amamentação, determinação social e trabalho intersetorial

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AMAMENTAÇÃO, DETERMINAÇÃO SOCIAL E TRABALHO INTERSETORIAL das crianças em seus primeiros anos de vida e, além disso, existem estudos que demonstram que os meninos e meninas que recebem esse tipo de alimentação têm melhores resultados em termos de desenvolvimento cognitivo e sensorial. O leite materno proporciona todos os nutrientes que eles necessitam nos seus primeiros meses de vida e já se identificou uma relação entre a alimentação exclusiva com leite materno nos primeiros 6 meses de vida e uma diminuição do risco de sobrepeso e obesidade nos anos posteriores. inúmeras campanhas para promover a amamentação, difundindo seus benefícios e buscando naturalizar a prática em espaços públicos, que muitas vezes são hostis às mães que amamentam. Os fatores sociais em torno do tema são profundos e complexos. A amamentação em público virou um tabu para muitos em sociedades que, ao mesmo tempo, cobram das mulheres que sejam abnegadas no cuidado com os filhos. No campo da saúde, estamos acostumados a ver cifras que indicam que quanto mais anos de escolaridade, menor o risco de alguma doença; mas no caso da amamentação, em alguns países, a tendência é oposta. Quanto mais anos de escolaridade, menor a probabilidade de a mulher dar de mamar ao seu filho de forma exclusiva em O aumento da amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses de vida é um objetivo da maior parte dos países da região e trata-se de uma recomendação de organismos internacionais relacionados à saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e UNICEF. A nível regional, a percentagem de crianças menores de 6 meses de idade que são alimentados exclusivamente com leite materno oscila entre 65% no Peru e 3% no Suriname, que em 2016 eliminou uma política de subsídio do Estado para substitutos de leite materno, justamente para reverter essa situação. Os dados são pouco frequentes, o que torna difícil a identificação de tendências. As poucas que se podem observar não são muito alentadoras. Na maioria dos países, a tendência parece ser a da diminuição, com casos mais alarmantes como o do Uruguai, onde ocorreu uma redução na percentagem de 57% em 2007 a 36% em 2011. Apenas a Bolívia mostra um leve incremento no indicador de 60,4% em 2008 a 64,3% em 2014. Considerando a tendência regional, seria importante conhecer as estratégias que foram implementadas para determinar se são replicáveis em outros países. A amamentação exclusiva nos primeiro 6 meses de vida contribui a uma maior proteção contra diversas infecções que poderiam arriscar a vida AO PONTO Por Carina Vance

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Page 1: Amamentação, determinação social e trabalho intersetorial

AMAMENTAÇÃO, DETERMINAÇÃO SOCIAL E TRABALHO INTERSETORIAL

das crianças em seus primeiros anos de vida e, além disso, existem estudos que demonstram que os meninos e meninas que recebem esse tipo de alimentação têm melhores resultados em termos de desenvolvimento cognitivo e sensorial. O leite materno proporciona todos os nutrientes que eles necessitam nos seus primeiros meses de vida e já se identificou uma relação entre a alimentação exclusiva com leite materno nos primeiros 6 meses de vida e uma diminuição do risco de sobrepeso e obesidade nos anos posteriores.

Há inúmeras campanhas para promover a amamentação, difundindo seus benefícios e buscando naturalizar a prática em espaços públicos, que muitas vezes são hostis às mães que amamentam. Os fatores sociais em torno do tema são profundos e complexos. A amamentação em público virou um tabu para muitos em sociedades que, ao mesmo tempo, cobram das mulheres que sejam abnegadas no cuidado com os filhos.

No campo da saúde, estamos acostumados a ver cifras que indicam que quanto mais anos de escolaridade, menor o risco de alguma doença; mas no caso da amamentação, em alguns países, a tendência é oposta. Quanto mais anos de escolaridade, menor a probabilidade de a mulher dar de mamar ao seu filho de forma exclusiva em

O aumento da amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses de vida é um objetivo da maior parte dos países da região e trata-se de uma recomendação de organismos internacionais relacionados à saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e UNICEF. A nível regional, a percentagem de crianças menores de 6 meses de idade que são alimentados exclusivamente com leite materno oscila entre 65% no Peru e 3% no Suriname, que em 2016 eliminou uma política de subsídio do Estado para substitutos de leite materno, justamente para reverter essa situação. Os dados são pouco frequentes, o que torna difícil a identificação de tendências. As poucas que se podem observar não são muito alentadoras. Na maioria dos países, a tendência parece ser a da diminuição, com casos mais alarmantes como o do Uruguai, onde ocorreu uma redução na percentagem de 57% em 2007 a 36% em 2011. Apenas a Bolívia mostra um leve incremento no indicador de 60,4% em 2008 a 64,3% em 2014. Considerando a tendência regional, seria importante conhecer as estratégias que foram implementadas para determinar se são replicáveis em outros países.

A amamentação exclusiva nos primeiro 6 meses de vida contribui a uma maior proteção contra diversas infecções que poderiam arriscar a vida

AO PONTOPor Carina Vance

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SURSALUD

Crédito: Araquém Alcântara (Flickr)

Protesto a favor da amamentação | 06/08/2016 | São Paulo/Brasil - Foto: Mídia Ninja (Flickr)

seus primeiros meses de vida. Identificar qual é a relação entre os anos de educação e as práticas de amamentação nos daria uma ideia sobre como incidir mais efetivamente sobre essa problemática.

É necessário destacar que também existem barreiras estruturais que incidem sobre a diminuição da amamentação, como as condições pouco flexíveis no âmbito profissional. Faltam políticas e normas trabalhistas que deem às mulheres o tempo necessário para estar com seus filhos e filhas pelo menos nos seus primeiros meses de vida. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao menos 7 países sul-americanos dão menos tempo de licença-maternidade do que as 14 semanas recomendadas. Só o Brasil, Chile e Venezuela superam essa marca. Adicione-se ainda a falta de políticas como a que se refere à flexibilização das horas de trabalho para permitir que as mulheres possam amamentar uma vez que tenham se reincorporado aos seus trabalhos.

Outro fator que devemos abordar é o papel da indústria de substitutos do leite materno que promovem o uso da chamada “fórmula”, começando pelas unidades médicas em que as mulheres recebem atendimento durante a gravidez ou nas unidades em que dão à luz. Há estudos que revelam que essa promoção se dá inclusive pelos próprios profissionais

de saúde. A nível mundial, se destaca a implementação do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, que restringe a venda e a promoção de “fórmulas” para que se chegue a maiores índices de amamentação. Em nossa região, só a Bolívia, o Brasil, o Peru e o Chile implementaram o código de maneira integral. Botar limites à promoção de um produto que pretende substituir a amamentação é imperativo. Existem casos clínicos em que se requer essa substituição, e a política recomendada e em execução em vários países da região são os bancos de leite materno.

Esta breve descrição das problemáticas que rodeiam a amamentação não inclui as tantas outras que afetam a vida das mulheres e limitam a probabilidade de que uma criança possa ser alimentada da melhor maneira possível em seus primeiros meses e anos de vida. Pretende visibilizar a complexidade do tema e demonstrar que o cumprimento dessas metas no campo da saúde muitas vezes está além do raio de atuação dos Ministérios de Saúde. Esse é um claro exemplo de como os determinantes sociais impactam diretamente (e indiretamente) na saúde, o que justifica a necessidade urgente de se realizar um trabalho Intersetorial para melhorar as condições de vida da população.

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DESIGUALDADEINIQUIDADE NO CAMINHO DOS ODS TUBERCULOSE: VESTÍGIOS DO SÉCULO XIX

AMAMENTAÇÃO, DETERMINAÇÃO SOCIAL E TRABALHO INTERSETORIAL

Rio de Janeiro, Novembro de 2017 . No 12