algumas considerações sobre o ambiente urbano e seus desdobramentos para a saude a partir de...

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 REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 4/DEZEMBRO 2012 ISSN 1984-4735 105 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O AMBIENTE URBANO E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A SAÚDE A PARTIR DE ENGELS Diego de Oliveira Souza 1  RESUMO Neste texto buscamos compreender as raízes da questão do ambiente urbano e de sua relação com o processo saúde-doença. Para tanto, realizamos uma leitura da obra A situação da classe trabalhadora na Inglaterra , de Friedrich Engels, na qual o autor, dentre outras coisas, descreve o processo caótico de urbanização das cidades inglesas no século XIX e o devastador efeito de tal caos para a saúde, em especial, do proletariado. Assim, a partir desta obra e do conjunto dos pressupostos teóricos marxistas, demonstramos que a questão urbana e a problemática da saúde estão unidas face ao capital, comungando, em última instância, das mesmas raízes. Palavras-chave: Engels; Capitalismo; Questão urbana; Saúde. SOME CONSIDERATIONS ABOUT THE URBAN ENVIRONMENT AND ITS IMPLICATIONS IN THE FIELD OF HEALTH ACCORDING TO ENGELS ABSTRACT In this paper we try to understand the origins of the issue of the urban environment and its relation to the health-disease process. Thus, we performed a reading of the work The condition of the working class in England , Friedrich Engels, in which the author, among other things, describes the chaotic process of urbanization in English cities in the nineteenth century and the devastating effect of such chaos for health of proletariat. So, from the Marxist theoretical fundamentals, we reveal that the issue of the urban environment and the health-disease process are united by capital, communing, ultimately , the same origins. Keywords: Engels; Capitalism; Urban issues; Health. 1  Professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - Campus Arapiraca. E-mail: [email protected]

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Algumas Considerações Sobre o Ambiente Urbano e Seus Desdobramentos Para a Saude a Partir de Engels

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  • REVISTA ELETRNICA ARMA DA CRTICA NMERO 4/DEZEMBRO 2012 ISSN 1984-4735

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    ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O AMBIENTE URBANO E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A SADE A PARTIR DE ENGELS

    Diego de Oliveira Souza1

    RESUMO

    Neste texto buscamos compreender as razes da questo do ambiente urbano e de sua relao com o processo sade-doena. Para tanto, realizamos uma leitura da obra A situao da classe trabalhadora na Inglaterra, de Friedrich Engels, na qual o autor, dentre outras coisas, descreve o processo catico de urbanizao das cidades inglesas no sculo XIX e o devastador efeito de tal caos para a sade, em especial, do proletariado. Assim, a partir desta obra e do conjunto dos pressupostos tericos marxistas, demonstramos que a questo urbana e a problemtica da sade esto unidas face ao capital, comungando, em ltima instncia, das mesmas razes.

    Palavras-chave: Engels; Capitalismo; Questo urbana; Sade.

    SOME CONSIDERATIONS ABOUT THE URBAN ENVIRONMENT AND ITS IMPLICATIONS IN THE FIELD OF HEALTH ACCORDING TO ENGELS

    ABSTRACT

    In this paper we try to understand the origins of the issue of the urban environment and its relation to the health-disease process. Thus, we performed a reading of the work The condition of the working class in England, Friedrich Engels, in which the author, among other things, describes the chaotic process of urbanization in English cities in the nineteenth century and the devastating effect of such chaos for health of proletariat. So, from the Marxist theoretical fundamentals, we reveal that the issue of the urban environment and the health-disease process are united by capital, communing, ultimately, the same origins.

    Keywords: Engels; Capitalism; Urban issues; Health.

    1 Professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - Campus Arapiraca. E-mail:

    [email protected]

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    Introduo

    Cerca de dois sculos aps a consolidao do modo capitalista de produo referimo-nos ao perodo ps-revoluo francesa e revoluo industrial a questo urbana ainda se pe como um grande desafio para o desenvolvimento social, mesmo nos moldes burgueses. Contraditoriamente, o rpido crescimento urbano representa o esplendor e o ocaso da sociedade capitalista. Sem dvidas, as grandes cidades, com suas construes monumentais e estruturalmente muito sofisticadas, so, ao mesmo tempo, fruto e sustentculo da expanso do capital (especialmente o industrial). Contudo, nas mesmas cidades de estruturas sofisticadas, coexistem formas degradantes de organizao espacial, onde se fazem presentes as mais variadas expresses do carter destrutivo do capital2 e onde habitam aqueles indivduos pertencentes s classes subalternas, necessrios e responsveis pela expanso capitalista, mas que ao contrrio da burguesia, apenas acumulam pobreza. Portanto, para essa grande massa de proletrios no h qualquer glamour na vida urbana, restando-lhes viver em condies deplorveis. Trata-se de um processo regido pelo capital que leva degradao social, moral, fsica e psquica do ser humano. Especialmente o esgotamento das condies de sade do proletariado, consubstanciado no turbilho catico do espao urbano, revela-nos o quo desumana a lgica de desenvolvimento capitalista. De fato, a partir do surgimento desta nova forma de sociabilidade, locada no espao urbano, engendrou-se um processo de degradao da sade humana, nunca antes visto. De algum modo, essa problemtica desperta a preocupao de todos os lados (de todas as classes sociais). O caos da vida urbana ameaa a prpria burguesia e, por vezes, torna-se obstculo expanso do capital. A extenuao/degradao do proletariado passa a no interessar ao sistema capitalista medida que ameaa a produtividade. Diante disto, a cincia moderna (burguesa) vem empreendendo esforos para entender e intervir sobre a questo do ambiente urbano. Todavia, estes esforos no so no sentido de chegar raiz do

    2Os ttulos de livros, captulos, dissertaes, teses ou artigos, bem como as expresses tomadas de outros autores, sero apresentados em itlico.

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    problema; se assim o fosse, afirmar-se-ia a necessidade de superao da ordem capitalista. A burguesia deve negar esta possibilidade at a ltima instncia, pois se assim no fizer, estar renunciando a sua prpria existncia. O que predomina no tratamento dessa questo, hoje, o deslocamento de suas contradies o mais para a frente possvel, amenizando e mascarando o caos urbano, mas sem ameaar as condies de reproduo do capital e mantendo as contradies que originam a problemtica do ambiente urbano. Ademais, trata-se a problemtica de modo isolado, fragmentado-a, sem capturar o fio condutor que a une aos outros problemas de ordem social. Contra essa forma de explicar a questo do ambiente urbano, h a necessidade demandada pelo proletariado, qual seja, compreender tal problemtica em sua essncia, apreendendo sua raiz e propondo a eliminao da mesma atravs da transformao radical da sociedade. A partir desta necessidade, a perspectiva terica de tradio marxista vem tentando superar as anlises superficiais e imediatistas da cincia moderna (burguesa). Dentre os estudiosos inscritos nesta perspectiva terica, constatamos que Friedrich Engels possui contribuies valorosas sobre a questo do ambiente urbano e de seus diversos desdobramentos, como, por exemplo, para o processo sade-doena das massas proletarizadas. O autor alemo realiza anlises interessantssimas sobre as diversas mazelas enfrentadas pelo proletariado do sculo XIX, tecendo crticas radicais forma de organizao da vida social. Especialmente em A situao da classe trabalhadora na Inglaterra, Engels consegue alcanar os elementos essenciais (e genricos) da problemtica urbana, o que confere a tal obra o status de ser atualssima, principalmente considerando a persistncia da questo na contemporaneidade. Desse modo, a partir da leitura de A situao na classe trabalhadora na Inglaterra, buscamos compreender as razes da problemtica do ambiente urbano e de sua especial relao com o processo sade-doena.

    A questo do ambiente urbano em A situao da classe trabalhadora da Inglaterra

    As observaes do jovem Engels durante sua estada na Inglaterra deram origem a uma das obras de maior destaque no interior da tradio marxista: A

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    situao da classe trabalhadora na Inglaterra. Trata-se de uma das anlises mais completas sobre a catica sociedade capitalista, alm de ter um carter de denncia sobre a degradante vida do proletariado ingls no sculo XIX, servindo-nos como parmetro para analisar a situao presente em outros pases poca e, de algum modo, atualmente. Nessa obra, Engels traz contribuies para diversas reas do conhecimento, tecendo consideraes a respeito de questes de interesse de Sociologia, Filosofia, Arquitetura, Sade Coletiva, Economia, dentre outras reas. Ao que nos interessa, apresentaremos algumas passagens dos captulos O proletariado industrial e As grandes cidades, nos quais o autor descreve as condies em que se deu a urbanizao das cidades inglesas, a partir do surgimento do proletariado industrial. Sendo assim, no sculo XIX, a Inglaterra viveu um acelerado impulso de acumulao de capital industrial. Do processo de incremento do capital fabril decorreu, tambm, o surgimento das grandes cidades. Observemos como isto ocorre: uma indstria demanda uma grande quantidade de operrios que trabalhem juntos, logo, ao redor de uma indstria surge uma vila de operrios. Aqueles trabalhadores possuem algumas necessidades que requerem novos servios, gerando a oportunidade de emprego para alfaiates, padeiros, pedreiros etc. Disto decorre um crescimento populacional e a evoluo da vila para pequena cidade. Finalmente, quando h a chegada de novas indstrias naquela pequena cidade para absorver a fora de trabalho excedente, h um crescimento ainda maior da populao, a estrutura da cidade se torna mais complexa e temos, ento, o nascimento de uma grande cidade (Engels, 2008). Engels constata o carter centralizador da indstria e o rpido crescimento das cidades. Tais constataes nos parecem bem precisas, ao ponto de permitirem ao filsofo fazer previses, de algum modo acertadas, sobre o futuro destas cidades:

    Se fosse possvel que esse frenesi da indstria perdurasse por um sculo, cada distrito industrial da Inglaterra tornar-se-ia uma nica grande cidade industrial e Manchester e Liverpool encontrar-se-iam em Warrington ou em Newton porque tambm sobre o comrcio essa centralizao da populao exerce os mesmos efeitos e, por isso, alguns poucos grandes portos (Liverpool, Bristol, Hull e Londres) monopolizam quase inteiramente o comrcio martimo do Imprio Britnico (ENGELS, 2008, p. 65).

    A partir da, a Inglaterra das enormes propriedades feudais e dos pequenos

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    burgos j no existia mais. A classe social mais estvel (a pequena burguesia) agora era a mais instvel, estando a diminuir drasticamente. O que restava eram alguns homens muito ricos (que centralizam as propriedades urbanas) e uma grande massa de pobres, dos quais se constitui a maioria das cidades. Podemos constatar que o novo regime de produo no s pe em oposio capitalistas e operrios como tambm a cidade e o campo, no que diz respeito ao desenvolvimento econmico. Portanto, por um lado, foi nas grandes cidades inglesas que a indstria floresceu e que os capitalistas industriais acumularam seus capitais iniciais. Todavia, por outro lado, a grande cidade teve efeitos malficos para a classe proletria, e sobre isto que Engels d nfase. O autor destaca o alto grau de desenvolvimento da cidade de Londres, de sua importncia e singularidade ao mundo do sculo XIX. Porm, ao mesmo tempo, Engels revela a degradao dos milhares de homens que, pela fora de seus braos e pernas, foram responsveis pelo progresso da cidade. S ento comeamos a notar que mil foras neles [nos londrinos] latentes permaneceram inativas e foram asfixiadas para que s algumas pudessem desenvolver-se mais e multiplicar-se mediante a unio com as de outros (ENGELS, 2008, p. 67). Havia ainda um repdio entre os milhares de homens que transitavam nas ruas das grandes cidades todos os dias, mas se cruzavam como se nada tivessem em comum. No dizer de Engels (2008, p. 68), ningum pensa em conceder ao outro sequer um olhar. Para o autor, essa indiferena, esse isolamento e egosmo mesquinho so constituintes da sociedade moderna, porm em lugar nenhum ele se manifesta de modo to impudente e claro como na confuso da grande cidade (ENGELS, 2008, p. 68). Trata-se de uma guerra social, a guerra de todos contra todos [] indiferena brbara e grosseiro egosmo de um lado e, de outro, misria indescritvel (ENGELS, 2008, p. 68). No era de se esperar outra coisa, seno que o nus de todo esse caos social das grandes cidades incide-se brutalmente sobre o pobre. Engels assim descreve o peso que recai sobre este:

    Ningum se preocupa com ele: lanado nesse turbilho catico, ele deve sobreviver como puder. Se tem a sorte de encontrar trabalho, isto , se a burguesia lhe faz o favor de enriquecer sua custa, espera-o um salrio apenas suficiente para o manter vivo; se no encontrar trabalho e no temer a polcia, pode roubar, pode ainda morrer de fome, caso em que a polcia tomar cuidado para que a morte seja silenciosa para no chocar a

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    burguesia (ENGELS, 2008, p. 69).

    Postas as coisas assim, percebemos que o suposto progresso da grande cidade no chegou para a maioria da sua populao, pelo contrrio, essa massa de miserveis tornou-se uma chaga a qual a burguesia se esforou em esconder. Tal fato explicito quando Engels analisa a questo da fome enfrentada pelos miserveis, como vemos a seguir:

    Durante o perodo em que permaneci na Inglaterra, a causa direta da morte de vinte ou trinta pessoas foi a fome, em circunstncias as mais revoltantes; mas, quando dos inquritos, raramente se encontrou um jri que tivesse a coragem de atest-lo em pblico. []. Nesses casos, a burguesia no deve dizer a verdade: pronunci-la equivaleria a condenar a si mesma. Muito mais numerosas foram as mortes causadas indiretamente pela fome, porque a sistemtica falta de alimentao provoca doenas mortais: as vtimas viam-se to enfraquecidas que enfermidades que, em outras circunstncias, poderiam evoluir favoravelmente, nesses casos determinaram a gravidade que levou morte (ENGELS, 2008, p. 69, grifo da obra).

    Na sequncia, o autor inicia uma anlise mais detalhada das condies de vida dos operrios industriais e a partir deste momento, no que concerne ao nosso objeto de estudo, que o autor nos fornece elementos preciosos. Ele descreve aspectos expressivos da vida insalubre que levavam estes homens, tomando por anlise as condies de suas habitaes. Em geral, as moradias operrias em Londres eram pequenas casas de tijolos (designadas de Cottages) nos piores bairros da cidade (conhecidos como bairros de m fama), em reas de ventilao precria, dispostas de maneira irregular, com ruas sem caladas, sujas, repletas de detritos vegetais e animais (ENGELS, 2008). O exemplo do bairro de St. Giles representa bem o que eram os bairros operrios.

    St. Giles [] uma massa desordenada de casas de trs ou quatro andares, com ruas estreitas, tortuosas e sujas [] cestos de legumes e frutas, todos naturalmente de pssima qualidade e dificilmente comestveis, complicam o trnsito dos pedestres e enchem o ar de mau cheiro, o mesmo que emana dos aougues. As casas so habitadas dos pores aos desvos, sujas por dentro e por fora e tm um aspecto tal que ningum desejaria morar nelas. Mas isso no nada, se comparado s moradias dos becos e vielas transversais, aonde se chega atravs de passagens cobertas e onde a sujeira e o barulho superam a imaginao. []. Por todas as partes, h montes de detritos e cinzas e as guas servidas, diante das portas, formam charcos nauseabundos (ENGELS, 2008, p.71).

    Sem dvidas no eram habitaes condizentes com a vida humana, se que

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    podem ser chamadas de habitaes. Eram ambientes malses, de intensa misria e sujeira, onde viviam mulheres, homens, crianas e idosos amontoados, muitas vezes, em um ou dois cmodos. E esses infelizes ainda pagavam aluguis absurdos por estas, chegando a custar 4,5 shillings semanais por um cmodo. Para aqueles que sequer podiam pagar, a opo de moradia eram as praas, pores, esquinas, arcadas ou, quando tinham sorte, um asilo ou albergue, sempre superlotados (ENGELS, 2008). A situao da maior zona operria de Londres (Whitechapel e Bethnal Green) no era diferente da St. Giles. Engels, ao analisar esta regio, recorre, principalmente, aos casos daqueles miserveis que, por motivo fortuito, tiveram suas casas visitadas por autoridades e que, por isso, estamparam algumas das pginas dos jornais londrinos. Nestes jornais, so descritas a situao de algumas famlias e as suas respectivas habitaes precrias, quando observamos que a maioria das famlias no possua mveis nos seus pequenos cmodos, tampouco vestimentas (alm daquelas do prprio corpo) ou utenslios de qualquer natureza, suas camas eram o cho e seus cobertores eram trapos, quando os tinham (ENGELS, 2008). De fato, havia alguns poucos operrios que viviam em melhores condies (mas nem tanto) do que as descritas acima. Engels (2008, p. 74-75) reconhece isto, entretanto afirma que milhares de famlias honestas e laboriosas muito mais honestas e estimveis que todos os ricos de Londres encontram-se em condies indignas de seres humanos e que todo proletrio, sem qualquer exceo, sem que a culpa seja sua e apesar de todos os seus esforos, pode ter o mesmo destino. Portanto, Londres j era a expresso da natureza contraditria do regime capitalista e em suas ruas j podia-se ver luxo e misria lado a lado. Engels extrai uma passagem do famoso jornal ingls The Times, explicitando tal contradio:

    uma situao verdadeiramente monstruosa. O mximo prazer proporcionado pela sade fsica, a atividade intelectual, as mais inocentes alegrias lado a lado com a misria mais cruel! []. Na rea mais luxuosa da cidade mais rica do mundo, noite a noite, inverno a inverno, vivem mulheres, jovens em idade e envelhecidas pelos pecados e pelo sofrimento, expulsas da sociedade, atoladas de fome, na doena e na sujeira (The Times, 1843 apud ENGELS, 2008, p. 76).

    Em todo Imprio Britnico, podia-se observar a pauperizao do proletariado. O que se via em Londres no era to diferente em Dublin (Irlanda) ou Edimburgo (Esccia), e em todas as grandes cidades britnicas se espalhavam misria, fome e

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    degenerao fsica e moral. As pssimas condies sanitrias daqueles bairros operrios eram constantemente analisadas nos peridicos ingleses. Vejamos um trecho da citao que Engels faz do The Artizan sobre um bairro de Edimburgo:

    Nessa parte da cidade no h esgotos, banheiros pblicos ou latrinas nas casas; por isso, imundcies, detritos e excrementos de pelo menos 50 mil pessoas so jogados todas as noites nas valetas, de sorte que, apesar do trabalho de limpeza das ruas, formam-se massas de esterco seco das quais emanam miasmas que, alm de horrveis vista e ao olfato, representam um enorme perigo para a sade dos moradores. de espantar que no se encontre aqui nenhum cuidado com a sade, com os bons costumes e at com as regras elementares da decncia? Pelo contrrio, todos os que conhecem bem a situao dos habitantes podem testemunhar o ponto atingido pelas doenas, pela misria e pela degradao moral (The Artizan, 1843 apud ENGELS, 2008, p. 79).

    O filsofo alemo descreve, ainda, as condies das cidades porturias de Liverpool e Bristol, e das industriais Nottingham e Birmingham, todas apresentando quadros precrios. J Glasgow, muitas vezes, foi considerada em situao ainda mais deplorvel, sendo a sua classe operria, para muitos, ainda mais miservel do que as de St. Gile, Whitechapel, Dublin ou Edimburgo. Na grande zona industrial do centro da ilha britnica (West Yorkshire e South Lancashire), merece destaque a situao de Leeds no vale do Aire. Leeds atravessada pelo rio Aire, e este, quando inunda, torna a situao da classe proletria ainda mais catica.

    Em consequncia das cheias do Aires, as casas e os pores so inundados com frequncia, a ponto de serem necessrias bombas para lanar a gua nas ruas; mas ela volta a encher os pores, mesmo aqueles em que h rede de esgoto, resultando em miasmas fortemente impregnados de hidrognio sulforoso, que deixa nos canos um sedimento nauseabundo e extremamente prejudicial sade. Durante as inundaes da primavera de 1839, os efeitos dessa obstruo dos esgotos foram to deletrios que, de acordo com o relatrio oficial do registro civil, naquele trimestre registraram-se nessa rea trs mortes para cada dois nascimentos, ao passo que, no mesmo perodo e em outros bairros, a proporo foi exatamente a inversa (The Artizan, 1843 apud ENGELS, 2008, p. 82-83).

    Percebemos que, de fato, os impactos do pauperismo (exponenciado pelas cheias do Aire) na sade dos trabalhadores de Leeds eram devastadores3. As taxas de mortalidade registradas pelo The Artizan eram assustadoramente altas,

    3 Engels descreve situao similar na cidade de Bradford.

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    superando as de bairros vizinhos, que j eram preocupantes. Desse modo, ao passo que vemos o agravamento, cada vez maior, das contradies capitalistas, do abismo entre burguesia e proletariado industrial e da degradao moral destes ltimos, notamos que ocorria a rpida e intensa depleo da sade destes trabalhadores, que habitavam o inabitvel. As condies sanitrias que apresentamos at aqui j nos seriam suficientes para percebermos a calamidade da sade pblica das grandes cidades inglesas. Contudo, Engels no para por aqui, na sequncia ele prossegue com a sua anlise mais detalhada, que sobre a cidade de Manchester, no Lancashire. Engels tece algumas consideraes sobre as cidades que rodeiam Manchester Bolton, Stockport, Ashton-under-Lyne4 etc. mas no apresentando grandes novidades ao que j foi discutido, por isso passemos anlise do grande centro de Lancashire. A cidade de Manchester no sculo XIX poderia ser considerada o centro industrial do Imprio: o termmetro comercial e o lugar onde a utilizao das mquinas e a diviso do trabalho chegaram a seu extremo, graas, especialmente, indstria algodoeira. Logo, ao mesmo tempo, o proletariado industrial revelou suas mais clssicas caractersticas (ENGELS, 2008, p. 85). Portanto, h a elementos relevantes ao contexto que nos propomos analisar, apesar de que no reproduziremos, aqui, os minuciosos detalhes descritos pelo autor. Devemos salientar a peculiar arquitetura de Manchester para a poca, construda de tal modo que no centro no se via misria nem operrios, j que todos estes moravam num anel que rodeava a rea comercial da cidade. J a burguesia residia em regies mais afastadas, para alm deste anel operrio. Desse modo, as ruas do comrcio eram preservadas e limpas, livrando os senhores e madames que ali circulavam de qualquer escria e imundcie. As ruas que partem do centro, em especial da Bolsa, eram agradveis, mas, medida que iam se afastando, tornavam-se sujas e malcheirosas, sendo as lojas mais distantes dotadas de uma aparncia que no permite nenhuma dvida sobre seus fregueses: operrios e s operrios (ENGELS, 2008, p. 90). Na regio do rio Irk, na parte velha da cidade, entrando pela Long Millgate,

    4 Devemos destacar que em Ashton a situao menos catica do que nas outras regies

    descritas.

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    poder-se-ia encontrar os primeiros operrios. Tratava-se de um bairro de existncia pr-industrial, mas que poca j era habitado totalmente por operrios, notadamente imigrante irlandeses. Assim, eram casas velhas com fachadas em pssimo estado e empilhadas umas sobre as outras. Nas palavras do prprio autor:

    esquerda e direita, uma mirade de passagens cobertas leva da rua principal aos numerosos ptios e, quando neles entramos, uma sujeira repugnante, incomparvel a tudo que conheci, nos rodeia especialmente nos ptios que descem para o Irk, onde, na realidade, esto as habitaes mais horrveis que vi at hoje. Num desses ptios [] h um banheiro sem porta e to sujo que os moradores, para entrarem ou sarem do ptio, tm de atravessar um charco de urina e excrementos (ENGELS, 2008, p. 92).

    Por se tratar de uma regio nas redondezas de um rio e por ser habitada por indivduos vivendo em condies subumanas, era de se esperar as enormes implicaes ambientais produzidas ali. Aquele quadro de misria e pauperismo gestou sucessivas agresses ao Irk, dando origem a uma situao deplorvel:

    Embaixo corre, ou melhor, estagna o Irk, estreito curso d'gua, negro, nauseabundo, cheio de imundcie e detritos que lana sobre a margem direita, mais baixa; a, no perodo da seca, alinha-se uma srie de charcos lamacentos, esverdeados e ftidos, do fundo dos quais sobem bolhas de gs meftico []; ademais, o prprio rio tem seu curso detido a cada passo por barragens, junto s quais se depositam e apodrecem lama e detritos. Acima da ponte, veem-se grandes curtumes e, mais acima ainda, tinturarias, moinhos para pulverizar ossos e usinas de gs cujas guas servidas e dejetos vo todos para o Irk (que tambm recebe esgotos) fcil imaginar, pois, a natureza dos resduos que se acumulam no seu leito (ENGELS, 2008, p. 92-93).

    Como sabemos, a degradao ambiental rebate-se sobre a sade dos indivduos de forma severa; e era este o caso dos trabalhadores da parte velha de Manchester em relao ao Irk. Tratava-se de um crculo no qual a degradao gerava mais degradao (de todos e em todos os nveis), tendo como eixo o pauperismo gestado na explorao do capital sobre o trabalho. No lado oposto da Long Millgate encontrava-se um bairro mais novo e menos catico, mas que tambm no foi poupado do turbilho causado pela industrializao. Engels (2008, p. 95) afirma que

    verdade que esse bairro apresenta algumas vantagens em relao zona do Irk: as casas so mais novas e algumas ruas dispem de rede de esgoto; em compensao, quase todas as casas tm moradias nos pores (o que, na rea do Irk, raro, at porque as construes ali so muito mais velhas e grosseiras). De resto a imundcie, os montes de entulho e de cinzas e os charcos nas ruas

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    so comuns aos dois bairros.

    Uma importante diferena deste bairro em relao regio do Irk consiste num fator que, especialmente do ponto de vista sanitrio, contribui para o aviltamento dos operrios: consistia nas inmeras pocilgas no interior dos ptios (ENGELS, 2008). Assim, como se no bastasse as inmeras doenas que os operrios estavam sob risco, devido s habitaes inadequadas, falta de saneamento bsico e ao dficit de higiene em geral, ainda estavam fadados a conviver na mais alta imundcie da criao de porcos, piorando, e muito, as j precrias condies de higiene, alm de trazer risco de novas doenas, como as zoonoses transmitidas por tais animais. Em suma, este era o quadro da parte velha de Manchester, para o qual a burguesia fechava os olhos e justificava o seu caos, justamente, pela sua velha estrutura. Contudo, os problemas ali instalados datavam do inicio do processo industrial e, como veremos a seguir, no eram, de todo, diferentes dos da parte nova da cidade. De incio, uma breve comparao entre as duas regies da cidade:

    J vimos que, na cidade velha, frequentemente o arbtrio presidia ao agrupamento das edificaes. Cada casa foi construda sem que se tivessem em conta as outras e os poucos palmos de terra irregular entre elas so chamados, falta de melhor designao, ptios. Nas zonas um pouco mais recentes desse mesmo bairro, e em outros bairros que datam dos primeiros tempos do desenvolvimento industrial, verifica-se um esboo de plano. O espao entre duas ruas dividido em ptios mais regulares, a maioria deles quadrangulares (ENGELS, 2008, p. 97).

    Como constatamos, havia um sistema diferente de edificao em relao ao da zona mais antiga da cidade, e este fator dirimia certos problemas nesses bairros mais novos. Porm, em termos de ventilao, os ptios desses bairros eram ainda piores do que a regio do Irk. Existiam dois sistemas de edificaes, um que proporcionava uma melhor ventilao para algumas casas (que ficavam para os trabalhadores com melhores salrios), mas outra grande parte de casas continuava sem circulao de ar. E importante frisarmos que em qualquer que fosse o sistema de edificaes havia sempre reas de extrema imundcie (ENGELS, 2008). Em Great Ancoats Street existiam casas, primeira vista, em melhores condies. Todavia, eram construdas com avareza extrema de material e, em geral,

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    sua durabilidade era de cerca de 40 anos, bem menor do que em outros bairros. Ademais, o pauperismo e a misria no eram to assustadores como em outras localidades aqui j citadas, mas havia, neste bairro, um aspecto igualmente preocupante. Tratava-se da nica parte de Manchester em que a burguesia no habitava, isto devido ao vento dominante, que, por dez ou onze meses do ano, vem do oeste ou do sudoeste, esparze sobre ela a fumaa de todas as fbricas, tornando o ar respirado extremamente contaminado pelos resduos gasosos eliminados pelas indstrias (ENGELS, 2008, p. 101). Na regio do rio Medlock, os bairros possuem situao similar ao do Irk:

    [...] as casas so velhas, sujas e do tipo mais exguo; as ruas, irregulares e nem todas pavimentadas, no so niveladas nem h rede de esgoto; imundcie e lama, em meio a poas neuseabundas, esto por toda parte, da a atmosfera j enegrecida pela fumaa de uma dzia de chamins de fbricas, ser empestada (ENGELS, 2008, p. 102).

    No bairro conhecido como Pequena Irlanda, para cada 120 pessoas existia apenas uma instalao sanitria e, nesta situao, no eram raros os casos de clera. Essas eram as condies dos bairros em Manchester e, no dizer de Engels (2008, p.195),

    Resumindo o resultado de nosso percurso atravs deles, diremos que 350 mil operrios de Manchester e arredores vivem quase todos em habitaes miserveis, midas e sujas; que a maioria das ruas pelas quais tm de passar se encontra num estado deplorvel; extremamente sujas, essas vias foram abertas sem qualquer cuidado com a ventilao, sendo a nica preocupao o mximo lucro para o construtor.

    Por fim, Engels ainda destaca outro aspecto relacionado sade do proletariado urbano na Inglaterra, alertando-nos para a negligncia das autoridades sanitrias da poca. Ele afirma que, no ambiente das grandes cidades inglesas, as epidemias dos mais diversos tipos eram recorrentes, em especial, a clera era devastadora. Porm, tais epidemias s mobilizavam as autoridades sanitrias quando se alastravam por toda cidade, ameaando a burguesia. Ao se deparar com este perigo, eram feitas inspees nos bairros operrios, mas na impossibilidade de livrar a todos da imundcie, priorizavam-se os mais sujos, sem mexer em nada na estrutura social responsvel por estas condies deplorveis poucos meses depois, a populao estava jogada, novamente, na velha sujeira (ENGELS, 2008).

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    Corroborando com a anlise de Engels, podemos citar Karl Marx, no captulo XXIII (A Lei Geral de Acumulao Capitalista) de O Capital, no qual ele traz consideraes sobre o proletariado na Inglaterra. O autor mostra que, em meados da dcada 1860, cerca de duas dcadas aps a descrio feita por Engels, a situao da classe trabalhadora era a mesma, seno pior. Quanto s condies de moradia, Marx apresenta relatos das autoridades sanitrias, revelando como estas eram caticas:

    Dois pontos, diz o Dr. Hunter, esto claros: primeiro, que h cerca de 20 grandes colnias em Londres, cada uma com cerca de 10 mil pessoas, cuja msera condio excede tudo que j tenha sido visto em algum outro lugar da Inglaterra e quase inteiramente resultante de suas ms condies de moradia; em segundo lugar, as condies de superlotao e decadncia das casas dessas colnias so muito piores que h 20 anos. No demais dizer que a vida em certas partes de Londres e Newcastle infernal. (Public Health. Eighth Report., 1866, p. 62 apud MARX, 1988, p. 211).

    A situao de caos era tamanha, que as autoridades inglesas classificavam a vida em algumas partes de Londres e Newcastle como sendo infernal. Mas convm esclarecer que o inferno era reservado ao proletariado. Um outro relato trazido por Marx pode resumir bem a situao:

    Que so inmeros os casos em que a deficincia alimentar causa ou agrava doenas h de confirm-lo qualquer um que esteja familiarizado com a prtica mdica com indigentes ou com pacientes dos hospitais, sejam eles internados ou morem fora. [...]. No entanto, do ponto de vista sanitrio, se acrescenta outra circunstncia decisiva. [...]. preciso lembrar que a privao de alimentos suportada com muita relutncia e que, em regra, dietas muito deficientes s ocorrem quando outras privaes as precederam. Muito antes de a insuficincia alimentar ter passado a gravitar no plano da higiene, muito antes de o fisilogo pensar em contar os gros de nitrognio e carbono, entre os quais oscila a vida e a morte por inanio, a economia domstica j ter sido despojada de todo conforto material. O vesturio e o aquecimento ter-se-o tornado ainda mais escassos do que a comida. Nenhuma proteo suficiente contra o rigor do inverno; reduo do espao de moradia a um grau que gera enfermidades ou as agrava; ausncia quase total de utenslios domsticos ou de mveis; a prpria limpeza ter-se- tornado custosa ou difcil. Se, por dignidade pessoal, ainda se tenta mant-la, cada uma dessas tentativas representa suplcios adicionais de fome. O lar h de ser onde o teto for mais barato; em reas onde a polcia sanitria d menos fruto, mais lamentvel o sistema de esgoto, menor o trfego, mxima a imundcie pblica, mais miservel ou pior o suprimento de gua e, em cidades, maior a falta de luz e ar. Tais so os perigos sanitrios a que a pobreza inevitavelmente est sujeita, quando essa pobreza inclui carncia alimentar. Se a soma desses males constitui perigo de terrvel magnitude para a vida, a mera carncia alimentar j em si mesma horrvel (Public Health. Eighth Report., 1864. p. 14-15 apud MARX, 1988, p. 210).

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    Nesse contexto, inmeras doenas se instalavam entre os trabalhadores, epidemias dizimavam famlias por inteiro. A falta de condies de higiene e a falta de condies mnimas para se viver configuravam o cenrio perfeito para o desenvolvimento de uma diversidade de doenas infecciosas:

    No se pode duvidar de que a causa da persistncia e propagao do tifo a excessiva aglomerao de seres humanos e a falta de higiene em suas moradias. As casas em que os trabalhadores freqentemente vivem situam-se em becos cercados e ptios. Quanto luz, ar, espao e limpeza, so verdadeiros modelos de insuficincia e insalubridade, uma desgraa para qualquer nao civilizada. Ali, noite, homens, mulheres e crianas deitam-se misturadamente. No que tange aos homens, o turno da noite segue ao turno do dia em fluxo ininterrupto, de modo que as camas quase no tm tempo de esfriar. As casas so mal supridas de gua e, pior ainda, de privadas; so sujas, mal ventiladas e pestilentas (Public Health. Eighth Report., 1866, p. 149 apud Marx, 1988, p. 213).

    Assim, o capitalismo que prometera liberdade aos antigos trabalhadores feudais, trouxe, na verdade, o aprisionamento do proletariado moderno, conformando um caos nunca antes visto. As famlias proletrias passam a ser escravas de uma condio extremamente contraditria: para sobreviverem, entregam sua sade burguesia; para no morrerem, se matam. Diante de tudo que foi exposto, constatamos o turbilho catico presente nos principais centros urbanos ingleses. Por trs do glamour das ruas britnicas, Engels denuncia a sarjeta na qual vive a classe operria. Por trs do esplendor da riqueza capitalista, vemos que existe a depleo de uma enorme massa de seres humanos. O trabalhador ingls do sculo XIX vivia em ambiente totalmente insalubre, em condies subumanas. E, enfim, o esgotamento da sade do operrio representa como a perversa lgica do capital adentra em seu corpo, lanando-o em situao deplorvel.

    A interface ambiente urbano e sade: uma aproximao com a determinao essencial da problemtica da sade

    Diversos tericos das cincias sociais (e tambm das cincias da sade) vm se detendo a estudar a relao ambiente urbano e sade. Em geral, todos so enfticos em afirmar a enorme influncia que os problemas gerados na desorganizao espacial urbana tm sobre a sade. Vejamos o que diz Valentim

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    (2010, p. 76): Nos imensos movimentos do mundo, cada localizao tem um papel prprio no promover ou no negar da sade. A sade tem uma relao direta com o lugar e dele adquire parcela das condies de sua realizao. Mais do que isto, as condies de realizao da sade se transmudam ao transmudar de lugares: novas localizaes so novas possibilidades de sade ou de doena. Tomando por princpio o raciocnio espacial expresso por Santos (1985), pode-se considerar que, alm de levar em contas as causalidades das doenas em termos geogrficos, que implicam relaes entre elementos do espao, importa o contexto onde a sade se realiza ou se torna fugidia, que corresponde ao movimento do todo, s agitaes da forma de contedo. Uma maior ou menor poro do social no espao resulta maior ou menor possibilidade de sade.

    Ianni e Quitrio (2006) destacam algumas particularidades desta relao, ao afirmarem que

    [...] a questo ambiental [urbana] marcada pela j conhecida relao entre a sade e a proviso de gua em quantidade e qualidade apropriadas e seu respectivo destino ps-utilizao [...]. Esta questo moveu, e ainda hoje move, o setor na direo das chamadas prticas sanitrias que, sistematizadas, conformaram a tradicional rea de Saneamento do Meio. Tambm tradicional so as atividades de vigilncia e combate aos vetores em seus principais criadouros e nichos ecolgicos, pontos vulnerveis de precria urbanizao. []. O mesmo no ocorreu em relao poluio do ar (contaminao e rudo) ou do solo (por produtos perigosos) ou, ainda, no tocante a outros impactos ambientais com consequncias diretas na sade das populaes (IANNI; QUITRIO, 2006, p. 169-170).

    Valentim (2010, p. 82) ainda faz um comentrio pertinente sobre o caos urbano: Neste cenrio, milhes de pessoas vivem na alternncia das oportunidades e das incertezas; nele, se permite certa ousadia para que as pessoas fixem seus prprios horizontes, mas nele tambm que as potencialidades humanas so de muitas formas brutalizadas e a natureza destruda. Portanto, h diversos estudos que j demonstraram a estreita e degradante relao entre a sade humana e a desordem espacial urbana. Os diversos problemas relacionados falta de saneamento, habitaes inseguras e insalubres, falta de estrutura e servios em geral esto diretamente relacionados s diversas doenas, desde as infecto-parasitrias s crnico-degenerativas. Porm, precisamos avanar para a anlise do fenmeno em suas determinaes essenciais, em suas razes. Especialmente nos ltimos vinte anos, h uma crescente tendncia para a realizao de estudos que abordam as relaes entre sade e fatores econmicos, sociais, ambientais, geogrficos etc., contrapondo a produo cientfica do sculo

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    XIX e incio do sculo XX, na qual a sade era tratada, apenas, em seus aspectos biolgicos. Principalmente a partir da dcada de 1970, aps a Conferncia Internacional Sobre Cuidados Primrios de Sade em Alma-Ata, Rssia, ganhou fora o enfoque social do processo sade-doena, sob especial influncia do movimento da Medicina Social. Porm, persistiu, ainda, um intenso conflito entre a concepo social e a concepo meramente biolgica, prevalecendo esta ltima. Apenas nos anos de 1990 que o enfoque social parece ganhar maior espao nos debates polticos e acadmicos (BUSS, PELLEGRINI FILHO, 2007). A partir de ento, comea a ser sistematizada a teoria dos Determinantes Sociais da Sade (DSS). Os DSS so definidos como sendo os fatores sociais, econmicos, culturais, tnicos/raciais, psicolgicos e comportamentais que influenciam a ocorrncia de problemas de sade e fatores de risco na populao (CNDSS5, 2006 apud BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 78). Em suma, so as condies sociais de vida e trabalho dos indivduos. Assim, vrios autores vm se propondo a estudar os DSS (BUSS, PELLEGRINI FILHO, WHITEHEAD, para citarmos alguns), demonstrando que problemas sociais como pobreza, misria, desemprego, questo urbana e ambiental em geral, violncia etc. so determinantes para as condies de sade dos indivduos e das coletividades humanas. De fato, at certo ponto, esses estudos trouxeram contribuies relevantes para a sade. Porm, observamos que as discusses tericas, em sua grande parte, encontram-se voltadas para a imediaticidade da questo (centrando-se em associaes epidemiolgicas), perdendo de vista o fio condutor que une todos os problemas sociais e ocultando seu processo ontogentico. Os tericos que dissertam sobre DSS afirmam existir uma determinao social, mas no deixam claro de qual social se fala, qual a estrutura social que sustenta e viabiliza o desenvolvimento das mazelas sociais. A nosso ver, no se pode discutir o que vem sendo designado como DSS, sem a discusso sobre a ordem societria vigente. A maioria destes estudos no leva em considerao que o modo de produo capitalista determina uma estrutura societria composta por duas classes fundamentais e antagnicas (burguesia e proletariado) na qual o trabalho

    5 Comisso Nacional sobre Determinantes Sociais da Sade.

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    realizado baseado na explorao de uma classe sobre a outra e, desse modo, desconsideram que, nessas condies, o trabalho torna-se o motivo da riqueza de uns e da pobreza de muitos. S com o entendimento da lgica e da dinmica da sociedade capitalista que poderemos compreender os desdobramentos desta sociedade para a problemtica da sade. Ao contrrio, a discusso torna-se rasa, imediata, superficial. A teoria sobre os DSS vem detendo-se a um conjunto de fatores como se estes fossem a-histricos, fenmenos isolados, desconsiderando-se que foram gestados ou, pelo menos, impulsionados pelo modo de produo capitalista. O que se designa de DSS, para ns, trata-se de expresses da questo social (ou, quando no, desdobramentos destas) e, por tal motivo, a nfase do estudo filosfico e cientfico em busca da sade para alm dos aspectos biolgicos deveria debruar-se sobre suas bases (razes), como a disparadora dos problemas sociais enfrentados pela classe trabalhadora, em suas diversas implicaes para a sade. Portanto, resgatamos, aqui, as razes da questo social para contrapor abordagem superficial que a determinao social da sade vem tendo. Observamos que a expresso questo social surge para denominar o fenmeno que assolava a Europa Ocidental em meio Revoluo Industrial: o pauperismo e seus desdobramentos (NETTO, 2001). Para os mais lcidos observadores da poca, independentemente de suas perspectivas tericas, tornou-se claro que se tratava de uma nova pobreza. Tratava-se de um fenmeno estritamente contraditrio, j que, pela primeira vez na histria registrada, a pobreza crescia na razo direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas (NETTO, 2001, p.42, grifo da obra). Engels (2008), em sua anlise sobre o proletariado ingls, afirma que cada vez mais gente engrossava as filas proletrias. Eram homens que migravam para as cidades ou abandonavam seus velhos ofcios e, despossudos de tudo, iam submeter-se ao trabalho industrial. Porm, nem sempre encontravam ali o que procuravam. O prprio Engels demonstra quais sejam as razes da situao social dos trabalhadores ingleses. O filsofo (numa aproximao com as categorias tericas da Economia Poltica Clssica) revela-nos que a concorrncia necessria acumulao capitalista origina uma populao suprflua s necessidades de produo. Nas

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    palavras de Engels: Se a procura por operrios cresce, seu preo sobe; se diminui, seu preo cai; e se a procura cai a ponto de um certo nmero de operrios no ser vendvel, eles ficam como que em estoque e, como no h emprego que lhes fornea meios para subsistir, morrem de fome. De fato, para usar a linguagem dos economistas, as somas gastas para mant-los vivos no seriam reproduzidas, seriam dinheiro jogado fora e ningum faz isso com seu capital (ENGELS, 2008, p. 121, grifo da obra).

    Engels acrescenta que o incremento dos meios industriais

    [...] introduzidos com vistas no aumento da produo, em longo prazo provocam uma reduo nos preo dos artigos produzidos e, consequentemente, um aumento de seu consumo de modo tal que uma grande parte dos operrios desempregados encontra afinal, depois de passar um longo perodo de sofrimento, um lugar nos novos ramos da industria () [mas], embora a industria no cesse de se desenvolver e a demanda por operrios continue aumentando, a Inglaterra, segundo a admisso de todos os partidos oficiais (tories, whigs e radicais), possui, apesar de tudo, uma populao suprflua e excedente e, no conjunto, a concorrncia entre os trabalhadores permanece maior que a concorrncia entre os patres para contratar operrios (ENGELS, 2008, p. 123, grifo da obra).

    A explicao para o fenmeno da proletarizao (e consequente pauperizao) foi, depois, aprofundada por Karl Marx, com a Lei Geral de Acumulao Capitalista, descrita no captulo XXIII de O Capital. Portanto, podemos afirmar, assim como vem afirmando Pimentel (2007), que a raiz material da questo social encontra-se nesta lei. A Lei Geral de Acumulao Capitalista, descrita por Marx, guarda estreita relao com a anlise feita por Engels, mas vai alm. Em linhas gerais, Marx afirma que mantida a composio tcnica do capital inalterada que determinada massa de meios de produo ou de capital constante6 requeira sempre a mesma massa de fora de trabalho para ser posta em movimento (MARX, 1996, p. 246) , no processo de acumulao capitalista, h uma crescente demanda por fora de trabalho, j que uma parcela da mais-valia transformada em capital adicional precisa ser sempre retransformada em capital varivel7 ou fundo adicional de trabalho (MARX, 1996, p. 246).

    Ou seja, no momento inicial da acumulao, uma condio essencial o

    6 Capital constante ou valor dos meios de produo (MARX, 1996, p. 245).

    7 Capital varivel ou valor da fora de trabalho (MARX, 1996, p. 245). o nico capaz de gerar

    valor adicional, j que da fora de trabalho que se extrai a mais-valia. O capital constante apenas transfere seu valor para o produto final.

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    crescimento do capital varivel. Como resultante do aumento da demanda por fora de trabalho, temos, neste momento inicial, uma elevao dos salrios, porm seu aumento expressa to-somente a diminuio da quantidade de trabalho no pago que o trabalhador tem de realizar e essa diminuio jamais poder se tornar uma ameaa ao prprio sistema. Quando isso ocorre, a acumulao afrouxa devido ao preo crescente do trabalho, de forma a sempre garantir lucro (PIMENTEL, 2007).

    No entanto, a situao acima descrita acontece apenas num momento inicial, isso porque o processo de acumulao ultrapassa tal fase. O capital exige uma produtividade crescente, ou seja, uma quantidade maior de meios de produo que um trabalhador individual capaz de transformar em produto no mesmo perodo de tempo. Portanto, a massa de meios de produo cresce com a produtividade do trabalho, enquanto que a fora de trabalho incorporada numa menor proporo ( importante ressaltar que a fora de trabalho continua a crescer em termos absolutos), trata-se da lei do crescente aumento da parte constante do capital em relao parte varivel (MARX, 1996).

    Diante de tais condies, a elevao dos salrios se d em funo de uma ampliao na velocidade de acumulao de capital, que, por sua vez, fruto da ampliao da quantidade de trabalho gratuito fornecida pela classe trabalhadora, ou seja, significa, de fato, apenas que o tamanho e o peso da cadeia de ouro, que o prprio trabalhador forjou para si, permitem reduzir seu aperto (MARX, 1996, p. 251). Salrios baixos fazem crescer a acumulao de capital, que cria a necessidade de que novos trabalhadores sejam contratados. Assim, a oferta de fora de trabalho torna-se inferior demanda e, portanto, os salrios se elevam. Entretanto, a ampliao do trabalho no pago a lei de tendncia capitalista. Nesse sentido, o preo do trabalho fica limitado ao ponto no qual ficam assegurados os fundamentos do sistema (acumulao e produtividade crescente).

    Devemos considerar, ainda, que a causa fundamental que provoca a queda dos salrios consiste na formao de um Exrcito Industrial de Reserva (EIR). Para Marx, assim como para Engels, a acumulao capitalista produz uma populao excedente de trabalhadores, ou seja, que ultrapassa as necessidades mdias da expanso do capital. A populao trabalhadora produz as condies que a torna suprflua ao sistema capitalista medida que permite a ampliao da riqueza social, obedecendo j citada lei do crescente aumento da parte constante do capital em

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    relao parte varivel (MARX, 1996). Nesse sentido, o EIR engloba a massa de desempregados, que so os

    trabalhadores que ora so atrados e ora so repelidos para determinadas atividades, trabalhadores agrcolas que migram para os centros urbanos, trabalhadores nos subempregos ou em relaes de trabalho precarizadas e aqueles em condies de misria. Essa populao suprflua exerce presso sobre os que esto empregados, que, por sua vez, se submetem aos ditames do capital para no perderem seus postos, j que existe um EIR disposto a se submeter aos salrios at inferiores para se verem livres do desemprego. Quanto maior o EIR, maior o impulso de acumulao e maior a produtividade, o que aumenta o EIR e o pauperismo (MARX, 1996). Portanto,

    [...] o pauperismo se constitui na camada social que perdeu a capacidade de vender sua fora de trabalho e tem que mendigar a caridade pblica. Ele se expressa na forma como o capital se apropria da fora de trabalho da classe trabalhadora, com a finalidade de assegurar a sua reproduo e a acumulao da riqueza por parte dos capitalistas e, contraditoriamente, produz a acumulao da misria da classe que produziu seu produto como capital (PIMENTEL, 2007, p. 52).

    Dos desdobramentos objetivos da pauperizao e das respostas humano-sociais contra a mesma, constitui-se a questo social. Em sntese, existem trs aspectos centrais que envolvem a questo social: sua raiz material na Lei Geral de Acumulao Capitalista; seu carter poltico reconhecido medida que o proletariado reage as condies de explorao; suas respostas sociais, mediadas por determinadas organizaes sociais ou atravs da interveno do Estado. Os dois ltimos aspectos consistem nas razes humano-sociais da questo social (PIMENTEL, 2007). No capitalismo contemporneo, a questo social conserva as suas razes, sendo que se expressa sob novas formas ou, mesmo quando se expressa sob formas antigas, o faz com maior intensidade. o que vemos com a questo ambiental, a violncia desenfreada, o desemprego crnico, a explorao da mo de obra feminina, a precarizao das relaes de trabalho etc. (PIMENTEL, 2007). Assim, diante do exposto, constatamos que a problemtica do ambiente urbano no pode ser vista isoladamente. De fato, ela compe a questo social, considerando que esta ltima una e exclusiva da sociedade capitalista. Em outras

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    palavras, o problema do espao urbano consiste numa expresso da questo social, sendo a Lei Geral de Acumulao Capitalista o fio condutor que a une aos outros problemas sociais. Cabe ressaltar que todas essas mazelas sociais rebatem-se sobre a sade, como vem sendo demonstrado nos estudos sobre os DSS. Todavia, preciso dizer que no so problemas desconexos entre si, nem fragmentos da realidade que ganham autonomia. Pelo contrrio, so manifestaes de uma mesma questo, com sua base objetiva no processo de trabalho tal qual ele desenvolvido no capitalismo. Portanto, o que vem sendo denominado de DSS tem como pano de fundo as razes materiais e humano-sociais da questo social8. Desse modo, afirmamos: a determinao essencial da problemtica da sade encontra-se no processo de acumulao capitalista. Cada problema social deve ser situado nesta plataforma, considerando a relao dialtica entre singular-particular-universal. Considerando o supracitado, no podemos pensar a questo urbana e a sade apenas como dois problemas que se relacionam. Se assim pensarmos, poderemos at admitir que eles possuem similitudes e mtuos rebatimentos, mas no necessariamente que possuem um fio condutor, isto , que comungam da mesma raiz. E a anlise feita por Engels nos permite perceber tal interface em seus elementos mais essenciais/universais, conduzindo-nos ao desvelamento da determinao essencial da problemtica da sade. Assim, a interface questo urbana e sade vai alm de uma simples relao. Ao contrrio, por serem produtos da sociedade capitalista, possuem, em ltima instncia, a mesma raiz.

    guisa de concluso

    Findada a nossa anlise da obra A situao da classe trabalhadora na Inglaterra, queremos retomar dois aspectos guisa de concluso. O primeiro aspecto: a atualidade da obra de Engels. A questo do espao urbano da Inglaterra no sculo XIX uma manifestao funesta e absoluta do carter desumano do capital. Atualmente, no sculo XXI, h quem diga que especialmente as potncias capitalistas (tal como a Inglaterra) superaram esta

    8 Expresso primeiramente utilizada por Edlene Pimentel (2007) em sua obra Uma Nova Questo

    Social? Razes materiais e humano-sociais do pauperismo de ontem e de hoje. Macei: EDUFAL. 2007.

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    questo. Uma anlise um pouco mais minuciosa da sociedade contempornea revela que a questo no foi superada, apenas se expressa sob novas formas. J na parte do mundo considerada em desenvolvimento (onde podemos situar o Brasil) ou subdesenvolvida (se assim preferirem), ela ainda se apresenta mesmo tal qual na Inglaterra do sculo XIX, em sua forma absoluta e evidente, livre de maquilagens. De fato, mantida a base social, a problemtica urbana persiste em seus elementos essenciais. Estes elementos so demonstrados na anlise do filsofo alemo, o que confere carter de atualidade obra estudada neste artigo. O segundo aspecto: a partir de Engels, reforamos a concepo de que a determinao essencial da problemtica da sade est na forma como o processo de trabalho se d na sociedade burguesa. A anlise materialista histrico-dialtica da interface questo urbana e sade conduziu-nos para o resgate das razes da questo social. A partir disto, conclumos que a determinao da problemtica da sade essencialmente econmica (no se entenda economia no sentido vulgar da cincia burguesa, nem como sendo a nica determinao. Trata-se, pois, do seu momento predominante), pois os supostos DSS consistem em condies sociais com razes materiais precisas, que apenas vo adquirindo novas formas de acordo com o momento histrico vivido pelo sistema do capital, mas que no deixam de compor uma questo una. Todavia, no desconsideremos todas as mediaes existentes entre a totalidade social e a singularidade da categoria sade, dentro do complexo de complexos (tal qual explica Gyrgy Lukcs), do contrrio, estaramos fadados a uma determinao linear e mecnica. Para finalizar, afirmamos que enquanto imperar a Lei Geral da Acumulao Capitalista, a problemtica do ambiente urbano e seus desdobramentos para a sade continuaro persistentes e pondo-se como um grande desafio humanidade. Apenas uma sociedade emancipada do capital poder vislumbrar a dissoluo desta problemtica.

    Referncias

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    PIMENTEL, Edlene. Uma Nova Questo Social? Razes materiais e humano-sociais do pauperismo de ontem e de hoje. 1 ed. Macei: EDUFAL, 2007. VALENTIM, Lus Srgio Ozrio. Sobre a produo de males e bens nas cidades. Estrutura urbana e cenrios de riscos sade em reas contaminadas na regio metropolitana de So Paulo. Tese de doutorado em Arquitetura e Urbanismo. So Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo (FAUUSP), 2010.