tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do...

7
Cópias dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e da Re- lação de Lisboa e da sentença do 8.°juízo cível da comarca de Lisboaproferidos no processo da marca nacional n.°82949. Laboratórios Vitória, sociedade portuguesa, anónima de responsabilidade limitada, com sede na Rua de Elias Garcia, Venda Nova, Amadora, desta comarca, requereu à Direcção-Geral do Comércio que fosse efectuado o registo da marca industrial «Fenergan_ Portugal », que destinava, segundo indicou, a produtos farmacêuticos., especiais ou não, objectos para pensos, desinfectantes e produtos veterinários. O requerimento, em tais condições e com tal finalidade, foi apresentado em 8 de Fevereiro de 1955 e foi inserido no Boletim da Propriedade Industrial n.° 2 de 1955, publicado em 30 de Julho do mesmo ano - e tal pedido teve na respectiva repartição o n.° 82 949. No prazo legal após essa publicação, contra esse pe- dido reclamou a firma, Portela & C.ª, sociedade comer- cial e industrial, com sede no Porto, alegando ser dona do registo da marca Fenarsam, sob o n.° 44 094, concedido por despacho de 31 de Outubro de 1934, pu- blicado no Boletim Oficial da Propriedade Industrial n.° 10 de 1934, de 20 de Dezembro do mesmo ano, destinando-se aos mesmos produtos que a marca- que aqueles Laboratórios Vitória fizeram registar, e que as duas referidas marcas apresentam tal semelhança grá- fica e fonética que se torna impossível uma fácil e clara distinção entre elas, o que viria, indubitàvel- mente, a induzir o consumidor em erro e a estabelecer confusão no mercado, havendo assim lugar à aplicação do disposto nos artigos 93.° e 94.° do Código. da Pro- priedade Industrial, e, por isso, pediu que tal preten- dido registo dos Laboratórios Vitória fosse recusado. Tal reclamação foi, depois, contestada pelos Labora- tórios Vitória, com o fundamento de não haver sombra de confusão entre as duas marcas referidas e não ha- vendo, por isso, necessidade de, para as distinguir e diferençar, proceder ao seu exame atento e confronto, visto elas produzirem no espírito do público impres- sões gerais de conjunto suficientemente diferenciadas, sendo de atender que a lei não se contenta com qual- quer semelhança, pois exige, no artigo 94.° do Código da Propriedade Industrial, que essa semelhança seja

Upload: duonganh

Post on 11-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou,

Cópias dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e da Re- lação de Lisboa e da sentença do 8.° juízo cível da comarca de Lisboa proferidos no processo da marca nacional n.° 82 949.

Laboratórios Vitória, sociedade portuguesa, anónima de responsabilidade limitada, com sede na Rua de Elias Garcia, Venda Nova, Amadora, desta comarca, requereu à Direcção-Geral do Comércio que fosse efectuado o registo da marca industrial «Fenergan_ Portugal », que destinava, segundo indicou, a produtos farmacêuticos., especiais ou não, objectos para pensos, desinfectantes e produtos veterinários. O requerimento, em tais condições e com tal finalidade, foi apresentado em 8 de Fevereiro de 1955 e foi inserido no Boletim da Propriedade Industrial n.° 2 de 1955, publicado em 30 de Julho do mesmo ano - e tal pedido teve na respectiva repartição o n.° 82 949. No prazo legal após essa publicação, contra esse pe-

dido reclamou a firma, Portela & C.ª, sociedade comer- cial e industrial, com sede no Porto, alegando ser dona do registo da marca Fenarsam, sob o n.° 44 094, concedido por despacho de 31 de Outubro de 1934, pu- blicado no Boletim Oficial da Propriedade Industrial n.° 10 de 1934, de 20 de Dezembro do mesmo ano, destinando-se aos mesmos produtos que a marca- que aqueles Laboratórios Vitória fizeram registar, e que as duas referidas marcas apresentam tal semelhança grá- fica e fonética que se torna impossível uma fácil e clara distinção entre elas, o que viria, indubitàvel- mente, a induzir o consumidor em erro e a estabelecer confusão no mercado, havendo assim lugar à aplicação do disposto nos artigos 93.° e 94.° do Código. da Pro- priedade Industrial, e, por isso, pediu que tal preten- dido registo dos Laboratórios Vitória fosse recusado. Tal reclamação foi, depois, contestada pelos Labora-

tórios Vitória, com o fundamento de não haver sombra de confusão entre as duas marcas referidas e não ha- vendo, por isso, necessidade de, para as distinguir e diferençar, proceder ao seu exame atento e confronto, visto elas produzirem no espírito do público impres- sões gerais de conjunto suficientemente diferenciadas, sendo de atender que a lei não se contenta com qual- quer semelhança, pois exige, no artigo 94.° do Código da Propriedade Industrial, que essa semelhança seja

Page 2: tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou,

tão acentuada que induza facilmente o consumidor em erro, não podendo este distinguir a marca mais mo- derna da mais antiga senão depois de exame atento e confronto; e verifica-ce que aquelas impressões gerais de conjunto quanto às duas marcas em questão são perfeitamente distintas, quer quanto ao ponto de vista gráfico, quer quanto ao aspecto fonético, que as tornam perfeitamente dissemelhantes. A ora recorrente replicou sustentando, como já havia

feito na reclamação., que as duas marcas referidas apresentam semelhança que induz facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto, pois a impressão geral de conjunto das duas designa- ções é de absoluta identidade, visto ambas terem o mesmo número de sílabas (três) e compreenderam tam- bém, cada uma, o mesmo número de letras (oito.) e sendo igual em cada uma delas a sucessão das con- soantes e das vogais, sendo também semelhante entre tais marcas, sob o ponto de vista fonético, a pronúncia de tais sílabas. Treplicou, finalmente, a requerente do registo de

marca Fenergan, insistindo nos pontos de vista já apresentados na contestação e dizendo que as diferen- ças existentes nas duas marcas são facilmente percep- tíveis, tanto pelo ouvido como pela vista, e que as vogais da segunda sílaba e as consoantes inicial e final da última imprimem aos conjuntos em que se inserem, pela sua conjugação, personalidades nitidamente dis- tintas e autónomas, e procurou rebater as considera- ções feitas pela ora recorrente nas suas reclamação e réplica, apresentando novas razões, em reforço do que havia alegado na contestação e juntando dois documen- tos. A seguir foi prestada a informação da Repartição

da Propriedade Industrial, dizendo que a marca ini- cial registada a favor da ora recorrente não, se confun- dia fàcilmente, no seu modo de ver, com a marca cujo registo fora requerido e que nesse sentido já ante- riormente haviam entendido os serviços da propriedade industrial, e tendo sido concedidas por tais serviços, durante a vigência da marca da ora recorrente, as marcas internacionais Fenergan e Phenergan, às quais o respectivo titular renunciou para o fim de o reque- rente do registo da marca em causa introduzir a sua. E essa informação, concluindo por propor que se de- ferisse o requerido registo, obteve a concordância do chefe da respectiva repartição, sendo tal informação e proposta aprovadas pela Direcção-Geral do Comércio, que em tal sentido concordou. E m tais condições, foi efectuado o registo da marca n.° 82 949 -Fenergan-, a favor de Laboratórios Vitória, S. A. R. L., por des- pacho de 1 de Fevereiro de 1958, publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.° 2 de 1958, de 31 de Março do mesmo ano. Dessa decisão, e dentro do prazo legal, interpôs a

reclamante Portela & C.ª este recurso, nos termos dos artigos 203.°, 204.° e 205.° do Código da Propriedade Industrial, baseado em que por despacho daquela mesma Direcção-Geral de 31 de Outubro de 1934, pu- blicado no Boletim da Propriedade Industrial n.° 10 daquele ano, com data de 20 de Dezembro do mesmo ano, lhe fora concedida a marca registada sob o n.° 44 094, destinada aos produtos da 79.ª classe, e com a designação de Fenarsam, e assim se julgar pre- judicada pela concessão do registo da marca Fenergan aos Laboratórios Vitória, S. A. R. L., com o n.° 82 949, com a designação Fenergan, visto esta com aquela se confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou, como já o fizera na reclamação e na réplica do processo apenso, que, quer sob o aspecto

gráfico, quer sob o aspecto fonético, tais marcas se podem confundir ou disso são susceptíveis, devido, à sua grande semelhança, e é apenas quanto a esses as- pectos que o caso tem de ser apreciado por se tratar de marcas registadas apenas sob a forma nominativa. Salientou, em relação àquele aspecto gráfico, para de- monstrar a alegada semelhança conducente à possibi- lidade de confusão, a circunstância de ambas as mar- cas serem compostas pelo mesmo número de letras (oito), que se encontra distribuído por igual número de sílabas (três), e em cada uma, destas é igual o nú- mero de letras (duas, três, três), de em cada uma de tais marcas ser igual a sucessão de consoantes e vogais (das oito letras de cada marca cinco delas são iguais e a primeira sílaba é igual e formada pelas mesmas le- tras em ambas as marcas). E, quanto a esse aspecto, disse que a única diferença existente entre essas mar- cas, consistindo apenas na diferença entre as letras quarta, sexta e oitava de cada uma, não constitui base suficiente, consideradas aquelas semelhanças aponta- das, nem motivo bastante para .conferir eficácia jurí- dica à marca cujo registo é objecto, deste recurso. E, pelo que respeita ao aspecto fonético, alegou a se- melhança entre as duas marcas, pois, em ambas existe uma vogal aberta (a numa delas e e na outra) e a letra final de cada uma delas, embora diferente, tem em ambas a mesma pronúncia - são as letras m e n - por parte do público consumidor, acreseentando que as duas sílabas iniciais de cada uma, embora não sejam tónicas, são abertas, e a sílaba tónica é igual e a mesma em ambas, por estas serem constituídas por palavras agudas, sendo essa sílaba pronunciada da mesma forma, e tão pouco saliente é a única dissemelhança, sob o ponto de vista fonético, resultante das letras g e s, que não é bastante para individualizar a marca a que se refere o registo em. causa. Encarando, depois, o assunto sob outro ponto de vista e afirmando ser a marca dela, recorrente, anterior, na respectiva data àquela cujo registo está em recurso, visto o registo daquela lhe ter sido concedido por despacho de 31 de Outubro de 1934, usando dela, desta forma, tal como há 24 anos, e só- mente em 30 de Julho de 1'955 tendo sido publicado no respectivo Boletim o pedido de registo em causa, e não obstante tal pedido ter sido feito depois do das marcas internacionais Phenergan e Fenergan, a verdade é que não só não consta terem sido essas marcas usadas em Portugal, mas ainda só a partir do ano de 1949, e o cancelamento apenas em Maio de 1955 foi comunicado, não se lhe seguindo, porém, qualquer transmissão, não influindo, por isso, a favor da requerida a circuns- tância de ter sido concedida protecção àquelas marcas e, até, o registo da marca Fenarsam seria muito ante- rior ao da marca da recorrida, devendo, por todas as razões apontadas, ser revogado o despacho recorrido e recusado o registo da marca n.° 82 949 - Fenergan. Alegou a recorrida procurando demonstrar que, grà-

ficamente, não havia semelhança entre as marcas que tornasse possível a confusão, bastando anotar o facto de três das letras de cada uma delas serem diferentes, pois as letras e, 9 e n de uma correspondem respectiva- mente às letras a, s e m da outra, o mesmo, sucedendo quanto ao aspecto fonético, pois a sílaba final de cada uma delas (gan e sam) pronuncia-se de forma dife- rente, em virtude de não existir em linguagem cor- rente portuguesa o ditongo an, que, por isso se lê ane, ao passo que o ditongo am se lê ão. Salientou mais, quanto ao aspecto figurativo das duas marcas, que a distinção entre elas é clara e nítida, quer pelo fim inconfundível dos medicamentos designados por elas, quer pelo inconfundível aspecto dos invólucros, e que não há qualquer anologia entre as indicações gerais ou especiais, sob o aspecto clínico ou comercial, e para o

Page 3: tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou,

comprovar juntou diversos documentos, e que tanto a marca da recorrente como a da recorrida coexistiram, após o registo de cada uma, durante algum tempo, e que qualquer semelhança que possa notar-se entre as duas marcas não pode ser considerada para os efeitos da lei como qualificada, e esta é a única que a juris- prudência tem entendido e considerado como relevante para caracterizar a imitação. E sabido que uma das principais características ou

requisitos das marcas industriais e comerciais consiste na sua especialidade, no sentido de que ela deve ser distinta e diferente de qualquer outra já existente, ou adoptada por qualquer outra, e, embora tal requisito não se encontre expressa e claramente indicado na maior parte das legislações dos países - como sucede, por exemplo, na nossa-, ele infere-se, todavia, dos di- versos preceitos referentes à recusa e anulação do re- gisto, à repressão da concorrência desleal, à imitação ou contrafacção das marcas (artigos 74.°, § 1.°, 79.°, 85.°, 86.°, 92.°, 93.°, 94.°, § único, 95.°, 97.° e 122.°, n.° 4., etc., do Código da Propriedade Industrial). A marca precisa de ter eficácia distintiva e de ser es- pecial, de forma a fazer distinguir o produto ou invó- lucro a que ela se aplique ou respeite, os torne distin- tos de outros idênticos ou semelhantes, sendo certo que nos artigos 86.°, n.° 3.°, 88.°, 89.° e § único o Código da Propriedade Industrial consagrou expressamente a doutrina de que o registo de marcas deve ser efectuado em relação a produtos e, quanto a eles, de harmonia com a classificação legal para tal fim estabelecida. Anteriormente à Lei n.° 1972, e por efeito da legis-

lação de 1895 e 1896, a especialidade era referente aos produtos de uma classe, sendo eles ou as mercadorias, e para o efeito da adopção de marcas e do seu registo, agrupados em classes constantes de uma tabela que servia de base ao registo, com data de 1901, tendo o requerente do pedido do registo da marca de indicar a classe de produtos para que a adoptava, e, por isso, era necessário verificar se havia ou não qualquer marca já registada para os produtos desta classe com a qual a nova marca pudesse confundir-se ou de que fosse re- produção; e na proposta ministerial que deu lugar à Lei n.° 1972 ainda era adoptado o registo por classes e a especialidade da marca reportava-se a classes de produtos. Mas a Câmara, Corporativa, ao formular o seu parecer sobre tal proposta, notava que «sendo a marca registada por classes de produtos, e não por pro- dutos, ela individualizava classes de produtos, e não produtos, e, por mais perfeita que seja a, classificação destes, sempre o registo da marca abrangeria classes provenientes da integração de produtos que não devem ser individualizados com a mesma marca», pois, na maior parte, essas classes abrangem produtos alheios à actividade exercida pelo interessado que pretende o registo. E notava-se também que, compreendendo as classes produtos muito diversos na sua natureza, su- cedia que, pretendendo adoptar-se uma marca para certo produto, este podia não ser susceptível de registo por essa marca ser idêntica ou semelhante a outra já anteriormente adoptada por outra pessoa para um pro- duto totalmente diferente e sem qualquer afinidade com aquele, embora pertencente à mesma classe. E tam- bém acontecia que, havendo produtos semelhantes in- cluídos em classes diversas e numa determinada classe se incluíam produtos semelhantes aos abrangidos nou- tra classe diferente, quando era apresentada a registo, numa marca destinada a certo produto e, por isso, se requeria o registo para a classe que se pretendia, su- cedia que, por vezes, se verificava existir já o registo de marca para qualquer produto similar, embora nou- tra classe, com a qual aquela podia confundir-se, dando isto lugar a que o registo pretendido não fosse conce-

dido pela respectiva repartição. Assim, não se podia registar em determinada classe a. marca destinada a certo produto, em especial, dessa classe, por nessa mesma classe estar já registada uma marca semelhante, embora ela fosse usada para produtos completamente diferentes. E m consequência destas apontadas circunstâncias, a

Câmara Corporativa pronunciou-se, no referido pare- cer, a favor do registo por produtos, em substituição do registo por classes, visto os inconvenientes aponta- dos por essa forma desaparecerem, explicando ela, no já aludido parecer, que, como o requerente do registo da marca é obrigado a declarar os produtos a que é destinada aquela, e como o repertório ou lista dos pro- dutos indica a classe ou classes deles, «as marcas só poderão ser recusadas por serem idênticas ou semelhan- tes a outras já registadas, quando os produtos daquelas constantes ou destas forem os mesmos ou similares». É certo que no sistema do registo por produtos tam-

bém se formam classes. A verdade é que no registo por classes estas têm a maior importância, sob o as- pecto tanto intrínseco como extrínseco dos serviços, e no registo por produtos por classes, ou seja produtos elassificados, estes apenas interessam à sistematização e boa ordem dos serviços, não interessando para as de- cisões sobre os recursos, pois, conforme a Câmara Cor- porativa notou, a identidade da classe é fundamental para a decisão no sistema do registo por classes, mas no registo por produtos é simples auxiliar de estudo a quem decide. O Código da Propriedade Industrial consagrou a

doutrina da Lei n.° 1972 a tal respeito e até a desen- volveu quanto ao estabelecimento do sistema de re- gisto por produtos, determinando no artigo 86.°, n.° 3.°, que o pedido de registo da marca deve indicar o pro- duto ou produtos a que a marca, se destina, e no ar- tigo 88.° que do aviso e do anúncio a publicar após a apresentação do pedido de registo deve constar a indi- cação da marca em face da lista ou repertório dos pro- dutos, e verifica-se também do conteúdo da tabela v anexa ao referido código. Este estabeleceu, ao tratar do registo de marcas, expressamente, no artigo 90.°, que a ele se procederia por produtos, e no § 1.° deter- minou que as marcas tinham de ser referidas aos pro- dutos respectivos constantes do repertório ou lista de- les que fosse publicada, embora cada pedido de registo não pudesse abranger mais do que cinco produtos, como é determinado no § 2.° desse artigo. E no artigo 92.° determinou-se que a respectiva repartição examinará a. marca a registar e sua comparação com a marca ou marcas registadas para o mesmo, produto ou produtos similares. No artigo 93.°, n.° 12.°, ainda o código con- sidera como fundamento de recusa de registo de marca o facto de em todos ou em alguns seus elementos se conter reprodução ou imitação total ou parcial da marca anteriormente registada por outrem para o mesmo pro- duto semelhante que possa induzir em erro ou confusão no mercado. Ora a especialidade da marca e a sua eficácia. dis-

tintiva representam uma garantia para quem a escolhe ou adopta, e essa garantia sòmente produz efeitos como consequência do registo, pois este constitui condição necessária para que aquele que adopta uma marca possa reclamar e invocar a. protecção legal a favor dela. Esta garantia resulta claramente do estabelecido naquele n.° 12.° do artigo 93.° e no artigo 94.° e § único do re- ferido código. Considera este último artigo como imi- tada ou usurpada, no todo ou em parte, a marca, des- tinada a objectos ou produtos inscritos no repertório sob o mesmo número, que tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que in- duza fàcilmente em erro ou confusão o consumidor, não

Page 4: tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou,

podendo este distinguir as duas senão depois do exame atento ou confronto. A marca não pode ser idêntica ou semelhante a outra já registada, e nisto está e consiste a garantia desta. Mas a marca pode ser a reprodução de outra anteriormente adoptada ou registada por ou- tro comerciante ou industrial, usando, assim, o usur- pador a própria marca de outrem, ou ser simplesmente parecida com a adoptada por outro comerciante ou in- dustrial para os mesmos produtos ou para produtos si- milares, isto é, de uma marca que com esta pode con- fundir-se, sendo, em geral, tal parecença intencional, pois o imitador usa esse processo para beneficiar das vantagens que com a marca imitada são usufruídas por outro industrial ou comerciante - havendo no primeiro caso contrafacção e no segundo imitação e em ambos usurpação. Assim se manifesta o ilustre professior e juriscon-

sulto Doutor Pinto Coelho, a p. 395 do primeiro volume, 2.ª edição, das Lições de Direito Comercial. Aí se re- fere também que a lei não define o que seja a imitação, nem aconselhável seria que o fizesse, pelas complica- ções e dificuldades que a definição podia trazer, e que o único caminho acertado parece consistir em, na lei, se dizer simplesmente que é perseguida a imitação, que tem lugar sempre que se adopta uma marca que, apre- sentando embora diferenças, é de tal modo semelhante a outra marca que pode induzir em erro ou confusão, citando-se a opinião de que a questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do. conjunto dos elementos que constituem a marca, e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos por- menores considerados isolada e separadamente. Acres- centa o mesmo ilustre professor que este é o verdadeiro princípio a enunciar, e é por ele que se tem de orien- tar o julgador, e que sempre que no conjunto da marca se possa ver uma semelhança capaz de estabelecer con- fusão deve considerar-se a marca, como imitada, sem estar a atender ao facto de ser ou não necessário o con- fronto das marcas para apreender as diferenças que as separam; deve olhar-se à semelhança do conjunto, e não à natureza das dissemelhanças ou ao grau das di- ferenças que as separam, sendo de considerar que o público geralmente não está a pensar na imitação, na existência ou não existência da imitação, pois liga um produto que agradou a certa marca, de que conserva uma ideia mais ou menos precisa; e deve evitar-se que outro comerciante adopte uma marca que, ao olhar distraído do público, possua apresentar-se como sendo a que ele procura. Ainda aí, a p. 401, se observa que os peritos, ou os que mais directo e frequente contacto têm com o produto, fàcilmente reconhecem como dis- tintas de outra para os produtos da mesma espécie, mas que o público, menos atento e observador, menos experimentado, não reconhece como diversos, sendo para este observador distraído, digamos assim, ou des- prevenido, que se deve olhar. E m face do exposto, entendo que a marca cujo re-

gisto foi efectuado a requerimento da ora recorrida Labo- ratórios Vitória, S. A. R. L., com o n.° 82 949 e a desig- nação Fenergan é confundível com a marca registada anteriormente, a requerimento e a favor da recorrente Portela & c.ª, com o n.° 44 094 e a designação de Fe- narsam. E enquanto o registo desta última marca, da recorrente, foi efectuado em 31 de Outubro de 1934 - como se vê de fl. 10 -, a data do registo daqueloutra é de 1 de Fevereiro último - 1958, como se vê de fl. 8 v.° Assim, tinha aquela - 44 094 - a seu favor a garantia da sua propriedade, nos termos e por efeito do disposto na parte final do artigo 74.° do Código da Propriedade Industrial. Como foi registada a marca n.° 82 949, esse facto implica, segundo o disposto no § 1.° do mesmo artigo, mera presunção jurídica de

novidade ou distinção de outra anteriormente regis- tada. A circunstância de ter sido efectuado esse registo mostra que, até prova em contrário, terá de concluir- -se que a marca n.° 82 949, em virtude de tal presun- ção, tem carácter de novidade e é distinta da marca n.° 44 094, anteriormente registada. E isto compreende- -se em face do que se vê estabelecido nos artigos 88.°, 90.° e 92.° do código, dos anúncios, reclamações e re- cursos aí permitidos e ordenados e do exame e compa- ração mencionados no último daqueles artigos. Resta agora verificar se essa presunção foi ilidida,

em face do que consta dos autos, por prova em con- trário, de forma a poder concluir-se que a marca ou registo em recurso não respeitam a coisa ou objecto novo e distinto da marca anteriormente registada, an- tes com esta pode fàcilmente confundir-se e representa imitação, intencional ou não, da marca referida, se ela temem relação a esta eficácia distintiva e carácter de especialidade ou se, pelo contrário, com ela é con- fundível. Ora, apreciando os elementos em conjunto da marca cujo registo é objecto deste recurso e aqueles que são objecto do registo da marca da recorrente, verifica-se que entre eles há evidentes semelhanças, quer no aspecto gráfico - composição da palavra que constitui e forma cada uma delas -, quer no aspecto fonético - forma de pronunciar as palavras respecti- vas. A semelhança referida, notada sem atenção detida e observada cada uma no conjunto dos seus elementos - letras e sílabas, sua ordem e colocação-, induz fàcil- mente em erro ou confusão quem não estiver a fazer exame de comparação ou a analisar detida e demora- damente esses elementos ou palavra e antes repare de relance e desprevenidamente numa, depois de, passado algum tempo e também de relance e de passagem, ter visto ou reparado na outra. Acresce a isto o que re- sulta, para maior e mais fácil tornar a confusão, da circunstância de se tratar de produtos similares ou com destino ou aplicações semelhantes e incluídos na mesma classe de produtos. Por outro lado, a,s dissemelhanças ou diferenças,

consideradas também no conjunto dos elementos de cada marca ou mesmo isolada e separadaonjente, não têm relevância considerada com a que resulta da se- melhança já assinalada, podendo mesmo dizer-se que tal dissemelhança ou diferença é suplantada e, por assim dizer, absorvida por aquela. Geralmente o pú- blico, demais aquele que tem falta de ilustração e conhecimentos dos produtos, que só raramente vê e adquire ou usa, não repara na ocasião em que os vê ou compra se são precisamente iguais os mesmos que lhe foram indicados ou que já adquiriu ou usou; a sua apresentação e configuração, vistas de relance, a se- melhança do seu nome, ou designação, e o facto de terem aplicação igual ou idêntica fazem parecer ou pensar que se trata da mesma coisa e induzem a pes- soa em tais condições a concluir, errada ou comfundi- damente, que se trata daquilo que pretende. E se lhe é pronunciado um nome ou designação que lhe soa ao ouvido de forma parecida ou semelhante com aquela que já ouviu e que na ocasião não tem bem presente, maior será a sua confusão e engano, maior o seu con- vencimento de que se trata de produto que pretende adquirir, tanto mais fácil e possível se não estiver de sobreaviso e confiar em que não será enganada. Vê-se que a marca cujo registo está em causa não

tem carácter de especialidade nem eficácia distintiva, antes fàcilmente se confunde com a marca já regis- tada anteriormente a favor da recorrente, porque é, como imitação, uma reprodução parcial da marca já anteriormente registada. Não há que fazer depender a verificação das semelhanças ou diferenças das mar- cas de prévio exame ou comparação atenta e discri-

Page 5: tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou,

minada quanto aos seus elementos na ocasião em que o público consumidor pretende adquirir o produto, para se certificar se da sua parte há ou não confusão. Quando tal necessidade de exame comparativo surgisse, a conclu- são a tirar seria a de que a confusão ou possibilidade dela era evidente e que se verificavam elementos a ela conducentes. No caso presente há, assim, a reprodução parcial e imitação da marca anteriormente registada pela recorrente para os mesmos produtos ou produtos semelhantes, e essa reprodução é susceptível de indu- zir em erro ou confusão, e esta circunstância era, nos termos do n.° 12.° do artigo 93.° do Código da Proprie- dade Industrial, fundamento de recusa do registo da aludida marca, em face do exame mencionado no ar- tigo 92.°; como tal recusa não foi determinada, veri- fica-se a anulabilidade do registo, por efeito do dis- posto nos artigos 122.°, n.os 1.°, 2.° e 4.°, do mesmo código. Mais se verifica que da imitação ou reprodução par-

cial da marca da recorrente já anteriormente regis- tada na marca cujo registo está em causa resulta fun- damento de recusa do registo, ainda que não seja intencional a concorrência desleal emergente de tal reprodução, nos termos e por efeito do disposto no n.° 4.° do artigo 187.° do dito código, e de harmonia com os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e da Relação, respectivamente de 21 de Novembro de 1950 e de 8 de Junho de 1949, com cuja doutrina concor- daram os ilustres professores Srs. Doutores Barbosa de Magalhães e Ferrer Correia (do Estat. Comercial, p. 182, nota, e Revista de Direito e Estudos Sociais, VI, n.os 1 a 3, p. 111). Nada influi para o caso o facto aludido de depois

do registo da recorrente e antes do da recorrida ter sido concedida protecção às marcais internacionais Phe- nergan e Fenergan, e estas terem, por isso, coexistido durante algum tempo, por efeito de tal registo, com a da recorrente. A garantia da propriedade da marca da recorrente resultava do registo, que não caducara nem fora anulado, e, nos termos do artigo 125.° do código, ele produzia, todos os seus efeitos a contar da sua data (1'934), com privilégio exclusivo derivado do mesmo registo. Por outro lado, o registo das marcas, tem como con-

sequência e objectivo acautelar o.s interesses dos titu- lares delas e proteger o público consumidor, evitando que seja induzido em erro ou confusão, e o facto de o titular de uma marca se não opor ao registo de marca semelhante, requerido por outra entidade, não auto- riza que se conceda esse registo desde que se verifique confusão entre as duas marcas, como se vê da jurispru- dência citada a p. 65, em nota ao artigo 93.° do Código da Propriedade Industrial, de Justino Cruz. Nos termos e pelos fundamentos expostos, e porque

não se verifica a caducidade da marca da recorrente, nos termos dos artigos 101.° e 124.°, ou pelas razões aí mencionadas, ou por efeito de renúncia, nos termos dos artigos 193.° e 194.° do código referido, e tendo em atenção O disposto no n.° 12.° do artigo 93.° e nos n.OS 1.°, 2.° e 4.° do Código da Propriedade Industrial, con- cedo provimento ao recurso interposto e, consequente- mente, revogo para todos os efeitos o despacho recor- rido, que deverá ser substituído por outro em que o registo pretendido quanto à marca n.° 82949, com a designação de Fenergan, seja recusado, devendo mesmo, e também consequentemente, ser declarado nulo para os efeitos legais e designadamente para não produzir efeito algum - e, em tais condições e para tal fim, assim o considero e julgo- o mesmo registo efectuado, condenando a recorrida Laboratórios Vitória, S. A. R. L., nas custas e imposto de justiça devidos e no mínimo de procuradoria a favor da recorrente, fixando

o valor do processo, nos termos do artigo 6.°, n.° 15.°, do Código das Custas em 60 000$. Notifique e registe. Lisboa, 3 de Janeiro de 1959. - António Augusto

de Oliveira Pinto. Está conforme.

Lisboa, 10 de Janeiro de 1959. - O Chefe da 2.ª Secção, (Ilegível).

Acórdão a fl. 142: Laboratórios Vitória, sociedade anónima de respon-

sabilidade limitada, conseguiu o registo da marca n.° 82 949 - Fenergan - por despacho do director- -geral do Comércio publicado no Boletim da Proprie- dade Industrial distribuído em 31 de Março de 1958. Desta decisão recorreu oportunamente Portela & C.ª,

com o fundamento de que é titular e detentora da marca registada sob o n.° 44 094 - Fenarsam -, para os mes- mos produtos, concedida por despacho de 31 de Outubro de 1934, publicado em 20 de Dezembro do mesmo ano, e que com aquela se confunde gráfica e foneticamente, recurso que obteve provimento pela sentença de fls. 41 e seguintes, de que os Laboratórios Vitória apelaram. Na sua minuta sustentam, em conclusão, que a marca

Fenergan não é imitação total ou parcial da marca Fenarsam e entre as duas não há semelhanças gráficas ou fonéticas que possam induzir fàcilmente em erro ou confusão o consumidor, nem são designativas do mesmo produto ou semelhante. A marca Fenergan destina-se a um medicamento histamínico, e a marca Fenarsam a um tónico e reconstituinte; diferentes são os elementos que entram na sua composição, como diversa é a sua posologia, modo de usar e aspecto e configuração dos respectivos invólucros. Além disso, em 3 de Outubro de 1947 e 25 de Agosto de 1948 foi feito o depósito das marcas Phenergan e Fenergan, respectivamente, na Secretaria Internacional de Berna, ficando a partir des- sas datas os registos nacionais substituídos pelo registo internacional, este válido por vinte anos, nos termos do Acordo de Madrid, e nunca ninguém reclamou contra a protecção em Portugal daquelas maras. É certo que, por comunicação feita em Maio de 1955, a Société des Usines Chimiques Rône Poulenc, titular das marcas depositadas, renunciou à protecção da marca Fenergan em Portugal, mas fê-lo a favor de Laboratórios Vitória. Pede finalmente, com o provimento do recurso, a re-

vogação da sentença apelada, tese que a firma Por- tela & C.ª contraria. Tudo visto: O artigo 93.°, n.° 12.°, do Código da Propriedade In-

dustrial manda recusar o registo das marcas que repro- duzam ou imitem total ou parcialmente marca já por outrem registada, para o mesmo produto ou produto semelhante, e possam induzir em erro ou confusão no mercado. Segundo o artigo 94.° do mesmo diploma, considera-se imitada no todo ou em parte a marca, des- tinada a objectos ou produtos inscritos so b o mesmo número do repertório, que tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que in- duza fàcilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois do exame atento ou confronto. Os produtos relativos a ambas as marcas, embora per-

tencendo à classe 5.ª, não são registáveis sob o mesmo número do repertório, como se vê do que foi publicado pelo número extraordinário do Boletim da Direcção Geral do Comércio, publicado em Outubro de 1940, em obediência ao disposto no artigo 297.° do Código da Pro- priedade Industrial. A imitação abrange, porém, nos termos daquele ar-

tigo 94.°, os produtos inscritos sob números diferentes

Page 6: tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou,

do repertório quando entre eles haja manifesta afini- dade, desde que se verinquem os restantes requisitos nele indicados. São por isso requisitos indispensáveis para que a marca se considere imitada: a) semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumi- dor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto ; b) que os produtos a que as marcas se destinam hajam de ser inscritos no mesmo número do repertório ; c) ou ainda quando, inscritos em números diferentes, os produtos tenham manifesta afinidade.

A semelhança das marcas no seu aspecto gráfico, apreciadas no seu conjunto - como se tem entendido, e bem -, é manifesta, e mais acentuada ainda no seu aspecto fonético. Fenarsam e Fenergan, para a gene- ralidade do público consumidor, soam por forma que é admissível o erro ou confusão, mas como os produtos a que se destinam são inscritos em números diferentes do repertório é necessário averiguar se entre eles, existe a manifesta afinidade. Farmacològicamente são produ- tos afins os que, de composição semelhante, devam ser aplicados nos mesmos estados mórbidos, embora com as naturais divergências próprias de cada doente, porque, como é sabido, não há doenças, mas doentes. Ora, como se vê dos autos, nem a composição dos produtos tem qualquer semelhança, nem eles se aplicam à mesma doença. O Fenarsam é um fortificante e o Fenergan um anti-histamínico, com influência nas afecções alérgicas do homem. Não se trata de produtos concorrentes ao mesmo fim, mas a fim diverso. O registo das marcas tem o duplo fim de proteger

o interesse dos seus titulares e o do público consumidor. Não se vê no caso dos autos em que é que esses inte- resses possam ser afectados. A quem carecer de um for- tificante não se receita um anti-histamínico, nem ao doente que à falta de receita se guia pelas indicações do farmacêutico é fornecido este último produto. Não há, por isso, imitação da marca Fenarsam. Além disso, como se alegou a fl. 22 v.° e se provou pelo documento de fl. 31, a marca Fenergan encontra-se registada desde 19 de Novembro de 1948 e não. há indícios de que durante os dez anos que decorreram até à propositura do recurso do despacho do director-geral do Comércio que concedeu o registo desta marca a ora recorrida sofresse quaisquer prejuízos ou o público tivesse sido induzido em erro ou confusão.

Não há dúvida de que, como se alegou, a marca Fenergan foi internacionalmente registada, e por uma empresa francesa com sede em França, sendo-lhe con- cedida protecção em Portugal por despacho de 30 de Julho de 1949, como se vê pelo documento de fl. 120, junto com a alegação do recurso, e por isso extempo- raneamente, nos termos do artigo 607.° do Código de Processo Civil. Pode todavia, o tribunal, por sua ini- ciativa ou por sugestão de qualquer das partes, requi- sitar informações a qualquer estação oficial, desde que as considere necessárias para o esclarecimento da causa (artigo 555.° do Código de Processo Civil). Os termos em causa impunham tal esclarecimento e ao documento que o recorrido examinou não fez qualquer objecção, limitando-se a contrariar os efeitos que dele o apelante pretendeu tirar. Não faria, pois, sentido que o documento fosse mandado desentranhar, para depois voltar a ser requisitado. Há que apreciar a discutida questão dos seus efeitos. Além do já relatado, refere o documento que a sociedade titular do registo internacional da marca Fenergan, por comunicação escrita de 10 de Julho de 1955, declarou renunciar à protecção desta marca em Portugal a favor de Laboratórios Vitória, sociedade anónima de responsabilidade limitada, ora recorrente.

E m face do artigo 124.° do Código da Propriedade Industrial, o registo caduca com a renúncia. A renún- cia, segundo o artigo 815.° do Código Civil, é a perda voluntária de um direito, mas, como ensina G. Moreira (Instituições, vol. II, p. 308), essa perda pode dar-se em relação a um direito já adquirido, mas de forma que por ela se não transfira esse direito para outra pessoa. Os contratos não são definidos pelas partes, mas pela lei, e de renúncia não foi o negócio em causa, mas de transmissão de direitos. Por aquele documento transmitiu-se o direito à propriedade da marca, negócio válido permitido pelo artigo 118.° do Código da Pro- priedade Industrial, quer a título gratuito, quer a título oneroso. As formalidades para a transmissão deste direito são as legalmente exigidas para a transmissão dos bens de que são acessório (artigo 119.° deste código e artigo 57.° da Lei n.° 1972), e, por isso, as relativas à propriedade mobiliária. Quer a transmissão fosse a título gratuito, quer a título oneroso, bastava do- cumento para ela se operar (artigos 1458.°, § 1.°, e 1589.° do Código Civil) . Uma vez transmitido o direito à marca já protegida no País, nem careceria de novo registo. Pelos, fundamentos expostos, concedem provimento ao

recurso e revogam a sentença apelada e consequente- mente mantêm o despacho que concedeu o registo da marca Fenergan, condenando a apelada nas custas em ambas as instâncias.

Lisboa, 17 de Julho de 1959. - Simões de Carvalho - Lucena e Vasconcelos - Eduardo Tovar de Lemos.

Está conforme.

Lisboa, 22 de Julho de 1959.

a) Ilegível.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Os Laboratórios Vitória obtiveram por despacho do

director-geral do Comércio o registo da marca Fener- gan. Dessa decisão recorreu a sociedade Portela & C.ª,

titular da marca Fenarsam desde 1934, alegando que aquela é para os mesmos produtos. O recurso obteve provimento na 1.ª instancia, mas,

em apelação de Laboratórios Vitória, foi tal sentença revogada e mantido o despacho que havia concedido o registo da marca Fenergan. Portela & C.ª vem agora com a presente revista e pede

que, revogado o acórdão da Relação, se mantenha a sentença da 1.ª instância. As partes alegaram e cumpre decidir. O acórdão recorrido considerou requisitos indispen-

sáveis para a marca se haver por imitada: a) Semelhança gráfica, figurativa ou fonética com

outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as dua.s senão depois de exame atento ou confronto; b) Que os produtos a que as marcas se destinam ha-

jam de ser inscritos no mesmo número do repertório ; c) Ou que, quando inscritos em números diferentes,

os produtos tenham manifesta afinidade. E entendeu: 1.° Que a semelhança gráfica e fonética é manifesta; 2.° Que os produtos a que as marcas se destinam

foram inscritos em números diversos do repertório ; 3.° Que tais produtos também não são afins ; 4.° Que a marca Fenergan foi internacionalmente

registada, sendo-lhe concedida protecção em Portugal por despacho de 30 de Julho de 1949;

Page 7: tão acentuada que induza facilmente o consumidor em · confundir, havendo, assim, preterição do preceituado nos artigos 93.° e 94.° do Código da Propriedade In- dustrial. Alegou,

5.° Que a titular daquela marca transmitiu o.s seus direitos de propriedade a Laboratórios Vitória. E m face destes factos, concluiu a Relação não ter

havido imitação de marca (artigo 94.° do Código da Propriedade Industrial). Mas, objecta a recorrente, e a estes fundamentos se

resume o recurso :

As duas marcas destinam-se a produtos farmacêu- ticos inscritos no repertório sob números diferen- tes, mas de afinidade manifesta;

O registo internacional caducou e os Laboratórios Vitória requereram novo registo, aquele que agora está em causa.

Quanto ao primeiro fundamento, diz, e bem, a Rela- ção: farmacològicamente são produtos, afins os que, de composição semelhante, devam ser aplicados nos mes- mos estados mórbidos, embora com as naturais diver- gências próprias de cada doente. E acrescenta, em matéria da sua exclusiva competên-

cia: nem a composição dos dois produtos tem qualquer semelhança, nem se aplicam à mesma doença; o Fenar- sam é um fortificante, o Fenergan é um anti-histamí- nico, com influência nas afecções alérgicas do homem; a quem carecer de um fortificante não se receita um anti-histamínico, nem ao doente que na falta de receita se guia pelas indicações do farmacêutico é fornecido este último produto. E m conclusão : os produtos não são concorrentes ao

mesmo fim, mas a fim diverso; não têm afinidade ma- nifesta jurídica, embora a tenham material. Alega a recorrente que, podendo a recorrido utilizar

a marca Fenergan em quaisquer medicamentos, poderá vir a utilizá-la nos mesmos produtos a que é destinada a sua marca. Esta possibilidade nem foi apreciada nas instâncias nem está em causa.

Os medicamentos designados pelas duas marcas vêm coexistindo nos mercados nacionais nos, últimos dez anos, sem que a recorrente tenha alegado quaisquer prejuízos ou o público sido induzido em erro de confusão. Relativamente ao segundo fundamento: A marca internacional Fenergan podia ser transmi-

tida a portugueses independentemete do estabeleci- mento (artigo 118.°, §§ 1 e 5), e tinha de ser registada na metrópole para garantia da sua propriedade no im- pério colonial (artigo 97.°) . Vejamos os factos. Por contrato de 9 de Fevereiro de 1955 a sociedade

titular da marca internacional Fenergan concedeu aos Laboratórios Vitória licença de fabricação e exploração exclusiva da aludida especialidade farmacêutica, renun- ciando à protecção concedida à referida marca em Por- tugal e nos territórios ultramarinos mencionados, com- prometendo-se :a tomar as providências necessárias para fazer registar a renúncia. Por sua vez, Laboratórios Vitória comprometeu-se a depositar o pedido de registo da aludida marca a seu favor (título de fl. 10 do apenso). A validade de tal contrato não foi posta em dúvida. E m sua execução, Laboratórios Vitória requereram

o registo da propriedade da marca Fenergan nesse mês de Fevereiro, e em Junho posterior a sua anterior titu- lar comunicou aos serviços a renúncia, o que fez caducar o registo a seu favor (artigo 124.°, n.° 1). Subjectivamente, extinguiu-se o direito em relação à sociedade a quem pertencia, dando-se a correspon- dente aquisição por outra sociedade, que ficou sendo sua representante.

De resto, a transmissão da marca ainda obedece ao que consta da Convenção da União de Paris de 20 de Março de 1883, com as revisões posteriores (artigo 6.°, -quater. Diário do Governo n.° 25, 1.ª série, de 6 de Fevereiro de 1950):

Quando, de harmonia com a legislação de um país da União, a cessão de uma marca não seja válida sem a transmissão simultânea da empresa ou do negócio a que a marca pertence, para que essa validade seja admitida bastará que a parte da empresa ou do negócio situado nesse país seja trans- mitida ao cessionário com o direito exclusivo de aí fabricar ou vender os produtos assinalados pela marca cedida.

Improcedendo, pois, os. fundamentos do recurso, ne- ga-se a revista e condena-se a recorrente nas custas.

Lisboa, 3 de Maio de 1960. - S. Figueirinhas - Carlos de Miranda - Agostinho Fontes - Campos de Carvalho (vencido, nos termos constantes da seguinte declaração de voto:

O Tribunal da Relação, para revogar a sentença da 1.ª instância, invocou dois fundamentos:

I - Os dois produtos não são afins; II - A transmissão da marca internacional não

carecia de novo registo em Portugal.

Mas semelhantes razões são indefensáveis. Vejamos: 1.° ponto: A afinidade constitui questão de direito, e resulta da

lei que ela não depende de morosas investigações cien- tíficas, mas tão-sòmente da rápida e superficial obser- vação do público consumidor. As duas marcas destinam-se a produtos farmacêuti-

cos, sendo a última registada - a de Fenergan- «para produtos farmacêuticos especiais ou não ». Subsistindo este registo em termos tão. amplos, o

Fenergan pode adoptar fórmulas cuja composição e fins terapêuticos sejam coincidentes com o de Fenarsam. Ora, disto, que vem provado, resulta a manifesta

afinidade - efectiva ou possível - dos dois produtos. 2.° ponto: Não houve transmissão da marca internacional, mas

simples renúncia, devidamente comunicada à Reparti- ção da Propriedade Industrial. E por isso irrecusável que o registo Internacional

caducou. O problema da transmissão só foi debatido - e sem

razão- na 2.ª instância. Na realidade - insiste-se - não houve transmissão

e não podia haver averbamento. E se o anterior registo não houvesse caducado, como

a Relação pretende, subsistiriam os dois registos: o antigo e o moderno, o que, salvo o devido respeito, se nos afigura ilegal e absurdo) - Vaz Pereira (vencido, pêlos fundamentos da douta declaração do voto que antecede).

O acórdão que antecede foi devidamente notificado, tendo transitado em julgado.

Está conforme.

Lisboa e Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Junho de 1960. - O Chefe da 1.a Secção, João Alves de Nóbrega.