ainda a improbidade administrativa dos agentes políticos ... · pdf fileresumo a...
TRANSCRIPT
Ainda a improbidade
administrativa dos agentes
polticos no Brasil
Autora: Denise Dias de Castro Bins Schwanck
Juza Federal Substituta, Especialista
em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela Ufrgs
publicado em 28.08.2015
Resumo
A Constituio de 1988 ampliou a responsabilizao dos agentes pblicos com a consagrao do princpio da moralidade e a defesa da probidade administrativa.
O combate improbidade foi regulamentado pela Lei n 8.429/1992 (LIA), em que se previu conceito amplo de sujeitos ativos de atos mprobos, incluindo agentes polticos. A submisso simultnea destes punio por crimes de responsabilidade e atos de improbidade devida, em respeito ao princpio da isonomia, e no configura bis in idem, pois a natureza dos crimes de responsabilidade penal, com vis poltico, enquanto a natureza da improbidade no penal, abrangendo questes civis-administrativas. No h
prerrogativa de foro, em favor dos agentes polticos, para aes de improbidade, porquanto as prerrogativas, excees isonomia e ao juiz natural
para proteo da funo, so exaustivamente descritas na Constituio e s abrangem matria penal, no cabendo interpretao ampliativa, salvo reforma constitucional. A jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal oscilante sobre a matria; apresenta tendncia atual no sentido da submisso dos agentes polticos LIA e da competncia do magistrado de primeiro grau para o seu
julgamento, mas mostra-se oportuno e necessrio pronunciamento claro do Plenrio da Corte a esse respeito, de modo a assentar, em definitivo, a sua posio.
Palavras-chave: Improbidade administrativa. Crime de responsabilidade. Agentes polticos. Foro por prerrogativa de funo. Foro privilegiado.
Sumrio: Introduo. 1 Panorama constitucional e legal da responsabilidade dos agentes pblicos e da proteo probidade administrativa. 2 A submisso dos agentes polticos Lei de Improbidade Administrativa. 3 O foro competente para processamento e julgamento dos agentes polticos por atos de improbidade administrativa. 4 A jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal sobre a matria. Concluso. Referncias bibliogrficas.
Introduo
O Brasil atravessa um momento poltico-social de desconfiana, decepo, perda de credibilidade das entidades e dos agentes pblicos como um todo. Praticamente todos os dias so noticiados novos escndalos de corrupo e
infrao aos princpios constitucionais e legais que devem reger a Administrao. Ainda so reiteradas as prticas contrrias ao interesse pblico, em todas as esferas de poder e em todos os nveis da Federao, em maior ou
javascript:MandaPorMail()javascript:MandaPorMail()
menor medida, operadas por particulares e por agentes pblicos sendo
especialmente gravosos os ainda existentes abusos promovidos pelos agentes polticos, que, sendo responsveis por ocuparem os cargos de mais alto escalo da Repblica, dizerem a vontade do Estado e cumprirem as finalidades
estabelecidas, substituem-nas pelas convenincias particulares, transformando a funo pblica em instrumento de interesses pessoais.
De outro lado, em que pese a reaproximao, na ps-modernidade, entre o
Direito e a tica e a moral pblicas, bem como a edio de sucessivas normas de combate s condutas ilcitas no mbito da Administrao, a doutrina e a jurisprudncia ainda no conseguiram definir, de forma pacfica, a amplitude subjetiva de tais normas e a forma adequada de sua aplicao, especialmente em relao aos j mencionados agentes polticos. A instabilidade de entendimentos do Supremo Tribunal Federal a respeito notria e configura
forte aliada para reforar o sentimento negativo da sociedade e a efetiva impunidade que permeia a responsabilizao da conduta de agentes polticos mprobos, distinguindo-se, no ponto, a manuteno das controvrsias no resolvidas sobre a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos
agentes pblicos e, em caso positivo, sobre o foro perante o qual devem eles ser processados e julgados.
Na tentativa de revisitar o tema e estimular a uniformizao de sua interpretao, analisar-se-, neste trabalho, em um primeiro momento, o panorama constitucional e legal a respeito da responsabilidade dos agentes
pblicos e da proteo probidade administrativa, verificando-se a evoluo das normas pertinentes no tempo e o regime atual de defesa da probidade, fundamentalmente implementado pela Lei n 8.429/1992.
A seguir, discorrer-se- sobre o especfico ponto da aplicabilidade ou no da citada lei aos agentes polticos, perpassando aspectos como a natureza da ao de improbidade e o conflito entre os atos de improbidade e os crimes de responsabilidade.
Depois, tratar-se- da discusso, em caso de admissibilidade da aplicao da Lei
n 8.429 aos agentes polticos, a respeito da existncia ou no de foro por prerrogativa de funo para as aes que envolvem atos de improbidade administrativa e, consequentemente, sobre o juzo competente para apreci-los, na hiptese de terem sido praticados por tais agentes.
Finalmente, observar-se- a oscilante jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal sobre os pontos controvertidos, analisando sua evoluo e seu estgio atual.
1 Panorama constitucional e legal da responsabilidade dos agentes pblicos e da proteo probidade administrativa
De modo geral, pode-se dizer que o ordenamento jurdico brasileiro, desde a
independncia do pas, nunca consagrou a absoluta irresponsabilidade de todos os seus agentes polticos. Se, no perodo imperial, o imperador era o defensor
perptuo do Brasil, no podendo ser responsabilizado por seus atos,(1) de tal
responsabilizao no escapavam seus ministros de Estado, nos casos de abuso
de poder, dissipao de bens pblicos, peita, suborno, concusso, ofensa liberdade, segurana e propriedade dos cidados, traio ou inobservncia da lei em geral, ainda que a causa da falta tivesse origem em ordem do prprio imperador, conforme artigos 133, 134 e 135 da Constituio de 1824.
Aps a superao do Imprio, abandonando-se a reminiscncia de inviolabilidade do seu principal agente poltico, a Constituio de 1891 props-se
a estruturar o incipiente regime republicano, ampliando as hipteses de responsabilidade, especialmente para abarcar o presidente da Repblica, o que fez em seus artigos 53 e 54. Utiliza-se, no Direito positivo brasileiro, pela
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao067/Denise_Schwanck.html#01
primeira vez, a expresso probidade vinculada aos agentes pblicos, ao se
prever, no artigo 54, 6, da Carta, como crime de responsabilidade aquele que atente contra a probidade da administrao. Regulamentando a previso constitucional dos 1 e 2 do artigo 54, foram editadas as leis promulgadas
pelos Decretos nos 27 e 30, ambos de 1892, que definiam as infraes do presidente, seu processamento e seu julgamento. A responsabilidade dos ministros de Estado seguiu expressa nos pargrafos do artigo 52 do Texto Maior.
As constituies que se sucederam reprisaram a previso de crimes de
responsabilidade presidenciais,(2) inclusive aquele especfico relativo
probidade na Administrao, cuja previso se mantm at a atualidade no Texto Magno (artigo 85, inciso V). Da mesma forma, reiteraram como responsveis os ministros de Estado e outras autoridades do alto escalo magistrados, diplomatas, procurador-geral da Repblica, dentre outros. Tais disposies
foram regulamentadas anos depois, pela Lei n 1.079/1950, que versa sobre os crimes de responsabilidade de presidente da Repblica, ministros de Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal, procurador-geral da Repblica,
advogado-geral da Unio, governadores e secretrios de Estado; pela Lei n 7.106/1983, que complementou as disposies do diploma anterior quanto aos governadores e seus secretrios; e pelo Decreto-Lei n 201/1967, que disps sobre a mesma matria no que tange aos prefeitos.
Na Constituio de 1934, complementando o regime de responsabilidade dos agentes polticos, adveio, por meio dos itens 10 e 38 do artigo 113, a previso
do direito de petio a qualquer do povo para denncia de abusos das autoridades e sua responsabilizao, bem como da ao popular como remdio hbil ao desfazimento de atos lesivos ao patrimnio pblico. Ainda o Texto de 1934 disps que Os funcionrios pblicos so responsveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuzos decorrentes de negligncia, omisso ou abuso no exerccio dos seus cargos (artigo 171).
O preceito relacionado ao popular no foi reiterado na Constituio seguinte, de 1937, mas retornou na Carta de 1946 (artigo 141, 38) e foi mantido nas posteriores, at a atual, muito embora a sua lei regulamentadora (Lei n
4.717/1965) s tenha sido editada quase vinte anos aps o retorno sede constitucional.
Tambm a Constituio de 1946 foi responsvel por prever punio para o servidor pblico em caso de enriquecimento ilcito advindo de influncia ou abuso de cargo ou funo pblica ou de emprego em entidade autrquica, determinando a edio de lei para dispor sobre o sequestro e o perdimento de bens em casos tais (artigo 141, 31). Tal norma foi repetida na Carta de 1967 e na Emenda Constitucional n 1 de 1969 e restou regulamentada pelas Leis nos 3.164/1957 e 3.502/1958, conhecidas, respectivamente, como Lei Pitombo
Godi-Ilha e Lei Bilac Pinto: a primeira apenas previu o sequestro e a perda nos termos previstos na Carta Magna, dispondo sobre a legitimidade do Ministrio Pblico Federal ou de qualquer um do povo para mover ao para tanto; a segunda tipificou casos de enriquecimento ilcito que impunham a referida constrio, restringiu os legitimados para a ao aos rgos pblicos interessados e especificou, de forma bastante ampla, quais agentes pblicos poderiam ser atingidos pelas medidas em questo, abrangendo
todas as pessoas que ex