alterações do sistema oftálmico em equinos com … · a síntese de prostaglandina e2 no humor...

Acta Scientiae Veterinariae, 2015. 43(Suppl 1): 99.

CASE REPORT Pub. 99

ISSN 1679-9216

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Received: 18 March 2015 Accepted: 23 July 2015 Published: 14 August 2015

Departamento de Clínicas Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brazil. CORRESPONDENCE: F.C.C. Santos [[email protected] - Tel.: +55 (53) 3275-7292]. Departamento de Clínicas Veterinária, Faculdade de Veterinária, UFPel. Avenida Eliseu Maciel s/n. Campus Universitário. CEP 96010-900 Pelotas, RS, Brazil.

Alterações do sistema oftálmico em equinos com ênfase em medidas terapêuticas

Disorders of the Ophthalmic System in Horses Emphasising the Therapeutic Approach

Fernanda Carlini Cunha dos Santos, Bruna da Rosa Curcio, Lorena Soares Feijó, Fernanda Maria Pazinato, Patrícia Soares Vieira & Carlos Eduardo Wayne Nogueira

ABSTRACT

Background: Ophthalmic disorders in horses have different etiologies and pathologies, compromising the quality of vi-sion in different degrees. The main importance of ophthalmic disorders is the potential for vision impairment. Due to the severe consequences of vision impairment, the proper approach to the ophthalmic system is a prerequisite for an adequate diagnosis and treatment. The choice of treatment is critical to a successful outcome and for the prognosis of vision quality. This paper presents a case study of horses with disorders of the ophthalmic system emphasising the therapeutic approach.Case: From 2011 to 2014, 35 horses with ophthalmic disorders were attended at the Hospital de Clínicas Veterinárias of the Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil. Among them, 45.7% had corneal ulcer, 14.2% stromal abscess, 8.5% recurrent uveitis, 20% eyeball perforation and 11.4% squamous cell carcinoma. All the horses were evaluated by specific clinical examination of the ophthalmic system. The animals testing positive for fluorescein had corneal ulceration, photophobia, blepharospasm, conjunctival hyperemia, miosis, uveitis severe eye pain and were treated with eye wash cleaning, intravenous flunixin meglumine, topical gentamicin, tobramycin, atropine and autologous serum. Horses irresponsive to treatment within 10 days were referred to surgery with the technique of conjunctival flap, flap of third eyelid and/or temporary tarsorrhaphy. Horses with stromal abscess unresponsive to drug therapy underwent surgery with the technique of lamellar keratectomy and flap unipedicle. Animals with recurrent uveitis presented epiphora, blepharospasm, photophobia, conjunctival hyperemia and miosis. These horses were treated with intravenous flunixin meglumine, topical atropine and subconjunctival betamethasone. The therapy was maintained for a month after remission of clinical signs. Eyeball perforation was caused by traumatic injury and/or deep corneal ulcer. After control of inflammatory signs, the animals were referred to surgical treatment with transconjunctival enucleation. Squamous cell carcinoma was diagnosed by histopathologic examination of the eyelids and periocular region. The material was surgically excised and the wound was treated with cryotherapy. The animals were followed for a minimum period of one year, without relapses. All horses presented remission of clinical signs. Discussion: Traumatic injuries are common in horses during training and competition, and they play a key role in triggering the inflammatory reaction of the ophthalmic system. Uveitis is the most common form of inflammatory disorder and the most economically relevant eye disease in horses. It is associated to temporary to permanent blindness. In this study, equine recurrent uveitis with corneal ulceration, abscess and stromal required intensive anti-inflammatory administration aiming to control the signs of inflammation to reduce the animal discomfort and the recovery time of the primary lesion. Mydriatic and cycloplegic agents (atropine) prevent adhesions by decreasing the contact surface between iris and lens via mydriasis, and reduce intraocular ciliary spasm associated with pain due to their cycloplegic effect. The cornea and conjunctiva are constantly exposed to bacteria and fungi and the loss of epithelial integrity promotes the invasion by pathogenic organisms and the installation of infectious processes. Antibiotic therapy parenterally or topically administered presented high efficacy and was effective in reducing the infectious process. The treatment of ophthalmic disorders presents particularities and the appropriate approach allows the successful outcome either by medical and/or surgical methods.

Keywords: antibiotic, anti-inflammatory, ocular system, ocular therapy, ophthalmology.Descritores: antibiótico, anti-inflamatório, oftalmologia, sistema oftálmico, terapia ocular.

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F.C.C. Santos, B.R. Curcio, L.S. Feijó, F.M. Pazinato, P.S. Vieira & C.E.W. Nogueira. 2015. Alterações do sistema oftálmico em equinos com ênfase em medidas terapêuticas. Acta Scientiae Veterinariae. 43(Suppl 1): 99.

INTRODUÇÃO

As enfermidades oftálmicas em equinos pos-suem diferentes etiologias e patogenias, comprometendo a qualidade de visão em graus variados, sendo que estas doenças afetam todo sistema ou estruturas oculares de forma individualizada. O tratamento e a recuperação do animal variam conforme o agente etiológico, estrutura ocular, gravidade da lesão e evolução do caso.

A principal importância das enfermidades oftálmicas é o grau de comprometimento da visão, podendo inutilizar o equino para modalidade de tra-balho destinada [10]. Tendo em vista as consequências do comprometimento da visão, a adequada abordagem do sistema oftálmico é pré-requisito para obtenção de adequado diagnóstico. O exame oftálmico deve ser realizado por profissional treinado, de forma metódica, sequencial e, conforme a necessidade, empregando mé-todos complementares de avaliação e diagnóstico [4].

A escolha pela opção terapêutica adequada é fundamental para o sucesso do tratamento e prognósti-co da qualidade de visão futura. A monitoração clínica intensiva auxilia na tomada de decisões e acompanha-mento da evolução do caso, considerando a resposta do animal frente à terapia instituída.

Comparando a atuação de profissionais e as pesquisas na área de oftalmologia equina nos Estados Unidos e Europa, o Brasil ainda apresenta poucos profissionais atuantes, limitando o desenvolvimento científico e as publicações, tornando a literatura bra-sileira escassa quanto ao assunto [11].

Este trabalho objetiva apresentar um estudo de casos de equinos com alterações em sistema oftálmico enfocando nas medidas terapêuticas.

CASOS

Durante os anos de 2011 a 2014 foram aten-didos no Hospital de Clínicas Veterinária (HCV) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Rio Grande do Sul, 35 equinos com alteração em sistema oftálmico, sendo que 16 apresentaram úlcera de cór-nea, 5 úlcera de córnea seguido de abscesso estromal, 3 uveíte recorrente, 7 perfuração de globo ocular, 4 carcinoma de células escamosas (Figura 1).

Todos equinos foram avaliados por exame clínico geral e exame clínico específico do sistema oftálmico, conforme a necessidade de cada caso foram realizados exames complementares incluindo teste de fluoresceína, ultrassonografia, cultura microbiológica,

antibiograma e citologia ocular [4]. Os animais inter-nados foram submetidos à monitoração por avaliação clínica e hemograma de forma periódica.

Os animais com teste de fluoresceína positivo apresentavam ulceração corneana, fotofobia, blefaroes-pasmo, hiperemia conjuntival, miose, uveíte e intensa dor ocular (Figura 2). Um equino apresentou úlcera em melting (Figura 3) e um descementocele (Figura 4).

Figura 1. Distribuição de frequência de alterações oftálmicas em equinos atendidos no Hospital de Clínicas Veterinária da UFPel, Pelotas, RS, Brasil durante os anos de 2011-2014.

Figura 2. Equino apresentando úlcera de córnea (seta branca) e neovascu-larização (seta verde) em olho direito corado com fluoresceína.

Figura 3. Equino com úlcera em melting em olho esquerdo.

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Figura 4. Equino com descementocele em olho esquerdo.

Os casos de ulceração corneana foram tratados com de flunixin meglumine1 1,1 mg/kg cada 6-24 h via intravenosa (IV), gentamicina2 e tobramicina3 2 gotas cada 2-8 h, atropina2 2 gotas cada 12-24 h e soro autólogo 2 gotas via tópica cada 2-8 h. Durante o tra-tamento foi observado neosvascularização e opacidade de córnea em alguns animais (Figura 5). Em cinco animais foi isolado na cultura microbiológica Pseudo-monas spp., sendo esta bactéria sensível a gentamicina, penicilicina, ceftiofur e ciprofloxacina. Nestes cinco casos foi optado pela terapia medicamentosa descrita acima com gentamicina2 6,6 mg/kg via intramuscular (IM) por 10 dias. Os equinos que não responderam a medicação em até 10 dias foram encaminhados a ci-rurgia pela técnica de flap conjuntival, flap de terceira pálpebra e/ou tarsorrafia temporária.

Figura 5. Equino apresentando opacidade corneana e neovascularização em olho direito.

Os equinos com abscesso estromal, precedido por úlcera de córnea (Figura 6), que não responderam a terapia medicamentosa baseada em flunixin meglu-mine1 IV, gentamicina2, tobramicina3, atropina2 e soro autólogo via tópica foram encaminhados à cirurgia pela técnica de ceratectomia lamelar e flap conjuntival unipediculado (Figura 7).

Figura 6. Equino apresentando abscesso estromal (seta banca), precedido de úlcera de córnea, em olho direito.

Figura 7. Equino apresentando abscesso estromal (seta branca) em olho direito submetido a técnica cirúrgica de ceratectomia lamelar e flap con-juntival unipediculado.

Os animais com uveíte recorrente apresen-taram epífora, blefarospasmo, fotofobia, hiperemia conjuntival e miose. Estes foram medicados com flunixin meglumine1 IV cada 6-24h, atropina2 cada 12-24h via tópica e betametasona4 5 mg via subcon-juntival cada 7 dias, mantendo-se a terapia por um mês após remissão dos sinais clínicos.

Os casos de perfuração de globo ocular esta-vam associados a lesões traumáticas e/ou úlcera de córnea profunda (Figura 8), sendo encaminhados para tratamento cirúrgico por enucleação transconjuntival.

O carcinoma de células escamosas foi diagnos-ticado através de exame histopatológico das pálpebras e região periocular, sendo este material extirpado cirur-gicamente e o leito da lesão submetido á crioterapia. Os

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animais foram acompanhados por um período mínimo de um ano, sem apresentar reincidiva.

Todos equinos atendidos apresentaram remis-são dos sinais clínicos.

Figura 8. Equino apresentando perfuração de globo ocular, precedido de úlcera de córnea, em olho direito.

DISCUSSÃO

As lesões traumáticas são comuns em equinos em treinamento e competição, apresentando papel fundamental como fator desencadeante para a reação inflamatória do sistema oftálmico. A uveíte é a forma mais comum de alteração inflamatória, sendo que o comprometimento da úvea está relacionado à cegueira temporária a permanente, caracterizando-se como a doença ocular mais economicamente importante em equinos [7]. No processo inflamatório, as prostaglan-dinas são as principais responsáveis pela quebra na barreira hemato-aquosa, sendo assim o uso de agentes anti-inflamatórios é fundamental [14]. O mecanismo específico da resposta inflamatória ocular em equinos não é completamente elucidado e não há comprovação se a uveíte é mediada via Cox-1 ou Cox-2. Estudos em outras espécies sugerem que a indução da resposta é via Cox-1, que explicaria o motivo pelo qual fármacos que inibem primariamente esta via são mais efetivos no controle da uveíte [9]. O flunixin meglumine reduz a síntese de prostaglandina E2 no humor aquoso e a ocorrência de miose em cães [13]. No presente estudo, os equinos com uveíte recorrente, ulceração corneana e abscesso estromal apresentavam uveíte em diferentes graus, necessitando de terapia anti-inflamatória intensi-va para controle dos sinais de inflamação e desconforto.

A uveíte recorrente é caracterizada por repeti-dos episódios de inflamação ocular interrompidos por períodos variáveis de quiescência clínica [9]. Quadros recidivantes podem ser explicados pela retenção de lin-

fócitos de memória sensibilizados no interior da úvea que, mesmo após a recuperação clínica do episódio inicial, atuam como base para o reinício de episódios de inflamação (resposta anamnésica) [5]. Portanto, a uveíte geralmente está associada ao desencadeamento de reações auto-imunes. A eficácia de corticoides tópi-cos é limitada pela frequência de administração e curto período de contato com o olho [9], sendo a principal alternativa a via subconjuntival, que confere ação do medicamento por até 4 semanas e reduz o desconforto. Na presença de uveíte e ausência de ulceração cornea-na, a administração de betametasona via subconjuntival resultou em redução nos sinais inflamatórios. A dura-ção do tratamento deve ser mantida por no mínimo 2 semanas após a melhora clínica, diminuindo as chances de recidivas, principalmente nos primeiros 2 meses após o término da terapia [15].

Agentes midriáticos e ciclopégicos (atropina) previnem a formação de sinéquias pela diminuição da superfície de contato entre íris e cristalino, devido à midríase, e reduzem o espasmo ciliar associado à dor intraocular, devido ao efeito cicloplégico [2]. Estes fármacos são recomendados nos casos de alterações oftálmicas cursando com miose, independente da causa, pois reduzem o desconforto do animal. Equinos submetidos a tratamento com atropina necessitam de monitoração intensa quanto ao risco de desenvol-vimento de síndrome cólica, tendo em vista que o principal efeito colateral do fármaco é hipomotilidade intestinal [8].

A córnea e conjuntiva estão constantemente expostas a bactérias e fungos e a perda de integridade do epitélio, a ulceração corneana, favorece a invasão por micro-organismos [2]. Neste caso, a terapia medi-camentosa intensiva é menos onerosa e recomendada como tratamento inicial, no entanto, se após 10 dias o animal não apresentar melhora clínica, o encaminha-mento cirúrgico deve ser considerado. Em humanos, a tarsorrafia é um procedimento seguro e eficiente para o tratamento de defeitos no epitélio corneano persistente, com uma taxa de sucesso em 83% dos casos [18]. Em equinos, o emprego de flap conjuntival fornece suporte e apoio mecânico a córnea e aporte vascular, auxiliando no processo de cicatrização local, assim como o flap de terceira pálpebra [1].

A barreira hemato-aquosa depende de tight junctions no corpo ciliar para desempenhar sua função de controlar o influxo do fluido para a câmara posterior,

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sendo que a inflamação causa quebra nesta barreira [13]. Na ausência de patência da barreira hemato--aquosa, os antibióticos sistêmicos penetram até a câ-mara anterior. No presente relato, a antibioticoterapia administrada via parenteral ou tópica foi fundamental na redução do processo infeccioso. Colírios a base de antibióticos agem localmente e são eliminados pela via nasal num período de 15-30 s após instilação, necessi-tando de múltiplas administrações diárias, sendo assim a antibioticoterapia parenteral reduz a manipulação do animal e mantém os níveis plasmáticos estáveis do medicamento, sendo uma opção em casos graves.

Defeitos no epitélio corneano cursam com invasão por micro-organismos patogênicos, sendo que durante o processo de cicatrização pode ocorrer encapsulamento do corpo estranho pelas células epite-liais, culminando com o abscesso estromal [3]. O tra-tamento medicamentoso incluindo anti-inflamatórios, antibióticos e ciclopégicos é menos oneroso, seguro e com eficácia na maioria dos casos, sendo a correção cirúrgica reservada para os casos não responsivos [16].

A enucleação consiste na remoção do globo ocular e terceira pálpebra, recomendada nos casos de perfuração, neoplasias e glaucoma severo [12]. A re-moção destas estruturas visa remover a causa primária e preservar a vida do animal, sendo que exceto em algumas categorias esportivas, a maioria dos equinos

consegue adaptar-se a visão somente com um olho. O carcinoma de células escamosas é uma neoplasia co-mum de equinos, diagnosticados pelos sinais clínicos e ultrassonografia aliados a histopatologia. A excisão cirúrgica da neoplasia é recomendada, embora de impossível realização em lesões muito extensas ou profundas [17], tendo como opção crioterapia, quimio-terápicos tópicos, intralesional e sistêmico.

A terapia das alterações oculares tem particu-laridades e a abordagem adequada permite o sucesso do tratamento. A administração de agentes anti-infla-matórios, antiobióticos, antiproteolíticos, enzimático, cicloplégicos e midriáticos como referenciais de terapia frente a alterações no sistema oftálmico de equinos conferiram base na abordagem terapêutica. A inclusão das cirúrgicas, tarsorrafia, ceratectomia com lamelar flap conjuntival unipediculado e flap de terceira pálpebra, possibilitaram a recuperação plena da acuidade visual.

MANUFACTURERS1MSD Saúde Animal. São Paulo, SP, Brazil.2Allergan Produtos Farmacêuticos Ltda. São Paulo, SP, Brazil. 3Alcon Laboratórios do Brasil Ltda. São Paulo, SP, Brazil. 4União Química Farmacêutica Nacional S.A. Embu-Guaçu, SP, Brazil.

Declaration of interest. The authors report no conflicts of interest. The authors alone are responsible for the content and writing of the paper.

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