alois riegl

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Alois Riegl (1858-1905). Problemas de estilo (1893); As artes aplicadas na época romana tardia segundo as descobertas na Áustria-Hungria (1901); A origem da arte barroca em Roma (1907). 1. Rumo a Kunstwissenchaft (ciência da arte): uma reorientação dos métodos de aproximação ao objeto de arte capaz de dar conta da especificidade artística de cada época sem lhes impor o critério idealista da beleza clássica. 2. Intenção artística auto-gerada X determinismo materialista (Sempler). 3. Kunstwollen: intenção/vontade artística. 4. Kunstwollen definida em termos de relações táteis- óticas/plano-profundidade (cor local e tom). 5. Análises: relevos, túmulo de Médici, a Kunstwollen holandesa. 6. Wilhelm Wörringer. 1. No momento em que a difusão internacional do Impressionismo consagrava o fim da tradição acadêmica e de seu fundamento teórico – a estética normativa clássica advinda do humanismo – a história da arte deveria reconsiderar suas bases a fim de dar conta da arte de cada época sem lhes impor o critério idealista da beleza clássica. É no contexto do alargamento dos conhecimentos no domínio da arte ao longo do século XIX que ocorre a necessidade da reorientação dos métodos de aproximação ao 1

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Notas para aula Historiografia da Arte

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Alois Riegl (1858-1905)

Alois Riegl (1858-1905). Problemas de estilo (1893); As artes aplicadas na poca romana tardia segundo as descobertas na ustria-Hungria (1901); A origem da arte barroca em Roma (1907).

1. Rumo a Kunstwissenchaft (cincia da arte): uma reorientao dos mtodos de aproximao ao objeto de arte capaz de dar conta da especificidade artstica de cada poca sem lhes impor o critrio idealista da beleza clssica.

2. Inteno artstica auto-gerada X determinismo materialista (Sempler).

3. Kunstwollen: inteno/vontade artstica.

4. Kunstwollen definida em termos de relaes tteis-ticas/plano-profundidade (cor local e tom).

5. Anlises: relevos, tmulo de Mdici, a Kunstwollen holandesa.

6. Wilhelm Wrringer.

1. No momento em que a difuso internacional do Impressionismo consagrava o fim da tradio acadmica e de seu fundamento terico a esttica normativa clssica advinda do humanismo a histria da arte deveria reconsiderar suas bases a fim de dar conta da arte de cada poca sem lhes impor o critrio idealista da beleza clssica. no contexto do alargamento dos conhecimentos no domnio da arte ao longo do sculo XIX que ocorre a necessidade da reorientao dos mtodos de aproximao ao objeto de arte. Tal a premissa sobre a qual se desenvolve nos pases de lngua alem, com destaque para Viena, na segunda metade do sc. XIX e incio do sc.XX, uma tentativa de fundar a histria da arte sobre uma disciplina rigorosa e especfica, a Kunstwissenchaft.

Escola de Viena. Na ustria, a Universidade de Viena foi a primeira em que se ensinou histria da arte como um disciplina autnoma uma ctedra inaugurada em 1853 por Rudolf von Eitelberger, que fundara o Museu das Artes Decorativas. Essa aliana entre ctedra e museu se manifestou em Viena, ento um dos plos da cultura europia, desde o comeo, e se mostrar rica, por exemplo, em Alois Riegl, que parte em seus estudos de uma anlise rigorosa dos objetos sob sua guarda. Ele tem uma ctedra na Universidade de Viena, depois de trabalhar no Museu Austraco das Artes Aplicadas: ele se moveu entre o mundo acadmico do ensino e da pesquisa como professor de histria da arte, o mundo do objeto no Museu Austraco de Artes Aplicadas e o mundo da conservao em seu papel de conservador da Comisso Central para arte e Monumentos Histricos. A variedade de suas aproximaes varia do interesse no mais abstrato dos conceitos ao exame mais minucioso dos aspectos fsicos de objetos cotidianos normalmente considerados como artesanato e no arte.

Continuidade histrica. Em contraposio ao primado da arte clssica da Antigidade e da Renascena italiana, que dominavam o ensino, a pesquisa e a elaborao de mtodos de histria da arte, Riegl afirma, no contexto dos estudos histricos germnicos, sua convico que a histria da arte deveria ser vista sob a perspectiva da histria universal, como uma continuidade. Ou seja, a compreenso de um dado perodo implica tudo o que o precedeu e ento contribuiu para faz-lo como o . Assim, nenhum perodo aparecia como negligencivel, j que constitui um elo necessrio do itinerrio histrico do passado ao presente. A noo de decadncia deveria ser banida da arte, seu objetivo em A produo artstica na poca romana tardia, at ento considerada meramente decadente.

Ali ele reconhece ser intil procurar por leis positivas desenvolvimento na Antigidade tardia devido a preconceitos enraizados. De fato, a ltima fase da arte antiga o continente escuro no mapa da pesquisa histrica. Nem mesmo seu nome e suas fronteiras so determinados de modo que se pode clamar validade geral. A razo para esse fenmeno no reside numa inacessibilidade externa do campo. Ao contrrio, ele ... oferece grande abundncia de material pra observao, muito do qual foi publicado. O que falta o desejo de se envolver com ele... O que segue uma tentativa de pesquisar um campo to negligenciado ao menos em seus aspectos mais gerais e fundamentais Quando ocasionalmente se toma a deciso de tratar um monumento romano tardio, geralmente ela se d por causa de seu contedo antiqurio-histrico e no por causa de seu aspecto artstico. Ns apresentamos nossa justificativa para considerar os monumentos cristos da Antigidade tardia porque eles so essencialmente no estudados ao menos em relao ao seu carter puramente artstico (que silhueta e cor sobre o plano ou no espao): simplesmente no-clssico.

Haveria ento uma lacuna intransponvel entre a arte romana tardia e aquela precedente, a da Antigidade clssica?. significativo que ningum nunca empreendeu a investigao de perto do violento processo que teria levado destruio da arte clssica pelos brbaros. Fala-se somente em barbrie e os detalhes so deixados num fog invisvel. Destruir esse preconceito o principal objetivo desse livro. Ainda que este no seja o primeiro dos trabalhos desenvolvidos nesse sentido: Problemas de estilo e Viena Gnesis (F. Wickhoff). Em Problemas de Estilo, ele demonstrou que o ornamento da gavinha da Idade Mdia se desenvolveu diretamente do ornamento da gavinha clssica ao menos para o ornamento da gavinha, o perodo tardio romano no significou decadncia, mas progresso, ou ao menos conquista de valor individual. Em Produo tardia da arte romana, ele quer provar que quando comparada arte Flaviana-Trajana e do ponto de vista da Histria universal do desenvolvimento geral da arte, a Gnese de Viena constitui progresso e nada alm de progresso; julgada pelo critrio limitado da crtica moderna ela aparece ser uma decadncia que historicamente no existiu: de fato, a arte moderna com todas as suas vantagens, no teria sido possvel se a arte romana tardia com usa tendncia no-clssica no tivesse preparado o caminho.

Otimismo oitocentista, ecos de Hegel: ainda que certas condies modernas em campos outros governo, religio manifestam certas vantagens em relao s antigas, estas so pr-condies importantes e necessrias para os modos modernos.

Perodo de mudanas extremamente significativas, em que o desenvolvimento no era estritamente uniforme mas se movimentava por repentes de progresso: perodo mais importante da histria do mundo, quando naes que lideraram o desenvolvimento da civilizao por 1000 ou mais anos estavam prestes a decair, s quais se seguem naes cujos nomes at ento eram praticamente desconhecidos. Idias sobre o divino e sua relao com o mundo visvel, que haviam existido desde o incio d memria humana agora estavam abaladas, abandonadas e substitudas por novas idias que permaneceriam outros mil anos mais. Desse tempo de tumulto, quando duas pocas estavam partindo ns temos um vasto nmero de trabalhos de arte, em sua maioria annimos e sem data, mas que nos oferecem uma imagem fiel das perturbadas condies espirituais daquele tempo.

2. No-hierarquia entre as artes. Leis universais. Riegl reconhece que as artes figurativas no seriam superiores a formas menores de arte nem sujeitas a leis particulares. H leis universais vlidas para todos os meios, efetivas durante a produo do perodo romano tardio. desse modo, observaes em cada campo particular so vlidas para todos os outros e ento suportam e melhoram um ao outro. Para Riegl leis universais governam a arte atravs da histria, cada perodo seguindo sua verso particular dessas leis. Uma delas que a arte sempre progride, sem regresso nem pausa. Para ele, a arte do ltimo perodo da Antigidade, longe de ser decadncia, formava parte de seu progresso, tanto em seus prprios termos quanto porque a arte da Renascena e os sculos posteriores at seus dias no seriam possveis sem ela.

No prefcio ele remete teoria positivista da natureza das belas artes tal como proposta por Gottfried Semper, segundo a qual a obra de arte no nada mais do que um produto baseado em funo, matria e tcnica. Semper estuda as artes ditas aplicadas e a arquitetura, e ao sublinhar ali o papel do material, da tcnica e da funo utilitria na gnese e no desenvolvimento das formas, ameaa reduzir a forma a uma resultante de fatores no-artsticos agindo segundo um determinismo materialista.

Segundo Riegl, esta seria uma concepo mecnica, imposio materialista importncia do espiritual, tentativa errnea de seguir as cincias naturais: afinal, longe de imitar a natureza, a arte se coloca em concorrncia com ela; e a cada poca opera uma seleo particular nos dados da percepo, acatando uns e descartando outros para elaborar seu estilo prprio:

Oposta a essa percepo mecanicista da natureza da obra de arte eu apresentei pela primeira vez em Problemas de estilo, uma aproximao teleolgica ao reconhecer o trabalho de arte como o resultado de um Kunstwollen (inteno artstica) definido e objetivado que se desenvolve na luta com a funo, a matria e a tcnica. Ento esses trs fatores no mais tm aqueles papis criadores positivos atribudos pela teoria de Semper, mas sim papis restritivos, negativos: eles so, por assim dizer, os coeficientes de frico dentro do produto inteiro.

3. A noo de Kunswollen revela uma necessidade interna que governa o procedimento artstico, ou seja, mostra como a inteno artstica auto-gerada, e no uma resposta a propsitos fora de si, como veicular idias ou imitar a natureza ou servir a funes que esto fora da criao e da apreciao da forma visual. Nem reproduo da natureza nem resultante de fatores extra-artsticos, a obra de arte para Riegl o produto de um procedimento espiritual especfico, para o qual ele concebe o termo Kunstwollen, donde Wollen significa querer no sentido genrico, e no uma vontade individual (Wille). Assim ele designa uma realidade psicolgica que no depende somente da pessoa individual mas a ultrapassa sob forma de uma tendncia coletiva; pulso no dominada pela conscincia. Assim Riegl fala de uma Kunstwollen de um povo, tanto como a de uma poca como a de um artista segundo Gombrich e outros estudiosos, seria um termo vago. Talvez possa parecer uma vantagem na prxis de Riegl, que emprega com sutileza as passagens do estilo de uma poca para o de um artista, conforme sua concepo de histria que privilegia a continuidade sobre a ruptura.

O saber fazer governado pelo querer fazer; a arte do perodo romano tardio no apreciada devidamente devido ao critrio do belo: tudo depende de compreender que o objetivo das artes no completamente esgotado com o que ns chamamos de beleza, mas que o Kunstwollen pode tambm ser direcionado para a percepo de outras formas de objeto. Haveria um Kunstwollen direcionado feira e no-animao (arte moderna/expressionismo).

Em Problemas de estilo aparece pela primeira vez o termo. Ali ele se volta para questes de ornamento: como a acanthus spinosa, erva vulgar, pode se tornar o principal ornamento vegetal dos gregos? Ainda que os arquelogos duvidassem da anedota em Vetruvio, imaginavam que uma simples planta teria chamado a ateno de um artista que a copiou, fazendo nascer o ornamento da folha de acanto. Ao contrrio de Riegl, que mostrou que somente as ornamentaes tardias do que foi chamado de ornamento em folha de acanto tinham uma real semelhana com a espcie botnica e que, nas fases precedentes, esse ornamento no era outra seno a antiga palmeira (palmette) egpcia, mas transposta do desenho bidimensional para a tridimensionalidade.

A motivao para o desenvolvimento do ornamento vegetal na Antigidade estava nas necessidades intrnsecas ao design mais do que na imitao da natureza. Riegl argumentava que uma reaplicao meramente naturalista tridimensional da realidade requer menos envolvimento mental do que o relevo, e o relevo menos que a abstrao linear. Uma vez que o motivo linear do ltus foi formado no Egito antigo e seu desenvolvimento posterior no acanto, no ocorreu devido ao recurso do escultor a novos modelos da natureza, mas poderia ser explicado por um desenvolvimento interno do design, por uma procura por variao e simetria. Ele via a emergncia do motivo com duas folhas curvando para baixo em cada lado da forma vertical no como a imitao de um ltus cujas ptalas estacam a cair, como sugerido pela literatura anterior, mas como uma elaborao formal: o acanto tardio no deriva diretamente do acanto natural, mas do desenvolvimento de motivos anteriores num padro. A fora geradora no desenvolvimento se d a partir de uma sensibilidade inata do homem por padres e simetria e a urgncia de combinar elementos discretos numa ordem. Compreendemos a arte como inicialmente transformando a natureza e ento se transformando de dentro, a partir de propsitos estritamente artsticos, o que produz um senso de autonomia ou necessidade interna na histria do ornamento. Assim ele mantm o princpio da continuidade e desacredita o acaso, as descontinuidades/rupturas como fatores determinantes; e uma noo nova de relao entre arte e realidade aparece no horizonte. A observao da natureza no era a causa da inovao artstica: o fator realmente determinante no poderia ser encontrado num impulso vital vindo do exterior, mas no que pareciam ser as foras motrizes no interior do desenvolvimento artstico.

Riegl parece procurar no Kunstwollen o motor da histria da arte: uma fora real agindo na histria, uma vontade supra-individual objetiva, que se manifesta na atividade de grupos, de pessoas. Toda vez que eu examino uma obra da arte romana tardia sua aparncia visual carregava sem exceo a mesma marca de determinao interna assim como qualquer obra da idade clssica ou da Renascena.

Para Panofsky, o Kunstwollen concebido como dado da psicologia do artista ou de psicologia coletiva prpria a uma poca, no seria possvel de ser conhecido, e uma aproximao emprica fundada sobre a percepo que o espectador teria dela, somente nos informaria sobre a psicologia deste ltimo. S se poderia compreender essa percepo como um sentido imanente que a crtica, atravs de um processo de interpretao, decifra a posteriori nos fenmenos artsticos. Ou seja, o sentimento da necessidade que o historiador da arte cr reconhecer no desenvolvimento de um estilo no realizao de uma essncia atravs da sucesso das obras, mas, ao contrrio, expresso da coerncia do sentido que a INTERPRETAO do historiador liberta do fenmeno. Assim a Kunstwollen ser definida a partir de categorias que se referem no ao fenmeno ele mesmo, mas s condies de seu ser-em si e de seu ser-como.

4. No plano terico, Riegl pensa o Kunstwollen a partir de uma releitura da visibilidade pura, definindo o modo de relao do homem com o mundo atravs dos conceitos de ttil e tico, plano e profundidade, ou, como ele bem aponta, em termos de cor local e tom, em Naturwerke und Kunstwerke:

As coisas naturais se manifestam visa do homem como figuras isoladas, mas ao mesmo tempo como ligadas ao universo (a um fragmento praticamente ilimitado dele) em uma totalidade infinita. Elas so delimitadas por contornos, mas elas se fundam de modo mais ou menos contnuo em seu ambiente. Elas apresentam uma colorao fechada e participam ao mesmo tempo do tom geral de seu ambiente. a essa dupla aparncia das coisas na natureza aos olhos dos homens que se liga o desenvolvimento do Kunstwollen. Pode-se aqui conceber dois plos: de um lado, o extremo isolamento das coisas individuais em relao o conjunto do ambiente, do outro extremo ligao das coisas entre elas. Nos dois casos, a figura individual e com ela a possibilidade de sua representao da obra de arte destruda: no primeiro porque ela atomizada, no segundo porque ela se dissolve no infinito. Por outro lado, a escala inesgotvel que se estende entre os dois extremos oferece evoluo um campo enorme.

A noo de estilo ligava a transformao de motivos mudanas em atitude. A arte visual antiga buscou seu objetivo na representao de objetos externos em sua individualidade material clara, e em contraste com a aparncia acidental das coisas na natureza, evitava tudo o que poderia perturbar ou enfraquecer a impresso imediatamente convincente da separabilidade material (A produo romana tardia, apud M. Podro 72). O ideal de auto-conteno exemplificado por excelncia no relevo egpcio: aderncia estrita ao plano, isolamento das figuras e a mnima convocao do espectador a uma projeo. J no relevo clssico, o senso de auto-conteno muda: so admitidas relaes entre figuras atravs do aumento do modelado e a mobilidade das formas d um sentido de espao no qual elas se movimentam. O senso de auto-conteno agora se torna questo da coerncia da forma do relevo, na qual as figuras esto contidas: a auto-conteno se torna uma questo do modo pelo qual as figuras so vistas como permanecendo no plano do relevo ou numa srie de camadas sobrepostas, de modo que a continuidade do relevo mantida. No relevo antigo tardio, assim como na arte egpcia, as figuras individuais esto separadas; mas agora a unidade/coerncia compreendida como aquela do espao escavado no qual a figura instalada. o nicho espacial que circunscrito. Mais: o esculpir os membros e as dobras das vestes se torna to profundo que ele dissolve a unidade do corpo: ao dissolver a auto-conteno dos corpos e assim a distino entre aqueles corpos e o espao em torno deles, o que deixado simplesmente o plano tico homogneo que contm ambos.A vontade um elemento isolante, ttil, que impe limitas; o sentimento interior um elemento de ligao, tico, que apaga seus prprios limites. O isolamento de uma coisa essencialmente abarcado pelo sentido ttil que se d na superfcie e nos contornos tangveis; a imerso das coisas em seu ambiente se oferece essencialmente viso e coloca em jogo a profundidade impalpvel do espao. O isolamento corresponde vontade que domina o corpo e se identifica com ele. A participao no ambiente responde o Empfindung, que se traduz geralmente por sentimento, mas que cobre uma rea semntica mais ampla e menos precisa, e que, como plo oposto vontade, poderia talvez ser traduzido por interioridade. Se a vontade se traduz na ao corporal, o Empfindung se exterioriza na relao com o espao, com o meio, e na ao emotiva involuntria.

Na introduo de A origem da arte barroca em Roma, Riegl afirma: essa arte italiana tardia assimilou elementos da evoluo nrdica, notadamente em sua concepo: sentimento interior exacerbado, e em sua execuo formal: tomada tica exacerbada. Riegl distingue a sensibilidade nrdica, germnica da sensibilidade italiana, latina at ento privilgio dos estudos tericos sobre arte. O desenvolvimento da Kunstwollen holandesa lhe aparece como uma referncia essencial para a articulao da Histria da Arte europia. Ali ele ver um verdadeiro plo histrico oposto queles constitudos pelo classicismo da Antigidade e da Renascena italiana.

margem dos estudos de Histria da Arte, o Barroco adquire uma importncia decisiva: no se duvida que para o historiador da arte o estudo aprofundado da arte barroca italiana til e fecunda; afinal, trata-se de uma misso mundial: conciliar as correntes artsticas germnica e latina (no sculo XVII a pintura flamenga no saberia se conceber sem a pintura italiana barroca que precedeu).

Ainda em A origem...: A arte italiana, como toda arte crist, representa aes e as conseqncias de movimentos interiores, de impulsos psquicos. As ao mesmo tempo, ela coloca acento principal sobre a ao exterior. A arte germnica representa a mesma coisa, mas coloca nfase sobre o movimento psquico: ela descreve movimentos psquicos como motivos de aes fsicas. Quer dizer que no querer artstico (Kunstwollen) germnico o elemento psquico sobressai... Esse elemento psquico exacerbado na arte barroca italiana: o que a aproxima de arte nrdica... Rembrandt: quanto mais os personagens rezam com fervor, mais seu aspecto exterior passvel, menos ele tem ao exterior, movimento de corpo. Ele se refere objetividade da arte Renascentista, cujos personagens so fechados em si mesmo. Contrape um Raphael a Michelangelo e Correggio, artistas subjetivos que remontam os comeos do estilo barroco. Quanto execuo formal, a relao entre o personagem isolado e o espao procura ser estabelecida radicalmente por meio da luz e da sombra: o espao entre os personagens to importante quanto os personagens eles mesmos, por vezes mais importantes.

At onde ns devemos remontar na obra de Michelangelo para nele reconhecer o pai do Barroco, pergunta Riegl, que situa entre 1521 e 1524 a mudana em seu estilo, quando ele concebe o projeto dos tmulos dos Mdicis e da Biblioteca Laurenciana. 1. Profundidade tica, simetria ttil. A fachada do tmulo Renascentista permanece uma superfcie plana, apesar dos nichos; o conjunto uma arquitetura fechada sobre ela mesma, plana, a fachada, a parede exposta, de algum modo um baixo-relevo. Aqui no tmulo de Julio de Mdicis no h mais arquitetura, somente trs figuras com o sarcfago; as figuras no esto mais sobre um s plano, mas repartidas sobre dois planos na profundidade: na frente, o sarcfago com a Noite e o Dia, um tanto retrado o nicho mural com a figura do defunto. A profundidade toma lugar da superfcie absolutamente plana - as figuras de frente devem se apresentar ao olhar do espectador com um relevo mais forte que aquelas do plano de fundo: eis a superfcie ttil atravessada pela profundidade tica, um movimento resoluto em direo ao lado tico, pois o espao em profundidade, o espao do ar, no pode ser tocado pelo dedo, s pode ser estimado em funo do que se v.

2. Sombra tica, linha ttil. Os tmulos antigos eram construdos de modo simtrico, mas suas diferentes partes se relacionavam em alinhamento. Aqui as figuras esto inclinadas : se elas esto lado a lado, se obtm simetria, mas se elas esto uma atrs da outra, a uma certa distncia, a simetria desaparece. Aqui a figura do nicho est recuada, mas no tanto para que a relao com as figuras do sarcfago no se possa exprimir. Mas para faz-lo, necessrio tomar uma distncia: o efeito artstico s se produz se se passa a uma viso relativamente afastada. Quanto mais a regra da superfcie plana se abranda, mais a simetria rigorosa,o que leva a uma segundo conseqncia: as formas que transbordam no espao lanam sombras. Acentuao de sombras: a sombra se torna um elemento artstico particularmente adequado para ligar o olho ao espao.

3. Movimento dos elementos, imobilidade do conjunto. As duas figuras so simtricas, mas essa simetria de uma tal mobilidade, agitada por uma espcie de estremecimento interior: as figuras so exatamente invertidas. A Noite parece sair do fundo, enquanto o Dia se afasta de ns e entra no pleno de fundo. O que d certa impresso de rotao: extrema tranqilidade do conjunto, extrema agitao dos elementos. As figuras esto sentadas, adormecidas, mas todos seus membros esto em desequilbrio.

Jlio: sua atitude geral proclama a vontade de se dirigir diretamente ao espectador: as pernas, o tronco, o brao, tudo frontal, com exceo da cabea, voltada fortemente em direo ao lado esquerdo, e no para o lado para o qual tendem os membros. a vontade que comanda os membros, ela tende ento a se enderear ao espectador. A face quase irritada revela que essa vontade foi perturbada por uma emoo; no uma emoo de ordem fsica, mas uma emoo interior, psquica, pois a cabea est um pouco pendida. H ento um conflito: o sentimento interior se ope vontade. A vontade dirige os membros, as aes o corpo; a parte mais importante do corpo, a cabea com a face, dirigida pelo sentimento interior, contra a vontade, lanada violentamente fora das vias da vontade. O que h de novo ento o poder do sentimento interior, alis, que o sentimento interior se emancipa, entra em conflito com a vontade. A Antigidade o conhecia, mas ele era submetido vontade; o mesmo acontece com Raphael, mas suas figuras conservam uma dignidade pessoal, a expresso de sua vontade, de seu eu individual. O fato novo aqui que o psiquismo do homem se divide; at aqui esses dois aspectos vontade e sentimento tinham dominado o corpo em perfeito acordo, sob a hegemonia da vontade. Mas como a vontade que dominava antes, o que verdadeiramente novo a acentuao do sentimento. O sentimento quer se emancipar, a vontade reage mais violentamente: todos os dois se acentuam. Da a grandeza sobre-humana da caracterizao que Michelangelo confere s suas figuras.

Hollndisches Gruppenportrt: uma pintura que tem um ideal ou inteno diametralmente oposta quela da arte clssica. Onde a arte antiga estava preocupada em estabelecer um objeto auto-contido, circunscrito independente do espectador, a arte holandesa dos sculos XVI e XVII objetivava envolver a vida subjetiva do espectador; onde a arte antiga pretendia a definio de um objeto como materialmente presente ao toque, arte holandesa pretendia criar o senso de presena imaterial, de algo essencialmente indisponvel percepo e conhecido por sugesto.

Riegl v o desenvolvimento do retrato de grupo holands como representativo da pintura holandesa em geral. Dois problemas se colocam: 1. narrativa/a coerncia formada pelas relaes entre as figuras, os membros do grupo unidade interior -, e a 2. apresentao/coerncia formada pela relao do espectador com o grupo retratado unidade exterior.

Companhia de Milcia, Dirk Jacobsz. Aqui a unificao dentro da pintura, unidade interior, est limitada ao modo pelo qual os membros da companhia apontam para o capito. Mas esses gestos no s fornecem uma coerncia mnima interior, eles so feitos em favor do espectador: esto apontando o capito para o espectador. Desse modo, os gestos esto reconhecendo nossa presena e fazendo isso de um modo alm do fato que as figuras olham para o mundo que ns, espectadores, habitamos. Assim o interior ou a coerncia narrativa j implica a presena do espectador e assim algum grau de coerncia externa.

Anatomia do Dr Tulp de Rembrandt & A anatomia de Dr de Vril, de Thomas de Keyser: Rembrandt aumentou o grau de subordinao ao espectador/speaker. Onde de Vrij olha para o esqueleto em sua demonstrao, Dr Tulp olha pra seus colegas, e enquanto os colegas do Dr Vrij atendem o esqueleto, os colegas de Tulp esto respondendo atentamente a Tulp, ainda que de maneiras diferentes. H ma exceo entre seus ouvintes: o cirurgio no pice da pirmide olha diretamente para ns. A para Riegl essa figura extremamente importante, porque pra essa figura que a ao toda, incluindo a subordinao do grupo a Tulp, est subordinada. A relao com o espectador subordina ou rene dentro de si a unidade dramtica interna. como se enquanto Rigel estivesse dizendo que a relao com o espectador, criada pela figura,pusesse toda a ao em suspenso. O que Rembrandt teria feito aqui aumentar aquela coerncia interna e supera-la, absorvendo-a numa coerncia externa.

Em Ronda Noturna, subordinao e interconexo so fortes. Segundo Riegl, h o senso de Rembrandt do momento nico; o momento no qual a companhia est respondendo ao comando; as figuras so vistas, de vrios modos, se preparando pra mover. Para que ns os vejamos no processo de se preparar, implica que ns imaginariamente projetamos na figura still que retirou de ns um senso de tenso e antecipao. Mas Rembrandt tambm usou a subordinao numa coerncia interna de um modo que produz um novo nvel de coerncia exterior:

O contato com o espectador seda atravs de ateno particularizada numa direo especfica. A mo estendida do capito, apontando na direo do espectador no deixa dvidas que no momento seguinte toda essa companhia, sob seu comando, se mover na direo do espectador.

Desse modo, a organizao interior movida num modo de trazer toda acena para o espectador na direo do mundo do espectador. Desse modo coerncia interna e externa esto mais integrados do que em Anatomia do Dr Tulp, onde a coerncia interior dramtica do falante e seus ouvintes estava em ltima instncia subordinada relao com o espectador estabelecida pela figura olhando para ns.

Riegl tambm desenvolve a noo da expresso de vida interna subjetiva: encontra-se no alerta mental, na ateno. O olhar de uma figura interpretado como ateno quando ele dissociado do movimento do corpo, ou direcionado a algo no visivelmente presente para o espectador. Por exemplo, em Sndicos, um grupo de homens olha travs de uma mesa em nosso espao, seus olhares convergem para um ponto, mas sua direo est de algum modo nossa esquerda, e ns nos sentimos convencidos que em nosso espao h algo ou algum grupo de pessoas que ns no podemos ver, de quem tanto ns como os Sndicos esperam uma resposta. Nossa presena como espectadores ento ligada ao destinatrio que, como ns, confronta os Sndicos e aos Sndicos que esperam sua resposta.

Como muitas outras teorias de meados do sculo XIX, a teoria da arte de Semper era originalmente pensada como um grande triunfo da cincia natural, mas no fim se revela um dogma da metafsica materialista.

Em Problemas de estilo, ele toma como exemplo uma madeira esculpida da regio de Langerie-Basse, cuja forma, ao reunir um realismo explcito e uma estilizao ostensiva, prova que o saber fazer governado pelo querer fazer.

Assim, nossa primeira tarefa no cuidar dos encontros do acaso na histria, mas estudar as correntes estilsticas e sua orientao. As mudanas de estilo so muito significativas, pois a continuidade no simplesmente uma continuao: cada fase estilstica cria suas prprias preocupaes que so resolvidas na fase seguinte. Mas para fazer nascer novos conflitos aos quais devem ser encontradas novas respostas. Assim os estilos mudam incessantemente; o historiador da arte mostra que a evoluo artstica foi obrigada a ser feita na direo que ela tomou o que implica em srias conseqncias.

Superar ou dissolver a diviso entre figuras desse modo tem uma considervel importncia para Riegl (assim como para Panofsky): ela tratada como um modo no qual objetos e seu espao ao redor se torna visto como caractersticas de um continuum homogneo o continuum do plano, e esse senso de um continuum homogneo visto como uma precondio do desenvolvimento do senso de espao contnuo homogneo e ento uma precondio da representao em perspectiva.

Mas em relao ao ensino consagrado arte antiga, ele ainda est fundado essencialmente sobre a Antigidade clssica e a Renascena italiana, ou seja, sobre os estilos que so justamente os mais afastados do que especificamente germnico.

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