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INSTITUTO DOS ADVOGADOS DO PARANÁ
A IMPRENSA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: ANÁLISE DA
CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA DIFUNDIDA PELOS MEIOS
DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
BIANCA BOTTER ZANARDI
CURITIBA – PR – 2010
ii
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................... iv
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 1
1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO .................................................................. 4
1.1 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................................ 5
1.2 DIFICULDADES DA CONQUISTA ................................................................................. 6
1.3 REPRESENTATIVIDADE ................................................................................................ 11
2 LIBERDADES CONSTITUCIONALMENTE CONSTITUÍDAS ................................... 14
2.1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO..................................................... ..................................... 15
2.2 LIBERDADE DE IMPRENSA .......................................................................................... 18
2.3 DO DIREITO À INFORMAÇÃO ..................................................................................... 28
3 CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA ............................................................................................ 30
3.1 BREVE HISTÓRICO DE IDEIAS DE JUSTIÇA ............................................................. 32
3.2 ESFERA PÚBLICA ........................................................................................................... 36
3.3 CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA ADOTADA PELAS INSTITUIÇÕES DA MÍDIA .............. 38
4 COMO A IMPRENSA NOTICIA OS FATOS ............................................................ ...... 45
4.1 A IMPRENSA PAUTA DISCUSSÕES E FORMA JUÍZOS .............................................. 47
5 INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO ..................................... ...... 51
6 CONSEQUENCIAS DO DISCURSO DA IMPRENSA NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO .......................................................................................... 59
6.1 COMO AS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS REAGEM AO DISCURSO DA IMPRENSA
............................................................... ............................... ....................................................... 74
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 82
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................... 86
ANEXO 1 – ATA DE REUNIÃO – Declaração de Curitiba
iii
ANEXO 2 – INVESTIGAÇÃO DE DOIS ANOS
ANEXO 3 – NOTAÀ IMPRENSA – Caso Assembleia Legislativa
ANEXO 4 – PESQUISA AMB: Meios de informação
ANEXO 5 – PESQUISA AMB: Recall de notícias sobre o Judiciário
ANEXO 6 – PESQUISA DATA FOLHA – Trabalhando a imagem do Judiciário
ANEXO 7 – PESQUISA DATAFOLHA – Credibilidade da mídia
ANEXO 8 – VETOR PESQUISAS: Grau de confiabilidade
ANEXO 9 – PESQUISA AMB: Ranking de confiança (nacional)
ANEXO 10 – PESQUISA AMB: Avaliação das instituições
ANEXO 11 – ESTUDOS DE CASO
iv
RESUMO
O presente trabalho procura avaliar a liberdade de expressão dos meios de comunicação de
massa e as consequencias do discurso da imprensa no Estado Democrático de Direito. O
trabalho pretende analisar a concepção de justiça adotada pelo Estado Democrático,
constatando como a imprensa dissemina valores relacionados à justiça em nossa estrutura
jurídica, política e social.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva analisar como a mídia se apropria da garantia da
liberdade de expressão para criar valores no Estado Democrático de Direito. Elucida-se a
influência da mídia no imaginário do indivíduo e na concepção coletiva do conceito de justiça
na sociedade democrática. Nessas circunstâncias, é importante analisar como a difusão de
valores pela imprensa interfere nas instituições jurídicas e quais as consequências deste
discurso no Estado democrático.
Primeiramente vamos entender a necessidade de se buscar um Estado Democrático,
dissertando, sucintamente, sobre o histórico de lutas por uma sociedade justa e democrática
para demonstrar o contexto em que se criou este ideal em nossa esfera pública. Ao perceber o
que representa viver em um Estado Democrático e Libertário, vai ficar mais fácil valorizar as
liberdades garantidas constitucionalmente.
Difícil falar de Estado Democrático de Direito sem atrelá-lo às liberdades e sem pensar
na concepção de justiça adotada por uma sociedade em diferentes camadas e esferas públicas.
Também se faz relevante mencionar como o público reage ao exercício destas liberdades em
um ambiente de democracia.
Será estudada a relação entre liberdade de expressão e Estado Democrático de
Direito, sendo a primeira garantia fundamental para a manutenção e fiscalização da segunda.
Esta garantia, nas mãos da imprensa, permite que a mídia exerça seu papel na sociedade
democrática, levando informação, conhecimento e instigando o debate no espaço público.
A posição dos indivíduos sobre os temas popularizados no Estado Democrático passa
pela inevitável mediação dos meios de comunicação de massa. Por isso, cabe analisar a
liberdade de expressão exercida pela mídia e se há limitações e censuras ao exercício desta
liberdade. Cabe então pensar quais as consequencias da liberdade de expressão da mídia e o
2
grau de interferência do discurso da imprensa nas instituições jurídicas, refletindo se os
indivíduos sabem lidar com a invasão diária e constante de informações que a mídia propaga.
Os meios de comunicação de massa estão intrinsecamente ligados às ideias e
conceitos elaborados pela sociedade. Debate-se a hipótese da mídia influenciado o complexo
sistema que cria e mantém as leis do país. Então, iremos avaliar se essa interferência na
formulação do pensamento já é suficiente para dizer que a mídia influencia o Estado
Democrático e se ela é fundamental nos conceitos adotados pelo indivíduo ou se senso
comum tende a superestimar o papel da mídia na participação da realidade social.
A concepção de justiça varia de acordo com a época histórica e o grupo social, dentre
outras variantes. Por isso, cabe pensar qual é a concepção de justo adotado pelas instituições
da mídia dentro da esfera pública, um ambiente criado pelos meios de comunicação de massa,
e do Estado Democrático.
Para fazermos esta análise, é importante, ainda, avaliar como a imprensa noticia os
fatos, pois a mídia é responsável também por formar juízos e pautar as discussões sociais.
Rapidamente iremos tentar entender porque alguns juristas defendem a obrigatoriedade do
diploma de jornalista, refletindo sobre a responsabilidade do uso da liberdade de expressão e
da interferência desta garantia em casos concretos. Também vamos demonstrar, para efeito de
ilustração, situações em que os meios de comunicação interferiram no Estado Democrático de
Direito e nos órgãos que o compõe.
Enfim, devido a essa grande interferência que o Judicante sofre, cabe pensarmos de
que forma as instituições que compõe o Estado Democrático reagem ao que é divulgado pela
imprensa. Também refletimos sobre o papel que a imprensa assume no lugar do Judiciário e
sobre a credibilidade das instituições que compõe o Estado Democrático. A consequência da
liberdade de expressão da imprensa na concepção de justiça é o fio condutor do presente
trabalho.
3
Em anexo, vamos também tentar contextualizar, por meio de pesquisas de campo, a
concepção de justiça emitida pela imprensa e a influência da mídia no Poder Judiciário.
Assim, será possível perceber a consequência da liberdade de expressão no espaço público
norteado por princípios democráticos.
4
1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O Estado Democrático de Direito é uma complexa expressão utilizada para
conceituar um ideal político e social que visa garantir à sociedade o total respeito às
liberdades e direitos humanos. Para isso, estabelece condutas, normas e um amplo sistema
social e governamental visando proteger a democracia de uma sociedade.
Demonstra-se, desde logo, a necessidade da completa expressão “Estado
Democrático de Direito”.
Poder-se-á acrescentar que o adjetivo “Democrático” pode também indicar o
propósito de passar-se de um Estado de Direito, meramente formal, a um Estado de
Direito e de Justiça Social, isto é, instaurado concretamente com base nos valores
fundantes da comunidade. “Estado Democrático de Direito”, nesta linha de
pensamento, equivaleria, em última análise, a “Estado de Direito e de Justiça
Social”. A meu ver, esse é o espírito da Constituição de 1988. 1
Para que um Estado funcione conforme rege o espírito do Estado Democrático de
Direito é preciso que as instituições públicas respeitem a cidadania democrática e façam valer
a supremacia constitucional – acatando as garantias, liberdades e direitos individuais e sociais
estabelecidos na Lei Suprema – e levem sempre em consideração o conceito de justiça e
ética.
A Constituição da República Federativa do Brasil é baseada em um Estado
Democrático de Direito, conforme salienta o preâmbulo da Lei Suprema. E para
compreendermos melhor porque a nossa Constituição traz, logo em sem alicerce, os
fundamentos de um Estado Democrático de Direito, faz-se necessário estudar brevemente em
que contexto foi concebido esta maneira de enxergar a relação entre Estado e sociedade.
1 REALE, Miguel. O Estado democrático de direito e o conflito das ideologias. São Paulo: Saraiva,
1998, p. 2
5
1.1 BREVE HISTÓRICO
No Brasil, foi a Consituição de 1988 que estabeleceu objetiva e diretamente os
diversos princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito. Baseado no ideal de
democracia, todas as normas na Lei Suprema buscam ter como diretriz o respeito à liberades,
dignidade da pessoa humana e garantias fundamentais.
No entanto, o conceito de Estado Democrático de Direito vem sendo moldado há
alguns séculos e em diversas nações. “O Estado de Direito foi uma importante conquista da
modernidade. As revoluções burguesas do século XVII e XVIII (Inglaterra, Estados Unidos e
França) marcam a afirmação do Estado de Direito Moderno, fundada na Constituição.”2 O
ideal do Estado Democrático surgiu baseado em valores da dignidade da pessoa humana, bem
como a necessidade de um Estado organizado e ético, que propagasse os ideais de toda uma
sociedade.
Historicamente, três movimentos político-sociais foram os alicerces do pensamento
de um Estado Democrático. A Revolução Inglesa, Revolução Americana e Revolução
Francesa.
Destaca-se no movimento inglês o pensamento de John Locke e os ideais do Bill of
Rights – que visava a proteção aos direitos e liberdades individuais em um Estado Liberal.
Com preocupações similares às inglesas, a Revolução Americana lutou por um governo
ligado ao povo. Já a Revolução Frencesa contou com um grande personagem. Jean Jacques
Rousseau influenciou o pensamento liberal, defendendo a independência e liberdade do
homem. Poucos anos depois, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada
na França, em 1789.
2 COMENTÁRIOS à Constituição Federal de 1988. Paulo Bonavides, Jorge Miranda, Walber de
Moura Agra. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 11.
6
Nota-se como objetivos comuns destas lutas, em diferentes países, garantir a
proteção aos direitos individuais, limitar o poder absoluto dos governantes e proteger a
vontade dos cidadaos. Desume-se fortes movimentos com aspirações democráticas e desejo
de preservação de liberdades.
Em que pese estes ideais revolucionários de um Estado Democrático de Direito
circular por vários países por volta do século XVIII, no Brasil, o espírito desta organização
social chegou com força apenas no século XX. Foi nesta época que a vontade de garantir
direitos e liberdades individuais ganhou espaço. Conturbados governos e regimes políticos
contraditórios e ditatoriais escancararam a necessidade de uma organização justa de Estado e,
com isso, o contexto histórico revelou a busca por um ideal social e político através da luta
por um Estado Democrático de Direito. “A procura da liberdade fez com que se abolissem as
formas monocráticas do exercício do poder, normalmente conducentes ao arbítrio e ao
despotismo, por aquelas de cunho democrático consagradoras da titularidade do poder pelo
povo.”3
Foi acreditando nesta nova maneira de ver o mundo e conviver em sociedade que
muitos militantes lutaram para que o Brasil tornasse-se um Estado Democrático de Direito.
Na década de 70 o foco era a briga por liberdades e direitos individuais. As dificuldades de
conquistar o tão sonhado Estado Democrático de Direito, enfatizando a luta de cidadãos que
vivenciaram os acontecimentos, serão conhecidas a seguir.
1.2 DIFICULDADES DA CONQUISTA
3 COMENTARIOS a Constituição do Brasil: (promulgada em 5 de outubro de 1988). Celso Ribeiro
Bastos, Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 1988-.p. 201
7
Para elucidar a luta brasileira na conquista de um Estado Democrático de Direito,
após longos anos de regimes autoritários, expõe-se um pouco de fatos ocorridos no Paraná, no
final da década de 70, visto que o Estado sediou um grande evento responsável pelo
movimento que brigou pela democratização do país.
Em 1978 o Paraná sediou a VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do
Brasil. O episódio aconteceu durante um período conturbado na história brasileira, marcado
pelo autoritarismo militar e a falta de democracia.
O momento histórico já anunciava que novos tempos viriam na sociedade brasileira,
pois muitos se rebelavam contra as políticas autoritárias e impositivas dos detentores do
poder. Meses depois da Conferência, a Emenda Constitucional n. 11 declarou revogado os
Atos Institucionais preconizando a queda de atitudes autoritárias.
Segundo relatos de juristas que vivenciaram o momento político (que a seguir
passamos a expor), a transação do período do Estado autoritário até o início do Estado
Democrático de Direito foi um grande momento histórico, que teve uma ampla transformação
política e social. Os militantes, atuantes no meio jurídico, tiveram uma resistência heróica. A
VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil foi de grande importância para
este cenário de luta e é lembrada atualmente como uma das responsáveis pelas conquistas das
liberdades que temos hoje.
Em um pronunciamento no Encontro Nacional “Prerrogativas Profissionais dos
Advogados”, ocorrido em junho de 2004, Miguel Reale Junior relembrou a busca incessante
pela liberdade a que a classe jurídica perquiria. Para ele, a OAB era um das poucas
instituições que tinha coragem de lutar pela redemocratização do Brasil. Reale ainda relembra
que Curitiba, em 1978, foi o palco de debates do Estado Democrático de Direito.
Daqui de Curitiba deve nascer um grito nacional demonstrativo de que nós
queremos a defesa da sociedade, nós queremos o fim da impunidade, mas também o
8
fim da punição injusta. Desta terra nasceu, em outras oportunidades, gritos
importantes como o da Conferência da Ordem em 1978, da qual participei e que foi
das mais importantes Conferências Nacionais. Virmond era o presidente da Ordem
Estadual do Paraná, e conduziu esta Conferência com imenso prestígio. Foi
marcante a Conferência Nacional da Ordem de 1978, fundamental para fixar que os
advogados não admitiam meia liberdade com o gradualismo que se pretendia
naquele instante. 4
A Declaração de Curitiba (anexo 1), divulgada no dia 12 de maio de 1978, retirada
dos Anais da VII Conferência Nacional da OAB, reitera a vontade dos advogados em lutar
por um Estado Democrático de Direito.
Os advogados brasileiros, presentes e representados na VII Conferência Nacional da
Ordem dos Advogados, ao reiterarem sua unidade e coesão, trazem sua palavra ao povo, ao qual pertencem e devem conta de suas preocupações e de sua conduta
pública. Armados da palavra e da razão, sentem-se credenciados, ainda uma vez
dentro da sombra autoritária que envolve o país, a expressar mensagem de esperança
e de liberdade, clamando pelo estado de direito democrático. O Estado democrático
é a única ordem que pode proporcionar as condições indispensáveis à existência do
verdadeiro estado de direito, onde liberdade-autonomia cede lugar à liberdade-
participação que pressupõe princípios pertinentes ao núcleo das decisões políticas e
a sua legitimidade institucional. 5
Em um artigo publicado no jornal O Estado do Paraná, no caderno “Direito e
Justiça”, René Ariel Dotti relata a atuação dos profissionais do Direito na incessante busca por
um Estado Democrático: “Porém o terror não inibiu a luta dos advogados brasileiros em favor
da liberdade e de outros direitos confiscados pelo Estado autoritário. Sem temor e com
civismo eles começavam a escrever uma das páginas mais notáveis da história recente.”6
A obra “Memória jurídica do Paraná” (2007) compila alguns depoimentos sobre o
acontecido no ano de 1978 e deixa clara a importância da VII Conferência Nacional da Ordem
dos Advogados como um movimento na luta contra a ditadura militar e pela a
redemocratização do país.
4 ENCONTRO NACIONAL"PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DOS ADVOGADOS", 2004,
Curitiba. Disponível em <http://www.jorgeforbes.com.br/index.php?id=371>. Acesso em 12 de fevereiro de
2010. 5 CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, VII, 1978, Curitiba. Anais: Declaração de Curitiba.
Disponível em <http://www.oab.org.br/hist_oab/links_internos/def_estado_confnac.htm>. Acesso em 12 de
fevereiro de 2010. 6 DOTTI, René Ariel. A VII Conferência Nacional da OAB (II). O Estado do Paraná, Curitiba, 25
mai 2008. Disponível em: <http://dotti.adv.br/artigosjp_256.html> Acesso em: 13 de fevereiro de 2010.
9
Luiz Edson Fachin relata que este foi um momento singular na história jurídica
paranaense.
Vivia o país um Estado ditatorial, com ausência da Ordem dos Advogados de plena
liberdade política. Vivíamos, portanto, um momento difícil de nacionalidade, em
que o Estado Democrático de Direito não tinha os seus pressupostos básicos
garantidos, e se escolheu Curitiba e o Paraná para uma conferência nacional cujo
cerne foi exatamente o Estado Democrático de Direito e a luta pela anistia. Isso se
deu no Paraná, com a presença de ilustres figuras que na época já faziam da sua
militância na advocacia a militância em defesa das liberdades. 7
Para o jurista Eduardo Rocha Virmond, na época, o mais importante era a conquista
pela democracia e pelas liberdades individuais. E a VIII Conferência Anual da OAB salientou
este desejo.
No entanto, mesmo antes da revogação do AI-5, já se instaurou um clima de grande
liberdade. Na época, dei uma entrevista em que disse: “Nunca mais vamos desfrutar
de tanta liberdade como agora, no princípio do governo do Figueiredo, fim do
governo do Geisel, porque agora não temos nada que nos tolha, podemos dizer o que
nós quisermos”. O Brasil estava em festa. A imprensa podia fazer o que quisesse,
não era mais censurada. O Brasil estava bem, pois havia liberdade. 8
Dos Anais da VIII Conferência Anual da OAB extrai-se o trecho a seguir que reflete o
pensamento de Virmond, ao demonstrar a falta de liberdade na vigência do AI-5.
A vigência do AI-5 faz reinar no Brasil uma situação de excepcionalidade, a mais longa da História brasileira, tradicionalmente ferida de temporários colapsos da
liberdade. Declaramos, todavia, que a simples revogação do AI-5 não restauraria,
por si só, o estado de direito, diante da realidade que a vigente Constituição não
forma estrutura política democrática. Não se negará, dentro do estado de direito, a
legitimidade de instrumentos que o defendam, ao tempo e na justa medida que
defendam a liberdade dos cidadãos.9
René Ariel Dotti acredita que a Conferência de 1978 foi muito importante para a
derrocada da Ditadura Militar, em que os participantes do evento desejavam muito um Estado
Democrático de Direito. “As normas de opressão do regime militar desapareceram em 1979, a
censura aos meios de comunicação que passaram a existir nos anos 70 desaparecem em 1979.
7 MEMÓRIA jurídica do Paraná. Alexandre Castro, Marcos Alves da Silva. Curitiba: UNICENP: Pós-
Escrito, 2007, p. 49. 8 Ibidem, p. 36. 9 CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, VII, 1978, Curitiba. Anais: Declaração de Curitiba.
Disponível em <http://www.oab.org.br/hist_oab/links_internos/def_estado_confnac.htm>. Acesso em 12 de fevereiro de 2010.
10
A OAB contribuiu para esse momento que antecedeu o exercício de liberdades públicas,
garantias e direitos individuais”10
Percebem-se as dificuldades vivenciadas para conquistar de um Estado Democrático
de Direito. E a falta de liberdade e proteção à direitos interferia na vida dos cidadãos, na
atuação do advogado, no papel da imprensa, no cenário político, enfim, em todas as esferas
públicas e sociais.
Tullio Vargas, que atuou como deputado na época da ditadura, conta como era a
política no período em que cidadãos vivam em repressão política e não se tinha a proteção a
direitos individuais. O jurista relata que a falta de liberdade, no tempo do regime ditatorial,
alcançava também as decisões políticas. “Não tínhamos liberdade plena de apresentar projetos
de lei. (...) No regime de exceção, como foi aquele de 64, realmente o que funcionava mais
em termos de “antidemocracia” era a eleição para governador, praticamente imposta de cima.
A Assembleia era obrigada a votar a favor, porque, do contrário, corria o risco de ser fechada,
como acontece em algumas fases do regime de 64.”11
Ao escrever sobre a importância do Direito na Organização de um Estado, Clèmerson
Merlin Clève ressalta que a preocupação com a transformação libertária é assumida por novos
jurisfilósofos do direito. Ele acredita que movimentos em busca da democracia ressuscitam
debates sobre a justiça. Em 1988, alguns anos após a luta pelo Estado Democrático de Direito,
o jurista escreveu:
Recentemente viu-se reacender no Brasil uma busca jusnaturalista de paradigmas
conceituais instituintes (como “estado de direito” e “justiça social”) procurando
devolver ao direito a sua dimensão política. No entanto, se atitudes como estas têm
sido importantes na fase histórica em que nosso país se encontra, ao nível teórico,
acabam contribuindo como lembra Leonel Rocha, para uma certa mesclagem
conceitual que, em última análise, reforça o “senso teórico” dos juristas e o seu
formalismo jurisdicista.”12
10 MEMÓRIA jurídica do Paraná. Alexandre Castro, Marcos Alves da Silva. Curitiba: UNICENP:
Pós-Escrito, 2007, p. 125. 11 Idem, p. 167 12 CLÈVE, Clèmerson Merlin. O direito e os direitos: elementos para uma crítica do direito
contemporaneo. São Paulo: Academica :: Scientia et Labor, 1988, p. 129.
11
Demonstrou-se que muitos foram os problemas enfrentados para conseguir estabelecer
o Estado Democrático de Direito. Foi necessário criar também no imaginário social a
concepção de como era importante ter valores constitucionalmente garantidos, um Estado
organizado de forma adequada, a supremacia popular, o pluralismo de ideia, a abertura para
debates políticos, além de se criar a percepção das vantagens de ter direitos fundamentais que
protegem a dignidade da pessoa.
1.3 REPRESENTATIVIDADE
Para os defensores de um Estado Democrático de Direito, que duramente batalharam
para conseguir este status para o país, esta definição é muito mais complexa do que elencar as
garantias e direitos fundamentais de uma sociedade em uma norma. É um estilo de vida de
toda uma sociedade, um conceito que norteia a conduta humana e o sistema governamental,
baseado numa sociedade justa e que se preocupa igualitariamente com todas as esferas
políticas e sociais.
Esta modo de organizar uma sociedade é capaz de transformar uma realidade de um
país e fomentar a participação pública, dando voz a diversas camadas sociais e se importando
com debates em diferentes esferas públicas.
Em 1988 foi promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil,
fundamenta num estado democrático de direito. Ressalta-se que a Constituição de 1946 já
possuía ideais democráticos, visto que esta norma estabeleceu o regime democrático
12
representativo. Mas foi em 1988 que, claramente, definiu-se o Brasil como um Estado
Democrático de Direito.
Pode-se, em uma grande síntese, afirmar que a Constituição de 1988 pretendeu dar
ao Brasil a feição de uma social-democracia, de criar um verdadeiro Estado
Democrático-Social de Direito, com previsão de uma imensa quantidade de
obrigações para o Estado, traduzidas em prestações positivas, passíveis, em tese, de
serem exigidas pela população em geral, muitas como verdadeiros direitos
subjetivos. Essa a razão da Carta de 1988 ter recebido o epíteto de “Constituição
Cidadã”13
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, instituiu o Estado
Democrático de Direito, conforme está expresso no Preâmbulo da norma. E o preceito legal
determina que esta nova forma de organização deve: “assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias”. 14
O primeiro artigo15
da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988,
traduz esta ideia e logo no início revela o alicerce do nosso Estado Democrático de Direito,
tendo como fundamento a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.
13 PAULO, Vicente, ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 4. ed.,
revisada e atualizada. São Paulo: Método: 2009
14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de
1988. São Paulo: Saraiva, 2009. 15 Art. 1º A República ederativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
13
Viver em um Estado Democrático de Direito é muito mais do que dizer que vivemos
numa democracia em que as liberdades e direitos individuais devem ser respeitados. Estar
imerso num Estado Democrático de Direito é ter como objetivo comum construir uma
sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, reduzir e punir a
discriminação, conforme preconiza nossa Constituição Federal.
Na concepção de John Rawls, para que o Estado Democrático seja eficaz, é preciso
estar englobado por um emaranhado de regras e princípios. “Dado que a ordem jurídica é um
sistema de normas públicas dirigidas a pessoas racionais, podemos explicar os princípios da
justiça associados com o Estado de Direito. Esses preceitos são os que seriam seguidos por
qualquer sistema de regras que incorporasse perfeitamente a ideia de um sistema jurídico”.16
Tendo em conta que um dos mecanismos necessários para garantir o funcionamento
do Estado Democrático de Direito é a garantia de direitos e liberdades, faz-se necessário
esclarecer sobre este preceito fundamental, normatizado pela Constituição Federal. No
capítulo a seguir, iremos fomentar a discussão sobre liberdades, trazendo, com mais detalhes,
informações sobre a liberdade de expressão e de imprensa.
16 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 258
14
2 LIBERDADES CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDAS
Como demonstramos no capítulo anterior, quando se busca o Estado Democrático de
Direito, luta recorrente em revoluções históricas, defende-se junto o direito à liberdade. Por
isso, o Estado Democrático de Direito está intimamente relacionado com liberdades e garantia
de direitos individuais. Isso é notório quando existe um sistema jurídico com ideais voltados à
justiça.
A conexão do estado de direito com a liberdade é bastante clara. A liberdade, como
foi dito, é um complexo de direitos e deveres definifos por instituições. As várias
liberdades especificam coisas que podemos escolher fazer, pelo que, quando a
natureza da libedade o exige, os outros têm o dever de nao interferir. Mas se for
violado o princípio de que nao há ofensa sem lei, por exemplo, quando as leis são
vagas e imprecisas, o que temos liberdade de fazer fica igualmente vago e impreciso.
Os limites de nossa liberdade sao incertos. E na medida em que isso acontece, o
exercício da liberdade fica limitada por um temor razoável.17
Segundo as ideias de Rawls, as liberdades básicas de um regime democrático são
garantidas da maneira mais sólida quando já está pré-estabelecida uma concepção de justiça.
Isso porque os princípios que norteiam o ideal de justo combinam com o juízo ponderado
emitido pela sociedade, fornecendo também argumentos fortes em defesa da liberdade.
Quem viveu na época de ditadura militar e repressão política ressalta a importância
da garantia de liberdade e de se ter condições de exercê-la. Em entrevista ao livro Memória
Jurídica do Paraná, (2007), René Ariel Dotti conclui: “A maior das liberdades nao é a
liberdade de andar, nao é a de sentir, nao é a de amar: é a liberdade de nao ter medo. Porque
sem essa liberdade nao é possível exercer nenhuma das outras. Se tiver medo, você nao
estuda, nao ama, nao escuta o que dize, Não tem condição de fazer nada. Essa é a mais
importante das liberdades.”18
17 Idem, 262. 18 MEMÓRIA jurídica do Paraná. Alexandre Castro, Marcos Alves da Silva. Curitiba: UNICENP:
Pós-Escrito, 2007, p. 49.
15
Com esta declaração, evidencia-se que nãs basta conceder direitos e garantias, se o
indivíduo não pode usufruí-las. Além da norma estabelecer liberdades, é necessário um
sistema que permita que o indivíduo goze dela.
Em nossa Constituição, o direito à liberdade é amplamento defendido no artigo 5º19
da norma, que em seu caput garante a inviolabilidade à liberdade. Esta determinação norteia
outros direitos fundamentais elencados nos incisos seguintes. A defesa da liberdade não
compreende apenas a liberdade física e o direito de ir e vir. Abrange também a liberdade de
consciência, expressão, associação, imprensa, crença, política, atividade profissional, reunião,
convicção, etc.
Ao comentar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, René Ariel Dotti
explica: “A liberdade é o estado ou a condição de ser livre, significando juridicamente, a
faculdade da pessoa se conduzir autonomamente respeitadas, porém, as restrições legais.
Trata-se de um dos bens jurídicos fundamentais do indivíduo e da sociedade. Nesse sentido, a
CF declara que ninguém será obrigado a fazer ou deixar alguma coisa senão em virtude de lei
(art. 5º, III)”20
Como o tema central do presente estudo é a liberdade de expressão – e, por
conseguinte a liberdade de imprensa – vamos explorar estes assuntos mais detalhadamente a
seguir.
2.1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO
19 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
20 DOTTI, Rene Ariel. Declaração Universal dos Direitos do Homem e Notas da legislação
brasileira. 2.ed. Curitiba: J. M., 1999, p. 7.
16
A Liberdade de expressão é o direito, garantido constitucionalmente, de manifestar
pensamentos, ideias, opiniões e informações. Em um Estado Democrático de Direito, a
proteção à liberdade é o alicerce das garantias fundamentais e a base da democracia. “A
liberdade de expressão e informação, consagrada em textos constitucionais sem nenhuma
forma de censura prévia, constitui uma das características das atuais sociedades democráticas.
Essa liberdade é considerada inclusive como termômetro do regime democrático.” 21
A liberdade de expressão é um direito fundamental, onde temos a liberdade como
regra e a limitação de seu exercício como exceção.
Pontes de Miranda22 considera que a base de toda e qualquer liberdade é a liberdade
psíquica, que “abrange tudo que serve para enunciar, auxiliar os enunciados (gestos,
projeções, pinturas), e dar sentido, bem como tudo que não é o movimento só, ou a
abstenção dele”. Para o mesmo autor, liberdade de emissão de pensamento –
incluída aí a liberdade de imprensa – é uma liberdade relacionada com as demais
pessoas, enquanto a liberdade de pensamento é relacionada ao homem consigo
mesmo, ao homem sozinho23.
Pode-se dizer que a liberdade de expressão engloba outras liberdades expostas no
artigo 5º da nossa Constituição. Podemos citar os incisos IV, IX e XIV24
:
Usando estas liberdades, garantidas constitucionalmente, é possível buscar outros
direitos, fiscalizar e fazer valer as nossas normas. É por meio da liberade de expressão, sem
medo de repulsa ou censura, que se consegue formar opiniões e concepções de justiça.
Um povo que não participa, não fala, atua como ator coadjuvante no cenário da política nacional, é um povo desprovido dos direitos civis mais elementares. Sem
exercitar o direito de expressão, a não ser ocasionalmente, quando serve de
anteparo à ação de segmentos da classe dominante em conflito, fica impossibilitado
21 FARIAS, Edilsom Pereira. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem
versus a liberdade de expressão e a informação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1996, p. 128 22 Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, vol. 5, p. 150 . 23 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso
a informação verdadeira. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 (p. 39). 24 IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário
ao exercício profissional;
17
de defender os direitos fundamentais da pessoa humana: o direito à vida, ao trabalho,
à segurança, ao bem-estar. (grifos no original). 25
Percebe-se então que o direito fundamental da liberdade de expressão está a serviço
da democracia participativa. E, por isso, o exercício da liberdade é fortemente defendido e
garantido. “Acresce que uma proteção constitucional robusta da liberdade de expressão no
seio de uma sociedade democrática não assenta no postulado de que a comunicação é sempre
inócua e inofensiva, justificando-se, prima facie, mesmo em casos em que a mesma se reveste
de um caráter socialmente provocatório, ofensivo e mesmo danoso.”26
A liberdade de expressão é muito abrangente e inclui também o direito do sujeito ter
opiniões e de procurar e adquirir informações, trocar ideias e transmitir pensamentos, de
qualquer forma e em qualquer lugar. A proteção constitucional da liberdade de expressão vai
além do direito de manifestação e abarca também o direito de ler, ouvir e se informar.
O Catálogo dos direitos, liberdades e garantias constitucionais consagrado protege
toda a comunicação publicística através do direito à liberdade de expressão em
sentido amplo, o qual inclui a liberdade de expressão em sentido estrito, a liberdade
de informação (direito de informar, de se informar e de ser informado), a liberdade
de imprensa, os direitos dos jornalistas e a liberdade de radiofusão sonora, televisão
hertziana, cabo, satélite, digital, online, etc.), devendo todos estes direitos ser
concebidos por referência a uma teia de valores e princípios que se reforçam mutuamente.27
Atualmente, a nossa sociedade permite um livre mercado de troca de valores, ideias e
opiniões, por meio da garantia de liberdade de expressão. Desta forma, todos os indivíudos
podem exercer a liberdade de pensar, criar e expor seus ideais.
Ao expor sobre o capítulo da Comunicação Social, a Constituição estabelece, em seu
artigo 22028
, que a manifestação do pensamento, expressão e informação, provenientes da
liberdade de expressão, não sofrerá restrição e censura. Neste sentido, Dotti comenta:
25 MELO, José Marques. Comunicação: direito à informação. Campinas, SP: Papirus, 1986, p. 69 26 CANOTILHO, J. J. Gomes; MACHADO, Jónatas E. M. "Reality shows" e liberdade de
programação. [Lisboa]: Coimbra Editora, 2003, p. 15 e 16. 27 CANOTILHO, J. J. Gomes; MACHADO, Jónatas E. M. "Reality shows" e liberdade de
programação. [Lisboa]: Coimbra Editora, 2003, p. 7 e 8. 28art 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observando o disposto nesta Constituição.
18
“Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social observando o disposto no
art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (CF art. 220, §1)”29
A seguir, vamos explicar brevemente sobre a liberdade de imprensa, que é de suma
importância para a manutenção de um Estado Democrático de Direito.
2.2 LIBERDADE DE IMPRENSA
A liberdade de imprensa, assim determinada pela doutrina, não está deste jeito, ipsis
litteris, grafada no artigo 5º da Constituição Federal. Todavia, ela se relaciona amplamente
com outras liberdades como a de pensamento, expressão e informação. Pode-se dizer que a
atividade jornalística está enquadrada, no capítulo de direitos e garantias fundamentais, na
livre expressão de atividade de comunicação. E ao se usar a liberdade de imprensa, utiliza-se
também de prerrogativas e garantias dadas à liberdade de pensamento e ao direito à
informação.
Entende-se que a função da imprensa é comunicar informações e dados capazes de
estabelecer a realidade das instituições sociais, de firmar as esferas públicas e de fiscalizar e
controlar o Estado e a sociedade. Assim, a liberdade de manifestar opiniões faz parte de um
aspecto vital para o Estado Democrático de Direito.
A liberdade dada aos meios de comunicação social também tem significado político
e social, além de proteger as normas de um país. “Os princípios encarregam os jornalistas de
29 DOTTI, Rene Ariel. Declaração Universal dos Direitos do Homem e Notas da legislação
brasileira. 2.ed. Curitiba: J. M., 1999, p. 39.
19
defender a liberdade de imprensa como direito vital da Humanidade e sustentam que essa
liberdade está ligada ao dever correspondente de fidelidade inteligente à Constituição.” 30
O jurista René Ariel Dotti acredita que a liberdade de imprensa deve ser prestigiada,
pois ela é a responsável por levar ao conhecimento da sociedade fatos ocorridos em todos os
cantos e setores do país. “A crise política que a televisão, o rádio e os jornais estão
transmitindo todos os dias, e a cada hora, não seria conhecida pelo país, os grantes problemas,
a corrupção que envolve parlamentares, seriam desconhecidos pelo país se não tivéssemos
liberdade de informação, que pressupõe direitos fundamentais: o direito de conhecer o fato, o
direito de se informar quanto ao fato.”31
Na prática, podemos dizer que a imprensa tem o papel de fiscalizar o Poder Público e
denunciar abusos e irregularidades cometidas pelas entidades públicas. Fazendo uma simples
análise desta atribuição dos meios de comunicação de massa e o pensamento acima do
renomado jurista com os dias atuais, podemos citar que a série de reportagens intituladas de
“Diários Secretos”, veiculadas pelo Jornal Gazeta do Povo e pela emissora RPC-TV (afiliada
da Rede globo) no mês de março de 2010, serviram para alertar a sociedade e órgãos para
fiscalizar sobre possíveis abusos e ilegalidades cometidos por membros da Assembleia
Legislativa do Estado do Paraná.
Na reportagem que anunciam a série (anexo 2), os jornalistas alertam a sociedade
sobre a possibilidade da ocorrência de crimes. “O acesso aos diários oficiais – tanto os
numerados quanto alguns avulsos – permitiu descobrir um pouco dos bastidores da
Assembleia: suspeitas de irregularidades e de má-fé no uso do dinheiro público, além de um
30 GERALD, Edward. A responsabilidade social da imprensa. O Cruzeiro. 1962, p. 171 31 MEMÓRIA jurídica do Paraná. Alexandre Castro, Marcos Alves da Silva. Curitiba: UNICENP:
Pós-Escrito, 2007, p. 110.
20
verdadeiro quadro da desorganização da Casa. Um retrato das sombras que encobriram,
durante décadas, os atos da administração da Assembleia.”32
Este recente fato acima narrado demonstra que a liberdade de imprensa tem grande
importância na manutenção de um Estado Democrático de Direito e na busca de uma
sociedade justa e baseada em princípios adotados pela nação.
A série de reportagens expondo possíveis casos de corrupção, desvio de dinheiro
público, sonegação fiscal, contratação de funcionários fantasmas, atos secretos, publicação de
diários oficiais avulsos e outras ilegalidades, deram base para que o Ministério Público e a
Polícia Federal iniciassem investigações cautelosas e profundas sobre os acontecimentos.
Após a divulgação das reportagens, o Ministério Público do Paraná, em nota à
imprensa (anexo 3), reconheceu a importância destas investigações jornalísticas. O
documento, assinado pelo Procurador-Geral de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto e
demais promotores, afirma que o Ministério Público irá atuar rigorosamente para investigar os
fatos, visando responsabilizar os envolvidos.
Ao tempo em que se parabeniza a RPC pela excelência das matérias jornalísticas,
demonstrando que a democracia e a liberdade de imprensa são vitais para o Estado
Democrático de Direito e a defesa do patrimônio público, sob o especial enfoque de
combate à corrupção; reafirma-se a convicção de que as necessárias correções de
rumo serão realizadas pela Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, garantindo,
para o futuro, maior transparência ao Poder Legislativo. Tal fato, no entanto, não
significa a remissão dos ilícitos praticados no passado. Assim, a responsabilização
de seus autores será objeto de especial e rigorosa atuação do Ministério Público do
Estado do Paraná. 33
Este caso demonstra a importância da liberdade de imprensa. Iremos expor mais
detalhadamente sobre a influência da mídia no capítulo 5.
32 Investigação de dois anos. Gazeta do Povo Online, 16 mar 2010. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/diariossecretos/conteudo.phtml?tl=1&id=983148&tit=Investigac
ao-de-dois-anos>. Acesso em: 27 de março de 2010. 33 NOTA À IMPRENSA – CASO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ministério Público do Estado do
Paraná, 17 mar 2010. Disponível em: <http://www.mp.pr.gov.br/modules/noticias/makepdf.php?storyid=705> Acesso em: 27 de março de 2010.
21
Esta relação da imprensa com o Poder Judiciário é antiga e recíproca.
Historicamente, os meios jurídicos foram responsáveis pela regulamentação dos meios de
comunicação de massa. Além de que o Estado também tentou controlar a imprensa por meio
de normas, convenções e legislações sobre a liberdade de imprensa e o direito à informação.
O tema da liberdade de imprensa é um rico palco em que tais direitos e liberdades se
digladiam eternamente. No passado, era o Estado impondo o silêncio aos órgãos da
imprensa, a custa de processos monstruosos, violências físicas e todo o tipo de
instrumentos de censura. Hoje, é uma imprensa poderosa a devassar intimidades e a
formar a opiniões pública como risco de conduzi-la, de influenciá-la para este ou
aquele pensar.34
Há muitos séculos tenta-se normatizar o processo comunicacional. Já no século
XVIII as autoridades procuravam exercer um controle sobre a proliferação de informações
difundidas pela imprensa.
Eles viam na liberdade de expressão de opinião através de uma imprensa
independente uma salvaguarda vital contra o uso despótico do poder do estado. É
significativo que, depois de uma vitoriosa guerra de independência contra a coroa britânica, as colônias americanas incorporaram o direito a uma imprensa livre como
a Primeira Emenda à Constituição. Similarmente, as constituições pós-
revolucionárias na França de 1791 e 1793, apoiando-se na Declaração dos Direitos
do Homem de 1789, explicitamente protegeram a liberdade de expressão (mesmo
que este direito tenha sido abolido por Napoleão). Garantias legais de liberdade de
expressão foram sendo adotadas por vários governos europeus, de tal maneira que
pelo fim do século XIX a liberdade de imprensa tinha se tornado uma questão
constitucional em muitos estados ocidentais.35
No Brasil, esse interesse por regulamentar os deveres e direitos da imprensa
culminou na Lei de Imprensa (n.º 5.250/67) de 1967, que visava determinar responsabilidades
e limitar abusos para a liberdade de expressão usada pelos meios de comunicação.
No entanto, a norma teve sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal
Federal, por meio do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
nº. 130/DF, publicada em 30 de abril de 2009. A razão de tal pedido, julgado procedente, foi o
fato da Lei de Imprensa ter sido promulgada em época de autoritarismo político e ter gerado
um conflito entre as normas, entendendo que alguns dispositivos da referida lei não são
34 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso
a informação verdadeira. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 22. 35 THOMPSON. John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 3 ed. Petrópolis:
Vozes, 1998, P. 67
22
compatíveis com as normas constitucionais. “Total procedência da ADPF, para o efeito de
declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da
Lei federal no 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.”36
Para completar a pesquisa, ressalta-se trecho do voto do Ministro Marco Aurélio
Mello – único posicionamento a julgar totalmente improcedente a ADPF nº 130 – em que o
Excelentíssimo ministro demonstra a importância de existir uma lei própria para regulamentar
os meios de comunicação de massa e a liberdade de informação, além de entender que o fato
de a Lei de Imprensa ter sido feita em época de ditadura militar não impediu a liberdade de
expressão dos meios de comunicação de massa.
Não posso - a não ser que esteja a viver em outro Brasil - dizer que nossa imprensa
hoje é uma imprensa cerceada, presente a Lei nº 5.250/67. Digo – e sou arauto desse
fenômeno - que se tem uma imprensa livre, agora, claro, sem que se reconheça
direito absoluto, principalmente considerada a dignidade do homem. Em relação a
homem público ou privado, pouco importa, a dignidade há de ser mantida. 37
Do ponto de vista do jurista Manuel Affonso Ferreira, o julgamento da ADPF nº 130
demonstra a defesa do independente exercício da atividade jornalística, sem censura, na
liberdade de expressão em nosso Estado Democrático de Direito.
Foi tendo em conta as prescrições maiores que resguardam a liberdade de informar e
de criticar que essa Excelsa Corte Constitucional, cônscia da sua função e da
relevante posição que a Imprensa ocupa na estrutura democrática , na "Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental" n. 130 proferiu o venerado acórdão que
não só ab-rogou a legislação especial de imprensa votda em 1967, mas, acima disso
e principalmente, emprestou, aos pertinentes cânones básicos editados pelo
legislador constituinte, a exegese liberal que faz submergir, sem vacilações ou
rodeios, as censuras de todos os quadrantes e paternidades, inclusive aquela advinda
do Judiciário, esta certamente a mais avassaladora e lastimável delas, porque nascia
no poder que deveria ser o principal garante e fiador das conquistas as duras penas, e
com muito sacrifício, assentadas pelo Estado de Direito.38
36 AFPF 130-7/DF, Rel. Ministro Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009. (p. 11 do
acórdão). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/> sob o número 393406. Acesso em
29/03/2010. 37 AFPF 130-7/DF, Ministro Marco Aurélio Mello, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009. (p.8 do
voto do Ministro). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/> sob o número 393406. Acesso em
29/03/2010. 38 Rcl 9428/SP, Manuel Alceu Affonso Ferreira. Protocolado em 17 de novembro de 2009, sob o n.
0773807-11.2009.1.00.0000.
23
Não temos a pretensão de avaliar os diferentes e bem argumentados
posicionamentos. O objetivo do estudo não é entrar no mérito dos votos e do julgamento do
Excelso Supremo Tribunal Federal, mas trazer a tona diferentes pontos de vista sobre assunto,
acrescentando informações e impressões sobre os acontecimentos.
Mesmo depois do Supremo Tribunal Federal ab-rogar a Lei de Imprensa, a liberdade
de expressão continuou a ser motivo de polêmica no atual cenário político brasileiro. O
Decreto que cria o Programa Nacional dos Direitos Humanos – 3 (PNDH-3), assinado em
dezembro de 2009 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, traz dispositivos de controle da
mídia que desagradam muitos segmentos da sociedade.
Em reportagem pela TV Bandeirantes, em 12 de janeiro de 2010, o jurista Ives
Gandra Martins criticou a intenção do PNDH-3 em controlar o conteúdo dos meios de
comunicação de massa. “Um dos documentos com maiores sandices que eu tive a
possibilidade de ver nos meus 51 anos de advocacia e 49 anos de magistério de direito. (...)
No momento em que se elimina a liberdade de imprensa, estamos perante, assertivamente, o
inicio de uma ditadura.”39
Em que pese os setores da mídia reclamarem do PNDH-3, por acreditarem em uma
proposta de censura, o projeto ainda – até a conclusão deste trabalho – não foi modificado e
não encontramos decisões judiciais a respeito do tema.
Por mais que a liberdade de imprensa seja um valor amplamente defendido,
sendo inadmissível sua violação por censura prévia, deve-se lembrar que outros princípios,
tão nobres quanto, devem ser protegidos, tais como a honra, imagem, intimidade, presunção
de inocência, segredo de justiça e devido processo legal.
A liberdade de imprensa é valor constitucional que deve ser respeitado e ao qual não
se pode impor qualquer tipo de censura prévia, por determinação constitucional.
Como qualquer liberdade, no entanto, ela não é absoluta e por vezes se opõe a outros
valores de igual importância. Na simbiótica relação de que estamos falando ela
39 TV Bandeirantes. Programa de Direitos Humanos desagrada a muitos. Veiculado no dia 12 de janeiro de 2010.
24
acaba por se contrapor, no mais das vezes, à presunção de inocência e à intimidade e
o que se vê, com frequência, é o perecimento dos dois últimos. 40
Há um grande debate sobre qual princípio deve sobressair. Alguns doutrinadores
acreditam que a liberdade tem posição preferencial e debate-se muito sobre o interesse
público em prol do privado, tentando elencar uma ordem de valores.
Para Raws, a defesa da liberdade tem prioriodade em relação a outros direitos,
devendo as reivindicações das liberdades serem satisfeitas primeiro. “A precedência da
liberdade significa que a liberdade pode ser limitada apenas em nome da própria liberdade.”41
A colisão dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem versus a
liberdade de expressão e informação significa que as opiniões e fatos relacionados
com o âmbito de proteção constitucional desses direitos não podem ser divulgados
ao público indiscriminadamente. Por outro lado, conforme exposto, a liberdade de
expressão e informação, estimada como um direito fundamental que transcende a
dimensão de garantia individual por contribuir para a formação da opinião pública
pluralista, instituição considerada essencial para o funcionamento da sociedade democrática, não deve ser restringida por direitos ou bens constitucionais, de modo
que resulte totalmente desnaturalizada. Assim, o grande dilema é “obter o controle
de invasões de privacidade sem ou o improvável apoio da opinião ou a supressão da
imprensa”42. 43
A Declaração de Curitiba, realizada no dia 12 de maio de 1978, conforme texto
retirado dos Anais da VII Conferência Nacional da OAB, defende que a liberdade não pode
atropelar outros direitos defendidos também pela nossa Constituição. “As restrições à
liberdade somente se tornam legítimas na medida em que visem à preservação do interesse
coletivo --respeitado o limite infranqueável da dignidade da pessoa.”44
A liberdade de imprensa não pode sofrer restrições nem censura, pois entende-se
também que a liberdade de expressão é fundamental para o funcionamento de uma sociedade
democrática e pluralista. Por isso, ela prevalece sobre outras garantias.
40 RAHAL, Flávia. Publicidade no processo penal: a mídia e o processo: Revista Brasileira de
Ciências Criminais, n. 47. Revista dos Tribunais, 2004, p. 274. 41 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 267. 42 HIXSON, Richard F. 43 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem
versus a liberdade de expressão e informação. 2.ed.-. Porto Alegre: S.A.Fabris, 2000, p. 171. 44 CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, VII, 1978, Curitiba. Anais: Declaração de Curitiba.
Disponível em <http://www.oab.org.br/hist_oab/links_internos/def_estado_confnac.htm>. Acesso em: 12 de
fevereiro de 2010.
25
A liberdade de expressão e informação, uma vês que contribui para a orientação da
opinião pública na sociedade democrática, é estimada como um elemento
condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros
direitos fundamentais. Em consequencia, no caso de pugna com outros direitos
fundamentais ou bens de estatura constitucional, os tribunais constitucionais têm
decido que, prima facie, a liberdade de expressão e informação goza de preferred
position. (grifos no original)45
Em que pese a ampla discussão sobre a hierarquia das normas e qual princípio é mais
forte e deve prevalecer sobre outro num eventual conflito, não iremos abordar e estudar este
assunto a fundo, tendo em vista que não é o tema central deste trabalho. Salientamos apenas
que nos casos de colisão de direitos fundamentais, cabe ao julgador ponderar os bens
envolvidos em cada caso. “A cognição judicial sempre ocorrerá caso a caso, no propósito de
valorar em que medida uma liberdade deve ceder o passo à outra, estando sempre presentes,
para o órgão julgador, os requisitos da necessidade e da proporcionalidade da limitação”.46
É evidente que a liberdade de imprensa e o direito de informação estão amplamente
relacionados, todavia, iremos separar o assunto, em dois itens, para que o presente trabalho
fique mais didático.
2.3 DO DIREITO À INFORMAÇÃO
Após brevemente falarmos sobre a liberdade de expressão fica mais fácil de
compreender porque o direito à informação também é amplamente defendido nas legislações,
visto que esta garantia também é de grande valia para a manutenção do Estado Democrático
de Direito.
O dever de informar vem sendo debatido antes mesmo da Declaração dos Direitos
Humanos, de 1948, que claramente garantiu este direito. A Constituição brasileira, de 1891,
45 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem
versus a liberdade de expressão e informação. 2.ed.-. Porto Alegre: S.A.Fabris, 2000, p. 197. 46 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso
a informação verdadeira. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 141
26
por exemplo, já tratava da liberdade de imprensa e, implicitamente, assegurava o direito à
informação.
A partir de 1948, o direito à informação passou a ser reconhecido como fundamental
e teve a devida segurança e garantia ao seu exercício. Além disso, o Pacto internacional de
Direitos Civis e Políticos, de 1966, também destaca o direito da informação como
fundamental.
A Constituição Federal brasileira classifica a comunicação como direito fundamental
a todos os cidadãos brasileiros, e assegura seu exercício.
No âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental à informação estão
compreendidos tanto os atos de comunicar quanto os de receber livremente
informações pluralistas e corretas. Com isso, visa-se a proteger não só o emissor,
mas também o receptor do processo de comunicação. No aspecto passivo dessa
comunicação, destaca-se o direito do público de ser adequadamente informado, tema
que Rui Barbosa já chamava a atenção sobre o mesmo em sua célere conferência
intitulada “a imprensa e o dever da verdade” e que, atualmente, invocando-se a
defesa dos interesses sociais e indisponíveis, desemboca na tese de que o direito
positivo brasileiro tutela o direito difuso à notícia verdadeira.47
O acesso à informação é também uma garantia conferida pela Constituição. A
necessidade de se informar e obter conhecimento é uma das mais básicas necessidades
humanas. É possível dizer que ter informação é questão de sobrevivência que todos os
cidadãos têm direito. “A igualdade na oportunidade de acesso à informação é um pressuposto
da democracia. Só pode haver democracia verdadeira se todos os indivíduos, todos os
cidadãos, tiverem igual oportunidade de acesso à informação.” 48
Como a diferença fundamental entre a informação e a expressão é o conteúdo
divulgado, é importante avaliar como a informação é transmitida e quais valores são
implicitamente colocados nas notícias que chegam ao conhecimento de toda a sociedade.
47 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem
versus a liberdade de expressão e informação. 1.ed.-. Porto Alegre: S.A.Fabris, 1996, p. 133 e 134. 48 NOVAES, Washington. A quem pertence a informação? Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Nova,
Pesquisa e Assessoria em Educação, 1989, p. 44
27
Ressalta-se ainda que o direito à informação tem caráter coletivo e fundamental. Ter
direito à liberdade de expressão e à informação significa poder expressar a opinião e poder
procurar, receber e transmitir informações e ideias por qualquer meio.
A função social da informação é levar conhecimento para todos. Além disso, o
conteúdo leva à participação popular no cenário nacional. Este exercício do direito à
informação e à expressão leva a defesa de outros direitos fundamentais garantidos a todos.
“Uma sociedade complexa necessita de informações abundantes para o seu bom
funcionamento. A comparação com o óleo que lubrifica uma máquina é insuficiente,
porquanto a informação, embora também desempenhe papel de azeitamento das relações e das
atividades sociais, atua, além disso, como elemento chave em inúmeros processos sociais,
mais à semelhança do sangue no corpo de um ser vivo.”49
A informação é um bem social, um direito da sociedade e do homem. O ser humano
tem necessidade de conhecimento. Além disso, o dever de informar permite que o público
conheça as condições e as circunstâncias do exercício do poder estatal e as consequências do
uso do poder econômico. O cidadão tem direito à informação, e cabe à mídia noticiosa
possibilitar o seu exercício. “O direito à informação surge como uma liberdade vinculada aos
fins de realização do Estado Democrático, posto que é concebido enquanto elemento essencial
para a formação de uma opinião pública livre e esclarecida. A democracia assenta-se no
consentimento obtido através do sufrágio, que requer uma população informada.”50
A informação é um direito fundamental, tanto que sempre houve instituições
encarregadas de difundi-la. Escola, igreja e família são exemplos disso. Estas organizações
49 PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 89. 50 FONTES JUNIOR, João Bosco Araújo. Liberdades e limites na atividade de rádio e televisão. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001, p. 48.
28
produziam e produzem conhecimento, formando a opinião por meio da proliferação de
informações.
A livre informação é fruto do desenvolvimento das liberdades individuais. E isto
determina o grau de evolução da cultura democrática de uma sociedade. E para a construção
de uma sociedade democrática, é impreterível difundir o acesso à informação para toda a
população, pois é por intermédio dela que as pessoas adquirem conhecimento e passam a
refletir sobre o mundo. Além de que um povo bem informado garante o exercício da
cidadania.
Porém, o direito à informação não protege todo e qualquer relato divulgado. O fato
deve ser verdadeiro, ou verossímil, dentro das possibilidades de apuração da pessoa
responsável por divulgar o acontecido. “E a informação, além de ser verídica, (...) deve ser
imparcial, neutra e objetiva. Essa neutralidade é deferente aos aspectos ideológicos que a
comunicação encerra, impedindo a manifestação tendenciosa da imprensa.”51
A busca da
verdade é valor fundante do direito à informação.
Da mesma forma que o conflito entre princípios e direitos acontece com a liberdade de
expressão, alguns doutrinadores defendem que a notícia deve ser de interesse público e não
deve ofender e colidir com outros direitos fundamentais, como a intimidade, a privacidade, a
imagem e honra das pessoas. É obvio que a liberdade de imprensa, como todo outro direito
reconhecido pela Constituição, não é absoluto. A jurisprudência uniforme da Corte Suprema
de Justiça expressa que, embora a proibição de censura prévia é rigorosa, isto não implica na
impunidade para delitos cometidos por meio da imprensa.” 52
( tradução nossa).
51 FERNANDES NETO, Guilherme. Direito da Comunicação Social. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 115. 52 EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Derecho a la información. Buenos Aires: Depalmas, 1996, p. 16.
29
A Constituição garante o direito à informação por entender sua importância. Por isso é
preciso debater como as informações são transmitidas e produzidas,
30
3 CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA
Vimos que em um Estado Democrático de Direito a liberdade de expressão deve ser
respeitada, mas não pode infringir outros direitos fundamentais, devendo-se buscar a justiça
social. Por isso, é de suma importância analisar o que a sociedade entende como justo.
Como um dos focos do presente trabalho é estudar as concepções de justiça adotadas
e transmitidas pela imprensa, é preciso fazer um breve estudo sobre as definições do termo em
diferentes épocas. Além disso, cabe pensar como se dá a transmissão desses ideais na
sociedade e na esfera pública como um todo.
O objetivo deste capítulo é perceber como as instituições trabalham com este
conceito tão subjetivo de justiça, como as ações humanas são baseadas no que entendem por
justo e, ainda, como as instituições criam seus conceitos e os propagam pela sociedade.
Pode-se dizer que o questionamento da justiça tem sido discutido há milhares de
anos, e ainda não existe uma resposta definitiva. Mas, independentemente da época, a
concepção de justiça sempre esteve ligada a uma noção de algo melhor para o homem e para a
sociedade. No entanto, cabe dizer que este conceito do que é melhor depende de uma escala
de valores, variável por ideologias e visões de pessoas e grupos sociais distintos, conforme
cada história e interesse em que estão inseridos.
De um modo ou de outro, é preciso ressaltar que, racionalizando o interesse que for,
a ideia de justiça sempre se põe como um projeto de um mundo melhor, como um
dever-ser das condutas, da produção e do relacionamento humano. Por isso, a ideia
de justiça é um valor e, mais ainda, é ideológica, na medida em que assentada sobre
uma concepção de mundo que emerge das relações concretas e contraditórias do
social.53
53 AGUIAR. Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. 3 ed. São Paulo: Alfa-
Omega, 1993. p. 17
31
A justiça, por sua natureza, é social e distributiva. Por isso, analisá-la consiste em
avaliar a condição de existência da sociedade. Ela é uma propriedade das comunidades,
definida pelas tradições e pela cultura, significados e práticas compartilhadas.
A discussão de justiça acompanhou as diferentes épocas históricas, conforme os
ideais e valores adotados em cada período. Independentemente da conclusão em que estes
debates chegaram, o princípio de justiça, por ser um valor absoluto, sempre foi válido em
qualquer tempo, espaço e sociedade.
O ideal de uma justiça absoluta está além de qualquer experiência histórica, e desta
maneira pode-se deduzir que é impossível determinar cientificamente o que seja
justiça. Em outras palavras, não é possível conceituar-se o ideal de uma justiça
absoluta baseando-se na experiência e em argumentos tão-somente racionais. Neste
sentido, por paradoxal que possa parecer, o ideal de justiça absoluta é irracional,
pois a ciência dita pura não pode verificar os princípios fundamentais relativos ao
que seja justo ou injusto. 54
Por ser um conceito tão questionado, inúmeras e diferentes ações são tidas como
justas e injustas, tanto nos sistemas sociais, instituições e leis, como nas condutas e decisões
de cada pessoa. O que pode ser certo e justo para um sujeito em determinado acontecimento,
pode ser considerado errado e injusto por outro, na mesma situação.
Os critérios para se classificar algo de justo ou injusto são múltiplos e variados. Não
só os indivíduos diferentes alimentam ideias diversas sobre o estado ideal de coisas
que considerariam realmente justo, mas todo indivíduo é capaz de ter muitas dessas
ideias. Nossas ideias ou sentimentos de justiça podem ser duplos ou triplos, ou
mesmo mais, de acordo com diferentes sistemas de valor que tivermos como referencial, em diversas ocasiões, ou mesmo simultaneamente. A justiça à luz dessas
ideias pessoais é, ou pelo menos, pode ser, um polígono com muitas faces.55
Além disso, deve-se pensar que não é possível estabelecer se uma conduta é justa ou
não simplesmente por ter aceitação social. “A unanimidade sobre um juízo de valor existente
entre muitos indivíduos não é absolutamente prova de que esse juízo seja correto, isto é,
objetivamente válido.”56
54 BARBOSA. Júlio César Tadeu. O que é justiça. São Paulo: Brasiliense, 1984. 4 ed, p. 8. 55 Idem, p. 17 56 KELSEN, Hans. O que é justiça?: a justiça, o direito e a política no espelho da ciência. São Paulo:
Martins Fontes, 2001, p. 8.
32
A ideia de justiça se põe como projeto de mundo melhor, como dever-ser das
condutas da produção e do relacionamento humano. As relações sociais são as responsáveis
por estabelecer o justo, por consequência, esta concepção varia de grupo para grupo.
Cabe dizer que a questão da justiça é pensada como ordem, harmonia e igualdade.
Além disso, a expressão do termo carrega diferentes significações. “O entender da justiça está
indelevelmente implicado com as práticas sociais. Daí podermos afirmar que a justiça não é
neutra, mas sim comprometida, não é mediana, mas de extremos.”57
As diferentes concepções de justiça são difundidas pelas transmissões de ideia,
pensamento e opiniões, fruto também da liberdade de expressão que cada cidadão e meio de
comunicação tem.
3.1 BREVE HISTÕRICO DE IDEIAS DE JUSTIÇA
A questão de justiça há muitos séculos é debatida por estudiosos e filósofos. Como
foi dito, esta ideia varia conforme a história, os valores e os entendimentos de cada época.
Além do ideal de justiça, adotado por diferentes sociedades, importantes pensadores
influenciaram a formação do conceito de justiça que se tem hoje.
Os povos antigos associavam a imagem de justiça a uma construção harmônica da
natureza, presidida por uma divindade suprema. A ideia de existência de uma lei da natureza,
universal e absoluta, surge com a procura do homem em encontrar explicações para o mundo
e estabelecer uma ordem social.
57 AGUIAR. Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega,
1993. 3 ed. P. 15
33
Nos tempos homéricos, o sentido da justiça estava ligado a uma ordem cósmica e
divina. A vontade dos deuses era justa e devia o povo obedecê-la. Justo, por conseguinte, era
o rei que decidia baseado na vontade divina.
Para os gregos, VI a.C., a concepção de justiça nasce com a noção de sociedade. As
próprias ações governamentais devem ser justas, e essas instituições devem garantir e manter
a justiça. Para pensadores da época, como Platão, as leis eram frutos do poder arbitrário de
quem o detinha. E eram baseadas em próprios interesses, usando a justiça para esconder o
domínio da força que impunham.
O pensamento da justiça anterior estava lastreado numa ideologia aristocrática e
tradicional, expressando uma concepção de permanência e de estabilidade. Agora,
quando um novo grupo social urbano procura arrebatar o poder das mãos dos velhos
detentores, a concepção de mundo vai se estribar na mudança, já que fruto
ideológico de novos tempos e novos grupos.58
Platão concebeu a justiça baseada em uma ética subordinada a uma visão de mundo
coerente, hierarquizada e segura. Além disso, a visão platônica pensava na justiça ligada a
ideia de harmonia e equilíbrio. Em outras palavras, para ele, justo era a sociedade que
harmonicamente hierarquizava as diferenças entre as pessoas. A justiça aparece como um
fator de sociabilidade para manter os grupos sociais.
Platão acreditava na justiça como uma virtude individual, baseada em harmoniosas
relações entre as pessoas em uma sociedade. O pensador relaciona justiça com felicidade, o
que forma outra lacuna, pois há que se debater o conceito de felicidade.
Aristóteles pensou na justiça como algo científico, e assim tentou defini-la. Para ele,
a justiça deveria ser encarada como um hábito, uma virtude que completa as demais virtudes.
Sendo que ele teria encontrado um método matemático para determinar a virtude e saber o
que é moralmente bom. Além disso, pensou no princípio da justiça como igualdade e
legalidade. Justo é quem cumpre a lei e que tem atitudes realizadas com igualdade, sendo a
58 Idem, p. 29.
34
justiça a virtude máxima do indivíduo. “Platão deu à justiça um sentido ético ao estabelecer
que ela é a virtude suprema, harmonizadora das demais virtudes. Aristóteles deu-lhe um
sentido formal, estabelecendo uma distinção entre justiça distributiva e corretiva, em função
do critério de uma repartição de bens proporcional.”59
Já os romanos, pensavam na ideia de justiça baseada no princípio de “dar a cada um
o que é seu”. Foi assim que o jurisconsulto Ulpiano, século III da era cristã, definiu a justiça.
Cabe dizer que este pensamento esta associado ao conceito de lei e norma, e há uma tentativa
de mensuração do valor da justiça.
A noção de justo proposta pelos romanos perpetua-se até hoje, pois se associa o
espírito de norma e direito com a questão da justiça. E, ainda, tem-se a ideia de que lei é um
instrumento indispensável para regular a vida em sociedade. Assim sendo, um direito justo
impõe, por meio das normas, uma justa sociedade.
Já na Idade Contemporânea, não se pensa mais na justiça como ordem divina e sim
baseada na natureza humana e na razão. Com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, passa-se a ter a justiça como liberdade individual, fundada no equilíbrio entre as
pessoas.
Esta declaração segue, em boa medida, o pensamento de Kant, para quem o Direito
deve estabelecer a concepção de justiça mediante uma lei universal de liberdade, fazendo com
que as pessoas hajam, por livre arbítrio, de forma justa. Para ele, a justiça deve ser exercida
visando promover outro bem a favor da sociedade.
Baseado no imperativo categórico, a justiça é a determinação objetiva da ação do
indivíduo pelo direito e a representação da lei delineada pela ética. E é por meio deste
imperativo categórico que o ser humano determina os princípios universais de sua ação. “Age
59 BARBOSA. Júlio César Tadeu. O que é justiça. São Paulo: Brasiliense, 1984. 4 ed, p. 37.
35
sempre de tal modo que a máxima do teu agir possa por ti ser querida como lei universal.”60
Este é o princípio geral que contém o princípio de justiça para Kant, e do qual derivam os
direitos universais do homem.
No século XX, outros teóricos passaram a debater a justiça. Destaca-se os
pensamentos de Kelsen, Rawls e Perelman.
Hans Kelsen considera a justiça como possível, mas não necessária, para manter a
ordem social. Sendo que uma ordem justa advém de regulamentar o comportamento dos
homens de modo a agradar a todos, e todos encontrar, sob ele, a felicidade. Ele acredita que a
busca do homem pela justiça, é a eterna busca pela felicidade, e esta é garantida por uma
ordem justa, que regula o comportamento humano de modo a contentar a todos os homens.
Ainda, o crítico observa que o conceito de justiça passa por uma transformação: do
sentimento subjetivo que cada indivíduo tem, para uma felicidade justa. Isto porque a
felicidade individual configura-se em satisfação das necessidades sociais. “O conceito de
justiça transforma-se de princípio que garante a felicidade individual de todos em ordem
social que protege determinados interesses, ou seja, aqueles que são reconhecidos como
dignos dessa proteção pela maioria dos subordinados a essa ordem.”61
Chaïm Perelman estabelece como regra da justiça a igualdade. Isto significa tratar da
mesma forma os seres considerados iguais, sob uma mesma ótica e mesma característica. Para
ele a justiça depende de outros valores, pois ela é baseada em princípios arbitrários e
indeterminados.
Justiça como equidade. É assim que pensa John Rawls (2000). Para existir justiça, é
preciso que os valores sociais – liberdade, oportunidade e renda – sejam distribuídos
60 KANT apud KELSEN, Hans. O que é justiça?: a justiça, o direito e a política no espelho da ciência.
São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 21. 61 KELSEN, Hans. O que é justiça?: a justiça, o direito e a política no espelho da ciência. São Paulo:
Martins Fontes, 2001, p. 4
36
igualitariamente a não ser que a desigualdade distributiva traga vantagens para toda a
sociedade. Assim sendo, a estrutura básica da sociedade é dada pelo trabalho das principais
instituições sociais em distribuir direitos e deveres fundamentais.
Atualmente, tem-se adotado a ideia de que é justo o que está em conformidade com o
direito. E a noção de justiça é fruto e expressão das reais contradições do mundo social,
emergida de um saber, conectados pela história dos povos. “A concepção de justiça sempre
esteve ligada à de harmonia. O equilíbrio entre as partes na denominada justiça comutativa, o
equilíbrio da distribuição na justiça distributiva, e o equilíbrio da ação do Poder como tutor do
bem comum na justiça social, eram as características que traduziam claramente uma
concepção de mundo segundo a qual a harmonia é a regra e o conflito a exceção, o desvio.” 62
A justiça pode ser entendida como conformidade de conduta, como norma ou como
capacidade de possibilitar relações entre os homens. Ela visa algo melhor para a sociedade,
analisando como as coisas devem ser. Este dever-ser pode estar fundamentado em uma ordem
universal, numa vontade divina, ou pode plantar-se a partir de fatos históricos.
Após este apanhado de conceitos sobre justiça, nota-se que a garantia da liberdade
ajuda a construir uma sociedade mais justa. Por consequencia, a liberdade de expressão, em
um Estado Democrático de Direito, é usada para difundir conceitos de justiça. Nesse contexto,
como se delineia ao longo do trabalho, deve se ter em conta também como a imprensa usa sua
liberdade de expressão e tem-se filiado ou se afastado destes conceitos de justiça e de direito.
3.2 ESFERA PÚBLICA
A esfera pública é um espaço de fundamental importância do nosso Estado
Democrático de Direito em que há troca de informações e onde a liberdade de expressão é
62 AGUIAR. Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega,
1993. 3 ed, p. 64
37
exercida. É um ambiente que pertence a todos, cuja principal característica é ser uma arena de
debates e críticas sobre temas em comum de uma sociedade. Para Arendt (1983) isso se deve
ao fato de ser “um espaço que demanda a abstração de interesses puramente privados, a esfera
pública conduz à produção da permanência e da história, na medida em que permite o ciclo de
vida de cada pessoa ser transcendido.”63
Habermas acredita que “a esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada
para a comunicação dos conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos
comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas
enfeixadas em temas específicos.”64
[grifos no original].
Vale dizer que a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo que se liga
as “funções gerais de reprodução do mundo da vida (como é o caso da religião, da escola e da
família) ou a diferentes aspectos de validade do saber comunicado através da linguagem
comum (como é o caso da ciência, da moral, da arte).”65
E é neste ambiente, através do agir
comunicativo, que se dão os debates de justiça, por meio do uso da liberdade de expressão,
que são muitas vezes mediados e interpretado pelos meios de comunicação de massa.
O processo de esfera pública pode ser entendido como um fenômeno que apresenta
constantes mudanças no tempo, no espaço e, até mesmo, na forma de organização do Estado.
Por isso, o que é entendido e explicado hoje pode ter outra conotação futuramente. Pensando
assim, o conceito de justiça dado em determinados tempo e esfera pública pode exigir novas
elaborações com a mudança dessas variáveis, o que impõe aos meios de comunicação de
massa uma tarefa crítica acerca de como se desenvolve o embate público das questões sociais
e políticas que refletem e que são influenciadas pela atuação do legislador e do juiz.
63 ARENDT apud JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações Sociais e Esfera Pública: a construção
simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 31. 64 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia. v II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
Tradução Flávio Beno Siebeneichler, p. 92. 65 Idem, p. 92.
38
Dada a situação, em que a liberdade de expressão em um Estado Democrático de
Direito é exercida na esfera pública, não vale analisar o senso de justiça transmitido pela
notícia de um possível crime ou fato ocorrido na sociedade, mas um conjunto de valores
embutidos na esfera pública em que a mídia emitiu seu juízo de valor e vem modelando ao
longo do tempo.
As questões relativas à esfera pública podem, em grande parte, ser definidas pelas
trocas de informações e bens simbólicos produzidos por detentores da liberdade de expressão
e, consequentemente, pela mídia. “O mundo criado pelos meios de comunicação de massa só
na aparência ainda é esfera pública.”66
Ressalta-se que este papel exercido pela imprensa só é possível porque a nossa
sociedade defende a liberdade de expressão e de imprensa. A garantia do direito de se
expressar permite esta troca de informação, ação fundamental para o exercício do Estado
Democrático de Direito.
Assim, a mídia é o lugar em que a esfera pública é exercida. E ela é grande
responsável por divulgar os conceitos de justiça e propiciar o debate desta questão, utilizando
a liberdade de imprensa para fazer valer o Estado Democrático de direito, ao noticiar, por
exemplo, fatos que gerem o questionamento se nossas leis são ou não justas.
3.3 CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA ADOTADA PELAS INSTITUIÇÕES DA MÍDIA
O presente trabalho pretende demonstrar a importância da liberdade de imprensa e a
consequencia desta liberdade em nossa sociedade. Para isso, faz-se necessário demonstrar
66 HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1985, p. 202.
39
qual é a concepção de justiça difundida e divulgada pela imprensa, para depois entendermos
quais os efeitos deste discurso em nosso Estado Democrático de Direito
A ideia de justiça é ideológica67
e, por isso, tem a pretensão de ser universal e
unificadora. E as instituições são as responsáveis por transmitir estes valores à sociedade,
visto que detêm a liberdade de expressão e podem difundir seus pensamentos e valores, sem
censura. Como consequência, tem-se que elas conduzem, por meio do entendimento da
justiça, as ações humanas. Além disso, as questões de justiça estão diretamente ligadas aos
aparelhos ideológicos do Estado, que servem como mantenedor de uma ordem e de um Estado
Democrático.
Os meios de comunicação de massa, como uma instituição que divulga costumes e
defende interesses, acabam por propagar conceitos de justiça conforme seu entendimento,
visando estabelecer uma ordem social que a permita manter-se no poder.
As ideias de justiça ou estão explicitadas, a nível oficial, pelas normas jurídicas e
mesmo pela produção de um conhecimento legitimador de uma ordem, ou estão
difusas nos costumes, nas práticas daqueles que são os dominados em dada ordem.
Não falamos nas ideias de justiça dos costumes dos grupos dominadores em virtude
de elas estarem, grosso modo, cristalizadas no direito vigente em dada ordem, ou
estarem implicitamente embutidas nos conhecimentos oficiais que caracterizam a
produção intelectual dos dominadores e a produção de novas consciências por via da
educação.68
O conceito de justiça varia conforme cada sociedade e cada situação. Depende
também de conflitos de valores. O que pode ser injusto em determinado momento, pode ser
completamente aceitável e tido como justo em outra situação. Tal característica, aliás, é
própria de uma sociedade democrática que aceita o pluralismo de valores morais, religiosos
ou filosóficos.
À medida que as desigualdades sociais se tornam gritantes, a obtenção da justiça só
se dará mediante um tratamento individualizado a cada caso. Independentemente da
concepção que se der a ela, a justiça só será alcançada se se der um tratamento diferente a situações diferentes. Torna-se necessário compensar as desigualdades
68 AGUIAR. Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega,
1993. 3 ed, P. 55
40
existentes na sociedade, através de mecanismos legais que privilegiem o grupo
desfavorecido.69
É o caso de matar alguém. Em regra, conforme a legislação vigente no país, é
proibido matar um ser humano. E as leis determinam sanções para quem agir desta forma. No
entanto, em caso de guerra, com inimigos da nação, é aceitável que seja realizada esta prática.
Além disso, países admitem a pena de morte em caso de crimes nefandos.
Tomando este exemplo, pode-se dizer também que a imprensa costuma divulgar os
soldados como heróis, independentemente de eles terem ou não matado pessoas. No caso de
outros homicídios, os indivíduos que cometeram o crime podem ser punidos pela imprensa,
antes mesmo de um julgamento pelo Judiciário. No capítulo 5, iremos exemplificar esta
questão do pré-julgamento mais detalhadamente.
Pode-se afirmar que a instituição da mídia segue seu próprio raciocínio de concepção
de justiça. O que em algum caso pode parecer errôneo ter uma ampla divulgação pela
imprensa, em outro, pode ser absolutamente aceito. Sem contar que o que é justo para um
pólo, pode ser injusto para outro. Neste conceito, o que é ordem para um grupo, pode ser
dominação para outro.
Isso demonstra a profunda e inseparável ligação das ideias de justiça com as
contradições sociais reais que marcam o processo histórico. E mostra mais: a
irredutibilidade de umas às outras, o que significa dizer de forma simples que não
existe justiça neutra. Mais ainda, que não existe a possibilidade de encontrarmos um
meio-termo entre as duas visões, pois esse meio-termo só significa adiamento da história, pois, mesmo que se encontre artificialmente uma convivência momentânea
entre os dois fundamentos, a contradição, ainda que tardiamente, voltará para dividir
as águas. 70
69 BARBOSA. Júlio César Tadeu. O que é justiça. São Paulo: Brasiliense, 1984. 4 ed, p. 19 e 20. 70 AGUIAR. Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega,
1993. 3 ed, p. 57..
41
Casos de suicídio não costumam ser divulgados pela imprensa, para evitar que
estimule ou sirva de exemplo para outras pessoas71
. É o que grande parte da imprensa entende
como correto para a sociedade. Mas é justo privar o cidadão deste tipo de informação? Pode-
se entender que a imprensa faz isso visando o bem social, tendo em conta que a concepção de
justiça tem como finalidade a sustentação ideológica da manutenção da ordem. Além disso,
isto mostra o controle que a mídia exerce na sociedade, privando-a ou não de informações.
Informar é um direito constitucionalmente assegurado, como foi explicado em
capítulo anterior. E cabe aos meios de comunicação de massa transmitir o conhecimento que o
homem necessita para viver em sociedade, visto também que é por meio da informação que o
público fiscaliza o exercício do poder estatal. “Para dominar é preciso desenvolver um
conhecimento de dominação, evitar a veiculação de saberes que possam turbar o
conhecimento oficial e criar instituições de reprodução desse conhecimento mantenedor.” 72
A concepção de justiça adotada pela imprensa assemelha-se à ideia de defesa social.
Ambas são um meio de expressar conceitos inegáveis na sociedade em busca do ideal de
justiça.
Gostaríamos de tentar demonstrar em que consiste exatamente essa Nova Defesa
Social. Esperamos tornar claro que ela constitui de fato um fenômeno novo,
consistindo numa tomada de consciência em relação a certas exigências profundas
que levam a repensar alguns dos grandes problemas referentes à ação legislativa,
judiciária ou administrativa de reação contra a criminalidade, e a promover algumas
reformas positivas, dentro de um espírito novo e segundo uma coordenação
ideológica deliberadamente aceita. 73
Assim, o discurso adotado pela imprensa consiste, de certa forma, em proteger a
sociedade. Por meio de debates e divulgação de informações, a mídia usa a liberdade de
71 Um trabalho publicado pela Academia de Ciências de Nova York constata que a divulgação de
suicídios pela mídia gera sequenciais casos similares. A pesquisa foi baseada em 41 casos reais e 28 de casos
fictícios (como em telenovelas). Em todos esses casos, há um grande aumento de ocorrências fatais. 72 AGUIAR. Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega,
1993. 3 ed, p. 73. 73 ANCEL, Marc. A nova devesa social: um movimento de política criminal humanista. Rio de
Janeiro: Forense, 1979, p. XIX.
42
imprensa para buscar a repressão da criminalidade, por entender que a justiça e o bem estar
social são valores que ela deve semear.
Relacionando a teoria da defesa social, que busca a repressão da criminalidade, com
o discurso da imprensa, nota-se que a mídia busca também reprimir ações criminosas. O
discurso feito por ela em relação à maioridade penal demonstra isso. A imprensa comove a
opinião pública sob seu viés de justiça, que é diminuir a criminalidade, para que haja a
discussão sobre a redução da maioridade penal.
Assim, tem-se que a imprensa exerce um poder sobre o público, por ter ela liberdade
de imprensa e ser a responsável de divulgar os acontecimentos. E, como a ideia de justiça
traduz o interesse do grupo que detém o poder, ela é repassada, pelos meios de comunicação
de massa, a fim de manter a ordem, o Estado Democrático de Direito e o controle social.
É preciso que uma ideia de justiça respalde o exercício do poder e mais
especificamente legitime a dominação. Há uma necessidade de inculcar-se a crença
segundo a qual determinada ordem é a expressão parcial ou total da justiça. Para
tanto, embutidas em uma conceituação de justiça dessa natureza estão visões do
homem, do mundo e da história, engendradas a partir do viver concreto, das práticas
de controle e dominação. A ordem implantada deve ser a expressão de uma
harmonia natural que emerge do ser das coisas.74
Cabe ainda dizer que o conceito que se adota de justiça traduz o interesse dos grupos
que exercem o poder, incluindo a imprensa, que, de uma forma ou de outra, visa manter a
relação de poder que tem com a sociedade.
A imprensa, por exemplo, muitas vezes pede a redução da maioridade penal, mas não
explica claramente o que estas medidas acarretarão. A notícia é divulgada de acordo com o
que os produtores de informação acreditam ser justos. Nota-se isto ao comparar o debate feito
pela mídia com as discussões mais elaboradas sobre este tema, que explicam que a redução da
maioridade penal traz outros problemas jurídicos.
74 AGUIAR. Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega,
1993. 3 ed. p. 21
43
Um documento aprovado na Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil embasa as razões da entidade para ir contra a
redução da maioridade penal. O documento foi aprovado em 2004 e ainda vigora.
Para esta instituição, a redução é inconstitucional e macula garantias fundamentais.
Além disso, outros fatores são as causas reais da violência, como desemprego, má distribuição
de renda, corrupção, etc. Ainda, eles acreditam que punir jovens infratores não resolve os
problemas de criminalidade e não diminui o número de ocorrências. “Modificação ou
alteração na idade penal não será conjugada nem vista como uma nova concepção de justiça e
de reeducação ao menor, pelo contrário, estaremos varrendo a sujeira para debaixo do tapete,
sem enfrentarmos soluções reais para os problemas sociais encontrados em todos recantos do
Brasil.”75
Kant pensava que quem possui o direito de determinar as regras jurídicas é que tem o
direito subjetivo de difundir o seu arbítrio e a sua concepção de justiça. Se a imprensa é
responsável indiretamente por modificar leis (fazer com o que o legislativo o faça por meio de
pressão social que invoca), consequentemente, é ela a responsável por delinear a concepção
de justo na nossa sociedade, o que, de certo modo, deforma aquele ideal de autonomia
kantiano.
Pode-se concluir que a imprensa tem sua própria teoria de justiça, baseada em seus
valores de entender o que é justo para a sociedade, e instituir uma ordem que mantenha seu
poder. Como toda organização social, a mídia também existe visando obter a realização da
justiça. É exercendo a liberdade de expressão, que os meios de comunicação em massa
induzem e expõe conceitos. E os conceitos que ela transmite podem ser tomados como
verdadeiros ou serem adotados por parte da sociedade.
75 GOMES, Luis. OAB reafirma posição contrária à redução da idade penal. Disponível em
<http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=2970 >. Acesso em 3 de dezembro de 2007.
44
A liberdade da expressão que a imprensa tem, assegurada em lei, é responsável por
moldar a opinião pública e conceitos circulantes na sociedade. Por isso, faz-se necessário
entender como a mídia noticia os fatos e usa a liberdade de imprensa inerente ao seu
exercício.
45
4 COMO A IMPRENSA NOTICIA OS FATOS
Para entender a influência da liberdade de imprensa na concepção de justiça adotada
pelas pessoas, precisa-se conhecer como as notícias são feitas e chegam até o público.
A imprensa é uma atividade de interesse público, ao menos no plano ideal. Tem o
dever de servir a sociedade, para, inclusive, manter o Estado Democrático de Direito. Cabe a
ela difundir as notícias do dia, circular ideias e criar um senso de identidade nacional. Além
disso, os veículos de comunicação fiscalizam outras instituições. “a imprensa é uma das
colunas essenciais de qualquer regime democrático, a guardiã da democracia ou, numa
expressão usual, o watchdog ou cão de guarda da democracia.”76
Por isso, a liberdade de imprensa é tão defendida pela legislação brasileira como
alicerce essencial da manutenção da democracia. E deve ser um órgão independente dos
poderes políticos. Nota-se isto ao observar-se a Constituição da República Federativa do
Brasil. Existe um capítulo específico sobre a comunicação social, inserida no contexto da
ordem social. Com isso, fica claro a necessidade de uma imprensa livre e com autonomia de
expor as informações que obtém para manter a fiscalizar a ordem social.
Ora, o que se dizia a respeito das garantias constitucionais dos meios de
comunicação, que permitem inferir o reconhecimento operado da função social que
lhes incumbe, deve ser dito especificamente dessa dimensão política: as garantias são outorgadas para assegurar a liberdade fundamental da mídia, a qual tem ínsita
uma função social, parte da qual, que é assumida diversamente de veículo para
veículo, é a de exercer o papel de “guardião da democracia”.77
Pode-se dizer que a base de existência da imprensa é a divulgação de fatos públicos.
Ela assume o papel social de mediar e manter o direito à informação para a sociedade. Além
76 PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 42.
77 Idem, p. 43
46
disso, os veículos de comunicação prestam serviços e servem como fonte de entretenimento e
educação, para todas as classes sociais e faixas etárias.
Deve-se ressaltar que, devido à sua função social, a imprensa não pode ser um
instrumento arbitrário de quem detém o veículo e sim um instrumento com função social e
compromisso com a sociedade e a democracia.
Os veículos de comunicação ocupam o centro da rede de relações sociais e, muitas
vezes, pautam conversas, determinam conceitos, ditam o certo e o errado e orientam a opinião
pública. Não é possível medir o poder que os meios de comunicação de massa dispõem e
exercem sobre a sociedade. Mas pode-se afirmar que a mídia é capaz de influir na cultura e no
comportamento humano.
Sob esse último ângulo, a agressão que um abuso dos meios de comunicação é capaz
de produzir pode dirigir-se a bens da mais variada índole, incluindo bens
praticamente inatingíveis por qualquer outro meio: o patrimônio cultural e moral de
uma nação, por exemplo, isto é. O conjunto das suas convicções mais arraigadas e
mais valiosas, alicerçadas ao longo de séculos e ainda bens outros, ao alcance de
instituições ou pessoas menos onipresentes. Neste caso, a intensidade do dano pode
ser incomparavelmente maior e mais arrasadora. 78
As empresas de informação são instituições sociais originadas de uma demanda
social de receber informação. Por isso, a função dos veículos de comunicação é fazer com que
as mensagens cheguem ao seu público, para que eles tomem as decisões e façam suas
escolhas.
Suposto o papel especial dos meios de comunicação, reconhecido implicitamente
pela Constituição, como instrumentos essenciais do jogo democrático, deve-se
reconhecer à mídia, e a todos os cidadãos igualmente, a mais ampla e desinibida
liberdade de crítica nesse campo. Sem ela, não se consegue alcançar aquela
transparência tão necessária em todos os processos de decisão que se refiram ao bem
comum.79
78 PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 75. 79 Idem, p. 244 e 245.
47
Os manuais de redação, tão quanto utópicos, prezam pela imparcialidade,
objetividade e neutralidade ao passar a informação. No entanto, não há como não misturar o
juízo de valor e toda a carga adquirida por quem transmite a notícia.
O problema da neutralidade e da imparcialidade é que todos que compõem o
processo comunicacional têm juízo de valor próprio, inerente a cada ser humano. O jornalista
ao relatar um fato usa, inconscientemente ou não, toda a carga de experiência, história,
vivência e valores adquiridos na sua trajetória de vida. A maneira de redigir uma frase já é
uma forma de eleger qual é o conteúdo mais importante que merece destaque. Ao interpretar
um fato e repassar para o público, invariavelmente as informações passam pela subjetividade
de quem interpreta o acontecido. Toda a transmissão de informação, invariavelmente, passa
pela subjetividade do locutor e interlocutor.
Estamos diante do mito da objetividade jornalística. Exige-se uma neutralidade
impossível, uma vez que o sujeito se constitui – e, neste momento, toma
necessariamente partido – no momento em que escreve (ou fala). A própria escolha
do que é ou não é um “fato” já pressupõe obrigatoriamente um julgamento, uma
escolha ou uma seleção. Nenhum destes três movimentos seria possível a partir da
objetividade e da neutralidade. Pelo mesmo motivo que faz o sujeito acreditar na
existência de uma verdade transcendente, que o desobrigaria do gesto da
interpretação, do movimento de atribuir sentidos, como se estes já existissem desde
sempre. 80
Há, ainda, uma dúvida em saber se os meios de comunicação pautam as concepções
da sociedade, ou se a sociedade pauta os meios de comunicação. O que deve ser noticiado?
Qual o critério escolhido pelas empresas de comunicação do que deve ser informado? Todas
as formas de divulgar a notícia também imprimem valores?
4.1 A IMPRENSA PAUTA DISCUSSÕES E FORMA JUÍZOS
80 MENDONÇA, Kléber. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro:
Quarter, 2002, p. 29
48
Os meios de comunicação de massa definem o espaço coletivo no mundo
contemporâneo. Esses meios têm papel fundamental na criação de consenso e na definição da
agenda nacional de discussões.
Kucinski (1998), afirma que os quatro principais jornais brasileiros – O Globo,
Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo – pautam as outras coberturas
jornalísticas. Além do jornal impresso, as emissoras de rádio e televisão têm papel
fundamental no agendamento das discussões sociais.
E é através dos meios de informação que o público toma conhecimento ou ignora um
fato ocorrido no cenário público. Para Donald Shaw (1979), que difundiu este pensamento na
década de 70, as pessoas tendem e incluir e excluir do seu conhecimento o que a própria
mídia coloca ou tira de seu conteúdo. Os assuntos debatidos em uma esfera pública são
pautados pela mídia. E, por isso, a realidade social é moldada pela comunicação de massa.
Um canal de comunicação se baseia no que os outros divulgam para produzir outras
informações. Com isso, há um ciclo frequente dos temas abordados pela mídia. A agenda de
notícias influencia a pauta de discussões sociais. E, por consequência, nas atitudes da
sociedade que refletem no Estado Democrático de Direito.
Ao noticiar os fatos, a imprensa forma juízos e repassa valores à sociedade. Existe
um senso comum que estereotipa a mídia como grande responsável pelos acontecimentos,
devido à força da imagem de mobilizar e causar impacto.
A mídia é um terreno vasto onde a política contemporânea é praticada. Por isso,
grande parte dos juízos de valores formados na sociedade sofrem, inevitavelmente, a
influência das informações veiculadas no espaço público. As empresas de comunicação têm
um papel importante no desenvolvimento do pensamento coletivo e no Estado Democrático
de Direito. “Elas fornecem informações e pontos de vista diferentes para que os indivíduos
formem juízos de valor sobre assuntos de seus interesses. Elas também fornecem mecanismos
49
para que eles articulem opiniões que podem ter sido marginalizadas ou excluídas da esfera da
visibilidade mediada.”81
Ressalta-se também que a imprensa é o canal que mais transmite informação no
espaço democrático. Uma pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros,
realizada em 2009, demonstra que a maior fonte de informação das pessoas é a mídia,
sobretudo, a televisão (anexo 4).
O poder da imprensa influi no pensamento social e é tido como grande ferramenta
para gerar e conduzir a opinião pública. Devido à responsabilidade de noticiar e formar
opiniões, discute-se a necessidade do diploma para a formação do profissional de jornalismo,
visto que eles se fazem valer da liberdade de expressão e transmitem inúmeras informações
lançadas na esfera pública.
Alguns juristas defendem a necessidade do diploma por entender que há
responsabilidades que envolvem a divulgação de fatos noticiosos e que esta liberdade de
expressão pode interferir na vida das pessoas.
Ao defender a obrigatoriedade do diploma, o Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio
Mello acredita que as técnicas para entrevistar, editar ou reportar são necessárias para a
formação do profissional. "Penso que o jornalista deve ter uma formação básica que viabilize
a atividade profissional que repercute na vida dos cidadãos em geral"82
, afirmou em seu voto
no processo em que discutia a exigência do diploma para o exercício da profissão de
jornalista.
Já a ementa do acórdão do Recurso Extraordinário nº. 511.961/SP, que decidiu pela
não obrigatoriedade do diploma, expõe que a necessidade de formação acadêmica restringe,
inconstitucionalmente, às liberdades de expressão e de informação.
81
THOMPSON. John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 3 ed. Petrópolis:
Vozes, 1998, p. 222. 82 Recurso Extraordinário nº. 511.961/SP. Ministro Marco Aurélio Mello.
50
A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo - o qual, em
sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de
informação - não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma
restrição, um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e
efetivo exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, 1o, da Constituição. 83
A discussão sobre a necessidade do diploma não é o tema do presente, no entanto,
ressalta-se que por conta da influência que a mídia pode exercer em nossa sociedade
democrática, é importante que os responsáveis por veicular conteúdo tenham consciência do
peso que as notícias veiculadas possam ter e, sobretudo, saibam usar com parcimônia a
liberdade de expressão que detém. Passamos agora a analisar como a imprensa utiliza a
liberdade de expressão e influência situações no Poder Judiciário, órgão fundamental para a
existência de um Estado Democrático.
83 Recurso Extraordinário nº. 511.961/SP. P. 694
51
5 INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO
As informações veiculadas pela imprensa, com o respaldo no direito constitucional
da liberdade de expressão, influenciam ações em nossa esfera pública. De fato, a influência da
mídia na sociedade não pode ser negada. “Desde o início das sociedades modernas os meios
de comunicação contribuíram decisivamente para a construção da subjetividade dos seres
humanos(...) é impossível hoje pensar o mundo contemporâneo sem levar em conta o papel da
mídia.”84
De criatura a imprensa evolui a criador e tão grande chegou a ser força que os
homens avisados a batizaram como “quarto poder”, aquele que vinha incorporar-se
aos outros poderes do Estado – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mas em
verdade ela não veio a ser um poder complementar e sim um poder à parte, aquele capaz de influir sobre todos os outros, pois podia contra eles formar a irresistível
corrente da opinião pública. 85 (LIMA, 1997, p. 27).
Aluízio Ferreira (1997) acredita que a necessidade de informação é a mais básica das
necessidades humanas, e o direito a ela é fundamental. Deter a informação é questão de
sobrevivência tanto individual, quanto social e política.
Não é apenas o homem atual que se acha condicionado pela necessidade do
conhecimento ou informação. O homem sempre esteve a isso condicionado e não
poderá jamais deixar de assim estar. Para existir e coexistir, em qualquer lugar e
época os seres humanos sempre necessitam e continuarão necessitando orientar-se, e
esta necessidade será mais intensa e complexa quanto mais dotadas de
complexidades forem as relações intersubjetivas que tenham de manter ou os
desafios ambientais que tiverem de enfrentar.
A interferência midiática é notória em nosso convívio social. Os meios de
comunicação são os grandes responsáveis por levar informação ao público, com isso, o juízo
de valor emitido pela imprensa, de modo geral, é assimilado inconscientemente pelas pessoas.
84
GUARESCHI, Pedrinho A. Os construtores da informação. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 43. 85
LIMA SOBRINHO, Barbosa. O problema da imprensa. 3 ed. São Paulo: Edusp, 1997, p. 80.
52
Além disso, a mídia pode estimular ou intensificar as ações coletivas que não
aconteceriam se ela não disponibilizasse imagens e informações de episódios que acontecem
nos mais diferentes lugares.
A mídia se envolve ativamente na construção do mundo social. Ao levar as imagens
e informações para indivíduos situados nos mais distantes contextos, a mídia modela
e influencia o curso dos acontecimentos, cria acontecimentos que poderiam não ter
existido em sua ausência. Além do mais, os indivíduos envolvidos nestes
acontecimentos podem estar bem conscientes do papel construtivo (ou destrutivo) da
mídia. Eles sabem que o que eles dizem no rádio ou na televisão poderá ser ouvido
por milhares ou milhões de outros que podem responder de formas concertadas ao
que é dito. Eles sabem que, ao assistir à televisão ou escutar o rádio, eles podem
descobrir algo – ainda que parcialmente – do que está acontecendo além de seus
contextos sociais imediatos, e eles podem usar esta informação para orientar suas próprias ações. Eles sabem que, controlando o fluxo de imagens e de informações, a
mídia desempenha um importantíssimo papel no controle do fluxo dos
acontecimentos.86
A mídia cria, no inconsciente das pessoas, o pressuposto de que ela é capaz de
solucionar casos e problemas de competência jurisdicional. Com reportagens sobre Direito e
programas de investigação, por exemplo, os meios de comunicação deixam transparecer para
o público que são apropriados para solucionar conflitos – papel inerente ao Poder Judiciário.
E essa ideia que a mídia passa faz com que as pessoas utilizem a imprensa como meio para
resolver seus problemas.
Um exemplo de que a imprensa interfere na solução de casos judiciais é contado por
Washington Novaes, ele comenta que uma moça de 19 anos estava grávida. Ela tem um filha
de três anos, um menino de 1 ano e grávida do terceiro filho.
Na matéria, a repórter abordou que essas pessoas comiam restos de comida de presos
e que o marido, catador de papel, estava preso porque, ao tentar comprar leite fiado, foi
insultado pelo dono do botequim que não quis vender a bebida para ele. Então, ele deu uma
canivetada na barriga do vendedor. A matéria, com uma foto impressionante, saiu na primeira
86
THOMPSON. John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 3 ed. Petrópolis:
Vozes, 1998, p. 106.
53
página do jornal local de Minas Gerais. A notícia, após ser veiculada, repercutiu de tal forma
que logo em seguida o homem foi solto.
Quando a notícia foi publicada, no dia seguinte, um promotor leu, se
interessou, requisitou o processo e verificou que ele só estava preso porque era
pobre, Em primeiro lugar, podia ter respondido a esse processo em liberdade, como
qualquer pessoa primária que tivesse um advogado; segundo, todos os prazos
processuais estavam vencidos e de novo não havia razão para ele estar lá. Então o
promotor pediu a soltura e o juiz autorizou.87
A sociedade sofre diretamente com a interferência da mídia. O mundo jurídico não
fica inerte a essa influência. São decisões importantes – baseadas na subjetividade humana
construída com o auxílio da mídia – que afetam diretamente grupos e pessoas.
Alguns casos sobre o julgamento antecipado que a mídia faz já foram amplamente
estudados. O político Alceni Guerra, inocentado pelo Poder Judiciário anos depois das
denúncias e pré-julgamentos feitos pela mídia, teve sua vida totalmente destruída porque os
meios de comunicação o acusavam veementemente. Alceni Guerra contabilizou 104 horas de
fitas de televisão e mais de dez mil metros quadrados de reportagens impressas, com críticas e
denúncias contra ele. O Judiciário, após longo julgamento, inocentou o político, porque
comprovou que as matérias eram tendenciosas e mentirosas.
A Escola Base também foi vítima de pré-julgamentos da mídia. Em síntese, o fato
aconteceu em 1994 e ficou conhecido como “Os monstros da Escola Base”. Denúncias
anônimas e notícias sem fundamentos acusaram os professores da escola de abusarem
sexualmente das crianças. “Diante de uma situação não comprovada, promoveu a execração
pública das pessoas envolvidas. O efeito imediato da publicação da matéria em análise
consistiu no saque e depredação do prédio da escola. (...) A sociedade, com base nas
87
NOVAES, Washington. A quem pertence a informação? Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro:
Nova, Pesquisa e Assessoria em Educação, 1989, p. 21
54
informações difundidas na imprensa, julgou-os antes da devida apreciação do caso pelo
judiciário.”88
O caso foi arquivado pela justiça, mas a escola teve que fechar devido à construção
negativa da imagem do local criada por conta da mídia.
Pelo comportamento da mídia, diante de uma situação comprovada, promoveu a
consequente execração pública das pessoas envolvidas, onde a sociedade, com base
nas informações difundidas nos meios de comunicação, julgou os acusados antes da
devida apreciação do caso pelo judiciário. As sequelas emocionais dos envolvidos,
com certeza, são insanáveis. Constata-se serem, os mesmos, as verdadeiras vítimas
de toda esta celeuma amplamente propagada nos veículos da mídia nacional. A Lei
Máxima assegura que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a
imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação. 89
Outro caso de pré-julgamento muito debatido é o Bar Bodega. A choperia, em 1996,
foi o cenário do assassinato de um casal de jovens, em São Paulo. A polícia não tinha uma
resposta rápida sobre o que tinha acontecido no local e, após ser pressionada pela imprensa,
prendeu nove suspeitos sucessivamente, em quinze dias. Todos foram absolvidos por falta de
provas. “Havia a necessidade de se encontrarem os culpados e tão logo possível cidadãos
inocentes foram expostos, fotografados, filmados e prejulgados. Mais uma vez isso foi feito
por agentes públicos.”90
Para Washington Novaes (1989) um jornal brasileiro iria à falência nos Estados
Unidos ou na Europa, pois seriam frequentemente processados e teriam que pagar
indenizações gigantescas. Isto porque, os noticiários policiais falam com muita facilidade e
88
SOUZA, Marcos Antonio Cardoso de. "Monstros" da Escola Base. Jus Navigandi, Teresina, a. 4,
n. 41, mai. 2000. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=152. Acesso em 07 de maio 2005.
89 SILVA, Cícero Henrique Luís Arantes da. A mídia e sua influência no Sistema Penal. Jus
Navigandi, Teresina, a. 6, nº. 55, mar. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2814>. Acesso em: 07 maio. 2007. 90 RAHAL, Flávia. Publicidade no processo penal: a mídia e o processo: Revista Brasileira de
Ciências Criminais, n. 47. Revista dos Tribunais, 2004, pp. 275.
55
pouca propriedade que “uma pessoa é acusada, ou é culpada, ou é indiciada, ou é incriminada,
ou é isso, ou é aquilo”.
Em outros países, também aconteceram histórias emblemáticas de pré-julgamentos,
em que a cobertura da mídia talvez tenha prejudicado a imparcialidade do julgamento feito
pelo Tribunal do Júri.
Exemplo disso foi o caso de Richard Bruno Hauptmann, em 1935, acusado de raptar
e matar o filho do aviador Charles Lindbergh, que atraiu uma cobertura da mídia
sem precedentes. Hauptmann foi condenado, mas as investigações que se seguiram
levantaram dúvidas sobre se o frenesi da mídia não teria levado à precipitação do
julgamento que culminou com a condenação de um homem inocente. 91
Nos Estados Unidos, por exemplo, em que o sistema do júri é utilizado
quotidianamente para a análise de diversos crimes (competência mais ampla do que a
brasileira), a interferência dos meios de comunicação preocupa estudiosos, já que eles
pretendem manter o julgamento imune à influência midiática.
O problema surge quando os possíveis jurados ficam sabendo pela mídia de fatos ou
suposições sobre o caso que legalmente não podem ser juntados ao processo. Um
exemplo disso seria quando a polícia anuncia na mídia que o réu confessou o crime. Porém, em uma audiência posterior, o juiz poderia determinar que a confissão foi
obtida pela polícia em desacordo com a lei e não permitirá ao promotor juntar a
confissão como prova. Em regra, o juiz espera que os jurados selecionados para
julgar o caso sejam capazes de desconsiderar o conhecimento da confissão que
leram nos jornais ou ouviram na televisão. Se o júri não conseguir ignorar esse fato,
o julgamento não será considerado justo.92
Não se pode negar que a pressão da população exercida após a incitação dos meios
de comunicação torna-se determinante em algumas ações do Poder Judiciário.
A pressão popular torna-se notória nos casos de grande repercussão na mídia.
Aparece como reação ao delito noticiado e na forma mais primitiva e instintiva: o
desejo de vingança, de punição ao crime cometido. “Popularidade não é, nem deve
ser, requisito da sentença judicial. No dia em que o Poder Judiciário se curvar a
qualquer tipo de pressão, ainda que seja na opinião pública, nós correremos o risco
de ver muitas injustiças”, alerta Eduardo Muylaert Antunes, advogado criminalista.93
(MACCALOZ, 2002, p. 36).
91
HENGSTLER, Gary. O papel da mídia na evolução dos tribunais norte-americanos. Questões
de democracia. Maio de 2003. Disponível em: <http://usinfo.state.gov/journals/itdhr/0503/ijdp/hengstler.htm>.
Acesso em 04 maio, 2007. 92 Idem. 93 MACCALÓZ, Salete Maria Polita. O Poder Judiciário, os Meios de Comunicação e Opinião
Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002
56
Thompson (1998) explica que “As imagens e mensagens da mídia podem levar a
profundas divisões e sentimentos de injustiça que são experimentados pelos indivíduos em
suas vidas cotidianas.”94
A visibilidade que a imprensa dá sobre diferentes fatos pode
desencadear eventos imprevisíveis e incontroláveis que poderiam não existir caso ela não
divulgasse o fato.
Thompson expõe em sua obra o caso de Rodney King, um motorista negro que foi
interceptado pela polícia, retirado de seu carro, chutado, espancado e baleado, enquanto jazia
no chão. O fato aconteceu em 1991, em Los Angeles. O evento foi filmado por um
cinegrafista amador e o videoteipe foi usado como prova no julgamento dos policiais e
repetidamente mostrado na televisão, além de reproduzido em jornais, revistas nos Estados
Unidos e em diversos países.
Depois de julgados, os policiais foram absolvidos pelo júri no ano seguinte. O
anúncio do veredicto desencadeou um protesto popular. As pessoas não concordavam com a
decisão do júri. Para elas, a justiça aconteceria se os policiais fossem condenados pelas
agressões.
A raiva sentida por muitos ao ouvir o veredicto não se enraizava simplesmente no
sentimento de que a justiça falhara: o anúncio do veredicto não teria provocado estes
dramáticos incidentes, se ele não se inserisse num sentimento mais amplo de
injustiça com relação à posição dos negros na sociedade americana e ao tratamento
diferenciado de grupos étnicos pela polícia e pelo sistema judicial. O videoteipe de
agressão a Rodney King não provocou por si mesmo a onda de protesto violento em
LA e em outros lugares. Mas ele tornou a experiência quotidiana daquele indivíduo
um testemunho visível da experiência de muitos; e isto, quando justaposto ao
veredicto que pareceu evidentemente injusto, serviu como centelha incendiária da incontrolável sequência de eventos que se espalharam muito além das cercanias
regionais de Los Angeles.95
Este fato demonstra que as questões de justiça não podem ser contidas facilmente
pelas instituições jurídicas. Ainda mais que a mídia proliferou e divulgou o caso,
94
THOMPSON. John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 3 ed. Petrópolis:
Vozes, 1998.
95 Idem, p. 215 e 216.
57
demonstrando o que, para ela, era justo. A concepção de justiça criada pelos meios de
comunicação de massa, que exploraram o caso, tornou-se o parâmetro de justiça para as
pessoas que consumiam as informações.
Por mais que as autoridades de Los Angeles tenham querido manter o caso de Rodney
King dentro das fronteiras do sistema judicial, o videoteipe revestiu-lhe de um grau de
visibilidade que projetou os acontecimentos para fora de seu controle. O caso levantou
questões de justiça e injustiça que eram de interesse não apenas dos residentes da
comunidade local: elas se tornaram questões de preocupação nacional e mesmo
internacional. E o modo como estas questões foram tratadas pelo sistema judicial
estabelecido foi objeto de intensa e extensa crítica de indivíduos que nem haviam
participado do processo judicial, nem tinham testemunhado os acontecimentos
originais, mas tinham opinião própria com base no videoteipe amador .96
Habermas (1984, p. 241) admite que os processos penais são suficientemente
interessantes para serem documentados pelos meios de comunicação de massa. Ao invés de
controlarem o exercício da justiça, a imprensa serve para preparar processos trabalhados
judicialmente para a cultura de massa dos consumidores arrebanhados.
Os meios de comunicação de massa interferem indiretamente na função jurisdicional
quando influenciam na criação de leis. É o caso, por exemplo, da aprovação da Lei nº 8.930,
de 06.09.1994. Essa lei transformou o homicídio qualificado em crime hediondo, e foi
aprovada após a grande mobilização de Glória Perez (escritora e autora da Rede Globo), pelo
assassinato de sua filha, em 1992.
Na época, a Rede Globo e outros meios de comunicação divulgaram amplamente o
caso. Isso deu ensejo à autora a divulgar sua iniciativa e colher mais de 1,3 milhão de
assinaturas. Desse modo, foi possível enviar ao Senado o projeto e transformá-lo na primeira
lei de iniciativa popular.
Nos dias seguintes ao assassinato, jornais, revistas e emissoras de televisão
dedicaram páginas e páginas ao assunto.(...) Em tom sensacionalista, os telejornais, a
imprensa escrita e mais ainda a especializada em programas de televisão divulgaram com detalhes cada fato referente às investigações da polícia, além de reverberar com
96 Idem, 216.
58
exagero as mínimas declarações de qualquer personalidade, artista, jornalista,
policial, médico ou quem quer que fosse com alguma proteção pública,97
A tortura foi outra infração penal que passou a ter tratamento diferenciado na lei.
Passou a ser considerada também como crime hediondo, após grandes pressões da imprensa,
em relação às torturas praticadas por policiais em Diadema – SP, em 1997. “O caso da Favela
Naval foi assunto do Jornal Nacional durante toda a semana. Naquele período, o país viveu
sob o impacto de imagens que exibiram a truculência da polícia militar. As reportagens
chocaram o país. A Rede Globo recebeu inúmeros telefonemas, faxes e mensagens via
Internet, que manifestavam a indignação da população.”98
Esse mesmo caso da favela naval de Diadema fez com que fosse instaurada uma CPI
para apurá-lo. “A Assembléia Legislativa de São Paulo logo anunciou a criação de uma CPI
para apurar o caso e o governador de São Paulo, Mário Covas, assinou a exoneração dos
oficiais da PM responsáveis pela região.”99
Foi outra interferência dos meios de comunicação, visto que a constante divulgação
midiática das torturas feitas por policiais com civis, em Diadema, motivou a criação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito. Estes casos narrados ilustram a consequência da
liberdade de expressão .
97
ARBEX JUNIOR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela,
2002, p; 45.
98
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a história faz notícia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2004, p. 326. 99 Idem.
59
6 CONSEQUÊNCIAS DO DISCURSO DA IMPRENSA NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Em um Estado Democrático de Direito busca-se, com frequência, a justiça social. A
liberdade de expressão é usada para difundir pensamentos e opiniões sobre o que é justo,
segundo a própria concepção de justiça de cada um. Com a imprensa, isto não é diferente. Em
um breve estudo, tentamos demonstrar qual é a concepção de justiça emitida pela mídia.
Como foi evidenciada, a neutralidade é uma busca utópica, visto que em qualquer
mensagem transmitida há a emissão de juízo de valor. Assim sendo, o discurso mantido pela
imprensa leva consigo ideologias que podem interferir no meio social. Como diria Fernandes
Neto (2004) “A mídia não propaga ideologia, ela é a ideologia.”100
Por conta da origem da imprensa, em que as concessões de canais dependem do
arbítrio de poucas pessoas, muito do que é divulgado e chega ao conhecimento das massas
depende da visão de poucos titulares que já detém o poder. E esta informação, por não existir
neutralidade, imparcialidade e impessoalidade, é baseada nos valores de quem divulga a
informação. Assim sendo, as concepções do emissor são passadas ao receptor, através da
liberdade de expressão, por meio das mensagens que esse faz.
Cabe dizer, que o senso de justiça do produtor da informação está intrinsecamente
ligado ao que ele propaga. E é baseado em sua própria concepção do justo e do bom, do que é
importante para o convívio social, que as instituições tentam conduzir o público numa
discussão para chegar a um pensamento único e aceito por todos.
Mas deve-se ter em conta que “tão logo qualquer parte da conduta de alguém
influencia de modo prejudicial os interesses de outros, a sociedade adquire jurisdição sobre tal
100 FERNANDES NETO, Guilherme. Direito da Comunicação Social. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 130.
60
conduta, e a questão de saber se essa interferência favorecerá ou não o bem-estar geral se abre
à discussão.”101
Contextualizando a visão de Jonh Stuart Mill, e relacionando com questões
pertinentes ao mundo jurídico, quando um indivíduo menor de 18 anos comete um crime
brutal (ferindo o bem-estar geral) e esta conduta chega ao conhecimento da sociedade – na
maioria das vezes por meio da imprensa – abre-se, por exemplo, a discussão sobre a redução
da maioridade penal.
Além da imprensa, diferentes instituições, organizações e associações – que formam
a sociedade civil – captam os problemas sociais e os transmitem para uma esfera pública
política. Assim, busca-se a solução de problemas que passam a ser de interesse geral. “Essas
associações formadoras de opinião, especializadas em temas e contribuições e, em geral, em
exercer influência pública, fazem parte da infra-estrutura civil de uma esfera pública
dominada pelos meios de comunicação de massa, a qual, através de seus fluxos
comunicacionais diferenciados e interligados, forma o verdadeiro contexto periférico.”102
O problema levantado e debatido pelas instituições representa, muitas vezes, a
vontade de cidadãos. Assim, pode-se dizer que a imprensa, por outro lado, também, traz
aspirações populares, ou seja, cabe concluir que há um movimento duplo. De um lado, a
mídia tem suas vinculações e compromissos com o poder, mas, por outro, também funciona
como um catalisador das inquietações da sociedade civil. Dá a afirmação de que:
Espaço público político foi descrito como uma caixa de ressonância onde os
problemas a serem elaborados pelo sistema político encontram eco. Nesta medida, a
esfera pública é um sistema de alarme dotado de sensores não especializados,
porém, sensíveis no âmbito de toda a sociedade. Na perspectiva de uma teoria da
democracia, a esfera pública tem que reforçar a pressão exercida pelos problemas,
101
MILL, John Stuart. A liberdade: utilitarismo.São Paulo: Martins Fontes, 2000. Trad: Eunice
Ostrensky, p. 116. 102
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. v II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
Tradução Flávio Beno Siebeneichler, p. 87 e 88.
61
ou seja, ela não pode limitar-se a percebê-los e a identificá-los, devendo, além disso,
tematizá-los, problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a
ponto de serem assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar. 103
As instituições, ao menos na sua teoria discursiva, são criadas para buscar justiça. Ao
avaliar como se dá o conceito de justiça no Estado Democrático percebe-se que as instituições
tentam difundir o que cada uma delas entende por justo, e o que seria melhor para a sociedade
sob esta ótica. É nesse entendimento que se pode dizer que a ideologia da mídia é repassada
pela sociedade.
A imprensa, como qualquer instituição, possui um próprio conceito de justiça em que
se baseia para justificar suas condutas (por exemplo, divulga o caso de homicídios sob sua
função e dever de informar, mas não comenta casos de suicídio, entendendo ser melhor para a
sociedade.)
Inegavelmente, a mídia é uma nova esfera pública. É onde os pensamentos são
discutidas. E ela é a responsável por pautar os debates e incentivar a liberdade de expressão.
Isto confere aos órgãos de comunicação um considerável poder. E, ao pensar nisso, cabe dizer
que o acesso à informação está ligado à relação do indivíduo com os veículos de
comunicação, neste espaço democrático e social.
Na sociedade de comunicação deste início de século, em que os valore morais e a
opinião pública são profundamente influenciados pela comunicação social e o
debate político realiza-se neste espaço, os setores representativos dos segmentos
sociais lutam pelo seu espaço nos meios de comunicação social e dependem deste
para lançar as suas propostas.104
Devido ao poder exercido pela imprensa, o discurso que ela emite cria realidades. O
mundo social é descrito pela mídia, que é responsável também pelo acesso a informação.
No preâmbulo, ressalta-se como motivo imediato do código de ética jornalística a
influência poderosa que, de fato, os meios de comunicação exercem sobre a
sociedade contemporânea e, escala mundial. Disto se deduz o grau de
responsabilidade moral atribuída aos profissionais de comunicação. Já não é mais
103 Idem p. 91.
104 FONTES JUNIOR, João Bosco Araújo. Liberdades e limites na atividade de rádio e televisão.
Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 42.
62
questão de especular sobre o seu possível uso para poder, como no século passado,
mas de aceitar os fatos consumados, diariamente verificáveis. O escândalo norte-
americano de Watergate deu a conhecer a capacidade da imprensa de derrubar um
presidente dos Estados Unidos. Foi em função das secas e da fome em alguns países
africanos que a televisão britânica mobilizou em poucas horas profissionais e
dinheiro de forma quase incrível. Ultimamente assistimos ao debate sobre a suposta
influência dos media no fenômeno atual do terrorismo. O conteúdo do texto reflete a
mentalidade e as intenções da Declaração de 1978, e mais concretamente as
determinações no México, em 1980. Cabe destacar a preocupação quase obsessiva,
existente nestes documentos com a questão da paz em escala mundial,
transformando-se os jornalistas em ativos promotores dela.105
Tendo o caso de Watergate exposto por Blásquez (2000), nota-se que após a ação da
televisão britânica, que divulgou a situação trágica de países africanos, o povo inglês ficou
comovido com a situação e profissionais se dispuseram a ajudar, além de muito dinheiro ser
arrecado. Neste caso em tela, observa-se que a imprensa também exerce uma influência na
sociedade, baseada em seu discurso de promover a justiça.
Não existe uma concepção unívoca de que o justo é matar a fome e ajudar quem
precisa. Mas a imprensa adotou este discurso, que trouxe como consequência atitudes sociais.
O senso de justiça exposto pela imprensa provocou a reação social.
No Brasil, a imprensa também ajuda a arrecadar doações para necessitados. Seja na
enchente que destruiu 60 cidades catarinenses em 2008 ou o terremoto que avassalou a cidade
de Porto Príncipe e fez mais de 200 mil vítimas, em janeiro deste ano no Haiti. Brasileiros
foram incentivados, pela mídia, a doar dinheiro, alimentos e se alistarem como voluntários.
Além de estimular condutas sociais, a imprensa é responsável por gerar discussões e
pautar a sociedade sobre o que deve ser debatido, visando alcançar o bem-estar geral para
todos.
O texto da Unesco, que estabelece a ética no Jornalismo, tem como um de seus
princípios a disseminação de valores na sociedade. Pode-se dizer, baseado em toda a
105
BLÁSQUEZ, Niceto. Ética e meios de comunicação. São Paulo: Paulinas: 2000, p. 167.
63
discussão proposta pelo trabalho, que a difusão de valores está ligada diretamente aos
princípios de quem comanda os meios de comunicação social.
Especialmente a partir da televisão, que veio a tornar o grande veículo de
comunicação de massas, a comunicação social, para além de refletir os valores sociais, passou também a fomentá-los, exercendo uma influência marcante na
sociedade. Tornou-se assim um fenômeno incontornável, a ser considerado em
qualquer instância em que se pense a vida de uma nação.106
Tem-se também a ideia de que a mídia deve usar a liberdade de imprensq que detém
para promover a justiça social. Mas este não é um termo claro. É o que a imprensa (que não é
imparcial) entende como justo que será transmitido pela sociedade e vai formar a opinião
pública.
Para contextualizar a consequência do discurso da imprensa em relação ao Judiciário
e demonstrar as discussões geradas pelos meios de comunicação, podem-se citar casos
ocorridos em 2007 e 2008, no Brasil. Acontecimentos emblemáticos chocaram a sociedade e
tiveram notoriedade por causa da maciça divulgação da mídia.
Em outubro de 2008, Eloá Pimentel, de 15 anos, foi sequestrada pelo ex-namorado
Lindemberg Alves, de 22 anos. Após ser mantida em cárcere privada por mais de cem horas, a
garota levou um tiro disparado pelo rapaz e morreu horas depois.
A imprensa cobriu o caso ostensivamente. Acompanhou as negociações, a entrada e
saída de colegas da garota do apartamento. o desespero da menina e o nervosismo do rapaz. O
caso também repercutiu no exterior e gerou comoção nacional, visto que o público assistia
cada capítulo da tragédia ao vivo e em tempo real, pois os fatos eram transmitidos, em tempo
real, por veículos de comunicação. Ressalta-se que o sequestrador concedeu entrevistas para
diversos veículos da mídia enquanto mantia a menina como refém. Atualmente, o rapaz está
preso e espera o julgamento, pelo Tribunal do Júri.
106 FONTES JUNIOR, João Bosco Araújo. Liberdades e limites na atividade de rádio e televisão. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 17.
64
Muitas críticas sobre o desenrolar dos fatos foram feitas. Recrimina-se a conduta dos
policiais, negociadores e da imprensa. Salienta-se que a linha telefônica usada para dar
entrevistas para emissoras de televisão era a mesma utilizada para realizar as negociações com
o sequestrador. No entanto, em que pese duras críticas sobre a cobertura da imprensa que é
acusada de espetacularizar o caso, a Rede Globo foi finalista do Prêmio Emmy Internacional
pela cobertura do caso.
O caso Isabella Nardoni atualmente também está em pauta, devido ao longo
julgamento, ocorrido em março do corrente ano, que condenou o pai e a madrasta da menina
por terem a matado cruelmente. Segundo a denúncia do Ministério Público, em março de
2008, a criança, de cinco anos, foi atirada pela janela do apartamento da família.
O episódio gerou grande comoção nacional e repercussão pela crueldade do crime e
possível envolvimento do pai da garota. O país acompanhou passo a passo da investigação,
perícia e depoimentos. Alguns noticiários tentaram evitar o pré-julgamento. No entanto,
observava-se, nas informações passadas, que o casal já estava condenado pela sociedade.
Ressalta-se que neste caso a imprensa priorizou a liberdade de expressão e não se
ateve ao segrede de justiça (que existia no começo das investigações), nem a privacidade da
família e presunção de inocência dos acusados. O caso também repercutiu no exterior e foi
assunto da mídia brasileira, ininterruptamente, por mais de dois meses.
Outro dado interessante foi retirado de uma pesquisa realizada pela Associação dos
Magistrados Brasileiros, feita em junho de 2008. Os dados demonstram que,
espontaneamente, o caso Isabella era o mais lembrado pelos entrevistados (anexo 5). A
diferença com o assunto que ficou no segundo lugar foi gigantesca. Enquanto o caso Isabella
atingiu 81 pontos, a votação no Supremo Tribunal sobre células tronco, segunda colocada na
pesquisa, atingiu apenas 7 pontos.
65
Outro episódio ainda relembrado pela sociedade brasileiro é o caso da morte do
garoto João Hélio Fernandes, 6 anos, que aconteceu em fevereiro de 2007, no Rio de Janeiro e
teve grande repercussão. O menino foi arrastado por quilômetros até a morte, pelos bandidos
que roubaram o carro de sua mãe107
. Cinco pessoas estavam envolvidas no crime. Um dos
culpados pelo crime brutal tinha 16 anos na época da barbárie e por isso foi aplicada apenas
medidas sócio-educativas, das quais o adolescente cumpriu três anos em regime fechado e foi
beneficiado, no dia 8 de fevereiro de 2010, com progressão de regime. O rapaz foi inscrito no
Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) do
governo federal. Os outros quatro envolvidos foram julgados e condenados. Estão presos e
cumprem penas que variam entre 39 e 45 anos de prisão.
No mesmo ano, seis meses depois, foi descoberto outro homicídio violento cometido
por jovens. Ana Cláudia Caron, estudante, foi morta, após ser violentada e queimada. Os dois
adolescentes envolvidos confessaram o crime dias depois. Um dos rapazes fez 18 anos, quatro
dias após matar a jovem estudante de 18 anos. Os dois jovens acusados de matar a garota
foram condenados a três anos de reclusão em uma unidade socioeducativa.
Estes dois últimos casos citados reascenderam a discussão sobre a maioridade penal.
A lei no Brasil é clara em relação à imputabilidade de menores de 18 anos. Eles não podem
ser punidos criminalmente no país. No entanto, a cada crime brutal cometido por menores,
divulgado pela imprensa, há uma grande comoção social. A mídia, além de noticiar o
acontecido, reiteradamente fala sobre o assunto, discute em telejornais, provoca debates e, por
muitas vezes, tendenciosamente critica a lei que não pune os adolescentes.
Na sociedade, em que esta conduta (matar alguém) prejudica outros interesses,
acontece – na esfera pública – a discussão do tema para que sejam debatidas soluções que
visem manter o bem-estar geral em nosso Estado Democrático. Nos dois casos citados, os
107 Informações retiradas de notícias divulgadas pela imprensa
66
ofensores, menores de 18 anos, foram punidos pela opinião e pela sociedade, mas não tiveram
penas cabíveis a pessoas com mais de 18 anos.
Também nesses exemplos supracitados, a imprensa pautou a discussão social e
reascendeu o debate sobre a redução da maioridade penal para que a lei fosse revista, e para
que fossem punidos os responsáveis. Gerou-se uma pressão popular para obter uma resposta
do Estado.
A opinião pública foi conduzida e fomentou uma revolta em relação à lei vigente. A
atitude pressiona o governo e as instituições para que elas tomem alguma providência a fim de
alterar o atual sistema judiciário. Como afirma Mill:
Em questões de moralidade social, do dever para com outros, é possível que a
opinião pública (ou seja, da maioria dominante), embora frequentemente errada, seja
ainda com mais frequência correta, porque nessas questões o público é chamado
para julgar seus próprios interesses e a maneira como seria afetado por certo modo
de conduta, se o autorizassem a praticá-la.108
Com este papel de pautar as discussões sociais, a imprensa, dotada de ampla
liberdade de expressão, coloca as questões de justiça em debate na esfera pública e,
consequentemente, em órgãos ligados à manutenção do Estado Democrático. Tanto as
reportagens, como os programas de televisão e as telenovelas são responsáveis por discutir
temas que interferem indiretamente no Poder Judiciário.
O Estatuto do Idoso foi aprovado depois da discussão gerada pela novela Mulheres
apaixonadas, em 2003. A Rede Globo, maior emissora do país, transmitiu o programa em
horário nobre. Nos capítulos, um casal de velhinhos era corriqueiramente mal-tratado. Após a
108
MILL, John Stuart. A liberdade: utilitarismo.São Paulo: Martins Fontes, 2000. Trad: Eunice
Ostrensky, p. 128.
67
exibição da cena que citou a existência de um projeto de lei sobre o Estatuto, o Senado
recebeu 25 mil ligações109
e acelerou a votação do projeto que, logo em seguida, tornou-se lei.
Talvez por isso tem-se a ideia de que a opinião pública é o que é melhor para a
sociedade. Além disso, dá se voz a democracia. Esta busca pela justiça se relaciona com o
interesse da maioria que deve estabelecer o que é melhor para todos. Nestes casos, tem-se
como correto o entendimento dos grupos, sem levar em conta outras questões sociais que
deveriam ser analisadas no conjunto.
Poucas das leis, ou talvez nenhuma, examinadas neste capítulo, (antitruste, de defesa
das práticas honestas nas campanhas políticas, do meio ambiente ou de proteção do
consumidor) teriam sido aprovadas caso movimentos sociais de grande escala não
tivessem pressionado a sua aprovação. Em muitos casos, uma versão ou outra dessas
leis ficou vários anos sob avaliação, arrastando-se de comitê em comitê, até que a
pressão popular fosse forte o suficiente para obrigar os legisladores relutantes a
votar contra os desejos da elite econômica, à qual muitos deles estavam presos tanto
por laços econômicos como políticos110 (COLEMAN, 2005, p. 210).
Na esteira de raciocínio sobre o discurso da imprensa, temos que ela é um poder, que
gera grandes reações sociais. O que a imprensa divulga, muitas vezes, vai contra as normas
estabelecidas e jurisprudências adotas pelos julgadores.
O Programa Linha Direta111
, que era transmitido pela Rede Globo, trazia casos que
envolviam o Poder Judiciário. Muitas vezes, para a produção do episódio, as autoridades eram
indiretamente pressionadas para mostrar que seus órgãos funcionam. Além disso, a população
participava e ajudava a Justiça a buscar foragidos, já julgados pelos seus crimes.
Na maioria dos casos mostrados pelo programa, as autoridades judiciais davam seu
parecer, contando a história e falando do investigado na época dos fatos. Isso faz com que a
109 Informação retirada do site da Revista Época. MENDOÇA, Marta. A arte ajuda a vida. Época.
Edição 268 jul 03. Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT564295-1661,00.html>
Acessado em 3 dez. 2007. 110 COLEMAN. James William. A elite do crime: para entender o crime do colarinho branco.
Tradução de Denise R. Sales – Barueri, SP: Manole, 2005, 210. 111 Linha Direta é um programa da Rede Globo que simula crimes – em tese – cometidos por pessoas
hoje foragidas. Ademais, a série Linha Direta Justiça procura esclarecer como aconteceu alguns casos não tão
bem explicados na época dos fatos. Muitas pessoas procuram o programa na esperança de fazer justiça e
conseguir que o culpado/ suspeito de alguns delitos seja punido corretamente.
68
sociedade denuncie, o que acaba por interferir no curso do processo penal, mesmo com o
simples fato de instigar denúncias. Além disso, processos debatidos no programa poderiam ter
prioridade de solução pelo Judiciário. Como a população ajuda a cumprir mandados de prisão
(por meio de denúncias), graças à divulgação da imprensa, pode-se dizer que, nesses casos,
indiretamente a mídia interfere nas instituições jurídicas.
Muitos casos são levados ao Ministério Público por meio de notícias de jornais,
sendo estas, base de inquéritos policiais, que posteriormente se tornarão peça investigativa e
passível de punição.
Há, também, uma importância técnica do discurso da imprensa em relação ao Poder
Judiciário. A mídia tem a função de decodificar a linguagem jurídica, inacessível para grande
parte da sociedade, levando a ela o entendimento do que ocorre nos processos jurisdicionais.
Outra consequência da liberdade de expressão da imprensa é o pré-julgamento de
casos. A mídia, por negligência ou pela busca do furo jornalístico112
, já divulgou
erroneamente casos que envolvem a justiça. Muitos suspeitos são noticiados como culpados e
depois é provado que são inocentes. Baseado em seu discurso de justiça, a imprensa condena
indivíduos que, algumas vezes sem razão, tem sua honra manchada.
Uma decisão judicial pode modificar as vidas das pessoas, contribuindo para sua
integração ou marginalização sociais definitivas, e acarretar-lhes consequências
indeléveis. Neste sentido o poder de um juiz é imensurável, pois justa ou injusta a
discussão proferida pelo Poder Judiciário deve ser cumprida. Torna-se de vital
importância que seus membros sejam altamente qualificados e preparados. Não
basta que o juiz conheça as leis, mas é necessário que ele alie este conhecimento a
uma perspectiva social, histórica, cultural e moral ao decidir. 113
Tomando como base a linha de raciocínio de Barbosa (1984), não pode a imprensa,
arbitrariamente pré-julgar pessoas, modificando a vida delas. No entanto, o discurso da
112 No jornalismo, furo é o jargão utilizado para uma informação veiculada em determinado veículo
antes dos demais. É quando uma equipe jornalística apura uma notícia e a publica antes que os concorrentes
tenham acesso.
113
BARBOSA. Júlio César Tadeu. O que é justiça. São Paulo: Brasiliense, 1984. 4 ed. P; 56-58.
69
imprensa comete um abuso de poder. Além de interferir no papel de outra instituição, ela
divulga erroneamente casos que envolvem a justiça. No imaginário social, a imprensa
simplesmente noticiou um fato, sendo que nos casos em que ela pré-julga, a mídia cria
realidade que não condizem com a concepção de justiça adotada pelas instituições jurídicas e
nem pelo Estado Democrático.
Muitos erros no judiciário acontecem porque a mídia pressiona o Poder Judiciário e o
Estado para dar uma resposta para a sociedade. Este é o caso da Escola Base e do político
Alceni Guerra, já comentados no capítulo anterior.
A influência da imprensa no Judiciário é mundial. Para tomar como exemplo, cita-se
o caso da família Chamberlain, ocorrido na Austrália. Em agosto de 1980, a família
(composta pelo pai, mãe, dois filhos e uma filha de nove meses) foi passar as férias num
camping. O bebê desapareceu na madrugada e não foi encontrado, mesmo com a ajuda da
polícia.
A notícia se espalhou pelas cidades e começou a especulação sobre o sumiço da
menina. Os veículos de comunicação levantaram suspeitas sobre o casal Chamberlain,
insinuando que a mãe teria sacrificado a filha. O casal conversava com a imprensa,
tranquilamente, por considerarem que não eram culpados. Mas a mídia interpretou este fato
como culpa e as acusações em cima do casal aumentaram.
Depois da pressão provocada pela imprensa, um inquérito foi armado acusando a
mãe da garota de assassinato, sendo o marido cúmplice do crime. A mídia relacionou o nome
da menina desaparecida Azaria, que significava sacrifício num lugar deserto, e
categoricamente usou este fato para pré-julgar a mãe da garota.
Acredita-se, neste caso, que a pressão da imprensa foi a grande responsável por
condenar a mãe da garota a prisão perpétua e o pai a 18 meses de reclusão. Depois, com a
revisão do processo e uma nova prova (o achado de um casaco da garota na mata), ficou
70
provado que a menina foi devorada por um dingo (cão selvagem australiano) e não
assassinada pela mãe, que, após 42 meses presa, foi libertada.
Este caso, ocorrido na década de 80, demonstra a irresponsabilidade da imprensa e o
consequente erro na esfera jurídica.
A mídia pauta o que o Judiciário deve discutir, e pressiona para como deve julgar.
É crescente a expectativa do público pela Justiça, pelas causas da criminalidade
comum e, principalmente, por aquelas que envolvem a delinquência de inspiração
política. Há um certo gosto das pessoas pelos fatos clamorosos noticiados, que
envolvem suspense e provocam emoções no desfecho dos casos. Especialmente
porque, por intermédio da imprensa que se faz presente nos acontecimentos, a
sociedade interage, participando da decisão de punir ou não aqueles que transgridem
as leis.114 (VIEIRA, 2003, p. 60).
Quando a imprensa corretamente divulga os atos do Judiciário, ela passa uma
imagem tranquila da Justiça, gerando uma credibilidade pública. Caso contrário, a inexatidão
ao explicar os atos jurídicos, faz com que a Justiça perca legitimidade e torne-se
desacreditada.
É comum, também, os meios de comunicação noticiarem uma prisão temporária ou cautelar de uma determinada pessoa, elevando o provimento jurisdicional à categoria
de definitivo. Verificada a desnecessidade do arresto cautelar, a notícia da liberdade
do suspeito ou acusado gera na opinião pública uma descrença na efetividade da
Justiça. Daí, surgem os chamados “clichês”: “a polícia prende a Justiça solta”, “o
crime compensa”, “só pobre vai para a cadeia”, entre outros. Sem dizer, desde logo,
dos resultados da opinião pública, ameaçadores à dignidade do preso.115
A criminalidade, no imaginário social, está intrinsecamente ligada à ideia de crimes
cometidos nas ruas. A mídia dedica muito mais atenção aos crimes de rua. Assim, poucas
pessoas percebem que, por exemplo, os crimes do colarinho branco são mais onerosos para a
sociedade do que aqueles. Além disso, há outros fatores que matam milhares de pessoas por
ano, e sequer são percebidos. “O National Safety Council (Conselho de Segurança Nacional)
114
VIEIRA. Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p; 60. 115 Idem, p. 109.
71
dos EUA estima que 10 mil pessoas são mortas por ano em acidentes na indústria e outras 100
mil morrem de doenças provocadas pelo trabalho.”116
Coleman (2005) ainda demonstra que há outros tipos de criminalidade não muito
divulgados pela imprensa. Por exemplo, as empresas tabagistas ocultam os malefícios de seus
produtos, por meio de declarações fraudulentas. Além das mortes e doenças causadas por
poluição ambiental ilegal.”De modo semelhante, embora os delitos mais lesivos à sociedade
sejam aqueles praticados por indivíduos provenientes das classes sociais mais elevadas, o
alarme social e o medo da criminalidade estarão relacionados sempre ao que Baratta chama de
“estereótipo do criminoso”, presente no senso comum e que será fortemente sustentado pelos
meios de comunicação de massa.”117
.
Isto porque, a concepção de crime que a maioria da população tem, é criada pelo o
que é transmitido pela imprensa, que, por sua vez, dá muito mais destaque aos crimes de rua.
Tais como: homicídio, estupro e latrocínio.
Pode-se citar como causa da não divulgação de crimes cometidos por grandes
corporações a influência que elas exercem na mídia, tendo em conta que as empresas de
comunicação dependem de verbas de anúncio. Além disso, crimes empresariais, econômicos,
tributários ou de colarinho branco não têm um apelo sensacionalista.
Crimes violentos do colarinho branco, que deixam um número dramático de mortos
e feridos ou inválidos, geralmente despertam mais atenção, mas ainda assim a
imprensa tende a apresentá-los de uma forma que minimiza a responsabilidade da
empresa. O lançamento de uma enorme nuvem de gás tóxico pela Union Carbide em
Bhopal, na Índia, que matou mais de duas mil pessoas, foi consistentemente
caracterizado pela imprensa dos EUA como um desastre e não como um crime.118
116
COLEMAN. James William. A elite do crime: para entender o crime do colarinho branco.
Tradução de Denise R. Sales – Barueri, SP: Manole, 2005, p. 15 e 16. 117
MENDONÇA, Kléber. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro:
Quarter, 2002. p. 50. 118 COLEMAN. James William. A elite do crime: para entender o crime do colarinho branco.
Tradução de Denise R. Sales – Barueri, SP: Manole, 2005, p. 290.
72
Este discurso da imprensa faz com que o Poder Judiciário se ocupe mais com os
crimes aparentemente menores. Há uma preocupação em puni-los e mostrar a sociedade que o
Judicante faz seu papel. E, consequentemente, as instituições jurídicas adotam os crimes de
rua como prioridade para resolver, pois transmitem a imagem de que estão mantendo a
tranquilidade social.
Um exemplo disso é o fato da mídia ter grande envolvimento na aprovação da
primeira lei de iniciativa popular119
aprovada pelo Senado. A ação foi encabeçada pela
escritora e autora de novelas da Rede Globo Glória Perez, que teve sua filha assassinada em
1992, e teve ampla divulgação da mídia: mais de 1,3 milhão de assinaturas foram colhidas
para transformar o projeto em lei. Em setembro de 1994, foi sancionada a nova lei que
transformou o homicídio qualificado em crime hediondo.
Outro delito que passou a ser tipificado como crime hediondo, após a imprensa
pressionar indiretamente o governo, foi o de tortura. “A lei 9.455 foi sancionada no dia 7 de
abril de 1997, sete dias após a denúncia das torturas em Diadema pelo Jornal Nacional.” 120
Em relação a isso, pode-se dizer que a imprensa já foi responsável por determinar se
é justo ou não torturar. Por, talvez, entender que a tortura, na época da ditadura, era um meio
de obter informações a favor do Estado e, por existir censura, a imprensa não denunciava os
casos.
Em outra época, 1997, quando policiais torturam transeuntes, na favela naval, em
Diadema, a imprensa fez grande alarde. O que acarretou na inclusão da tortura como crime
hediondo.
A lei proíbe a tortura ou a agressão física como meio de extrair confissões de
suspeitos da prática de qualquer outro delito. É uma lei justa. A tortura, entretanto, é
uma prática comum, nos xadrezas da polícia, nos porões das delegacias e distritos e
119
Lei nº 8.930, de 06.09.1994 120
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a história faz notícia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004, p. 326;
73
também nas enxovias das penitenciárias. A extinção da tortura não se dará tão-
somente pela proibição legal, mas é necessário que o repúdio a ela se incorpore à
ética social, para que a lei seja eficazmente aplicada.121
Na linha de raciocínio de Barbosa (1984), cabe à imprensa divulgar os fatos e
pressionar os responsáveis para evitar que crimes aconteçam. Pois a ética social é moldada
pelos aparelhos ideológicos, em que se enquadra a mídia. No entanto, a imprensa muitas
vezes só divulga o que é de interesse dela e se esquece de noticiar assuntos que interessam a
todo um Estado Democrático, que conta com o uso da liberdade de expressão dos meios de
comunicação de massa para obter informações variadas.
Os costumes expostos pela imprensa são, por muitas vezes, adotados. E, no Estado
Democrático o discurso adotado pela imprensa implica na transformação de regras criadas e,
consequentemente, em uma outra interpretação dos fatos pelos juízes.
Pode-se pensar também que ao alterar as leis, muda-se também o que é tido como
justo. Por exemplo, no código civil de 1916 tinha-se o homem como cabeça do casal. Com o
tempo, isto passou a não ter sentido, tanto que a lei alterou este dispositivo. A imprensa tem o
papel de retratar a sociedade brasileira e demonstrar o que é justo ou não, segundo um padrão
histórico e um padrão dominante determinado por algumas ideologias.
E, ao refletir a vontade da sociedade, a imprensa interfere na instituição jurídica em
relação à interpretação do Judiciário de alguns casos. A mídia pressiona com o discurso de
que as medidas tomadas não são justas. Com isso, não raras vezes, o entendimento de
magistrados passa a ser outro, dando a resposta procurada pela sociedade, por meio da
imprensa.
121
BARBOSA. Júlio César Tadeu. O que é justiça. São Paulo: Brasiliense, 1984. 4 ed, p. 26.
74
6.1 COMO AS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS REAGEM AO DISCURSO DA IMPRENSA
As autoridades, que compõe as instituições, atingem todos os atores de um mundo
social e do Estado Democrático e, ao usar da própria liberdade de expressão pretendem
formular um consenso social geral. As instituições jurídicas são também responsáveis por
delinear o modo de vida e a identidade dos grupos. Além de serem responsáveis por decidir os
conflitos humanos e penalizar os responsáveis. E isto se dá pela substituição de conceitos por
meio de sanções.
Assim, a instituição jurídica encontra facilidade na hora de interpretar leis e julgar
fatos semelhantes. Ao adequar um grande número de pessoas em um mesmo perfil, a reação
do Poder Judiciário perante a sociedade acaba por ser geral a todos e, consequentemente,
aceita como justa.
A simples legislação também tem que ser vista como concretização de um sistema
de direitos que se configurou numa constituição. Por isso, tanto as regras morais,
como as leis jurídicas, são “gerais”, em pelo menos dois sentidos. Em primeiro
lugar, na medida em que se dirigem a muitos destinatários, não permitindo, pois,
exceções; em segundo lugar, porque excluem privilégios ou discriminações na
aplicação.122
Assim, as instituições criam conscientemente uma estrutura de diretrizes, capaz de
integrar a sociedade. Valores, normas e processos constituem mecanismos de integração
social que coordena as ações de um povo. E o exercício do Poder Judiciário é orientado e
legitimado pelas leis criadas pelos próprios cidadãos, numa formação de opinião e de vontade
geral, ou da maioria, representada por seus políticos.
Então o sistema jurídico, enquanto círculo recursivamente fechado de
comunicação, delimita-se auto-referencialmente em relação a seus
mundos circundantes, de tal modo que passa a desenvolver as suas
relações com exterior apenas através de observações. Em
compensação, ele descreve seus próprios componentes em categorias
jurídicas e aplica esta autotematização para constituir e reproduzir
122 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. v II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
Tradução Flávio Beno Siebeneichler, p; 194.
75
com meios próprios os atos jurídicos. O sistema jurídico torna-se
autônomo na medida em que seus componentes estão de tal maneira
entrelaçados entre si “que normas e ações jurídicas se produzem umas
às outras e que os procedimentos e a dogmática relacionam por seu
turno essas relações.123
.
O Poder Judiciário não constroi apenas sua própria imagem, como delineia o mundo
exterior. Assim, há uma influência das instituições jurídicas no modo de vida de toda uma
sociedade, baseado no ideal de justiça que este ente possui. Esta moldura difundida pelas
instituições jurídicas acontece em diferentes esferas públicas e épocas históricas, que
perpetuam o mesmo conceito adotado para outros indivíduos socializados.
Além disso, toda a mudança que ocorre em uma sociedade é resultado de uma
formação construtiva da opinião e da vontade circulante na esfera pública em que estão
inseridas. E o fato de vivermos em um Estado Democrático de Direito permite estas
modificações de conceitos em prol do bem comum.
Os meios de comunicação de massa fazem com que o Poder Judiciário necessite de
mudanças. Muitas reportagens, artigos, pesquisas de opinião, editorais divulgam esta visão do
judiciário (informação retirada de reportagens consultadas no livro O Poder Judiciário, os
Meios de Comounicação e a Opinião Pública). O resultado da atuação da imprensa é a
aproximação dos cidadãos à, antes, intocável instituição judiciária. A mídia faz com que a
população exerça seu direito de conhecer as decisões judiciais e a atuação do Poder Judicante,
podendo exercer um controle democrático em um Poder fundamental para a estrutura
organizacional do país.
Na sociedade moderna são os meios de comunicação de massa que auxiliam o Poder
Judiciário no mister de tornar públicos seus atos e, em consequência, permitem a
eficácia, a garantia do direito do cidadão de ser informado sobre aqueles. Essa
importante tarefa da imprensa está ligada a uma necessidade política fundamental,
mais do que nunca nos tempos atuais: de que a justiça se aproxime da sociedade, afastando-se do isolamento político e social.124
123 Idem, p. 73. 124 VIEIRA. Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p.61.
76
A influência exercida pela imprensa em relação a crimes violentos gera um pânico
social. E muitas pessoas, ao invés de procurar as instituições jurídicas para garantir seus
direitos, procuram a mídia para responder aos medos sociais, dar respostas e voz a sociedade.
E fornece vários exemplos, entre os quais a Lei dos Crimes Hediondos,
consequência da mobilização produzida pelo noticiário em torno do sequestro de figuras importantes da elite econômica e social do país (casos Martinez, Salles,
Diniz, Medina, etc.), até então a salvo da ação de delinquentes. “Foi tal a pressão
exercida pelos meios de comunicação social, tal foi o nível de medo transmitido, que
pessoas componentes de classes sociais desfavorecidas passaram a temer a
possibilidade de serem vítimas daquele delito125” 126
Estes fatos, como outros já apresentados no decorrer desta pesquisa, são respostas
das instituições à pressão social. Após a divulgação da imprensa, ações são tomadas para
acalmar a sociedade aterrorizada pelo o que viu na mídia. “A grande imprensa adota uma
única estratégia discursiva, voltada para o apelo à adoção de políticas repressivas na área da
segurança pública e, por extensão, para um controle mais rigoroso dos marginalizados.”127
A
mídia cria a sensação de medo que é responsável por gerar atitudes das instituições jurídicas
em combate a ela.
Na atual sociedade moderna, as decisões repercutidas nos tribunais devem ter um
alcance em toda a esfera pública para que seja possível controlar os atos das instituições. O
Poder Judiciário tem interesse de divulgar seus atos para mostrar a eficácia de sua instituição.
“Não basta que se faça justiça: é preciso que se veja que está sendo feita justiça.”128
O mundo jurídico também se apropria do discurso da imprensa. Utilizam-se os
recursos de mídia para produzir situações artificiais, visando resolver conflitos políticos e
125 Alberto Silva Franco. “As perspectivas do direito penal por volta de 2010”, in Discursos
Sediciosos – crime, direito e sociedade, ano 5, no 9-10. Freitas Bastos/Instituto Carioca de Criminologia, 1o e 2º
semestres de 2000, p. 63. 126 MORETZSOHN, Sylvia. Imprensa e criminologia: O papel do jornalismo nas políticas de exclusão
social. www.bocc.ubi.pt. 2003 127 Idem. 128
MOREIRA apud VIEIRA. Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 103
77
econômicos. As autoridades utilizam a liberdade de expressão da imprensa como porta-voz de
suas ações.
A mídia tem o papel de fazer com que a comunidade entenda os fatos criminosos
para contribuir com a redução deles. A imprensa difunde delitos que ferem interesses comuns,
pois há um interesse popular em conhecer tais fatos. Além disso, esta compreensão do que é
certo e errado ajuda a manter o andamento do Estado. Tanto que na divulgação de crimes, há
uma exploração da família, amigos e local da atividade do incriminado, para aproximar o
modelo de vida do criminoso ao da grande população, demonstrando que todos que
praticarem o mesmo delito são passíveis de punição.
Não se olvide, também, que, por meio da informação acerca dos delitos, o público
poderá exercer a faculdade de opinar sobre os desvalores sociais puníveis e controlar
a reação do poder estatal na punição dos transgressores da ordem pré-constituída,
mediante o processo penal. É por intermédio da publicidade do relato dos atos
judiciais, pela imprensa, que o público toma conhecimento das leis. Essa é uma das
razões pelas quais a mídia, segundo Binder, contribui na prevenção geral da
criminalidade, que é impensável sem a ampla publicidade dos processos criminais,
já que tal prevenção não se cumpre pela mera edição de Códigos Penais – que os
cidadãos comuns não lêem – senão pelas decisões judiciais nas quais são utilizados
os textos normativos legais que o público pode perceber se existir publicidade.129
Além disso, as instituições jurídicas, por deterem poder, têm a capacidade de
influenciar em outras esferas que tomam decisões. Há uma pressão constante e entrecruzada
entre diferentes aparelhos ideológicos, que influenciam as massas e a opinião pública em seu
favor. O agir comunicativo de diferentes camadas da esfera pública influenciam-se
mutuamente.
A disposição sobre o poder social abre a chance de influenciar no processo político,
o qual consegue precedência para interesses próprios, para além do espaço dos direitos de igualdade dos cidadãos. Através deste modo interventor, empresas,
organizações e associações conseguem, por exemplo, transformar o seu poder social
em político, seja diretamente, através da influência na administração, ou
indiretamente, através de intervenções e manobras na esfera pública política.130
129 Idem p. 104 e 105. 130 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. v II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
Tradução Flávio Beno Siebeneichler, p. 219.
78
Cabe dizer que as instituições jurídicas sempre tiveram condições de influenciar um
grande número de pessoas, por terem grande credibilidade e a imagem de defensora da
justiça, como uma função já estabelecida. No entanto, pesquisas recentes demonstram que a
sociedade não está satisfeita com a representação do Poder Judiciário.
Um detalhe que não se pode deixar de abordar, é a procura pelos meios de
comunicação como meio de fazer justiça. Ao ampliarmos nossa pesquisa verificamos que a
maioria da população não acredita no Judiciário. Conforme informações publicada pela
Datafolha em 1998 (anexo 6), a Instituição Imprensa têm 69% de prestígio, enquanto o
Judiciário têm 38%.
Na reportagem do dia 11/11/1998 do Jornal do Commercio, publicada no livro O
Poder Judiciário, os meios de comunicação e Opinião Pública, foi veiculada uma pesquisa
feita pela empresa paulista de publicidade Grottera e Associados. A pesquisa ocorreu nas
cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo e constatou que os meios de comunicação de massa
são considerados mais eficientes do que o Poder Judiciário. “54% dos entrevistados acreditam
que a eficiência da Justiça é praticamente nenhuma; 84% acreditam que a mídia é um
instrumento de Justiça mais eficiente que o Judiciário... e 86% acham que o Brasil é o país da
impunidade.”131
Outra pesquisa feita pela Datafolha em 2001 (anexo 7) comprova que os meios de
comunicação têm mais credibilidade do que a Instituição do Judiciário. Enquanto 45% dos
entrevistados pela pesquisa acreditam nos Jornais, apenas 14% acreditam no Poder Judiciário.
A pesquisa "Nossa Casa" realizada pela empresa Vetor Pesquisas, no projeto Nossa
Casa 2009 (anexo 8), demonstra que a imprensa tem mais credibilidade do que o Poder
Judiciário e o Ministério Público. Enquanto a imprensa nacional, em 2009, atingiu 80,5% de
131
MACCALÓZ, Salete Maria Polita. O Poder Judiciário, os Meios de Comunicação e Opinião
Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 41.
79
grau de confiabilidade e a imprensa local obteve 79,4%, o Ministério Público alcançou 70,8%
seguido do Poder judiciário com 70% de confiabilidade.
Outra pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros chamada de
Barômetro de confiança nas Instituições Brasileiras (anexo 9), realizada em junho de 2008,
ouviu 1500 entrevistados no final do primeiro semestre de 2008 e revelou que a imprensa tem
mais credibilidade do que o Poder Judiciário.
A pesquisa computou como saldo de confiança da imprensa + 25 pontos, enquanto o
Poder Judiciário/ Justiça (assim definido na pesquisa) obteve + 19 pontos. A mesma pesquisa
também revela (anexo 10) que a imprensa teve uma avaliação mais positiva do que o Poder
Judiciário.
Estas pesquisas demonstram a baixa credibilidade do judiciário, que tenta reconstruir
sua imagem de justo e eficaz, legitimando o papel simbólico de ser eficaz e representar a
justiça. E, a mídia acaba por assumir o papel que é inerente do Judiciário. A imprensa é
responsável por investigar fatos – função inerente a órgãos ligados ao judicante, e pressionar
as instituições jurídicas para que seja feita a esperada justiça. Além disso, a mídia tem o papel
de informar os cidadãos pra que eles busquem exercer a cidadania.
Se considerarmos as coisas pelo lado empírico, constataremos que há várias
instituições envolvidas nessa produção e reprodução do direito em sociedades como
a nossa, que preenchem simultânea e respectivamente várias funções.(...) A função
da aplicação de leis não é assumida apenas por instâncias da jurisdição no horizonte
da dogmática jurídica e da esfera pública jurídica, mas também, implicitamente, por
administrações. A função da execução das leis é exercida pelo governo e pela
administração, indiretamente também por tribunais. 132
Outra grande consequência do discurso da imprensa no Poder Judiciário é que, com a
falta de credibilidade que este órgão têm, as pessoas buscam fazer justiça com as próprias
mãos. Além disso, há ainda outra modalidade de justiça, além da formal e objetiva, que o
132
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. v II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
Tradução Flávio Beno Siebeneichler, p. 243.
80
sistema judiciário não admite. É o caso da justiça das favelas, dominada pelo tráfico. Nesses
locais, há outro modo de resolver os conflitos interpessoais dos moradores.
Não se trata aqui das execuções sumárias ou vinganças, mas a (inter)mediação
desses marginais nos conflitos interpessoais dos moradores quando interferem em
problemas de locação, moradia, assuntos de família, dívidas, maus-tratos etc. Um
exemplo: o locador que não paga os aluguéis à velha senhora, que aluga uma parte
de seu barraco e depende disso para sobreviver. Ela se queixa ao chefe do tráfico.
Ele manda chamar o inquilino e lhe faz uma única advertência (provavelmente uma
ameaça de morte, ou uma surra). É o bastante, segundo os depoimentos locais, para
não atrasar os pagamentos. É o poder da força da violência, contraditoriamente
exercido entre pessoas da mesma condição socioeconômica.133
Esta situação é ilegal. No entanto, ninguém denuncia formalmente às autoridades,
pois para os moradores, este é o método que eles encontraram para resolver os conflitos de
uma forma célere e eficaz. A legitimidade desta justiça esta na aceitação popular,
proporcionado pela divulgação da imprensa. E a justiça formal finge que este sistema não
existe. No entendimento de Maccalóz (2002), isso ocorre porque a justiça formal não tem
interesse em desmontar este sistema. “Quando ela deixa acontecer outras modalidades de
justiça, não se trata de uma falha de seu modelo, mas de um interesse momentâneo e
localizado.”134
As instituições jurídicas, como qualquer ente da mesma espécie, visam alcançar
alguns objetivos globais, agindo nos campos de interação e direcionando a trajetória de
indivíduos. No entanto, esta instituição tem uma grande força de imposição.
Mesmo assim, o mundo jurídico não fica inerte às pressões de outras instituições.
Assim, a pressão gerada pela imprensa interfere no discurso ideológico do Judicante. Nesta
linha de raciocínio, Marcio Thomas Bastos disse à Revista Imprensa: “A pressão que a
imprensa exerce é tão grande que não possibilita defesa. Já estive do outro lado e sei o quanto
ajuda ter a imprensa do seu lado. Trabalhar contra o que diz a imprensa não é nada fácil.
133
MACCALÓZ, Salete Maria Polita. O Poder Judiciário, os Meios de Comunicação e Opinião
Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 105.
134 Idem.
81
Além do mais, as notícias acabam por influenciar muito os juízes, os tribunais e o júri
popular.”135
Não são apenas os leitores que dão grande credibilidade à imprensa. A verdade
absoluta divulgada pela mídia, muitas vezes, é adotada pelas instituições jurídicas.
A interferência da opinião pública – estabelecida pela imprensa – no processo de
decisão do juiz pode gerar injustiças, pois o senso de justo criado no imaginário social reflete
em uma pressão popular capaz de tendenciar decisões do judicante. Isto geralmente ocorre em
casos de grande repercussão da imprensa.
Popularidade não é, nem deve ser, requisito da sentença judicial. No dia em que o
Poder Judiciário ser curvar a qualquer tipo de pressão, ainda que seja de opinião
pública, nós corremos o risco de ver muitas injustiças”, alerta Eduardo Muylaert
Antunes, advogado criminalista. Alberto Zacharias Toron, também advogado
criminalista, diz que a ideia de fazer justiça está ancorada no bom senso, na lei e na
serenidade. Não envolve emoções. “O juiz tem de ficar a salvo de pressões, sejam
elas quais forem. Não pode abrir mão da serenidade. Isso é difícil, mas é quase um
pressuposto para ser justo.136
Não é possível mensurar qual seria a reação do Poder Judiciário sem a interferência
da imprensa, pois não há como averiguar os fatos que ocorrerem espontaneamente ou os que
são provocados pela mídia. O fato é que, pelos exemplos trazidos, não são raras as situações
em que a ideia de justiça dos membros do Poder Judiciário é construída a partir do que se
noticia nos meios de comunicação.
135(Revista da Imprensa, Maio de 1998, p.26. 136
Folha de S. Paulo, 16/10/1996 APUD MACCALÓZ, Salete Maria Polita. O Poder Judiciário, os
Meios de Comunicação e Opinião Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 102
82
CONCLUSÃO
O Estado Democrático de Direito deve ser uma organização com preceitos liberais,
limitado por normas e fundado nos princípios da soberania popular. A liberdade de expressão,
garantida constitucionalmente, é fundamental para o exercício de um Estado Democrático de
Direito. Por isso, ela deve ser respeitada, assim como outras garantias e direitos fundamentais
constitucionalmente previstos.
Acreditando na importância do exercício da liberdade de expressão, muitos
militantes lutaram por um Estado Democrático, entendendo que esta garantia era essencial
para manutenção e fiscalização de uma sociedade com justiça social.
Tendo em vista que a liberdade de expressão é um direito fundamental e amplamente
protegido, via de regra, não pode existir censura. No entanto, quanto há o conflito entre a
liberdade de expressão e outros direitos fundamentais, como direitos personalíssimos, não há
julgamento pacífico sobre qual destas garantias é a mais importante e deve prevalecer, sendo
necessário avaliar cada caso separadamente.
Relembra-se que no Estado Democrático de Direito está diretamente relacionado à
realização da justiça social. Por isso, faz-se necessário estabelecer o que é justo para a
sociedade, geralmente por meio de normas e regras e determinam as condutas que devem ser
adotadas pelos indivíduos. Na luta, individual ou coletiva, por uma sociedade justa, é
imprescindível difundir na esfera pública o senso de justiça. Nota-se que cada indivíduo tenta
difundir uma concepção de justiça em que se acredita. Com a imprensa isso não é diferente.
Os meios de comunicação de massa tentam, através da liberdade de imprensa, divulgar o que
acham correto para manter a ordem social e o Estado Democrático de Direito.
Como demonstramos no decorrer do trabalho, a concepção de justiça da sociedade
modifica-se de tempos em tempos, conforme o contexto político, histórico e social. “Cada
83
época histórica tem a sua imagem ou a sua ideia de justiça, dependente da escala da valores
dominante nas respectivas sociedades, mas nenhuma delas é toda a justiça, assim como a mais
justa das sentenças não exaure as virtualidades todas do justo”.137
O uso da liberdade de expressão da mídia exerce uma influência indiscutível na
formação cultural dos indivíduos e, consequentemente, interfere no Estado Democrático de
Direito, pois a imprensa é um veículo de comunicação presente em todas as camadas sociais.
Os conceitos difundidos pela mídia são responsáveis por moldar a opinião pública e conceitos
circulantes na sociedade.
Expomos brevemente no decorrer do trabalho situações em que a liberdade de
expressão conduziu a opinião pública e interferiu no Poder Judiciário e, fundada na soberania
popular do Estado Democrático de Direito, causou mudanças em leis, investigações e
histórias de vida.
As pessoas tendem a julgar membros de outra cultura por seus próprios padrões. O
estereótipo de certo e errado advém de referenciais que cada indivíduo constroi no decorrer da
vida e que se baseiam, predominantemente, em mediações culturais presentes na família, no
ambiente de trabalho, na formação religiosa e educacional e nos grupos em que estão
inseridos, por meio da liberdade de expressão, manifestação de pensamento e debates
ocorridos na esfera pública. Essas influências também são entrecruzadas e ressonantes com o
que é ditado pela mídia, o que não permite distanciar o papel dos meios de comunicação com
os padrões de justiça que cada indivíduo tem.
Mesmo sem exercer uma influência determinante em mudar o pensamento da
sociedade, a imprensa, por muitas vezes, revela a opinião pública e os debates de uma esfera
pública, representando a soberania popular.
137 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25.ed. -. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 377
84
Ressalta-se que a imprensa tem que cumprir seu papel de informar, sem se apropriar
da função de outras instituições que compõe o Estado Democrático.
Percebe-se que a imprensa pressiona o Estado e força os cidadãos a tomar uma
atitude, mobilizando o juízo crítico e formando conceitos. A opinião pública se transforma
num poder comunicativo (por meio de processos democráticos) capaz de direcionar o poder
administrativo e estatal. A sociedade também pressiona as autoridades que devem dar uma
resposta à população. Muitas vezes, um suspeito é preso sem necessidade para demonstrar que
algo está sendo feito para preservar a sociedade. Assim, o Poder Judiciário apenas cumpre a
vontade da coletividade, que é intermediada pelos meios de comunicação de massa.
A imprensa não apenas exterioriza a opinião pública, como é responsável por
construí-la. Assim, os meios de comunicação social são responsáveis também por estabelecer
uma linha de justiça adotada pela sociedade. Por sua vez, o conceito de justo difundido pela
mídia pode interferir na concepção de justiça praticada pelo Estado Democrático.
Como vimos em dados de pesquisa, as pessoas acreditam mais nos meios de
comunicação de massa do que no Poder Judiciário. Isto faz com os indivíduos busquem a
realização do seu direito, quesito importando do Estado Democrático, pela imprensa, que
intermedia o acesso ao Judicante. A sociedade procura a imprensa para alcançar um direito
que deveria ser assegurado pelo Estado.
Há a ideia da constante influência dos meios de comunicação de massa, que tem o
seu exercício respaldado na liberdade de imprensa. Em anexo (anexo 10) a este trabalho,
trazemos dois estudos de caso – ainda não publicados – que ilustram também as
consequencias da liberdade de expressão da imprensa em nosso Estado Democrático de
Direito.
85
A influência da mídia na sociedade democrática, inegavelmente, está presente em
nosso cotidiano. Porém, não é possível saber com exatidão o grau de interferência que os
meios de comunicação de massa exercem na sociedade e no Estado Democrático.
.
86
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ANEXOS
ANEXO 1 –
ATA DA REUNIÃO – DECLARAÇÃO DE CURITIBA
VII CONFERÊNCIA NACIONAL
ATA DA REUNIÃO – DECLARAÇÃO DE CURITIBA – VII CONFERÊNCIA NACIONAL Os advogados brasileiros, presentes e representados na VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados, ao reiterarem sua unidade e coesão, trazem sua palavra ao povo, ao qual pertencem e devem conta de suas preocupações e de sua conduta pública. Armados da palavra e da razão, sentem-se credenciados, ainda uma vez dentro da sombra autoritária que envolve o país, a expressar mensagem de esperança e de liberdade, clamando pelo estado de direito democrático. 0 Estado democrático é a única ordem que pode proporcionar as condições indispensáveis à existência do verdadeiro estado de direito, onde liberdade-autonomia cede lugar à liberdade-participação que pressupõe princípios pertinentes ao núcleo das decisões políticas e a sua legitimidade institucional. Para isso não basta o voto consentido, pois só ele não constitui a essência da democracia, ao contrário: é a própria democracia que dá conteúdo de participação ao direito de voto. Expressão de ato político e democrático, e vontade que este representa, exige processo normativo integrado, desde a organização pluripartidária - representativa das várias correntes de opinião pública - às garantias da livre manifestação do pensamento, incluindo o direito de crítica ás instituições. As restrições à liberdade somente se tornam legítimas na medida em que visem à preservação do interesse coletivo --respeitado o limite infranqueável da dignidade da pessoa. O controle judicial, por tribunais dotados das garantias da Magistratura, cuidará de remediar qualquer lesão ou ameaça de lesão à liberdade, síntese dos direitos humanos. Os direitos fundamentais não podem sofrer agravo de grupos ou entidades privadas, e, com maior razão, não devem sofrer agravo ao abrigo das agressões que decorram das autoridades constituídas, cujo dever, primeiro será o de amparar o livre desenvolvimento daqueles direitos. Se o contrário fosse admissível, reconhecer-se-ia o absurdo da subversão da ordem pelos seus próprios agentes. Essas agressões à dignidade das pessoas não se justificam; ainda quando se dissimulam debaixo do pretexto de segurança nacional. No estado de direito, a segurança nacional constitui meio de garantir as liberdades públicas. Protege-se o Estado, para que este possa garantir os direitos individuais. A legitimidade da incriminação de atentados à segurança nacional repousa no princípio de que só pelos meios jurídicos podem ser alteradas as instituições estabelecidas pelo povo, através de representantes livremente escolhidos. Para que a segurança nacional se enquadre no estado de direito, garantindo a inviolabilidade dos direitos do homem, o crime pode ser defendido mediante a tipicidade de fatos externos, ofensivos a bens ou interesses jurídicos. O ilícito penal não compreende, a título de ilícito político, restrições a idéias dissidentes do regime, nem no mero exercício de meios para formá-la. Não haverá o estado de direito nem segurança nacional democraticamente entendidos, sem a plenitude do habeas corpus que assegure a primeira das liberdades e base de todas as outras - a liberdade física - em regime que consagre a inviolabilidade e a independência dos juízes. O habeas corpus, cuja substância está na inteireza, consagra cinco séculos de nossa herança luso-brasileira, herança jurídica, política e moral, que devemos resguardar e transmitir a outras gerações. No estado de direito as garantias institucionais decorrem da partilha das funções do Estado entre vários Poderes, de modo que um não amesquinhe nem anule os outros, mas todos se limitem mutuamente, em sistemas de fiscalização e controle recíprocos. A vigência do AI-5 faz reinar no Brasil uma situação de excepcionalidade, a mais longa da
História brasileira, tradicionalmente ferida de temporários colapsos da liberdade. Declaramos, todavia, que a simples revogação do AI-5 não restauraria, por si só, o estado de direito, diante da realidade que a vigente Constituição não forma estrutura política democrática. Não se negará, dentro do estado de direito, a legitimidade de instrumentos que o defendam, ao tempo e na justa medida que defendam a liberdade dos cidadãos. No caso de grave perturbação da ordem e na eventualidade de guerra externa, dispõe a tradição do Direito brasileiro no instituto do estado de sítio, sem que na sua regulamentação se insinue o arbítrio e a irresponsabilidade. A nação se resguarda pela ação conjunta dos três Poderes e, nunca, pela usurpação de um às atribuições dos outros, em velada suspeita da incapacidade destes. Essa a instância máxima das restrições que possam ser impostas ao exercício dos poderes e aos direitos fundamentais. Se o Governo deve contar com meios prontos e eficazes para debelar situações excepcionais, serão os estritamente necessários e suficientes, respondendo pelos abusos ou excessos que cometer, quer pela via política, administrativa ou judicial. No estado de direito, a defesa das instituições não legitimaria exclusões, ostensivas ou dissimuladas, da efetiva participação política e social do povo. Cumpre, para suprimir obstáculos arbitrariamente criados, rever a legislação trabalhista do país, de nítida inspiração autoritária, ao ponto de alguns de seus dispositivos violarem a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sem liberdade sindical não pode existir um verdadeiro e autêntico direito coletivo de trabalho, que encontra nos Sindicados seus sujeitos de direito e seus agentes dinâmicos. Sem liberdade sindical não há democracia possível, não há estado de direito. Só o estado de direito reconhece os conflitos, legitima-os e os supera. Os direitos políticos, longe de obstarem os direitos sociais, constituem a única via pacífica para a sua obtenção e o seu exercício. Direitos sociais e direitos políticos são o conteúdo do estado de direito, que, por ser um Estado ético, repele a idéia da injustiça, situada nas desigualdades decorrentes da excessiva riqueza de uns, da extrema miséria da maioria. Uma política fiscal justa e eficiente há de atenuar isenta de arbítrio, com a criação de tributos, seu aumento e discriminação por atos que atenda ao consentimento popular e às normas constitucionais. Para sua honra, os advogados debatem e estudam a realidade nacional, com a inteligência, o equilíbrio e o senso de responsabilidade que historicamente lhes reconhecem os brasileiros. Identificam no autoritarismo o principal desvio ao livre desenvolvimento da vida jurídica, política e social do país. Situam na liberdade de participação a maior preocupação dos seus estudos, participação cuja amplitude exige a participação nacional, que lance o esquecimento sobre os ódios do passado. A anistia, embora não leve, por si só, ao estado de direito, clamor de consciência jurídica do país, não é reivindicação exclusiva de classes ou grupos, mas constitui o necessário pacto de convivência de todos os brasileiros. As promessas governamentais, para que atendam aos reclamos da opinião pública, devem converter-se em ação, com brevidade, em favor da paz e da concórdia de todos os brasileiros. Curitiba, 12 de maio de 1978. Anais da VII Conferência Nacional da OAB Curitiba, 1978
ANEXO 2 –
INVESTIGAÇÃO DE DOIS ANOS
GAZETA DO POVO ONLINE
ANEXO 3 –
NOTA À IMPRENSA – CASO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
NOTA À IMPRENSA - CASO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA Nos últimos dias, a Rede Paranaense de Comunicação (TV Paranaense e Jornal Gazeta do Povo) passou a divulgar uma série de reportagens intitulada “Diários Secretos da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná”, na qual relata casos, em tese, ilícitos que acontecem no âmbito do Poder Legislativo Estadual. Sendo o Ministério Público instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, tendo dentre suas funções a defesa do patrimônio público, a Procuradoria-Geral de Justiça, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Proteção ao Patrimônio Público e a Promotoria de Justiça Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba consideram ter o dever de prestar à população paranaense os seguintes esclarecimentos. 1) Reafirmar que o Ministério Público do Estado do Paraná encontra-se atento aos fatos noticiados e tomará todas as providências inerentes às suas atribuições constitucionais e legais, não só para o completo esclarecimento de todas as situações, como para pleitear, administrativa e/ou judicialmente, as correções e punições que se fizerem necessárias. Desta maneira, foi desde logo solicitado à RPC cópia integral das reportagens para instruir as investigações em curso ou, se for o caso, instaurar novos procedimentos. 2) Informar que embora as reportagens veiculem informações extremamente valiosas, parte delas era do conhecimento do Ministério Público e estavam sendo devidamente apuradas. Já havia no âmbito da Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público investigações destinadas a apurar notícias de ilícitos relacionados à administração da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, inclusive os relativos ao caso de Jermina Maria Leal da Silva. A situação de Vanilda Leal será investigada no mesmo inquérito civil. 3) Em relação aos fatos imputados pelas reportagens ao atual Diretor-Geral da Assembléia Legislativa, Abib Miguel, e a várias pessoas ligadas a ele que receberiam remuneração sem trabalhar, foi instaurado na data de hoje, 17 de março de 2010, inquérito civil para averiguação completa das situações. 4) Tendo em vista as notícias de falta de publicidade e existência de diários secretos, a Procuradoria-Geral de Justiça requisitou cópia de todos Diários da Assembléia Legislativa. 5) Não obstante inúmeras dificuldades, inclusive quanto a obtenção de documentos, as investigações referidas sempre foram priorizadas e estão em andamento, muitas delas contemplam pedidos judiciais de quebra de sigilos bancário e fiscal. No total, a Promotoria tem em andamento cerca de 240 investigações referentes a notícias de irregularidades na Assembleia Legislativa do Paraná. 6) O Ministério Público do Estado do Paraná, somente no âmbito da Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba, já ajuizou 12 ações civis públicas e cinco ações penais envolvendo ilícitos relacionados à Assembleia Legislativa do Paraná (ver relação abaixo). 7) A Procuradoria-Geral de Justiça encaminhou em dezembro de 2009 recomendação administrativa ao Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, no sentido de conferir maior publicidade aos Diários Oficiais, bem como para a realização de recadastramento de seus servidores, conforme, aliás, já atendido no Ato do Presidente nº 001/2010, de 10 de março de 2010. Portanto, ao tempo em que se parabeniza a RPC pela excelência das matérias jornalísticas, demonstrando que a democracia e a liberdade de imprensa são vitais para o Estado Democrático de Direito e a defesa do patrimônio público, sob o
especial enfoque de combate à corrupção; reafirma-se a convicção de que as necessárias correções de rumo serão realizadas pela Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, garantindo, para o futuro, maior transparência ao Poder Legislativo. Tal fato, no entanto, não significa a remissão dos ilícitos praticados no passado. Assim, a responsabilização de seus autores será objeto de especial e rigorosa atuação do Ministério Público do Estado do Paraná. Olympio de Sá Sotto Maior Neto Procurador-Geral de Justiça Arion Rolim Pereira Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção ao Patrimônio Público Paulo Ovídio dos Santos Lima Promotor de Justiça Cláudio Smirne Diniz Promotor de Justiça Adriana Vanessa Rabelo Câmara Promotora de Justiça Danielle Gonçalves Thomé Promotora de Justiça Odoné Serrano Junior Promotor de Justiça Walber Alexadre de Souza Promotor de Justiça Curitiba – 17 de março de 2010 Relação de ações referentes à ALEP : 1ª Vara Criminal nº 1.530-2/2007; 4ª Vara Criminal nº 14672-7/2008 5ª Vara Criminal nº 16197-0/2007; 7ª Vara Criminal nº 16025-6/2007;
11ª Vara Criminal nº 1.382-2/2007; 1ª Vara da Fazenda nº 3.228/2003; 1ª Vara da Fazenda nº 3.645/2007; 1ª Vara da Fazenda nº 1.828/2008; 2ª Vara da Fazenda nº 601/2003; 2ª Vara da Fazenda nº 125/2007; 2ª Vara da Fazenda nº 302/2008; 3ª Vara da Fazenda nº 32.956/2007; 3ª Vara da Fazenda nº 32.983/2007; 4ª Vara da Fazenda nº 38.049/2001; 4ª Vara da Fazenda nº 39.851/2002; 4ª Vara da Fazenda nº 40.529/2003; 4ª Vara da Fazenda nº 47.996/2007;
ANEXO 4 –
BARÔMETRO AMB DE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
MEIOS DE INFORMAÇÃO
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ANEXO 5 –
BARÔMETRO AMB DE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
RECALL DE NOTÍCIAS SOBRE O JUDICIÁRIO
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ANEXO 6 –
“TRABALHANDO A IMAGEM DO JUDICIÁRIO – 1998
PESQUISA DATAFOLHA
ANEXO 7 –
“CREDIBILIDADE DA MÍDIA (ANO – 2001)” – 2001
PESQUISA DATAFOLHA
ANEXO 8 –
NOSSA CASA
GRAUD DE CONFIABILIDADE
VETOR PESQUISAS
ANEXO 9 –
BARÔMETRO AMB DE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
RANKING DE CONFIANÇA (NACIONAL)
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ANEXO 10 –
BARÔMETRO AMB DE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
AVALIAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ANEXO 11 – ESTUDOS DE CASO
ESTUDOS DE CASO
Para ilustrar o presente trabalho, recorremos a dois estudos de caso, com diferentes
metodologias, que ilustram as consequencias da liberdade de expressão da imprensa em nosso
Estado Democrático de Direito. Retiramos as referências da pesquisa, ainda não publicadas,
para evitar qualquer identificação do autor.
Na primeira análise tentamos avaliar se a liberdade de expressão, exercida pela
mídia, interfere nas decisões proferidas pelo júri popular, consequentemente, na manutenção
do Estado Democrático de Direito. No segundo trabalho, optamos por outra metodologia e
tentamos analisar qual a concepção de justiça emitida pela mídia e as possíveis consequencias
desta interferência da liberdade de expressão no Estado Democrático.
Não iremos expor detalhadamente a metodologia e as falas dos entrevistados, pois o
objetivo de incluir estas duas pesquisas é ilustrar, na prática, qual a consequência do uso da
liberdade de expressão da mídia na sociedade democrática.
8.1 CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA EMITIDA PELA IMPRENSA
Esta pesquisa, que vamos chamar de análise de concepção de justiça emitida pela
imprensa, vamos estudar como a liberdade de expressão usada pela imprensa interfere em
outras instituições e em nosso Estado Democrático. Para isso, escolhemos analisar um
programa de televisão que, em seu conteúdo, diretamente falava sobre justiça e sobre o Poder
Judiciário. O objeto de análise foi o programa Linha Direta, transmitido pela Rede Globo.
8.1.1 A televisão e o programa Linha Direta
A televisão faz parte da rotina de milhões de brasileiros que se informam e se
entretêm por meio dela. Por isso, este meio de transmitir a informação, onde a liberdade de
expressão é amplamente exercida, é um bom objeto de estudo. Além disso, a televisão é um
meio de comunicação de massa que propaga conceitos na esfera pública e no Estado
Democrático.
Inserido neste contexto, esta mídia deveria se voltar à relevância social, visto que
deve servir aos interesses da sociedade. Destina-se a radiodifusão ao entretenimento e à
informação do público em geral, assim como à prestação de serviços culturais e educacionais.
A radiodifusão defenderá a forma democrática de governo e, especialmente, a liberdade de
imprensa e de expressão do pensamento (BARBEIRO e LIMA, 2002, p. 155).
Além da função social ditada pelas normas vigentes no país, cabe também aos
programas de televisão proporcionar e realizar outro direito inerente ao cidadão: o direito à
informação. “A televisão, além de ser um meio de entretenimento, tem grande parte na
responsabilidade de servir como provedora de informações adequadas, que permitam ao
telespectador compreensão e participação efetivas. Essas poderão se perder em meio a uma
confusão de imagens, sons e tecnologias” (VEIGA, 2002, p. 37).
Como foi visto em capítulos anteriores, o direito à informação é um direito
fundamental. E, baseado neste princípio, podem as emissoras de televisão expressar suas
opiniões e transmitir informações a fim, também, de proporcionar à população o exercício do
direito de se informar. E, ainda, o acesso à informação pública é um direito inerente à
condição de vida em sociedade e em um Estado Democrático de Direito, e deve ser exercido
independentemente de outros interesses.
A televisão é um suporte da vida pós-moderna. A dissipação de conteúdo provocada
pelas emissoras de televisão, inegavelmente, gera discussões sociais que ela pauta – este tema
também já foi debatido no Capítulo 4. As empresas televisivas definem o que será discutido
pela sociedade. “Hoje, o que não existe na tv não existe no mundo. É a TV quem nos dá o
mundo, é ela quem o confecciona diante dos nossos olhos; procura nos ensinar quando e
como devemos agir no mundo” (BUCCI, 1997, p. 164 e 165).
A televisão está presente em milhões138
de residências no país. Interpretando o
entendimento de Bucci, pode-se dizer que os acontecimentos sociais não ressoam na
população como um fato se este não foi transmitido pela televisão, visto que ela é um dos
principais meios de comunicação e o que tem a maior penetração. Isto possibilita falar sobre o
mundo e se tornar a fonte de notícias de mais acesso à sociedade e ao Estado Democrático. As
informações levadas por ela tendem a aprofundar politicamente as linhas ideológicas, além de
propagar valores sociais. Assim, o que a imprensa noticia é o que aconteceu no mundo. E é
este conteúdo que irá formar a concepção de mundo, e até mesmo de democracia, dos
cidadãos.
Por isso, a imagem que a sociedade constrói de seu país e de seu Estado Democrático
é formada por intermédio de informações advindas da televisão, pois ela é um fenômeno
social e cultural, sendo um grande instrumento de socialização139
. Isto por que está
constantemente presente na vida cotidiana dos cidadãos. Assim, pode-se considerar que cada
emissora de televisão é uma empresa, que presta um serviço público e, ainda, é um aparelho
ideológico, pois propaga informação e ideologia.
8.1.2 O programa Linha Direta
O programa era veiculado pelas Organizações Globo, maior emissora televisa do país
em termos de alcance. Segundo dados retirados do site institucional da emissora140
,
atualmente, 98,44% do território nacional é coberto por ela, que atinge 5.564 municípios e
99,50% da população brasileira, mais de 183 milhões de pessoas. A emissora é responsáveis
138
Segundo dados do IBGE – consultados no site www.ibge.gov.br – em 2003, mais de 93% da população brasileira possuía televisão em cores em sua residência. Esta informação está tabela 19 de sistema de informações e indicadores culturais, no sublink “população” e encontra-se em anexo. 139
“A socialização é o processo pelo qual os indivíduos, em sua interação com os outros, desenvolvem as maneiras de pensar, sentir e agir que são essências para a sua participação eficaz na sociedade”. (Vander Zanden, 1990) (FERRES, 1998, p.39) 140 http://redeglobo.globo.com/TVG/0,,9648,00.html – consultado em 28/03/2010.
por ser o agente de difusão de informações e notícias, além de ser um grande canal de
entretenimento. E, assim, levam o mesmo conteúdo para milhões de brasileiros.
O programa Linha Direta, objeto da análise, era exibido semanalmente e exibia duas
ocorrências policias por dia. A maioria dos casos era de acusados foragidos, já condenados
pelo Poder Judiciário. Há, ainda, histórias com a investigação em andamento e, por fim,
crimes sem muitas informações sobre o que aconteceu (não se sabe quem é o assassino).
O programa se vale de dois artifícios: a simulação como produtora de
uma verdade capaz de mobilizar o telespectador; e um conflito constante com a
Justiça, na medida em que a sensação de insegurança, decorrente da alegada
inoperância do sistema jurídico é tomada como a razão principal para a existência
dos casos apresentados (MENDONÇA, 2002, p. 19).
Conforme raciocina Mendonça, o programa traz a sensação de resolver crimes
impunes. Por isso, muitas pessoas procuram o programa na esperança de fazer justiça e
conseguir que o culpado/ suspeito de alguns delitos seja punido corretamente. Estas medidas
servem, também, para dar a sensação de manutenção do Estado Democrático e de justiça
social.
A pesquisa questionou sobre a justiça emitida pelo programa. Dados retirados do site
do programa, que atualmente está fora do ar, demonstram que o Linha Direta ajudou a
capturar mais de 400 pessoas foragidas. Em tese, esta era uma das grandes funções do
programa: mobilizar a sociedade para que façam denúncias e bandidos foragidos sejam
presos. Além disso, a prisão do condenado – denunciado por intermédio do programa –
geralmente é gravada e transmitida ao público, para mostrar a sua eficiência.
Goodlad acredita que a assistência de programas populares seja um ritual
social de integração, através do qual brincamos se suprimir os valores vigentes e os
modos de comportamento, mas que, no fim, recebemos uma cacetada moral que nos
faz voltar ao mundo do direito e da ordem, pois os problemas são sempre resolvidos
e os telespectadores têm a sensação de que tudo volta ao seu ritmo normal
(MARCONDES FILHO, 1988, p. 83).
Mostrar a prisão de um criminoso que ocorreu com a ajuda do Linha Direta não
apenas justifica, em tese, o interesse social do programa, mas demonstra que o ritual da
punição foi cumprido e realizado pela emissora – que anunciou o caso, divulgou o criminoso
foragido, comoveu a sociedade para denunciar e acompanhou a captura. Assim, as pessoas
que assistem reforçam a consciência das normas sociais, do funcionamento do Estado
Democrático e não ficam tão desacreditadas na justiça e no sistema jurídico do país.
Intrinsecamente prova-se o poder das Organizações Globo em solucionar um caso (capturar
um foragido), papel inerente ao Judiciário. Por isso também, o programa pode influir na
concepção de justiça adotada pela sociedade
O programa Linha Direta foi retirado da grade de programação da Rede Globo. O
último programa foi exibido em 6 de dezembro de 2007. Na época em que o programa deixou
de ser veiculado, a Central Globo de Comunicação divulgou um comunicado explicando que
a exibição estava temporariamente suspensa, pois entidades ligadas aos direitos humanos se
manifestaram contra a continuidade do programa. Tentamos entrar em contato com a emissora
para nos informarmos sobre o prosseguimento do programa e não obtivemos resposta até o
fechamento desta pesquisa.
8.1.2 Metodologia da pesquisa
Para analisar o uso da liberdade de expressão e consequente concepção de justiça
adotada e difundida pela imprensa, mais especificamente pelo programa Linha Direta,
realizamos a discussão de grupo-focal, utilizando-se também de análise de recepção.
A pesquisa focou em observar o juízo de valor emitido pela imprensa e consequência
disso no Estado Democrático, sem entrar no mérito de analisar os episódios em si, nem o
discurso transmitido. Interessou-nos, sob a perspectiva do formador de opinião e receptor,
verificar se a repercussão da mídia interfere na formulação de concepção de justiça existente
na esfera pública.
Por via de discussão de grupo focal examinamos como são criadas as concepções de
justiça e qual é o papel dos meios de comunicação de massa nesse processo. A discussão em
grupo permitiu que os participantes interagissem e comentassem as falas dos outros
debatedores.
Foram selecionados acadêmicos do último ano do curso de Direito, por entender que
estes serão os futuros operadores da justiça no país, além de serem formadores de opinião.
Estes alunos estudam a concepção de justiça e seus fundamentos teóricos, bem como
conhecem claramente os ritos processuais explorados pelo programa. Princípios aplicados no
Direito também se tornam importantes na análise que aborda a condução do programa, para
aferir sua validade.
Aplicamos a teoria das representações sociais para entender como são produzidos os
valores e ideais intrínsecos a determinado grupo social, que embasará a análise da discussão.
Ao avaliar representações idênticas de distintos indivíduos, com base em entrevistas semi-
estruturadas e discussão de grupo, tentamos saber o que reflete a opinião dos entrevistados.
Com esses dados coube identificar como a mídia influencia o Poder Judiciário ao profanar um
conceito de justiça.
Para a análise, exibimos o último episódio transmitido pelo programa Linha Direta,
transmitido pela Rede Globo, que ocorreu em 06 de dezembro de 2007. A análise do caso
concreto permitiu ilustrar a opinião dos debatedores, permitindo uma leitura mais profunda
sobre que tipo de influência a mídia exerce na opinião de um grupo que trabalha com a
justiça. A análise da esfera pública, já estudada, ajudou a entender em qual contexto as
mensagens são transmitidas.
8.1.3 Caso em discussão
Antes de iniciar os debates, foi mostrado aos integrantes da discussão o último
programa exibido. O episódio selecionado chamava-se “Farsa quase perfeita” e contava a
história de que, supostamente, a esposa (foragida e procurada pelo programa) mandou matar o
marido por causo do seguro de vida. A foragida foi condenada, ficou quatro meses na prisão e
quando saiu para responder ao processo em liberdade passou a ser foragida da polícia.
8.1.4 Análises
Em dois debates distintos, dividimos dois grupos e aplicamos a mesma
metodologia. Antes de iniciar os debates, os acadêmicos assistiram ao programa. Durante a
transmissão do caso, alguns comentários foram feitos. O episódio funcionou como base da
discussão. Temas foram lançados pelo mediador, para que fossem debatidos. Os acadêmicos
emendavam suas respostas aos comentários dos colegas, o que tornou a discussão mais
produtiva. Além disso, o próprio debate sugeriu outros fatos que foram tratados.
Em relação à abordagem da imprensa sobre o caso, o primeiro grupo concluiu-
se que o programa esclareceu os fatos e que, aparentemente, não foi tendencioso, visto que a
foragida realmente é foragida da justiça. Já os outros debatedores mencionaram que a história
é narrada de forma dramática para ficar mais interessante. Ambos concordam que as únicas
informações sobre a história foram repassada pela imprensa, visto que eles não possuem
acesso ao processo.
Os acadêmicos concluíram que a retórica do programa visa manipular a
opinião pública, visto que o culpado já está eleito e o público assiste ao programa para
conhecer a história e saber quem é o foragido.
O programa foi pouco criticado pelos estudantes que consideram que a história
contada esclarece os fatos e também cumpre o seu objetivo de capturar foragidos.
O programa, assim como a imprensa, tem um desempenho dentro da democracia.
Foi mostrado neste trabalho a função social dos meios de comunicação e o direito à
informação, conquistado pelos cidadãos e a importância da liberdade de expressão em um
Estado Democrático. Os grupos do debate citaram a liberdade de imprensa como resultante da
competência dos meios de comunicação de massa dentro de um Estado Democrático de
Direito.
Um interessante assunto debatido foi a representatividade social do Ministério
Público. Eles acreditam que o Promotor de Justiça é o defensor da sociedade e do bem comum
de todos e isto pesa na hora de construir a história. Cria-se a imagem de que o agente
ministerial representa a sociedade e está em prol do Estado Democrático de Direito. O
programa também se vale do discurso do Promotor, pois atinge maior credibilidade para o
caso. Eles ainda acreditam que o uso do discurso de autoridades no programa pode tornar o
fato parcial. Algumas pessoas detêm grande influência sobre as outras devido ao papel que
ocupam na sociedade. Por isso a fala do Ministério Público dá mais credibilidade. Isso pode
ocorrer em função de um adiantamento de confiança existente nas relações interpessoais.
Na discussão, indiretamente, sem perguntarmos sobre a consequência do programa,
algumas elucidações foram apontadas. A credibilidade da imprensa em relação ao Poder
Judiciário e o fato das pessoas buscarem a mídia para fazer justiça foram mencionados pelos
dois grupos. Além disso, foi citado que os meios de comunicação pautam as discussões
sociais e, muitas vezes, erroneamente abordam temas polêmicos ou fazem pré-julgamentos.
Os debatedores comentaram que o programa traz uma sensação de justiça que o
Poder Judiciário não consegue. Além disso, citaram que a imprensa tem mais credibilidade do
que o Judicante.
As pessoas, ao fazerem a denuncia após a apresentação dos foragidos, legitimam o
papel do programa, em se apropriar de funções inerentes ao Poder Judiciário. Incumbindo-se,
assim, à Rede Globo a promoção do funcionamento da Justiça, que não funciona
corretamente.
Os acadêmicos acreditam que o público pensa que é mais fácil conseguir resolver as
pendências judiciais pela mídia do que pelo judiciário. O debate concluiu que as pessoas
acreditam que o Poder Judiciário é lento, e depois de tanta demora no processo, ainda existe o
risco de haver um julgado errado. Isto porque a imprensa tem mais credibilidade do o
Judicante.
O Linha Direta, como qualquer outro programa midiático, pauta discussões sociais.
Temas relacionados à violência e crimes são abordados pelo programa. Além disso, os
episódios pautam ações que geram as denúncias dos foragidos. Porém, em alguns casos, o
programa pode ser responsabilizado por um pré-julgamento. Os casos de pré-julgamento,
causados pela imprensa, travam, depois, batalhas judiciais, pois não é fácil se redimir de um
erro que destrói a imagem de outro.
Os acadêmicos ressaltaram que a imprensa tende a manipular a opinião pública e
influenciar as discussões sociais, mesmo que para isso precisem ser tendenciosos. Como
consequência geral dos meios de comunicação de massa, debateu-se que eles moldam – ou
tentam moldar – a opinião pública.
Outra consequência do programa Linha Direta é difundir valores. Intrinsecamente,
ao explanar o caso, juízos de valores são emitidos. “O crime não compensa”, é o mote do
programa, conforme discussões dos grupos e este será tema de análise do próximo tópico.
Os dois grupos debateram a concepção de justiça emitida pelo Linha Direta e
entenderam que há, inerentemente, a emissão de valores. Para eles, o programa repassa a ideia
de que justiça é capturar e prender o foragido.
Por todo o momento, o Linha Direta estereotipa, em seu discurso, o bem contra o
mal. Cria-se no imaginário social a ideia de vítima e bandido, de certo e errado. E o principal
valor transmitido pelo programa é que não é válido cometer crimes. E que o criminoso será
punido por isso.
8.2 A influência da mídia no Tribunal do Júri
A segunda pesquisa intitulada aqui de influência da mídia no Tribunal do Júri
tentou averiguar se a liberdade de expressão da imprensa interfere nas decisões
tomadas, democraticamente, pelo Júri Popular.
Para isso selecionamos um caso divulgado pelos meios de comunicação de massa na
época do ocorrido e que foi levado ao Tribunal do Júri. Para entendermos se os fatos
divulgados pela imprensa poderiam interferir no veredicto, fizemos um apanhado das notícias
divulgadas pela mídia, acompanhamos o julgamento e entrevistamos seis jurados do Conselho
de Sentença.
8.2.1 Metodologia
Adotamos a metodologia de análise de recepção em representações sociais para, sob
a perspectiva do receptor, verificar se a repercussão da mídia interfere nas decisões do júri e,
consequentemente, no Estado Democrático. Procuramos, aqui, não nos atermos demais às
questões teóricas de cada metodologia, pois o objetivo é demonstrar, por meio da pesquisa
realizada, o que demonstramos no decorrer do presente estudo.
Com a pesquisa, tentamos saber como a decisão individual, representada pelo voto,
repercute uma multiplicidade de posicionamentos sobre o mundo, quando da interpretação de
um fato concreto (o julgamento de um suposto crime), à luz da análise de recepção. Isso para
ser praticável medir como a liberdade de imprensa da mídia, uma realidade social tão presente
no dia-a-dia da sociedade, constroi os valores do grupo e as concepções de justiça existentes
em nosso Estado Democrático.
Utilizamos entrevistas semi-estruturadas e pesquisa de campo, qualitativa, para
entender a visão dos jurados sobre o caso e a mídia.
Nos apropriamos da teoria de representações sociais porque as representações são
formadas pelos diferentes tipos de teorias populares, senso comum e saberes cotidianos,
transmitidos por meio da liberdade de expressão de cada, direito garantido
constitucionalmente. Os pré-conceitos incorporados pela sociedade e pelo Estado
Democrático são adquiridos através do tempo e conforme as circunstâncias. Toda a dimensão
histórica, assim como os modos de produção presentes na vida cotidiana, influenciam na
criação de valores responsáveis pela emissão de juízo. O comportamento que temos hoje
depende da representação social que incorporamos.
O processo de transformação das representações sociais está intimamente ligado à
ação comunicativa, garantida pela nossa Constituição, e às práticas sociais da esfera pública,
visto que as representações sociais são fenômenos construídos dentro da esfera pública e do
Estado Democrático, assuntos que já abordamos no início do trabalho.
8.2.2 O caso analisado
Como dissemos, não vamos entrar em detalhes da pesquisa para evitar identificar o
autor. Queremos, com a exposição da pesquisa, ilustrar o conteúdo do trabalho e demonstrar,
na prática, o que tentamos expor no decorrer do texto.
Sucintamente, o caso, objeto da investigação, foi escolhido devido à ampla
divulgação dos acontecimentos pela imprensa na época do acontecido. Não escolhemos um
caso mais esplendoroso, pois acreditamos que este não poderia ser objeto de análise por não
ser algo corriqueiro. Além disso, os elementos que envolvem ações extraordinárias não
representam o cotidiano da imprensa no imaginário social.
Avaliamos um acidente de trânsito, que aconteceu no dia 20 de dezembro de 2002.
Para evitar a emissão de juízo de valores nesta pesquisa, e tendo em vista o resultado do
julgamento, sucintamente vamos relatar o acontecido.
Louise Catarine Teixeira, de 16 anos, filha da então prefeita de Agudos do Sul –
cidade da região metropolitana de Curitiba – Luciane Maira Teixeira, supostamente caiu de
uma Kombi, e logo em seguida, foi atropelada por um motorista. A garota ficou presa na roda
do carro. O condutor do veículo que a atropelou não parou e a menina foi arrastada por quase
dois quilômetros. Ela chegou em coma no hospital e faleceu cerca de quatro horas depois.
Após estacionar o carro, forçado pela polícia, o condutor foi levado à delegacia, foi
autuado em flagrante delito e detido por ter atropelado a menina. Foi recolhido na cadeia
pública da unidade policial e cerca de um mês depois foi solto mediante habeas corpus,
ficando liberdade provisória.
No dia 10 de fevereiro de 2003, a Promotora de Justiça Swami Mougenot Bonfim
dos Reis ofereceu denúncia nos seguintes termos:
No dia 20 de dezembro de 2002, por volta das 17h15min, na Rua Paulina Ader,
Bairro Capão Raso, nesta Capital/PR, após ter caído do veículo VW/Kombi, de
placas AKB-6216, conduzido em circunstâncias normais de segurança de trânsito,
em que se encontrava como passageira, a vítima L.C.T., de 16 anos, foi atropelada
pelo veículo Ford Escort, cor preta, de placas AAF-6574 conduzido pelo
denunciado RONALDO SALES, ficando presa no rodado do pára-choque
dianteiro do dito veículo. Entretanto, após o atropelamento, o denunciado não
parou seu veículo. E, mesmo recebendo ordens da Polícia Militar com acenos
manuais, luzes e sirenes, para que parasse imediatamente seu veículo, o
denunciado cruelmente, assumiu o risco de produzir o resultado letal, e visando
fugir do local para assegurar a impunidade criminal em razão do atropelamento,
continuou a dirigir velozmente seu carro, mesmo percebendo que a vítima ainda
encontrava-se presa na roda, arrastando-a por um trajeto de aproximadamente dois
quilômetros, e causando-lhe a morte com extremo e desnecessário sofrimento,
sendo que somente parou o veículo após o completo cerco policial.” 141
(sic).
Após a denúncia, o Promotor Alfredo Nelson da Silva Baki pronunciou o acusado,
com a finalidade de que ele fosse oportunamente submetido ao julgamento pelo Tribunal do
Júri da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Em que pese as manifestações
ministeriais, no dia do julgamento a promotora manifestou-se de forma adversa e pediu a
141
Folhas 3 e 4 da Ação Penal nº 2002.0011358-5.
desclassificação do crime de homicídio doloso para o de homicídio culposo, por entender que
o agente não tinha a vontade livre e consciente de produzir o resultado morte da garota.
Ressalta-se que, anexados aos autos, havia dois jornais impressos: Tribuna do Paraná
e o Jornal de Agudos do Sul, além de fotos da vítima.
8.2.2.1 O noticiado pela imprensa
Em pesquisa realizada na Biblioteca Pública do Paraná, percebemos que o acidente
foi notícia em três grandes jornais impressos da capital, além de serem noticiados pela mídia
televisiva.
O jornal “Gazeta do Povo” (anexo 1) noticiou o acontecido e título da reportagem era
“Atropelamento: Motorista foge e arrasta a vítima”. Na reportagem, estava escrito: “após
atropelar e arrastar por dois quilômetros a estudante Louise Catarine Teixeira, 16 anos, sem
prestar socorro, o metalúrgico Ronaldo Sales, 32 anos, foi preso pela Polícia Militar por
homicídio doloso”.
O conteúdo das reportagens do jornal “Tribuna do Paraná” (anexo 2) e de “O Estado
do Paraná” (anexo 3), é praticamente idêntico. As reportagens escritas pelo mesmo jornalista
difere nos títulos: “Morre ao ser arrastada por dois quilômetros” e “Carro arrastou corpo de
moça atropelada por 2 km”, respectivamente.
Diferentemente da Gazeta do Povo, que relatou que a menina saiu da Kombi, os
outros dois jornais contam que ela caiu. No entanto, os três jornais caracterizam a vítima,
dizendo que ela é filha da prefeita de Agudos do Sul. Também os três veículos de imprensa
noticiaram que o motorista alegou à polícia ter notado quando a porta da Kombi abriu e uma
pessoa caiu. Por medo de represálias, fugiu. Entretanto, em nenhum momento nos autos,
Ronaldo Sales confessou ter visto o corpo de Louise. Quando interrogado no Tribunal do Júri,
também negou ter visto a menina, mas a imprensa noticiou, categoricamente, que o motorista
fugiu do local do acidente.
Uma falha da imprensa constatada na breve análise desses jornais impressos
concerne ao uso de termos jurídicos. Percebemos o emprego de forma errônea. Por exemplo,
deveria constar que o réu foi detido, e não preso por homicídio doloso, visto que não tinha
sido julgado.
Segundo alguns entrevistados, a repercussão do caso foi chocante, porém a imprensa
não teria noticiado de forma detalhada, deixando muitas lacunas. Além do mais, teria passado
uma imagem distinta da verificada posteriormente no Tribunal do Júri.
8.2.2.2 A decisão do Júri
De acordo com a decisão do Conselho de Sentença, o réu foi condenado. Conforme a
sentença, os jurados, por unanimidade, reconheceram a autoria, materialidade e letalidade do
delito. Por maioria de votos (6x1), julgaram que o réu não quis o resultado morte, nem
assumiu o risco de produzi-lo. Admitiram a desclassificação do crime de homicídio doloso
para homicídio culposo.
A pena base do réu foi fixada em dois anos e seis meses de detenção. A habilitação
para dirigir veículo automotor foi suspensa pelo mesmo prazo. Para o cumprimento da pena,
ficou determinado o regime aberto “por entender que é o mais adequado à punição e à
ressocialização do réu”; mais a prestação de trabalhos pelo mesmo tempo de pena, sendo uma
hora de trabalho para cada dia de condenação. Além de prestar serviços à comunidade, foi
determinada a limitação de final de semana, consistente em estudo de dez horas semanais,
com a finalidade de o condenado completar o Ensino Médio.
Fora do plenário, em conversa informal, a mãe da vítima afirmou à pesquisadora que:
“Caso não seja feita justiça aqui no Tribunal, vou levar o caso ao „Linha Direta‟142
” (vale
lembrar que, para a mãe, “justiça” significava a condenação do réu). Contou que na época do
142
Já mencionamos sobre o programa na pesquisa anterior.
acidente, muitos jornalistas a procuraram para que ela relatasse o acontecido, mas que não
quis dar entrevistas a ninguém. “Eu não queria que fizessem da morte da minha filha um
sensacionalismo”.
No final do julgamento, quando o resultado da votação tornou-se público, sendo que
dos sete jurados, apenas um votou na tese que a família desejava (condenação por homicídio
doloso por motivo cruel), a mãe gritava muito fora do Tribunal. Agredia verbalmente a
promotora do caso e, inconformada, dizia que no país não havia justiça.
8.2.3 Análises
Após entrevistas com seis jurados do Conselho de Sentença, tiramos algumas
conclusões da pesquisa. Nota-se que eles acreditam na capacidade de a imprensa influenciar
um grande número de pessoas. Mas, para eles, muitos meios de comunicação estão perdendo
credibilidade, e não tem mais a “força” que possuíam antigamente. Segundo interpretação das
falas, os jurados que compõem o Conselho de Sentença, de forma geral, não acreditam em
tudo que a imprensa noticia. Procuram outros meios para se informar. Comentam que
conversas com amigos e grupos são importantes. Sabem do papel da imprensa de informar e
da responsabilidade que é transmitir a informação, mas entendem que a imprensa não é
essencial para formar suas opiniões.
Um dos jurados lamentou que as notícias sejam falhas. E ao cotejar o que saiu na
imprensa sobre o atropelamento, e o que viu no julgamento, reclama que as matérias não saem
com detalhes o que mascara a verdade e, consequentemente, modifica o juízo de valor
emitido pelos cidadãos.
Dois jurados enalteceram um lado positivo da imprensa. Um deles se inscreveu para
ser jurado após ter assistido a uma reportagem televisiva em que o juiz fazia um apelo para
que as pessoas se alistassem voluntariamente para serem juradas no Tribunal do Júri. O outro
conta que a imprensa ajuda no entendimento do funcionamento e dos vocábulos usados no
Tribunal do Júri e, mesmo usando termos específicos para operadores do Direito, eles estão
acostumados com os vocábulos e funcionamento do Júri. Assim, demonstra-se que a mídia
cumpre a função de divulgar e levar conhecimento sobre o funcionamento do Direito para a
população.
Fala-se muito sobre a interferência direta da imprensa em casos extremos, como o
julgamento de alguém no Tribunal do Júri. Ao analisarmos um caso que saiu na mídia – na
época do acontecido – e que tem o mesmo tratamento como a maioria dos casos que vão para
o Tribunal, percebemos que os meios de comunicação não são determinantes de forma direta
no voto dos jurados.
Ao pesquisar o que foi noticiado na época, notamos que a imprensa “julgou”
antecipadamente o réu. Relatou, de sua maneira, o que aconteceu. Ao sopesarmos com as
investigações, notamos diversas discrepâncias. Os jornais impressos descrevem o
atropelamento, comentando que o réu “percebeu o corpo caindo” e “que deixou o local com
medo de represálias”. Nos autos, em nenhum momento constam essas declarações.
Uma jurada afirma que tinha posição condenatória ao falar do que a imprensa
noticiou na época do acontecido. Nas palavras dela: “Quando eu vi tudo aquilo, vi na
televisão, no jornal, achei horrível. Eu condenava, achava que esse motorista tinha que levar
uns dez anos de cadeia pelo menos, porque eu achei que fosse uma coisa. Depois, no
julgamento, eu senti que a realidade era outra. Mudei minha opinião”.
No processo, o qual pode ser consultado pelos jurados durante o julgamento, estava
anexado o jornal “Tribuna do Paraná”, com a manchete “Morre ao ser arrastada por dois
quilômetros”. Constavam, também, fotos do carro que atropelou a garota. Para alguns jurados,
as fotos eram impactantes e poderiam interferir no voto de alguém. Um dos jurados disse que
ao analisar apenas os anexos do processo, pelas manchetes e fotos, facilmente o acusado seria
condenado.
Outro jurado acredita que se o julgamento fosse baseado apenas pelo o que saiu na
mídia na época, uma pessoa leiga poderia ir pelo lado emotivo e se comover com a forma que
o fato foi noticiado. O jurado completa que na época dos fatos passaram a imagem de “que o
cara era um assassino. Foi bem chocante, por ser uma menina arrastada por muitos metros.
Influencia”. Outro jurado relembra do fato noticiado, inclusive do título da reportagem, mas
diz que a informação contida no jornal não influenciou.
Umas das juradas assumiu que se ela seguisse apenas o que a imprensa noticiou, o
julgamento dela ficaria comprometido. Outro jurado resumidamente comenta que, “se fosse
pelo o que saiu no jornal e pelas fotos, o cara estava condenado”. Entretanto, as pessoas
captam as mensagens conforme seus valores adquiridos no decorrer de sua existência.
Para os jurados, são outros fatores que têm mais relevância na hora de decidirem pela
condenação ou não de alguém. Admitem que julgar apenas pelo o que sai na imprensa é
complicado e pode ser injusto. Além disso, um dos jurados comenta, hipoteticamente, que “se
um crime acontecesse hoje, e o julgamento fosse amanhã, ou depois, a mídia influenciaria
mais (...) interferiria muito, claro, mas não tem lógica fazer julgamento de um dia pro outro”.
Com isso, percebe-se que o tempo que leva, desde o acontecido, passando
pelas investigações, até o Tribunal do Júri, ameniza as influências diretas que a imprensa pode
causar.
Cada jurado tem um jeito específico para analisar o acontecido e julgar, mas todos
ressaltaram a responsabilidade de estar julgando a vida de alguém e tentam, tanto quanto
podem, ser imparciais e neutros, deixando os preconceitos e juízos de valores de lado.também
falam com orgulho do serviço que estão prestando à comunidade, visto que não são
remunerados para isso.
De forma geral, os jurados pensam que só pelo o que sai na imprensa não é possível
julgar, certamente, um caso. Precisam de mais fatos e detalhes que a imprensa não divulga.
Necessitam de provas. Para uns, a defesa das teses é essencial, para outros, a consulta dos
autos. Mas todos concordam que é um conjunto de fatores que acontecem dentro do
julgamento que decide o voto.
Em seu estudo publicado no livro “Muito Além do Jardim Botânico”, Carlos
Eduardo Lins da Silva observa que o grau de interferência de outras fontes, além dos meios de
comunicação, é importante para formar a representação da realidade que um indivíduo tem
sobre os fatos. Falando especificamente da televisão, Silva conclui: “Quem pode confrontar
os valores e estereótipos da TV com os de outras instituições sociais ou pessoas têm mais
oportunidades de duvidar, criticar e rejeitar os que vêem no televisor”. (SILVA, 1985, p.60 ).
Vale comentar que todos os jurados acham que o julgamento feito pelo Tribunal do
Júri é justo. Inclusive a pessoa que votou na tese “derrotada”. O Tribunal do Júri passa a
imagem de justiça, de que ali, com diferentes representantes da sociedade, a conclusão
tomada é a correta. E estes fatores são fundamentais para o exercício do Estado Democrático.
Um dos jurados comentou que o fato dos integrantes do Conselho de Sentença
pensarem diferente, tomarem sua decisão de forma diferente, e, ainda, chegarem a uma
decisão mais ou menos comum, significa que o resultado é justo.
Outro detalhe interessante que vale ser mencionado é a representatividade social da
Promotora de Justiça. A imagem de defensora da sociedade, do bem comum de todos e do
Estado Democrático de Direito pode ser determinante no voto dos jurados. Cria-se a imagem
de que a representante do Estado, por ter conquistado tal papel, tem um conhecimento maior e
é “mais justa”. Uma jurada ressaltou: “a promotora deixou bem claro o que estava
defendendo, e tá certo. Ela é justa”.
Mesmo os jurados que acreditam que a figura da promotora não é decisiva, em seus
discursos falam que a promotora é uma profissional muito competente. Um dos jurados
acredita que a fala da promotora é mais forte e diz: “Porque queira ou não, eu acho que a
promotora exerce uma influência na decisão. Se você está „balançando‟ e a promotora acha
que é, então é! Se você está na dúvida, acaba pendendo para a decisão do Estado, para a tese
da promotora, no caso”.
Com esta pesquisa, analisamos que as notícias divulgadas pela imprensa não são as
determinantes para o voto do Conselho de Sentença que, invariavelmente, utilizam outras
técnicas de análise além de basearem o voto em experiências anteriores.
Em que pese a influência indiscutível da mídia na formação cultural e na sociedade
democrática, ela não é a única determinante, seque a mais importante nas decisões emitidas
pelo Júri Popular. No caso analisado, superestimamos o papel da imprensa, pois num
ambiente que predomina o senso de justiça, as pessoas embasam seu voto – que irá interferir
na vida de diversas pessoas – em fatos concretos que elas podem observar do Conselho de
Sentença.
Os personagens da pesquisa constroem um referencial que se baseia,
predominantemente, em mediações culturais presentes na família, no ambiente de trabalho, na
formação religiosa e educacional e nos grupos em que estão inseridos. E essas influências são
entrecruzadas e ressonantes na mídia, porém, é impossível determinar a distância entre o
papel dos meios de comunicação e o julgamento que cada indivíduo tem de um caso na
justiça.
Os componentes do Conselho de Sentença que lembraram do ocorrido na época, e de
como a imprensa noticiou o fato, afirmam que os meios de comunicação passaram uma
imagem errônea do réu e, até mesmo, do acidente. Dizem que após conhecerem o caso no
Tribunal do Júri, baseados em evidências concretas, tomaram sua decisão. Diferentemente do
que a mídia subjetivamente relatara.
Fato é que, neste caso, superestimamos o papel da imprensa e subestimamos a
capacidade dos cidadãos. Ora, se o Conselho de Sentença é uma amostra da sociedade, como
afirmaram vários jurados, e estes não são diretamente influenciados pela mídia na hora de
emitirem seu voto decisivo, é porque a imprensa não interfere, sem intermediários e de forma
imediata, no voto do Tribunal do Júri.
Podemos dizer que o papel do jornalista e da liberdade de expressão e imprensa que
ele détem caminha no abstrato. Trabalhamos com a ideia da constante influência dos meios de
comunicação. No entanto, não é possível saber com exatidão o grau de interferência da
liberdade de imprensa na sociedade democrática.
ANEXO 1 – REPORTAGEM JORNAL GAZETA DO POVO “ATROPELAMENTO: MOTORISTA FOGE E ARRASTA VÍTIMA” – 23/12/2002
ANEXO 2 – REPORTAGEM TRIBUNA DO PARANÁ “MORRE AO SER ARRASTADA POR DOIS QUILÔMETROS” – 23/12/2002
ANEXO 3 – REPORTAGEM JORNAL O ESTADO DO PARANÁ “CARRO ARRASTOU CORPO DE MOÇA ATROPELADA POR 2 KM” – 22/12/ 2002