alimentação, ambiente e desenvolvimento · esquema da apresentação . 4 ... 2ª vez) uma...
TRANSCRIPT
José Lima Santos Instituto Superior de Agronomia (ISA)
Universidade de Lisboa (UL)
Alimentação, Ambiente e
Desenvolvimento
Conferência proferida no
dia mundial do ambiente
no âmbito da iniciativa
ÀS QUARTAS ÀS 17:00h NA APA
Agência Portuguesa do Ambiente (APA)
Lisboa, 5-Jun-2013
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Think-Eat-Save
Tema escolhido pelo Programa das Nações Unidas
para o Ambiente (PNUA) para 2013.
Dia Mundial do Ambiente
1– Ponto de partida: os picos de preço dos alimentos
2– Modelo tecnológico químico-mecânico em agricultura
3– A insustentabilidade do nosso modelo global de produção e
consumo de alimentos
4– As mudanças que se impõem
5– Como realizar e gerir a mudança? (Políticas e Governance)
Esquema da apresentação
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1- Ponto de partida: os picos de preço dos alimentos
• Entre 2005 e meados de 2008, o mundo foi surpreendido por um aumento dramático do preço dos cereais e dos alimentos em geral.
• Os preços dos cereais em meados de 2008 estavam duas vezes e meia acima dos de 2005 (todos produtos agrícolas bateram records históricos)
• Desde Abril de 2008, os preços já desceram, mas houve nova crise de preços em 2011.
• Tendência para preços permanecerem a níveis superiores aos da última década.
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6
• Estes picos de preços quebraram (pela
2ª vez) uma tendência de longo prazo de
descida dos preços reais da alimentação
desde a segunda guerra mundial.
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• Simultaneamente, assistiu-se a uma notável redução dos stocks globais de cereais.
• Os stocks pré-colheita permitiam, nos anos da viragem do milénio, satisfazer 115 dias de consumo global.
• Actualmente, permitem apenas assegurar pouco mais de 50 dias de consumo.
• O resultado é uma percepção aguda de insegurança alimentar global, que alimenta (e que é alimentada por) comportamentos especulativos nos mercados dos cereais, os quais agravam ainda mais a subida dos preços.
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World Grain Stocks as Days of Consumption, 1960-2007
0
20
40
60
80
100
120
140
1960 1970 1980 1990 2000 2010
Source: USDA
Da
ys
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• As duas crises recentes de preços dos cereais (1972-74 e 2006-8) coincidiram com os dois únicos períodos em que os stocks globais pré-colheita cairam abaixo do nível que permite cobrir 60 dias de consumo.
• A alta de preços dos cereais tem um impacte particularmente grave nos mais pobres, que gastam na alimentação a quase totalidade do rendimento ...
• ... em particular nos pobres dos países pobres, em que os alimentos sofrem menor transformação, e em que, portanto, o preço dos alimentos reflecte mais directamente o preço dos cereais.
• Cereais mais caros significam, nestes casos, comer menos, mesmo quando a situação inicial é já de subnutrição.
11 11
2. O modelo tecnológico químico-mecânico
em agricultura
Na Europa do pós-Guerra difundiu-se um novo modelo tecnológico na agricultura baseado na dupla substituição:
- de trabalho humano por máquinas (vertente mecânica), que permitiu a cada trabalhador gerir áreas cada vez maiores;
- de processos ecológicos por inputs químicos e outros (vertente química), que aumentou a produtividade da terra (intensificação).
Esta dupla substituição permitiu uma maior produção por trabalhador ...
... e assim a transferência de muitas pessoas da agricultura para os sectores emergentes da indústria e dos serviços.
12 12
O modelo químico-mecânico em agricultura
(Cont.)
A posterior generalização deste modelo químico-mecânico, incluindo a países em desenvolvimento (revolução verde) permitiu:
- multiplicar por 3 a produção global de cereais desde 1950.
As chaves;
- rápida adopção, nos países em desenvolvimento, de variedades de trigo e arroz de alto alto rendimento e do milho-híbrido;
- multiplicação por 3 da área irrigada;
- multiplicação por 11 do uso global de fertilizantes.
A artificialização dos agro-ecossistemas pelo modelo químico-
mecânico permitiu que o aumento de produção neste período
tenha sido conseguido principalmente através…
- … do aumento da produção por hectare (intensificação) e
- … não tanto da expansão da área agrícola.
13 13
O modelo químico-mecânico em agricultura
(Cont.)
Hoje:
- a contracção da superfície cultivada por degradação de solos e urbanização,
- o custo ecológico inaceitável da expansão da área cultivada (desflorestação, crise da biodiversidade e emissões de CO2) e
- a necessidade de aumentar a produção agrícola para fazer face ao crescimento demográfico, à mudança nas dietas nos PED e à procura de matérias primas agrícolas para fins não alimentares,
... colocam desafios monumentais à agricultura para o próximo meio-século.
14 14
O modelo químico-mecânico em agricultura
(Conclusão) Neste contexto, o modelo químico-mecânico encontra-se num impasse em diversas frentes:
– Pegada ambiental do próprio modelo, que é necessário
corrigir
– Limites ao melhoramento genético das plantas e limites na
resposta destas aos fertilizantes e pesticidas
– Esgotamento de recursos hídricos e redução nas
disponibilidades de água para rega
– Impacte das alterações climáticas na produtividade das
culturas agrícolas e nos recursos hídricos
– Dependência de energia fóssil e vulnerabilidade face aos
preços dos combustíveis
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Wheat Yields in France, Germany, and the
United Kingdom, 1961-2011
0
1
2
3
4
5
6
7
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1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Source: FAO, USDA
To
ns P
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ecta
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France
Germany
United Kingdom
Earth P
olicy Institute - w
ww
.earth-policy.org
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Wheat Yields in India, 1960-2011
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Source: USDA
To
ns P
er H
ecta
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Earth P
olicy Institute - w
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.earth-policy.org
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Rice Yields in China and Japan, 1960-2011
0
1
2
3
4
5
6
1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Source: USDA
To
ns p
er H
ecta
re
Earth P
olicy Institute - w
ww
.earth-policy.org
Japan
China
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World Fertilizer Consumption, 1950-2011
0
20
40
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80
100
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140
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180
200
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Source: Worldwatch, IFA
Millio
n T
on
s
Earth P
olicy Institute - w
ww
.earth-policy.org
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Fertilizer Consumption in Top Five Countries, 1961-2011
0
10
20
30
40
50
60
1961 1971 1981 1991 2001 2011 2021
Source: IFA
Millio
n T
on
s
Earth P
olicy Institute - w
ww
.earth-policy.org
China
India
United States
Brazil
Indonesia
20
World Grain Production Per Ton of Fertilizer, 1961-2011
0
5
10
15
20
25
30
1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Source: IFA, USDA
To
ns
Earth P
olicy Institute - w
ww
.earth-policy.org
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Grain Production Per Ton of Fertilizer in the
United States, China, and India, 1961-2011
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Source: IFA, USDA
To
ns
United States
China
India
Earth P
olicy Institute - w
ww
.earth-policy.org
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Evolução dos preços (IPI) dos Consumos Intermédios,
Energia e Fertilizantes (agricultura portuguesa)
Fonte:INE, Contas Económicas Nacionais,
http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=
cn_quadros&boui=95392496
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Evolução em Volume dos CI, Energia e
fertilizantes na agricultura portuguesa
Fonte:INE, Contas Económicas Nacionais,
http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=
cn_quadros&boui=95392496
26 26
O que é intensidade agrícola? E quais são os seus efeitos
ambientais?
Definindo intensidade como nível de produção por hectare, a
intensificação poderá ser a chave para evitar mais conversão de
habitat natural em terras agrícolas nas mais diversas partes do
mundo (dada a pressão crescente da nossa procura de alimentos,
bio-energias, e bio-materiais).
Contudo, no passado, geralmente aumentámos a produção por
hectare recorrendo a
... aumentos do nível de inputs por hectare (adubos, pesticidas,
água ou energia),
... o que conduziu a uma quebra na eficiência do uso destes inputs,
... e finalmente também a problemas ambientais - eutrofização,
envenenamento das cadeias alimentares, declínio dos aquíferos e
caudais, ou emissão de GEE,
... e, além disso, custos mais elevados e menor competitividade.
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Um novo modelo tecnológico?
Parece portanto crucial desligar, tanto quanto possível, o aumento
da produção por hectare do nível de inputs por hectare.
Isto permitir-nos-ia ser, ao mesmo tempo, mais competitivos e mais
amigos do ambiente.
O grau em que este desligamento é possível não é ainda claro. Há
certamente limites a esta estratégia tecnológica para obter
soluções win-win e reduzir trade offs entre ambiente e economia.
Estes limites são evidentes a curto prazo (lock-ins tecnológicos).
Por exemplo, a total expressão do potencial genético das
variedades de plantas que hoje usamos depende de agro-
ecossistemas simples (reduzida competição, mas também
reduzida ajuda de predadores e parasitoides, logo necessidade de
pesticidas) com níveis elevados de nutrientes no solo (logo
adubações copiosas).
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Um novo modelo tecnológico (Intensificação sustentável)?
Existem pelo menos duas vias estratégicas para desligar a
produção por hectare dos níveis de utilização de inputs por
hectare:
• aumentar a eficiência na utilização dos inputs aplicando-os de um
modo mais preciso e dirigido – o que é geralmente referido como
agricultura de precisão, mas inclui também novos métodos de rega
bem como a designada produção integrada;
• copiar e usar processos ecológicos (predação, parasitismo e
doenças, fixação simbiótica de azoto, micorrizas, combinações de
culturas permanentes e anuais) para substituir inputs comprados
de origem industrial (pesticidas, fertilizantes e energia).
A primeira depende sobretudo das novas tecnologias da
informação e a segunda de um melhor conhecimento da forma
como os agro-ecossistemas funcionam. Ambas poderão vir a
utilizar também as bio-tecnologias.
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2. Procura na oferta globais de alimentos
a) A Procura de alimentos resulta da população global a
alimentar e das respectivas dietas alimentares.
• A necessidade de nos alimentarmos é algo que partilhamos com as outras espécies animais;
• Devia lembrar-nos de que somos parte da natureza e, como tal, estamos sujeitos aos seus limites (disponibilidade de alimentos) e mecanismos.
• Ao contrário das outras espécies animais, estamos livres do controlo pela predação de outras espécies e temos algum poder para ampliar as nossas disponibilidades alimentares (tecnologia).
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• A nossa dinâmica demográfica e a nossa dieta são assim determinadas, em grande parte, por padrões culturais, por escolhas que fazemos, e não por mecanismos naturais.
• As nossas escolhas reprodutivas (e progressos na saúde e longevidade) determinam 70 milhões habitantes a mais todos os anos;
• As nossas escolhas dietéticas estão a fazer-nos subir na cadeia alimentar; milhares de milhões de pessoas na China, Índia e muitos outros PVD seguem o caminho dos países mais desenvolvidos.
• Cada indiano (200 Kg de cereais/ano) que mude para a dieta alimentar do americano (800 Kg de cereais/ano) tem o efeito equivalente a mais 3 indivíduos a alimentar.
• 30 milhões de indianos ou chineses que mudem as suas dietas por ano terão um efeito equivalente a mais 90 milhões de novas pessoas a alimentar.
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b) A Oferta de alimentos = terra em produção (ha) x
produtividade ou rendimentos da terra (ton/ha)
• Pico da superfície semeada com cereais (1980):
730 milhões de ha
• Evolução da superfície semeada com cereais per capita: Figure 2-1. World Grainland Per Person, 1950-2004, With Projection to 2050
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
1950 1970 1990 2010 2030 2050
Hecta
res
Source: USDA
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Década Área semeada por
hab
(crescimento anual
em %)
Rendimento em
ton/ha
(crescimento anual
em %)
Produção de
cereais
(Kg/hab)
no fim da década
1950-1960 -1,0 2,0 272
1960-1970 -1,6 2,6 292
1970-1980 -1,0 1,9 322
1980-1990 -2,1 2,1 335
1990-2000 -1,8 1,2 303
2000-2007 -1,0 1,2 303
Redução da área semeada por habitante,
crescimento da produtividade da terra e
disponibilidades alimentares por habitante
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Produção anual de cereais em 2008: 2 000 Mton
Quantas pessoas sustenta?
Depende da dieta. Sustentaria:
– 10 000 Mhab com uma dieta vegetariana/ indianos
(200 Kg per capita)
– 5 000 Mhab com uma dieta “mediterrânea” mista
/italianos (400 Kg per capita)
– 2 500 Mhab com uma dieta carnivora/americanos
(800 Kg per capita)
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Década Número de anos
com défice
global de
produção de
cereais
Défice médio
(em Mton)
Stocks pré-colheita
(em dias de
consumo)
no fim da década
1950-1960 - - 91
1960-1970 3 17 64
1970-1980 3 23 78
1980-1990 5 31 105
1990-2000 4 18 111
2000-2007 7 38 54
c) O saldo global de alimentos: défices e stocks pré-
colheita
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3– Insustentabilidade do nosso modelo global de produção e consumo de alimentos
– Esgotamento dos pesqueiros
– Esgotamento de pastagens/avanço dos desertos
– Mudanças na dieta humana (e ineficiência na conversão animal)
– Desertificação e urbanização (retracção área cult.)
– Expansão da área cultivada (crise biodiversidade)
– Limites ao melhoramento genético de plantas
– Limites na resposta a fertilizantes e pesticidas
– Ineficiência no uso da água de rega, limites à expansão da área irrigada, deplecção de aquíferos
– Impacte das alterações climáticas na produtividade das culturas agrícolas
– Dependência de energia fóssil
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Existe pois uma estreita associação entre os riscos
crescentes que ameaçam a sustentabilidade global das
economias humanas nas áreas:
• alimentar,
• energética e
• ecológica (mudança climática, biodiversidade e
resiliência dos ecossistemas).
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4– As mudanças que se impõem
– Travar a desertificação (particularmente difícil com as alterações climáticas)
– Mudar a dieta humana: descer na cadeia alimentar
– Aumentar a eficiência da conversão animal
– Controlar a urbanização dos solos
– Aumentar a eficiência no uso da água para poder expandir (ou manter...) a área irrigada de forma sustentável
– Reduzir a dependência dos agro-ecossistemas face à energia fóssil (particularmente difícil de compatibilizar com os elevados rendimentos necessários)
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5– Como realizar e gerir as mudanças? (Governance)
– Exemplo: “Mudar a dieta humana, descendo na cadeia alimentar”. Como?
• Não intervindo: deixando agravar a escassez de
alimentos, o preço de mercado dos cereais há-de subir tanto que o preço da carne se há-de tornar proibitivo, mesmo para os ricos.
O mercado gerirá a escassez – afinal é para isso que serve!
Mas entretanto quantos “vegetarianos” pobres terão morrido de fome?
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• Apelando à consciência ética e ao bom senso:
Afinal comer muita carne até faz mal à saúde...
(os índices de saúde mostram que uma dieta
intermédia, tipo “mediterrânea” é superior à
dieta “carnívora”)
Como fazer com que as pessoas se preocupem
suficientemente com os subnutridos de amanhã
quando não o fazem relativamente aos de hoje
(mais de 800 M de pessoas)?
Quanto tempo é que este apelo demorará a
produzir mudanças significativas nos
comportamentos humanos?
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• Domesticando os mecanismos de mercado para possibilitar uma transição gradual para a sustentabilidade:
Uma taxa suficientemente elevada sobre o cereal destinado à alimentação animal poderia obter o resultado pretendido:
- libertação de cereal, mais barato, para os “vegetarianos” pobres;
- redução da pressão sobre os recursos naturais.
(Uma taxa sobre os recursos hídricos poderia promover a desejada eficiência na sua utilização.)
Mas qual a aceitabilidade destas medidas?
E como se reduzem os impactes nos mais pobres do aumento dos preços (carne e água)?