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2 | Domingo 21 Setembro 2014 | 29

ALEXANDRA LUCAS COELHONÃO FICÇÕES

AMOR FIRME À PRIMEIRA VISTA 1

Em 2012, uma lisboeta de 29 anos comprou

um bilhete de avião para o Brasil. Nunca tinha

estado lá, nem havia qualquer relação fami-

liar. Apenas queria mudar de vida, continu-

ar a estudar fora, e algo a chamava para ali,

embora ela não soubesse bem o quê. Fizera

História em Lisboa, Dança em Paris, trabalhara

com performers, artistas e investigadores, acaba-

va de conseguir uma bolsa da Gulbenkian para o

mestrado fora. Comprou, pois, o bilhete de avião.

E já o tinha, e tinha tudo isto na cabeça, quando,

em Lisboa, conheceu uma performer carioca que

tinha vindo fazer um trabalho. Foi “amor à pri-

meira vista”.

2As palavras são dela, a lisboeta, na conversa

que tivemos esta semana por Skype, eu no

Alentejo, ela no Rio de Janeiro. Dois anos

depois, está casada com a sua carioca, ca-

samento de cartório e festança, e um dia

destes vão ter um bebé. Mas a razão por

que conversámos no Skype agora, e eu estou a

escrever esta crónica, é a inauguração, no próximo

sábado, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio

de Janeiro, da instalação-performance que resulta

de tudo isto, um encontro entre Portugal e Brasil,

que é o encontro entre a portuguesa Rita Natálio

e a brasileira Joana Levi.

3Não sei se alguma vez aconteceu uma te-

se de mestrado ser, além de dissertação

escrita, uma instalação ao longo de um

mês num grande museu nacional, uma per-

formance diária nos primeiros dez dias da

instalação, uma arqueologia dos 500 anos

de relação entre Portugal e o Brasil, e a expres-

são pública de um amor que desde então levou

tudo avante, fundindo a vida de ambas: trabalho,

família, amigos, burocracia. No dia em que falei

com a Rita no Skype, ela tinha acabado de rece-

ber o seu visto de residente permanente por ter

FOTOGRAFIA DE LEONARDO VENTURA / CASAMENTO DE RITA NATÁLIO E JOANA LEVI

O futuro dos últimos 500 anos só pode estar numa firmeza do amor, e penso sempre na Rita como a mais moicana das portuguesas, com uma força que vem da raiz do cabelo

pois tirando e pondo roupas, o que permite que

surjam cruzamentos entre lenços minhotos e bo-

tas de cangaceiro ou cocares índios. “Trata-se de

elaborar um pensamento sobre a colonização,

descolonizando o pensamento”, dizem elas no

press release do MAM. “É preciso não temer os

clichês. Tocar os vestígios, analisar o pó debaixo

dos tapetes e abraçar essa estranha mistura de

vivo e morto que os museus nos apresentam. Ape-

sar de ser pensada para hoje, é uma performance

com muitos fantasmas.”

5De onde vem a ideia de encantamento? Da

chegada de Rita ao Brasil, actualizando o

espanto de Pêro Vaz de Caminha. “Era a

perturbação de uma cultura que parece

que não vem do passado nem do futuro”,

diz ela no Skype. “É um espelho mas não

é um espelho, e tudo isso gira à volta do corpo.

Podemos fazer um estudo sobre a arquitectura ou

a música, mas onde aquele mundo, aquela cultura

tem impacto é no corpo, nas relações. Como se o

teu corpo carregasse uma memória que não sabe

que tem. No meu caso, não me foi passada pelos

pais, pelos avós, nem pela escola. Eu só comecei

a aceder a essa memória aqui. Por isso dizia que

estava encantada, no sentido que o encantamento

tem no Pará.”

6No Pará, há o mito do boto (o golfi nho lo-

cal) que encanta as mulheres, e a fabu-

losa paisagem de Alter-do-Chão, com as

suas fl orestas imersas, foi um dos lugares

em que Rita e Joana estiveram durante a

preparação de Museu Encantador. Mas

além da Amazônia, a instalação inclui também

vídeos, fotografi as e entrevistas feitas por elas em

Recife, Natal, Curitiba e São Paulo, onde também

aconteceram ofi cinas e conversas públicas sobre

o projecto. Rita lembra a mistura entre os mitos

locais e os mitos da Igreja Católica nas conversas

em Alter-do-Chão. Uma confl uência que vem des-

de o começo, antes ainda de a língua portuguesa

ter vingado, porque a imposição do colonizador

começa aí. “Lemos a carta de Pêro Vaz e ele está

siderado com a visão, depois rezam a primeira

missa e no dia seguinte já se trata de evangelizar,

simplifi cando o outro”, diz Rita.

7Mas mais do que “terapia colonial”, ela

prefere falar em “erótica colonial”, “todas

estas pessoas, portugueses e brasileiros, a

pensarem ao mesmo tempo a relação”. Rita

e Joana também distorceram bem a expres-

são “a minha esposa”, depois de casarem.

Preferem “a minha esponja”. De resto, Joana casou

no cartório de cocar.

8Estes dois últimos anos, moraram entre

Rio de Janeiro e São Paulo, mas Rita tem

saudades de muitas coisas em Lisboa, a co-

meçar pela tranquilidade de ler em frente

ao Tejo, ou passar uma tarde a trabalhar

num café. Não se habitua, como difi cilmen-

te um português se habitua, à equação brasileira

de ou viver com medo ou viver num mundo de

segurança que é fora do mundo. Então, a ideia é

morarem com um pé lá outro cá, como se o museu

do encantamento não acabasse, e porque havia

de acabar. O futuro dos últimos 500 anos só pode

estar numa fi rmeza do amor, e penso sempre na

Rita como a mais moicana das portuguesas, com

uma força que vem da raiz do cabelo.

casado com uma brasileira,

e a ambas, ela e eu, parecia

um feito épico que, tendo ela

pedido o visto em Maio, já o

tivesse na mão. Para quem

conhece a burocracia luso-

brasileira, em particular o

calvário dos vistos, só isto

já seria de festejar.

4A instalação chama-

se Museu Encantador

e reúne doações de

17 artistas visuais,

performers, pesqui-

sadores e fi lósofos,

entre os quais a artista e

escritora carioca Laura Er-

ber, o artista pernambucano

Paulo Bruscky, a psicanalista

paulista Suely Rolnik, a can-

tora e compositora carioca

Letícia Novaes e portugue-

ses como a realizadora Rita

Brás, o investigador André

Lepecki, o actor e encenador

André Teodósio e os coreó-

grafos Ana Borralho & João

Galante. Todos foram “con-

vidados a realizar diálogos sobre noções pessoais

de encantamento e história cultural, formando

uma teia de encantos que ligam Brasil e Portugal”,

o que deu origem a um conjunto de vídeos, sons,

objectos e textos. Rita e Joana pediram depois ao

artista brasileiro Eduardo Verderame que pen-

sasse na forma de ligar tudo isto, e ele concebeu

uma trama com canos de esgoto. Nos primeiros

dez dias, Rita, Joana e a bailarina portuguesa Te-

resa Silva fazem a performance dentro da própria

instalação, primeiro vestidas de exploradoras

coloniais, com “um humor à Jacques Tati”, de-

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O LIBERALBELÉM, SEGUNDA-FEIRA, 12 DE MAIO DE 2014 MAGAZINE 5

Colunista sugere antologia com escritores paraenses. Página 6. MAGAZINE

tratem as culturas dos diver-sos “Brasis”. No dia 18, um encontro aberto será reali-zado para expor o material produzido nessa passagem

Encantamentos em Alter do Chão PROJETOResultado será apresentado no Museu de Arte Moderna, em agosto

“Serão colhidas imagens e entrevistas que retratem diversas culturas”

“Encantamento”. Quantos e quais significados es-ta palavra pode ter no

Brasil? Descobrir e verificar a quê as pessoas associam o vocábulo é a proposta da dramaturga e performer portuguesa Rita Natálio, que desembarcou na sexta, 9, em Alter do Chão, Santa-rém, para dar início ao pro-jeto luso-brasileiro Museu Encantador, que desenvolve com a co-direção da brasilei-ra Joana Levi. O projeto faz uma residência de pesquisa e oficina com o público lo-cal, formado por pessoas de perfis diversificados, e fixa-se no Espaço Bicho, em Alter do Chão, até o dia 20. Depois de Alter do Chão, o Museu Encantador vai para Recife-PE e Natal-RN.

Morando há dois anos no Brasil, Rita Natália se viu redefinindo seu conceito se-miótico de “encantamento”

diariamente. Ela conta que desde que chegou ao Bra-sil, viajou para os lugares que pôde, e foi esse encan-tamento com a diversidade de um país com dimensões continentais que motivou a criação do projeto. “Eu, co-mo estrangeira, me sentia encantada com as paisagens que via no Brasil. E quando cheguei em Alter do Chão a sensação foi extraordinária. Era a minha primeira vez na Amazônia, a primeira vez diante de uma paisagem tro-pical. E penso que esta deve ter sido a mesma emoção que os portugueses senti-ram quando chegaram aqui há 500 anos e deram o início ao processo de colonização”, diz ela, guardando propor-ções devidas. “O processo mortífero de colonização posteriormente deu origem a esta mistura”.

A residência acontece no Espaço Bicho e convida artistas, pesquisadores e o público geral para discutir os rumos do projeto e reali-zar “percursos de encanta-mento”, onde serão colhidas imagens e entrevistas, que, segundo as realizadoras, re-

Pesquisa da portuguesa Rita Natálio faz uma oficina com o público local

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visita. “O Espaço Bicho des-de minha primeira visita foi o que nos acolheu e vamos sediar o trabalho lá. Mas as entrevistas que conduzire-

mos acontecerão em locais de acordo com quem vai nos falar sobre o encantamento. Uma pesquisadora de pei-xes vamos levar para perto d’água, por exemplo. A cada um vamos mudar o percur-so”, explica.

Compõem a equipe, além de Rita Natália, a diretora carioca Joana Levi. “Mas teremos ainda uma vas-tíssima equipe, composta por outros performers por-tugueses, atores paulistas, além de um artista visual que vai nos ajudar na ex-posição final. Há ainda os doadores de encantos, artis-tas do Brasil e de Portugal”, disse. O resultado final será apresentando no Museu da Arte Moderna do Rio de Ja-neiro, no segundo semestre de 2014, um espetáculo-ins-talação que relaciona per-formance, arte, texto, vídeo e fotografia.

à capital e discutir o rumo do projeto. Filmagens da paisagem de Alter do Chão, obras de artes e depoimen-tos também fazem parte da

ANTONIO MACIEL

Meu primeiro encontro com o poeta do Carimbó aconteceu em julho de 1980, na sua cidade natal, Mara-panim, município paraense da região do Salgado. Saí de Campinas(SP) e passei por Brasília(DF), onde fui bem recebido por Vicente Salles, que dedicou-me suas obras relevantes para meus estudos de mestrado, e orientou-me a procurar no Museu Paraen-se E. Goeldi a antropóloga Lourdes Furtado, a qual me falou da importância de Mes-tre Lucindo, e forneceu-me o seu endereço em Marapanim. Acontecia o “4º Encontro do Carimbó” promovido pelo antigo Mobral. Para minha surpresa, Mestre Lucindo não estava presente ao evento. Perguntei a alguns mestres qual o motivo de sua ausên-cia. Eles me disseram que “o velho Lucindo já estava fracassado, doente, aposen-tou seus curimbós”. Então, fui procurar o seu endereço pelas ruas escuras e deser-

Lucindo, o mestre que só sabia ler os ventos e as maréstas; parecia que a população estava reunida no Bosqui-nho da Cidade, assistindo ao Festival. Segui as batidas de um curimbó distante, e en-contrei-o mais dinâmico do que nunca em sua residência, mantendo viva a cultura do Carimbó com seu grupo, ‘Os Canarinhos’. Aguardei por alguns instantes na soleira da porta, até que aquela figu-ra franzina, chapéu de palha à cabeça, gentil, me convi-dasse a entrar. Ofereceu-me para sentar-me um tambore-te de madeira, e continuou o seu trabalho, tocando banjo. Em seguida, apresentou-se a mim como “Lucindo Rebelo da Costa”. Identifiquei-me, entregando-lhe uma Carta que eu trouxera da PUCC, para comprovar minhas intenções de pesquisador. Aconteceu algo inusitado: o poeta pegou a carta de ponta-cabeça e deu-me a entender que a estava lendo e compre-endendo. Fiquei estupefato. A academia não havia me en-sinado a reconhecer poetas autodidatas, apenas os eru-

ditos... Perguntei até que série ele havia estudado, e ouvi uma resposta que me fez repensar meus con-ceitos acadêmicos: “Não frequentei escola porque meus pais eram pobres, e eu morava longe da cidade. Mas, durante a minha pes-caria eu estudava a natu-reza. Então, fazia os meus versos. O banco da minha canoa foi a minha escola”. Ele devolveu-me a carta e disse-me com serenidade: - Um dia chegou aqui vin-do de Belém uma senhora muito importante, que me pediu para cantar pra ela, e eu cantei. Tempos depois, minhas composi-ções foram gravadas num LP(long play), e eu nun-ca recebi um tostão por elas. Prometi nunca mais cantar para um desco-nhecido, mas pro senhor eu vou cantar! E o mestre cantou para mim durante sete anos consecutivos, até às vésperas de sua partida. Findava o longín-quo mês de setembro de

1988. Anos mais tarde, concluí que meus títulos de mestrado e doutorado tinham muito pouca importância diante da sabedo-ria daquele homem iletrado que

sabia ler e ouvir a “fala” dos ventos e das marés...

Antonio Francisco de Almei-da Maciel

acriano, tem mestrado (PUCC:1983); doutorado (USP:1995) sobre o Carimbó e o linguajar de pescadores do Pará.

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