altusser e barthes

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Barthes

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  • 110 Revista FAMECOS Porto Alegre n 17 abril 2002 quadrimestral 111Revista FAMECOS Porto Alegre n 17 abril 2002 quadrimestral

    TEORIA

    Althusser eBarthes: vrtices espistemolgicosRESUMOO incio do sculo XXI grifado pela obsessividade da pro du o discursiva, to intrnseca pro nn cia da mdia. No falta o dis cur so da hora e para qualquer hora. Tal trao se inscreve na ru bri ca de complexidade das for ma es sociais. Althusser e Barthes alinhavaram projetos tericos, que cos tu ram a tessitura do lingstico e do translingstico. Eles revelam, nos bastidores de suas di fe ren as, convergncias. So os seus vr ti ces epistemolgicos, pertinentes anlise de discurso, que movero os passos do presente ensaio.

    ABSTRACTThis article examines some common epistemologic points of reference observed by the authors in texts of both Althusser and Barthes.

    PALAVRAS-CHAVE (KEY-WORDS)- Althusser- Barthes- Mdia (Media)

    Roberto Jos Ramos 1Letcia Coronel Jardim 2

    1.1 Projeto barthesiano

    Barthes (1994) categoriza o discurso, com a reivindicao do resgate etimolgico. Ele anota, com zelo, discurso , ori gi nal men te, a ao de correr para todo o lado, so idas e vindas, dmarches, intrigas. A anotao contempla o movimento em sua peregrinao histrica, atravs da com bi na o dos signos. a relao da imu ta bi li da de do cdigo com as mutaes da fala, tecida, ludicamente, tal qual o jogo de do mi n. A categorizao barthesiana carrega duas articulaes. Estabelece o sentido lin gs ti co da discursividade na concretude dos sig nos, mas vai alm. Abraa o trans lin gs ti co em sua dimenso scio-his t ri ca. O discurso um jogo dialtico do sig no. A discursividade est conectada com o poder. Barthes (s.d.:10-12) o caracteriza como a libido dominandi. Est re la ci o na do com a histria inteira do homem e no so men te com a histria poltica, his t ri ca. um parasita do organismo tran so ci al, que se pronuncia na expresso obri ga t ria da linguagem: a lngua. O semilogo prope um elo in ter dis ci pli nar com a psicanlise, criada por Freud em 1895. Sintoniza o poder com a categoria libido, em seu desenho bi o l gi co, em suas diferentes fases, constituintes do inconsciente. A libido tem recebido plurais in ter pre ta es. Alguns a simplificam, tornando-a um mero e reducionista sinnimo de pra zer se xu al. Outros conseguem descortin-la, com mais horizonte, como energia pra ze ro sa em suas multifacetadas verses. O poder, como libido dominante, a ener gia prazerosa, prpria de Eros, que

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    con ce de sentido ao viver humano. Possui vrias manifestaes, uma das quais a se xu a li da de. O seu perfi l biolgico, de face inata, fi xa toda a sua condio de atem po ra li da de. Ainda que invariante, a libido se par ti cu la ri za em diversas fases. Passa pela oral, anal e flica, especificadas, eta ri a men te, na pri mei ra infncia. Tal qual ocorre, em seu sin cre tis mo, como poder, que imu t vel no curso histrico, porm se sin gu la ri za em cada conjuntura histrica. Barthes recicla a noo weberiana de poder como dominao. O homem in dis so ci vel da energia prazerosa, que lhe im pe, dialeticamente, a simbiose li ber da de/sub mis so. Eis a concepo al thus se ri a na de sujeito, presente no intertexto. Alm de sua realizao biolgica, o poder , tambm, uma realidade cultural. Est ins ta la do na linguagem nos es ca ni nhos da lngua, como instituio social, que se re pro duz transocialmente. Verifi ca-se que o poder concebido no tem po e no espao, considerando a sua su pra tem po ra li da de e a sua supra-es pa ci a li da de. o invariante da histria, que se re pro duz nas variaes, manifestas em cada conjuntura histrica. No horizonte barthesiano, o mito uma for ma de fala, que explora a co no ta o. No nega a factualidade histrica, ape nas a torna ingnua. A sua funo a na tu ra li za o e a eternizao da sociedade bur gue sa. O sistema de significao sig ni fi can te, significado e signo se redesenha na pro du o mtica. Ao transcender o pe r me tro denotao, engendrando a co no ta o o sentido , torna-se signifi cante des ta. A obra Mitologias angulada pela cr ti ca ideolgica. O seu intertexto com por ta as pre sen as de Hjelmslev, pela co no ta o, de Durkheim, pelo mito, como re pre sen ta o coletiva, e de Marx, pela ideologia, em seu sentido napolenico, como dis tor o.

    Tal ecumenismo terico no uma fi si o no mia do despropsito, como possa con ce ber o embriagado pela aguardente das apa rn ci as. Hjelmslev, Du rkheim e Marx esto alinhavados pelos la os sa zo nais da interdisciplinaridade do es tu do do mito. No curso das pginas de Mitologias, h a construo de uma ambivalncia. Ocor re a sobreposio das categorias mito e ide o lo gia. Ambas so gmeas. Respiram o oxi g nio da conotao e encenam a le gi ti ma o da sociedade burguesa. A prpria configurao do mito cor res pon de ideologizao. Contempla o lin gs ti co e o translingstico, estabelecendo a de for ma o de sentido. Transpira, a, o con cei to particular de ideologia, resgatado em Marx. Assim, mito e ideologia so si n ni mos, ain da que Barthes no o explicite, com ri gor. A nomeao mito possui a pre fe rn cia, porque foi priorizada pelo se mi lo go, in clu si ve, na titulao de sua obra. Barthes busca uma dimenso trans lin gs ti ca. o seu passaporte, para dar conta da fala, sincretizada como textos do ima gi n rio, o objeto de sua semiologia. Re cor re sociologia, fomentando a sua an gu la o in ter dis ci pli nar. Em Mitologias, a in ter dis ci pli na ri da de apa re ce submersa na intertextualidade. Qua se duas dcadas mais tarde, ela emer ge em Escritores, Intelectuais e Professores e ou tros Ensaios. Todavia, ainda, se res sen te de elos convergentes, que possam unir, nas suas distncias epistemolgicas, Du rkheim e Marx. Tambm com Escritores, Intelectuais e Pro fes so res e outros Ensaios, Barthes pro cu ra revisar a sua teoria. Assinala a mu dan a de objeto. O mito no mais uma ques to lin gs ti ca. Converteu-se em uma ques to trans lin gs ti ca. Foi incorporado pela pr ti ca, como mtico. Tal postura elogivel em seu ho ri zon te de auto-refl exo terica, porm oca de re a li za o. O semilogo anseia por

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    uma teoria de ideologia, modulada pela sin to nia trans lin gs ti ca apenas, que no pode ser rompida da lingstica. Barthes, ao valorizar a materialidade da pr ti ca, anotada, sociologicamente, quer de sem bar car de sua concepo de Mito, te ci da em Mitologias. A sua tentativa de re vi so acaba se tornando uma ratifi cao. Se o objeto mudou, no h mais mito, fra se o l gi co, porm o mtico, encravado nas prticas. Estas s existem como eventos de linguagem, quanto mais velam, mais co no tam. Necessitam, com muito mais ur gn cia, de uma leitura semiolgica, com lentes in ter dis ci pli na res, feitas por Barthes. O ob je to mudou, mas o mito, orquestrado em Mitologias, permaneceu, ainda que seu cri a dor tenha descartado o auto-re co nhe ci men to. A conjuntura terica barthesiana est mer gu lha da na relao dialtica entre ima gi n rio e prtica. S que ela j foi ins tau ra da como Teoria da Ideologia em Geral, em pre en di da por Althusser, em 1969, no en saio Aparelhos Ideolgicos de Estado. Observa-se, portanto, a evoluo do ques ti o na men to sobre o mito. As mu dan as his t ri cas o dissimularam, mas mais o va li da ram, tal qual se notabilizou em Mi to lo gi as. Se Althusser foi alm, ma te ri a li zan do a di a l ti ca da ideologia, fi cou aqum na ques to lingstica, to, engenhosamente, for mu la da por Barthes. Ambos se com ple men tam neste particular. De outro lado, a expresso francesa Fait Divers designa a informao sen sa ci o na lis ta. Barthes (1971:263) a caracteriza pela sua monstruosidade, sendo anloga a to dos os fatos excepcionais ou in sig ni fi can tes, em resumo annimos.Atravs da angulao estrutural, o se mi lo go o classifica em dois tipos bsicos: cau sa li da de e coincidncia. Ambos, em suas res pec ti vas subdivises, formalizam a no o de confl ito, fi xada em sua notifi cao pre sen te s ta, que interpela pela explorao de emocionalidade.

    O Fait Divers de causalidade apre sen ta duas manifestaes:

    a) Causa perturbada h o des co nhe ci men to ou a impreciso causal, ou, ain da, quando uma pequena causa provoca um gran de efeito, b) Causa esperada quando a cau sa normal, a nfase recai nos personagens dra m ti cos me, criana e idoso (Bar thes, 1971). O segundo tipo, Fait Divers de co in ci dn cia, possui, tambm, duas ma ni fes ta es:

    a) Repetio a informao, re pe ti da, ins tau ra a onipresena da factualidade em circunstncias diferentes; b) Anttese duas perspectivas di fe ren tes, antagnicas, so fundidas como se fos sem uma nica realidade. Uma de suas ex pres ses o cmulo (a m sorte), fi gura da tragdia grega (Barthes, 1971).

    A monstruosidade, como anotao da no o de conflito, decupada pelo pre sen te s mo, dimensionado pela emo ci o na li da de. Inscreve-se, como conjuntura sin tag m ti ca, que descarta, em seu consumo ime di a to, a razo, na ilogicidade da causalidade e da coincidncia. Explica-se, his to ri ca men te, pela a-historidade da fatalidade. O Fait Divers, em suas diferentes ma ni fes ta es, est presente na literatura, no ci ne ma e na mdia. Nesta, em par ti cu lar, apa re ce na abordagem da realidade e da fi co na pluralidade de espaos da imprensa, do rdio e da televiso. possvel, ainda que Barthes no te nha fei to, realizar a articulao do Fait Di vers, com o poder e o mito. Localiz-la na ins tn cia de um sistema de signifi cao, pre ser van do os limites tericos e as fron tei ras interdisciplinares da produo bar the si a na. O Fait Divers, em seus tipos e sub ti pos, um signifi cante. Produz, como

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    sig ni fi ca do, a noo de confl ito, explicada pela Fa ta li da de, constituindo o signo de no ta do. Eis o sistema de signifi cao primeiro. O poder (libido dominante) , tam bm, de no ta do, atravs da fatalidade. Ela liberta o sujeito histrico de seus conflitos, ir res pon sa bi li zan do-o historicamente. Abor da-o, narcisicamente, como pai-su pre mo, ex pli ca o absoluta para o inex pli c vel. O sistema de signifi cao, primeiro, alm da denotao, estabelece a conotao, tor nan do-se signifi cante desta. A fatalidade conotada, como um enfoque acrtico da re a li da de. Submete o sujeito histrico he ge mo nia do institudo, dado como na tu ral e eterno. Eis o mito, forjado pelo sistema de significao, segundo, conotado. Verificou-se, portanto, a teorizao so bre o Fait Divers, estruturada pela sua ca te go ri za o em tipos e subtipos. Mesmo que Bar thes no a tenha empreendido, hou ve a viabilidade de relacionar o Fait Divers, com o poder e o mito no permetro se mi o l gi co.

    1.2 Projeto althusseriano

    Althusser (1985) concebe a Teoria da Ide o lo gia em Geral, sublinhando as questes da produo da subjetividade. Ele relaciona, em uma perspectiva interdisciplinar, o mar xis mo com a psicanlise, pelo vis es tru tu ra lis ta. Procura abranger a dialtica en tre o social e o sujeito. A ideologia possui uma histria pr pria, anota Althusser (1985). Ela de ter mi na da pela luta de classes. Signifi ca uma re a li da de no-histrica, com estrutura e fun ci o na men to, eterna, tal qual o inconsciente, pro pos to por Freud. O paralelismo entre a ideologia e o insconsciente indicial. Revela a relao in ter dis ci pli nar entre o marxismo e a psi ca n li se, atravs de uma postura es tru tu ra lis ta. O fi lsofo (1984: 71) oferece

    outras por me no ri za es:

    (...) Freud nos revela, por sua vez, que o sujeito real, o indivduo, em sua essncia singular, no tem a figura de um ego, centrado no seu eu (moi), na conscincia ou na existncia quer esta seja a exis tn cia do para-si, do corpo prprio, ou do comportamento , que o sujeito humano descentrado, constitudo por uma estrutura, que, tambm, tem um centro apenas no des co nhe ci men to imaginrio do eu, ou seja, nas formaes ideolgicas em que ele se reconhece. Desse modo, ter-se- notado, est aberta para ns, sem d vi da, uma das vias, pelas quais che ga re mos, talvez um dia, a uma melhor compreenso dessa estrutura do des co nhe ci men to, que interessa, em pri mei ro lugar, qualquer pesquisa so bre ideologia.

    Sobre o inconsciente, h uma me ta lin gua gem: Estrutura do Desconhecimento. o centro da descentralizao psquica do sujeito, a sua voz de comando, que no si ln cio, no cessa de se pronunciar, pre es cre ven do a caminhada do existir. O seu re co nhe ci men to ocorre na ideologia. Ambas so inseparveis. Possuem estrutura, fun ci o na men to e a eternidade. O conhecido se transformou em des co nhe ci do, atravs do recalque. S que este ma te ri al, estruturado como linguagem, exi la do da conscincia, no fenece. um mor to-vivo, onipresente e onisciente, o cen tro da realidade psquica. Confi gura o sim b li co, ou seja, o significante da exis tn cia: o inconsciente. A ideologia o reconhecimento deste des co nhe ci do o inconsciente. Se este se ins ti tui como simblico o signifi cante , ela se institui como imaginrio os sig ni fi ca dos , que o reconhecem. ilusria, enquanto signifi cao, porm faz aluso ao signifi cante.

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    Marx concebe a ideologia, como falsa cons ci n cia, desprovida de histria. Al thus ser concorda em parte. Ele sustenta que, mes mo ilusria, ela refere a realidade histrica. Basta interpret-la, porque as ilu ses fazem aluses. O encontro interdisciplinar entre o mar xis mo e a psicanlise autorizado pelo materialismo e pela dialtica. Num mundo su fo ca do pelo idealismo e pelo me ca nis mo, Marx e Freud foram ma te ri a lis tas. A tese mnima que os define a exis tn cia da re a li da de fora da conscincia, gri fa Al thus ser (1984:77):

    (...) Freud , desde o incio, ma te ri a lis ta, j que nega a primazia da cons ci n cia (...) quanto dialtica, Freud nos deu surpreendentes fi guras dialticas, que nunca considerou leis (essa criticvel modalidade de uma tra di o marxista): por exemplo, as ca te go ri as de transferncia, condensao, superdeterminao, etc... e, tambm, esta tese-limite de que o inconsciente no conhece a contradio, e que essa ausncia de contradio a condio de toda a contradio.

    Desenvolve-se uma articulao entre Marx e Freud, atravs do materialismo e da dialtica. H um outro elo entre ambos: o estruturalismo, que Althusser exila de suas teses. Por intermdio deste, ele re tor na va a Marx, para lhe resgatar a ci en ti fi ci da de e Lacan fazia o mesmo em relao a Freud. No abrigo de tal contexto, Althusser (1985) tece uma Teoria da Ideologia em Ge ral, an co ra da em duas teses. Elas sus ten tam, em sntese, que a ideologia a re la o ima gi n ria com as condies reais da exis tn cia, que se materializa em prticas. Na intertextualidade do filsofo, en con tra-se a presena de Lacan, sincretizada pela categoria imaginrio as iluses na cap ta o do ego. Althusser (1985:64) re co nhe ce a essencialidade

    da obra lacaniana, que di men si o nou a importncia da lin gua gem:

    (...) Est, a, sem dvida, a parte mais original da obra de Lacan: a sua des co ber ta. Essa passagem da existncia (no puro limite) biolgica existncia humana (fi lho do homem). Lacan mos trou que ela se operava sob a Lei da Ordem, que eu chamarei Lei da Cul tu ra, e que essa Lei da Ordem se confundia, em sua essncia formal, com a ordem da linguagem (...) sob a lei da linguagem, em que se fi xa e se d toda a ordem humana, portanto, todo o papel humano...

    Na realizao ideolgica, quatro ca te go ri as so bsicas. Estabelecem a relao ima gi n rio-prticas, referida por Althusser. So elas: a Interpelao, o reconhecimento, a sujeio e os Aparelhos Ideolgicos de Es ta do (AIE). A sujeio se caracteriza pela di a l ti ca, que a permeia. Possui duas sig ni fi ca es an ta g ni cas. Representa o ser livre, um centro de iniciativas, mas, tambm, um ser sub me ti do, a reboque de um senhorio, vassalo do feudo da ordem cultural. Em toda a ideologia, h um centro ni co. o sujeito absoluto, um espelho ima gi n rio, uma abstrao do real, em sua dimenso metafsica. Interpela os in di v du os, como sujeitos livres, que, nele, devem se re co nhe cer e, a ele, se submeter. A interpelao apresenta uma pro nn cia, inerente ao universo lxico ju r di co-po li ci al. o intimar algum para res pon der alguma coisa. Estipula a relao do eu com o outro, ambos amarrados pelo n dialtico da sujeio. As questes da sujeio e da in ter pe la o, no texto althusseriano, tm as marcas das infl uncias de Spinoza. Ele realizou a pri mei ra leitura crtica da Bblia. Combateu ideologia religiosa, ainda que no tenha usa do essa expresso, com explicitude.

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    O reconhecimento, como categoria, car re ga, em sua essncia, o aspecto da iden ti fi ca o. Encontra-se imerso pela abor da gem psicanaltica. Evidencia a iden ti fi ca o projetiva, mecanismo que instaura o nar ci sis mo primrio. H, particularmente, afinidade com a obra lacaniana. Possui relao com as ca te go ri as metfora, como condensao, e o es t dio do espelho, a relao simbitica ima gi n ria entre me e fi lho(a), instalada aps o sexto ms do nascimento. Por fi m, os AIE, que so instituies plu rais, distintas, que, em suas sin gu la ri da des e contradies, reproduzem a ide o lo gia do mi nan te. Localizam-se no mbito pblico e privado, j que tal distino so men te um artifcio, empreendido pelo di rei to bur gu s. Althusser (1985:68) relaciona oito AIE. So eles: AIE Religioso (o sistema das di fe ren tes igrejas); o AIE Escolar (o sistema das diferentes escolas pblicas e privadas); o AIE Poltico (o sistema poltico, os di fe ren tes partidos); o AIE Cultural (Letras, Belas Artes, Esportes); o AIE de Informao (a Im pren sa, o Rdio e a Televiso); o AIE Fa mi li ar, o AIE Sindical e o AIE Jurdico. Os AIE poltico e o sindical carecem, so bre tu do, num primeiro momento, de mais apro fun da men to. Faltam di fe ren ci a es, se que existem, entre partidos con ser va do res e operrios e entre sin di ca tos patronais e de trabalhadores. O filsofo (1985) adverte que os par ti dos operrios integram o AIE poltico, quan do os seus dirigentes se deixam in ti mi dar ou so cooptados monetariamente. O mesmo vale, por analogia, para os sin di ca tos de tra ba lha do res em relao ao AIE sindical. Os AIE competem entre si. So em pre sas, independentemente, se pblicas ou pri va das, que disputam mercados sob o pon to de vista poltico e econmico. To da via, cada uma, a seu modo, est submetida reproduo ideolgica, que no me c ni ca. fruto da luta de classes. A concepo dos AIE foi inspirada em

    Ma qui a vel. Althusser (1992:214) reconhece essa infl uncia. Admite que, sem sufrgio universal, na poca, o Aparelho Ideolgico de Estado era constitudo pela imagem p bli co-popular do personagem do Prn ci pe. Portanto, Althusser sedimenta a sua te o ri za o, sustentando que a ideologia a re la o imaginria, transformada em pr ti cas, reproduzindo as relaes de pro du o vi gen tes. Desenvolve, para tanto, as ca te go ri as de sujeio, interpelao, re co nhe ci men to e AIE, influenciadas, so bre tu do, por Marx, Freud, Lacan, Spinoza e Ma qui a vel. A relao entre o marxismo, a psi ca n li se e o Estruturalismo decisiva. Per meia, in ter dis ci pli nar men te, a produo te ri ca al thus se ri a na. Desconsider-la ce gar-se para a profundidade da abordagem, que, dialeticamente, fi xa as relaes entre o so ci al e a subjetividade. A categoria superdeterminao, pro pos ta pela psicanlise, mobilizada, para dis cer nir as dialticas hegeliana e marxista. A pri mei ra tem uma anttese simples, pro vo can do uma sntese metafsica; a se gun da, uma anttese, superdeterminada, pro vo can do uma sntese materialista. Althusser compatibiliza, ainda, a di a l ti ca marxista com o estruturalismo. H, nas mu dan as, uma estrutura imutvel. o invariante, de carter supra-espacial e su pra tem po ral. Assim, ele estabelece a Di a l ti ca Histrico-Estrutural DHE. A Teoria da Ideologia em Geral re di men si o na o sentido marxista da su pe res tru tu ra. Desamarra o n cego de uma or to do xia, ca bres te a da por uma infra-es tru tu ra, sa cra li za da como uma nova divindade, un gi da pe los mais marxistas do que Marx. A tessitura terica de Althusser pos sui uma marca indelvel no seu texto e no seu intertexto. a infl uncia da Psicanlise, sa da das leituras de Freud e de Lacan, de ter mi nan te de sua concepo ideolgica, de sua distino entre as dialticas

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    hegeliana e marxista e da sua formulao de DHE. Quem no a ver, enxergar apenas re du ci o nis mo e, tal como dipo, tentar matar Al thus ser... Os projetos tericos e metodolgicos de Al thus ser e de Barthes, em suas es pe ci fi ci da des, possuem vrtices incomuns e com ple men ta res. Dialogam pelos prin c pi os do estruturalismo e da dialtica. Ar ti cu lam, em seus elos interdisciplinares, o mar xis mo e a psicanlise. Barthes teve a sua produo en ra za da na lingstica. O seu bero foi o es tru tu ra lis mo funcionalista, de Saussure. Foi alm. Al can ou o translingstico, con ce ben do ca te go ri as, como poder e mito, no t veis por suas densidades in ter dis ci pli na res. Ele chegou a tentar revisar a sua con cep o de mito. Buscava completar a sua in com ple tu de: o scio-histrico. Desejava ampliar o seu horizonte translingstico, re fl e tin do sobre a prtica j refl etida e te o ri za da por Althusser. Eis outro elo entre ambos. Com os seus passos, marcados pelo marxismo, Althusser redimensionou-se. Com pa ti bi li zou-o com a psicanlise. Ar ti cu lou-os com o estruturalismo. Fixou a fi lo so fia, como reflexo poltica. No al can ou o lin gs ti co, a no ser em frag men tos esparsos. Por caminhos desiguais, Barthes e Al thus ser convergem e se complementam. As ca te go ri as, do semilogo, Fait Divers, poder e mito articulam-se, em nvel de res pec ti va correspondncia com as do fi l so fo, in ter pe la o, reconhecimento e sujeio. Tais en cai xes dispem, ainda, da ca te go ria Apa re lhos Ideolgicos de Estado, de Al thus ser. Esta enseja respostas s ques tes con tex tu ais, que permeiam o evento da dis cur si vi da de, essenciais para a com pre en so da pro nn cia da mdia .

    Referncias

    ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan Marx e Freud. Rio de

    Ja nei ro: Graal, 1984.

    ______. Aparelhos Ideolgicos de Estado. 2.ed., Rio de Ja nei ro: Graal, 1985.

    ______. O Futuro Dura Muito Tempo. Rio de Janeiro: Com pa nhia das Letras, 1992.

    BARTHES, Roland. Fragmentos de um Discurso Amo ro so. 13.ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.

    ______. Aula. So Paulo: Cultrix, s.d..

    ______. Mitologias. 9.ed.. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.

    ______. Escritores, Intelectuais, Professores e Outros En sai os. Lisboa: Presena, s.d.

    _______. Elementos de Semiologia. 10a. ed., Rio de Janeiro: Cultrix, 1997._______. Sistema da Moda. So Paulo: Nacional e USP, 1979.

    _______. Ensaios Crticos. Lisboa: Edies 70, 1971.

    Notas

    1 Doutor em Educao, pela PUCRS e professor do Pro gra ma de Ps-Graduao em Comunicao Social, PUCRS.

    2 Bolsista do projeto Comunicao, Discurso e Ideologia: A Construo da Subjetividade.