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  • ECONOMIA AGRCOLA O Setor Primrio e a Evoluo da Economia Brasileira

    Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque Doutor pela Universidade de Harvard

    Robert Nicol Doutor pela Universidade de So Paulo

    McGraw-Hill So Paulo Rua Tabapu, 1.105, Itaim-Bibi CEP 04533 (011)881-8604 e (011)881-8528

    Rio de Janeiro Lisboa Porto Bogot Buenos Aires Guatemala Madrid Mxico New York Panam San Juan Santiago

    Auckland Hamburg Kuala Lumpur London Milan Montreal New Delhi Paris Singapore Sydney Tokyo Toronto

  • Economia Agrcola: O setor primrio e a evoluo da economia brasileira.

    Copyright 1987 da Editora McGraw-Hill, Ltda.

    Todos os direitos para a lngua portuguesa reservados pela Editora McGraw-HilI, Ltda.

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida, guardada pelo sistema "retrieval" ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrnico, mecnico, de fotocpia, de gravao, ou outros, sem prvia autorizao, por escrito, da Editora:

    Editor: Larcio Bento Coordenadora de Reviso: Daisy Pereira Daniel Supervisor de Produo: Jos Roberto Petroni Capa: Layout: Cyro Giordano Arte final: Ademir Aparecido Alves

    Dados de Catalogao na Publicao (CIP) Internacional (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Albuquerque, Marcos Cintra Cavalcanti de, 1945 - A311e Economia agrcola/Marcos Cintra CavalCanti de Albuquerque,

    Robert Nicol. - So Paulo: McGraw-Hill, 1987.

    Bibliografia.

    1. Agricultura - Aspectos econmicos - Brasil 2. Agricultura e

    Estado - Brasil I. Nicol, Robert, 1943 -11. Ttulo.

    CDD - 333.00981 - 338.1881 - 338.0981

    87-0135 - 338.10981

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Brasil: Desenvolvimento agrcola: Economia 338.10981 2. Brasil: Desenvolvimento industrial: Economia 338.0981 3. Brasil: Economia agrria 333.00981 4. Brasil: Economia agrria: Histria 333.00981 5. Brasil: Poltica agrria: Economia 338.1881

  • SUMRIO

    Captulo 1 - Modelos tericos da relao agricultura/ industrializao 01

    David Ricardo - A agricultura como fator limitativo ao desenvolvimento industrial 04

    J. Mellor - Um modelo ricardiano de dependncia indstria/ agricultura 14

    W. A. Lewis - Uma tentativa de fuga camisa-de-fora ricardiana 22

    Ranis & Fei - O modelo de Lewis elaborado 29

    Hymer & Resnick - Uma outra tentativa de fuga camisa-de-fora ricardiana 36

    M. H. Watkins - A viso histrica na "abordagem do produto principal" 38

    Captulo 2 - Os grandes ciclos agrcolas na formao da economia brasileira 46

    Introduo 46

    As primeiras dcadas: o estabelecimento dos fundamentos econmicos 47

    Acar: uma economia de enclave no sculo XVII 61

    Ouro: um ciclo de represso mercantilista 70

    Caf: um ciclo de modernizao e crescimento 90

    Captulo 3 - A influncia da agricultura e do Estado na industrializao brasileira 116

    Introduo 116

    A agricultura no perodo 1850-1930: a inexistncia de urna revoluo agrcola 125

    O algodo 132

    O acar 145

    O caf 152

    Diversificao da economia primria exportadora 174

    Imigrao e urbanizao 195

    Concluso 201

  • Captulo 4 - O caf e os primrdios da evoluo industrial no Brasil 203

    Captulo 5 - Agricultura no Brasil industrializado (1960-1980) 234

    I Principais caractersticas do setor agrcola brasileiro 234

    Introduo 234 Importncia relativa da agricultura 235

    Comparaes de produtividade 244

    O processo de urbanizao 250

    Deficincia na infra-estrutural social 254

    Posse da terra 256

    Resumo 279

    II O papel da agricultura no desenvolvimento brasileiro 280

    Introduo 280

    Liberao da mo-de-obra 281

    Fornecimento de produtos alimentcios e matrias-primas 282

    Transferncia de capital 289

    Exportaes e substituies de importaes 289

    Demanda por produtos industrializados 291

    III Causas do sucesso 295

    A fronteira agrcola 295

    Mercado internacional 300

    Crdito rural subsidiado 303

    IV Concluses 310

    Bibliografia 315

  • CAPTULO 1 MODELOS TERICOS DA RELAO AGRICULTURA/

    INDUSTRIALIZAO

    Pretendemos traar neste captulo uma viso terica da relao desenvolvimento agrcola-desenvolvimento industrial. Nossa abordagem no pretende ser exaustiva, mas tem por objetivo to-somente analisar aqueles modelos que, a nosso ver, do uma viso mais ou menos completa dos problemas tericos envolvidos no tema que pretendemos estudar.

    Antes de apresentarmos esses modelos, entretanto, seria interessante termos uma breve viso geral do inter-relacionamento entre os dois setores, para depois entrarmos nos problemas especficos que os modelos selecionados abordam. Para tal, nos valeremos de um esquema apresentado por B. W. Hodder1 .

    O esquema do referido autor muito simples: ele v o desenvolvimento econmico como um continuum. Num extremo teramos uma economia tipicamente subdesenvolvida; no outro, a desenvolvida. Para se caminhar no subdesenvolvimento ao- desenvolvimento, a economia atravessaria uma srie de estgios, definidos por uma srie de caractersticas.

    Num extremo do continuum, teramos a economia em seus primrdios. Primrdio utilizado pelo autor num sentido bem restrito como sendo equivalente "situao primeva". Nessa "situao primeva" o autor entende que deva incluir todos os aspectos de uma economia, inclusive o demogrfico. Nossa economia nessa fase, portanto, se caracterizaria por uma baixa densidade demogrfica. A populao, alm de ser pequena, em sua totalidade estaria se dedicando agricultura. Esta, por sua vez, semelhana da economia como um todo, tambm seria das mais primitivas que podemos imaginar - seria do tipo "errante" (shifting- field cultivation). Por agricultura errante o autor entende todos os tipos de agricultura que no so estritamente permanentes2. Acredita Hodder que este tipo de agricultura deva ter sido aquele adotado nas fases de "desbravamento" de uma regio.

    "Alguma forma de agricultura errante deve ter sido adotada originalmente pelos agricultores pioneiros, na maioria das regies do mundo, e desta forma este tipo de agricultura pode ser considerado simplesmente como uma expresso de um estgio de civilizao - um estgio atravs do qual a maioria dos sistemas agrcolas passou num determinado perodo". Op. cit., p. 99.

    Este tipo de agricultura apresenta uma srie de vantagens com relao a outros tipos. Primeiramente requer pouqussimo capital. Mas, talvez o aspecto mais importante, e que lhe confere inclusive sua razo de ser nas fases iniciais do "desenvolvimento", o fato de requerer um menor volume de mo-de-obra para produzir um determinado volume de produo, do que qualquer outro tipo de explorao agrcola.

    "A evidncia de que dispomos, hoje em dia, sugere que a agricultura errante leva a melhores resultados com relao mo-de-obra utilizada do que a agricultura permanente". Op. cit., p. 100.

    1 B. W. Hodder, Economic Development in the Tropics, Methuen & Co., London, 1968, cap.9. 2 Hodder, op. cit., p. 98

  • E, dessa maneira, seria "a melhor forma de explorao da terra nas fases iniciais de fixao do homem ao solo quando a densidade populacional baixa"3.

    Este tipo de agricultura, embora o mais indicado nas etapas inicias de fixao do homem terra, tem seus inconvenientes: requer uma rea muito extensa para que a recuperao do solo possa ocorrer pelo alqueire e no leve a uma perda de fertilidade e sua eroso. Esta seria a restrio mais sria a este tipo de explorao da terra.

    "Especialmente onde a densidade populacional mais elevada ou onde o costume restringe a rea cultivvel, o sistema pode levar exausto do solo, perda de fertilidade... e eroso da terra". Op. cit., p. 98.

    medida que a densidade for aumentando, esse tipo de agricultura se constituir num problema, requerendo a mudana para alguma outra forma de explorao da terra.

    "Uma vez que a densidade populacional atinge um determinado nvel que torna impossvel um adequado pousio da terra, a o sistema de agricultura errante torna-se impraticvel, devendo ser substitudo por um outro que permita que pelo menos a mesma quantidade de alimentos possa ser produzida a partir de uma rea menor. em cultivo permanente". Op cit., p. 102.

    Essa adaptao, entretanto, provavelmente s ocorre com muita lentido e com grande atraso com relao s necessidades expressas numa densidade populacional crescente e em nveis de renda decrescentes.

    Mas, eventualmente, algum tipo de cultivo permanente deve evoluir em face da crescente presso demogrfica. Uma vez desenvolvido tal tipo de explorao da terra, ingressaramos no segundo estgio de Hodder.

    Este seria, ainda, caracterizado pela utilizao da maior parte da mo-de-obra no setor agrcola, com uma baixa utilizao de bens de capital, mas a agricultura seria permanente, apresentando nisto sua diferena fundamental com relao ao primeiro estgio.

    O terceiro estgio ocorreria com o aparecimento do setor industrial e com a crescente participao da mo-de-obra nesse setor. Ao mesmo tempo em que isso estaria ocorrendo, um mecanismo de feedback da indstria para a agricultura lhe permitiria se desenvolver tecnologicamente. Seria o estgio quando os pesticidas e os herbicidas comeariam a ser utilizados. Haveria tambm a tendncia para o trabalho na agricultura se processar cada vez mais com o auxilio de mquinas. A agricultura passaria, portanto, a empregar tcnicas capital-intensivas, poupadoras de mo-de-obra.

    Este terceiro estgio daria lugar ao quarto e ltimo estgio, que se caracterizaria por uma agricultura extremamente sofisticada, pouco absorvedora de mo-de-obra e que, quanto aos mtodos da organizao e distribuio de sua produo, pouco diferiria das outras indstrias.

    3 Id.,ibid.,p.101

  • Muito resumidamente, este seria o quadro do desenvolvimento agrcola- industrial dentro do qual tentaremos encaixar nossas perguntas acerca do inter-relacionamento desses dois setores pelo uso dos modelos acima referidos4 .

    Antes de apresentarmos estes modelos, gostaramos de esclarecer que a ordem em que aparecem no pretendeu seguir nenhuma seqncia cronolgica. So apresentados na ordem que nos pareceu ser a mais simples em termos de exposio.

    DAVID RICARDO - A agricultura como fator limitativo ao desenvolvimento industrial5

    Desde seus primrdios, como atividade intelectual, a Economia tem se preocupado com a relao entre a agricultura e o desenvolvimento. Tais preocupaes vemos expressas nas obras dos mercantilistas, dos fisiocratas e dos autores da escola "clssica". Entre estes o que, talvez, tenha conseguido estabelecer de forma mais precisa a relao entre os dois foi o economista ingls David Ricardo.

    O que preocupava Ricardo no era exatamente a relao entre a agricultura e o desenvolvimento, tal como entendemos o termo hoje em dia, mas precisamente as inter-relaes entre o crescimento populacional, uma agricultura tecnologicamente estacionria e uma indstria em crescimento.

    Simplificando bastante a viso de Ricardo, podemos dizer que concebia a economia como estando dividida em dois setores: o setor agrcola e o setor manufatureiro. Nestes dois setores, o volume de produo dependeria do volume de fatores de produo empregados: mo-de-obra, terra, isto , recursos naturais, e capital. Quanto maior o volume destes ltimos, maior a produo.

    Alm destes fatores, cuja variao poderia aumentar ou diminuir o volume de produo, Ricardo via a possibilidade de haver um aumento na produo de um dos setores - o manufatureiro - atravs daquilo que, hoje em dia, chamaramos desenvolvimento

    4 Antes de abandonarmos este autor, convm observar que o mais interessante no esquema de Hodder no sua abordagem de desenvolvimento por etapas, mais identificado com o nome de W. W. Rostow do que com o seu, mas sim os aspectos originais que apresenta no tocante agricultura, especialmente quanto s primeiras fases do desenvolvimento agrcola.

    Podemos adiantar que, no perodo abordado neste trabalho, a agricultura brasileira nunca saiu do primeiro estgio do esquema deste autor. Veremos adiante que, neste perodo, a agricultura brasileira se caracterizou por um primitivismo marcante em seus mtodos de cultivo. Tal primitivismo levou a urna perda de fertilidade do solo e a constantes mudanas nas reas cultivadas. f nestas mudanas que, parcialmente, encontraremos a explicao do aumento de produtividade e rentabilidade da agricultura brasileira. , pois, no atraso agrcola e no no seu desenvolvimento que teremos parte da explicao para um aumento na rentabilidade da agricultura no Brasil, sem o qual, provavelmente, o incio de nossa industrializao nunca teria ocorrido. 5 Na elaborao deste breve apanhado do modelo ricardiano, no somente utilizamos The Principies of Political Economy and Taxation de David Ricardo, Irwin Inc., Homewood, Illinois, 1963, como tambm nos valemos enormemente da apresentao do referido modelo feito por Irma Adelman em seu livro Theories of Economic Growth and Development, Stanford University Press, e em menor grau as apresentaes do mesmo modelo nas obras de W. O. Thweat, Teorias do Desenvolvimento Econmico, Zahar, Rio de Janeiro, 1971, e R. J. Barber, Uma Histria do Pensamento Econmico, Zahar, Rio de Janeiro, 1971.

  • tecnolgico6. Quanto ao setor agrcola, embora Ricardo admitisse a possibilidade de haver desenvolvimento tecnolgico, acreditava tambm que o ritmo ao qual tal desenvolvimento se processaria seria muito lento para poder compensar a tendncia aos rendimentos marginais decrescentes que seriam fatalmente observados medida que a populao crescesse. O que queria dizer era que medida que a populao crescesse, a produo agrcola deveria aumentar para alimentar esse maior nmero de bocas. Para tal seria necessrio a utilizao de uma maior quantidade de terras. Ricardo acreditava que a tendncia era, a princpio, serem utilizadas as terras mais produtivas e medida que as necessidades o fossem forando, terras de produtividade decrescentes. Ora, isto implicava dizer que medida que a populao aumentasse, a produo agrcola cresceria com um aumento na extenso das reas sob cultivo, porm esses aumentos adicionais produo seriam cada vez menores. A esse fenmeno de adies produo cada vez menores, deu-se na Teoria Econmica o nome de Princpio dos Rendimentos Marginais Decrescentes7.

    Esse chamado Princpio dos Rendimentos Marginais Decrescentes que operaria na agricultura tem para ns grande importncia. Primeiramente por constituir a base para a explicao da existncia da renda da terra no esquema ricardiano; e, em segundo lugar, como veremos mais adiante, por estabelecer um limite para o crescimento da economia como um todo, inclusive para o setor manufatureiro.

    bem conhecida a explicao ricardiana do surgimento da renda da terra em funo de sua escassez e de diferenas em sua produtividade. Se a terra fosse um fator abundante com um nvel de produtividade constante, ningum pagaria aluguel pelo seu uso. Mas, dado que a terra um fator escasso e de produtividade varivel, o aluguel surgir no momento em que terras de diferentes nveis de produtividade estiverem sendo utilizadas. A terra menos produtiva (denominada marginal) no gerar nenhum aluguel, se admitirmos que este tipo de terra o que existe em abundncia. Todos os outros tipos pagaro um aluguel correspondente diferena entre seus respectivos graus de produtividade e a produtividade da terra marginal8.

    Para entendermos como a existncia de rendimentos marginais decrescentes na agricultura impunha um limite ao crescimento da economia como um todo, conveniente recordar o que foi visto anteriormente. Primeiramente vimos que Ricardo concebia a economia como sendo constituda por dois setores: o manufatureiro e o agrcola. O primeiro estaria sujeito ao desenvolvimento tecnolgico e o segundo apresentaria uma tecnologia quase estacionria. Para simplificar a argumentao, admitiremos uma 6 Ricardo chegou inclusive a dedicar um captulo de seus Principies aos problemas gerados pelo desenvolvimento tecnolgico. Referimo-nos ao 31 cap., "On Machinery", de sua obra. 7 A rigor, para que haja rendimentos marginais decrescentes, no necessrio postular a existncia de terra de qualidade varivel, para a qual a tendncia seria utilizar as menos produtivas s quando, isso se tornasse absolutamente imperioso devido ao aumento populacional. Bastaria que a terra fosse um fator escasso que estivesse sendo plenamente utilizado. Adies de outros fatores de produo - mo-de-obra e capital - a essa quantidade fixa de terra provocariam aumentos na produo, mas para cada unidade de mo-de-obra e capital adicionada o incremento na produo seria cada vez menor, isto , estaramos de volta ao esquema dos rendimentos marginais decrescentes. 8 No caso de terras exploradas por seus proprietrios, o aluguel seria um aluguel imputado. Convm observar que a primazia da descoberta do Princpio dos Rendimentos Marginais Decrescentes e suas implicaes com relao ao aluguel das terras certamente no cabe a Ricardo, mas, sem dvida, foi atravs de sua obra que se tornou amplamente conhecido. A esse respeito ver J. A. Schumpeter, History of Economic Analysis, Oxford University Press, New York, 1963, Parte II, cap. 5.

  • tecnologia completamente estacionria para a agricultura. Ora, dado um pas que, embora em franca industrializao, ainda fosse basicamente agrcola, como a Inglaterra poca de Ricardo, fcil entender porque este concebia a economia em seu conjunto como sujeito aos rendimentos marginais decrescentes. Isto seria simplesmente uma decorrncia da grande importncia relativa da agricultura. Mesmo que houvesse uma tendncia para um aumento na produtividade no setor manufatureiro decorrente do desenvolvimento tecnolgico, este ganho na produtividade desapareceria em face das fortes tendncias aos rendimentos marginais decrescentes na agricultura - o setor bsico da economia.

    A utilizao de alguns grficos permitir que tenhamos uma melhor viso do que estaria acontecendo. Com relao agricultura, o grfico abaixo (Fig. 1) representa aproximadamente a viso de Ricardo.

  • No eixo dos x representamos a utilizao dos fatores mo-de-obra (L) e capital (K) que seriam aplicados a uma quantidade fixa de terra. Para simplificar admitiremos que K e L so empregados em propores fixas, isto , se aumentar- mos (ou diminuirmos) a utilizao de L, deveremos aumentar (ou diminuir) a utilizao de K na mesma proporo. No eixo dos y medimos a produo da terra aos diferentes nveis de utilizao de mo-de-obra e capital. Como podemos observar, medida que aumentamos a utilizao de L e K, a produo aumenta, mas a taxas decrescentes.

    Assim, se estivssemos utilizando n unidades de L e K, a produo seria q. Se aumentssemos a quantidade de L e K para n + 1, a produo se elevaria para q + q. J se estivssemos utilizando t unidades de L e K, a produo seria Q, sendo que se elevssemos a utilizao de L e K para t + 1, a produo aumentaria em Q para Q + Q. Por rendimento marginal decrescente entende-se que os acrscimos produo, devido adio de mais uma unidade dos outros fatores de produo, so cada vez menores.

    Em relao ao nosso grfico, Q < q. A implicao grfica que a curva de produo teria tendncia a se tornar horizontal medida que aumentam L e K. Se isto ocorrer, a produo dever atingir um limite superior medida que L e K aumentam9. No nosso grfico esse limite seria V, que seria atingido quando s unidades de L (e K) estivessem sendo utilizadas. A partir da qualquer aumento no uso de L (e K) no aumentaria a produo, o que implica dizer que o produto marginal a partir da seria zero.

    Se houvesse desenvolvimento tecnolgico na agricultura, com uma mesma quantidade dos outros recursos, a produo seria maior. Em, relao ao nosso grfico corresponderia a um deslocamento da curva de produo para cima (Fig. 2).

    Observemos que com n unidades de L(e K) antes de ocorrer o desenvolvimento tecnolgico, a produo seria s de q unidades. Aps a introduo de alguma inovao, as mesmas n unidades de L (e K) produziriam q + q. Na viso de Ricardo tal desenvolvimento, se ocorresse na agricultura, seria sempre muito pequeno para ter grande efeito no aumento da produo. Isto quer dizer que o que ocorreria na agricultura com o aumento populacional e a escassez da terra seria um aumento na produo agrcola (com um maior emprego de L e K sobre uma quantidade fixa de terra), tendendo a um limite, como no primeiro grfico examinado (Fig. 1). Para o setor manufatureiro, a situao se aproximaria daquela representada na Fig. 2. O crescimento populacional foraria um aumento na produo atravs de uma maior utilizao de mo-de-obra na esfera produtiva. Mas, nem por isso haveria a tendncia de a produo atingir um limite superior, visto que o desenvolvimento tecnolgico poderia estar sempre deslocando esse limite superior para cima.

    Como mencionamos, embora tal fenmeno pudesse ocorrer na indstria, a economia como um todo se comportaria como a agricultura, visto que o desenvolvimento tecnolgico no setor manufatureiro no seria bastante grande e nem este setor suficientemente importante para compensar os rendimentos decrescentes que fatalmente ocorreriam na agricultura com o aumento populacional.

    9 Convm observar que nem todas as curvas que apresentam rendimentos marginais decrescentes tm um limite superior, ex.: y = logx; mas esperamos que, em geral, as que aparecem em Economia tenham essa tendncia.

  • A economia em seu conjunto estaria, portanto, sujeita aos rendimentos marginais decrescentes medida que a populao aumentasse.

    Para notarmos a importncia deste princpio dos rendimentos decrescentes para o desenvolvimento econmico ainda esto faltando alguns elementos. O primeiro destes diz respeito maneira como cresceria a populao no esquema ricardiano. Ricardo, semelhana dos economistas de sua poca, acreditava existir uma estreita vinculao entre variaes na renda e o crescimento demogrfico. Basicamente o que dizia era o seguinte: o crescimento populacional determinado pela diferena entre o nvel de subsistncia (W ) e o nvel salarial (W). Se o nvel salarial que vigorar na economia for superior ao nvel de subsistncia, isto , se W >W , haver uma tendncia para a populao crescer. Inversamente, se W for inferior a W , a populao decresceria e permaneceria constante, caso os salrios fossem iguais ao mnimo necessrio a sobrevivncia10.

    O fator mais importante na determinao do nvel salarial seriam as condies de mercado para mo-de-obra, isto , o nvel da demanda em comparao com o da oferta. A demanda, por sua vez, seria uma funo crescente da acumulao de capital. Havendo acumulao de capital haveria um aumento na demanda para mo-de-obra, o que foraria um aumento nos salrios acima do nvel de subsistncia. Isto, por sua vez, de acordo com o que foi exposto, provocaria um aumento populacional. Inversamente, se ocorresse uma queda na acumulao de capital, haveria uma reduo na demanda de mo-de-obra, o que acarretaria uma reduo no nvel salarial, e, conseqentemente, no crescimento populacional.

    10 E conveniente observar que esse mnimo de subsistncia no era ditado, para Ricardo, por fatores biolgicos, mas, sim, culturais. A esse respeito ver o Cap. 5 ,"On Wages", de seus Principles.

  • Vemos, pois, que o fator determinante do crescimento populacional seria a acumulao de capital. Esta se processaria na medida em que a taxa de retorno (lucro) fosse adequada11 e a economia estivesse produzindo um excedente econmico. Caso essas duas condies fossem satisfeitas, haveria acumulao de capital e, portanto, um aumento na demanda para mo-de-obra com um conseqente aumento na sua oferta, isto , na populao.

    conveniente observar que, segundo Ricardo, tal processo continuaria at o momento em que no mais fosse interessante investir, isto , at o momento em que a taxa de retomo deixasse de ser adequada. Isto fatalmente ocorreria visto que no esquema ricardiano a acumulao de capital levaria inexoravelmente a uma queda na taxa de lucro.

    Para verificarmos como tal ocorreria, seria interessante utilizarmos um esquema desenvolvido por J. Hicks12. Tal esquema se encontra reproduzido a seguir (Fig. 3).

    No eixo dos x medimos a quantidade de terra empregada na economia. No eixo dos y medimos a produo agrcola por unidade de terra. Para simplificar, admitamos que a agricultura s produzisse um determinado tipo de produto trigo. Admitamos tambm que os dois nicos insumos utilizados para a produo deste produto fosse o prprio trigo na forma de semente e mo-de-obra (paga em espcie).

    Esperaramos que a quantidade de trigo a utilizar para produzir uma mesma quantidade Q do produto (trigo) aumentasse medida que a produtividade de terra casse. Isto deveria ocorrer por dois motivos: primeiramente porque teramos de utilizar uma maior quantidade

    11 Por taxa de retorno adequada entendemos uma taxa de retorno maior do que o mnimo necessrio para compensar os riscos envolvidos no empreendimento. A esse mnimo daremos o nome de taxa de retorno mnima. 12 J. Hicks, Capital and Growth, Oxford, 1965, p. 44.

  • de sementes, e, em segundo lugar, porque teramos de utilizar uma maior quantidade de mo-de-obra, paga em espcie.

    A reta AB (Fig. 3) representaria tal situao. Quando temos uma populao pequena, utilizamos as terras mais produtivas. No exemplo da Fig. 3 a quantidade de terra utilizada OL. Para a primeira unidade de terra utilizada (O), o volume de inverso (em trigo) que teramos de fazer para atingir o volume de produo OQ seria OS. A diferena entre a inverso e o produto final (OQ-OS) seria igual ao excedente gerado por essa unidade de terra. Notamos que medida que aumentamos a utilizao de terra, estas se vo tornando cada vez menos produtivas, o que implica que as inverses (em trigo) necessrias para atingirmos o mesmo volume de produo OQ (por unidade de terra) vo aumentando. Ao atingirmos a unidade L de terra, o volume de inverso j no mais seria OS, mas, sim, LN, e o excedente econmico, LQLN, inferior a OQ-OS.

    A inverso total na" agricultura seria correspondente soma das inverses feitas em cada unidade de terra, o que equivaleria rea OSNL. Para tal inverso, a produo total seria OQQ'L e, portanto, o excedente total gerado pela agricultura,QSNQ'.

    O passo seguinte seria verificar como se processa a diviso desse excedente entre lucros e aluguel da terra (os salrios j foram includos nas inverses). Para tal basta lembrar que a ltima unidade de terra utilizada (a marginal), qual seja L, no pagaria nenhum aluguel. Nestas circunstncias, todo o excedente nesta gerado, (Q'N),

    corresponderia ao lucro desta unidade. A taxa de lucro seria, pois, totalinverso

    lucro =NL

    NQ'

    para essa unidade de terra.

    Numa economia competitiva haveria a tendncia para a taxa de lucro ser igual em todas as atividades. Assim, esperaramos que a taxa de lucro para as terras mais produtivas tambm fosse igual a Q'N/LN.

    Podemos verificar que, nestas circunstncias, o lucro de cada unidade de terra entre O e L seria dado pela diferena entre as retas AQ' e AB (Fig. 4).

  • Podemos observar que para qualquer unidade de terra entre O e L, digamos T, a taxa de lucro seria ZR/TR que igual a Q'N/NL' o que comprova que a diferena entre os pontos das linhas AQ' e AB deve nos dar os lucros correspondentes ! s diferentes unidades de terra utilizadas.

    O volume total de lucros seria simplesmente igual adio dos lucros de cada unidade de terra, o que nos daria a rea SVQ'N. Retirando-se a parte correspondente aos lucros do excedente total, devemos ficar com o volume total dos aluguis. Em termos de nosso grfico isso deve ser igual rea QVQ'.

    Agora, suponhamos que houvesse acumulao de capital e, com esta, um aumento na populao. Isto foraria um aumento na utilizao de terra para alimentar esse maior nmero de bocas. A quantidade de terra utilizada poderia passar, digamos, de OL para OG (Fig. 5). Repetindo o mesmo argumento que desenvolvemos anteriormente, podemos verificar que nesta nova situao a taxa de lucro seria FH/HG, inferior taxa de lucro anterior (Q'N/NL).

    O volume total de lucros seria, agora, FHSJ, sendo o de aluguis FJQ, e as inverses

    OGHS. O importante a observar que a taxa de lucro teria cado com a acumulao de capital.

    S nos falta um elemento para podermos visualizar o funcionamento da economia como um todo. Tal elemento diz respeito tendncia decrescente a acumular, medida que a taxa de retorno cair. Ricardo acreditava que quanto menor a taxa de retorno, menor a tendncia a acumular.

    De posse desses elementos, podemos esboar o comportamento da economia como um todo. Partindo de uma situao onde compensa acumular, isto , onde a taxa de retomo superior taxa de retorno mnima, haveria acumulao de capital com um conseqente

  • aumento na demanda para mo-de-obra. O aumento na demanda para mo-de-obra provocaria um aumento salarial que, por sua vez, a longo prazo, geraria um aumento populacional. Este ltimo foraria um aumento na utilizao de terras, o que causaria dois efeitos: primeiramente um aumento na produo agrcola (a taxas decrescentes) e, em segundo lugar, uma queda na taxa de lucro.

    Essa queda na taxa de lucro iria provocar uma diminuio nas inverses, porm enquanto no tivesse sido atingida a taxa de lucro mnima, estas inverses prosseguiriam, repetindo o ciclo anterior.

    Este movimento contnuo s cessaria quando a taxa de lucro tivesse cado ao mnimo e no mais compensasse investir. Nesta situao cessariam as inverses e, portanto, os aumentos na demanda para mo-de-obra. Os salrios neste ponto teriam a tendncia a cair ao nvel de subsistncia - o que seria o suficiente para manter a populao estacionria. Cessando a acumulao de capital e o aumento populacional, cessaria o crescimento nas produes agrcola e manufatureira e a economia entraria em estagnao.

    Esta, em sntese, seria a viso de Ricardo acerca do comportamento a longo prazo da economia. No pretendemos ter dado uma viso completa do esquema ricardiano, mas, simplesmente, os elementos mais importantes e mais diretamente ligados ao nosso tema.

    O que nos interessa no esquema ricardiano o elemento relacionado com a agricultura como fator limitativo do desenvolvimento. Para Ricardo a economia s chegaria a um estado estacionrio impedindo, portanto, qualquer aumento na produo industrial (e agrcola) porque a agricultura estaria sujeita a rendimentos marginais decrescentes. E isto decorreria basicamente da ausncia de desenvolvimento tecnolgico no setor agrcola.

    Certamente esta uma argumentao de peso e que nos leva a questionar em termos apriorsticos acerca da possibilidade de um desenvolvimento (inclusive industrial) num pas onde a agricultura esteja tecnologicamente estagnada. bem verdade que mesmo com uma agricultura estagnada, o simples aumento populacional geraria um maior volume de excedente econmico (independente de como se processa a distribuio entre lucros e aluguis) que poderia ser utilizado no desenvolvimento industrial. Na Fig. 5, o aumento do excedente seria de SQQ'N para SQFH quando o aumento populacional forasse um aumento na utilizao de terras de OL para OG. Mas, mesmo assim, a tendncia seria para a economia (inclusive o setor manufatureiro) eventualmente entrar em estagnao. Em outras palavras, se no setor agrcola no houver um aumento na produtividade, de duas uma: ou o desenvolvimento industrial nem chegar a se processar, ou, se chegar, ter uma extenso bastante reduzida com uma tendncia a estagnar mais cedo ou mais tarde.

    Antes de abandonarmos o esquema ricardiano, vejamos o que aconteceria se houvesse um aumento na produtividade agrcola. Valendo-nos ainda do esquema de Hicks, podemos ver pela Fig. 6, a seguir, que primeiramente aumentaria o volume de excedente econmico e, em segundo lugar, a taxa lucro.

    Em termos do grfico, um aumento na produtividade da terra corresponderia a um deslocamento da reta AB para AB' e, como resultado desse deslocamento, podemos verificar imediatamente a veracidade das duas proposies feitas acima.

  • J. MELLOR - Um modelo ricardiano de dependncia indstria/agricultura John Menor, economista contemporneo que tem dedicado grande parte de seus

    esforos anlise de problemas agrcolas, em sua obra The Economics of Agricultural Development13 apresenta algumas idias que teremos oportunidade de usar com certa freqncia no decorrer de nosso trabalho, razo pela qual vamos dedicar alguns pargrafos a uma sntese destas. Novamente, enfatizamos que no faremos aqui um resumo completo de sua obra, mas to-somente aquelas idias que mais diretamente nos interessam.

    A agricultura segundo este autor teria um papel bsico a desempenhar no processo de desenvolvimento econmico e, portanto, indiretamente, no cresci- mento dos outros setores, inclusive o manufatureiro, por uma srie de razes. Primeiramente por ser o setor mais importante de uma economia subdesenvolvida. Nas palavras do autor:

    "A necessidade de alimentos e o baixo nvel de produtividade agrcola tm como conseqncia a utilizao da maior parte da fora de trabalho dos pases pobres no setor agrcola. Nas fases iniciais de desenvolvi- mento de 60% a 80% da populao dedicam-se agricultura, e 50%, ou mais, da renda nacional so geradas pelo setor agrcola". Op. cit., p. 4.

    Em segundo lugar, em decorrncia direta disto, devido a sua prpria importncia relativa, este seria o setor sobre o qual recairia a maior parte do peso do desenvolvimento dos outros setores.

    Basicamente os outros setores poderiam desenvolver-se atravs de:

    a. doaes externas b. investimentos diretos estrangeiros c. poupana interna. 13 J. Menor, The Economics of Agricultural Development, Ithaca, New York, 1966.

  • O que geralmente se verifica para a grande maioria dos pases, exceo feita somente queles de tamanho reduzido, tanto em extenso geogrfica quanto em termos demogrficos, que as doaes e as inverses estrangeiras, embora possam fazer alguma contribuio (especialmente no desenvolvimento dos setores mais modernos), geralmente mnima. sobretudo na poupana,interna que repousam quase todas as possibilidades de um desenvolvimento contnuo.

    Ora, se a agricultura nas fases iniciais o setor que utiliza a maior parte dos recursos de um pas e, ao mesmo tempo, o que faz a maior contribuio sua renda nacional, seria de se esperar que, de alguma forma ou de outra, os recursos para o desenvolvimento dos outros setores devessem originar-se no setor agrcola.

    A contribuio que a agricultura poderia fazer para o desenvolvimento dos outros setores poderia ser da seguinte natureza:

    a. transferncia de recursos produtivos b. criao de mercado c. mudana nos termos de intercmbio d. gerao de divisas externas e. produo de matrias-primas e de alimentos.

    Com relao transferncia de recursos produtivos h dois tipos a considerar: capital e mo-de-obra. Consideremos primeiramente o capital. A agricultura, sendo o setor bsico de um pas subdesenvolvido, seria a nica capaz de gerar um excedente que poderia ser utilizado no desenvolvimento dos outros setores. Esse excedente poderia ser transferido diretamente da agricultura para os outros setores atravs de inverses feitas pelos recipientes desse excedente nesses outros setores, ou indiretamente atravs de sua captao pela tributao e posterior inverso nos outros setores.

    Com relao tributao h um caso clssico na literatura do desenvolvimento de um pas que financiou grande parte de sua industrializao com recursos provenientes de um imposto territorial. o caso do Japo depois da restaurao Meiji (1868). Em fins do sculo passado os impostos sobre a agricultura contriburam com cerca de 50% a 80% da receita do governo japons. No mesmo perodo, de 1/3 a metade das inverses industriais estavam sendo realizadas pelo governo14. No preciso enfatizar que esta forma de transferncia de recursos exige um sistema administrativo bastante sofisticado a ponto de manter um cadastro imobilirio bem complexo. Essa geralmente no a situao da grande maioria dos pases subdesenvolvidos, onde cadastros imobilirios, mesmo para os grandes centros urbanos, so inexistentes. Para esses pases possuidores de uma mquina administrativa por demais simples, a tributao do setor agrcola s vivel atravs de impostos de exportao. assim que pases como a Birmnia, Uganda, Ghana (e mesmo o Brasil) tm tradicionalmente obtido recursos da agricultura, os quais tm sido utilizados para financiar seus gastos administrativos e um programa de diversificao econmica15.

    Quanto s inverses diretas da agricultura em outros setores h algumas indicaes de que isto possa ter ocorrido em uns poucos pases16.

    14 Mellor op. cit., p. 85. 15 Convm observar que, oportunamente, em nosso trabalho analisaremos o caso japons em maior detalhe. 16 Alegam alguns autores, como Furtado, que, at certo ponto, isso ocorreu no Brasil.

  • Com relao transferncia de mo-de-obra da agricultura para outros setores, desde o artigo de Lewis17 que se transformou num clssico, surgiu uma vasta literatura sobre o assunto. Teremos, mais adiante, oportunidade de examinar as idias centrais de Lewis, bem como as objees bsicas que lhe podem ser feitas. Por ora, contentar-nos-emos com a meno da possibilidade da transferncia desse recurso da agricultura para a indstria, deixando para mais tarde os detalhes de tal processo.

    Est claro que a transferncia de capital e mo-de-obra no deve ser interpretada exclusivamente em termos absolutos, mas tambm em termos relativos. Para demonstrar o que temos em mente, consideremos o seguinte exemplo. Admitamos que um determinado pas estivesse passando por um perodo de crescimento, inclusive populacional, e que em decorrncia de tal crescimento se fizesse necessrio uma expanso da produo agrcola. Esta s se daria atravs de uma maior utilizao de mo-de-obra e capital no setor agrcola. Parece-nos claro que, mesmo nesta situao, a agricultura ainda poderia contribuir para o desenvolvimento dos outros setores se para o aumento de sua produo minimizasse a utilizao desses dois recursos. Em outras palavras, estamos admitindo uma economia em desenvolvimento, capaz de gerar um excedente econmico, especialmente no setor agrcola. Para que a economia continue a se desenvolver teremos de utilizar parte desse excedente no desenvolvimento do prprio setor agrcola. O que importa que, na medida do possvel, este setor minimize sua utilizao de recursos produtivos, permitindo uma maior utilizao relativa destes em outros setores.

    Ambos os casos, isto , de transferncia absoluta e de transferncia relativa, s podem ocorrer na medida em que haja um aumento na produtividade do setor agrcola. Com relao a este ponto, Mellor taxativo, ecoando Ricardo quando afirma que nessas circunstncias (de crescimento populacional sem desenvolvimento tecnolgico)

    "... os nveis de renda na agricultura esto fadados a diminuir medida que o tamanho absoluto da fora de trabalho agrcola continua a aumentar". Op. cit., p. 28.

    Neste ponto, poder-se-ia objetar no sentido de que, para haver um aumento na produtividade do setor agrcola, seria necessrio um maior volume de inverses e que, desta forma, o setor agrcola em vez de contribuir com capitais para o desenvolvimento do setor industrial poderia competir com este para a utilizao desse recurso escasso.

    Mellor acredita que tal objeo s seria parcialmente vlida visto que o tipo de capitalizao que se processa na agricultura, pelo menos em suas fases iniciais, seria diferente da capitalizao na indstria. Como teremos oportunidade de ver mais adiante, para que a acumulao se processe na agricultura, numa primeira etapa s seria necessrio mo-de-obra. Nestas circunstncias uma competio, caso houvesse, com a indstria, no seria em termos de mquinas e outros bens de capital, mas sim em termos de mo-de-obra. Convm observar que em condies de abundncia de mo-de-obra (o caso de muitos pases em vias de desenvolvimento), nem mesmo esse tipo de competio haveria.

    17 W. A. Lewis, Economic Development with Unlimited Supplies of Labour, The Manchester School, 1954.

  • Feita esta ressalva, conquanto que a produtividade esteja aumentando na agricultura, possvel esta ajudar no desenvolvimento da indstria pela transferncia relativa de recursos produtivos.

    Mellor no o primeiro nem, certamente, ser o ltimo a apontar a estreiteza do mercado para produtos industrializados como um dos maiores empecilhos industrializao. Neste sentido o desenvolvimento do setor agrcola poderia contribuir grandemente para o desenvolvimento do setor industrial se conseguir trans- formar-se num amplo mercado para manufaturas.

    Novamente, poder-se-ia argumentar que poderia surgir um conflito neste papel da agricultura como criadora de um mercado, por um lado, e como geradora de capitais para o setor industrial, por outro, isto , como consumidora por um lado e poupadora por outro. Menor otimista com relao a isto, chegando a afirmar que:

    "... um conflito pode no aparecer necessariamente com relao ao duplo papel que a agricultura pode desempenhar: como geradora de capital e criadora de um mercado... Nas etapas iniciais do desenvolvimento, a poltica econmica mais que provavelmente visar gerar capital. Problemas decorrentes da falta de demanda surgem, em geral, de distores a curto prazo produzidas por uma rpida expanso industrial. Estas podem ser corrigidas com relativa facilidade num curto espao de tempo. S num estgio posterior, depois que uma infra-estrutura industrial bsica j tiver sido construda, podendo, ento, ocorrer uma rpida expanso das indstrias de bens de consumo, que problemas relacionados com a demanda podem assumir uma certa relevncia". Op. cit., p. 99.

    O terceiro tipo de contribuio que a agricultura poderia fornecer ao desenvolvimento industrial seria atravs da mudana nos termos de troca entre manufaturas e produtos agrcolas, pela queda nos preos relativos destes ltimos em comparao com os primeiros. Tal fenmeno atuaria no sentido de transferir renda para o setor no agrcola visto que, alm de reduzir o preo das matrias-primas de origem agrcola, agiria no sentido de abaixar o custo de vida, no setor urbano o que, em conseqncia, permitiria que o nvel salarial e os demais custos da empresa permanecessem baixos, encontrando sua contrapartida num aumento no nvel dos lucros.

    Mas, para que essa transferncia de renda se materialize num maior desenvolvimento industrial, necessrio que uma srie de condies seja satisfeita:

    a. que haja um aumento na oferta de produtos primrios mais rpido que o aumento em sua demanda e/ou b. que haja proteo alfandegria para produtos manufaturados c. que os salrios no subam por quaisquer outros motivos d. que os lucros sejam reinvestidos no setor industrial.

    Com relao primeira condio, o autor acredita existir foras poderosas pressionando a demanda para cima (aumento populacional, urbanizao etc.), mas que a oferta tende a crescer lentamente:

  • "Assim, nas fases iniciais do desenvolvimento, provavelmente, o melhor que se pode fazer aumentar a oferta de produtos agrcolas mesma taxa que a demanda, evitando dessa forma, pelo menos, um aumento relativo nos preos dos produtos agrcolas".

    Uma maneira mais fcil de se atingir o mesmo objetivo seria atravs de tarifas alfandegrias ou controle de importaes - mecanismos pelos quais os preos das manufaturas poderiam ser elevados com relao ao preo dos produtos primrios18.

    A contribuio da agricultura poderia vir atravs da gerao de divisas externas para a importao de equipamento industrial. Como afirma o autor:

    "Uma alta percentagem do capital necessrio s primeiras fases do crescimento econmico usada em investimentos em infra-estrutura, e esta pode ser produzida especialmente com recursos locais. Cedo, entretanto, formas de capital que so mais eficientemente produzidas pela importao tornam-se recursos-chave do crescimento econmico. Neste ponto, a escassez relativa de divisas externas torna-se crticas no processo de crescimento". Op. cit., p. 102.

    O setor primrio, nesse contexto, auxiliaria o desenvolvimento industrial ou pelo aumento nas exportaes e/ou pela reduo nas importaes. As contribuies atravs de um aumento nas exportaes so por demais conhecidas e evidentes para que nos delonguemos sobre o assunto. J o papel desempenhado pela reduo nas importaes que o desenvolvimento agrcola permitiria no parece ter recebido suficiente ateno. Com relao a este aspecto bom lembrarmos que vrios pases subdesenvolvidos importam grande parte de seus alimentos bsicos. A Bolvia, por exemplo, recebe 3/4 de sua receita cambial da exportao de estanho; em contrapartida gasta 1/4 dela na importao de alimentos19.

    Veremos, oportunamente, que os aspectos relacionados com o comrcio externo so de suma importncia na explicao do desenvolvimento de pases como o Brasil. Por ora, citaremos algumas das vantagens de uma agricultura voltada para o mercado externo. Primeiramente permite um ritmo de modernizao mais intenso ao Pas. Em segundo lugar, para certos pases com uma estrutura administrativa pouco desenvolvida, a tributao do comrcio externo a nica maneira de o governo levantar os recursos necessrios para financiar suas atividades, inclusive a promoo o setor secundrio20.

    Finalmente, para que o setor industrial se desenvolva, s poder faz-lo na medida em que a agricultura puder fornecer matrias-primas e alimentos para este setor. Geralmente a industrializao se processa em centros urbanos. O desenvolvimento de centros urbanos s possvel na medida em que a agricultura estiver produzindo um excedente capaz de alimentar essa populao urbana. So poucos os pases que semelhana de Hong-Kong

    18 Id., ibid., p. 97. 19 No Brasil, no sculo passado, era comum a importao de banha, peixe salgado e, inclusive, manteiga da Europa. 20 Temos cincia de que para um pas ter sua agricultura voltada para o exterior isto pode apresentar uma srie de desvantagens, tais como: a deteriorao nos termos de intercmbio (argumento Prebisch), a extrema especializao, a instabilidade de preos e portanto das receitas externas etc. Mas gostaramos, neste ponto, de enfatizar os aspectos positivos de uma agricultura de exportao.

  • podem obter seus recursos alimentares do exterior pela exportao de manufaturas. Isto s seria vivel para pases:

    a. pequenos e/ou b. com um setor manufatureiro bem desenvolvido, contando, ainda, com um sistema de transporte eficiente, capaz de transportar grandes volumes de produtos agrcolas do exterior a baixo custo.

    A grande maioria dos pases subdesenvolvidos no satisfaz essas condies e somente casos excepcionais como Hong-Kong que podem alimentar grandes massas urbanas atravs da importao de produtos alimentcios. A maior parte dos pases subdesenvolvidos tem de se valer de sua agricultura para se suprir de produtos primrios.

    Afora apresentar um esquema de funes que a agricultura poderia preencher no processo de industrializao, algo que nos ser muito til no transcorrer de nosso trabalho e que tentamos sintetizar nos pargrafos acima, Menor apresenta um "modelo" de desenvolvimento agrcola. Talvez "modelo" no fosse o termo mais apropriado s idias que o autor alinha. Mas, de qualquer forma, o que faz aps concluir que a "modernizao"21 agrcola seria imprescindvel para o desenvolvimento global de uma economia (inclusive o industrial), visto este ser o setor que pode ser desenvolvido com recursos de, relativamente, baixo custo de oportunidade22, montar um esquema de modernizao agrcola. Segundo o autor a agricultura passaria por trs fases distintas em seu p

    uma transferncia de capital para outros setores, a produo agrc

    te dinmica mas empregadora de tecnologia trabalho-intensiva. Esta seria a fase na qual:

    utos agrcolas estaria crescendo rapidamente pelo efeito

    ento poupador de mo-de-obra se restringiria ao mnimo devido ao seu alto c

    ente: melhores mtodos de cultivo, novas variedades de plantas, irrigao, drenagem etc.

    rocesso de modernizao.

    A primeira fase corresponderia da agricultura tradicional, de tecnologia estagnada. Nesta, com a produtividade constante, um aumento na produo s poderia se dar se houvesse um aumento proporcional em todos os fatores de produo. Se nesse tipo de agricultura houvesse, portanto,

    ola provavelmente cairia.

    A segunda fase seria a de uma agricultura tecnologicamen

    a. a agricultura ainda seria o setor mais importante da economia b. a demanda para proddemogrfico e efeito renda c. o capital para a indstria seria escasso d. presses demo grficas no permitiriam aumentar a extenso mdia das fazendas e. o uso de equipam

    usto relativo.

    Como se processaria o aumento na produtividade nessa segunda fase, se a utilizao do capital, na viso do autor, se restringisse a um mnimo? Alega Mellor que isto seria possvel atravs de um "fluxo de inovaes" tal como ocorreu na Inglaterra no sculo XVIII ou no Japo no sculo XIX. Basicam

    21 Modernizao aqui entendido como um processo de aumento de produtividade. 22 Id., ibid., p. 223

  • A terceira fase seria a de uma agricultura dinmica, caracterizada por uma tecnologia capital-intensiva. Normalmente esta fase ocorreria s depois que o pas tivesse se desenvolvido substancialmente e tivesse, portanto, capital em abundncia. Exemplo tpico seria o Japo moderno que teria ingressado nessa fase recentemente.

    Mellor concorda que muitos pases no seguiram a seqncia por ele esboada. Menciona o caso dos EUA, onde a fase II no era vivel no sculo passado devido ao desconhecimento de tcnicas mais produtivas na presena de relativa escassez de mo-de-obra. Nestas circunstncias, os EUA passaram diretamente da fase I para a fase III.

    Embora possamos encontrar exemplos semelhantes aos EUA, isto , de pases que fugiram regra, acredita o. autor que a agricultura nos pases em desenvolvimento, em geral, deveria seguir a seqncia acima descrita.

    O importante a observar no esquema de Menor a fase II. Nesta, a produtividade aumentaria basicamente atravs de uma melhor utilizao da mo-de-obra - um fator relativamente abundante. Este aumento na produtividade permitiria a transferncia de toda espcie de recursos desde os prprios produtos agrcolas mo-de-obra, sem esquecer o capital, do setor agrcola para o setor no agrcola. Nesta fase que seriam lanadas as bases para uma maior diversificao econmica do Pas, o que abrangeria a emergncia de um setor industrial.

    W. A. LEWIS - Uma tentativa de fuga camisa-de-fora ricardiana23

    Como vimos ao analisarmos os modelos de Ricardo e de Mellor, ambos fazem questo de enfatizar que o desenvolvimento econmico no se pode dar a no ser que haja um certo desenvolvimento agrcola. No esquema ricardiano, como o desenvolvimento tecnolgico era praticamente inexistente, havia um limite para o crescimento da economia. J para Mellor, como seria de se esperar, tratando-se de um autor contemporneo, existe a possibilidade de ocorrer um desenvolvimento tecnolgico na agricultura, com um conseqente aumento na produo e produtividade. Tal desenvolvimento poderia ser atingido quase que sem nenhuma utilizao de capital (fase II do esquema do referido autor). O que nos interessa frisar aqui que, para ambos os autores, parece inconcebvel o desenvolvimento econmico, incluindo a o industrial, sem que ocorra um desenvolvimento tecnolgico no setor primrio.

    Gostaramos de dedicar alguns pargrafos exposio das idias de Lewis que diferem bastante das expressas pelos autores anteriores. Ser particularmente til na elaborao terica de um modelo explicativo do desenvolvimento industrial brasileiro em suas primeiras fases. W. A. Lewis, em seu artigo que se tornou clssico da Teoria do Desenvolvimento, constri um modelo atravs do qual tenta mostrar como seria possvel a um pas iniciar sua industrializao sem alterar seu modo de produo agrcola.

    23 W. A. Lewis, Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, maio, 1954, reimpresso em vrias coletneas como na de A. N. Agarwala & S. P. Singh, A Economia do Subdesenvolvimento, Forense, 1969, ou, ainda, na de C. K. Eicher & L. W. Witt, Agriculture in Economic Development, McGraw-Hill, 1964. Uma boa apresentao do modelo de Lewis pode ser encontrado na obra de E. E. Hagen, The Economics of Development, Irwin, Homewood,III., 1968, cap. 14.

  • Parte o autor da premissa que existe um excedente de mo-de-obra considervel em um grande nmero de pases. Para estes, onde a populao relativamente elevada em comparao com os outros recursos, especialmente capital, a produtividade marginal da mo-de-obra se aproximaria do zero, podendo inclusive ser negativa. Onde existiria esse excedente populacional? A maior parte no desemprego disfarado na agricultura e no setor de servios.

    Embora a produtividade marginal da mo-de-obra possa ser zero, os salrios no seriam, como vaticina a teoria neoclssica, iguais a sua produtividade marginal. Seriam, isto sim, determinados pela produo mdia na agricultura ou, mesmo, por tradio. Mas, de qualquer forma, seriam baixos, prximos do nvel de subsistncia.

    Acredita o autor que nestas circunstncias essas economias disporiam de uma oferta ilimitada de mo-de-obra a salrios de subsistncia. De onde proviria essa oferta de mo-de-obra? Segundo o autor, primeiramente dos setores onde existe desemprego disfarado; em segundo lugar da maior utilizao de mo-de-obra feminina e, finalmente, do prprio crescimento vegetativo da populao. Grande parte dessa mo-de-obra poderia ser transferida para o setor secundrio sem que houvesse uma reduo na produo agrcola (e do setor de servios).

    A fim de visualizarmos a idia de Lewis, voltemos a utilizar o esquema grfico de que nos valemos na abordagem de Ricardo. Para simplificar tomemos somente o caso do setor agrcola, ignorando o setor tercirio. Tal situao acha-se representada no grfico a seguir (Fig. l).

    A curva f poderia representar a produo agrcola que um pas atingiria com diversos

    nveis de utilizao de mo-de-obra. Como podemos notar, at o ponto onde so utilizadas L unidades de mo-de-obra, a produo agrcola tenderia a aumentar. A partir desse ponto adies desse fator no aumentariam o volume de produo. Neste sentido, se em nossa economia estivssemos utilizando L' de mo-de-obra na agricultura, haveria um excedente

  • de mo-de-obra igual a LL', que poderia ser retirado desse setor sem que houvesse uma queda na produo agrcola. Esse excedente de mo-de-obra poderia ser utilizado no desenvolvimento do setor secundrio. Tal transferncia teria um custo de oportunidade social igual a zero, e, neste caso, tudo o que conseguisse produzir no setor secundrio seria um ganho para a economia.

    Convm notarmos que a retirada do excedente de mo-de-obra da agricultura certamente aumentaria a produtividade desse fator no sentido de que um menor nmero de trabalhadores produziria o mesmo volume de produo que anteriormente e, portanto, a produo mdia por trabalhador deveria aumentar. Mas esse aumento na produtividade no se daria em funo da introduo de inovaes na agricultura (fenmeno bsico para que ocorresse o desenvolvimento econmico nos esquemas de Mellor e de Ricardo) mas, sim, como resultado da retirada da mo-de-obra suprflua desse setor. Essa mo-de-obra suprflua constituiria, por assim dizer, uma poupana disfarada existente na economia e que poderia ser utilizada no desenvolvimento do setor industrial.

    No esquema de Lewis, alm da agricultura (e talvez o setor de servios), repositrio da mo-de-obra excedente, haveria ainda um setor industrial, que seria o setor capitalista da economia, onde as decises seriam tomadas por princpios "racionais" de maximizao dos lucros. O volume de mo-de-obra empregado nesse setor seria determinado, nesse esquema, pela igualdade da produtividade marginal da mo-de-obra com o salrio.

    Se no setor industrial, a curva de produtividade marginal fosse a curva NR, apresentada no grfico abaixo (Fig. 2), e o nvel salarial fosse OW, o volume de mo-de-obra empregado seria OM.

    O volume total de salrios pago seria OM x OW. Como o produto industrial total

    seria a rea que fica compreendida entre a curva de produtividade marginal e os eixos at o ponto P, isto , ONPM, o excedente que ficaria nas mos dos industriais seria igual a WNP.

  • A economia de Lewis, portanto, seria uma economia dualista. Por um lado teramos um setor de subsistncia caracterizado pela presena de um excedente de mo-de-obra, onde o salrio giraria em torno do nvel de subsistncia, e, por outro lado, teramos um setor capitalista, moderno, correspondente ao setor industrial, onde as decises seriam tomadas em funo do princpio de maximizao dos lucros. Esses dois setores no estariam isolados mas, sim, interligados, interagindo entre si. O setor de subsistncia forneceria toda a mo-de-obra que o setor secundrio necessitaria. O nvel salarial que as empresas industriais precisariam oferecer para obter sua fora de trabalho seria igual ao nvel mdio de renda do setor de subsistncia, acrescido de aproximadamente 30%, isto , seria igual ao salrio de subsistncia com um ligeiro acrscimo para atrair a mo-de-obra do campo para a cidade bem como para compensar pelo custo de vida, geralmente, mais elevado nos centros urbanos que no campo. Mas, a esse salrio, os empresrios industriais poderiam obter toda mo-de-obra necessria, enquanto existir um excedente desta no setor primrio e de servios.

    A chave do desenvolvimento da economia estaria no uso que seria feito do excedente econmico gerado no setor capitalista (WNP na Fig. 2). Se a maior parte desse excedente for utilizada para reinverso no setor capitalista, este se expandiria, aumentando sua absoro do excedente de mo-de-obra at o desapareci- mento completo deste. No grfico abaixo (Fig. 3) ilustramos tal situao.

    Na fase 1, o excedente gerado e recebido pelos capitalistas seria igual rea A,

    hachurada. Na medida em que este utilizado para a expanso do setor industrial, a produtividade da mo-de-obra aumentaria numa segunda fase, passando de N1 L1 para N2 L2, e o volume de mo-de-obra empregada de OL1 para OL2.

    Novamente, na medida em que o novo excedente N2WL2 for reinvestido, a produtividade de mo-de-obra aumentaria e o emprego a acompanharia para OL3. Assim,

  • uma vez iniciado o processo, este teria a tendncia a adquirir momentum e continuaria ad nfntum, isto , at as condies de excesso de mo-de-obra cessarem.

    Lewis em seu modelo minimiza a transferncia de outros tipos de recursos, como por exemplo capital, que poderia ocorrer da agricultura para o setor secundrio. Segundo este autor, o prprio excedente gerado no setor capitalista seria o suficiente para desenvolv-lo. No somente afirma isto;. como vai alm, tentando apresentar urna soluo para o que chama de "o problema central de qualquer teoria do desenvolvimento", qual seja: explicar como uma sociedade que poupava de 4% a 5% de seu PIB - taxas que caracterizam uma sociedade tradicional, em estagnao - passa a poupar de 12% a 15%.

    Acredita o autor que isto no se deve a uma mudana nos hbitos de poupana por parte dos membros da sociedade tradicional, mas, sim, ao aparecimento de um novo fenmeno - o setor capitalista (identificado com o setor industrial e alguns segmentos mais desenvolvidos dos setores primrio e tercirio). Nesse setor, o excedente que fica nas mos dos empresrios, isto , os lucros, com o passar do tempo, vai aumentando. Partindo-se do pressuposto que o setor agrcola mantenha sua produo constante no transcurso do processo, isso necessariamente implicaria que, medida que o setor capitalista se desenvolvesse, a proporo Lucros/Renda Nacional vai aumentando.

    neste fenmeno que encontraramos, segundo Lewis, a explicao para o aumento no nvel de poupana da economia. A distribuio da renda seria alterada a favor daqueles que poupam - razo pela qual se pouparia mais.

    Em suma: uma vez iniciado o processo, este tenderia a se perpetuar. Mas como se daria? Duas condies seriam necessrias: a) o aparecimento de empresrios capitalistas e b) a colocao de recursos monetrios nas mos destes para que possam atrair a mo-de-obra excedente do setor de subsistncia para o setor capitalista.

    Com relao primeira condio, o autor tem pouco a dizer. J com relao segunda, ecoando Schumpeter afirma que a criao de crdito pelos bancos seria o suficiente para realizar a mudana. Ao oferecerem crdito aos empresrios, os bancos lhes estariam dando os meios para obter sua mo-de-obra. Esta colocao de maior volume de moeda em circulao causaria, a princpio, uma inflao, visto que a produo de bens primrios permaneceria constante; mas, acredita o autor que, com o tempo, com o aumento na produo de produtos industriais, a inflao tenderia a ceder.

    O aspecto da inflao embora no adequadamente abordado por Lewis no nos preocupa tanto quanto alguns outros problemas que seu modelo apresenta. So estes que gostaramos de, agora, abordar.

    Voltemos s idias de Mellor com relao s funes que a agricultura poderia desempenhar no desenvolvimento. Simplificando um pouco a argumentao, e restringindo a funo da agricultura a somente uma, qual seja o fornecimento de recursos indstria, a pergunta que surge se o modelo de Lewis satisfaz adequadamente este requisito (funo).

    Analisemos o problema com maior cuidado. Os recursos que a agricultura poderia fornecer ao setor secundrio seriam de trs tipos: a) recursos humanos; b) capital; e c) matrias-primas e alimentos.

  • Com relao aos recursos humanos, o modelo de Lewis certamente nos fornece uma resposta adequada visto que a agricultura em seu esquema cumpre essa funo atravs da transferncia de seu excedente de mo-de-obra para o setor secundrio.

    Quanto ao capital, a resposta que Lewis nos d que o prprio setor secundrio, uma vez iniciado o processo, geraria seus prprios fundos para reinverso. Se por capital entendermos mais estritamente instalaes e equipamentos, o que Lewis afirma que a maior parte (mais de 60%) das inverses no setor secundrio aparece na forma de obras de engenharia civil para as quais a mo-de-obra com quase nenhum capital, nessa segunda acepo da palavra, seria suficiente para realiz-las. E, esse tipo de capitalizao no setor secundrio s com mo-de-obra, sem o auxilio de equipamento, seria tanto mais verdadeiro quanto mais incipiente o prprio setor secundrio, visto que, nessas circunstncias, as inverses bsicas, sem as quais este no se desenvolve, seriam infra-estruturais.

    E em relao a equipamentos para as fbricas? Ficamos com essa pergunta em suspenso, porque o autor no nos d uma resposta clara24. Presumivelmente viriam do exterior, numa primeira fase, o que implicaria a existncia de um setor exportador25. Como nossa economia basicamente uma economia primria, s poderia ser um setor exportador de produtos primrios. Isto, por sua vez, implicaria a existncia de um setor da minerao ou da agricultura voltado para a exportao. Em outras palavras, isto pressupe a existncia de um setor primrio capaz de gerar um excedente exportvel. Portanto, para que o modelo de Lewis funcione, no somente precisamos - como ele afirma - de um excedente de mo-de-obra como tambm de um setor primrio, gerador de um excedente exportvel.

    Com relao s matrias-primas e aos alimentos para o setor secundrio, o autor resolve o problema parcialmente. J vimos que a alimentao no se constituiria num problema, visto que a agricultura na viso de Lewis estaria resolvendo esta questo, quer parte da populao (o excedente) permanea no setor primrio, quer se transfira para o setor secundrio.

    J o problema das matrias-primas no fica totalmente resolvido dentro deste esquema. Se o setor secundrio comea a se desenvolver sem que haja um desenvolvimento correspondente do setor agrcola, eventualmente haveria escassez de matrias-primas, o que elevaria os custos das mesmas, reduzindo com toda a probabilidade os lucros, levando, eventualmente, como no esquema ricardiano, estagnao26. Lewis parece concordar com 24 bem verdade que na segunda parte de seu artigo o autor aborda o problema de uma economia aberta, prevendo para esta a importao (e/ou exportao) de capital. Mas a abordagem dada visa responder a uma outra pergunta que no a proposta acima. 25 Os nicos pases que no tiveram de importar mquinas para iniciar sua industrializao foram os primeiros a se industrializar. Todos os outros no puderam seguir a mesma trilha. 26 Aqui cabe uma ressalva. A afirmao que fizemos acima s deixaria de ser vlida na medida em que houvesse um pronunciado desenvolvimento tecnolgico na indstria no sentido de utilizar uma menor quantidade de matrias-primas para um dado volume de produto final Se isso ocorrer bem possvel haver desenvolvimento industrial sem que haja um desenvolvimento agrcola .correspondente. Tal observao se aplicaria, tambm, a uma transformao na indstria no sentido de utilizar matrias-primas mais baratas. At certo ponto, isto ocorreu no setor secundrio, comeando na Primeira Guerra Mundial, mas se intensificando especialmente aps a Segunda Guerra Mundial com o aparecimento dos produtos sintticos, com a reduo dos desperdcios industriais e com a utilizao mais intensa de "sucata" (ex.: papel, l, cavaco de madeira etc.), artifcios que reduziram marcadamente os custos de produo de um bom nmero de produtos. Entretanto, acreditamos que esses aumentos unilaterais de produtividade que tornariam desnecessrios os aumentos de produtividade no setor agrcola tenham seus limites. Primeiramente porque o que pode ocorrer

  • este tipo de argumentao e parece conceder que a partir de um determinado momento, para que o desenvolvimento industrial prossiga, essencial que haja um desenvolvimento tecnolgico na agricultura27.

    Voltamos, pois, quase estaca inicial. Sem desenvolvimento tecnolgico na agricultura, semelhana de Ricardo, a indstria pode se desenvolver mas, eventualmente, devera parar28.

    uma transferncia de insumo do setor agrcola para o setor de minerao, quando, por exemplo, em vez de se utilizar madeira passa-se a utilizar plstico (obtido a partir do petrleo) na fabricao de um produto. Aqui o que estaria ocorrendo seria uma transferncia do problema de aumento de produtividade do setor agrcola para o setor de minerao. Acreditamos que o setor de minerao, a longo prazo, devido quantidade fixa de recursos naturais sua disposio, apresentaria os mesmos problemas de custos crescentes que uma agricultura em estagnao, embora a curto prazo essa mudana na origem dos insumos possa oferecer vantagens substanciais ao setor industrial. Em segundo lugar, as possibilidades de tais transferncias no uso de insumos tambm tm seus limites. Tais limites seriam dados por fatores ligados: a) prpria natureza do produto b) ao mercado. Quanto natureza do produto temos casos bvios de situaes onde a possibilidade de uso de produtos sintticos muito reduzida como, por exemplo, na indstria alimentcia. A borracha natural tambm um produto que no pode ser inteiramente substitudo pelo produto sinttico devido a certas qualidades que lhe so especficas, que o concorrente artificial no apresenta (ex.: vulcanizao). O mesmo ocorre com certas fibras naturais em comparao com as fibras artificiais (ex.: a l a nica fibra capaz de feltrar). Talvez no futuro sejam desenvolvidos produtos sintticos com as mesmas qualidades que os produtos naturais e a possibilidade de substituio seja completa; mas no isso o que se tem verificado at o presente. O mercado tambm pode impor limites substituio de produtos de origem agrcola por outros produtos. Um bom exemplo o da l que at o presente no foi e nem parece estar em vias de ser completamente substituda por produtos artificiais. O algodo parece estar na mesma situao que a l. Aps um perodo de aceitao em massa de produtos de nilon, o mercado cada vez mais parece recusar produtos inteiramente deste material forando a mistura de algodo com nilon devido facilidade com que a fibra de algodo absorve a transpirao do corpo humano. Resumindo toda a argumentao, o que poderamos dizer que at a Segunda Guerra Mundial as possibilidades de a indstria obter matrias-primas de outros setores em substituio a matrias-primas do setor agrcola eram bastante reduzidas diante do pequeno nmero de produtos sintticos desenvolvidos at ento. A partir da Segunda Guerra Mundial, tais substituies tornaram-se cada vez mais viveis. Mas, at o presente, tudo indica que exista um limite para tais substituies. Os exemplos dados acima tiveram o intuito de mostrar a existncia de tais limites em alguns setores. bem possvel que no futuro os produtos sintticos podero substituir inteiramente os de origem agrcola, mas isto j cai no ramo da futurologia que foge um pouco de nossa alada. As implicaes destas observaes so as que mencionamos acima. Pelo menos at a Segunda Guerra Mundial (e, acreditamos, at o presente) um desenvolvimento industrial implicava, com toda a probabilidade, um aumento no uso de insumos do setor agrcola. Um setor agrcola em estagnao criaria, portanto, uma barreira insupervel para o prossegui- mento da industrializao, o que nos leva viso ricardiana, acima mencionada. 27 Lewis em seu livro posterior The Theory of Economic Growth, George Allen & Unwin, London, 1955, pp. 276-83, concorda que seu esquema de desenvolvimento industrial com o excedente de mo-de-obra agrcola s funcionaria nos primeiros estgios da industrializao. A partir de certo momento, s um desenvolvimento equilibrado agricultura/indstria seria vivel. 28 Poder-se-ia contra-argumentar que as matrias-primas poderiam ser obtidas via importao, exportando-se em troca manufaturas. um esquema que funcionou parcialmente para o Japo e, hoje em dia, parece funcionar para economias como Singapura, Hong-Kong e outras. Mas so excees regra. A grande maioria dos pases deve gerar a maior parte de suas matrias-primas internamente.

  • RANIS & FEl - O modelo de Lewis elaborado

    Este aspecto do desenvolvimento agrcola dentro de um esquema de oferta , ilimitada de mo-de-obra como elemento de suporte do desenvolvimento industrial foi estudado em maior detalhe por Ranis & Fei numa srie de artigos que culmina- ram na publicao de um livro Development of the Labor Surplus Economy: Theory and Policy 29 onde essas idias so melhor trabalhadas. No pretendemos aqui reproduzir a argumentao desses autores em detalhe visto que pouco adicionaria s concluses a que chegamos. Mas, uma ou duas palavras no estariam fora de ordem.

    O que interessa a Ranis & Fei formalizar o esquema de Lewis e resolver dois problemas que este ltimo no resolve adequadamente em seu modelo original. O primeiro destes j apontamos, qual seja at que ponto seria essencial um desenvolvimento agrcola para que ocorresse um desenvolvimento industrial. O segundo problema seria um que ainda no foi abordado - o do mercado para os produtos industriais. Vejamos primeiramente o problema do mercado. Seguindo a argumentao de Lewis, os autores apontam para o fato de que enquanto existir um excedente de mo-de-obra, os salrios teriam a tendncia a permanecer constantes. Isto criaria um problema de mercado para os produtos industriais. Expliquemos com maior cuidado o que os autores entendem por isso. Partindo do pressuposto que a mo-de-obra que estaria saindo da agricultura e indo para a indstria receberia aproximadamente o mesmo salrio que na agricultura (ignorando o acrscimo de 30% de Lewis, para simplificar a argumentao), chegamos forosamente concluso de que seu padro de consumo permaneceria mais ou menos constante. Com os salrios que receberiam no setor urbano consumiriam aqueles produtos que estavam habituados a consumir quando trabalhavam no campo30. Ora, a nica coisa que ocorreria seria que os produtos agrcolas que esses indivduos antes consumiam no campo seriam por eles adquiridos na cidade com o seu salrio. Este dinheiro pago para a aquisio de produtos agrcolas iria, eventualmente, parar nas mos daqueles que tinham permanecido no campo.

    Aqui faz-se necessrio estabelecer uma distino entre a viso de Lewis e a de Ranis & Fei. Enquanto Lewis tem em mente uma agricultura nas mos de pequenos lavradores, isto , um setor agrcola nas mos de camponeses proprietrios que utilizam sua mo-de-obra e a de sua famlia para trabalhar a terra, Ranis & Fei tm em mente uma estrutura agrcola diferente: de proprietrios que se utilizam de assalariados para trabalhar a terra. Portanto, no esquema por eles desenvolvido, esse dinheiro iria parar nas mos de proprietrios agrcolas que teriam uma alta propenso marginal a poupar.

    Se esta for a situao, uma pergunta que vem mente a seguinte: dado que os trabalhadores agrcolas e industriais consomem basicamente produtos agrcolas e dado que os que poderiam consumir produtos industriais poupam em vez de consumir, de onde viria o mercado para os produtos industriais que a economia passaria a produzir?31

    Ranis & Fei acreditam que esse problema de mercado seria, facilmente resolvvel por uma realocao de recursos e produtos no setor industrial. Em vez de se produzir bens de 29 J. C. Fei & G. Ranis, Development of the Labor Surplus Economy: Theory & Policy, Irwin, Homewood, III., 1964. 30 Estamos com isto ignorando, para simplificar o argumento, as mudanas nos padres de consumo que a urbanizao, de per si, acarretaria. 31 Ranis & Fei, op. cit., p.117

  • consumo, produzir-se-iam bens de capital. O desenvolvimento em condies de "austeridade natural" (termo dos autores) implicaria, portanto, a existncia de empresrios agrcolas e industriais32. desejosos de investir em i projetos de longa gestao. Acreditam que em circunstncias normais seria difcil encontrar empresrios com tal disposio, da verem a participao do Estado como essencial para resolver esse problema de falta de mercado.

    Em suas palavras:

    "Em sntese, poderamos dizer que, na economia subdesenvolvida com excedente de mo-de-obra, as poupanas potenciais (ocultas) do setor rural... devem ser ativadas como um fundo de salrios para permitir que a industrializao prossiga. Alm do mais, como decorrncia das condies de austeridade natural, produto da mesma situao de oferta ilimitada de mo-de-obra, grande parte da produo industrial deve ser de bens de produo devido ausncia de um mercado domstico para bens de consumo final. Isto equivale necessidade de se fazer investimentos com um longo perodo de gestao, uma atividade na qual, direta ou indiretamente, o governo, provavelmente, desempenhar um papel importante ." Ranis & Fei, op. cit., p. 118.

    Com relao ao primeiro problema, Ranis & Fei pretendem mostrar que para acelerar a transio de uma economia tradicional para uma economia capitalista, transio esta cujo ponto final ocorre quando a mo-de-obra se torna uma mercadoria escassa, o desenvolvimento agrcola bsico. Sem o desenvolvimento da agricultura as condies de excesso de mo-de-obra, segundo os referidos autores, teriam uma durao bem mais longa. O que propem que parte dos lucros gerados no setor industrial e parte do prprio excedente agrcola sejam utilizados no desenvolvimento do setor primrio. Isto na linguagem que se tornou corrente entre os economistas do desenvolvimento equivaleria a adotar uma estratgia de desenvolvimento equilibrado. Tal estratgia seria possvel atravs da ao do governo ou, ainda, atravs do mecanismo do mercado33.

    Temos poucas dvidas acerca da possibilidade do governo, atravs do planejamento, guiar a economia pela trilha do desenvolvimento equilibrado. Mas a afirmao dos autores de que o mecanismo do mercado seria capaz de levar a tal objetivo parece-nos surpreendente.

    Para que o mecanismo do mercado funcionasse como prevem, o momento que surgisse um gargalo no setor secundrio por falta de matrias-primas e/ou alimentos, e os custos industriais comeassem a aumentar em decorrncia de tal. fato, seria necessrio que os empresrios industriais e/ou agrcolas tivessem percepo suficiente para investir uma maior proporo de seus lucros no desenvolvi- mento do setor agrcola.

    Quanto aos empresrios agrcolas, com os preos crescentes para produtos agrcolas que tal situao implicaria, vemos poucos incentivos para assim proceder34. Quanto aos 32 Os "donos" do excedente agrcola e os recebedores dos lucros industriais. 33 Ranis & Fei, op. cit., p. 219. 34 Talvez os empresrios agrcolas decidissem expandir a rea sob cultivo, mas isto no implicaria uma tentativa de introduzir mtodos de cultivo mais produtivos, isto , no implicaria a realizao de inverses para o desenvolvimento agrcola

  • empresrios industriais, a possibilidade de transferir parte de seus recursos do setor industrial para o desenvolvimento do setor agrcola parece-nos tambm fora de cogitao. Tal transferncia teria como objetivo investir num setor que lhes estranho, o que por sua vez implicaria uma percepo muito aguada por parte destes da possibilidade de auferir lucros adequados com tais inverses. Temos nossas dvidas com relao a essa percepo por parte do empresariado industrial, visto que acreditamos, como Hirschman, na "miopia" do empresariado dos pases subdesenvolvidos35. Seria necessrio que as possibilidades de auferir lucros num setor que lhes desconhecido fossem gritantemente bvias antes que decidissem empregar parte de seus recursos no desenvolvimento desse setor.

    Isto implicaria que os preos das matrias-primas e/ou alimentos devessem ter atingido nveis elevadssimos antes que os industriais decidissem fazer algo, o que por sua vez seria o reflexo de srio estrangulamento no setor secundrio, isto , estaramos em presena de um desenvolvimento desequilibrado e, no, equilibrado, como pretendem os autores.

    Embora no acreditemos nessa percepo do empresariado industrial quanto necessidade do desenvolvimento do setor agrcola, tambm no acreditamos como Lewis e Furtado no interesse do empresariado industrial em manter o setor primrio subdesenvolvido a fim de pressionar os salrios industriais para baixo. Primeiramente porque como acabamos de demonstrar talvez no seja a poltica mais conveniente a longo prazo. E, em segundo lugar, por no acreditarmos que os empresrios sejam capazes de pensar acerca de efeitos que provavelmente s ocorreriam depois de transcorridas algumas dcadas. Como bem frisam Ranis & Fei at ser alcanado o fim da fase de excesso de mo-de-obra, embora a produtividade no setor agrcola possa estar aumentando, os salrios com toda certeza permaneceriam estacionrios36.

    Seria interessante completarmos nossa analise das abordagens de Ranis & Fei e de Lewis com algumas crticas de carter mais geral que lhes foram feitas. Decidimos apresentar as crticas aos dois modelos em conjunto porque na realidade, como vimos, o de Ranis & Fei no seno uma extenso do de Lewis. As duas crticas que nos interessam mais intimamente so as do italiano Arrighi37 do qual falaremos agora e de Myint.

    Basicamente este autor teria trs crticas a fazer a Lewis e, indiretamente, a Ranis & Fei. Primeiramente aponta para o fato de que estes autores em suas analises partem do pressuposto que o capital gerado no setor secundrio seria investido no prprio setor secundrio, aumentando assim as oportunidades de emprego nesse setor, o que muito acertadamente lembra Arrighi pode no ocorrer38.

    A segunda crtica se prenderia a uma certa f que Arrighi parece ter descoberto em Lewis com relao ao setor moderno, capitalista, como promotor do desenvolvimento econmico.

    35 A. O. Hirschman, The Strategy of Economic Development, Vale University Press, 1967. 36 Ranis & Fei, op. cit., p. 215. 37 G. Arrighi, "Labour Supplies in Historical Perspective", The Joumal of Development Studies, abril, 1970. 38 Arrighi, op. cit., p. 226.

  • Como diz Arrighi, no modelo de Lewis "o desenvolvimento do capitalismo... emerge como uma influncia benfica e racionalizante em ltima anlise" que acabaria com o subdesenvolvimento, e de forma espontnea, no sentido de que seria induzido exclusivamente pelos mecanismos do mercado39. O que Arrighi mostra com relao Rodsia que o desenvolvimento do setor dito "capitalista" no somente levou a um atraso cada vez mais acentuado da grande massa dos africanos, como tambm o processo pouco dependeu dos chamados mecanismos de mercado, sendo, muito mais, o produto de ingerncias polticas na esfera econmica.

    Finalmente, Arrighi critica Lewis por sua ahistoricidade, e nessa crtica incluiria quase toda economia moderna. Em suas palavras:

    "... na Teoria Econmica, as suposies no precisam ser historicamente relevantes. Na realidade, freqentemente estas so falsas, sendo admitidas como tal. Os processos histricos ficam relegados a um segundo plano sendo sintetizados por sries estatsticas de dados ex-post, os fatos estilizados, como so freqentemente chamados, os quais sozinhos nada revelam acerca da seqncia causal... As relaes causais... no so o produto de uma anlise histrica, mas so impostas de fora, isto , atravs de uma anlise apriorstica, e um grupo de suposies geradoras dos 'fatos estilizados' admitido como tendo valor explicativo independentemente de sua relevncia histrica. Mas, visto que normalmente existiro vrios destes grupos, tal metodologia deixa ampla margem para escolhas arbitrrias e, portanto, para mistificaes de todas as espcies. Assim sendo, os baixos nveis cientficos, atingidos pela moderna teoria do desenvolvimento econmico e, mesmo, pela teoria econmica em geral, no devem surpreender a ningum." Arrighi, op. cit., p. 227.

    Embora concordando em grande parte com o teor geral da crtica de Arrighi quanto ao nvel de irrelevncia que atingiu a teoria econmica moderna em seu quase total descomprometimento com a realidade, no devemos perder de vista que Histria Econmica como qualquer atividade "cientfica" no se faz sem uma base terica apriorstica, ou pelo menos sem aquilo ao qual Schumpeter chamou de viso do mudo40. Portanto, se Arrighi pretende com isso afirmar que na Economia no h lugar para modelos tericos acreditamos que ele prprio se encontre um pouco deslocado da realidade.

    Myint ataca Lewis e seus seguidores de um outro ngulo41. Parafraseando Lewis, o que este afirma, como j Vimos, que em certos pases a) existe uma espcie de poupana disfarada na agricultura correspondente a mo-de-obra suprflua e que b) esta poupana poderia ser transferida ao setor industrial a um custo social igual a zero.

    Myint parece no concordar com nenhuma dessas duas proposies. Para entendermos sua posio faz-se necessrio que especifiquemos o que este autor entende por excedente de mo-de-obra. Para Myint esse excedente s pode tomar uma forma, qual seja: o das pessoas empregadas na agricultura trabalharem somente parte do tempo que poderiam

    39 39 Arrighi"op. cit., p.199. 40 J. A. Schumpeter, History of Economic Analysis, Oxford University Press, New York, 1963, pp. 14.15.18,19 e 41-7. 41 Hla Myint, The Economics of the Developing Countries, Hutchinson, London, 1968, Cap.6.

  • estar trabalhando. Suponhamos que tivssemos seis pessoas trabalhando num minifndio e que elas tivessem de trabalhar 30 horas por dia. Se dividissem o trabalho igualmente, cada uma trabalharia cinco horas. Se admitirmos que a jornada normal de trabalho de dez horas dirias, essas pessoas que s estariam trabalhando 30 horas poderiam estar trabalhando 60 horas, o que equivale a dizer que existiria um subemprego de mo-de-obra equivalente a 30 horas, ou seja, a trs homens/dia. Ora, certo que poderamos retirar trs trabalhadores da agricultura e transferi-los para o setor industrial, mas os que permaneceriam na terra teriam de trabalhar mais para manter a produo constante. Em vez de cinco horas dirias, teriam de trabalhar dez. E isto, acredita Myint, no poderia ser conseguido sem alguma forma de incentivo. No basta prometer aos que ficaram na terra que dali a alguns anos estariam desfrutando de um nvel de vida mais elevado devido ao aumento na produo industrial. O incentivo precisaria ser imediato. E este tipo de incentivo o setor industrial emergente no seria capaz de fornecer visto que a mo-de-obra que estaria sendo desviada da agricultura para este setor estaria realizando investimentos infra-estruturais que se caracterizam por seu longo perodo de gestao.

    Nessas circunstncias, tal transferncia, provavelmente, implicaria algum custo social. Myint no deixa muito claro que forma tomaria esse custo social. Mas alm de a sociedade ter de encontrar alguma forma de incentivar os que permaneceram na terra a trabalhar mais, a prpria transferncia de mo-de-obra do setor primrio para o setor secundrio implicaria certos gastos que o modelo de Lewis parece no levar em considerao. Myint cita o exemplo das habitaes que teriam de ser construdas no setor urbano para abrigar esse influxo de mo-de-obra Como sendo tpico.

    Novamente, embora at certo ponto a argumentao de Myint de que a tese de Lewis apresenta uma falha sria no tocante sua idia central de se poder obter "algo de nada" ser vlida, visto que a transferncia da mo-de-obra "suprflua" implicaria algum custo social, no sabemos at que ponto Myint no estaria sendo injusto para com Lewis e seus seguidores. A crtica de Myint seria vlida para a mo-de-obra subempregada, mas o que dizer dos que no trabalham ou ainda no ingressaram na fora de trabalho? Tal seria o caso, como menciona Lewis, da mo-de-obra feminina, em alguns pases. O que dizer tambm do crescimento vegetativo da populao? Admitamos, por exemplo, um sistema de explorao agrcola como o imaginado por Ranis & Fei onde a terra estaria nas mos de grandes proprietrios que empregariam assalariados para trabalh-la. Suponhamos que por tradio a jornada de trabalho fosse de dez horas dirias e que houvesse grande relutncia por parte dos proprietrios em alter-la. Ora, em tal sistema o crescimento populacional poderia ser totalmente desviado para o setor industrial visto que, atingida a produo "tima" numa propriedade agrcola, no haveria incentivo algum para se empregar mais mo-de-obra, como tambm no haveria o problema de se redistribuir o trabalho entre os que ficassem na terra, simplesmente porque o problema, nem surgiria. Quase que automaticamente, medida que os jovens fossem ingressando na fora de trabalho seriam compelidos a encontrar trabalho no setor urbano-industrial. Em outras palavras, a crtica de Myint seria vlida para os subempregados mas certamente no em todas as circunstncias para os desempregados e para aqueles que ainda no ingressaram na fora de trabalho. Isto, entretanto, no significa que no haja um custo social associado com a transferncia dessa mo-de-obra de um setor para outro, como acertadamente aponta Myint.

  • Sintetizando o que foi visto at agora, poderamos dizer que, em geral, os autores abordados concordariam que s poderia haver um desenvolvimento industrial prolongado conquanto houvesse um aumento na produtividade da agricultura atravs do desenvolvimento tecnolgico desse setor. A nica discordncia que surge seria quanto s fases iniciais da industrializao. H os que com Lewis acreditam que em certas condies favorveis, especialmente de abundncia de mo-de-obra, seria possve