alexandre alcazar farah sentenÇa i – relatÓrio

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1 Poder Judiciário 10ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia (Juiz 2) Autos nº. 2014.0019.2670 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO Acusado: ALEXANDRE ALCAZAR FARAH Incidência Penal: Art. 15 da Lei nº 10.826/2003. SENTENÇA I – RELATÓRIO O Ministério Público do Estado de Goiás ofereceu denúncia em desfavor de ALEXANDRE ALCAZAR FARAH, devidamente qualificado nestes autos, imputando-lhe a suposta prática da infração penal descrita no art. 15 da Lei nº 10.826/2003, narrando ipsis litteris: “... Extrai-se do incluso inquérito policial que, no dia 19 de janeiro de 2014, por volta das 18h30min, na Rua Ma- drid 15, Qd. 11, Lt. 08/09, Jardins Madri, nesta Capital, ALEXANDRE ALCAZAR FARAH disparou, em lugar ha- bitado, a pistola marca Glock calibre 380, número de série PYL274. Segundo apurado no caderno informativo, naquele dia e horário, o imputado encontrava-se em sua residência,

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Page 1: ALEXANDRE ALCAZAR FARAH SENTENÇA I – RELATÓRIO

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Poder Judiciário

10ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia (Juiz 2)

Autos nº. 2014.0019.2670

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO

Acusado: ALEXANDRE ALCAZAR FARAH

Incidência Penal: Art. 15 da Lei nº 10.826/2003.

SENTENÇA

I – RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Goiás ofereceu

denúncia em desfavor de ALEXANDRE ALCAZAR FARAH, devidamente

qualificado nestes autos, imputando-lhe a suposta prática da infração penal

descrita no art. 15 da Lei nº 10.826/2003, narrando ipsis litteris:

“... Extrai-se do incluso inquérito policial que, no dia 19

de janeiro de 2014, por volta das 18h30min, na Rua Ma-

drid 15, Qd. 11, Lt. 08/09, Jardins Madri, nesta Capital,

ALEXANDRE ALCAZAR FARAH disparou, em lugar ha-

bitado, a pistola marca Glock calibre 380, número de

série PYL274.

Segundo apurado no caderno informativo, naquele dia e

horário, o imputado encontrava-se em sua residência,

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10ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia (Juiz 2)

quando seu ex-sócio Anderson Ribeiro dos Santos ali

compareceu para resolver pendências do negócio desfei-

to.

Ocorre que, tão logo o imputado viu seu ex-sócio, come-

çou a discutir com ele ainda do lado externo da residên-

cia, ocasião em que o imputado solicitou o apoio do segu-

rança do condomínio onde mora, ordenando que retiras-

se de sua residência Anderson Ribeiro dos Santos, o qual

ofereceu resistência.

Em virtude disso, o imputado entrou em sua casa, pegou

a arma de fogo acima descrita e, da janela de seu banhei-

ro, efetuou o disparo contra o veículo VW/GOL, placa

JPJ- 8148 de Goiânia-GO, de propriedade daquele, atin-

gindo-o no para brisa e no banco do motorista do auto-

móvel.

Logo após os disparos, a Polícia Militar foi acionada e

uma equipe compareceu ao local do fato, abordou o im-

putado, ocasião em que lhe foi solicitada a arma utilizada

no evento delitivo, bem como o registro respectivo, tendo

sido estas prontamente entregues.

Constatada a prática delituosa, foi o imputado preso em

flagrante delito e conduzido à Delegacia de Polícia para

as providências de praxe.” (...)

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10ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia (Juiz 2)

A prisão em flagrante foi homologada, ocasião em que foi

mantida a fiança arbitrada pela autoridade policial (fls.46/48), cujo pagamen-

to foi efetuado (fls. 24) e o investigado colocado em liberdade.

A denúncia foi recebida em 21 de fevereiro de 2014 (fls.

50/51), oportunidade em que foi designada audiência para oferecimento de

proposta de suspensão condicional do processo ao imputado (fls.50/51), que,

no entanto, não foi aceita.

O laudo de eficiência da arma de fogo se encontra às fls.

56/59.

Citado pessoalmente (fl. 81), o acusado apresentou res-

posta à acusação por intermédio de defensor constituído (fls.60/70), arrolando

testemunhas (fls. 108/109).

Da análise da peça defensiva, vislumbrei que a excludente

da ilicitude da legítima defesa, sustentada pelo réu, dependia de dilação

probatória, assim, determinei o prosseguimento do feito, designando

audiência de instrução e julgamento.

Na ocasião, foram inquiridas duas testemunhas arroladas

na denúncia, BALTAZAR DE JESUS ARAÚJO e LEANDRO ALVES DE

ARAÚJO, e três arroladas pela defesa, ILIO CAMPOS FERREIRA, JEAN

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FLORÊNCIO DE MENDONÇA e ELVIS DENES FERREIRA (esta através

de carta precatória – mídia de fl. 153), dispensando-se a oitiva da testemunha

ausente ANDERSON RIBEIRO DOS SANTOS, arrolada na denúncia, a

pedido do Ministério público, e concordância da defesa técnica.

Ato contínuo, o acusado foi qualificado e interrogado,

conforme gravação audiovisual constante da mídia de fls. 160/162.

Encerrada a instrução processual, na fase oportunizada

pelo artigo 402 do Código de Processo Penal, nada foi requerido pelo

Ministério Público, ao passo que a defesa técnica requereu a oitiva de uma

testemunha referida pelo acusado em seu interrogatório, o que foi indeferido,

por se tratar de requerimento fulminado pela preclusão temporal, sem nenhum

elemento concreto apto a embasar a excepcionalidade.

Em sede de debates orais, o Ministério Público requereu a

condenação do acusado como incurso nas sanções do artigo 15 da Lei nº

10.826/2003, sustentando que “da prova trazida aos autos não se vislumbra a

presença de nenhuma excludente de ilicitude da conduta praticada”.

A defesa técnica do acusado, por seu turno, apresentou

alegações finais por escrito às fls. 165/177, sem nenhuma oposição do Minis-

tério Público, requerendo o reconhecimento da excludente de ilicitude da le-

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gítima defesa ou que seja excluída a culpabilidade do agente por inexigibili-

dade de conduta diversa.

Vieram-me os autos conclusos para prolação de sentença.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O processo teve tramitação normal, inexistindo quaisquer

vícios ou nulidades a serem declaradas, estando preservados os interesses dos

sujeitos da relação processual quanto à observância do devido processo legal,

contraditório e ampla defesa.

DOS BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS

A presente ação penal visa à proteção da segurança e in-

columidade públicas, objetos tutelados pela norma penal em análise.

Estatui o artigo 15 da Lei nº 10.826/03, ao tipificar a con-

duta atribuída ao denunciado que:

“Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em

lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou

em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como

finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão de 2

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(dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (...).”

A Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, popularmente

conhecida como Estatuto do Desarmamento, ao tratar do delito em tela,

conforme se infere, prevê que configura a infração penal em análise o disparo

de arma de fogo ou o acionamento de munição em lugar habitado ou nas

adjacências, em via pública ou na sua direção, desde que tal conduta não

tenha como fim específico a prática de outro delito.

Acerca do delito em comento, salutar a lição de Gilberto

Thums:

“(..) Considerando que o bem jurídico objeto de tutela doEstatuto do Desarmamento é a incolumidade pública, nãoé possível disparar arma de fogo em locais ondepossivelmente podem encontrar-se pessoas – dentro decasa, no pátio, no quintal, em qualquer local onde hajaou possa haver pessoas, na rua, nas estradas, ouqualquer via pública, ou em direção à via pública. Osimples disparo da arma nesses locais caracteriza ocrime, porque a conduta cria uma situação de perigopresumido à coletividade (...)”. (in Estatuto doDesarmamento – Fronteiras entre Racionalidade eRazoabilidade, Editora Lúmen Júris, 2ª edição, págs.35/36).

Os doutrinadores Alexandre de Moraes e Gianpaolo

Poggio Smanio discorrem a respeito da objetividade jurídica do referido

delito:

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“A incolumidade pública. Trata-se de delito de perigoabstrato, em que não é necessário que pessoa ou pessoasdeterminadas tenham sido expostas concretamente arisco. A lei penal presume o perigo porque o disparo emvia pública ou em direção a ela, por si só, coloca emrisco a coletividade...”. (in Leis penais e processuaispenais comentadas, 2ª ed. Rev., atual. e ampl. - São Paulo:Ed. RT, 2007, pág. 336).

O delito aqui analisado é classificado como de perigo

abstrato, ou seja, não busca punir determinado dano ou prejuízo social

realizado, mas sim evitar a conduta do agente, a fim de proteger o bem

jurídico de uma provável lesão, antes mesmo de sua exposição a um perigo

efetivo de dano.

Em outras palavras, o delito é punível pela mera conduta

do agente em realizar uma ação proibida pela lei, independentemente da

constatação física de lesão ao bem juridicamente tutelado.

No caso do disparo de arma de fogo em local habitado, é

suficiente a realização voluntária da conduta para que haja violação ao

principal objeto jurídico protegido pela norma, qual seja, a segurança pública,

concluindo-se, então, que o sujeito passivo do crime de disparo de arma de

fogo é, na verdade, a coletividade, e, de forma secundária, os direitos

fundamentais do homem, como vida, saúde e integridade física.

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DA MATERIALIDADE DELITIVA

A materialidade do delito em questão está satisfatoriamen-

te provada através do termo de exibição e apreensão (fl. 14), e do Laudo de

Exame Pericial (fls.56/59), bem como da prova testemunhal colhida nos au-

tos, que atestam a ocorrência do delito em apuração.

DA AUTORIA DELITIVA

A autoria do fato delituoso apurado neste processo, de

igual forma, está induvidosamente comprovada dos elementos probatórios co-

lhidos aos autos, os quais apontam o acusado ALEXANDRE ALCAZAR FA-

RAH como autor da infração penal em tela.

A respeito da questão, noto que o acusado ALEXANDRE

ALCAZAR FARAH, nas duas oportunidades em que foi interrogado, na De-

legacia de Polícia e em juízo, confessou a autoria delitiva, sustentando, no en-

tanto, que agiu em legítima defesa própria e de terceiros, no caso, de sua fa-

mília.

Confira trechos de seu interrogatório judicial:

“(...) que efetuei o disparo; que eu estava na minha resi-

dência (...) quando este cidadão adentrou o condomínio e

mandou uma mensagem do celular para mim, falando

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“estou na porta da sua casa”; que eu não acreditei, (...)

foi quando eu fui à janela, o vi lá em baixo; que a casa

que eu moro é um sobrado e o banheiro dá para a rua;

que liguei para a segurança do condomínio; que daí fi-

quei vigiando, (...) ele desceu do carro (…) forçou a por-

ta, daí eu peguei minha pistola e fiquei vigiando (…); que

eu indaguei o que ele queria; acho que ele não estava so-

mente bêbado, tinha ingerido algum tipo de droga; que

ele começou a me desacatar, xingar, eu falei para ele sair

da porta da minha casa (...); que ele não chegou a entrar

na minha casa; que quando pedi para ele ir embora, che-

gou o vigilante; (…) que eu não o vi armado, mas algu-

mas vezes ele levou a mão nas costas, dando a entender

que possuía alguma arma de fogo; que infelizmente o vi-

gilante não tomou nenhuma postura na força para tirá-lo,

só pediu para ele sair; (...) que ele dizia que eu não era

homem, para eu descer e encarar ele frente a frente, que

eu era um “bosta”; (...) que a única maneira que vi de

tirá-lo da porta da minha casa, foi atirar; que eu tinha a

preocupação de que ele entrasse na minha casa; que en-

tendi que era necessário atirar para que ele fosse embo-

ra(...); que atirei na quina do para-brisa do carro dele;

quando efetuei o disparo, ele e o vigilante do condomínio

assustaram; (…)que ele é mais forte e uns dez centímetros

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mais alto que eu; (...) que tivemos um negócio juntos, mas

não devia mais nada para ele e nem ele pra mim; que ele

queria voltar a trabalhar comigo (...); que ele esteve na

minha empresa dias antes, conversando normal, depois

apareceu na porta da minha casa, bêbado e drogado,

querendo me matar; (...) que o ex cunhado dele avisou

para o meu pai me falar que ele estava alcoolizado e dro-

gado e disse que iria me dar um tiro na cara; (...); que ele

forçou o portão da garagem para entrar; que a casa não

possui muros; a porta de entrada é de vidro; que AN-

DERSON sempre andou armado; que ele respondia ação

penal por homicídio; (...) que fiquei sabendo que ele ex-

torquiu a mulher de um primo, exigindo pagamento de di-

nheiro, para não contar uma traição dela para o marido;

(...)”. (Trechos do interrogatório judicial de ALEXAN-

DRE ALCAZAR FARAH)

Em reforço às declarações do imputado, as testemunhas

BALTAZAR DE JESUS ARAÚJO GODINHO, policial militar, ANDER-

SON RIBEIRO DOS SANTOS, indivíduo que esteve na porta da residência

de ALEXANDRE no dia do fato, e o vigilante LEANDRO ALVES DE

ARAÚJO, confirmaram o disparo de arma de fogo em comento, efetuado

pelo imputado, no interior do condomínio residencial Jardins Madri, nesta ca-

pital.

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A testemunha BALTAZAR DE JESUS ARAÚJO GODI-

NHO, policial militar, responsável pela prisão do acusado, ao ser ouvida, em

juízo, ratificou o depoimento prestado na fase inquisitorial, sustentando que,

naquele dia, foi chamado para atender uma ocorrência no interior do condo-

mínio Jardins Madri, nesta capital, onde foi informado pelo segurança LEAN-

DRO que o acusado havia efetuado disparo de arma de fogo em direção ao

veículo VW GOL, do indivíduo ANDERSON, que já se encontrava na porta-

ria, e que o acusado confessou ter efetuado o disparo com a própria arma.

Confira:

“(...) conversamos com o chefe da segurança e ele infor-

mou que tiveram que conter o rapaz; que falaram que ha-

via sido feito um disparo com arma de fogo; que nós des-

locamos até a casa de ALEXANDRE, o convidamos a nos

acompanhar até a DP; que ele saiu de boa, tranquilo,

sem alteração; que ele confirmou que tinha efetuado os

disparos; que a arma foi apreendida (...)”. Mídia gravada

no CD acostado à fl. 110)

ANDERSON RIBEIRO DOS SANTOS, inquirido apenas

na Delegacia de Polícia (fl. 06), relatou que montou uma empresa com ALE-

XANDRE, mas que não deu certo e fechou, remanescendo algumas pendên-

cias, uma delas perante a Receita Federal, por isso, resolveu procurar ALE-

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XANDRE em sua residência para resolver a questão. Indagado sustentou que

teve a entrada permitida, sem que fosse identificado, sendo que ALEXAN-

DRE assim que o viu, iniciou uma discussão, e do interior de sua residência,

mais precisamente do banheiro, efetuou um disparo de arma de fogo em dire-

ção ao veículo do depoente com a intenção de fazê-lo sair dali, tendo o dispa-

ro acertado o para-brisa e o banco do motorista.

Nessa mesma linha de raciocínio, o vigilante do condomí-

nio, LEANDRO ALVES DE ARAÚJO, confirmando o depoimento prestado

na fase administrativa, em juízo, reafirmou que ALEXANDRE efetuou o dis-

paro em direção ao veículo de ANDERSON, de cima do banheiro de seu so-

brado, quando este estava conversando com o depoente, do lado de fora do

carro, perto da porta do motorista.

Questionado, LEANDRO afirmou que ANDERSON não es-

tava armado, apenas visivelmente embriagado, e “xingava” ALEXANDRE.

Afirmou, ainda, que teria condições e preparo adequado para retirá-lo do local

como auxílio de seus colegas de trabalho, sem nenhum dano à integridade

física dos moradores, porque a situação estava controlada, e ALEXANDRE

estava dentro de casa, no andar superior, e a residência estava fechada. Note:

“(...) que é vigilante no Condomínio Jardins Madri, nesta

capital (...); que ANDERSON se aproveitou de uma falha

no sistema de segurança do condomínio, que não estava

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funcionando, para entrar sem ser identificado; (...) que

ele entrou na portaria que estava com problema, que era

a portaria dos moradores; que faltando uns dez minutos

para encerrar o expediente, ouvir falar no rádio que era

para um vigilante acompanhar o visitante; que entrou e

não conseguiu localizar a residência de ALEXANDRE;

que foi o depoente que acompanhou ANDERSON até a

porta da casa de ALEXANDRE; que cerca de uns cinco

minutos depois, ouviu dizer, via rádio, que era para ir lá

rápido, porque ALEXANDRE não havia autorizado a en-

trada do visitante; que chegando ao local, deparou-se

com ANDERSON ao lado de seu carro, xingando ALE-

XANDRE; que ALEXANDRE dizia que era para ele ir

embora; que ANDERSON estava em frente a um lote va-

zio, na calçada, perto do carro, e ALEXANDRE em seu

sobrado, em uma janela do banheiro; que ANDERSON

estava bêbado e alterado, tanto que solicitou o apoio de

outro vigilante para auxiliá-lo a retirá-lo dali; que estava

conversando com ANDERSON para que ele saísse, quan-

do ALEXANDRE atirou, acertando o carro, no para- bri-

sa, do lado do passageiro; que após o disparo, ficou ner-

voso e determinou que ANDERSON o acompanhasse até

a portaria (...); que no momento do disparo ANDERSON

estava fora do carro, perto da porta do motorista, conver-

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sando com o depoente; (...) que ANDERSON xingava

ALEXANDRE (...); que a agressão verbal realizada por

ANDERSON era só contra ALEXANDRE; que é prepara-

do para esse tipo de abordagem; que não anda armado

nas rondas, só na portaria; que talvez não conseguisse

retirar ANDERSON de lá sozinho, sem prejuízo para a

integridade física de ALEXANDRE, mas tinha chamado o

reforço para auxílio; que ANDERSON fazia menção de ir

à residência de ANDERSON; (...) que ANDERSON não

tinha condições de entrar na casa; que a casa estava fe-

chada, mas a porta é toda de vidro; que não viu se AN-

DERSON estava armado (...); que conseguiria retirar

ANDERSON de lá com o auxílio de seus companheiros;

que ANDERSON é forte e gordo, e deve ter em torno de

110 quilos.”. (Depoimento do vigilante LEANDRO AL-

VES DE ARAÚJO, em juízo, mídia de fl. 163)

Nesse descortino, convém salientar que o artigo 25 do

Código Penal, estabelece que age em legítima defesa aquele que, usando mo-

deradamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminen-

te, a direito seu ou de outrem.

Entende-se por agressão injusta a conduta humana que põe

em perigo um interesse juridicamente protegido. No caso em tela, percebe-se

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claramente que ALEXANDRE se encontrava diante uma injusta agressão à

sua honra, pois ANDERSON foi até sua residência, em um condomínio fe-

chado, onde se encontrava descansando com sua esposa e filhos, proferir xin-

gamentos em seu desfavor.

Acontece que ALEXANDRE não agiu moderadamente dos

meios necessários, ou seja, não agiu com moderação dos meios de que dispu-

nha para repelir a injusta agressão, vez que, de dentro de casa, a salvo de

qualquer perigo, efetuou disparo de arma de fogo em direção ao veículo de

seu desafeto, que estava visivelmente embriagado, na rua, conversando com o

segurança, ou seja, quando a situação conflituosa já havia se normalizado, e

dispensava qualquer reação violenta.

A conduta perpetrada por ALEXANDRE, conforme se in-

fere dos elementos de convicção acima cotejados, não encontra guarida na ex-

cludente da ilicitude da legítima defesa, vez que se afigura imoderado repelir

agressão verbal com disparo de arma de fogo.

A alegação de que o recorrente atirou para "espantar", e

de agiu de forma moderada, por medo de que ANDERSON estivesse armado,

não afasta a ilicitude da conduta, tendo em vista que: "Não há legítima defesa

contra uma agressão futura, remota, que pode ser evitada por outro meio. O

temor, embora fundado, não é suficiente para legitimar a conduta do agente,

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ainda que verossímil (...)." (MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito

Penal, 16 Ed., São Paulo, 2000, p. 183).

Além disso, naquela situação, era possível exigir de ALE-

XANDRE comportamento diverso (exigibilidade de conduta diversa), mais

consentâneo com as regras de convivência em sociedade, até mesmo porque

ele afirmou em juízo que possui habilidade com armas e que, de onde estava,

observava os movimentos de ANDERSON, ou seja, que detinha total domí-

nio da situação de tensão, tanto que, se quisesse, poderia acertá-lo na cabeça.

A situação, conforme acima destacado, não estava fora da

esfera de controle do vigilante LEANDRO, tanto é que não houve agressão

física contra este, tão somente resistência por parte de ANDERSON em per-

manecer no local. Agiu ALEXANDRE de modo precipitado e imoderado,

portanto.

Feitas essas considerações, a conclusão que se extrai é que o

disparo não era necessário para a proteção da integridade física, patrimonial

ou à vida de ALEXANDRE ou sequer de seus familiares, revelando-se imo-

derado o meio utilizado, situação configuradora de excesso danoso, que ultra-

passa o limite razoável da repulsa, e descaracteriza a excludente de ilicitude

da legítima defesa.

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Ademais, a existência de condenações ou as supostas

ameaças proferidas em desfavor do imputado, embora pudessem impingir te-

mor, não são suficientes para demonstrar a periculosidade social de ANDER-

SON e, assim, justificar a medida extrema.

As testemunhas arroladas pela defesa, ILIO CAMPOS

FERREIRA, JEAN FLORÊNCIO DE MENDONÇA e ELVIS DENES FER-

REIRA, apenas falaram da conduta social do imputado, nada acrescentando

ao objeto da apuração.

Assim, comprovadas satisfatoriamente a materialidade e a

autoria delitiva, bem como o nexo causal entre a conduta do acusado e o re-

sulto lesivo, além de ausentes causas excludentes de ilicitude e culpabilidade,

vez que o agente é imputável, detinha potencial consciência da ilicitude e ou-

tra conduta lhe era exigida, a condenação é medida imperativa.

DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA

Segundo recente entendimento do Superior Tribunal de

Justiça, no caso da “confissão qualificada”, a invocação de teses defensivas

excludentes ou descriminantes não pode obstar a incidência da atenuante da

confissão. Desse modo, é possível reconhecer em favor do acusado a confis-

são espontânea.

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Dessa forma, tendo em vista que o acusado confessou es-

pontaneamente a autoria delitiva e que esta serviu para embasar a condena-

ção, deverá ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, prevista no

artigo 65, inciso III, ‘d’ do Código Penal.

III- PARTE DISPOSITIVA

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente o pedido formu-

lado na denúncia para o fim de condenar ALEXANDRE ALCAZAR FA-

RAH como incurso nas penas do artigo 15 da Lei nº 10.826/2003.

DA DOSIMETRIA DA PENA

Atenta às circunstâncias judiciais dos artigos 59 e 68, am-

bos do Código Penal, e ao princípio constitucional da individualização da

pena, passo à dosagem da pena:

Considero normal a culpabilidade, não vislumbrando re-

provação maior no comportamento do agente do que previsto pelo legislador

ao tipificar o ilícito penal, permanecendo neutra aludida circunstância judici-

al. O acusado é primário, não possuindo antecedentes criminais. Possui boa

conduta social, segundo relatado pelas testemunhas ouvidas em juízo. Não

há elementos nos autos que permitam avaliar a sua personalidade. Os moti-

vos, as circunstâncias e as consequências do crime são inerentes à espécie

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delitiva. O comportamento da vítima (segurança pública-coletividade), não

contribuiu para a prática delitiva, o que, por ser normal, não influenciará no

processo dosimétrico da pena.

Assim, em face das circunstâncias judiciais analisadas,

para prevenção e reprovação do crime, fixo a pena-base no mínimo legal, ou

seja, em 02 (dois) anos de reclusão. A atenuante da confissão espontânea

não importará modificação da pena, porque não é possível fixar a pena abaixo

do mínimo legal (Súmula 231 do STJ). Desse modo, torno a sanção penal

definitiva em 02 (DOIS) ANOS DE RECLUSÃO, em face da ausência de

outras causas que possam alterá-la.

DA PENA DE MULTA: Considerando as mesmas cir-

cunstâncias judiciais analisadas e a situação financeira do acusado (aufere

mensalmente aproximadamente R$40.000,00), condeno-o ao pagamento de

10 (dez) dias-multa, no valor de 3/30 (três trinta avos) do salário mínimo vi-

gente ao tempo do fato. A atenuante da confissão espontânea não importará

modificação da pena fixada no mínimo legal. Assim, torno definitiva a sanção

pecuniária em 10 (DEZ) DIAS-MULTA, no valor de 3/30 (três trinta avos)

do salário mínimo, cada, vigente à época do fato.

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DO REGIME E DO LOCAL DE CUMPRIMENTO DA PENA

Nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “c”, do Código Pe-

nal, a pena privativa de liberdade deverá ser cumprida no regime ABERTO,

na Casa do Albergado ou em qualquer outro estabelecimento prisional ade-

quado a ser indicado pelo juízo da execução penal competente.

DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR

RESTRITIVAS DE DIREITOS

Considerando que a pena privativa de liberdade aplicada

não excede a 04 anos e que o crime não foi cometido com violência ou grave

ameaça, hei por bem, com supedâneo no artigo 44, incisos I a III e § 2º do

Código Penal, substituir a pena privativa de liberdade imposta por duas

restritivas de direitos.

A primeira pena (prestação de serviços comunitários)

consistirá na obrigação de o acusado executar tarefas gratuitas, à razão de 01

(um) hora por dia de condenação, durante 06 (seis) horas semanais, em insti-

tuição a ser designada pelo SIP – Setor Interdisciplinar Penal, situado no Fó-

rum Desembargador Fenelon Teodoro Reis, sala 123, de acordo com as ne-

cessidades da instituição e as aptidões do cumpridor.

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A segunda pena (prestação pecuniária) consistirá na

obrigação de o acusado doar a quantia correspondente a 04 (quatro) salários

mínimos (a renda do acusado é de cerca de R$40.000,00), em favor do PRO-

GRAMA DE PENAS ALTERNATIVAS, do Tribunal de Justiça do Estado

de Goiás. O(s) valor(es) deverá(ão) ser depositado (s) por força da Resolução

154 do CNJ e do Provimento nº 04/2013 da Corregedoria Geral da Justiça, na

conta bancária nº 01551448-3, agência 2535, operação 040, da Caixa Econô-

mica Federal, a ser gerida pela 1ª Vara Criminal (VEP), desta comarca, de-

vendo o(s) depósito (s) ser realizado (s) mediante expedição de guia, confor-

me Manual da Corregedoria-Geral da Justiça.

A forma de cumprimento das penas restritivas de direitos

será explicada durante a audiência admonitória a ser designada futuramente,

após o trânsito em julgado da sentença. Diante da substituição acima especifi-

cada, deixo de suspender a execução da pena, conforme previsão do artigo 77

do Código Penal.

DA POSSIBILIDADE DE O ACUSADO RECORRER EM LIBERDA-

DE

Nos termos da Lei 12.403/2011, que tem como um de

seus objetivos o desencarceramento cautelar, a sentença condenatória recorrí-

vel não mais constitui fundamento para prisão provisória do réu, motivo pelo

qual, não se fazendo presentes os fundamentos da prisão preventiva, permito

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ao acusado aguardar o trânsito em julgado da presente sentença em liberdade

(art. 283 Código de Processo Penal).

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

DA PENA DE MULTA: A pena de multa deverá ser satisfeita

no prazo de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado da presente sentença.

DAS CUSTAS PROCESSUAIS: Condeno o acusado ao paga-

mento das custas processuais.

DOS DIREITOS POLÍTICOS: Os direitos políticos do senten-

ciado ficarão suspensos pelo período de cumprimento da pena. Após o cum-

primento, deverá ser oficiado à Justiça Eleitoral para cancelamento da restri-

ção.

Oportunamente, após o trânsito em julgado da presente sen-

tença, tomem-se as seguintes providências:

1) oficie-se ao cartório distribuidor criminal desta Comarca, for-

necendo-lhe informações sobre a presente condenação, para atualização dos

arquivos pertinentes ao referido sentenciado;

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2) comunique-se a condenação ao Departamento de Polícia Fede-

ral, através de sua Superintendência Regional em Goiás, para o seu devido re-

gistro no Sistema Nacional de Identificação Criminal – SINIC;

3) Oficie-se à Zona Eleitoral em que esteja(m) inscrito(s) o(s)

condenado(s) ou, se esta não for conhecida, ao Tribunal Regional Eleitoral,

para fins de suspensão dos direitos políticos do(s) sentenciado(s), consoante

inteligência do inciso III, do artigo 15, do ordenamento jurídico constitucio-

nal vigente, e;

4) expeça-se a competente guia de recolhimento para encaminha-

mento ao estabelecimento prisional e ao juízo da execução penal competen-

tes.

E ncaminhem-se a arma de fogo e as munições apreendidas ao

Comando do Exército para destruição ou doação aos órgãos da seguran-

ça pública, senão, às Forças Armadas, nos termos da redação do artigo

25 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), e restitua ao sen-

tenciante o registro de arma de fogo original, grampeado na capa, certifi-

cando a devolução nos autos. Publique-se, registre-se e intimem-se.

Goiânia, 04 de maio de 2015.

PLACIDINA PIRES

Juíza de Direito da 10ª Vara Criminal (Juiz 2)

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