poracto de nenhuma outra pessoa particular, cumprindo ao poderpublico reconhecel-os e protegel-os, como legaes em si mesmos

e constituídos de accordo com as disposições da lei vigente. Oseu titular não pôde ser privado de taes direitos, senão em vistade legitima exigência do bem publico, guardadas, em todo ocaso, as condições e o processo estabelecidos para este fim.» —Vested rights are rights which Jiave so complete and defi-nitevélyaccrued to or settled in a person that they are not su-\ bject to bedefeated ou cancelleã by the act of any other private person, and which it is right and equitable, that the government sliould recognize and protect, as being lawful in themsélves and settled 

according to the current rules of law, and of which the individualcoúlã not be deprived arbitrarUy ivithout injustice, or of which hecould notjuttly be deprived otherwise thanby the es-tablished methods ofproeedure and for the públic welfare.140

 

— E' da natureza dos direitos adquiridos, não poderem serelles modificados ou alterados, ao menos na sua substancia, poractos legislativos ou administrativos de caracter retrospectivo;consistindo precisamente nisto a diferença radical entre os di-reitos adquiridos e os chamados direitos em expectativa, os quaes,

por mais bem fundados que pareçam, poderão ser a todo o tempoalterados, ou mesmo supprimidos, por acto do poder, que oscreou, comtanto que este o faça antes de se ter realisado o casoou facto, a que se achar subordinada a enlearia dos mesmos.  

" They (rights) are vested, when the right to enjoyment, present or prospective, lias become the property of some particular   person ou persons as a present interest. They are expectant,when they depena upon the continued existenee of a present con-dition of things until the happening of some future event. Theyare contingent, when they are only to come into existenee on an 

140 C. Black, Law Dictwnary. 

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event or cmHtion which may not happen or be performeã untilsome other event may prevent their vesting."1*1

 

De modo que se podem distinguir, debaixo de nosso ponto

de vista, duas espécies bem caracterisadas: direitos adquiridos,— os que existem nunc et semper, salvo vontade contraria doseu titular, e direitos em expectativa, — os que não existemainda com a devida efficacia, isto é, com força actual obrigató-ria erga omnes, embora tenham fundada razão para se tornaremeffectivos {sunt inpotentia). 

90 d.—Tendo dito, que os direitos adquiridos podem resul-tar de contractos perfeitos ou acabados, não pretendemos comisso significar que as vantagens pessoaes ou direitos reconheci-dos aos funccionarios em virtude de seus cargos, a dizer, o or-denado, a aposentadoria, a vitaliciedade, etc, devam valer,como outras tantas condições de um verdadeiro contracto entreo poder publico e os respectivos funccionarios. Tal não é anossa opinião. A attribuição de nomear os funccionarios con-ferida ao superior hierarchico, assim como as vantagens e direi-tos, concernentes ao emprego publico, ou ao individuo investidodas funcções delle, são creações da lei. Portanto, aquelle no-meando um individuo para o cargo, e este acceitando a no-

meação, não celebram um contracto na accepção própria destetermo; ambos concorrem para dar execução a um preceito oufim da lei, guardada a forma declarada nas suas disposições. Ea demonstração evidente,   per se, de que as condições inhe-rentes ou resultantes do acto não são as de um contracto entrepartes, temol-a no seguinte: é que as obrigações ou direitos re-lativos ao cargo não podem ser modificados pela livre vontadedo nomeante e do nomeado, como, aliás, é de regra nos contra-ctos entre as partes do mesmo. 

141 Cooley, PHnciples of Const. Late, p. 382 sg. 

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Não se ignora, que autores distinctos tem considerado anomeação do funccionario publico como um contracto142; mas,neste ponto, nos parece certamente de melhor aviso o modo de

ver do illustre Laferriére, quando disse: « E' verdade que afuncção publica suppõe, entre a autoridade que nomeia e oagente que é nomeado, um accordo de vontades, que deveigualmente dar-se no caso de demissão voluntária; alem disto, afuncção comporta obrigações reciprocas do funccionario e doEstado. Mas estas obrigações derivam da lei e não de contracto.Nem a administração nem o funccionario podem, em geral,modificai-as por convenções particulares; a amovibilidaãe ou a perpetuidade do titulo, a natureza dos serviços a prestar, a

importância dos vencimentos, as condições do direito á pensão,são fixados para todos os empregos do Estado por actoslegislativos ou regulamentares, aos quaes nada se poderia sub-stituir ou de rogar por contracto. Esta regra só nos parece com-portar uma excepção: é quando se trata de comraissões e traba-lhos de natureza especial e temporária, que não constituem,propriamente fallando, funcções publicas ou empregos.. . Emcasos taes, sim, dà-se, em geral, um contracto análogo ao dalocação de serviços. Mas si essas mesmas commissões especiaes

e temporárias comportarem o exercício de certos poderes, con-feridos pelo governo, se deverá assemelhal-as á verdadeirascollações de funcções ou empregos públicos ».148

 

—Doutrina idêntica é a que vigora na Republica Norte-Americana com relação aos funccionarios federaes e esta- 

142 Assim entendia, por exemplo, o prof. Ribas ( Dir. Civil Brasileiro,t. I, p. 230).— Cf. Perriquet, Contrais de VEtat, p. 435 sg. 

143 Laferriére, ob. oit. t. I, p. 619. Entende consoantemente este autor que, salvo disposição especial da

lei em contrario, é indiscutível o direito do Estado para modificar os ven-

cimentos, soldos e pensões, visto não se tratar do uma obrigação contra-ctual propriamente, tomada pelo Estado em favor do funccionario.—Ob. cit.,t. II, p. 193. 

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doaes.144 Diz Mechem: «  It is novo well setfled that there is no

•contraeb, either express or implied, hetween a public officer and 

the government, whose agent he is. »145  Quando se trata de em

pregos, cuja duração, investidura, e compensação se acham determinadas na Constituição, (constitutional offices) a lei ordinária nada pode alterar ou modificar a respeito; quando, porém,se tratar de emprego creado por lei ordinária (statutary offices),

« it may he entirély abolished, or its term may he inereased or di-

minished or the manner offilling it may he clianged, or its com-

  pemation may he altered or its duties may he diminished or in

ereased at the will of the Legislature at any time, even though

done durirtg the term for which the then incumbent was elected 

or appointcd. 8o the Legislative may declare the office vacant,

cr may transfer its duties to another officer, although the effect 

may he to remove the officer in ihe middle of his term, or to ábolish

his office hy leavmg it devoid of duties.»  I 

Não seria possível reservar liberdade maior â acção do legislador sobre os direitos do funecionario, do que se acha consignado no trecho transcripto.1M  I 

—O citado Laferriére observa ainda, com relação aos direitos dosfunecionarios, que «os erros ou culpas commettidas pelo superiorhierarchico para com o inferior não dão logar á nenhuma acção de

indemnisação contra o Estado; e assim se entende, diz elle, não sóquando o superior abusa de seus poderes discricionários de disciplina oude exoneração, mas ainda quando ofiende mesmo a um direito adquirido.Neste ultimo caso, o agente lesado poderá, as mais das vezes, requerer aannullação da decisão illegal por excesso de poder ; poderá também, emcertos 

144 O Estado da North Carolina é o único, cuja lei considera, comocontracto, o vinculo creado entre o governo e o funecionario publico.I 14B Mechem, On Public Oflicers, § 463.  B 

146

 Mechem, loc. cit, A doutrina deste autor é a que tem sido afir-mada nas decisões judiciarias. 36  ca 

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casos, obter de novo o soldo ou o ordenado; poderá, finalmente,no caso de uma destituição illegal, fazer restabelecer, por viacontenciosa, o direito á pensão, de que fora privado, mas sem

poder reclamar nenhuma indemnisação do Estado ».147 

E' desnecessário advertir, que, nesta parte, não poderiamosyacceitar a opinião de Laferrière da maneira estensiva, porque ofaz. A nossa regra, e da qual não nos afastamos, é: onde se déra lesão de um direito adquirido, do próprio facto deve resultara obrigação de indemnizar para quem o houver praticado. ■ 

90 e.—Mas, para concluir sobre a matéria em geral, in-dependentemente de outras considerações e desenvolvimentos,

acreditamos que a boa doutrina se poderá resumir no seguinte:B 1) Ainda que não deva prevalecer como regra, que o fune-cionario publico possa sempre ser demittido ad nutum, pormero capricho ou má vontade do superior hierarchico, se deve,todavia, convir igualmente que as vantagens ou direitos, confe-ridos ao mesmo em virtude do emprego, jamais poderão consti-tuir, como já se disse, um impedimento a que o poder publicoo destitua, de modo directo ou indirecto, desde que o serviçopublico assim exigir;148

 

2) Quando essas vantagens se acharem expressamente de-claradas em lei, e assumirem a qualidade de direitos adquiridos,— si ellas forem violadas ou abolidas, a intervenção judiciariaserá inteiramente justificada, quer para amparar o funecionariona continuação do goso de taes vantagens ou direitos em dadoscasos especiaes, quer para o fim de assegurar-lhe uma com-pensação pecuniária conveniente, dada a privação dos mesmosdireitos ; 

147

Laferrière, ob. cit., t. II, p. 186. —Cf. Vivlen, Études Admini$-\ tratives, t. I, p. 262 sg. 148 Vivíen, loc. cit. 

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3) Fora destes casos, e nos limites indicados na lei, a in-tervenção judiciaria devera ser considerada, attentatoria daindependência dos ontros poderes, e prejudicial à boa ordem

dos serviços da Administração, para cujos intuitos o Judiciáriodeve, alias, concorrer, como poder coordenado aos fins geraes ecommuns do Estado. 

91. — Medidas de natureza policial. Sendo de regra, queas autoridades executivas ou administrativas tenham faculdadesamplas, às vezes discricionárias, que a lei lhes confere de modoexpresso ou lhes resultam implicitamente da natureza especi-fica da funcção policial; é sabido, que a intervenção da autori-dade judiciaria, quasi somente, se dá por meio dos mandados dehàbeas' corpus em favor da liberdade pessoal, quando os actospraticados tomam um caracter manifestamente violento ou ille-gal; e já vimos também, que segundo a nossa jurisprudência, oEstado não é condemnado à satisfação de damnos pelos actos daautoridade policial, praticados por motivo de ordem ou segurançapublica, ainda mesmo, quando posteriormente se venha reconhe-cer a sua sem-razão ou illegalidade de taes actos. Ao lesadoassiste, sim, o direito de fazer responsabilisar, penal e civil-mente, a respectiva autoridade pelo delicto commettido e suas

consequências. (Cod. Penal, art. 224; Const. Federal, art. 80, §4° e art. 82). O Estado, diz-se, cumpre, antes de tudo, um dever insti-

tucional na adopção e execução de medidas necessárias; conse-guintemente, não deve prestar, conforme à doutrina geral-mente recebida, indemisação alguma pelos effeitos das mesmas.E' certo, que tanto as medidas ordinárias de policia, como alemdestas, as do governo directamente, em período anormal, podemrevestir formas apparentemente illegaes ou violentas, não sôcontra os direitos pessoaes, mas também contra os direitosreaes dos indivíduos. Mas trata-se de uma contingência inevi- 

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■ tavel; porque, ás vezes, o êxito ou a efficacia da medida depende  justamente da  forma discricionária, que o agente deverá em-pregar na sua execução. 

Si o Judiciário, só por isto, entendesse que devia desdelogo intervir, a acção da administração policial ou do governo,em muitos casos, aliás da máxima importância, tratando-se por-ventura da própria existência do governo, tornar-se-hia impro-fícua, inútil; por isto, a não-intervenção judicial não pode deixarde ser a regra de boa razão em casos de natureza semelhante.  

Não se quer dizer que, dada a lesão, uma lesão caracte- 

B risada, da propriedade privada por actos e medidas da autoridadepolicial,— mesmo no exercício de funcções as mais legi- 

I timas e com intuito inteiramente justificado,— o Estado não devaJAMAIS responder civilmente á parte lesada. Isto estaria 

I em contradicção com a doutrina geral, que temos sustentado sobrea responsabilidade civil do Estado, e mesmo, com a suaapplicação conhecida a casos particulares, anteriormente con-siderados . 

Não; em casos taes continuamos a affírmar que, não só aoagente directo do acto, mas também ao Estado, caberá a obri-gação de reparar o dam no, quer este provenha de acção posi-

tiva, quer mesmo da omissão culposa da autoridade publica.

149

O que juntamente importa, é não esquecer que, ainda assim, emrespeito à independência dos outros poderes e em vista danecessidade das medidas em questão, 0 poder judiciário só deveintervir a  posteriori, â dizer, depois das mesmas terem produ-zido os seus effeitos quanto ao fim im medi ato de interesse pu-  

m blico, que as motivara. Porque então, bem apreciadas as razões,que teve a autoridade para ordenai-as ou executai-as, e bemassim, a natureza, caracter, e extensão das lesões arguidas, o 

149 Hic, p. 329 e p. 516 sg. 

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Judiciário estará melhor habilitado a cumprir o seu dever, fazendoreparar as consequências lesivas do acto, ou não, segundo o teor

 jurídico das circumstancias. 

91 a.—Agora, deixando de fali ar das medidas excepcionaestomadas em tempo de guerra, é sabido que as medidas de policia,relativas á manutenção da ordem publica, se distinguem emprovidencias normaes, ordenadas em situação inteiramente pacifica,e em medidas anormaes, tomadas por occasião de com-moçõesintestinas ou em estado de sitio (politico), declarado pelo CongressoNacional ou pelo Governo. Sobre as primeiras, nada mais cumpreaccrescentar;150 sobre as segundas, porém, sobreleva aindaverificar, qual tem sido a jurisprudência seguida pelo Judiciário nos

casos sujeitos ao seu conhecimento. No que respeita âs garantias da liberdade individual, o

Supremo Tribunal Federal havia firmado a doutrina de que"somente ao Congresso Nacional competia approvar, ou não, oestado de sitio decretado pelo Presidente da Republica e examinar e

 julgar as medidas excepcionaes, que elle houvesse tomado."1B1 Estadoutrina manteve invariavelmente o Supremo 

150 Quanto ás medidas referentes à policia sanitária, assim como,relativas aos jogos e outres divertimentos públicos, a tendência dos tribu-

naes superiores de justiça se tem mostrado, em geral, igualmente favorável a acção discricionária da respectiva autoridade, desde que esta n&o-exorbite da sua competência. 

— Convém, todavia, observar, que essa discrição da autoridade po-licial só deve ser reconhecida com relação aos jogos ou diversões, declara-dos illicitos, isto é, vedados pela lei. Assim não sendo, o seu acto torna-seviolento e arbitrário, e conseguintemente, dará direito ao lesado de pedirindemnisação pelo damno soffrido. Por exemplo, entendemos, que não sepôde prohibir o funccionamento de um jogo já licenciado pela autoridadeou poder competente, sob o fundamento de ser elle illicito, sem que, dessaprohibição, nasça a obrigação de indemnisar o damno por parte da FazendaPublica, ao menos de maneira subsidiaria. 

151

  8. T. F. 27 abril 1892, 1° setembro 1894, 23 e 26 março 1898.Vide: Relatório da Justiça de 1898, p. 47 sg. 

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Tribunal, desde o seu primeiro Accordam de 27 abril de 1892até o de 26 de março de 1898. Entretanto, não se pôde dizer queella deva ser considerada, como subsistente; porquanto, em data

pouco posterior ao ultimo de citados Accordams (em 16 Abrilíle 1898), o mesmo Tribunal se julgara competente para intervir,concedendo hàbeas-corpus â indivíduos, detentos em conse-quência das medidas do estado de sitio, e aos quaes elle já haviarecusado deferimento pelas razões acima alludidas... 

Talvez pareça ao Sup. Tribunal, que é de maior acerto adoutrina do seu Accordam de 16 abril de 1898. Mas na falta de  julgados posteriores, que a confirmem, ainda não é licitoadiantar, que a mesma se venha a firmar, como jurisprudência

indiscutível. — Quanto á satisfação dos damnos, porventura resultantesdas medidas do estado de sitio, a doutrina da nossa jurispru-dência pode ser conhecida dos dous casos seguintes : 

a) Tendo um dos detentos durante o estado de sitio pro-posto acção contra a União pelos damnos soffridos com a sua de-tenção, e pelo extravio de papeis de valor attribuido aos agentespoliciaes, o Sup. Tribunal julgou a acção improcedente: não só"porque os actos arguidos não obrigam á Fazenda Publica a

 prestar ás pessoas suspeitas ou criminosas inãemnisação nas cir-cumstanciaSf mas também porque, mesmo em períodos normaes,ao Estado, por não ser   pessoa natural, não lhe é imputável oquasi-delicto, resultante da negligencia na fiscalisação de seusfunccionarios de sorte a responder {Ilimitadamente por seus actosabusivos ".152

 

152 Vide: S. T. F. n. 167 de 28 abril 1897. A doutrina do Accordamcitado nao pode ser admittida, como regra geral da matéria, sem o sacri-fício da justiça em muitos casos. Aliás, das declarações dos votos vencidos

se vê, que nem todos os seus fundamentos foram acceitos pelos membrosdo Tribunal, ainda que, por maioria de votos, a respectiva acção tivessesido julgada inprocedente, como foi. 

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b) Sobre outro caso idêntico de detenção durante o estadode sitio, declarou o Sup. Tribunal em data posterior: que o poderexecutivo pode, na vigência do estado de sitio, segundo o art. 80

da Const. Federal, deter e desterrar,— respondendo as autoridades que houverem ordenado taes medidas pelos abusos com-mettidos; que o individuo (autor do pedido de indemnisação)fora preso durante o estado de sitio, e o Governo, usando daattribuição que lhe competia, não ficara obrigado a indemnisaros prejuízos resultantes da prisão referida-, que, finalmente, oCongresso Nacional, único competente para conhecer das medidas decretadas pelo poder executivo dentro de suas attribui-ções constitucionaes durante o estado de sitio, havia approvadotodos os actos praticados por este ultimo poder; e que, por taesfundamentos, a acção era improcedente.168  I 

92.— Actos concernentes às rendas publicas. Às leis, regu-lamentos, e outros actos relativos á creação, arrecadação e fis-calisação das rendas publicas, não podem deixar de merecerigualmente o maior*escrúpulo da parte do Judiciário, quando,porventura, chamado a intervir no sentido de obstar a suaapplicação ou de annullar os seus effeitos, com ou sem o pedidoconcomitante de indemnisação. Abolido, muito embora, o Con-tencioso Administrativo, que decidia outr'ora todas as questõespertencentes ás rendas publicas, a Administração Fazendarianão pôde comtudo deixar de continuar a exercitar certas attri-buições de caracter discricionário, sob pena de a sua acção tor-nar-se, muitas vezes, inefficaz na gestão ou guarda dos dinheirospúblicos.154

 

153 Vide : 8. T. P. n. 478 de 26 julho 1900. 1M O Dee. n. 2807 de 31 de janeiro de 1898, que ora regula o The-

eouro Federal e mais Repartições da Fazenda Publica, convence, de querealmente vigoram ainda na matéria certas disposições de natureza conten-

ciosa, certamente indispensáveis, embora não mais applicadas sob aquelladenominação. 

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Assim dizendo, não temos em mente, nem os casos de im-postos ou taxas illegalmente arrecadadas, nem os de appreben-são injusta de géneros e mercadorias a pretexto de contrabandos

e, menos ainda, a não-entrega de depósitos feitos nas diversascaixas do Estado. A intervenção judiciaria, nestes casos e nou-tros análogos, sempre teve logar entre nós, como simples deverelementar de justiça. O contrario seria reconhecer ao Estado odireito de apropriar-se irresponsavelmente da fortuna particular,si assim lhe o aprouvesse. E mediante a intervenção alludida,que o individuo lesado tem, não raro, conseguido, não só fazercessar a medida illegal ou vexatória do acto administrativo,mas também a indemnisação consequente, isto é, a restituição

do que lhe fora indevidamente arrecadado ou tirado de seupoder e posse. Neste sentido já são, com effeito, numerososos julgamentos do Judiciário, annullatórios de actos, quer dopoder federal, quer do poder estadual (S. T. F. 6 março de 1897;25 e 28 maio, 13 julho, 21 novembro de 1898; 2 maio, 26 julhode 1899; 7 julho, 10 e 20 outubro, 10 novembro de 1900, etc,etc), e dos quaes já se fez menção em outra parte.165

 

92 a. — Entre os actos da Administração Fazendaria, a

respeito dos quaes a intervenção judicial, ou não devia ter logar,ou só deveria dar-se em casos especialíssimos de abuso ou vio-lência manifesta, — estão, principalmente, os que se referem ásmedidas assecuratorias, ás defiscalisação, e ás penas disciplina-res impostas administrativamente aos funccíonaríos, exactoresou guardas das rendas publicas. 

■  166 Hie, p.513.— Como decisões anmúlatorias de impostos estadoaes,sob o fundamento da sua inconstitucionalidade, são de ver, além de outras,

as seguintes: S. T. F.13 e 23 fevereiro, 2 março, 9 e 25 setembro de 1895;23 maio, 9 dezembro de 1896; 28 maio e 18 julho de 1898; 7 junho e 29 julho de 1899, etc. 

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Mas, em uns casos, como nos da prohibição ãe entrada nasrepartições fiscaes, feita a determinados individuos que, pela suaconducta, se tornaram suspeitos aos interesses da Fazenda, a

 jurisprudência seguida tem sido: « que ê absolutamente vedadoa autoridade judiciaria apreciar o merecimento de actos admi-nistrativos sob o ponto de vista da sua conveniência ou oppor-tunidade, — devendo examinar tão somente a legalidade delles efundar-se em razões jurídicas; que,por isso mesmo, as medidasadministrativas tomadas em virtude de uma faculdade ou poderdiscricionário escapam ao exame e fiscalisação do poder judi-ciário, salvo o caso de incompetência ou excesso de poder porparte da autoridade, administrativa (lei n. 221 de 1894, art. 13 e§§) ».156 Ao passo que, em outros casos, por sem duvida, de maiorgravidade contra os interesses da Fazenda Publica, como naprisão administrativa dos seus responsáveis, o Judiciário nemsempre tem mantido, com a mesma firmeza, a validade ouapplicação dos mesmos princípios. Com effeito, sem embargo deque a prisão administrativa dos responsáveis pelos dinheirospúblicos se acha autorisada por disposição especial expressa (lein. 221 de 1894, art. 14), não são raros os casos, nos quaes o Judi-ciário intervindo, os tem mandado relaxar da prisão por meiode habeas-corpus (S. T. F. 3 abril 1897; 21 janeiro, 2 fevereiro,

24 julho de 1899; etc, etc.)1W

 Ninguém ousa negar o direito, ou antes o dever, que cabe

á autoridade judiciaria de amparar a liberdade do individuo,onde quer que esta soffra ou se ache seriamente ameaçada deviolência. Mas, tratando-se da espécie particular, — a prisãodos responsáveis pelos dinheiros públicos, — muito importaevitar que os seus defraudadores, em vez de serem sujeitos á  

156 S. T. F. lo junho (na. 69, 70, 71) de 1895. 187 B* certo, que também em muitos outros casos o S. T. P. tem

negado o habeas-corpva, declarando não haver constrangimento illegal naprisão administrativa dos responsáveis à Fazenda Publica. 

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B 570 — 

punição da lei, vão gosar o fructo do crime, acobertados aliáspela égide da própria justiça publica. Quem se dér ao trabalhode examinar os differentes casos, em que indivíduos, presos por

motivo de alcances para com o Thesouro, tem, não obstante,obtido habeas-corpus em seu favor, não poderá deixar de conven-cer-se, de que tem havido innegavelmente não pequena con-descendência por parte dos tribunaes de justiça a semelhanterespeito...Em nossas palavras não vae o pensamento de levantaruma censura; não podemos, todavia, deixar do relembrar ogrande interesse de ordem material e moral, que essa questãoenvolve. 

93.— Concessões e privilégios. Tendo feito menção do teorda nossa jurisprudência (p. 526), relativamente á responsa-bilidade civil do Estado pelos damnos resultantes da infracçãoou do não-cumprimento de obrigações contractuaes, resta-nosagora considerar a matéria, debaixo do ponto de vista particulardos direitos, que o poder publico se deve reservar nas concessões feitas aos indivíduos ou a emprezas para a realisação de certosmelhoramentos ou serviços de interesse publico. B Como sabe-se, a concessão tanto pôde ter por objecto uma autorisação

especial ou o reconhecimento de um direito para o exercício decertos privilégios e regalias, — a exploração de algum serviçoou industria, — o uso e goso de determinados favores ouisenções, — como ainda, a posse de bens do domínio do Estado,usufruindo-os o cessionário, ou tirando delles com-modos evantagens nas condições e limites estipulados. 

Mas não seria preciso accrescentar desde logo, que as re-galias ou privilégios concedidos pelos poderes públicos, quaes-quer que sejam, só se justificando em vista do bem publico quedeve provir da sua execução; é lógico, é consequente, que nopoder concedente permaneça ininterrupto o seu direito deregular e fiscalisar o desempenho das obrigações, segundo as 

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quaes o concessionário obteve, e terá de gosar dos respectivosprivilégios. 

Certo, uma vez feita legalmente a concessão, seja de bens

materiaes, seja de determinado privilegio para a exploração deindustrias ou para o goso de certas regalias e faculdades (a deconferir grãos académicos, por exemplo), semelhante concessãodeve ser respeitada e mantida pelo poder concedente, como umdireito adquirido pelo concessionário; este ponto fica fora deduvida. Mas o que não menos importa, ê definir, ou melhordizendo, circumscrever os limites e condições, essenciaes aoexercício desse direito de natureza excepcional. 

93 a. — Admittindo que a concessão se torne, por assimdizer, uma  propriedade intangível quanto â sua substancia, 6manifesto, todavia, que o mesmo não se poderá jamais pre-tender quanto aos modos funccionaes delia, isto é, quanto aosmeios da sua exploração. A menos que não se queira despir opoder publico da sua qualidade institucional inherente de fiscalconstante do bem publico, elle não pôde deixar de conservar odireito "nume et semper '' de regular a acção do concessionário,toda vez que esta affecte aos interesses communs do Governo eda Sociedade. Queremos dizer, ou se trate de concessão rela-

tiva á viação publica, ao commercio e á industria, ou de umprivilegio sobre estabelecimentos relativos á saúde publica, áinstrucção ou a qualquer outro objecto semelhante, a regra damatéria não poderá ser, senão esta: desde que o poder publicoque a faz, tem sobretudo em vista a realisação de um bem ouserviço de interesse publico, e não o   proveito pessoal do con-cessionário; fica consequentemente subentendido, que o mesmopoder não abdicara (nem podia fazei-o) jamais a sua attribuiçãoessencial de superintender os modos de execução do privilegio

concedido, a dizer, o direito de modificai-o, de corrigil-o, sifor mister, de accordo com as exigências do bem publico nas  

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circumstancias. Por outro lado, aquelle que solicita e obtém a con-cessão de favores ou privilégios do poder publico; por certo tam-bém não ignora, que este tem prerogativas ou attríbuições, das

quaes não lhe fora licito abrir mão, qualquer que seja, ou pareçaser, a amplitude das regalias especificadas no titulo da concessão.  

Ora, a prerogativa inherente ao poder publico, de regtãar aacção dos indivíduos e das associações particulares em geral, noque diz respeito á propriedade, ao exercício das profissões, ou áexploração de quaesquer serviços industriaes, é cousa queninguém ousaria contestar, por ser, ao contrario, uma razãocardeal, senão, o   fim legitimo da instituição ou organisação dopróprio poder publico. Como, pois, duvidar da subsistência de

idêntica prerogativa com relação aos indivíduos ou associaçõesprivilegiadas pelo dito poder ? 

Os privilégios ou favores excepcionaes, concedidos a certosindivíduos ou associações, já são, por si mesmos, restricçõesimpostas aos direitos communs dos demais indivíduos e asso-ciações; e esta só razão basta, para não exaggeral-os no seualcance e effeitos. Pelo contrario, na sua interpretação se deveránão esquecer a applicação destas duas regras: 1) o concessio-nário não pôde pretender favor maior, do que o declarado ex- pressamente no acto da concessão; 2) o mesmo não poderá ja-mais obstar a intervenção do poder concedente, senão, naqaillo,e até onde, este se haja obrigado efectivamente a não intervir.Donde, sem outras razões ou argumentos, é licito concluir, que,si o poder concedente de um privilegio não se tiver obrigado,por clausula expressa, a abster-se de taes e taes actos,concernentes aos modos da sua execução ou exploração; é in-discutível, que o mesmo se reservou inteira competência a esserespeito, isto é,— competência para modificar as regras da suaexecução, senão quanto á substancia do privilegio, certamente

em tudo que se referir aos meios práticos de uma melhor fiscali-saçao em vista do bem publico, que deve ser realisado. E si dahi 

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resultarem novos encargos para o concessionário, este deverásatisfazel-os, como obrigações suas, implicitamente contrahidas,legitimas e consequentes do próprio privilegio, de que se acha

investido, sem que lhe possa aproveitar a allegação, de que setrata de uma infracção contractual por parte do concedente. 

93 b. —Entretanto, para guardar a devida justiça nesteponto, cumprirá attender juntamente á uma distincção da má-xima importância: a concessão se pôde fundar em um contracto,propriamente dito, ou em outro acto differente de discrição admi-nistrativa. Quando a concessão assenta num contracto, este setorna a lei entre o poder publico concedente e o concessionário,do mesmo modo, que se fosse celebrado entre dois indivíduos

particulares, a dizer, as estipulações, clausulas e condições,constantes do instrumento, ficam sendo a regra e a medida dosdireitos dos contractantes, salvas tão somente as restricçõesimplícitas, inherentes á qualidade essencial do poder publico. 

Este, que seja previdente em resalvar no contracto as fa-culdades que se reserva, relativamente aos favores concedidos;porquanto, uma vez perfeito e acabado o acto jurídico, é desteque devem decorrer os direitos e os seus efíeitos consequentes,tanto para o poder concedente, como para o concessionário. 

Quando a concessão, porém, assenta, não em contracto,mas em outro acto publico (decreto, despacho, etc), isto é, emum acto discricionário da administração publica» diverso é oprincipio que deve reger a matéria: em regra, se subentende,•que o poder concedente se reserva o pleno direito de alterar oumodificar os modos e condições funccionaes da respectiva con-cessão, desde que o interesse publico assim o reclame.  

Ha mesmo quem sustente, que todas as concessões,dessanatureza, quaesquer que sejam, são sempre feitas ã titulo pre-cário, e por conseguinte, essencialmente revogáveis.108

 

158 Hauriou, Droit Admin., ns. 300 e 306. 

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Supponha-se, por exemplo, qne se trata do privilegio para afundação de uma faculdade de direito ou medicina, equipa-\ radaaos institutos officiaes da mesma espécie. Para que semelhante

faculdade possa funccionar e conferir diplomas com os direitosconcernentes, o poder publico modelou-a por um typo legalexistente: o das faculdades officiaes. 

Amanhã, porém, o mesmo poder altera o typo destas, porparecer-lhe que as matérias do curso ou o metliodo adoptado jánão correspondem ao estado actual da sciencia... Pergunta-se:cabe, ou não, ao mesmo poder o direito de impor o novo typo,ora preferido, á faculdade concessionaria, que se fundou e func-ciona de accordo com as clausulas primitivas da sua concessão ? 

Certamente. O poder publico não lhe veda o goso de seuprivilegio na sua continuação, na sua substancia; apenas, o queexige é, que ella se conforme aos novos moldes, segundo osquaes o ensino medico ou jurídico deve ser ministrado, em bemda sciencia e do interesse publico. 

Si assim não fora, o resultado seria um enorme absurdo :indivíduos diplomados em medicina e direito, com instrucção epreparo académico differentes em quantidade e qualidade, mas,não obstante, todos elles gosando de idênticas vantagens e re-

galias aos olhos da lei e do poder publico ! Não pôde ser. Na concessão de favores, que o poder pu-blico faz discricionariamente, elle não fica sujeito ás clausulasde um verdadeiro contracto (executed contract, como dizem os juristas americanos), mas confere apenas um beneficio sob a con-dição subentendida, senão, ás vezes expressa, de que os modosda sua exploração ou goso serão alteráveis, conforme as exigên-cias do bem da collectividade, em vista do qual foram, preci-samente, concedidos os favores em questão. Ou, usando da lin-guagem de notável professor:« as concessões de direitos de poder  publico, quaesquer que sejam, não dão jamais ao concessionárioo próprio direito, mas, tão somente, o exercício do direito, isto é, 

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uma posse precária». Conseguintemente, as condições modaes,inseridas no instrumento da concessão, não tem o caracter deperpetuidade; constituem o modelo da occasião de accordo com

a lei existente. Alterada esta, o novo modelo prescripto passa a|ser a regra obrigatória, que a instituição concessionaria fica su- jeita a adoptar, e sob os novos meios de fiscalisação que porven-tura pareçam também de melhor efficaeia. 

93 c.—As regras ou princípios, que vimos de expor, sãoos que prevalecem na jurisprudência Norte-Americana, circum-1stancia, que não pôde deixar de merecer preponderância entrenós, visto termos transplantado dalli as normas do direito pu-blico, que ora vigora em nosso paiz. 

Na Republica Norte-Americana a controvérsia appareceu, ese tem mantido principalmente em torno do dispositivo do § 10°do art. Io da Constituição Federal, que veda expressamente aadopção de lei, invalidando obrigações contractuaes. «-ZVb Stateshall pass... law impairing the obligation of contraets. » S 

Conhecidos os frequentes abusos das legislaturas estadoaesintervindo por leis de occasião para desfazer direitos das asso-ciações e dos individuos, adquiridos em virtude de obrigações, |legitimamente contrahidas; os tribunaes de justiça se mostra-ram, ao principio, inteiramente liberaes na applicação do textoprohibitivo da Constituição, acima citado. 

Tornou-se mesmo assaz celebre, como doutrina corrente,a decisão da Corte Suprema, proferida em 1819 no caso  Dart-mouth College v. Woodward, na qual ficaram assentados os se-guintes pontos: 1) que uma carta-patente (charter), desde que oconcessionario entra na posse dos direitos constantes delia»constitue verdadeiro contracto entre o dito concessionário e o-poder concedente; 2) que não é licito ao mesmo poder revogarou alterar o privilegio concedido pela referida forma.1B9

 

, lei Thayer, Cases on Cmstiiutvonal Law, vol. II, p. 1664 seg. 

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Mas, referindo-se á esta decisão, o Juiz Miller declarara, quea mesma causou ao paiz uma grande sorpreza; porque, segundoos seus termos, uma vez concedidos e aceitos certos direitos por

uma corporação, isso importava em verdadeiro contracto, o qual 

0 Estado concedente não podia mais annullar!160 A doutrinado caso Darttnouth College fora, não obstante, mantida por varias decisões posteriores. 1 Reconhecido, porém, que uma interpretação lata dessadoutrina seria, não só contraria ás prerogativas fundamentaesdo poder publico, como ainda prejudicialissima aos interessescommuns da sociedade em geral, a obra da reacção jurídicacomeçou a accentuar-se, de dia em dia, no sentido defirmar-se

theoria mais salutar, reguladora de tão importante matéria. 

160 Miller, The Const. of the United-States,?.557, 

I — *La concession est un actepurement discrétionnaire,par lequel Vadmi-nistration confere á une personne déterminée un droit qui est eréé par cettemesure administrative. La coneession diffère en plusieurs points de la simplesautorisation; celle-ci implique ordinairement, de la part de célui qui 1'obtient,Vexistence antérieure d'un droit dont I / EXERCICE seulement eto.it subordonné âune permission administrative, tandisque la concession donne naissance au droit dont auparavant celui qui en devient titulaire n'avait même pas h germe. Quand Vautorisation ri est pas la consécration d'un droit préalable, elle ri est qriune

simple tolerance et, par conséquent, révocable AD NUTUM.,  tandisque laconcession confere des droits et ri est révocable que dans certains cos et pour certaines causes. » Laferriére, Cours de droit public et administratif.— Paris1860. 

'  — Batbie se exprime em termos quasi idênticos; ajuntando, porém, aadvertência, de que muitas vezes a lei emprega os alludidos vocábulos —autorisação e concessão, um pelo outro. « La concession est un acte, par lequel1'administration subroge ses droits á un particulier ou une compagnie. Cest unemesure discrétionnaire qui riimplique aucun droit préexistant de la part dubénéficiaire, et qui est la source première des actions acquises & ce dernier. Ellese distingue de la permission ou AUTORISATIOK en ce qrielle confere auconcessionaire des droits, qui ne peuvent pas lui être enleve arbitraire-1 ment 

sons indemnité, tandisque généralement les permissions sont révocable» ADNUTUM.  Quelquefois cependant la loi emploie ces mots Tun pour Vautre. »Batbie, Precis du droit public et admin.— Pariz, 1885. 

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De um lado, os Estados, para garantir-se contra a inter-venção, porventura indébita dos tribunaes judiciários, adopta-ram, como systema, inserir, nas próprias Constituições ou nas

leis, disposições expressas contendo— « que toda concessão ouprivilegio, qualquer que seja, fica sujeito as modificações, ouemendas convenientes, ou mesmo ã revogação, a juizo do PoderLegislativo; de outro lado, os tribunaes judiciários, por suavez, procuraram dar aos princípios, consagrados no caso — Dartmmih, uma applicação mais restricta, limitando a protec-ção dos privilégios, pela justiça, aos seus direitos essenciaes,isto é, á substancia dos direitos adquiridos (vested rights) peloconcessionário, conforme âs clausulas expressas do instrumentoque os conferira, eliminada, porém, toda interpretação exten-siva em favor dos mesmos. 

E para bem assegurar o império desta doutrina, se temagora, como regra da matéria, — que nem toda concessão im-porta uma obrigação contractual: é mister, antes de tudo, queella verse sobre cousa susceptível de ser adquirida, como propriedade, pelo beneficiário.— Tratando-se de concessão denatureza diversa, o Estado não fica obrigado a respeital-a demodo intangível, reservando-se, ao contrario, o seu direito deintervir para melhor regularisal-a, segundo as exigências

occnrrentes do interesse publico. Por exemplo, «quando o Es-tado concede, que só haja uma estrada de ferro ou um só ma-tadouro de gado em determinado districto, a concessão nãoimporta em um contracto, a dizer, em uma obrigação irrevo-gável».161 E' a applicação e o desenvolvimento desta concepção  jurídica, que tem prevalecido nas decisões da jurisprudênciaamericana, desde mais de meio século. 

*« Hare, American Gonst. Lato, 1.1, p. 606-607; Thayer, Cases, p.1580,nota. 

37  R. C

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93 d.—Num dos casos mais debatidos, sobre a concessão deuma ponte (Charles Biver Bridge v. Warren Bridge, 1837), depoisde encarada e discutida a espécie por todas as suas faces, foram

consideradas pela Corte Suprema, como razões de decidir, as se-guintes : « Que o objecto e fim de todo o governo é promover a fe-licidade e prosperidade da communhão social, razão, pela qual éo mesmo estabelecido, não podendo jamais admittir-se, que o go-verno tenha em mente diminuir esse seu poder de cumprir o fim,para que fora creado... Que, quando uma associação allega que oEstado abriu mão de semelhante poder (has surrendered), cabe ácommunhão insistir (são palavras da decisão) "que um tal aban-dono de poder não é presumível... salvo o propósito deliberado

expresso do Estado de assim fazel-o...— Que a existência dogoverno não seria de grande valor, si, por inferências ou pre-sumpções, fosse o mesmo desarmado dos poderes necessários aopreenchimento dos fins da sua creação, sendo as suas funcções próprias transferidas para as mãos de associações privilegiadas... Que em virtude das carta-patentes (charters) nenhuns direitossão tirados ao público, ou dados â associação, além daquelles queas palavras da carta-patente, em sua intelligencia natural e  própria, lhes devam conferir.» — E á vista do que, apezar de

tratar-se, na espécie, de uma concessão fundada em carta-patente, a Corte Suprema deixou de consideral-a, como con-tracto, propriamente dito, sendo, portanto, a interferência pos-terior do poder publico, legitima e incontestável.162

■ De datamais recente, nenhum outro exemplo se poderia citar paraillustrar o assumpto de maneira mais profícua, do que oschamados Sinking-fund-cases, grande demanda sustentada pela"Union Pacific Bailroad Company v. United States, e a CentralPacific Bailroad Company v. Gallatin'' contra uma lei federal,impondo-lhe a obrigação nova de um fundo de amor- 

ws Thayer, ob. cit-, p.,1636.  I 

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tização, não cogitado no instrumento originário da respectivaconcessão. 

Na exposição da matéria, feita segando o pensamento da

Corte Suprema, disse o JuizWaite:« Não ha duvida, que o poderdo Congresso, para alterar ou revogar, tem limites. Todos sabemosque elle não pôde ser usado para rehaver a propriedade já adqui-rida em virtude da carta-patente, nem para privar a associaçãodos rendimentos que tem em virtude de contractos legalmentefeitos; mas, como já se decidiu no caso MUler v. The State, essepoder pôde ser exercido, e quasi sem limites (to almost anyextent) no intuito de fazer realizar os fins originários da con-cessão, ou para assegurar a devida administração de seus ne-gócios, e bem assim para proteger os direitos dos accionistas ecredores, etc... De novo, no caso HolyoJce Company v. Lyman,se affirmou esse poder para proteger os direitos do publico, etc...No caso Tomlinson v. Jessup a Corte fora ainda mais explicita,dizendo:   A reserva (de poder) affecta iodas as relações entre oEstado e a associação, e colloca sob a físcalisação legislativa(under legislative control) todos os direitos, privilégios e immuni-âades, derivados do Estado em virtude da sua carta-patente.Finalmente, em   Railroad Company v. Maine, se repete: OEstado se reserva o poder de alterar a carta-patente em todos os

particulares constitutivos da concessão feita por elle, inclusiveos direitos incorporados, privilégios e immunidades.. . EmSchields v. Ohio, também se disse quanto â limitação do poder:As alterações devem ser razoáveis ; devem ser feitas de boa fé,e consistentes com o objecto e fins da associação. Não se deveadmittir a oppressão e injustiça manifesta, sob o pretexto dealterações ou emendas...» — E amparando-se nos julgadosalludidos, concluirá o Juiz Waite: « Pensamos poder dizer comsegurança que, quaesquer que sejam as regras que o Congressopossa ter dado na carta-patente originaria da associação, quantoao governo desta, elle conserva sempre o poder de fazer-lhe modi- 

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ficações posteriores (to stablish by amenãments). Não poderá an-]malar o que tiver sido feito, ou desfazer os contractos existentes;mas poderá providenciar sobre o que se deva fazer para o futuro r j

e poderá dispor sobre o que convenha fazer com relação â bocaexecução dos referidos contractos.* 

Mão seria preciso accrescentar, que, em consequência, foi 

0 acto do Congresso mantido pela decisão da Corte Suprema,não obstante importar elle uma obrigação nova ou encargo maiorpara a associação concessionaria.168

 

— Com essa doutrina das decisões judiciarias, confereigualmente a lição dos jurisconsultos mais notáveis do paiz.m Cooley ensina que uma carta-patente (a charter) deve ser

considerada— como concedida sob a condição, de que a associação fica sujeita aos regulamentos precisos, e a dirigir os seu»actos conforme ao que fòr prescripto pela Legislatura,— desdeque as novas prescripções não impeçam o goso material do privilegio, e sirvam somente para assegurar os fins, para os quaesa associação foi organisada. O limite do poder publico a respeito-é substancialmente este: "os regulamentos se devem referir ao-conforto, segurança e bem-estar da sociedade..."16á Em uma palavra, devem affectar ao exercício ou ao modo de explorar o pri

vilegio, e não â substancia do mesmo ». 

1 O professor C. Black ensina igualmente, que o dono deum privilegio ou concessão fica sujeito, no uso de sua propriedade e no goso do privilegio, ás leis e instrucções convenientes, ainda que o respectivo valor do privilegio soffra com isso ea sua feição exclusiva seja mesmo infringida.105

 

— Em resumo, tal é a doutrina e a jurisprudência americana acerca das faculdades, que o poder concedente se reserva,. 

lés Thayer, ob. cit,, p. 1698 sg. . 

184 Cooley, Principies of Const. Zaw, p. 822-28. 165Black, ob. cit., p. 628 sg. 

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■com relação aos direitos adquiridos pelo concessionário; e osprincípios, em que essa jurisprudência se apoia, merecem, semduvida, ser consagrados nos arestos da nossa jurisprudência. 

Certo, não é possível admittir que o poder publico (le-gislativo ou executivo) fique por tal modo destituído de acçãorelativamente aos direitos do titular de uma concessão, que,dado qualquer acto incidente modificativo da mesma, embora deinteresse publico, recaia sobre o Estado, só por isto, a obrigação -de responder judicialmente, isto é, de prestar uma indemnisaçãopecuniária, como tantas vezes já tem succedido, por força de sen-tenças dos nossos tribunaes. Não é de razão, nem de justiça. 

A intervenção judiciaria nas espécies desta natureza nãopôde deixar de ser a mais reflectida e cautelosa em attenderáquelles que, cumulados de favores e privilégios pela munifi-cência do poder publico, pretendam ainda tirar, desses mesmosfavores e privilégios, razões e motivos apparentes para enri-quecer à custa do Thesouro Publico,—sem terem, quasi sempre,cumprido da sua parte as obrigações ou encargos tomados, como•condição de validade efectiva da própria concessão obtida...Os privilégios, não se ignora, caem todos sob a sancção conhe-cida do direito romano: QUCB propter necessitatem recepta sunt non debent in argumentum trahi (Dig. 1. 50, tit. 17,162). QUCB

■a jure communi exorbitará, nequaquani aã consequentiam sunt trahenãa—{<s. 28 de R. J. in 6to 5, 12).166

 

93 e.—Sobre a matéria de concessões do poder publico,ha ainda um incidente importantíssimo, que convém elucidarno momento. 

E' principio fundamental do direito administrativo, geral-mente consagrado nos diversos códices,—que, muito embora o 

180 E' também de ver: Oooley, Constituitonal Limitations,p. 708 sg. 

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Governo acceite o papel áo parte nos contractos (de concessão deprivilégios, de construcção de estradas de ferro, de portos, etc)>que faz com os particulares, não se despe por isto das suas func-

Ções próprias, ou melhor dizendo, da sua qualidade áe fiscal con-stante dos interesses públicos. E é a razão, porque o mesmo,não obstante ser uma parte contractante, continua a despachar ou decidir as questões concernentes ou as reclamações da outraparte contractante, a expedir instrucções, á regular os servi-ços, e até ã impor certas penas, desde que semelhantes actosse tornem precisos â boa execução do respectivo contracto.Quem contracta com Governo ou poder publico sabe de ante-mão, que isso assim é, e assim não pode deixar de ser; não trata

com uma parte, de igual a igual, na inteira accepção destes-termos; ainda que, em virtude do contracto, tanto o Governo,como o individuo particular, tenham assumido obrigações bila-teraes reciprocas aos olhos do direito. Por certo que ha um li-mite posto á essa qualidade superior da parte-Governo: este nãopode, pela sua vontade exclusiva, alterar a natureza, espécie ousubstancia das obrigações tomadas; não pode igualmente imporao outro contractante novos encargos e condições, que se nãoachem, explicita ou implicitamente, previstas nas clausulas do

contracto; e si o fizer, commetterá uma violação das obriga-ções contractuaes, e pela qual terá de responder, como qualquerindividuo, segundo ás regras do direito commum. 

Toda vez, porém, que no contracto haja clausulas expres-sas, reconhecendo ao Governo o uso ou o exercício de taes etaes faculdades, mesmo de manifesta desigualdade relativamenteao outro contractante, é, sem duvida, direito do Governo resol-ver e agir de accordo com as mesmas, independentemente dequalquer intervenção extranha. 

Por exemplo (já o dissemos em outro logar) é de regra,estipular nos contractos com o Governo a clausula expressa, deque o mesmo poderá resilir ou declarar caduco o contracto na 

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hypothese de o outro contractante incidir em determinadas fal-tas, também especificadas no instrumento do contracto. Trata-se,como se vê, da figura de direito, que os autores denominam

"condição resolutoria expressa", cujo effeito ê extinguir o pró-prio vinculo contractual, como si jamais houvera existido.167

 

« A clausula ou condição resolrdiva, diz Laurent, é aquellaque, quando se realiza, opera a resolução da obrigação.» {Droit Civ.Français, vol.XVH, p. 128; Códice Civ.Italiano, art. 1158;Code Napoléon, art. 1183; Cod. Civ. Argentino, art, 1100). I «Diz-se condição resolutiva aquella, cujo acontecimento resolveou extingue o direito adquirido ou a obrigação contrahida.»(Loureiro,   Inst. do Dir. Civ. Br. t. I, § 650 ; T. de Freitas,Consol. das leis civis, nota 4a ao art. 512, da 3* edição). 

« Ella pode ser EXPRESSA em quaesquer contractos, porqueàs partes é licito estipular o que não for contrario às leis; mas,quando a mesma não vem expressa, é sempre subentendida noscontractos synallagmaticos para o caso, em que um dos contra-ctantes deixe de satisfazer a sua obrigação. » (Laurent, loc.Icit., pag. 136; Códice Civ. Italiano, art. 1165; Code Napolêon,cit. art. 1184, etc.) 

Muito importa não confundir a condição resolutiva expressacom a tacita ou subentendida, quanto aos respectivos effeitos.

A primeira, quando existe, opera de pleno direito; a segundanão, sendo necessário pedir a resolução do contracto à autori-dade judiciaria: "Lorsque la condition résolutoire consiste dans 

167 O Proj. do Cod. Civil Brasileiro (ora no Senado) contém: « Sedepender de condição resolutiva, emquanto esta se nfto realisar, a efficaciado acto jurídico se manterá e o direito, que este estabelecer, poderá serdesde logo exercido; mas, verificada a condição, extingue-se o direito parao fim de voltar ao seu antigo estado. Paragrapho único. A condição re-solutiva da obrigação pode ser expressa ou tacita; operando de pleno

direito no primeiro caso, e, por interpellaçao judicial no segundo (art. 124do Proj. citado). 

** 

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un évênement futur et incertain, la résolution est operée de plein

droit dn moment oú Vévénement est arrivé, sans qu'il soit ne-cessaire

ãe la faire prononcer par le juge" (Rogron, Coãe Civile Explique, ao

art. 1183).—   La condition rêsolutoire, dont nous nous occupons,s'appélle "expresse", parce qu'elle est stipulée par les parties

contractantes. Ce qui la caractérise et la ãistingue ãe la condition

rêsolutoire tacite... c'est qu'elle opere ãe plein ãroit. (Laurent,  Droit 

Civil JFranc, p. 129).168 

■ les jja condição resolutoria fica o contracto, desde logo, em execuçãocom todas as suas consequências, como si a obrigação fosse pura... Verifi-cada, porém, a condição, o contracto « resolve-se », como diziam as leis ro-manas, ou se desfaz, como diz o Código, e as cousas voltam ao estado em

que se achavam antes de se celebrar o contracto; é como se o contracto nãohouvera existido (J. Dias Ferreira, Código Civil Port. annot, art. 680). I  — II y a deux sortes de conditions résolutoires; celles qui opérent deplein droit la résolution envisagóe, et celles qui n'opérent cette résolutionque par sentence du juge... Quand la condition rêsolutoire expresse s'ac-coraplit, elle opere de plein droit, sans qu'il soit besoin de recourir à la

 justice.—Theophile Huc, Comm. Theorique et Pratique du Code Civil, t. VII,pag. 351.II  — La condizione resolutiva veriflcata estingue TOSTO ED IPSO JURE ilcontratto, insième con le obbligazioni che ne derivavano. Giorgio Giorgi,Teoria áelle Obbligazioni, vol. IV, pag. 425.1 

Este ultimo autor, depois de analysar as diversas modalidades da ma-

téria e de provar que no direito romano só fora conhecida a oondição reso-lutoria expressa (lex commissoria) e não também a tacita, como queremoutros, accentuára juntam ente, que esta segunda condição differe da primeiraem quatro cousas: Ia) la resoluzione dei contratto non aw-iene IPSO JORE, maper dichiarizione dei giudice ; 2') la parte, verso cai non è stato e seguitoil contratto, ha la soelta di pretendere 1'adempimento o di chièdere la riso-luzione coi danni e interessi; 3a) la risoluzione deve ossere domandata aitribunale ; 4a) il tribunale, oltre a refutaria assolutamente, puó concedereai convenuto inadempiente un termine per eseguire il contratto. A' diffe-renza delia condizione resolutiva vera e própria, il patto sottintteso... nonopera mai DI DIRITTO, nè rimette IPSO FACTO le cose nello stato antecedenteai contratto...—Ob. cit. p. 213. 

— Bn dísant que la condition rêsolutoire stipulée dans un contractopere la révogation de 1'obligation, le Cod. CIv. indique qu'il y a, au mo-ment de 1'accomplissement de cette condition, un droit acquis en faveur du 

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Entende Van Wetter, que o effeito da condição resolutivaresulta da própria vontade das partes, as quaes quizeram que,realizada certa condição, o contracto se tornasse nenhum (an-

nêanii), que fosse reputado lettra morta, ut res inempta esset,na expressão enérgica dos jurisconsultos romanos; sendo tal aforça da resolução ou da condição resolutiva, segundo esse di-reito, que não só fazia reverter ao tradens a propriedade dacousa  pleno jure, mas ainda se considerava, como si ella nãohouvesse jamais sahido do seu dominio (loc. cit. p. 309). 

De certo, si a condição resolutiva expressa opera ipso jure, é porque ella, sendo a vontade dos contractantes, deve,por isso mesmo, obrigal-os; ao passo que, na condição resolutivatacita ou subentendida, a cousa é differente. Desde que nocontracto não vêm expressa semelhante vontade, seria contra os principios de boa razão e justiça, que uma das partes searrogasse o arbítrio, não só para pronunciar sobre o facto constitutivo da resolução do contracto, mas ainda para decidir,—sobre a procedência das suas razões, sobre o momento precisoda resolução, e sobre os effeitos desta decorrentes.  9 

— Occupando-se ainda deste ponto em particular, disseraLaurent: « Qu'elle est la raison de la différence? Le motifpour leguei la condition résolutoire expresse opere de plein droit ne

reçoit pas dJapplicatibn & la condition résolutoire tacite. Si lacondition résolutoire stipulée par les parties opere de plein droit,« óest que telle est leur volontè,» et leur vólonté tient lieu de loi. 

stipulant sans qu'il soit besoin de recourir aux tribunaux (C. App, de Bru-Ixelles 11 fev. 1820, 5 juillet 1826; C. App. de Liége 6 setember 1825;C. App. de Gand 4 juin 1833 ; ap. Gérard, Code Civil explique par la Juris- prudence, art. 1184). 

— Si la condition résolutoire se réalise, le contrat principal est ré-solu avec effet rétroactif; il est censé n'avoir jamais été conclu: les par-ties doivent etre rétablies dans 1'état lequel elles se seraient trouvées, si

elles n'avaient pas contracté. {De lege commissoria, D. 18, 3,1, 5; apud P.Van Wetter, Les Obliyations endroit romain, t. H, p. 202). 

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  La condition rêsolutoire tacite est sous-entendue par le législa-teur, elle se fonde sur des considerations d'equité, plutôt que sur des motifs de droit ; or Vequité qui la justifie ri est pas une cause

absolue de rêvocation, ce sont les circonstances que justifient larésolution; mais ces circonstances peuvent être telles, que la rêso-lution ne doive pas être prononcée... Voilâ pour quoi le juge doit intervenir pour aprécier les fajts. » (Droit Civ. Franc., t. cit. p.146).169

 

 fl 93 f. — No entanto, a despeito da firmidão inconcussa doprincipio, "que os contractantes podem ajuntar aos seus con-tractos as condições ou clausulas que bem lhes pareçam, e estasclausulas ou condições formarão parte integrante dos mesmoscontractos" (Cod. Civ. Port. art. 672), isto é, que toda clausulacontractual, não sendo proliibida em direito, constitue lei entreas partes contractantes, «pacta vestra leges vestrte»; é facto, queos tribunaes do paiz tem entendido de modo diverso, recusandoao Governo o direito de declarar a caducidade ou rescisão doscontractos, em que é parte, declarando-o, pelo contrario, obrigadoa recorrer á autoridade judiciaria em toda e qualquer hypothesede rescisão. 17° Pretende-se que, usando de semelhantefaculdade, o Governo, alem de fazer de juiz e 

169 Com relação â doutrina e jurisprudência que vimos de affirmar,se pode ainda ver: Giorgi, Ob. cit., p. 218 e notas ibi.; Larombière,Theorie et Pratique des Obligations, t. III, p. 37 e 38; Dalloz, Dicition. deJurisprudence, verbo—Condition, § 7°; Lawrent, Loc. cit., p. 157 a 159;Toulier, Theorie du Code Napoléon, t. VI, p. 554; Delvincourt, Cours dodroit civil, t. II, p. 133 e 487; Gallavresi, La Condizione Risolutiva sottin-tesa, p. 38; Cattaneo, Códice Civile Italiano, t. III, p. 858-9; L. Borsari,Comm. dei Códice Civile Italiano, vol.III, p. 395. 

170 Alem das decisões, que já foram citadas, ó de ver: Acc, do Sup.T. Federal, n. 666 de 30 novembro 1901, que confirmou uma sentença, pela

qual se negara ao Governo de um Estado o direito de declarar caduco ocontracto, em que era parte, não obstante haver nelle clausula expressa,que assim o autorisava nas ciroumstancias previstas. 

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parte ao mesmo tempo, exercitaria um acto de jurisdicção con-tenciosa administrativa, 'cousa, que não existe mais em nossalegislação... 

Esta razão de decidir nos parece manifestamente inadmis-sível. Porquanto o Governo, expedindo o acto que declara res-cindido o contracto, ex-vi de clausula nelle expressa com estaforça e efteito, nada mais faz, do que agir, como parte no con-tracto, do mesmo modo, que poderia fazer o outro contractante,si a declaração da rescisão ou caducidade estivesse estipuladaem seu proveito. 

O Estado, muito embora sujeito às disposições do direitocivil nas suas relações contractuaes, não fica, por este facto,privado de exercer faculdades, que os próprios particulares po-dem ter ou exercitar entre si sob a sancção do referido direito.  

Não sô isto: fallando em geral, a entidade-Estado, mesmonas relações contractuaes, não se pôde despir totalmente da suaqualidade de poder publico, como acima se disse, e muito menosseria admissível a idéa de considerai-o incapaz de fazer effectivoo próprio direito, expresso nas clausulas do contracto, aliás emcasos, nos quaes o próprio individuo particular poderia fazei-ocontra o Estado!.. .171

 

E' livre, inteiramente livre, ao outro contractante accei-

tar, ou não, a concessão ou contracto, em que haja a condiçãoou clausula resólutiva em favor do Estado; mas, uma vez esti-pulada e acceita de modo expresso, ella torna-se lei, á cujas con-sequências o mesmo contractante fica necessariamente obrigado. 

Assim como o concessionário ou contractante pode invocaras demais clausulas do contracto ou concessão para exigir doEstado a efectividade de todos os direitos e vantagens, que seacham consignadas em sen favor; assim também, fica elle 

171Vide: Hic, p. 570 sg. 

■ 

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sujeito â sancçâo ou penas, igualmente estipuladas, dando-seporventura a infracção das obrigações, que livremente con-tratura. 

— O predomínio da theoria do individuo contra o Estadonão é menos prejudicial, do que o da tbeoria do Estado omni\  potente: si desta pode resultar a absorpção dos direitos indivi-duaes; por aquella ficarão impossibilitadas as garantias reaesda ordem e do bem publico.— In médio consistit virtus. 

E exprimindo-nos desta sorte, nutrimos a convicção dedefender os interesses da justiça, do mesmo modo e com igualconvicção, com a qual em outras partes deste trabalho procurámos sustental-os, affirmando o principio da responsabilidade

civil do Estado na lesão dos direitos individuaes por actos dosseus representantes.  feâ* 

M — Agora, para melhor completar as nossas consideraçõessobre a matéria da intervenção judiciaria, não devemos encerraro presente capitulo, sem fazer também ligeira referencia aos re-médios processuais, a que o individuo poderá recorrer contra osactos lesivos da Administração Publica. 

§ 4.° FORMAS DA INTERVENÇÃO JUDICIARIA 

94.— ACÇÕES ADMITTIDAS EM DIREITO.  Quando um indi-viduo, lesado nos seus direitos individuaes por acto ou facto deum funccionario publico, não preferir levar a sua reclamaçãoou pedido de reparação perante a própria autoridade adminis-trativa competente, ou quando se não conformar com a decisãoda mesma a esse respeito, poderá propor livremente a sua acção judicial contra o funccionario, contra o Estado, ou contra um eoutro juntamente, do mesmo modo, que si a lesão lhe fosse feitapor um outro individuo particular. Tal é felizmente a lei dopaiz. 

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Si o objecto do litigio fôr somente a reclamação por perdase damnos, a acção competente é a ordinária, a qual, como sabe-se,é o meio processual consagrado para todos os casos, em que a

lei não haja assignalado uma acção especial (Dec* n. 737 de1850, art. 65; Dec. n. 848 de 11 out. 1890, art. 117). Si olesado, porém, tiver em vista conseguir, antes de tudo, aannullação do acto lesivo, a acção competente é a do processo es-pecial, estabelecido e regulado no art. 13 da lei n. 221 de 20 denovembro de 1894. Mas, quer numa, quer noutra das hypotheses,o juiz ou tribunal terá indiscutível competência, não só, para co-nhecer e julgar da validade da lei, regulamento, ou outro actoadministrativo, de que provenha a lesão do direito individual,como também, para assegurar o mesmo direito, conforme ã razãoe a justiça da causa. 

—Quanto â acção especial da lei n. 221 importa observar:nella se declara que a acção poderá ser desprezada in limine, sihouver decorrido um anno da data da intimação ou publicaçãoda medida que for objecto do pleito (art. 13, § 5o) ; mas, destadisposição não resulta por forma alguma, que, decorrido esseprazo, o direito do individuo lesado fica ipso facto prescripto.Certo, que não. O que a parte interessada perde, na hypothese,é apenas a faculdade de usar da acção summaria estabelecida

na referida lei-, quanto, porém, ao seu direito, objecto do pleito,este subsiste do mesmo modo; podendo, portanto, ser allegadoe assegurado em juizo por meio de acção ordinária. Neste sen*tido já se acha, com effeito, firmada a jurisprudência por decisões diversas do Supremo Tribunal Federal.178  B 

— Talvez convenha também dizer, que, na falta de dis-posição particular de lei em contrario, a prescripção do direito 

178 O S. T. F. assim tem decidido, alem de outros, nos seguintes Ac-cordaos -. — de 3 e 20 outubro, 10 novembro 1900; 23 abril, 19 junho, 18

setembro e 27 novembro 1901 ; 14 maio, 21 junho e 16 agosto 1902; 30maio, 1 agosto, 5 setembro e 13 novembro 1903; 5 outubro 1904, eto. 

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do individuo, lesado por um acto administrativo, é a trintenariado direito commum.178

 

— Outra questão que se tem levantado a propósito da acção

creada pela lei n. 221 é a de saber, si se pôde cumular o pe-dido da annullação do acto, objecto fundamental da acção refe-rida, com o de indemnisação por perdas e dam nos. Sem duvida,diremos da nossa parte. A indemnisação é uma simples sequen-cia lógica da annullação do acto administrativo, que lesara odireito individual. Nem d'outro modo se daria inteiro cumpri-mento ao disposto no art. 13 § 9o da lei, onde se declara expres-samente, que o fim da sua annullação pela autoridade judiciariaé o de assegurar o direito do autor. Como assegurar um direito,

que foi lesado, senão, dando-se a devida reparação ao seu ti-tular ? Por isso mesmo, que não compete á autoridade judiciariao direito de obrigar o poder executivo a fazer dado acto que lheseja privativo, como por exemplo, o de renomear ou reintegrar ofuuccionario demittido,—é indispensável garantirão individuoa effectividade de uma indemnisação, que corresponda â lesãosoffrida com os effeitos do acto arguido, e agora annullado pormeio da acção proposta. E' isso de evidente justiça. 

94 a.—INTERDICTOS POSSESSÓRIOS

. Surge, entretanto, umaquestão importantíssima: a de saber, si ao lesado por acto da

administração publica cabe o direito de requerer remédio judi-ciário de natureza preventiva, para obstar desde logo o próprioacto ou os seus effeitos immediatos? Ou em termos mais breves, sisão admissíveis os interdictos possessórios ou prohibitorios contraos actos administrativos... 

E' exclusivamente deste ponto, que ora vamos tratar nestaparte final do nosso trabalho. 

"» Vide alem de outros: S. T. F. 30 maio 1903, e 5 outubro 1904, etc.  

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—A jurisprudência, geralmente seguida no paiz, se podiadizer, quasi sem excepção apreciável, fora sempre a de que o in-

terdicto do direito civil, commummente conhecido debaixo dotitulo de « mandado de manutenção »; só podia ter logar para ofim de proteger um direito real, cuja posse se achasse, por-ventura, perturbada ou ameaçada de esbulho. Esta jurispru-dência assentava, antes de tudo, em texto expresso de lei (Ord.liv. II, tit. 78, 5), que resa: «Se algum se temer de outro, que oqueira offender na pessoa, ou lhe queira sem razão occupar etomar suas cousas, poderá requerer ao juiz que segure a elle assuas cousas do outro que o quizer offender, a qual segurança lheo juiz dará; e se depois delia elle receber ofensa daquelle, deque foi seguro, restituil-o-ha o juiz e tornara tudo o que foicommettido e attentado depois da segurança dada, e mais pro-cederá contra o que a quebrantou e menosprezou seu mandado,como achar por direito ». 

Na applicação deste texto, os juizes e tribunaes só se con-sideravam competentes para conceder o interdicto possessorio,em vista da necessidade de garantir a posse de cousas corpóreasou a quasi posse de direitos reaes, e não, em favor de outros di-reitos ou interesses differentes.17* 

Mas, uma vez ampliada a competência do judiciário naRepublica, para conhecer e julgar da validade das próprias leise dos actos administrativos, nos casos de lesão de direitos in-dividuaes, se procurou fazer valer a pretenção de que nessacompetência geral do judiciário se devia considerar incluída afaculdade particular de expedir interãictos prohibitorios contra 

174 Cf. Ord. liv. Hl, tit. 48, princ — Não se ignora que juizes houve,mesmo no tempo do Império, que nao duvidaram applicar o remédio posses-

sorio á protecção de direitos pessoaes; mas o procedimento isolado de umou outro juiz neste sentido não foi jamais recebido, como argumento proce-dente contra a jurisprudência geral e constante sobre a matéria. 

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os actos da Administração, desde que delles resultasse ameaçade lesão ao alheio direito, qualquer que este fosse. 

Neste sentido já são, com efeito, relativamente numerosos

os casos, em que as partes interessadas tem impetrado, quer ás justiças estadoaes, quer ás justiças federaes, o remédio extraor-dinário da manutenção em favor dos seus direitos, muito emboranão concernentes â posse ou â quasi posse de cousas corpóreas.  

E ainda que taes pedidos tem sido muitas vezes desatten-didos, em todo caso, como exemplos da concessão de interdictos prohibitorios contra os actos da Administração, se podem citar,além de outros, os seguintes: 

— Despacho do juizo seccional do Districto Federal de 6 de

 junho de 1896 contra a execução do decreto do Poder Executivon. 2291 de 28 de maio do mesmo anno, expedido em favor daCompanhia  Docas de Santos, que se considerou offendida nosseus direitos de concessionaria, relativamente ao serviço de des-carga no porto de Santos e encaminhamento das mercadoriaspara a Alfandega de S. Paulo, e ao pagamento das respectivastaxas de capatazias e armazenagens, pertencentes á sobreditaCompanhia.175 

— Despacho do mesmo juizo de 27 de julho de 1896, man-

dando manntenir na posse de suas cadeiras e funcções a 16 len-tes da Escola Polytechnica da Capital Federal, que haviam sidasuspensos disciplinarmente por três mezes, em virtude de de-creto do Presidente da Republica de 15 do referido mez.

O Governo não consentiu no cumprimento do mandado judi-cial, por consideral-o attentatorio da harmonia e independênciados poderes constitucionaes (art. 15 da Constituição), dizendo arespeito: « Seria admittir, no caso vertente, a eliminação com- 

1,6

O dee. n. 2291 foi mais tarde revogado pelo dec. n. 2960 de 28 de julho de 1898; de modo que o 8. T. P. nfto chegou a pronunciar-se-sobre ocaso em grão de recurso de appellaçfto, alias já interposta. 

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pleta, a suppressão absoluta do acto do Poder Executivo, por «ffeitode um simples mandado judicial, tratando-se, como se trata, doexercido de attribuições da privativa competência ■daquelle Poder,

classificadas entre os actos próprios do poder governamental,praticados no interesse do Estado, da ordem, e da utilidade publica,e que derivam ex jure imperii».m  Por sua vez o Procurador daRepublica na secção do Districto Federal excepcionara o juiz deincompetente para a expedição do mandado prohibitorio.m

 

176 Av. do Ministério do Interior e Justiça de 30 de julho de 1896. 177 O decreto da suspensão fora do teor seguinte: « O Presidente da

Republica : Considerando que os lentes da Escola Polytechnica adiantemencionados, em documento assignado e publicado pela imprensa, e foiconfessado em offlcio dirigido ao director da mesma escola, declararam

que, achando-se promptos para os demais trabalhos escolares, resolviamtodavia não comparecer ás aulas emquanto pelo referido director não fosseapurada a verdade no inquérito determinado e solicitado pela congregaçãoem offlcio -de 18 de maio ultimo ; e que, outrosira, o corpo docente reputaria sem fundamento as accusações do que fora alvo, voltando ao exercício de suas funcções lectivas, si no prazo de 15 dias o director não tivesse dado cumprimento á commissão de que o Governo o incumbira;—■Considerando que a declaração e notificação acima descriptas e confirmadas pela ausência dos ditos lentes importam uma inversão da hierarchiaadministrativa e, além de oppôr embaraço ao funccionamento regular daescola, constituem uma infracção proposital ás disposições regulamentares,pela interrupção das aulas, que não podem ser suspensas por acto de mem

bros da congregação reunidos anarchicamente e fora dos termos previstosno código de ensino ;■— Considerando que nestas condições os mesmos lentes são passíveis das penas estatuídas no art. 57 do código citado, por teremfaltado ao cumprimento de seus deveres nos termos do art. 52, e que pelaanormalidade das circumstancias compete ao Governo tomar conhecimentodirecto do facto, independente da audiência da congregação, visto constituírem os lentes signatários das declarações indicadas a maioria da mesmacongregação: —Resolve suspender, por três mezes com privação dos vencimentos, aos lentes da Escola Polytechnica do Bio de Janeiro...»   \\  

— Os fundamentos da excepção apresentada pelo Procurador da Re-publica, órgão do Governo, foram os seguintes c 

1:° Que os oxceptos foram suspensos por três mezes, com privação•de vencimentos, dos cargos de lentes da Escola Polytechnica desta Capital, 

38  R. C. 

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Entretanto, nâo coube ao Supremo Tribunal Federal a occa-sião de se pronunciar sobre o mérito de tão importante questão. 

por acto expedido pelo Governo da União em 15 de julho próximo findo e>publicado a 16 do mesmo mez no Diário O/ficial... 2.o Que os motivos que obrigaram o Governo a tomar essa medida da

urgente disciplina e ordem publica, constam dos considerandos que acom-panharam o mesmo acto e aqui se dão em substancia: I a) Terem osexceptos em documento que assignaram e publicaram pela imprensa, e cujaautoria confessaram em offlcio dirigido ao Director daquella Escola,declarado suspender o exercício de snas fnncções pelo prazo de 15 dias,findo o qual reassumiriam esse exercício, si o alludido director nãohouvesse dado cumprimento á coramissão de inquérito de que 0 Governo o incumbira, caso em que — comminaram — reputariam, outro-sim, sem fundamento as accusaçõos de que haviam sido alvo; 

1 6) Importar semelhante procedimento, acompanhado da ausência doaexceptos, em uma inversão da hierarchia administrativa, oppôr embaraçosao funocionamento regular da Escola e constituir, portanto, uma infracçãoproposital das disposições regulamentares, pela interrupção das aulas, quenão podiam ser suspensas por acto dos membros da Congregação, reunidosanarchicamente fora dos termos previstos no Código do ensino. 

3.° Que a oocurrencia desses gravíssimos factos justificou ampla-mente a medida do Governo, applicando aos exceptos as penas estatuídasno art. 57 do Código citado, por isso que, sem duvida alguma, faltaram demodo mais flagrante e estranho ao cumprimento de seus deveres, nostermos do art. 52 do mesmo Código. 

4.° Que a censura que os interessados fazem ao acto governativo por

não ter sido precedido de audiência da Congregação, é inconsistente e aoultimo ponto pueril, dada a anormalidade de circuinstancias que requeriamas mais promptas providencias, e verificado o facto de constituírem oslentes, incursos naquellas penas, a maioria da mesma Congregação. 

5.0 Que entretanto os exceptos, sob o fundamento de que esse acto doGoverno da União os esbulhou do exercido legal dos seus cargos, requereram •e infelizmente obtiveram deste respeitável juízo ura mandado de manu-tenção de posse do exercício dos ditos cargos, isto é, do direito áquellemesmo exercício, de que se davam por esbulhados. 

6.° Que, como se vê, a manutenção requerida era contradictoria corao facto allegado e real de que o acto governativo trouxe em si mesmo aperda, postoque temporária, da posse em que os exceptos inconherente-

mente pediram para ser manutenidos. 7.° Que, com eCfeito, essa perda consummou-se no dia em que o Diário-O/jtcial publicou o acto da suspensão, por isso que desde logo tornaram-se- 

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— Despacho do juizo dos feitos municipaes de 18 dezembro 1899

(Districto Federal), concedendo mandado de manuten- 

effeetivas as ditas penas nos termos do art. 5 do Dec. n. 572 de 12 de julho de 1890. 

8.° Que a predita publicação teve lugar em 16 de julho próximo pas-sado, emquanto que a manutenção só foi requerida em 25 do mesmo mez.  

9.° Que nestas condições, o mandado prohibitorio não podia ser legal-mente concedido, porquanto os decretos de tal natureza apenas se desti-nam a obstar perturbação imminonte da posse e, no caso, como os própriosexceptos confessam, perdido o direito de exercido por cuja posse reclama-vam, já o esbulho se havia realisado, si merecesse tal nome um acto le-gitimo de poder executivo, uma providencia de todo o ponto necessária nasituação anormal e deprimente creada pelos exceptos em prejuízo do en-sino e do prestigio da autoridade, prestigio que é penhor do bem commum. 

10.  Que, se esbulho tivesse havido, o remédio próprio para reparal-ol

seria dentro de anuo e dia, não o interdicto relinendce ou acção de manu-tenção, mas o interdicto recuperandce ou acção de força nova expoliativa. E'este exactamente o direito que a Lei n. 221 de 20 de novembro de 1894,art. 13, § 16, lettra 6, declarou em vigor quanto as acções possessórias,porque é eile, e não outro, o estatuído pelas Ords. L. 3 o T. 48, T. 78 § 3» eL. 4, T. 58, pr. e da lição uniforme de todos os praxistas (Ribas,  Acc. Poss.cap. VII, pag. 288 o Consol. das Leis do Proc. Civ. 746 e seguintes ; CorroaTelles —Doutr. das Acc. §§ 185 e 189; Paula Baptista, Theor. e Pract. doProc. § 31.)

11.  Que ainda quando fosse cousa possível e razoável o mandado pro-hibitorio de um facto consummado, a manutenção da posse de que os pró-prios exceptos se declararam esbulhados, não seria comtudo tal procedi-

mento suffragado pelos preceitos da nossa legislação nem pela doutrina dostratadistas, que não admittem acções de posse quando esta não seja :a) de cousa movei; 6) de cousa imtnovel; c) de direitos reaes des-

membrados de domínio (Ord. L. 2 T. Io § 2o; Ribas, Acç. Poss., cap, VI,pag. 261 e Consol. cit., art». 746 e 756; Paula Baptispta, obr. cit., §§ 30 e 81). 

12. Que o Supremo Tribunal Federal tem sentenciado uniformementeno mesmo sentido, como se vê dos accórdãos ns. 113 e 163, ambos publicados no   Diário Official de 31 de julho ultimo, ambos com perfeitíssimaapplicaçâo á espécie que se discute. 

18. Que, no tocante ao direito estrangeiro, não é necessário recorrer atextos das differentes legislações dos povos cultos para o convencimento ásaciedade, de que essencialmente não differo da lei pátria no assumpto deque se trata; bastando transcrever as seguintes palavras do eminente ju-rista P.Cogliolo:—Evidentemente solo i diritti reali sono capaci di possesso. 

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ção em favor de Carlos Custodio Nunes contra o acto do Prefeito,que o intimara â fechar um matadouro. O interdicto manutenira 

H diritto canónico però e la pratica antica forence 1'estendevono ai dirittiepiscopali; ai titoli nobiliari e ai diritti pnblici. La troppa estensione dei con-ceti flnisce, col distruggerli; impropriamente si parla puré di proprietà dicrediti, ma tutto il diritto ariano è invece impermiato sopra la norma che laproprietà si ha sola sulle coso corporali e su le universita di cose; il pos-sesso può aversi solo sopra le cose  x> sopra gli iura in re aliena (Filosofiadei Diritto Privato, 2a ed. pag. 203). 

14. Que, assim destituido de todas as condições legaes do remédio pro *hibitorio, o mandato concedido tomou a feição de mero acto administrativoou gracioso em matéria excedente da jurisdicção e, portanto, fora da com-petência deste respeitável juízo, que certo não tem autoridade, diga-se como devido respeito, para annullar directamente, na ausência de processo re-

gular, um decreto que o Presidente da Republica expediu no pleno exer-cício das suas attribuições constitucionaes. (.», 15. Que taes attribuições não são, é bem de ver, isentas de condição e,antes, têm a norma de seu exercício traçada na Constituição e nas leis; masda utilidade e necessidade dos actos em virtude delias praticados, nomomento em que estes se produzem, só é juiz o poder executivo, porque aelle é mais directamente confiada a gerência dos negócios públicos e a de-feza dos interesses sociaes. 

16. Que si a suspensão merecida dos exceptos partiu, como é indubi-tável, de autoridade competente, á esta, somente á esta, poderia ter sidorequerida a não execução immediata do acto de 15 de julho próximo findo,uma vez proposta e admittida a acção prescripta no art. 13 da Lei n. 221 de

20 de novembro de 1894.17. Que tomada a providencia indicada no § 7° do cit. art. 13, a auto-ridade administrativa, impetrada para suspender a execução da medidaprejudicial, pôde desattender o pedido, fundando-se em razões de ordempublica.

18. Que, em tal caso, a acção proposta e admittida, na forma daquelleartigo, prosegue nos seus termos ulteriores e, só afinal, verificada a iIlega-lidade da resolução ou acto que se impugna, será este annullado para o fimde reparar o direito do autor (cit. art. § 9o).

10. Que a doturina contraria a que estamos sustentando não encontraapoio na razão, no direito pátrio, nem nas leis e nos costumes dos povosestrangeiros, ainda daquelles cujas instituições politicas mais se asseme-

lham das nossas. 20. Que não tem uma tal doutrina o mínimo fundamento racional, porisso que seria dito de ingovernavel o paiz onde cada cidadão, munido de um 

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o requerente na posse do matadouro e no direito de matança, in-timado o Prefeito Municipal para não mais turbai o. 

mandado prohibitorio ou de manutenção do direitos pessoaes, obtido comuma simples petição, suspendesse e annullasse a acção dos poderes con-stituídos, a pretexto de lesão nos seus interesses, lesão que aliás podia vira ser regularmente remediada. 

21. Que também não é favorecida, por nenhuma disposição de direitopositivo, nem tão pouco por qualquer preceito da Constituição Federal, que,antes, energicamente a repelle quando no art. 15 consagra a harmonia e aindependência dos differentes poderes políticos; e assim perfeitamente ocomprehende a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como sepôde ver deste doutíssimo considerando de um dos accordãosjá citados»proferidos por unanimidade de votos: «... a expedição do mandado re-|querido pelos aggravantescom o intuito formal de impedir a execução dascitadas disposições da Lei n. 359 de 1895 e do Regai. n. 2253 de 1896 im-portando de facto a suspensão destas, constituiria um attentado contra a

 Harmonia e independência dos poderes declarados pelo art. 15 da cit. Const.,órgão da soberania nacional, subordinando ao Judiciário o Legislativo e oExecutivo ».

22. Que é igualmente verdade não ser a doutrina acceita por este res-peitável juizo,a das leis e jurisprudência estrangeiras, como se poderia pro-var com arestos de tribunaes e opiniões abalisadas de escriptores europeus,se não fosse preferivel apontar aqui o que, em matéria idêntica á da quen-tão debatida, escreveu um publicista da grande Republica Americana: — c

 It may be proper to say here that the executive in theproper ãi&charge ofhisduties under the constitution is independent of the courts as he is of the legis-lative (Cooley, Constitucional Limitations, Cap. VII, p. 193).

23. Que o writ of mandamus de que tamanho cabedal se fez na petiçãodos exceptos, não tem a mais ligeira applicação ao caso occurrente, já porsua natureza, já pelo fim a que se destina.

24. Que é esse inapplioavel, por sua natureza á espécie controversa,e isto conclue-se do que a respeito de tal recurso extraordinário da legis-lação americana disse o notável publicista James High, nas palavras abaixotranscriptas, afirmando que—para todas as questões que exigem uma pro-videncia offlcial ou que ficam nos limites de um razoável arbítrio concedidoá pessoa a quem a lei confere um direito, o mandamus não existe, quer paracoarctar o exercido daquelle arbítrio, quer para influir sobre a decisão queafinal será dada. « — The rule is that in ali matters requiring the exercise of offlcial judgment or resting in the sound discretion of the person to whom a

ãuty is confided by laxo, MANDAMUS WILL NOX LIEeither to control the exercise of that discretion or to determine upon the decision ichich shall be finally given * 

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— Despachos expedidos no mesmo anno de 1899, pelo juizoreferido, mandando manutenir as emprezas de divertimentopublico — Frontão Lavradio e Sport Boliche Moderno, contra o 

(A Treatise On Extraordinary Memedies. Embracing Mandamus, Quo- War-rants and Prohibitions, 2a ed. Chicago, 1884). 

25. Que também, por seu objecto, não tem o mandamus applicação áhypothese destes autos, o que se verifica do facto de ser aquelle recurso so-mente destinado a supprir a lei, quando esta nenhum remédio estatue contracertas perturbações resultantes àa failure o f justice and defect ofpolice; falta,porém, que não se dá entre nós, no caso de que nos oceupamos, attenta a dis-posição terminante do art. 13 § 7 de lei n. 221 de 20 de novembro de 1894:« The óbject ofa mandamus is to preveni disorder from a failure of justice and 

defect ofpolice, and should be granted in ali cases where the law establishesno especific rentedy and where in justice should be one. *— (Rex v. Barker.Bur. 1.26; e Blackstone, Com. 110). ■ 26. Que ainda quando tivesse entre nós existência legal o tvrit of man-damus e fosse elle remédio próprio ao caso dos exceptos, o que formalmentecontestamos, não foi de modo algum observado o processo por meio do doqual é elle concedido pela legislação americana. 

27. Que, com effeito, o mandamus é sempre expedido de maneira alternativa á autoridade (o que aliás não foi praticado pelos exceptos, nemsupprido pelo juiz) que o deve responder, afirmando ou contestando a exposição do facto allegado pelo requerente e, só depois de processado e julgadoo feito, é que se expede o mandamm com o caracter peremptório: d'aqui

as denominações— alternative torit e peremptory torit: o que tudo se colheda seguinte lição:— The peremptory writ of mandamus is the final or absoluto mandate of the court, directing the performance of some offkial act or duty on the part of the KESPONDENT UPON HIS FAILURE TO MAKE A SATIS- FACTORY RETURN TO THE ALTERNATIVE WRIT PREVIOU8LY GRANTED (obr. CÍtM pag. 422). 

28. Que, portanto, o alludido mandado prohibitorio, ou de manutenção de posse de exercício no emprego publico, é a todos os respeitosillegal. 

20. Que o remédio contra o acto do Governo, reclamado pelos ex-ceptos, não podia absolutamente ser concedido por este respeitável Juizo,uma vez que, nos termos do art. 18 § 7.° da Lei n. 221 citada, só ao mesmo

Governo compete suspender a execução do acto ou medida que houveradministrativamente expedido, como se vê dos termos do indicado para-grapho: «A requerimento do autor, a autoridade administrativa em questão 

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acto do Chefe de Policia prohibindo a venda de poules e limi-tando as horas de funccionamento das respectivas diversões.178

 

suspenderá a sua execução si a isso não se oppuzerem razões de ordempublica. 

30. Que competência é matéria etricti júris e que por nenhuma dispo-sição de direito, expressa ou implícita, foi ella conferida a este respeitável

 jnizo, na hypothese de que se trata. Nestes termos, ou nos melhores de direito, deve a presente excepção

ser recebida e julgada provada, para o fim de se reconhecer este juizo incompetente no procedimento contra o excepiente intentado, pagas as custaspelos exceptos. Rio, 6 agosto 1896. Esmeraldino Olynvpio de Torres Bandeira, procurador seccional interino.  m 

— Não seria preciso dizer, que a transcripção, que vimos de fazer,obedece ao intuito de conservar a memoria de um caso de intervenção judiciaria, cujas razões e motivos servirão, sem duvida, para illnstrar outros

■casos, porventura occorrentes da mesma espécie. Infelizmente não se sabe,•qual seria a ultima palavra da justiça no caso sujeito.—Porquanto, decorrido todo o periodo da suspensão dos lentes sem ter havido decisão judiciaria a respeito, e tendo elles reassumido o exercioio das suas cadeiras, a•questão teve o seguinte epilogo: O Governo aposentara dous dos lentesalludidos, mandando, quanto aos demais, oancellar-lhes a nota, e retirarigualmente as penas impostas a alguns alumnos, implicados no incidente.Vide: Decs. de 15 novembro 1896. 

178 Nas recentes leis do Congresso Federal n. 939 de 29 dezembro1902 e u. 1101 de 19 novembro 1903 sobre a organisação do Districto Fe-deral se acha disposto: "Não podem as autoridades judiciarias, quer fe-•deraes, quer locaes, modificai' ou revogar medidas e actos administrativos,

nem conceder interdiotos possessórios contra actos do Governo Municipalexercidos rationi imperii". — O Dec. legislativo n. 1151 de 5 janeiro de 1904 contém disposição

análoga em favor dos actos da autoridade sanitária, aecrescentando, alémda prohibição dos interdiotos possessórios, a de não poder a autoridade judicial «modificar ou revogar os actos administrativos ou medidas de hygienee salubridade por ella determinadas nesta qualidade» (Dec. cit., art. Io § 20-e Dec. n. 5156 de 8 março 1904, art. 288). 

— No entanto, o Dec. legislativo n. 1185 de 11 junho 1904 autorisaexpressamente e regula a concessão de mandado de manutenção ou in-terdicto prohibitorio em matéria de impostos interestadoaes (art. 6° a 10). 

— Não é preciso relembrar, quanto é incerto o alcance das disposiçõeseitadas, declarando o acto administrativo fora da jurisdioção judiciariaratione imperii. Já se disse bastante a esse respeito em outros logares 

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— Despachos do juizo seccional do Districto Federal de5 outubro e 28 dezembro de 1901, e de 2 janeiro e 1 fevereirode 1902, concedendo mandados de manutenção (separadamente)

a Luiz C. d'Albuquerque e ao Barão de Mesquita, para intro-  

deste trabalho. Mas para ver-se, que o fundamento assignalado pelo legis-lador nfto tem, effectivamente, o valor pratico, que se pretende, bastará ajun-tar, que, nfto obstante os termos imperativos das leis ns. 939 e 1151 emfavor dos actos administrativos, tanto a justiça local, como a federal, játiveram ensejo de intervir posteriormente; sendo, aliás, dos que se costumaqualificar de verdadeiros actos de império, os actos, contra os qaaes forasolicitada a protecção da autoridade judiciaria. Eis aqui, como a Corted'Appellação do Districto se exprimira sobre a matéria em questão: 5 «Accórdam em Camará Civil e Commercial da Corte de Appellação:— Que

vistos era mesa, relatados e discutidos esses actos, em que é aggra-vanteJosé Joaquim da Costa Simões e aggravada a Fazenda Municipal, dãoprovimento ao aggravo tomado por termo a fl. 10 para o effeito de mandarcomo mandam que o Juiz a quo, reformando o despacho aggravado,proferido na petição de fl. 2, defira o pedido nella exarado; porquanto, ro-ferindo-se o art. 16 da lei n. 939 de 1902 aos actos do Governo Municipalexercidos — ratione imperii, isto é, no exercício das fmicções do GovernoMunicipal dentro dos limites de suas privativas attribuições ; claro fica quese no exercício dessas funcções elle ultrapassar aquelles limites, porque deseus actos decorrem, não preterições de simples interesses particulares emconflicto com interesses collectivos munioipaes, mas sim violação de direitosindividuaes cuja tutella incumbe ao Poder Judiciário, não pôde deixar de

ser licito a intervenção deste poder, em garantia daquelles direitos, pelosmeios legaes, inclusive a concessão de interdictos possessórios contra actosdo Governo Municipal que perdem o caracter de actos exercidos rationeimperíi, isto é, actos de sua exclusiva competência na espheraadministrativa, dos quaes cogitou o citado art. 16, da lei n. 939 de 1902.Ora, o documento de fl. 6, sentença absolutória da Junta das ContravençõesMunioipaes, evidencia e garante o direito que tem o aggravante de construirsem licença no bairro da Copacabana durante o prazo estabelecido nas res-pectivas posturas munioipaes, e a consequência não pôde ser outra senão queo aggravante deve ser manutenido no uso e goso do prédio de sua proprie-dade, situado no alludido bairro ao qual se refere a mencionada petição deJi. 2, continuando a fazer as obras projectadas, sem a formalidade da li-

cença que foi dispensada pelas leis munioipaes em vigor e citadas na men-cionada sentença absolutória da Junta de Contravenções do fl. 6. E assimdecidem: porque se a manutenção ó o remédio que a lei estabeleceu como 

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— 601 — 

duzir e vender carnes verdes nos mercados do mesmo Districtocontra as ordens do Prefeito Municipal, o qual a isto se oppu-nha,alem de outras razões, pelo facto de o commercip de carnes verdes

no Districto pertencer, por contracto assignado em virtude de lei, adeterminado concessionário.179 I — Despacho do juiz substituto doMunicípio do Anajás no Estado do Pará (de 1899), concedendomanutenção a um Intendente Municipal, cuja eleição fora declaradanulla pelo Congresso Estadoal nos termos da lei, que, para isso,dava competência ao mesmo Congresso. O acto do juiz substitutofoi confirmado depois por sentença do juiz de direito daComarca.180

 

correctivo a qualquer turbação, ella tanto deve affectar o direito do pos-suidor quando a posse é exercida em cousa corpórea, como em cousa in-corpórea : tanto quando offendo o jus possidendi, como guando offende ao

 jus possessionis; doutrina essa que não pode deixar do ser admittida emvista do que ensina Coelho da Bocha, art. 80 da sua obra Instituiçõesdo Direito Civil Portuguez. Por isso se o aggravante foi turbado na possede um direito legitimo, ao qual aliás está annexa a posse do objecto ne-cessário ao seu exercício, tem direito ao remédio da manutenção, que nãolhe deve ser negado pela justiça para quem recorreu : pagas as oustas pelaaggravada. Rio de Janeiro, 10 de Agosto de 1903.— Rodrigues, P. — Grui-lhertne Cintra, relator ad hoc. — T. Bastos, — Salvador Moniz. — IÀma

 Dnmmond, vencido por julgar improcedente, em face do nosso Direito, o« fundamento > constante de fl. 17. Foi voto vencedor o do Sr. Desembar-gador Souza Pitanga. — Guilherme Cintra, relator ad hoc.— Vide mais:hic, p. 616, nota 18'. 

179 O S. T. F. nao teve occasião de conhecer e dizer do mérito detaes mandados de manutenção; mas, em decisão do aggravo n. 481 de 23novembro 1901 foi o Juizo do Districto Federal declarado competente paradespachar no feito. 

180 Esse processo subio ao Sup. Trib. Federal no Rec. Bxtr. n. 192de 1899; mas o Tribunal limitou-se a declarar, que nao era caso do recurso interposto. 

— Por sentença de 20 outubro 1900, o Juiz de Direito da Comarca deNova Friburgo no Estado do Rio de Janeiro mandara manutenir a CamaráMunicipal daquella cidade no exercido da sua attribuiçao constitucional de'arrecadar os impostos de industria e profissão e a decima urbana, contra 

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— 602 — 

— Despachos diversos do juiz de direito dos feitos da fa-zenda da Capital do Estado da Bahia (de 1900), concedendo in-terdictos prohibitorios contra a Fazenda Estadoal, por motivo

de impostos considerados inconstitucionaes, em favor de Narcisode O. Maia, Eduardo R. da Cruz, Stromer e Thomsen, Ernestode Andrade & C, Viuva Bellens Costa e Baccalari, e T. A.Hasselmann & C.

— Despacho de juízo do eivei da mesma Capital (de 1900),concedendo mandado de manutenção ao professor publico Cinci-nato França contra o acto de sua remoção, ordenada pelo Go-verno estadoal.

— Despacho do juizo dos feitos da Fazenda dita (de 1902),

concedendo igualmente mandado de manutenção em favor deCarlos Clemente Gomes, contra o acto de sua demissão, queai legava ter sido illegal.

—Despacho do juizo seccional do Districto Federal (1* vara)de 19 julho 1904 em favor de Ignacia Gomes contra o acto daDirectoria das Obras Publicas, que mandara cortar uma pennad'agua existente em prédio da propriedade da impetrante. 

— Despacho do mesmo juizo de 13 agosto 1904 em favor deJosé Nunes S. Filho contra o acto do Prefeito Municipal, orde- 

o acto do Poder Executivo do Estado, ordenando que a arrecadação de taesimpostos fosse feita pela Collectoria estadoal, afim de pagar-se da dividado Muuicipio ao Thesouro do Estado. O Tribunal da Relação do Estado, emrecurso de appellação, nada disse do mérito da questão, limitando-se a de*clarar o feito nullo, por incompetência do juiz (Acc. 18 junho 1901). 

— Do mesmo modo, tendo a Camará Municipal da mesma cidade re-cusado dar posse a um vereador eleito, a pretexto de ser elle devedor á fa-zenda municipal, o interessado reclamou contra o acto ao Juiz de Direitoda Comarca; e este intervindo, depois de considerar as disposições da lei eas circurastancias do facto,—declarou o aeto da Camará insubsistente por

illegal, mandando era consequência, que a Camará empossasse o vereadorreclamante no exercido das respectivas Ían&f0es(8entença de 11 junho 1904,confirmada em recurso de appellação pelo Tribunal Superior). 

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 — 603 — 

liando a demolição de um prédio, sob o fundamento de que omesmo ameaçava mina.181

 

94b. —Invocando: ora os princípios do direito canónico

que admittira a protecção da posse para todos direitos, patri-moniaes ou não, e até para direitos relativos a simples cargoshonoríficos; ora os pareceres dos velhos praxistas portugue-zes182 que ensinam ou attestam o uso dos interdictos possessóriossobre direitos â consas incorpóreas; ora finalmente, as opiniõesde escriptores modernos de reconhecida antoridade188 que aforraam a semrazão do predomínio da doutrina restrictiva, tirada dodireito romano sobre a espécie; se tem sustentado que, segundoa sua verdadeira intelligencia, a protecção geral da posseestabelecida pela Ord. liv. 3, tit. 78, § 5o estende igualmente oseu amparo, tanto á apropriação da matéria, como à do direito, e,no exercício do direito, assim aos pessoaes como aos reaes,assim aos individuaes como aos collectivos, assim aos públicoscomo aos simplesmente civis. Esse immenso progresso, entendeBuy Barbosa, realisara o direito portuguez, o nosso direito pá-trio (porque nem as leis, nem a praxe brazileira o modificaramdepois...) sobre o direito romano, que circamscrevera os inter-dictos á defeza das cousas corpóreas e dos direitos vinculadosao solo..184

 

i8i Vide: Hic. p. 599, nota™ep. 616, nota 189. 182 Tae3 como: Guerreiro, Pegas, Stryohio, Cabedo, Beynoso, e Ve-

laseo entre os mais antigos, e Almeida e Souza, Corrêa Telles entre osmais modernos e outros. — Ápud Buy Barbosa, Posse ãe direitos pessoaes,— Rio Janeiro 1900. 

188 Taes como: B. Ihering, Fonãement des Interdita possessoires; —De Olivart, La Possession;—Sanchez Boman, Estúdios de derecho civil;—De Fillippis, Corso completo ãe diritto civ. ital. comparato;— Chironi, Inst.di diritto civile italiano; — Brunis, Das Becht des Besitzes. etc. — ApudBuy Barbosa, ob. eit. 

184 Buy Barbosa, ob. oit., p. 21. Este autor cita, com effeito, alguns

poucos julgados da velha praxe portugueza, concedendo a manutenção emfavor de direitos pessoaes. 

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— 604H 

■Domo qualificar pois, diz o citado jurisconsulto, o pheno-meno singular da retrocessão dos juristas brazileiros ao roma-nismo justiniano sem um facto legislativo, ou uma modificação

na corrente da jurisprudência, que explique o capricho dessearchaismo antiscientifico e illiberal ? Como comprehender, anão ser por um completo eclipse da critica, essa tenacidade na fésavignyana, inconciliável com a evolução do nosso direito e arealidade da vida da nossa praxe ? 

«Desmentida pela tradição da nossa jurisprudência, anovidade dessa theoria no direito pátrio não se sustenta melhorante a philosophia da sua própria defesa. Expondo o motivológico da noção romana, que exclue da posse os direitos incor-

póreos, attribue Savigny essa particularidade á circumstancia deque a respeito dessa espécie de posse não se pôde verificar aintrusão turbativa, que justifica a protecção possessória (TraiU de la Possession, §§ 12 e 49). Semelhante restricção, porém,está intimamente ligada á theoria falsa, alluida pela impugnaçãoirresistível de Ihering, que assenta a origem da posse na acçãodirecta do agente sobre o objecto material. Si ha uma noção hojefirmada neste assumpto, é a de que a posse « não reside nopoder physico sobre a cousa, mas no exercício, na exterioridade

do direito». E é no tocante â posse dos direitos que essa verdade« se manifesta com uma clareza impossível de se obscurecer... »Ora, não se pôde negar que os direitos incorpóreos se realisamexteriormente, exercendo-se. I « Não se lhes pôde negar, pois, acondição essencial da posse e da sua segurança civil: o exercícioexterior, a possibilidade de acção e a visibilidade delia. » 185

 

— Argumenta-se igualmente com as próprias palavras daOrd. liv. 3o, tit. 78: « Se alguém se temer de outro que o queiraoífender na pessoa, ou lhe queira sem razão occupar e tomar  

186 Ruy Barbosa, ob. oit., p. 56-57. 

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— 605 — 

suas cousas, etc», dizendo-se a esse respeito: «Cousa (res) nosentido jurídico comprehende não só as corpóreas (res corpora-les), como as incorpóreas (res incorporales), quos injure consis-

tunt, sicut hereditas, usufructus, usus, óbligationes quoquo modocontracta (Inst. L. II, tit. II, de rebus incorporalibus)...  Reiaãpéllatio generalis est : continet enim oinnia, quae vel in patri-mónio sunt, vel extra patrimonium, et ad omnem contractumcausasque et jura pertinent (Bamabse Brissonii,  De verhorumsignificatione, etc.)» E consoantemente com estas e outras ci-tações dos autores, se insiste que a Ord. liv. 3o, tit. 78, § 5o

empregara a palavra cousa no sentido geral, comprehendendonão só as corpóreas, como as incorpóreas, as moveis como asimmoveis, pelo principio admittido: "Onde a lei não distingue,o interprete ou applicador não deve distinguir. " 186 

94 c. —Não está em nosso propósito discutir, demonstrar,ou contestar no momento,—si os direitos pessoaes devem, ounão, merecer idêntica protecção possessória, que as leis dos di-versos Estados estatuem em favor dos direitos reaes. O que oranos cumpre dizer, restringe-se tão somente ã questão da possesegundo o direito orazUéwo vigente, para o fim de saber, si ointerdicto prohibitorio pode, ou não, ser concedido, ex vi legis,

contra actos da administração publica, e a nada mais. 

Antes de tudo, convém declarar que, bem ou mal, acertada-mente ou não, as razões e argumentos apresentados em favor daposse dos direitos pessoaes não tem sido admittidos pelos tribu-naessuperiores do paiz, senão, em um ou outro caso excepcional. 

— No Acc. de 16 janeiro 1900, sobre conflicto de attri-buição entre o governo municipal e o juiz dos feitos municipaes,disse o Conselho Supremo da Corte de Appellação do DistrictoFederal: « Procede o conflicto... visto ser incompetente o juiz 

186 Ferreira Vianna,  Direito de retenção e interdicto prohibitorio nalegislação pátria ( Revista de Jurisprudência, vol. I, p. 193 sg.). 

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— 606 — 

dos feitos da Fazenda Municipal pára conhecer da espécie dosautos, como ficou demonstrado no parecer do desembargadorProcurador Geral do Districto e tem sido uniformemente deci-

dido pelo Conselho por accordâo de 9 novembro 1897 proferidonos conflictos ns. 18, 19 e 20 ►.—No parecer alludido o Procura-dor Geral havia accentuado: « que o acto da Prefeitura é ina-tacável por meio de interdictos possessórios, competindo nocaso, que sejam reguladas as indemnisações, que tiverem por si 

0 direito, ante o juizo competente; que a acção de indemnisaçãoé o meio legitimo de atacar os actos administrativos lesivos dedireitos individuaes, e que ô inadmissível fazel-o por meio deinterdictos prohibitorios ». 

— No Acc. de 20 de fevereiro do mesmo anno o ConselhoSupremo da Corte de Appellação manteve a mesma doutrina doAcc. de 16 de janeiro. (Cf. Accs. da Camará Civil da mesmaCorte proferidos sobre aggravos em setembro do mesmo annoentre partes—Martins Pacheco e a Fazenda Municipal, um, eentre partes D. Rosa Lemgruber e o Juizo dos Feitos da FazendaMunicipal, o outro). 1 — No Acc. de 22 outubro 1900 sobre o conflicto de attri-buição entre o Chefe de Policia e o Juiz dos Feitos da Fazenda

Municipal, o Conselho Supremo da Corte de Appellação disse :« Que era incontestável a competência do Chefe de Policia parasuperintender os espectáculos públicos de qualquer natureza,afim de manter a ordem e prohibir que nos mesmos se pratiquemactos illicitos que possam offender a moral, observando em tudoas leis e regulamentos policiaes; que o Supremo Tribunal Federal em mais de um Accordam tem firmado o principio, que omandado de manutenção só tem por fim proteger a posse emcausas corpóreas ou a quasi posse de direitos reaes, e não oexercício de quaesquer outros direitos ».187

 

J87 Entretanto é notar, que por Accordam de 81 maio de 1900 a CamaráCivil da Corte de Appellação, sobre aggravo de Carlos Leite Ribeiro e João  

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— 607 — 

Si deixando a Corte d'Appellação do Districto, formosexaminar as decisões do Supremo Tribunal Federal na matéria,encontraremos igualmente : 

—No Acc. de 12 maio 1893, sobre acção proposta contra aFazenda Nacional pela Companhia Editora Fluminense, que im-petrara do juizo seccional um interdicto prohibitorio em favor doseu privilegio para a emissão de bilhetes ou recibos fiscaes conce-dido pela carta patente de 4 outubro 1890, se disse: «Em matéria deposse vigoram as normas e os princípios fundamentaes do direitoromano, os quaes não permittem ampliar-se a noção jurídica daposse ao simples exercício ou goso de direitos que não tem porobjecto cousas corpóreas. Segundo os textos da-quelle direito, aposse ou quasi posse se compõe de dous elementos essenciaes—ummaterial e outro moral, os quaes se acham reunidos, quando alguémdispõe de uma cousa como dono ou, pelo menos, como titular dedireitos parciaes destacados do domínio (jure in re àlinea). Esomente a posse ou a quasi posse assim concebida, com o poderphysico sobre cousas susceptíveis de domínio e de ónus reaes, gosada protecção dos interdictos possessórios...» 

Leopoldino Teixeira Bastos, interposto do despacho que lhes negara manu-tenção nos cargos do directores da Caixa Geral das Famílias, disse: « O fun-damento da decisão aggravada consiste em que o remédio da manutenção

só tem logar quando a posse se concretisa era objecto corpóreo. Essa her-menêutica, porém, attenta contra o principio cardeal do direito que, nasrelações da vida jurídica, colloca o remédio junto do mal produzido por umaviolação. A manutenção é o remédio que a lei estabeleceu como correctivoa qualquer turbação. Essa tanto affecta o direito de possuidor, quando éexercido em cousa corpórea, como em cousa incorpórea; tanto quandooffeude o jus possiãenãi, como quando offende o jus possessionis, etc, etc.»E em vista de taes princípios, foi concedida a manutenção aos aggravantes.Esse Accordam foi, porém, embargado, e as Camarás reunidas da Cortede Appellaçao julgando procedentes os embargos, restabeleceram a sua

 jurisprudência anterior, declarando insubsistente a manutenção concedida,visto não se tratar de « cousas corpóreas ou da quasi posse de direitosreaes » — Acc. n. 2433 de 9 junho 1904. 

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 — 608 — 

—No Acc. de 14 dezembro 1895, confirmando o despachodo mesmo juiz que indeferiu o pedido de manutenção feito porL. Gralvez em favor da exploração de jogo ou divertimento pu-

blico, prohibido pela Policia, se disse : « Considerando que aacção de força nova turbati va tem por fim a manutenção na possede cousa movei ou immovel ou na quasi posse de direitos reaes(Ord. liv. 3o, tit. 48, princ, liv. 2o, tit. Io, § 2o; Mello Freire, liv.4o, tit. 6o, §§ 30-31; Ribas, art. 746 e 756);—Considerando queo aggravante quer ser MANUTENIDO NO EXERCÍCIO DE UM 

JOGO OU DIVERTIMENTO PUBLICO (FRONTÃO) QUE A AUTORIDADEPOLICIAL PROHIBIO POR coNsiDERAL-o ILLICITO;  —Considerandoque, presupposta a illegalidade da ordem emanada da dita au-

toridade, a offensa seria feita não aposse ou quasi posse de cousacorpórea ou direito real, mas ao livre emprego da actividade doaggravante, a qual não pode ser protegida mediante a acção, quese pretende iniciar, e assim já foi julgado por este Tribunal em Acc. de 12 maio 1893.» 

•—No Acc de 11 julho 1895, sobre a pretenção de C. A.Van der Linden e outros, que aggravaram do despacho do Juizseccional de Pernambuco, que lhes indeferira o pedido de in-terdicto prohibitorio nos termos da Ord. liv. 3o, tit. 78, § 5o,

contra a cobrança de impostos, que os requerentes allegavam serinconstitucionaes, por infringentes do art. 9o, n. 4 da Con-stituição, disse o Tribunal: «Considerando que a expedição domandado requerido pelos aggravantes com o intuito formal deimpedir a execução das citadas disposições da lei n. 359 de 1895,e do regulamento n. 2253 de 1896, importando de facto a suspen-são destas, constituiria um attentado contra a harmonia e inde- pendência dos poderes declarados pelo art. 15 da citada Consti-tuição, órgãos da soberania nacional, subordinando ao Judiciárioo Legislativo e o Executivo; Considerando que, conformementea sua índole e missão, somente nos casos occorrentes que for-necem a matéria de litígios submettidos ao seu conhecimento 

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— 609 — 

por meio de acção juridicamente admissível, ao Poder Judi-ciário compete pronunciar-se sobre a constitucionalidade dasleis e a legalidade dos decretos do Poder Executivo, limitando-se

a não applicar umas e outras á espécie debatida quando incon-stitucionaes ou illegaes; Considerando que não ha litigio susce-ptível de ser derimido pelos tribunaes, sem uma collisão jurí-dica actual entre as partes contendoras, e que, portanto, aninguém assiste o direito de acção para antecipadamente de-mandar a annullação de uma lei ou decreto por motivo de in-constitucionalidade ou Ulegalidade com o fito de eocimirse âsua futura applicação em casos que antevê; Considerando que,relativamente ao objecto do presente recurso, consistente emmatéria de impostos, cujo encargo constitue para o contri-buinte uma divida derivada da lei, nenhum cabimento teriaainda em espécie, isto é, por occasião de ser exigido de cadaum dos aggravaotes o pagamento das taxas impugnadas, — oinvocado remédio da Ord. liv. 3o, tit. 78, § 5o, que não è meiode defeza do devedor contra a exigência do credor de obrigação pessoal, mas sim um interdicto possessorio destinado aassegurar contra as ameaças de turbação a posse das cousascorpóreas ou a quasi posse dos direitos reaes desmembradosdo domínio: Accordam negar provimento ao aggravo inter-

posto ». A decisão fora unanime, e tomada por maioria abso-luta dos membros do Tribunal. 

— No Acc. de 30 junho 1897 sobre aggravo contra o despa-cho do juiz seccional do Districto Federal, que negou interdictoprohibitorio ao Banco dos Funccionarios Públicos em favor deseu privilegio constante da lei n. 771 de 20 setembro 1890, sedisse: « O interdicto retinendm possessionis, — acção de ma-nutenção, sô tem por fim a manutenção na posse de cousa moveiou immovel, ou a quasi posse de .direitos reaes nos termos da

Ord. liv. 3

o

, tit. 48 princ, etc.; pelo que, confirmam o despachoaggravado.» 

89 .»•  R. C.

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B 610 — 

B — No Aec. de 7 agosto 1897, sobre a appellação da UniãoFederal da decisão do juiz seccional do Districto Federal, jul-gando por sentença o preceito do mandado prohibitorio, que

garantira a Thomaz A. Oliveira & C. a venda de bilhetes daloteria do Estado do Maranhão contra as diversas restricções doDec. n. 1941 de 1895, se disse: « Considerando que os direitos,a que alludem os appellados, é o de venderem nesta Capitalbilhetes da loteria do Estado do Maranhão, de que se dizemconcessionários, e, conseguintemente, um direito pessoal, a quenão pode favorecer o invocado interdícto possessorio, de quetrata a Ord. liv. 3o, tit. 78, § 5°, só destinado a assegurar, contraas ameaças de turbação, a posse das cousas corpóreas ou a quasi

posse dos direitos reaes desmembrados do domínio;Considerando que é sem applicação ao caso sujeito o remédiodaquella Ord., pela qual, não pode prevalecer o concedidomandado prohibitorio, exorbitante da competência do Juiz aguo, para impedira execução do referido decreto de 1895, poissomente por meio da acção estabelecida no art. 13 da lei n. 221 de20 novembro 1894,podem os juizes e tribunaes federaes pro-nunciar-se sobre a constitucionalidade ou legalidade dos decre-tos e actos do Poder Executivo, e sobre a constitucionalidade

das leis, limitando-se a não applicar umas e outras á espéciedebatida, quando inconstitucionaes e illegaes... Accordam darprovimento â appellação para declarar, como declaram, nullo einsubsistente o mandado prohibitorio e consequente auto demanutenção, e carecedores de acção os appellados...» 

— No Acc. de 2 julho 1898, sobre o aggravo da Associação  Jjuso-Americano Financial Beneficente, interposto do despachodo juiz seccional, negando-lhe manutenção contra o acto da Po-licia, que mandara fechar o seu estabelecimento, se disse: « Omandado de manutenção só tem por fim proteger a posse dascousas corpóreas ou a quasi posse de direitos reaes; mas não oexercício de quaesquer outros direitos, como alem dos arestos 

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— 611 — 

citados pelo juiz et quo, ainda recentemente decidio este Tri-bunal, na appellação n. 284 por Accordam de 7 agosto do annopróximo passado. » 

— No Acc.de29 abril 1899, sobre o aggravo interposto porMiguel A. Bruno, do despacho do juiz seccional, que lhe indefe-rira o pedido de manutenção contra o acto da Policia, prohibindoo funecionamento da empreza Coupons-Annuncios, da qual eragerente, se disse: « Negam provimento ao aggravo, por isso qnenão se tratando na espécie de posse de cousas corpóreas ou daquasi posse de direitos reaes, ê de todo ponto incabivel a manu-tenção requerida pelo aggravante.»

— No Acc. de 7 abril 1900 sobre o aggravo do despacho do

 juiz seccional do Estado de Pernambuco, indeferindo o pedido demandado de manutenção de Honório Bastos & C, ameaçadospelo agente fiscal de Goyanna de ordem de fechamento do seuestabelecimento comraercial e de imposição de multa, comoincursos na disposição do art. 6o do dec. n. 3535 de 1899, sedisse: « O acto do juiz fundara-se na jurisprudência do S. T. F.de não serem os direitos pessoaes protegidos pelos interdictospossessórios, só destinados a assegurar a posse das cousas cor-póreas ou a qnasi posse dos direitos reaes desmenbrados do do-mínio ; principalmente tratando-se, como na espécie dos autos,

de lesões de direitos individuaes por actos de autoridades admi-nistrativas da União, para a reparação dos quaes a lei n. 221 de1894 creou acção especial.»  .* j

— No Acc. de 20 abril do mesmo anno, sobre espécie idên-tica, se decidio de igual modo por votação unanime dos mem-bros presentes do Tribunal.  I

— No Acc. de 4 agosto 1900, sobre o aggravo de FerreiraSilva & 0. e outros, interposto do despacho do juiz seccional,que lhes indeferio o pedido de manutenção na posse dos terren os,

nos quaes exploravam a plantação de hortas e capim, ora tur-bada por acto do Governo, como medida necessária â saúde

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— 612 — 

publica, se disse: « Considerando que as medidas tomadas pelaautoridade competente, de accordo com uma lei preexistente (dec.municipal, n. 672 de 9 maio 1899) em beneficio da saúde publica,

de modo algum devem ser consideradas violência á nenhum di-reito de posse; Considerando que, si aos indivíduos fosse per-mittido, em tempo de peste ou de guerra, semelhante remédiopossessorio, estaria, ipso facto, entorpecida a acção da autoridadeincumbida de velar pelo bem publico; Considerando que em taescasos, aos prejudicados só é licito pedir indemnisação do damnoem sua propriedade, nos casos e nos termos permittidos nalei;... confirmam o despacho aggravado.» 

— No Acc. de 22 agosto 1900, sobre o aggravo do Dr. Antó-

nio de Souza Campos e sua mulher, interposto do despacho do juiz seccional, que lhes negou mandado de manutenção contra oacto da Directoria Geral de Saúde Publica, que os intimara a re-parar um prédio de sua propriedade segundo as exigências dahygiene, sob pena de ser o mesmo fechado, disse o Tribunal:« Considerando que dos termos em que os aggravantes expõemsua intenção e da natureza da medida administrativa contra aqual se insurgem resulta não haver immmencia de turbação ouesbulho de sua posse, nem offensa alguma a seu direito de pro-

priedade; pois que a Directoria Geral de Saúde ordenando ofechamento do edifício em que têm sua estalagem os aggra-vantes, para que seja elle posto, conforme a legislação vigente,em condições de ser habitado sem perigo para os inquilinos nemdetrimento da salubridade geral, de modo algum se trata deexercer nelles actos possessórios, nem de domínio, mas somenteda applicação de uma providencia autorizada por lei e que nemvem jus possessionis obscurum reãere, nem privar os aggra vantesda sua propriedade, o que excluo o uso dos interdictos possessó-rios ; Considerando que, com effeito, aos aggravantes não pôdeaproveitar o disposto na Ord. (que citam) do liv. 3.° tit. 78, §5o, ibi: « se alguém se temer de outro que o queira offender  

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— 613 — 

na pessoa ou lhe queira sem razão occupar e tomar suas cousas>poderá requerer ao juiz, etc», porquanto nenhuma applicação,em face de seus claros termos, pôde ter ao caso occorrente se -

melhante disposição; visto que, devendo ser entendida em ter-mos hábeis e de accordo com as disposições legaes applicaveisao caso, na interdicção, de que se queixam os aggravantes, ne-nhum risco correm elles de que lhes seja occupaãa ou tomadasua propriedade e não se pôde dizer que obra sem razão% isto é,contra direito, a autoridade publica decretando, sob sua respon-sabilidade, o emprego de uma providencia de interesse geral eque está no circulo das suas attribuições; Considerando que con-tra os actos da Administração publica no legitimo exercicio desuas faculdades de policia não são cabíveis inUrdictos possessóriosque suspendem taes actos ou os anniillam -, pois o contrario seriaanarchicoe subversivo da ordem administrativa, subordinandoinconstitucionalmente a acção das respectivas autoridades apoder estranho que sobre ellas não têm superintendência, e,assim, a um tempo quebrantando o principio fundamental dadivisão e separação dos poderes públicos, embaraçando a acçãodos agentes administrativos que para seu bom êxito deve serprompta e expedita na maior parte dos casos, e grandemente di-minuindo-lhes, senão nullificando-lhes a responsabilidade que a

lei creou*lhe,.como condição para o bom e firme desempenho desuas funcções; Considerando que contra os abusos e determina-ções damnosas aos particulares, praticadas por essas autorida-des, a lei tem estabelecido recurso a instancias superiores ad-ministarivas, a acção criminal e a civil e especialmente a da lein. 221 de 20 de novembro de 1894, art. 13, que suficientementeasseguram os direitos legítimos e interesses individuaes que pos-sam ser lesados pelos f unccionarios prepostos â Administraçãogeral, por modo que não se acham os aggravantes privados dasgarantias legaes para, por outros meios, fazerem manter seusdireitos e indemnisarem-se dos damnos que lhes occorrerem : 

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Considerando que mal invocada é a disposição do arfe 72 § 17da Constituição Federal, que garante a propriedade em todaa sua plenitude, salvo desappropriação legal com prévia inde-

mnisação; quer porque não se trata, no caso occorrente, dedespojar os aggravantes de seu prédio e do direito de disporemdelle (e provado que estivesse no plano, por elles attríbuidoá Directoria Geral de Saúde, de acabar com as estalagens, aelle somente se procederia em virtude e na forma das leis e me-diante as indemnisações que se verificasse serem devidas); querporque, como bem se explana no despacho e contra-uiinuta do- juiz a quo, além da excepção constitucional, ha mais a obser-var, quanto ao exercício do direito de propriedade, certas re-

stricções impostas pelo interesse geral e que se consagram nalegislação de todos os povos cultos, da qual nisso não destoa anossa; Considerando que os próprios aggravantes tendo, depoisde proposta a acção, requirido prorogação do prazo a elles as-signado para a execução da medida de que se trata, vieramassim a reconhecer a competência da autoridade que a determi-nou e a legitimidade de seu acto; não lhes valendo terem-n'ofeito com segnnda tenção, como declaram para ganhar tempoe obter certidões, pois nenhuma resalva ou protesto fizeram

na petição constante da certidão de fl..., nem consta dequalquer outra peça dos autos, e desfarte por aquella petiçãose propuzeram a cumprir a intimação, pedindo somente paraisso mais tempo, isto é, convierara elles mesmos e esponta-neamente em submetter-se ao que a principio tinham conside-rado ameaça de turbação, de onde resulta não mais poderemobter o pretendido interdicto prohibitorio, e isto posto: O Su-premo Tribunal Federal nega provimento ao aggravo, paramanter, como mantêm, e mandar que prevaleça o despachoaggravado... » 

Esta decisão foi tomada unanimemente, estando presentesquatorze ministros. 

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—No Acc. de 13 outubro 1900, sobre o aggravo de João deAlbuquerque Serejo interposto do despacho do juiz seccionaldo Districto Federal, que lhe negou mandado prohibitorio con-

tra o acto da Directoria Gerai de Saúde Publica, impondo-lhe aobrigação de satisfazer certas exigências de policia sanitária,se disse: — « Que a intervenção do Estado em matéria dehygiene se legitima por estar a saúde publica intimamentevinculada ao interesse social...; que, sem violar a co-existen-cia harmónica dos órgãos da soberania nacional, tão necessáriaà marcha regular das instituições democráticas, não seria licitoao poder judiciário expedir mandado de manutenção ou outroqualquer interdicto possessorio para o fim de suspender a me-dida que a administração publica, no exercicio legitimo de suasfuncções e por intermédio da autoridade competente, julgueimprescindível para prevenir ou reprimir o apparecimento ou apropagação de qualquer epidemia; que, si porventura o actoemanado da autoridade sanitária produzisse a lesão de um di-reito, a lei n. 221 de 1894, art. 13 assegurava, sem prejuizo dointeresse social, a sua reparação... » 188

 

94 d. —Ora, dos diversos accordams, que foram citados,e da uniformidade de linguagem dos mesmos, não se pode deixar

de concluir, que a jurisprudência pátria não admitte o inter-dicto possessorio, senão, em favor das cousas corpóreas ou dedireitos reaes, excluindo os direitos pessoaes dessa protecção.  

E não se pode deixar de convir, que, no estado actual donosso direito vigente, essa jurisprudência firmada pelo SupremoTribunal Federal é, incontestavelmente, a única verdadeira oulegitimamente fundada. 

188 Com a doutrina dos Aocs. acima mencionados conferem ainda:8. T. F. 23 e 80 outubro 1901; 12 abril e 21 junho 1902; 4 abril, 20 junhoe lo Agosto 1903; 9 abril 1904, etc.  

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De facto, cora a lei n. 221 de 1894, art. 18, o que o legislador teve em mente, foi consignar os casos e o processo, segundoo qual se podia dar a legitima intervenção do judiciário nos

actos dos dous outros poderes, sem offensa das faculdades destes ; visto, até então, nada haver de positivo em nossas -leis asemelhante respeito.  I 

O pensamento, que se deprehende dos dispositivos dessalei, é, antes de tudo, o de que a efficacia dos actos legislativos eadministrativos, assim como o dever de obediência aos mesmos,deverão subsistir sem quebra, até que, por sentença judiciariaproferida em processo regular, sejam taes actos declarados, por-ventura, nullos ou carecedores de força jurídica.189 O legislador de

1894 procurou tornar este seu pensamento o mais claro pos- 

189 Como já vimos, por disposições de leis e decretos recentes (hic,nota17S) fora expressamente prohibido ao Judiciário conceder interdictospossessórios contra os actos administrativos do Prefeito Monicipal e dasautoridades sanitárias. Os interessados, porém, se tem insurgido contra taesdisposições, averbando-as de inconstitucionaes, como se vê dos seguintesfactos. Tendo o Prefeito do Districto Federal mandado intimar a diversosproprietários e inquilinos de prédios nesta cidade do Rio de Janeiro (Largoda Carioca) para despejal-os afim de ser feita a demolição dos mesmos, sob ofundamento ou pretexto de ameaçarem ruína, — os interessadosrecorreram ao Juizo Federal, pedindo mandado de manutenção em seu

favor, já por não haver a supposta mina de taes prédios, já por seremillegaes, por contrarias á Constituição, as ordens do Prefeito a esserespeito. O Juiz Federal da Secção se tendo declarado incompetente, e bemassim o da justiça local, subiram os feitos, pelos aggravos de ns. 555, 557e 558, ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, o qual os decidirapor maioria insignificante de votos, ora pela competência da justiça local(aggr. n. 555 por Acc. de 9 julho 1904), e ora pela da justiça federal (aggr.ns. 557, por Acc. de 13 julho; agg. n. 558 por Acc. de 16 julho 1904). De-vendo prevalecer o teor das ultimas decisões, as partes requereram de novoao Juizo Federal o remédio possessorio em favor dos prédios em questão, edesta vez sendo deferido o pedido (despacho de 20 julho 1904), obtiverammanutenção contra as intimações do Prefeito. Não havendo, entretanto,

  julgamento definitivo do feito ou de mentis, não se pôde saber, — si aconcessão do mandado teve por fundamento a inconstitucionalidade da lei,em que se baseiara o acto do Prefeito,—ou si o mesmo foi 

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sivel, estatuindo, como advertência especial, no § 7o do citadoart. 13, que o autor podea requerer a suspensão do acto ou me-dida impugnada, — mas, dirigindo o seu requerimento a pró-

pria autoridade administrativa expeditora do acto, e esta poderáattendel-o, « si a isto não se oppuzessem razões de ordempublica ». Não reconheceu, entretanto, a mesma faculdade áautoridade judiciaria. E porque? Porque entendera, sabia eprudentemente, que a independência dos poderes públicos ficariareduzida a um simples vocábulo, "flatus voeis", sem a menorsignificação pratica, desde que a um delles somente coubesse odireito superior de, a priori, ou em vista de simples petição dointeressado, annullar os eífeitos dos actos dos demais poderescoordenados. Certo, não é este o funecionamento de poderes,independentes e harmónicos, que se acha consagrado nos textosda Constituição. 

— Não ha duvida, que o individuo, lesado nos seus direitospessoaes por actos da Administração Pnblica, tem o direito derecorrer ao Judiciário, pedindo remédio reparador; e foi, pre-cisamente, o exercicio desse direito, que a lei n. 221 procurouregular de maneira conveniente. Proponha elle, portanto, livre-mente a sua acção; e demonstrada a procedência delia ou ainvalidade do acto administrativo perante a autoridade judicia-

ria, é direito e dever desta declarar o acto nullo por sentença,—para o fim de assegurar o direito da parte lesada, com asperdas e damnos, que no caso se derem. Emquanto, porém, nãofor lavrada a decisão final, irrevogável, do Judiciário, o actoadministrativo, embora impugnado, devera ser reputado, legale valioso, em respeito ao poder independente, donde o mesmoemanara. Fora da observância desta regra, não ha, 

concedido por se tratar, no caso, de direitos reaes, isto é, direitos relativos

a prédios, cuja demolição se ordenara, tirando-se, talvez, argumento daprópria lei n. 221, art. 18, § 16, letra &... 

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nem pode haver, independência de poderes iguaes, e coordena-dos em vista da realisação do bem publico.  

— Neste sentido merecerão, sem duvida, a attenção do

leitor as razões, que aqui transcrevemos, do Procurador daFazenda Municipal do Districto, allegadas a propósito de umamanutenção da espécie: 

I « Com effeito, se a autoridade judiciaria pôde conhecer dalegalidade e da legitimidade de um acto da Administração Pu-blica, a sua competência deve ser limitada a verificar em cadacaso a existência do direito privado, que se diz offendido, e avêr se esta lesão existe, pronunciando-se na espécie sobre asperdas e damnos e sobre a inefficacia da decisão administrativa

pela inobservância das formalidades legaes. Mas se a autoridade judiciaria pôde impedir que o acto da administração tenha o seucompleto e pleno effeito, negando-lhe applicação ao caso occor-rente, não pôde pronunciar-se sobre a sua opportunidade, nemrevogal-o, modifical-o ou ordenar e crear disposições, que lhesejam contrarias; de outro modo seria invadida a esphera dasattribuições do Poder Executivo e seriam confundidos todos ospoderes. I «Consequência de taes princípios é a inadmissibilidade das

acções possessórias contra os actos administrativos. «Às acções possessórias tendem a manter na sua posse aquem nella é turbado, ou a restituir a posse a quem delia se vêespoliado com o fim de prevenir conflictos entre os particularese de impedir que estes se façam justiça por suas próprias mãos.  

« O exercício dessas acções não se compadece, pois, com osactos da Administração Publica, os quaes, porque emanados dospoderes legalmente constituídos e destinados ao bem commum,têm uma presumpção de justiça, embora algumas vezes, ou porabuso ou por erro, possam importar numa violação dos direitosindíviduaes. 

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« Além disso, se admissiveis contra a Administração Publicafossem as acções possessórias, os juizes seguramente viriam porum modo indirecto a revogar, modificar ou annullar o acto ad-

ministrativo, desde que a sentença que ordenasse a desistênciada turbação ou da reintegração da posse privada substancial-mente suspenderia o acto administrativo, da execução do qualdecorre a turbação ou o espolio.»19° 

— Verdade é, que na mesma lei n. 221 (art. 13 § 16) sedeclara, que"subsiste sem alteração o direito vigente quanto àsacções possessórias; e a manutenção provisória é, sabidamente,uma das formas salutares das acções referidas, Mas quid inãe ?Que dabi se deva inferir a admissão dos interdictos prohibito-rios ou retinendm possessionis contra todos e quaesquer actos daadministração? Evidentemente não. O que o legislador pretendeu firmar, pelo § 16 do art. 13 da lei de 1894, foi — que estalei em nada [alterava o direito existente sobre a protecção da posse das cousas, ou dos chamados jura in re\ mas, sem o intuitode ampliar semelhante protecção ás cousas incorpóreas ou aosdireitos pessoaes, como á outros tem parecido.. .191  I 

Já o dissemos, — as acções possessórias do nosso direitocivil foram sempre tidas, como remédio judicial especifico dedefender e conservar a   posse das cousas contra qualquer tur-

bação; sendo esta a jurisprudência pátria, uniforme, indiscutí-vel, na época, em que foi votada a lei n. 221. Portanto, quandoo legislador se referiu a taes acções, não podia ter tido outramente, que não fosse a de conservar-lhes a mesma applicação,  

íso Miranda Valverde, Minuta do Aggravon. 431 de 1901 para o Su-premo Tribunal Federal. 

ísi Talvez não seja descabido dizer aqui, que toda a matéria do art. 13da lei n, 221 fora apresentada pelo autor deste trabalho (então senadorfederal) em projecto de lei; sendo dito artigo adoptado pelo Congresso Na-

cional sem a menor emenda ou modificação feita.—-Vide: Projecto do Se-nado n. 6 de 1893, art. 2.° 

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os mesmos effeitos, que então tinham. Pqder-se-á afiBrmar o con-trario, isto é, que os interdictos possessórios fossem então igual-mente admittidos, praticados, como regra da nossa jurispru-

dência,— para a protecção de direitos meramente pessoaes, e,nomeadamente,contra os actos da Administração Publica? Ondeos documentos, que attestam o reconhecimento de semelhanteampliação? — Em parte alguma. 

Logo, é forçoso concluir que, mesmo em vista da resalvafeita pela lei n. 221 de 1894, o Judiciário não deverá concedertaes interdictos, senão, tratando-se de cousas, propriamente ditas, ou usando da linguagem consagrada, em favor da posse decousas corpóreas ou da quas^posse dos direitos reaes. Fazer

o contrario, é proceder sem apoio na lei; é praticar um abusomanifesto...  I 

94 e —Agora, pondo termo â este ultimo capitulo da nossatarefa, cumpre-nos dar, ainda que em breves palavras, duas ex-plicações, uma ainda relativa aos interdictos prohibitorios, eoutra relativa á intervenção judiciaria em geral. 

— Quanto á primeira, é de saber, que as considerações,feitas contra o uso dos interdictos, assentam, como se disse, nasdisposições da lei vigente e na jurisprudência até agora consa-grada pelos tribunaes; mas, com ellas, não se quiz dizer querepugna aos bons princípios jurídicos, que os direitos pessoaes,em dados limites e em casos excepcionaes, também possam terem seu favor a mesma protecção, de que gosa a posse dós di-reitos reaes.iea Nada, realmente nada, impede, que assim sefaça em lex ferenãa... 

O que combatemos, por não nos parecer admissível, é, quese recorra á manutenção ou aos interdictos prohibitorios, como 

192

A respeito da manutenção dos direitos pessoaes, se encontra no Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), de 25 janeiro e Io fevereiro 1903,nm importante trabalho do professor de direito, Cândido L. M. de Oliveira. 

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regra ou meio ordinário contfa os actos da Administração Pu-blica. O processo commum de defender o direito, ameaçado ouferido pelo poder administrativo, deve ser outro; muito embora

a lei possa autorisar taes interdictos em casos particulares, e deque já temos, aliás, exemplo no recente dec. n. 1185 de 1904relativamente aos impostos interestadoaes. Como remédio ordi-nário, pensamos nós, deverá com razão continuar, — ou o daannullação do acto lesivo, autorisado pela lei n. 221 de 1894,com os seus effeitos de reparação consequente, — ou do pedidode simples indemnisação por perdas e damnos mediante a acçãoordinária, segundo as circumstancias do caso. 

— Quanto à intervenção judiciaria nos actos administra-tivos em geral, também não se queira vêr no modo restrictivo,pelo qual entendemos que ella pôde ter lugar, uma contra-dicção ou esquecimento da doutrina, anteriormente sustentada,acerca da responsabilidade geral do Bstado pelos actos lesivoados seus representantes. 

Nada disto certamente. A nossa questão alli, como aqui, é-sempre a mesma: a do respeito devido ao direito daquelle qu&o tem, seja o individuo, seja o Estado, seja uma parte da admi-nistração deste. Continuámos a affirmar do mesmo modo, que aresponsabilidade do Estado pela lesão do direito individual deve

ser a regra geral; mas, sem deixar de reconhecer juntamente,que semelhante principio tem, e nem pode deixar de ter, res-triccões em muitos casos. O Estado responde, sim, perante oJudiciário pelos damnos causados dos seus agentes ou funccio-narios-, mas deverá fazel-o, de maneira conveniente e oppor-tuna, que não embarace a sua acção, sabidamente indispensávelã realisação do bem publico. 

A intervenção judiciaria ê a mais legitima e necessária,afim de assegurar ao individuo o restabelecimento do seu direito,.

ou, ao menos, uma indemnisação correspondente á lesão sof-frida. Não ha que objectar. 

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I Mas, em respeito á independência do poder administrativo,e dos fins, que igualmente se propõem os actos do mesmo, épreciso aguardar a opportunidaãe da intervenção judiciaria, 6

impor-lhe limites certos, isto é, a autoridade judiciaria sedeve restringir a assegurar a reparação dos direitos lesados,sem jamais impedir a acção administrativa, nem querer dar ordens ao outro poder igualmente independente, ou dictar-lheobrigações, que importem a usurpação de faculdades, que nãoestão na sua Índole, nem lhe foram conferidas pela "Lei Fun-damental" do Estado. 

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NOTA ADDITIVA A' Jurisprudência

Estrangeira 

Para não tornar demasiado longo o presente Titulo, deixámos de abrircapítulos especiaes a jurisprudência de alguns outros Estados estrangeiros,relativamente ao assumpto. Entendemos, todavia, que não seria inútil dar,ainda que em simples nota, uma ligeira noticia acerca da AuBtria, Suissa,Hespanha e Portugal. 

À situação do direito positivo destes Estados, feitas as restricçõespeculiares de cada legislação, é, mais ou menos, análoga à da morpartedos Estados da Europa e da America, no tocante à questão da responsabili-dade civil do Estado. Carecem ainda de disposições legislativas de caractergeral, que affirmem, ou neguem, dita responsabilidade, ao menos, sobreum dado género de factos, como theoricamente se pretende no systema dadistincção dos actos entre .a gestão e o império. 

Encoutram-se, apenas, disposições de caracter restricto ou especial,reconhecendo a obrigação do Estado de indemnisar em certos casos, taespor exemplo, nos de desapropriação por-utilidade publica ou n'outros, emque se fazem damnos directos a propriedade particular por actos lícitos oulegaes da Administração Publica. Também com relação aos próprios actosillicitos, quando o danino provém de relações contractuaes, a mesma res-ponsabilidade é, em regra, admittida na jurisprudência. Quanto, porém, aosdamnos provenientes de actos illicitos extra-contraotuaes, o principio, maisgeralmente insinuado, continua a ser o da irresponsabilidade do Estado,muito embora, sem haver textos expressos que assim o declarem. As di-versas leis, em geral, consagram a responsabilidade criminal e civil dofunccionario pelos seus actos lesivos do alheio direito; mas sem dizerem

  juntamente si, por esse facto, se deve considerar excluída em todos os '

casos a responsabilidade civil, solidaria ou subsidiaria, por parte do Es-tado. De maneira que se pôde afflrmar, que a verdadeira situação jurídicasobre este ponto é a da incerteza... I Em todo o caso é de saber, que,segundo o direito vigente dos Estados, a que ora alludimos, o Estado e oMunicípio são considerados pessoas jurídicas, e, como taes, sujeitos àsdisposições dO direito civil, salvo na parte em que a lei ordenar o contrario;donde não será descabido inferir, 

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que, senão em todos, certamente em um grande numero de casos;, em que orepresentante do Estado ou do Município lesar por seus actos aos direitosindividuaes, estes últimos deverão responder civilmente nos termos do mesmodireito, porventura applieaveis ás pessoas jurídicas em geral em casos aná-logos. 

H  Não é preciso accrescentar, que no caso de o Estado tirar um lucro  

do acto illicito do seu funccionario, a indemnisação ó de regra, pelo menos,até a importância do lucro illicitamente obtido. 

Agora, deixando de parte a matéria da desapropriação, cuja indemnisação peloEstado é hoje um preceito commum do direito constitucional dos diversos

Estados civilisados, passaremos á mencionar algumas outras dis-•f posições

particulares, que se referem, ou poderão ter applícaçao ao objecto da presentenota. 

ÁUSTRIA.  —A questão da responsabilidade do Estado ou do Municípiopelos actos lesivos dos funccionarios oceupára a attenção dos poderes pú-blicos desde data remota, sobretudo, no que se refere aos funccionarios

 judiciaes. Já um decreto imperial de 4 janeiro de 1787 (Sofdecret) dispunha: «Quando o magistrado ou o administrador da justiça (Gerichtsverwalter)incorrer na satisfação de damnos ou prejuízos por motivo da má adnii-.nistração da justiça, o respectivo município ou o senhorio (Governo terri-torial), do qual depender dita jurisdicção, deverá prestar a indemnisaçãodevida á parte lesada, com direito regressivo contra o magistrado ou juiz que

tenha tido culpa ou parte na injustiça feita.» Esta disposição tinha igual applícaçao ao Estado, como expressamente

o declarara ura outro decreto imperial de 28 janeiro 1838. - Os annaes legislativos da Áustria, de data anterior e posterior, con-

tem diversos projectos de lei apresontados acerca da responsabilidade doEstado, sendo mais notável, um do ministério da justiça, estabelecendo aresponsabilidade primaria do mesmo. Este projecto, porém, só logrou serconvertido em lei (12 março 1859) na parte que reconhecera o Estado, res-ponsável immediato pelos depósitos, subsistindo quanto ao mais a respon- 

I sabilidade exclusiva dos funccionarios culposos. A lei de 17 dezembro 1862declarou igual responsabilidade nos casos de apprehensões de cousas, fei- 

I tas pela policia ou por occasião de uma medida administrativa. Por ultimo,

tendo a lei constitucional de 21 dezembro 1867 (Staatsgrwndgesetz iiber die t richterliche Gewalt) disposto no seu art. 9.°, que o Estado ou os seus

funccionarios judiciaes são sujeitos à acção pelos damnos que causarem I no exercício do cargo (Der Staat oder dessen richterliche Beamten kõnnen

wegen der von den letzteren in Amubung ihrer amtlichen Wirksamkeit verur-sachten Rechtsverletzungen ausser den im gerechtlichen Verfahren vorgezei-chneten Rechtsmitteln mittelst Klage belangt teerden), foi nesta confornii- 

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dado votada a lei de 12 julho 1872 (Gesetz voto, 12 juli 1872, womit zur thvrchfUhmng des artikels 9 ães+Staatsgrunãgeçetzes vowSl Dec&hiber 1867 ■iiber die richterliche Getvalt, das Klagerecht der Parteien wegen dês vom\ richtérlkhen Beamten in AusUbung ihrer amtlichen Wirksanikeit zugefiigten Itechtaverletzwtgen geregelt wvrd), cujo art. Io dispõe expressamente:' « Quandoum funccionario de ordem judiciaria no exercido das suas func-cões lesar, porexcesso de poder, os direitos de uma parte causando-lhe damno, para cujareparação os meios processuaes existentes não provejam remédio, a parte lesadatem o direito de exigir a reparação desse damno por via de acção, seja contra ofunccionario responsável, seja contra o Estado, seja contra ambos na íórraadeterminada pela presente lei. O funccionario é obrigado, como devedor

principal, e o Estado, como abonador, que paga por outrem (Wenn emrichterlicher Beamter in der Ausubwng seiner amtlichen Wirksamkeit durchTfebertrebuvg seiner Amtspflicht einer Partei eine Rechtsverletzung imãdadurch einen Sehaden zugefiigt hat, gegen welchen die in dem gerechtlichenVerfahren vorgezeiehneten Rechtsmittel eine AbhUfe nicht gewãhren, so ist diebeschãdigte Partei nach Massgabe dieses G-ezetzes berechtigt, den JSrsatz desSchadens mittelst Klage gegen den schuld-tragenden rschterliehen Beamtenallein, oder gegen den Staat allein, oder gegen Beide auszusprechen...). 

Ahi temos, pois, relativamente aos actos judiciários, reconhecida demodo expresso a responsabilidade civil do Estado, sem que nos textos das leiscitadas se tenha feito resalva de alguns de taes actos, á pretexto de serem deimpério ou. de poder publico. 

A lei de 1872 declarara igualmente, que sobre todos os pontos, naomodificados por ella, as disposições do direito comiuum regalam a matéria daindemnisaçao do funccionario (art. 5o), e que ao Estado compete o direitoregressivo contra o funccionario pelo que pagar a titulo de indemnisaçao ;podendo tomar a respeito as medidas assecuratorias convenientes, inclusive aexecução dos vencimentos e mais emolumentos pertencentes ao funccionarioculposo, (arts. 15-26}. 

— A indemnisaçao por motivo de prisão, feita ou prolongada illegal-mente, de que trata o art. 8° da lei orgânica de 21 dezembro 1867 (Staats-grundgesetz iiber die allgemeinen Rechte der Staatsburgerfiir die in Reichsrathevertretetenen Konigràehe und Lãnder), devera ser igualmente processada nostermos da lei de 1872; sendo positiva a disposição da lei constitucional de 1867a este respeito: «Toda detenção feita ou prolongada illegalmente obriga oEstado a reparação do damno á parte lesada». 

Nos motivos da lei de 12 julho de 1872 se disse: « A parte não tem aUberdade de escolha de por-se, ou não, em relação com o funccionario, nem deacceitar determinado funccionario. Tanto o acto, como a pessoa dofunccionario, são Impostos a parte; logo aquelle que crea esta necessi- 

40  R- C. 

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dade, a dizer, o Estado, deve responder pelas consequências delia. A obri-gação de indemnisar por parte do Estado *funda-se no instituto da repre-sentação do cargo e na necessidade dos súbditos do se acharem em relação«orn o funceionario. E esta obrigação jurídica de indemnisar não depende

da natureza da matéria sujeita; a maior ou menor importância dos direitos,caso se possa fazer uma tal classificação, nada influe á semelhanterespeito.—Vide: A. Klevitz,  Die EntseJiadigungsausprtiche aus rechtmi-drigen AmUhandlungen, p. 39, 86 sg., 97 nota, 100 nota e 109, nota, etc. 

— Quanto á responsabilidade do funceionario, proveniente dos actosadministrativos propriamente, também por outra lei constitucional de 21dezembro 1867 sobre o exercício do poder governamental e executivo(StaatsgrundgeHetz tíber Ausubung der JRegieruvgs-und- Yollzugsgetvalt ) foradisposto em seu art 12: «Todos os funecionarios do Estado» no exercido desuas attribuições, são obrigados a guardar as leis constitucionaes, as leis doimpério e as leis locaes de cada paiz. A responsabilidade eflectiva dessaobrigação incumbe aos orgfios do poder executivo, a quem pertencer aautoridade disciplinar sobre os respectivos funecionarios. A responsabili-dade civil destes, pelos damnos causados no uso illegal da sua autoridade,será regulada em lei especial. (Die civilreehtliche Haftung derselben fiir die âurch pflicMiiÃdrige Verftígungen verursachten RechtBverletzungen uird durch chi Gesctz normirt). Até ao presente, porém, não consta a promul-gação desta lei especial. 

Anteriormente, na lei da responsabilidade dos ministros (Gesetz tíber die Yerantwortlichkeit der Minister) de 25 julho 1867.se havia igualmentedisposto no art. 6°: « O ministro pôde ser processado perante os tribunaesordinários pela reparação do dam no resultante de um acto das suas attri-buições, seja em prejuízo do Estado, seja em prejuízo de um particular,

desde que semelhante acto for deolarado illegal pela Alta Corte de justiça(Staatsgerichtshof). A citada lei constitucional (sobre a poder judiciário) de 21 dezembro

1867, havendo juntamente disposto no seu art. 14, que a justiça e a ad-ministração são separadas em todos os grãos de jurisdicção, acerescen-tãrano art. 15: « Em todos os casos, em que uma autoridade administrativaintervém e decide as contestações entre particulares segundo as leisvigentes,— á parte, que for lesada em seus direitos pela decisão, é livrerecorrer contra o seu adversário pelas vias judiciarias de direito commum.Alem disso, todo aquelle que se julgar lesado em seus direitos por umadecisão ou medida de autoridade administrativa, tem o direito de levar asua reclamação perante a corte de justiça administrativa contra o repre-

sentante da autoridade administrativa». As regras sobre a organisação destacorte e o respectivo processo deviam constar de lei especial. Tal foi oobjecto da lei de 22 outubro 1875 (Gesetz betrefend die Erriehtmg eines 

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Verwaltungsgerichtshofe*), a qual resa em seu art. Io: A Corte de justiçaadministrativa conhece de todos os recursos, que lhe forem apresentadospelas pessoas que se julgarem lesadas em seus direitos por uma decisãoou medida da autoridade administrativa, seja esta central, provincial, de-partamental, ou municipal. 

Conforme ao art. 3o desta lei, são excluídos da competência da Cortede Justiça Administrativa: a) as matérias, cuja decisão pertence ás justiçasordinárias; &) as que, segundo a lei constitucional de 21 de dezembro de 1867,são da competência da Corte do Império (Rekhsgericht); c) as que, segundoa lei n. 146 de 21 dezembro 1867, são submettidas ã uma administração com-mum pelas duas partes do Império; d) as que, conforme esta mesma lei de21 dezembro 1867, são submettidas, quanto à sua administração, á princí-pios uniformes nas duas partes do Império, comtanto que a medida oudecisão impugnada tenha sido tomada em execução da lei por uma auto-ridade administrativa commum ou por uma autoridade administrativa daoutra parte do Império, ou se funde sobre a applicação de alguma resolu-ção ou regulamento feito igualmente de accordo ; c) as matérias, nas quaesa administração é investida de um poder discricionário, na medida que estepoder lhe tenha sido conferido; /') os recursos contra as nomeações paraos cargos e funeções publicas, quando não se tratar de offensa a um pre-tendido direito de apresentação ou designação; g) as matérias discipli-nares ; h) os recursos contra as decisões administrativas emanadas em ul-tima instancia da Corte Suprema, assim como as decisões emanadas deuma jurisdicção composta de funocionarios e juizes juntamente ; i) os re-cursos contra os actos e decisões das commissões encarregadas da repar-

tição dos impostos. Quando a Corte de justiça administrativa admitte o recurso, deve

annullar o acto, como illegal, por uma sentença fundamentada (art. 7°). — E', entretanto, de observar, que a lei, facultando o recurso das

decisões administrativas para a Corte de justiça administrativa, teve so-mente em vista crear um remédio contra o erro ou injustiça de taes deci-sões, que a Corte pôde annuUar, como se vio ; é um remédio em tudo aná-logo ao que a lei brazileira n. 221 de 1894 procurou consagrar em nossopaiz. Mas a referida lei austríaca não cogitou de excluir o direito a indemni-zação que porventura possa caber ao individuo lesado (die civile rechtliche

 Haftung) em consequência da respectiva decisão administrativa; esse di-reito, si houver no caso, continuara a ser regido pelo direito commum ou

por outras disposições espeoiaes. Queremos dizer, mesmo da não compe-tência da Corte administrativa para rever ou annullar os actos exceptuadosno art. 8o da lei, não é licito desde logo inferir, que os mesmos actos nãopodem, só por isto, ser susceptíveis de gerar a responsabilidade civil dofunocionario ou do Estado, pelas suas consequências lesivas do alheio direito. 

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I SUISSA.—A responsabilidade dos funccionarios públicos pelos effeítos deseus actos está expressamente consagrada na Constituição Federal (art.177) e bem assim nas constituições e leis cantonaes. H Quanto ao mais,temos o seguinte:— O código federal das obrigações (lei de 1'4 junho1881, posta em vigor no 1° janeiro de 1883), dobaixo do titulo de "Actos

 Illtáiios ", começa por declarar (art. 50),—que cada um é obrigado areparar o damno causado a outrem por actos illicitos, seja pro-positalmente,seja por negligencia ou imprudência. H B tendo disposto nos arts. 61,62 e63 sobre a responsabilidade que cada um pôde contrahir pelos actos deoutrem, que esteja na sua dependência ou serviço, incluindo entre osresponsáveis as pessoas jurídicas, que exercitam uma industria, diz no art.

64: «As leis federaes ou cantonaes podem derogar as disposições destecapitulo no que respeita á responsabilidade dos damnos causados porfunccionarios ou empregados públicos no exercido das suas attribuições;advertido, porém, que as leis cantonaes não poderão derogar as mesmasdisposições, quando ellas se referem aos actos de funccionarios ouempregados na exploração de uma industria.» 

E' de saber que outra lei federal (de 25 junho 1881) também reco-nhecera a responsabilidade civil por actos de outrem, sem a condição deculpa,— declarando o patrão ou o proprietário do estabelecimento industrialobrigado a reparar o damno soffrido pelos operários no serviço,— mesmoprovado, que aquelle não tenha tido a menor culpa no acto ou facto, de queresultar o damno. 

— São os tríbunaes ordinários, que tem competência para conhecerdas acções contra os funccionarios públicos; e como na mórparte dos can-tões os mesmos tribunaes decidem igualmente de matérias contenciosasadministrativas, é consequente, que elles apreciem, em dados casos, o pró-prio valor jurídico dos actos da administração publica. Todavia, sendo variaa legislação cantonal a respeito da matéria, não podemos apresentar umsummario da mesma a esse respeito ; apenas faremos a indicação de algu-mas das disposições concernentes, adoptadas em certos cantões.

— A lei do cantão de Berna de 81 julho 1846, art. 17: « As acçõescivis, que resultam da responsabilidade, podem ser propostas em juizodirectamente contra o Estado (tmmiltelbar gegen den Staat)... O Estadoconserva o direito regressivo contra os culpados. »

No art. 72 da Constituição cantonal, o qual veda a prisão individual,a não ser nos casos e formas previstas na lei, se estatue juntamente : «Umaprisão illegal dá ao preso o direito á inteira indemnisação ». 

Disposição idêntica ou análoga se encontra em varias outras con-stituições, notadamente, nas de Zurich (art. 7), de Luzerna (art. 5), de Ob-Wald (art. 9), de Zug (art. 7»), de Solothurn (art. 81), de St. Oallen (art.14), etc, etc. 

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Em varias dessas constituições vem expressamente declarado, que adita indemnisação deve ser prestada pelo Estado. 

— A Constituição de Zurich dispõe de modo geral, no sen art. 4o,qne ao Estado incumbe garantir os direitos indivldnaes, legitimamente

adquiridos (woMerworbene Privatrechte) ; que si o bem publico o exigir, epermittida a sua desapropriação ; mas mediante justa indemnisação, cujaimportância, no caso de contenda, será fixada pelos tribunaes de justiça.

— A Constituição de Ob-Wald (art. 9) estende a obrigação do Estadode prestar indemnisação, não só aos casos de prisão illegal, mas tambémaos de condemnaçâo injusta. E no código civil do mesmo cantão se achamconsagradas as seguintes disposições:

Art. 419. Os membros e empregados das administrações publicas res-pondem aos particulares pelo damno que lhes causarem, intencionalmenteou por grave negligencia, no exercício das funcções; a menos que as pes-soas lesadas, havendo vias certas de direito para evitar o damno, tenhamnegligenciado de usar delias. 

Art. 420. Quando um particular, por motivos do interesse geral, sof-frer da parte da autoridade publica, um damno, que a lei não lhe impoz aobrigação de supportar pessoalmente, e que não possa ser imputado a simesmo, por exemplo, em consequência de exercicios militares, ou de me-didas policiaes, dito particular terá direito de acção para ser indemnizado,— não, contra o autor do damno, mas contra o Estado; uma vez qne o casoseja assimilável à ama desapropriação ou á uma privação forçada de di-reito por causa de utilidade publica. Fora disto, não poderá, reclamar in-demnisação alguma. 

Art. 421. Si no exercicio da autoridade publica uma pessoa for lesadapor effeito de dolo ou grave negligencia de um funccionario ou empregadopublioo, dita pessoa só terá recurso contra o próprio culpado, 

— A Constituição de Solothurn, ao declarar a responsabilidade dosfunccionarios pelos damnos causados, ajunta igualmente: « qne si elles ouos seus fiadores não poderem satisfazer o damno, ao Estado cabe a obriga-ção de responder pelo mesmo» (art. 11).  I

— Na reforma constitucional do cantão de Uri de 6 maio 1888 foi ado-ptada a seguinte disposição: « O Estado assume a responsabilidade sub-sidiaria, até o 'dobro da importância da fiança, pelos seus funccionarios,empregados e prepostos nos casos de falsidade e negligencia (von Un-treueoder Pflkhtvernachlãsaung derselben).»— A nova reforma tambémconsagrara o direito de indemnisação contra o Estado nos casos de prisãoinjusta.  B

— Por ultimo, também não devemos deixar de dizer que, segundo uma

decisão do Tribunal Federal Sulsso, o Estado fora declarado irresponsávelno seu exercício de poder publico, salvo disposição especial derogatoria

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desse principio. (Decisão do Tribunal Federal Suisso de 25 março 1882.— jCf. Bailby, ob. oit. p. 136). 

— Vide: A, Geser, Die ZivUrechtliche Verantwortlichkeit derBeamten,— Preiburg, 1899 :— "Sammlung der Bundesverfassung und der auf1 jànner 1880 in Kraft bestehenden Kantonsverfasstmgen (atntliche Ausgàbe) "; —A. G. Boulen, Ob. dt. pag. 358-361; ~Von Salis, Schwekerísches Bundes- 

 \recht, t.1, p. 154.  I 

HESPANHA.  — Na Hespanha existe o systema de jurisdicção dupla, acontenciosa administrativa, exercida em única instancia pelo " Tribunal doContencioso Administrativo", e a judiciaria, exercida pelos juizes e tribu-naes de justiça. O recurso contencioso-administrativo pode ser interpostopelos particulares contra os actos administrativos, occorrendo, alem deoutras, estas condições: a) guando elies ferem um direito de caracter admi-nistrativo estabelecido anteriormente em favor do requerente por uma lei,;

regulamento ou outro preceito administrativo; entendendo-se que o direitoestá estabelecido em seu favor, quando a disposição, que se reputa infringida,assim lhe o reconheça individualmente, ou ás pessoas, que se acharem nomesmo caso; b) quando lesam direitos particulares estabelecidos ou reconhe-cidos por uma lei, e os actos administrativos, embora praticados em conse-quência de alguma disposição de caracter geral, hajam infringido a lei, daqual se originam ditos direitos. Se consideram, ao contrario, de indoU civil eda competência da jurisdicção ordinária as questões, em que o direito vul-nerado for de caracter civil, e bem assim, as que emanam de actos, nosquaes a administração tenha agido, como pessoa jurídica, a dizer, como su-

  jeito de direitos e obrigações (Mhartin y Guix,  Beclamaçiones Administra-tivas, ns. 373-395.—Madrid, 1903). 

I Alem disto, cumpre não omittir, que a lei e a jurisprudência declaram,que não estão sujeitos, nem mesmo ao recurso contencioso-administrativo,os actos discricionários de Administração, taes são:— 1) as questões quepertencem á ordem publica ou ao governo; 2) as que affectam â orga«nisação dos serviços geraes do Estado; 3) as resoluções negatorias decommissão de qualquer espécie que são solicitadas da Administração,salvo o disposto em contrario nas leis; 4) as que negara ou regulam gra-tificações ou emolumentos, não prefixados em lei ou regulamento, aosfunccionaríos públicos que prestam serviços especiaes; 5) a remoção dosempregados públicos, a não ser que a sua inamovibilidade esteja declaradapor uma lei; 6) as penas disciplinares impostas aos funccionaríos públicos;7) as disposições de caracter geral, adoptadas peia administração; sendo de

considerar, como taes, as disposições regulamentares, que se referem atodos os funccionaríos de um corpo (Mhastin y Guix, loc. cit, n. 377). 

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— As disposições do direito privado, porventura applicaveis ao assumpto, que nos oceupa, são deste teor:— El que por ación ú omíssioncausa dano á otro, interviniendo culpa ô negligencia, está obUgado á reparar el dano causado. (Cod. Civ. Hesp. art. 1902). — La obligation que im-

 pone el articulo anterior es exigible no solo por los actes 6 omissiones pro- pias, sino por los de quellas personas por quienes se débe responder (Cod.oit. art. 1903).—  Lo son igualmente los duenos 6 directores de u/n estàble-cimiento ó empresa respecto de los prejuicios causados por sus ãependientesen el servido de los ramos en que los tuvieram empleados ó con occasionde sus funciones. El Estado es responsable en este concepto cuando obra

 por meâiacion de un agente especial; pêro no quando el dano hubiere sidocausado por el funcionário â quien propiamente coresponda la gestion praticada, en cuyo caso será aplicable lo dispuesto en el articulo anterior 

(art. 1903 cit). Esta parte final da ultima disposição está de acoordo com os arts. 18-21

do Cod. Penal Hesp. sobre a responsabilidade civil ou satisfação do damnocausado pelo delicto. O disposto no art. 19 do Cod. Penal presuppõe mesmo,que dita responsabilidade possa também attingir ao Estado (o cuando laresponsabilidad se extenda ai Estado ó á la mauorparte de unapoUacion...);sendo, porém, de advertir, que a responsabilidade civil, admittida pelo có-digo penal contra pessoas, que não o delinquente, isto é, que não estejamsujeitas à responsabilidade criminal   juntamente,'—é sempre de caractersubsidiário. 

A gora, para não omittir, também devemos dizer, que os autores citam,como regra de boa jurisprudência, uma decisão do Tribunal Supremo (de

7 janeiro 1898), na qual se disse: « Q, íe o Estado não éresponsável de damnose prejuízos que resultam aos particulares em consequência dos actos exe-cutados pelos empregados no desempenho das funoções próprias dos seuscargos, "por não se poder suppor no Estado culpa ou negligencia quanto àorganisação dos serviços públicos, nem quanto à designação de seus agen-tes, e, pelo contrario, & previsão humanamente possível para que cada serviçocorresponda ao bem pessoal e ao dos particulares interessados nos assum-ptos " (Autor oit n. 89). 

— O considerando da decisão, como se vê, assenta no presupposto,infelizmente não verdadeiro, de que o Estado não pôde errar ou estar emculpa. Entretanto em lei de data posterior (de 7 agosto 1899, art. 3°) foiexpressamente reconhecida a responsabilidade subsidiaria do Estado, no caso

de revisão favorável das sentenças criminaes, isto é, o-direito de reparaçãopecuniária em favor do condemnado ou de seus herdeiros, quando a sentençafor annullada nas condições previstas pela lei. 

Eis ahi, pois, o próprio Estado se confessando capaz de erro ou culpa,e, conseguinteraente, responsável pela satisfação do alheio damno... 

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HHmHmHnmi HRiI — 632 — I 

PORTUGAL.—  B' muito pouco, o que temos a informar da legislaçãoportugueza sobre o assumpto. 

« O Estado, a Igreja, as Camarás Municipaes, etc.. são havidos, em-quantoao exercicio dos direitos civis respectivos, por pessoas moraes, salvo na parte emque a lei ordenar o contrario » (Cod. Civ. Port. art. 37). H Os differentes casosde responsabilidade civil, #w ofensa de direitos, I estão regulados no códigocitado pelos arts. 2361-2403; sendo que os arts 2399-2402 tratam, em particular,da responsabilidade que possa caber  pessoalmente aos empregados públicos e

  juizes. Dentre os artigos indicados convém mencionar, como de maiorrelevância, os seguintes: 

— Todo aquelle que viola ou offende os direitos de outrem, consti-

tue-se na obrigação de indemnisar o lesado por todos os prejuízos que lhecausa (art. 2361).— Oá direitos podem ser offendidos por factos, ou por omissões de

factos (art. 2362).  » .— Estes factos ou omissões de factos podem produzir a responsabi-

lidade criminal, ou simplesmente a responsabilidade civil ou uma e outraresponsabilidade simultaneamente (art. 2363); consistindo a responsabili-dade civil em constituir o autor do facto ou da omissão do facto na obri-gação de restituir o lesado ao estado anterior á lesão, e a satisfazer asperdas e damnos que lhe haja causado (arts. 2364-2365).

— O disposto nestes artigos do código civil confere com as disposi-ções do Código Penal Portuguez (arts. 104-105) sobre a mesma matéria. O

primeiro destes códigos declara ainda,—que a relevação da responsabi-lidade criminal, mesmo a absolvição do delinquente, não elide a acção deperdas e damnos (arts. 2377 e 2505).

— A responsabilidade pessoal dos funecionaries públicos por perdase damnos é expressamente declarada, desde que os mesmos agirem exce-dendo as suas attribuições legaes (2399-2400).

— Os juizes serão irresponsáveis nos seus julgamentos, excepto si,annullados ou reformados estes por sua illegalidade, se deixar expressa-mente aos lesados o direito salvo para haverem perdas e damnos, etc, etc.(art, 2401). « Mas si alguma sentença criminal fôr executada, e vier a pro-var-se depois, pelos meios legaes competentes, que fora injusta a condem-nação, terá o condemnado, ou os seus herdeiros, o direito de haver re-

paração por perdas e damnos, que será feita pela fazenda nacional, pre-cedendo sentença controvertida com o ministério publico em processoordinário (art. 2403).—Vide: Dias Ferreira, Cod. Civ. Port., t. V; H. Secco,Cod. Pen. Portuguez. 

— Como se vê, o principio da responsabilidade civil do Estado está ex-pressamente reconhecido por este ultimo artigo. Mas si elle é justo, porquenão applical-o aos demais casos?... Qual o principio de razão ou justiça. 

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que justifica a distincção, segundo a qual o Estado deve responder pelos]damnos causados do funooionario judicial, e não, pelos damnos do func-cionario administrativo ? Em ambos os casos o que ha, é uma lesão do!alheio direito, que deve ser reparada. 

— Alem disto, a responsabilidade do Estado também se acha reco-nhecida, em se tratando de serviços ou aotos espeoiaes, como os da via-ção publica: o) pelas servidões temporárias ou permanentes; b) pelas per-das o damnos causados nos bens de raiz, bens moveis e semoventes ;—cabendo aos indivíduos lesados ou interessados o direito de acção, não,contra os empregados públicos ou executores das obras, mas directa-mente contra o Estado ou Administração publica. (Dec. 31 dezembro 1864,arts. 17-18, e 32, e legislação posterior).

— Do mesmo modo, a responsabilidade do Estado é expressamentereconhecida pelos damnos, resultantes do serviço telegrapho-postal (Lei de7 de julho 1880, art. 12; Rog. Geral de 23 de setembro de 1880, art. 503 sg.;Dec. de 29 julho 1886, art. 12, e do Io dezembro 1892, art. 24; eto.)

CONCLUSÃO . — Si pretendêssemos tirar uma conclusão geral de tudo,quanto ficou dito nos capítulos anteriores, ou mesmo, somente das brevesindicações íeitas na presente nota, acerca da jurisprudência estrangeira,—essa conclusão não podia deixar de dar-nos a triste convicção de que, o quedomina ainda por toda a parte sobre a importante matéria da responsabili-dade civil do Estado, não satisfaz de maneira alguma... 

Sobre tudo, é manifesta a contradicção entre os princípios modernosde doutrina sobre o Estado, e a pratica que, não obstante, continua a ser

mantida, relativamente às obrigações jurídicas do mesmo Estado. O Estado,ensina-se,não é mais o imperíum arbitrário da antiguidade; todo o seu podere acção lhe vem do direito c lhe são marcados pelo direito.—Ensinamento ver-dadeiro, sem duvida, e inteiramente conforme â idéa do ''Rechtsstaat." Mas,que succede na pratica ? Umas vezes, a negação da sua responsabilidade

 jurídica sob a invocação dos direitoi soberanos do Estado. Outras vezes,si não se dá a mesma negação, dá-se a falta de lei positiva reconhecendo-a,e dahl a incoherencia dos arestos, no empenho sabido de restringir dita res-ponsabilidade, ainda mesmo, com o saorificio manifesto da própria justiça! 

Felizmente, do lado opposto avulta, cada vez mais, a tendência irre-sistível do espirito jurídico moderno, impondo ao legislador a necessidadede fazer cessar a incoherencia das leis, que ainda distinguem entre os au-

tores da lesão do direito, como critério de sujeital-os, ou não, a sancçãoda justiça... Ninguém ousa mais diotar, como lei, a irresponsabilidade absoluta

do Estado na lesão dos direitos indlviduaes; ainda que o legislador, receiosode adoptar a regra simples, fácil, da boa razão jurídica, continue a oscillar numa situação, cada dia, menos defensável aos olhos da critica... 

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Entretanto, sem a necessidade de relembrar circumstancias, qne dei-xamos ássignaladas em outras partes deste trabalho, e restringlndo-nos ásindicações da presente "nota additiva ", a situação é simplesmente esta: —aqui só se reconhece a responsabilidade do Estado, quando a offensa do

direito resulta de actos da autoridade judiciaria, como na Áustria; alli, sóquando se trata de violências feitas á liberdade individual, ou em outroscasos particulares declarados na lei, como na Suissa; em outros logares,finalmente,—só quando o damno se da no desempenho de uma commissãoespecial do Estado, ou quando resulta de uma sentença judiciaria, mais tardeannullada por injusta, como se verifica na Hespanha e em Portugal... 

Junte-se agora a isso a magna caterva das distincções conhecidas de "actos de governo, de império, de poder, de gestão, de acto» pessoaes, de serviçoou fmicção", e ter-se-ha idéa do esforço, com o qual ainda hoje se pretendesobrepor o poder do Estado ao principio superior dos direitos individuaes,cuja garantia e defesa constituem, aliás, a razão fundamental da própriainstituição-Estado. 

— Enorme força tem, sem duvida, a tradição. Mesmo, depois de pa-tenteado o erro ou a injustiça, que ella consagra, só, aos poucos, se con-seguirá destruir o baluarte da fé, em que repousa a sua autoridade. 

O dogma, de que é o poder, que cria o direito, foi ensinado sem con-testação durante muitos séculos. A doutrina contraria, de que é o direito,que justifica a existência do poder, é apenas de data moderna. 

Por isto, ainda que ella seja theoricamente incontrastavel pela forçada verdade, que a illnraina, — o dogma tradicional ainda não lhe cedeu,na pratica, senão, uma parte dos domínios, que outr'ora lhe eram no todoexclusivos... 

Ha de cedel-os, fatalmente, ao império mais forte da razão jurídica.