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2020 Teoria e Prática Manual do ADVOGADO CÍVEL Alexandre Flexa Paulo Lépore 4 ª edição revista ampliada atualizada

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Page 1: Alexandre Flexa Paulo Lépore€¦ · Alessandra, em sua defesa, alegou que Ma-riana também deveria ser chamada ao processo. Com base no CPC/15, assinale a afirmativa correta. a)

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Teoria e Prática

Manual do

ADVOGADO CÍVEL

Alexandre FlexaPaulo Lépore

4ªedição

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capítulo i - parte geral

I. A intervenção de amicus curiae é admitida expressamente tanto no juízo de piso como perante órgãos colegiados.II. A intervenção de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada na condição de amicus curiae independe de pedido das partes, pois a lei prevê expressamente a possibilidade de ser determi-nada de ofício pelo magistrado.III. A intervenção de pessoa jurídica de direito público na condição de amicus curiae pode ensejar a modificação da competência e a remessa dos autos ao juízo competente.IV. Da decisão que admite a intervenção de amicus curiae, cabe recurso pela parte interessada.Está correto o que se afirma APENAS em

a) I, II e III.b) I e IV.c) III e IV.d) I, II e IV.e) I e II.

21) (FGV – OAB UNI NAC /XX Exame/2016) Alessandra é fiadora no contrato de locação do apar-tamento de Mariana. Diante do inadimplemento de vários meses de aluguel, Marcos (locador) decide ajuizar ação de cobrança em face da fiadora. Alessandra, em sua defesa, alegou que Ma-riana também deveria ser chamada ao processo.Com base no CPC/15, assinale a afirmativa correta.

a) O fiador se compromete com a dívida do afiançado, de modo que não pode exigir a sua parti-cipação na ação de cobrança promovida.

b) Sendo certo que Alessandra não participou da relação jurídica existente entre Mariana e Mar-cos, permite-se o chamamento ao processo do locatário a qualquer tempo.

c) Incorreta a atitude de Alessandra, pois o instituto apto a informar ao juízo o real devedor da relação é a nomeação à autoria.

d) Alessandra deve viabilizar a citação de Mariana no prazo de 30 dias, sob pena de o chama-mento ao processo ficar sem efeito.

GABARITO

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10A D D E D ERRADO ERRADO E ERRADO ERRADO

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21ERRADO E B E E C E B E E D

9. TUTELAS PROVISÓRIAS

No Livro V, Títulos I a III, o CPC prevê o instituto da Tutela Provisória, tratada nos artigos 294 a 311.

A maior novidade aqui é mesmo a nomenclatura – tutelas provisórias – pois não se trata de tema inteiramente novo. Sob essa rubrica, temos institutos inéditos (como as tutelas de urgência em caráter antecedente e as tutelas de evi-dência previstas no art. 311, II, III e IV); institutos alterados (como as tutelas de urgência antecipada e cautelar) e aqueles que mudaram de natureza jurídica (o que ocorreu com a tutela jurisdicional deferida em razão de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu).

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A tutela provisória é um gênero que comporta duas espécies: a tutela de ur-gência e a tutela de evidência. É comum a literatura especializada sobre o tema apresentar as distinções entre as tutelas provisórias de urgência e de evidência. Contudo, é extremamente importante iniciar a explanação tratando da semelhança entre as tutelas provisórias, eis que só se pergunta a diferença entre dois (ou mais) institutos quando eles são semelhantes49.

O termo tutela possui várias acepções, nem sempre significando tutela jurisdi-cional. No Direito Civil, por exemplo, a expressão significa uma das famílias substi-tutas (CC, art. 1.728 ao art. 1.766). Trata-se de um termo semanticamente plural50.

No contexto desse capítulo, a expressão tutela foi empregada como sinônima de decisão judicial. Assim, a similitude entre todas as tutelas provisórias, com per-dão da redundância, é serem todas decisões provisórias, ou seja, que precisam ser confirmadas em algum ponto para tornarem-se definitivas, isto é, aptas a formarem a coisa julgada material. Dessa forma, tanto as tutelas de urgência quanto a tutela de evidência são decisões proferidas com fulcro em cognição sumária, ou seja, com juízo de mera probabilidade (art. 300 e art. 311) de existência do direito pleiteado.

A principal diferença entre as tutelas provisórias de urgência e de evidência está na existência ou não de risco de dano irreparável, de difícil reparação ou ao resultado útil do processo, respectivamente. Em outras palavras, quando o inimigo da parte for o tempo, porque ela não pode esperar até o momento processual em que a sentença é prolatada e, houver probabilidade da existência do seu direito, ela pode beneficiar-se da tutela provisória de urgência, obtendo a decisão judicial de imediato, evitando que o seu direito pereça em razão da demora. Por outro lado, quando o direito da parte for provável porque previsto numa das hipóteses do art. 311, independentemente de risco de dano, o juiz pode conceder a tutela de evidência. Aqui, o que a parte pretende não é uma decisão provisória para impedir que um direito desapareça. O que ela pretende é gozar de imediato do seu direito.

As tutelas de urgência, por sua vez, podem ser cautelares e antecipadas e, se a sua semelhança está na exigência de periculum in mora para sua concessão, a dife-rença está no seu conteúdo.

49 Nesse contexto, ninguém perguntaria “qual a diferença entre apelação e penhora” ou “qual a diferença entre prisão preventiva e falência” ou ainda “qual a diferença entre Paris e goiabada”. Essa pergunta só é feita para institutos tão semelhantes que poderiam ser confundidos como idênticos, embora não sejam.

50 No sentido do texto, KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino e MIRANDA, Gabriela Expósito Tenório em “Da tutela provisória: um esboço de conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência”, artigo publicado na obra coletiva Coleção Grandes Temas do Novo CPC, Vol. 6: Tutela Provisória, ed. Juspodivm, 1ª edição, 2016, p. 71 e 72.

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As tutelas cautelares têm conteúdo assecuratório (ou protetivo, ou ainda, não--satisfativo) e prestam-se a pleitear uma providência diversa do pedido final, mas que o protege contra o risco de perecimento. Basta pensar na hipótese em que um contratante ajuíza ação em face da construtora-contratada alegando que a obra ob-jeto do contrato apresenta falhas estruturais e ameaça desabar em poucos dias. O pedido final é a reparação do dano, mas a tutela de urgência que se busca é para algo diverso, ou seja, a realização imediata de perícia de engenharia na obra. Veja--se que a tutela de urgência cautelar tem mera função de assegurar que o direito à reparação não pereça, pois se ocorrer o desabamento, a prova pericial estará invia-bilizada, gerando impossibilidade de demonstração do direito do contratante.

A tutela antecipada, ao contrário, tem caráter satisfativo, entregando de ime-diato a mesma providência que se deseja ao final do processo, podendo ser total, quando todos os pedidos finais também foram pleiteados antecipadamente ou par-cial quando somente um ou alguns dos pedidos finais foram buscados antecipada-mente. Aqui os exemplos são fartos, como o pedido de alimentos provisórios, que têm nítida natureza de antecipação do provimento final (alimentos).

9.1. Tutelas provisórias de urgência51

Como visto acima, as tutelas provisórias de urgência, antecipadas ou cautelares, têm o objetivo comum de evitar um dano que está acontecendo ou está na iminên-cia de ocorrer. Assim as tutelas de urgência (quase) sempre exigem, para sua con-cessão, a existência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação52 (art. 300, CPC). Por isso, são chamadas de tutelas jurisdicionais contra o dano.

Passemos a analisá-las separadamente.

9.1.1. Tutela antecipada

Tutela antecipada, ou antecipação dos efeitos do provimento final, é a tutela provisória pleiteada pela parte que demonstra probabilidade da existência do seu direito e risco de dano ou ao resultado útil do processo53 (art. 300, CPC). O que se pede provisoriamente é a mesma providência que a parte deseja ao final do proces-so. Daí se dizer que a tutela antecipada tem natureza satisfativa. Basta pensar na hipótese em que o autor ingressa em juízo pedindo a retirada do seu nome de ca-dastros restritivos de crédito, eis que inscrito indevidamente. Esse é o provimento final pretendido. Contudo, se a parte demonstrar a probabilidade da existência do

51 As tutelas de urgência também estão previstas em lei esparsas, como ocorre na Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Recentemente essa lei foi alterada pela Lei nº 13.641 de 03 de abril de 2018, que criminalizou o descumprimento de tais medidas de urgência, na forma do seu art. 24-A, punindo a conduta delituosa com pena de detenção de três meses a dois anos, independentemente da natureza cível ou criminal da medida protetiva (art. 24-A, § 1º).

52 Dissemos que “quase” sempre se exige o risco de dano para concessão de tutela de urgência porque existe uma exceção, a qual veremos mais adiante, ainda neste capítulo.

53 Enfim o código encontrou termos em língua portuguesa para os famosos fumus boni iuris e periculum in mora.

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seu direito de não estar inscrito e o risco iminente que a negativação por gerar, terá o direito de pedir a retirada do nome imediatamente, em sede de tutela antecipada. Note-se que os provimentos – final e antecipado – são idênticos e ambos satisfati-vos. Aí está o traço característico dessa espécie de tutela de urgência.

A tutela antecipada foi muito mal batizada pelo legislador, eis que induz o estudioso ao erro. Na verdade, todas as tutelas provisórias (de urgência ante-cipada, de urgência cautelar e de evidência) são antecipadas, na medida em que todas são concedidas antes do provimento final. Dessa forma, quando se lê tutela de urgência antecipada na lei, quer-se dizer tutela de urgência satisfativa.

Para obtenção do deferimento da tutela antecipada, além dos requisitos da probabilidade e do risco de dano, a lei exige que a medida deferida seja reversível (art. 300, § 3º, CPC). O comando legal é de fácil compreensão. Como o provimento é provisório, se fosse irreversível, acabaria por tornar-se definitivo na prática. Essa exigência de reversibilidade, contudo, não é absoluta, podendo ser dispen-sada quando o bem jurídico a ser protegido pela concessão da medida é maior do que o bem protegido pelo indeferimento54. Pensemos no seguinte exemplo: Maria ingressa em juízo em face da sua seguradora de saúde pleiteando, em tutela an-tecipada, condenação desta em obrigação de fazer consistente em autorização de um procedimento cirúrgico. O bem da autora a ser protegido é a vida, enquanto o bem da ré é o patrimônio (valor a ser gasto no procedimento). Nesse caso, mesmo que a autora demonstre total impossibilidade financeira de arcar com os custos da cirurgia em caso de improcedência do pedido, deve ser deferida a antecipação de tutela, mesmo diante da irreversibilidade, eis que a vida é bem maior do que o patrimônio. Não se pode esquecer que a reversibilidade é a regra e só pode ser afastada excepcionalmente. Assim, pode o juiz exigir do demandante uma garan-tia de que a medida possa ser revertida ao final do processo, caso necessário (art. 300, § 1º, CPC).

54 Nesse sentido, enunciado 419 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Não é absoluta a regra que proíbe tutela provisória com efeitos irreversíveis”. Na mesma esteira, STJ, 2ª Seção, REsp 1.145.358/PR (recurso repetitivo), rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 25/04/2012: “Na linha dos precedentes desta Corte Superior de Justiça, é possível deferir o levantamento de valor em execução provisória, sem caucionar, quando o tribunal local, soberano na análise fática da causa, verifica, como na hipótese, que, além de preenchidos os pressupostos legais e mesmo com perigo de irreversibilidade da situação, os danos ao exequente são de maior monta do que ao patrimônio da executada.”

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Por fim, é muito importante identificar o nível de urgência da parte no momento de requerer a concessão de tutela antecipada. Assim, podemos classificar a urgência da seguinte maneira:

Nível Característica Consequência

0 Nenhuma Urgência

Não é cabível a tutela antecipada, devendo a parte aguardar a sentença.

1 Urgência Leve

Deve ser deferida a tutela antecipada, mas pri-meiramente ouvindo-se o réu (art. 10, CPC).

2 Urgência Moderada

Deve ser deferida a tutela antecipada sem a oitiva do réu (art. 9º, p.ú., I, CPC).

3 Urgência Elevada

Deve ser deferida a tutela antecipada sem a oitiva do réu (art. 9º, p.ú., I, CPC), facul-tando a apresentação de petição inicial simplificada55.

Como se vê, caso a parte não tenha nenhuma urgência na obtenção do provi-mento, podendo esperar até o momento de a sentença ser proferida, deve ser in-deferida a medida urgente, caso tenha sido pleiteada. Havendo alguma urgência – e desde que haja probabilidade da existência do direito – o juiz deve deferir o pleito autoral, mas com a prévia oitiva das partes, na forma do art. 10, do CPC, respeitan-do-se amplamente o contraditório. Aumentando-se o grau da urgência a tal ponto que a parte sequer possa esperar a manifestação do demandado, deve-se postergar o contraditório, deferindo-se a tutela antecipada inaudita altera parte e deixando a manifestação da parte contrária em seguida (art. 9º, parágrafo único, do CPC). Em último caso, com a urgência em tamanha proporção que não permite ao autor sequer redigir a petição inicial inteira, tem-se a possibilidade de pleitear a tutela antecipada antecedente, tratada a seguir, na qual o autor elabora uma petição ini-cial apenas requerendo a tutela de urgência e submetendo-a à apreciação judicial, emendando-a posteriormente.

O nível da urgência da parte determina qual pedido deve ser formulado. Dessa forma, é fundamental que o advogado avalie corretamente o caso concreto, pois, apresentando o pedido adequa-do à urgência, as chances de obtenção de provimento favorável são maiores.

55 A petição inicial simplificada pode ser apresentada em caso de tutela antecipada antecedente, que será estudada no item seguinte.

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9.1.1.1. Tutela antecipada em caráter antecedente

O CPC permite o pedido de tutela antecipada a qualquer tempo, desde que presentes os requisitos autorizadores (probabilidade da existência do direito e risco de dano ou ao resultado útil do processo – art. 300). Assim, nada impede que o pedido de tutela antecipada seja formulado já na petição inicial, quando a urgência for contemporânea ao ajuizamento da ação. Nesse cenário, quando o autor pretender pleitear a tutela antecipada no momento da propositura da ação, compete-lhe, ainda, escolher se prefere redigir uma petição inicial comple-ta, com todos os fatos e fundamentos do pedido principal e do pedido antecipado ou uma versão simplificada da peça exordial, apenas pleiteando a antecipação dos efeitos do provimento final e uma rasa indicação do pedido final. Essa é a hipótese que a doutrina vem denominando tutela antecipada em caráter antece-dente. Como vimos no item acima, a preferência pela petição inicial completa ou simplificada não é aleatória, mas dependente diretamente do nível de urgência que a parte ostenta.

Requerida a tutela antecipada em caráter antecedente, da intimação da decisão que a aprecia, o autor disporá de quinze dias (ou prazo maior se for assinalado pelo juiz – art. 303, § 1º, I, CPC) para emendar a petição inicial incluindo os fatos e fun-damentos jurídicos referentes ao pedido principal. Se indeferido o pedido, o autor deverá emendar a petição inicial em cinco dias (art. 303, § 6º, CPC).

Caso a tutela antecipada seja deferida, o réu será citado para integrar a relação processual e intimado para cumprir a decisão ou interpor o respectivo recurso, sob pena de a decisão tornar-se es-tável (art. 304), extinguindo-se o processo em seguida (art. 304, § 1º). Dessa forma, se a decisão interlocutória que defere a tutela an-tecipada não for recorrida, ela será homologada por sentença, pon-do-se fim ao processo. Embora a lei não tenha dito expressamente qual o recurso cabível, este deve ser entendido como o agravo de instrumento (art. 1.015, I, CPC), se o processo estiver tramitando na 1ª instância ou agravo interno (art. 1.021, CPC), se a causa for da competência originária do tribunal e ali estiver tramitando. Assim, sendo interpostos embargos de declaração, ainda se faz necessário interpor o respectivo agravo contra a decisão nos embargos (salvo, é claro, se houve cassação da tutela antecipada) a fim de evitar a for-mação da decisão estável.

Contra a sentença que torna estável a tutela antecipada caberá apelação, mas apenas para discutir aspectos formais da sentença, sendo vedado ao apelante discu-tir o mérito da decisão, o que deve ter sido feito no eventual recurso de agravo. Ad-mitir que a apelação discuta o mérito da tutela antecipada estabilizada seria franca violação à regra da unirrecorribilidade.

MUITA ATENÇÃO

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Fechada a via da apelação para discutir aquele mérito, a única forma impugnati-va será propor ação revocatória, no prazo máximo de dois anos (art. 304, § 2º e § 5º), que adotará o procedimento comum do processo de conhecimento previsto no CPC e será distribuída para o mesmo juízo que proferiu a decisão estável, por se tratar de critério funcional de fixação da competência. Esta ação não pode ser confundida com a ação rescisória, eis que muito distintas. Na verdade, as duas únicas semelhanças entre a ação rescisória e a ação revocatória são o prazo de dois anos e a possibilidade de atacarem sentenças de mérito transitadas em julgado. As diferenças, no entanto, são muitas. A ação rescisória é proposta diretamente perante o tribunal e somente nos estreitos casos previstos no art. 966, do CPC, enquanto a ação revocatória é pro-posta na primeira instância e em qualquer hipótese de decisão estável.

9.1.1.2. Tutela antecipada contra o ilícito

Já estudamos que a tutela antecipada, por sua natureza de tutela provisória de urgência, tem como requisitos para concessão a probabilidade da existência do di-reito e o risco de dano.

Nesse contexto, a medida é deferida para evitar que o dano ocorra ou, se já ocorreu, que deixe de existir. Por isso o instituto é chamado de tutela antecipada contra o perigo.

Contudo, o CPC de 2015 inovou ao criar uma modalidade de tutela antecipada que não exige o binômio probabilidade-risco como requisito autorizador. Dispõe o art. 497, parágrafo único, do CPC, que a tutela será concedida para inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ato ilícito, independentemente da existência de dano.

Dessa forma, a tutela antecipada assume um novo contorno. Se a parte for vítima de um ato ilícito, seja por infração à lei, ou a um contrato, é irrelevante a demonstração de dano, dolo ou culpa para concessão da medida urgente. Tem-se aqui a chamada tutela antecipada contra o ilícito.

No mesmo sentido, manifestou-se Fredie Didier Jr.: “A tutela inibitória é aquela que tem por fim evitar a ocorrência de um ato contrário ao direito ou impedir sua continuação. (...). A tutela provisória, nesse caso, não é uma tutela contra o dano, mas uma tutela contra o ilícito, a ser praticado ou já praticado. Cabe à parte demonstrar o risco de que o ilícito ocorra, independentemente de isso gerar um dano ou um risco que a demora representa para o resultado útil do processo (art. 300 CPC). Nesse caso, é irrelevante a demonstração de culpa ou de dano – a demonstração deve restringir--se à probabilidade de cometimento do ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC).”56

Nota-se claramente, portanto, que a tutela antecipada contra o dano é a regra e exige a presença da probabilidade do direito e risco de dano irreparável ou ao re-

56 DIDIER JR., Fredie in Curso de Direito Processual Civil, Vol. 2, ed. Juspodivm, 11ª edição, 2016, p. 611 e 612.

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sultado útil do processo (art. 300, CPC), mas que também existe a tutela antecipada contra o ilícito, cujo único requisito para concessão é a demonstração da ocorrência ou iminência de ocorrer ato ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC).

9.1.2. Tutela cautelar

A tutela cautelar passou por profunda alteração de forma com o advento do CPC de 2015, pois perdeu sua autonomia, não existindo mais a ação cautelar, instaurada exclusivamente com esse fim, passando a ser requerida como mero incidente pro-cessual, através de capítulo próprio na petição inicial (se a necessidade já existir no momento da propositura da ação), por simples petição (se a parte a requerer no curso do processo) ou até mesmo em sede recursal.

Seus requisitos para concessão são os mesmos estudados no capítulo da tutela antecipada, o que é natural, eis que ambas são tutelas de urgência, razão pela qual remetemos o leitor para aquele capítulo.

O grande traço característico da tutela cautelar é a natureza do provimento. Ao contrário da tutela antecipada, que tem cunho eminentemente satisfativo, a tutela cautelar tem por objetivo autorizar uma providência que não se objetiva ao final do processo; que não satisfaz a parte, mas garante que o seu direito seja protegido. Pensemos no seguinte exemplo: Gael ingressa em juízo em face de uma construtora alegando a realização de contrato entre ambos para construção de um prédio e que este fora entregue com falhas estruturais vultosas. Pugna, portanto, pelo desfazimento do contrato e indenizações daí resultantes. Para demonstrar a existência do seu direito, será necessário realizar perícia de engenharia no imóvel, o que só ocorrerá na fase probatória. Entretanto, o prédio ameaça desabar, sendo urgente realizar a perícia imediatamente. Essa tutela de urgência (realizar perícia) não é a pretensão de Gael, mas serve para assegurar que ela não pereça em razão da demora. Medida nitidamente cautelar; assecuratória; protetiva; não-satisfativa.

9.1.2.1. Tutela cautelar em caráter antecedente

A principal mudança trazida para as cautelares pelo CPC foi a perda da sua auto-nomia processual. No sistema processual anterior, o jurisdicionado pleiteava medidas cautelares em juízo através da propositura de uma ação autônoma especificamente ajuizada para esse fim. Por isso a classificação dos processos era trinaria: processos de conhecimento; de execução; e cautelar. No atual sistema, a classificação processual reduziu-se a apenas duas: processos cognitivos e executivos. As medidas cautelares continuam existindo, mas requeridas através de mero incidente processual.

A exemplo do que ocorre com a tutela antecipada, a providência cautelar pode ser requerida por simples petição a qualquer tempo no processo, inclusive na própria petição inicial. Sendo nesta fase, é possível redigir a petição inicial completa, com o pedido principal e o cautelar devidamente instruídos (art. 308, § 1º) ou limitando-se a requerer apenas a medida cautelar, indicar o pedido prin-

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capítulo i - parte geral

cipal (art. 305) e reservar-se ao direito de emendar a peça vestibular no prazo de trinta dias a partir da efetivação da medida (art. 308). Nessa última hipótese, tem--se a cautelar requerida em caráter antecedente. Note-se que, sendo a cautelar reque-rida de modo antecedente, haverá possibilidade de oferecimento de duas contestações. A primeira, ofertada no prazo de cinco dias a contar do dia útil seguinte à juntada aos autos do comprovante de citação (art. 306), presta-se a atacar apenas o pedido cautelar. A segunda contestação, a ser oferecida no prazo de quinze dias a contar do dia útil se-guinte à audiência de conciliação, serve para atacar o pedido principal (art. 308, § 4º).

9.2. Tutela provisória de evidência

A segunda modalidade de tutela provisória (ao lado da tutela de urgência) é a tute-la de evidência. A terminologia utilizada pelo CPC (tutela da evidência) é expressão que se revela equivocada. Como ensina o professor carioca Bruno Vinicius da Rós Bodart, évidence, da língua francesa, e evidence, da língua inglesa, significam prova. Contudo, este instituto não se presta a tutelar a prova, mas sim o direito da parte que, em razão da prova apresentada já na petição inicial, indica alto grau de probabilidade da exis-tência. Assim, “revela-se, portanto, mais adequada a expressão ‘tutela de evidência’.”57

A semelhança entre as tutelas urgentes e evidentes, como já dissemos acima, está na provisoriedade do provimento judicial, pois ambas exigem uma decisão posterior que as confirme para continuarem a produzir efeitos. A distinção entre elas está no requisito do risco de dano, exigido para concessão das tutelas de urgên-cia, mas irrelevante para a tutela de evidência (art. 311, CPC).

Nota-se claramente que, enquanto a tutela de urgência é concedida para evitar que um dano ocorra ou continue ocorrendo, a tutela da evidência existe para permi-tir à parte gozar de imediato do seu direito simplesmente porque ele é muito bom; transparente; cristalino, enfim: evidente. Para melhor elucidar a diferença entre as tutelas provisórias, pensemos no seguinte exemplo:

Fernanda, com cinco anos de idade, teve seu nome inscrito indevidamente em cadastros restritivos de crédito por supostas dí-vidas não pagas. Através de sua representante legal, ingressa em juízo pleiteando obrigação de fazer consistente na retirada do seu nome do rol de maus pagadores, bem como compensação por danos morais suportados. A autora também deseja obter tutela provisória para a obrigação de fazer. Essa tutela provisória é de urgência ou de evidência? Somente com os dados acima, não é possível responder à pergunta. A probabilidade da existência do direito está configura-da pela impossibilidade de uma criança com cinco anos de idade ter contraído obrigações, mas é necessário investigar se a manutenção

57 BODART, Bruno Vinicius da Rósin Tutela de Evidência, 1ª edição, 2014, editora RT, p. 132/133.

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do nome da autora (uma criança com cinco anos de idade) é capaz de causar-lhe algum dano de difícil ou impossível reparação. Se existir esse risco, pleitear-se-á uma tutela provisória de urgência, na moda-lidade antecipada, eis que a providência que se pede é a mesma que se espera ao final do processo. Não havendo o risco de dano, impossí-vel a concessão da tutela de urgência. Contudo, inegável que o direito da autora salta aos olhos. Assim, para gozar de imediato desse direi-to, poderá valer-se da tutela de evidência, que não exige periculum in mora, mas tão somente a probabilidade da existência do direito.

Percebe-se, no exemplo acima, que a tutela de evidência será sempre satisfativa e pressupõe que as alegações de fato estejam comprovadas e tipificadas numa das hipóteses previstas no art. 311, CPC.

Quatro são as hipóteses que admitem a concessão da tutela de evidência, todas previstas no art. 311, do CPC. São elas:

9.2.1. Tutela de evidência sancionatória58 (art. 311, I, CPC)

Prevista no inciso I, do art. 311, do CPC, a tutela de evidência pode ser concedi-da quando o réu abusar do direito de defesa ou agir com manifesto propósito prote-latório. Dessa forma, a tutela de evidência sancionatória jamais pode ser concedida inaudita altera parte, eis que é indispensável que o réu se manifeste primeiro para identificar o eventual abuso de defesa ou atitude protelatória, lição que se encontra expressa no art. 311, parágrafo único, do CPC. O vocábulo defesa deve ser interpre-tado ampliativamente, compreendendo-se aí não apenas a contestação, mas qual-quer ato processual, como recursos, por exemplo.

Para que possa ser concedida a tutela de evidência aqui tratada, basta que o réu elabore defesa despida de argumentos sérios ou que tenha conduta com claro intui-to procrastinatório. A probabilidade da existência do direito decorre da temeridade da defesa apresentada59. Há corrente em sentido contrário, entretanto, sustentando que além de uma dessas duas condutas do réu, é indispensável que o autor demons-tre, com provas, a probabilidade da existência do seu direito60.

Existe diferença entre abuso do direito de defesa e manifesto propósito protela-tório. O primeiro deve ser entendido como ato praticado pela parte no processo, enquanto o segundo configura-se como ato praticado fora do processo61. Assim,

58 Há autores que utilizam a expressão Tutela de Evidência Punitiva. Por todos, consulte-se DIDIER JR., Fre-die et alii em Tutela Provisória de Evidência, artigo publicado na obra coletiva Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 6, editora Juspodivm, 1ª edição, 2016, p. 421.

59 No sentido por nós defendido, DIDIER JR., Fredie, op. cit., p. 422.60 NEVES, Daniel Amorim Assumpção em Manual de Direito Processual Civil, editora Juspodivm, 8ª edição,

2016, p. 485.61 NEVES, Daniel Amorim Assumpção, op. cit., p. 485 e 486.

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quando uma contestação, por exemplo, é apresentada desprovida de fundamentos técnicos, temos abuso do direito de defesa enquanto uma carga dos autos além do prazo legal permitido pode configurar manifesto propósito protelatório.

9.2.2. Tutela de evidência fundada em prova documental e precedente vinculante (art. 311, II, CPC)

A tutela de evidência também pode ser concedida quando a parte alegar fato em peça que já acompanhe o(s) documento(s) que comprovam o fato aduzido e a tese já esteja pacificada nos tribunais superiores. Trata-se de inovação trazida pelo CPC/2015, pois esta hipótese estava prevista no CPC/1973.

Quanto ao instituto previsto no art. 311, II, do CPC, existem duas considerações a serem feitas:

1ª) Quando o dispositivo refere-se a “alegações de fato pu-derem ser comprovadas apenas documentalmente”, não está indi-cando apenas prova documental, mas também prova documentada, como a ata notarial, prova emprestada etc.62.

2ª) (Posição de Fredie Didier Jr.) O inciso II, do art. 311, do CPC admite a concessão de tutela de evidência quando “houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”.

O art. 927, do CPC, enumera os precedentes vinculantes63. Assim, se é possível deferir tutela de evidência com fundamen-to em julgamento de recursos especiais e extraordinários repe-titivos (art. 927, III, 3ª figura) e em súmula vinculante (art. 927, II), que são precedentes vinculantes, poder-se-á conceder tutela de evidência quando fundada nos demais precedentes vinculan-tes elencados no art. 927, através de interpretação teleológica64.

62 DIDIER JR., Fredie, op. cit., p. 42663 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em contro-

le concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribuna l de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

64 Nesse sentido, DIDIER JR., Fredie, op. cit. p. 426 e 427. AMARAL, Guilherme Rizzo em Comentários às Alterações do Novo CPC, editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2015, p. 417. Em sentido contrário admitindo apenas nas hipóteses citadas no art. 311, II, do CPC: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii em Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2015, p. 524

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9.2.3. Tutela de evidência em contrato documentado de depósito (art. 311, III, CPC)

A terceira hipótese de cabimento da tutela de evidência é bastante específica e também inovação do CPC e dá-se quando o autor pleiteia a restituição da pos-se da coisa que havia sido transferida ao réu por contrato de depósito, desde que documentalmente comprovado. A prova documental não precisa ser o contrato es-crito de depósito, bastando que seja qualquer escrito capaz de convencer o juiz da existência do contrato de depósito, como por exemplo, e-mails trocados entre os contratantes.

9.2.4. Tutela de evidência documentada e ausência de contraprova documental (art. 311, IV, CPC)

A última hipótese de tutela de evidência está prevista no art. 311, IV que dispõe que ela será concedida quando: “a petição inicial for instruída com prova documen-tal suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.”

Nota-se que são necessários dois requisitos para sua caracterização: (1) O autor deve demonstrar documentalmente a probabilidade da existência do seu direito; e (2) O réu, ao contestar, não apresentou prova capaz de afastar a probabilidade do direito do autor.

Ambos os requisitos são dotados de subjetivismo, eis que, no primeiro deles, a prova documental trazida pelo autor deve ser suficiente para demonstrar a proba-bilidade a que nos referimos acima. No segundo requisito, o aspecto subjetivo está na expressão dúvida razoável. São ambas expressões voltadas ao convencimento do juiz, sendo este o sujeito processual a examinar se a prova do autor é suficiente e se a do réu gerou dúvida razoável.

9.3. A tutela de urgência em caráter antecedente no sistema dos juizados especiais cíveis estaduais

9.3.1. Introdução

A lei 13.105 de 16 de março de 2015 instituiu o novo Código de Processo Civil, o primeiro sancionado em um regime democrático65, diploma há muito aguardado pela comunidade jurídica. O CPC/2015 nasceu com o propósito de reduzir o fenô-meno conhecido por morosidade judicial, pelo qual muito tempo decorre desde a propositura da ação judicial até o seu desfecho definitivo. A expressão, morosidade judicial, sempre nos pareceu injusta, pois passa a ideia de um Poder Judiciário len-to, arrastado, quando, na verdade, todos os operadores do Direito contribuem para

65 O primeiro CPC nacional era do ano de 1939, quando existente o regime autoritarista de Getúlio Vargas conhecido como Estado Novo (1937 a 1945). O CPC seguinte datava de 1973, quando vivíamos no regi-me militar (1964 a 1985).

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essa inanição. Melhor seria utilizar a expressão morosidade na prestação da tutela jurisdicional, entendida num contexto em que todos os sujeitos processuais, em co-operação, contribuem para o tempo de duração do processo. Nesse contexto, vários mecanismos foram criados ou aprimorados no CPC/2015 ou mesmo suprimidos, como ocorreu com o procedimento sumário, com o agravo retido e com os embar-gos infringentes, por exemplo.

No Livro V, Títulos I a III, o CPC/2015 inovou ao prever a Tutela Provisória, prevista nos artigos 294 a 311. Não se trata de tema inteiramente novo, pois, sob essa rubrica, temos institutos inéditos (como as tutelas de urgência em caráter an-tecedente e as tutelas da evidência previstas no art. 311, II, III e IV), alterados (como as tutelas de urgência antecipada e cautelar) e aqueles que mudaram de natureza jurídica (o que ocorreu com a tutela jurisdicional deferida em razão de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu).

Nesse artigo, abordaremos as características intrínsecas das tutelas provisórias, especificamente no que tocam às tutelas de urgência para, ao final, concluirmos se são aplicáveis ou não ao microssistema dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais.

9.3.2. Tutela Provisória

A tutela provisória, na sistemática do CPC/2015, é dividida em tutelas da evi-dência e de urgência, sendo estas últimas desmembradas em tutelas de urgência antecipadas e cautelares66.

A semelhança existente entre as tutelas provisórias é serem todas proferidas com fulcro em cognição sumária, que exige mera probabilidade da existência do direito (art. 300 e art. 311) havendo, portanto, necessidade de uma decisão que as torne definitivas mais tarde naquele mesmo processo, proferidas com base em cog-nição exauriente, com juízo de certeza sobre a res in iudicium deducta.

A principal diferença entre as tutelas provisórias de urgência e da evidência está na existência ou não de risco de dano irreparável, de difícil reparação ou ao resultado útil do processo, respectivamente. Em outras palavras, quando o inimigo da parte for o tempo e houver probabilidade da existência do seu direito, ela pode beneficiar-se da tutela provisória de urgência. Por outro lado, quando o direito da parte for provável porque previsto numa das hipóteses do art. 311, independen-temente de risco de dano, o juiz pode conceder a tutela da evidência. Em suma: Quando o direito da parte for provável e existir risco de dano ao seu direito ou ao resultado útil do processo, há hipótese de pedido de tutela de urgência; quando o direito da parte é provável e, sem risco de dano, o que ela quer é gozar de imediato do seu direito, temos a possibilidade de tutela da evidência.

66 Sobre o tema, tivemos a oportunidade nos manifestarmos alhures em FLEXA, Alexandre et alii, Novo Código de Processo Civil, Temas Inéditos, Mudanças e Supressões. Ed. Juspodivm, 2ª edição, 2016, p. 245/246.

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As tutelas de urgência, por sua vez, podem ser cautelares e antecipadas e, se a sua semelhança está na exigência de periculum in mora para sua concessão, a dife-rença está no seu conteúdo.

As tutelas cautelares têm conteúdo assecuratório (ou protetivo, ou ainda, não--satisfativo) e prestam-se a pleitear uma providência diversa do pedido final, mas que o protege contra o risco de perecimento. Basta pensar na hipótese em que um contratante ajuíza ação em face da construtora-contratada alegando que a obra ob-jeto do contrato apresenta falhas estruturais e ameaça desabar em poucos dias. O pedido final é a reparação do dano, mas a tutela de urgência que se busca é para algo diverso, ou seja, a realização imediata de perícia de engenharia na obra. Veja--se que a tutela de urgência cautelar tem mera função de assegurar que o direito à reparação não pereça, pois se ocorrer o desabamento, a prova pericial estará invia-bilizada, gerando impossibilidade de demonstração do direito do contratante.

As tutelas antecipadas, ao contrário, têm caráter satisfativo, entregando de ime-diato a mesma providência pleiteada ao final do processo, podendo ser total, quan-do todos os pedidos finais também foram pleiteados antecipadamente ou parcial quando somente um ou alguns dos pedidos finais foram buscados antecipadamen-te. Aqui os exemplos são fartos, como o pedido de alimentos provisórios, que têm nítida natureza de antecipação do provimento final (alimentos).

9.3.3. Tutelas de urgência em caráter antecedente9.3.3.1. Tutela antecipada em caráter antecedente

O CPC/2015 permite o pedido de tutela antecipada a qualquer tempo, desde que presentes os requisitos autorizadores (probabilidade da existência do direito e risco de dano ou ao resultado útil do processo – art. 300). Assim, nada impede que o pedido de tutela antecipada seja formulado já na petição inicial, quando a urgência for contemporânea ao ajuizamento da ação. Nesse cenário, quando o autor preten-der pleitear a tutela antecipada no momento da propositura da ação, compete-lhe, ainda, escolher se prefere redigir uma petição inicial completa, como todos os fatos e fundamentos do pedido principal e do pedido antecipado ou uma versão simpli-ficada da peça exordial, apenas pleiteando a antecipação dos efeitos do provimento final e uma rasa indicação do pedido final. Essa é a hipótese que a doutrina vem denominando tutela antecipada em caráter antecedente67.

Requerida a tutela antecipada em caráter antecedente, da intimação da decisão que a aprecia, o autor disporá de quinze dias (ou prazo maior se for assinalado pelo juiz – art. 303, § 1º, I) para emendar a petição inicial incluindo os fatos e fundamen-tos jurídicos referentes ao pedido principal.

67 Nesse sentido, CAVALCANTI NETO, Antonio de Moura em Estabilização da Tutela Antecipada Antece-dente: Tentativa de Sistematização, artigo publicado na obra coletiva Tutela Provisória, ed. Juspodivm, 1ª edição, p. 196.

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Caso a tutela antecipada seja deferida, o réu será citado para integrar a relação processual e intimado para cumprir a decisão ou interpor o respectivo recurso, sob pena de a decisão tornar-se estável (art. 304), extinguindo-se o processo em segui-da (art. 304, § 1º). Assim, se a decisão interlocutória que defere a tutela antecipada não for recorrida, ela será homologada por sentença, pondo-se fim ao processo. Embora a lei não tenha dito expressamente qual o recurso cabível, este deve ser entendido como o agravo de instrumento68 (art. 1.015, I). Assim, sendo interpostos embargos de declaração, ainda se faz necessário interpor agravo de instrumento contra a decisão nos embargos (salvo, é claro, se houve cassação da tutela antecipa-da) a fim de evitar a formação da decisão estável.

Contra a sentença que torna estável a tutela antecipada caberá apelação, mas apenas para discutir aspectos formais da sentença, sendo vedado ao apelante dis-cutir o mérito da decisão, o que deveria ter sido feito no eventual agravo de instru-mento. Admitir que a apelação discuta o mérito da tutela antecipada estabilizada seria franca violação à regra da unirrecorribilidade.

Fechada a via da apelação para discutir aquele mérito, a única forma impugna-tiva será propor uma ação revocatória, no prazo máximo de dois anos (art. 304, § 2º e § 5º), que adotará o procedimento comum do processo de conhecimento previsto no CPC e será distribuída para o mesmo juízo que proferiu a decisão estável, por se tratar de critério funcional de fixação da competência. Esta ação não pode ser con-fundida com a ação rescisória, eis que muito distintas. Na verdade, as duas únicas semelhanças entre a ação rescisória e a ação revocatória são o prazo de dois anos e a possibilidade de atacarem sentenças de mérito transitadas em julgado. As dife-renças, no entanto, são muitas. A ação rescisória é proposta diretamente perante o tribunal e somente nos estreitos casos previstos no art. 966, do CPC/2015, enquan-to a ação revocatória é proposta na primeira instância e em qualquer hipótese de decisão estável.

9.3.3.2. Tutela cautelar em caráter antecedente

A principal mudança trazida para as cautelares pelo CPC/2015 foi a perda da sua autonomia processual. No sistema processual anterior, o jurisdicionado plei-teava medidas cautelares em juízo através da propositura de uma ação autônoma especificamente para esse fim. Por isso a classificação dos processos era trinaria: processos de conhecimento; de execução; e cautelar. No atual sistema, a classifi-cação processual reduziu-se a apenas duas: processos cognitivos e executivos. As medidas cautelares continuam existindo, mas requeridas através de mero inci-dente processual.

A exemplo do que ocorre com a tutela antecipada, a providência cautelar pode ser requerida por simples petição a qualquer tempo no processo, inclusive na

68 REsp 1.797.365-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 03/10/2019, DJe 22/10/2019.

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própria petição inicial. Sendo nesta fase, é possível redigir a petição inicial com-pleta, com o pedido principal e o cautelar devidamente instruídos (art. 308, § 1º) ou limitando-se a requerer apenas a medida cautelar, indicar o pedido principal (art. 305) e reservar-se ao direito de emendar a peça vestibular o prazo de trinta dias a partir da efetivação da medida (art. 308). Essa última hipótese, tem-se a cautelar requerida em caráter antecedente. Note-se que, sendo a cautelar reque-rida de modo antecedente, haverá possibilidade de oferecimento de duas contes-tações. A primeira, no prazo de cinco dias a contar do dia seguinte à juntada aos autos do comprovante de citação (art. 306), presta-se a atacar apenas o pedido cautelar. A segunda contestação, a ser oferecida no prazo de quinze dias a contar do dia seguinte à audiência de conciliação, serve para atacar o pedido principal (art. 308, § 4º).

9.3.4. Aplicabilidade das tutelas de urgência em caráter antecedente ao microssistema dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

9.3.4.1. O Microssistema dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

O operador do Direito busca incansavelmente a redução do tempo do processo, em sentido estrito69, da qual foram grandes aliadas a criação dos Juizados de Pe-quenas Causas através da edição da Lei n. 7.244/84, e a Lei n. 9.099/95, que possi-bilitou que questões não conhecidas pelo velho modelo de justiça passassem a ser discutidas, decididas e executadas através de rito simplificado e sincrético70, mane-jados pelos próprios interessados71, independente, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas72.

Desnecessário deter-nos detalhadamente no fato de os Juizados Especiais Cí-veis terem se transformado no mais importante instrumento de exercício da cida-

69 BECKER, Laércio Alexandre. Op. cit. – “O que podemos chamar genericamente de ‘tempo do proces-so’ em sentido amplo (TPSA) é um gráfico composto por, no mínimo, três linhas paralelas, sendo uma constante e duas variáveis – além de outros elementos que podem interferir diretamente no TPSA. A constante é a temporalidade ordinária: o tempo profano, do calendário – ver ‘A erosão do sagrado pro-cessual’, nesta coletânea. É o tempo marcado, para o Judiciário de todo o país, pelo relógio atômico de rubídio instalado no STF, com precisão de bilionésimos de segundo. (Um preciosismo de dar inveja à Fórmula 1). A primeira variável é, digamos, o ‘tempo do processo’ em sentido estrito (TPSE), medido pela extensão dos prazos processuais, bem como pelo número de fases processuais, de audiências e de recursos possíveis. Reduzir esses elementos é promover uma ‘sumarização formal’. A segunda variável é o, por assim dizer, tempo do meio técnico do processo (TMTP): tempo de encaminhamento das petições para juntada, dos autos para julgamento nos diversos graus de jurisdição, das comunicações dos atos processuais para ciência das partes etc. Ele é alterado com a alteração do próprio meio técnico utilizado pelo processo.”

70 Sincretismo processual (reunião dos atos cognitivos e executivos no mesmo processo) o Código de Pro-cesso Civil só passou a adotar o processo sincrético, após a reforma de 2005 (Lei n. 11.232/05).

71 Art. 9º da lei 9.099/95. “Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pesso-almente, podendo ser assistida por advogados, nas de valor superior, a assistência é obrigatória.”

72 Art. 54 da Lei 9.099/95. “O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.”

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dania e inclusão social, como também não iremos esmiuçar os dados estatísticos do Sistema dos Juizados Especiais.

O que nos interessa saber é se a tutela provisória de urgência, cautelar ou an-tecipada, em caráter antecedente, é compatível com os princípios e com o procedi-mento estabelecido pela Lei 9.099/95.

Para tanto, é necessário observar, o que dispõe o art. 2º da Lei 9.099/95, uma vez que o processo nos Juizados Cíveis orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Na verdade, apesar de a lei fazer referência a critérios orientadores do proces-so, o certo é que não se tratam de critérios, mas de princípios fundamentais73, que revestem todo o sistema de forma a impedir que normas provenientes, p. ex., do CPC/2015, sem expressa e específica remissão, se apliquem ao Sistema dos Juiza-dos sem antes se compatibilizarem com este filtro.

Assim, como destaca Elpídio Donizetti74, “a aplicação ou não de determinada re-gra ou princípio constante no novo CPC, aos juizados especiais vai depender do con-fronto das respectivas normas. A principiologia dos juizados guarda relação com as fontes materiais – no caso, as razões históricas – que determinaram a sua criação. Dessa forma, ainda que uma regra do Código prescreva que este ou aquele instituto aplica-se aos juizados especiais. Em se verificando que esse instituto vai de encon-tro a tal conjunto de princípios, a aplicação da regra deve ser afastada.”

É por isso que qualquer diálogo das fontes deve ser formulado observando os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, não se podendo permitir um monólogo das fontes em detrimento do Sistema estabelecido pela Lei 9.099/95, até porque o devido procedimento legal a que faz referência o art. 98, I da Constituição Federal (oral e sumariíssimo) nada mais é do que um devido procedimento legal simples e simplificado, que atenda à sua finalidade de forma célere e econômica, se possível através da conciliação ou da transação.

Por sua vez, é por isso que nas hipóteses de divergências, de natureza proces-sual, entre o Código de Processo Civil e a Lei 9.099/95, a autonomia dos Juizados Especiais para regular o seu procedimento deve ser preservada, devendo a inter-pretação ser realizada à luz dos princípios reitores do Sistema dos Juizados Espe-ciais Cíveis.

Claro que, com isso, não queremos dizer que os princípios mencionados são os únicos a serem observados: as normas Constitucionais, assim como os princípios da ampla defesa, do devido processo legal, do contraditório, e da fundamentação substancial, dentre outros, são a sustentação do Sistema dos Juizados.

73 Confira in: ROCHA, Filippe Borring, in Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, 7ª edição, Atlas, pag. 28.

74 Coleção repercussões do novo CPC, Coordenador geral, Fredie Didier Jr, Ed. Juspodivm, pag. 89, 2015.

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Contudo, por força do art. 98, I da Constituição Federal, o devido processo legal nos Juizados Especiais é sumariíssimo e oral, e que, em razão disso, o princípio do contraditório e da ampla defesa encontram restrições sistêmicas significativas se comparadas às possibilidades existentes no modelo processual estabelecido pelo CPC. Por exemplo, no Sistema dos Juizados, o número de testemunhas é limitado a três para cada parte, já no CPC/2015, o número de testemunhas arroladas pelas partes é de dez, sendo três para a prova de cada fato. Existe, ainda, restrição à re-alização de prova pericial complexa, além de o rito ser concentrado e só existir a possibilidade de se utilizar do Recurso Inominado ou dos Embargos de Declaração.

Com relação à prova pericial, uma nota breve deve ser feita, não obstante a exis-tência de posicionamento favorável à sua admissibilidade por parte da doutrina, o certo é que, na prática, pelo menos nas Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro, as perícias de natureza complexas não são admissíveis.

A Lei 9.0999/95 não utiliza as denominações “perito” e “laudo pericial”, pre-ferindo optar por “técnico” e “laudo técnico”; a escolha do legislador por essas ex-pressões demonstra que o espírito da lei foi o de simplificar o procedimento.

Por fim, deve ser destacado que a competência dos Juizados é para conciliar, processar e julgar as causas cíveis de menor complexidade. Assim, uma questão que dependa, para sua solução, de laudos demorados, caros, circunstanciados e longa-mente fundamentados não pode prosseguir no Sistema dos Juizados.

9.3.4.2. Inaplicabilidade da tutela de urgência em caráter antecedente no sistema dos juizados especiais cíveis estaduais

Chegando ao ponto nodal desse ensaio, vemos que as novas normas específicas relativas ao processamento dos requerimentos de tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, em caráter antecedente, não se afinam com os princípios norteadores, tampouco com o procedimento previsto na Lei 9.099/95. Nesse sen-tido, no último encontro nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), realizado em Belo Horizonte-MG, no período de 25 a 27 de novembro de 2015, foi aprovado o se-guinte enunciado: “Os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos arts. 303 a 310 do CPC/2015 são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais.”

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandre de Oliveira, em seu Curso de Direito Processual Civil75, definem a tutela satisfativa (antecipada) em caráter antecedente como aquela “requerida dentro do processo em que se pretende pedir a tutela definitiva, no intuito de adiantar seus efeitos, mas antes da formulação do pedido em tutela final. O legislador prevê, para sua concessão, um procedimento próprio, disciplinado no art. 303 e seguintes do CPC, a ser aqui analisado.”

75 Volume II, 10ª edição, 2015, editora Juspodivm, pag. 602.

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Os mesmos autores incluem a estabilização da decisão concessiva da tutela como técnica de monitorização do processo para situações de urgência, na medida em que obtém o resultado através da inércia do réu, como ocorre na ação monitó-ria prevista nos art. 700 a 702 do CPC/2015. Consoante mencionado: “A tutela de urgência satisfativa (antecipada) antecedente sucede que, ao mesmo tempo em que mantém e amplia a ação monitória, o legislador vai além e generaliza a técnica mo-nitória, introduzindo-a no procedimento comum para todos os direitos prováveis e em perigo que tenham sido objeto da tutela satisfativa provisória antecedente. O modelo da ação monitória (arts. 700 a 702, CPC) deve ser considerado o geral – é possível, inclusive, pensar em um microssistema de técnica monitória, formado pelas regras da ação monitória e pelos arts. 303 a 304 do CPC, cujos dispositivos se complementam reciprocamente.”

Se o modelo de ação monitória (art. 700 a 702 do novo CPC) deve ser conside-rado como norma geral de eventual microssistema de técnica monitória, formado pelas regras da ação monitória e pelas regras de procedimento da tutela antecipa-da requerida em caráter antecedente, fica evidente que este procedimento especial não deve ser aplicado ao Sistema dos Juizados. Quanto ao tema: “Ação monitória. Procedimento próprio e específico. Incompatibilidade com o rito do Juizado. Princí-pios da simplicidade, informalidade e celeridade que desrecomendam a adoção de novo ritual. Sentença confirmada. Recurso improvido” (Rec. 01597518297, Passo Fundo/RS, RJE, 20/97).

Mas não é só. No Sistema dos Juizados, não há espaço para aditamento à peti-ção inicial, com a complementação de argumentos e juntada de novos documen-tos (art. 303, I do novo CPC), análise prévia de admissibilidade (§ 6º. do art.303 do novo CPC), ou estabilização de decisão interlocutória (art. 304 do novo CPC); o procedimento estabelecido na lei dos juizados tem como principal característica a concentração de seus atos e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias que não sofrem os efeitos da preclusão.

Daí se vê que, se as decisões interlocutórias no Sistema dos Juizados não pre-cluem, assim, não podemos falar em estabilização da tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, do novo CPC. A estabilização se dá com a inércia do réu que, da decisão que conceder a tutela antecipada, não interpuser agravo de instrumento (art. 1.015, I do NCPC), recurso que não existe no Sistema dos Juizados.

Ainda sobre o tema, citamos, para não haver prolongamento excessivo, a lição de Maria do Carmo Honório: “Ocorre que a antecipação da tutela na forma prevista no art. 303 do novo Código de Processo Civil implica na concessão de prazo para o aditamento da petição inicial, com evidente prejuízo para a sessão de conciliação, que é privilegiada no sistema especial. Há que se considerar que a estabilidade ou não da tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 do novo Código de Pro-cesso Civil, depende da interposição ou não de recurso no decorrer do processo, o que é incompatível com o Juizado Especial, onde devem ser evitados incidentes pro-

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cessuais e as questões devem ser decididas preferencialmente em audiência. Por outro lado, no caso em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, se a petição simplificada nos termos de art. 14 da Lei 9.099/95, por si só, não for suficiente para o pleito de antecipação de tutela, haverá evidente complexidade e a solução será o indeferimento da petição inicial por incompatibilidade com o proce-dimento do Juizado Especial.”76.

Por outro lado, na forma do art. 304 § 2º, § 4º e § 5º, do CPC/2015, qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada, através de ação própria, perante o juízo em que a tutela antecipada foi concedida e estabilizada. Não podemos esquecer que a Lei 9.099/95 restringe o número de legitimados a propor ações perante os Juizados (art. 8º. da Lei n. 9.099/95): as pessoas físicas (inciso I), as microempresas (in-ciso II), as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (inciso III), as sociedades de crédito ao microempreendedor, as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais e as empresas de pequeno porte. Dessa forma, aquelas pessoas jurídicas que não estão elencadas no rol do art. 8º, da Lei de regência, ou seja, a maioria dos réus hoje demandados pe-rante os Juizados Especiais Cíveis (Bancos, Concessionárias de Serviços Públicos, Empresas de Seguro, Hospitais e etc.), ficariam impossibilitadas de propor ação re-vocatória para atacar os efeitos da tutela perante o mesmo Juizado Cível em que se desenvolveu o processo no qual fora deferida a tutela antecipada que se estabilizou.

No que se refere ao procedimento da tutela cautelar requerida em caráter an-tecedente previsto no art. 305 do NCPC, algumas considerações iniciais devem ser feitas. A Lei n. 5.869, de 11de janeiro de 1973, regulou o processo cautelar nos arts. 769 a 889; a inadmissibilidade da propositura de ação cautelar em sede de Juizado Especial se dá em razão do seu procedimento específico, que se mostra incompa-tível em razão de sua especificidade e não em razão da natureza acautelatória ou antecipatória do pedido, até porque “é cabível a determinação, de ofício, de pro-vidências cautelares no processo em curso nos Juizados Especiais Cíveis”. Diante disso, a restrição sempre foi e sempre será em razão do procedimento das medidas cautelares.

Pois bem, a tutela de urgência antecedente de natureza cautelar não trouxe no-vidades na essência do instituto. Não houve significativa alteração de conceitos e conteúdo. Trata-se da tutela cautelar preparatória, previstas nos arts. 801, inciso II, 806 e 808, do Código de Processo Civil de 1973. A diferença cinge-se no fato de não ser mais necessária a cisão das pretensões em dois processos autônomos, o caute-lar e o processo principal de conhecimento ou de execução.

76 Maria do Carmo Honório in Juizados Especiais Cíveis e o Novo CPC, Coordenado por Erick Linhares, Editora Juruá, 2015, pág. 50/51.

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No sistema do CPC/2015, a petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumá-ria do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 305, CPC/2015); após a citação do réu, este terá o prazo de cinco dias para apresentar sua contestação e indicar as provas que pretende produzir. Não sendo contestado o pedido, o juiz decidirá dentro de cinco dias; contestado o pedido no prazo legal, observar-se-á o procedimento comum (art. 319, do CPC/2015).

Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de trinta dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, cessando a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente se: o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal; não for efetivada dentro de trinta dias; ou o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor; ou extinguir o processo sem resolução de mérito.

É importante observar que a incompatibilidade do procedimento de tutela cau-telar requerida em caráter antecedente prevista no novo Código de Processo Civil se mostra igualmente incompatível com o procedimento dos Juizados Especiais, da mesma forma que as ações cautelares previstas nos arts. 796 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973. Quanto ao tema, merece destaque:

ENUNCIADO n. 14.5.2 - TJRJ – AÇÃO CAUTELAR – IMPÓSSIBILIDA-DE. “É inadmissível a propositura de ação cautelar em sete de juizado Especial Cível.” (aviso n. 23/2008 do TJRJ).

TJ-SP – 2º TURMA RECURSAL CÍVEL – RI 15351 – JUIZADO ESPE-CIAL PROCEDIMENTO CAUTELAR – NÃO CABIMENTO. “É incabí-vel o procedimento cautelar no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis (art. 3º, incisos I a IV, da Lei nº 9.093/95).” (Publicado 10/09/2008).

Em outras oportunidades já foi reconhecida a incompatibilidade do Sistema dos Juizados, p. ex., com a execução de sentença ilíquida de natureza genérica, proferida em ação coletiva, exatamente porque o Sistema dos Juizados Cíveis só possui com-petência para executar suas próprias sentenças que necessariamente devem ser li-quidas. Nesse sentido confira Recurso Inominado nº. 0011381-34.2014.8.19.0026, 4ª. Turma Recursal do Estado do Rio de Janeiro, julgado em 17/11/2015:

EXECUÇÃO DE SENTENÇA ILÍQUIDA DE NATUREZA GENÉRICA, PROFERIDA EM AÇÃO COLETIVA. INCOMPETÊNCIA DOS JUIZA-DOS ESPECIAIS CÍVEIS PARA PROCESSAR A EXECUÇÃO. 1- O pro-cedimento de liquidação e execução de sentença genérica oponível erga omnes regula-se pelas normas próprias do Código de Processo Civil, (art. 475-C e art. 475-E ambos do CPC), vez que aqueles que pretendem habilitar-se para o procedimento de liquidação e execução deverão comprovar sua condição de titulares dos direitos a que diz respeito a condenação, assim como os prejuízos efetivamente sofridos. 2- Os Juizados Especiais Cíveis, só possuem competência para executa-rem suas próprias sentenças, que devem ser necessariamente líquidas, (art. 38 da Lei n. 9099/95). 3- Extinção do processo que se mantém.

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