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ÁGUA: RECURSO PRECIOSO E ESTRATÉGICO 1

MAURÍCIO WALDMAN

Normalmente o petróleo e os metais são pensados enquanto recurso estratégico. No entanto, poucos notam que a água tem crescentemente assumido essa condição.

Claramente, em pleno Século XXI, incidem com força cada vez maior sobre o líquido as atenções dos de grupos, povos e nações.

Isto porque inequivocamente, a água desponta como fator básico para a estabilidade social interna e na instável balança de poder que caracteriza a arena internacional. Daí a eclosão de litígios, ensejando toda sorte de conflitos, em curso ou potenciais.

Neste sentido, cabe ponderar que se foi para sempre o tempo quando a água era um bem livre, com acesso facultado pelas condições naturais. Atualmente, por conta da maximização da utilização e crescimento desmesurado do consumo, todos os povos estão diante de problemas relacionados com o abastecimento de água.

Por sinal, justamente devido à escassez é que a água assumiu projeção preocupante na pauta de todos os governos. Não há como negar, rios com caudal dantes volumoso - Tigre, Eufrates, Colorado, Amarelo e São Francisco - perdem fluxo ano a ano.

A vazão diminui em função de retiradas em escalas não sustentáveis pela lavoura, indústria e demais lides produtivas. A destruição do meio ambiente no sentido mais amplo tem igualmente uma quota inegável de responsabilidade neste drama.

Outra pendência seríssima é o destino das massas líquidas formadas pelos lagos. Bacias lacustres como a dos Grandes Lagos (Estados Unidos-Canadá) e do Lago Baikal (Federação Russa), exibem claros sinais de colapso.

Atente-se para o vulto destes majestosos corpos aquáticos: os Grandes Lagos abrigam 27% da água lacustre global e o Baikal, 25%. No mais, extensões líquidas como o Lago

1 Água: Recurso Precioso e Estratégico é um texto de caráter motivacional e de informação para público amplo elaborado primeiramente durante o Segundo Pós Doutorado do autor (USP, 2012-2013), a partir de dados conjunturais e de pesquisas anteriores desenvolvidas em nível de Doutorado e como consultor ambiental. A primeira versão deste material foi disponibilizada em 2013 no site da Cortez Editora (São Paulo, SP), sob o título Água no Século XXI: Recurso Precioso e Estratégico. Na presente edição, desenvolvida sob titularidade da Editora Kotev (2017), o material original foi revisado, masterizado, formatado para acesso e leitura por meio eletrônico e levemente ampliado. Ademais, foi reconfigurado com a preocupação de incorporar as regras que atualmente regem a língua portuguesa. Autorizada a citação e/ou reprodução deste artigo desde que respeitada a referência ao texto e ao autor.

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Tchad (África Central), Lago Urmia (Iran), Mar Morto (Israel, Jordânia e Palestina) e o Mar de Aral (Turquestão), retrocederam em ritmo alucinante devido às severas perturbações dos ciclos hidrológicos, fenômeno que permite até mesmo antecipar a extinção destas notáveis obras naturais.

Sinal do quanto a crise hídrica se agudizou, no final do século XX a água compunha a pauta de importações de países tão diferentes quanto Chipre, Cingapura, Kuwait, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Em paralelo, cresceu vertiginosamente o comércio urbano de água potável. Fato impensável décadas atrás, galões utilizados nesse comércio tornaram-se itens icônicos do cotidiano das grandes cidades do Planeta.

Contudo, a percepção do esgotamento das provisões de água não está clara aos olhos da maioria das pessoas. Tampouco as definições conceituais básicas para a compreensão do problema.

Geograficamente, um nexo matricial é o fato de a água ser a substância mais abundante na superfície terrestre. Na escala do tempo histórico, o estoque hídrico da Terra - na ordem de 1,386 bilhão de km³ - assim como as formas naturais de distribuição, têm-se mantido estáveis.

Recorde-se que o termo água refere-se ao elemento natural em si mesmo, desvinculado de qualquer tipo de uso. Por sua vez, recurso hídrico seria a consideração da água na sua relação com a sociedade humana, ungida de finalidades sociais, políticas e econômicas.

A água é indispensável para a vida humana. O líquido perfaz nove décimos do volume total do corpo humano e dependendo da faixa etária, entre 55% e 77% da sua composição.

Na ausência de água, seria impossível o surgimento da vida e das numerosas civilizações do passado, que se expandiram apoiadas no líquido.

Neste sentido, vale ressaltar que os grandes vales fluviais (Nilo, Ganges, Amarelo, Mekong, Níger, Zambeze e Mesopotâmia), áreas lacustres de porte ponderável (Vale do México, Lago Tonle Sap) e vastos sistemas de oásis (Sinkiang-Dzungária), marcaram profundamente o dinamismo histórico dos povos que os ocuparam.

Por isso, mesmo na remota antiguidade identificamos embriões de estratégias estatais de gestão hídrica, fato particularmente visível nas grandes civilizações agrícolas que eclodiram em toda a extensão das grandes bacias fluviais e lacustres.

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Todavia, embora difusamente presente na Terra - a tal ponto que seria mais apropriado rebatizá-la de Planeta Água -, apenas fração restrita da massa líquida existente é própria para consumo humano.

Isto porque a água destinada ao consumo humano, industrial e irrigação não pode, por definição, apresentar altos teores de salinidade. Em suma: deve inserir-se no status de água doce.

Importa salientar que a definição de água doce não decorre do teor de sais nela dissolvidos, mas sim dos Sólidos Totais Dissolvidos (STD).

Numa averbação técnica, a água doce é a que apresenta STD inferior a mil miligramas por litro (mg/l); águas com STD entre mil e 10 mil mg/l são definidas como salobras; e as com índice superior a 10 mil mg/l são consideradas salgadas.

Quanto à potabilidade, os pré-requisitos limnológicos clássicos entendem que a priori, água potável é - ou deveria ser - um líquido puro, insípido, inodoro e incolor.

Porém, a despeito de monopolizarem o senso comum, tais pressupostos compartilham pouca ou nenhuma associação com a água que mata nossa sede.

Confira-se: água pura na natureza não existe.

Na realidade, o que se tem é uma solução aquosa contendo partículas dissolvidas da crosta ou precipitadas do ar. Além do mais, águas quimicamente puras - como as destiladas em ambiente laboratorial - são biologicamente inadequadas.

Note-se que é exatamente a presença de gases, sais e diversos outros componentes que transformam o líquido em arrimo para a vida. Peixes e outros seres simplesmente não sobreviveriam em águas “puras”.

Apesar da sua importância para todos os processos biológicos, a água doce constitui fração mínima do capital hidrológico mundial. Sabe-se que 97,5% das águas planetárias correspondem a oceanos, mares e lagos salgados, sendo impróprias para o consumo.

Apenas 2,5% das águas são doces. Ainda assim, temos a questão da acessibilidade. Do total, 68,9% estão plotadas em geleiras, neves eternas ou calotas polares (Antártida e Groenlândia).

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Mas, esta água em estado sólido é virtualmente inacessível. As reservas geladas oferecem sequelas técnicas, logísticas e ambientais para serem mineradas. Para arrematar, os fragmentos que se destacam das franjas glaciais, os famosos icebergs, exibem dimensões discrepantes, possuem periodicidade imprevisível e comportamento errático no deslocamento, dados que inviabilizam a captação e o aproveitamento destes gigantes de gelo (Figura 1).

FIGURA 1: Iceberg fotografado ao largo da Terra Nova, no Canadá.(Fonte: www.canofenley.com/images/Iceberg.jpg, Ralph A Clevenger/Corbis)

No mais, sabendo-se que a escalada do aquecimento global é contínua, comprometer a estabilidade das geleiras aceleraria dramaticamente o fenômeno, que redundaria no recuo das próprias reservas de gelo.

Quanto aos lençóis subterrâneos, estes alojam 29,9% da água doce. Todavia, explorar tais reservatórios reclama investimentos em perfuração e diversas providências em termos de monitoramento. Ou seja: essas águas não podem ser utilizadas sem cautela.

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Retenha-se que a recarga dos aquíferos pode requerer dezenas, centenas ou milhares de anos. Por outro lado, evitar a contaminação sugere regras rigorosas quanto ao uso e ocupação do solo.

Todavia, medidas disciplinadoras infelizmente não têm obtido sucesso. Por conseguinte, mesmo reunindo volume enorme, a exploração das águas subterrâneas não admite otimismo fácil.

Por fim, recorde-se que 0,9% são águas concentradas em pântanos ou estocadas em solos congelados tipo permafrost, típicos de áreas circumpolares (Sibéria, Lapônia, Canadá setentrional e Alasca). Mesmo impregnando o solo, extrair água destes jazimentos geraria óbices ecológicos.

Os pântanos, habitat de considerável número de espécies da vida selvagem, têm sido rotineiramente drenados ao longo de séculos. Isto é, já foram largamente sacrificados. Quanto ao permafrost, este solo tem se ressentido das mudanças climáticas, pelo que a alteração do perfil hidrológico pode induzir impactos ainda maiores.

Em resumo, a água doce em estado livre na natureza, fluindo em corpos d'água como rios, lagos e oásis, ao alcance imediato em termos da satisfação das necessidades humanas, perfaz ínfima porcentagem do estoque hídrico mundial.

Tão somente 0,3% dos 2,5%, ou seja: uma proporção entre 0,014-0,015% das águas do mundo.

Contudo, é dessa pequena fração - 200 mil km³ - que depende a continuidade da existência humana e de todas as formas de vida. Justifica-se, desta forma, atenção redobrada no gerenciamento deste suprimento.

Porém, sublinhe-se que tais águas - catalogadas como superficiais pela literatura especializada - conquanto formem um acervo modesto, representam volume colossal.

Em tese, bastariam para atender todos os humanos, que em 2014 somavam sete bilhões de indivíduos. Restaria, pois, indagar os motivos da ameaça da sede e notadamente, as razões do seu recrudescimento.

Nesta senda, seria possível argumentar que fatores como a irregular distribuição natural do precioso líquido determina uma escassez física, dificultando sua obtenção em muitas partes do mundo.

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Ao mesmo tempo, a ninfa parece presentear paradisiacamente muitos espaços da Terra com uma generosidade inigualável.

Listando recantos eleitos com água per capita em abundância teríamos: Tchad, Guiana Francesa, Islândia, República Cooperativa da Guiana, Suriname, os “dois Congos” (República Democrática do Congo e República do Congo), Papua-Nova Guiné, Gabão, Ilhas Salomão, Canadá, Nova Zelândia, Bangladesh, Camerun, Suécia, Vietnã, Indonésia, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Angola.

Note-se que seis destes países localizam-se na Amazônia, outros seis na África Negra, três são asiáticos e dois são nações da Melanésia. Exceto países como a Islândia, Suécia, Nova Zelândia e Canadá, os grandes montantes per capita localizam-se geograficamente no III Mundo.

Ressalve-se que a maioria dos países citados possui população pequena. Portanto, não são necessariamente detentores de grandes reservas hídricas.

Na verdade, a maior concentração de recursos hídricos situa-se em nações com vastos territórios e intrincada rede hidrográfica. Brasil, Estados Unidos, Canadá, Rússia, China, Índia e República Democrática do Congo (RDC) - formando uma espécie de G7 da água - mantêm sob sua guarda cerca de 40% das águas de escoamento superficial do globo.

A sigla G7 define um conjunto de nações que monopolizam pelo mínimo 40% do escoamento do líquido de toda a esfera terrestre. Logo, seria conveniente verificar a situação em vigor neste conjunto de países, até porque uma leitura atenta sobre os estoques hídricos dos países do grupo exibiria farto prontuário de contradições.

Na realidade, no G7 da água o Brasil é o único país com dotação hídrica realmente farta. Os EUA estão prestes a se tornarem importadores de água. O Canadá dispõe de muita água congelada, mas que não pode ser minerada sob pena de acelerar o efeito estufa. Idêntica situação é a da Federação Russa.

Quanto à China, Índia e RDC, apesar de vastos mananciais, existem impactos da falta de saneamento, poluição industrial e do gigantismo das suas populações.

Por sinal Índia e China configuram respectivamente a primeira e a segunda posição no ranking da demografia mundial. Quanto à RDC, existem consideráveis dificuldades logísticas, assim como problemas políticos e sanitários que dificultam a exploração do recurso. Assim sendo, somente o Brasil desponta como possível provedor mundial do líquido.

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Em sentido contrário, da precariedade natural no acesso à água, podem ser citados países como Malta, Maldivas, Cingapura, Bahamas e Chipre. Estas nações possuem pequena extensão e são marcadas pela condição de insularidade, fatoração que explica a exiguidade da rede fluvial e por consequência, a escassez de água.

Obviamente, as regiões áridas e semiáridas, lado a lado com a irrupção de períodos de estiagens cada vez mais intensos e prolongados (Figura 2), tem se destacado por um quadro de fenômenos dramáticos aos quais se agrega uma alarmante contabilidade de dissensos políticos de todos os tipos.

FIGURA 2: Poço de água em Natwargadh, Índia, apinhado de camponeses durante a seca do ano de 2003 (Fonte: http://southasia.oneworld.net/news/resolveuid/efdd72d2967976aa973e03de4a7835a2/image_preview)

Por exemplo, dos onze países mais pobres de água do mundo, sete estão no Oriente Médio. São eles o Kuwait, Qatar, Arábia Saudita, Líbia, Bahrain, Jordânia e Emirados Árabes Unidos, situados numa região reconhecidamente conflagrada por conflitos nacionais, étnicos e religiosos. Particularmente, a Faixa de Gaza, uma área politicamente explosiva, é cenário de notório desabastecimento, o mais grave de todos.

Todavia, a escassez hídrica resulta bem mais da ação humana do que da natureza, determinando uma indisponibilidade social de recursos hídricos.

A respeito, rubrique-se que o modo de vida das metrópoles é altamente dependente das provisões dos corpos aquáticos. Contudo, a urbanização se tornou ela mesma agente de primeira linha na destruição das águas.

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A Cidade do México, em função de que as fontes locais secaram, explora mananciais distantes 300 km e poços com 1.200 m de profundidade. Não menos preocupante é a situação de cidades como Dacca (Bangladesh), Kolkata (Índia), Lagos (Nigéria), Kinshasa (RDC) e Rangum (Birmânia), nas quais boa parte dos urbanitas conta apenas com água de má qualidade, caracterizando gravíssimas condições sanitárias.

A proliferação indiscriminada de barragens, em razão da elevação das taxas de evaporação e destruição dos sistemas naturais provedores de água doce, é mais um viés determinante da diminuição da oferta de recursos hídricos.

Este problema atinge proporções verdadeiramente espantosas na República Popular da China. Além da construção da maior hidrelétrica do mundo - Três Gargantas - a China reúne 46% dos barramentos de todo o mundo, o que permite entender a gravidade desta questão para o cenário hídrico chinês.

A desigualdade social, lutas pelo poder e a opressão das minorias étnicas vinculam-se diretamente com disparidades no acesso à água. Por exemplo, uma criança nascida num país afluente consome 30 a 50 vezes mais água que outra nascida num país pobre.

Crispações políticas de longa data, como os confrontos no Oriente Médio, se relacionam com disputas pelo líquido. Na África do Sul, dessimetrias herdadas do Apartheid garantem a uma minoria de fazendeiros brancos o usufruto privilegiado da água para irrigação, tendo por contrapartida o alastramento da sede entre a população autóctone.

Na escala mundial, o stress hídrico se alastra como uma epidemia. Nessa situação estão países que não dispõem de 1.000 m³/hab/ano de água doce per capita, índice considerado compatível para a satisfação das necessidades mais elementares de saúde, higiene e bem-estar.

Hoje o acesso à água é o mais sério dilema da Humanidade: em maior ou menor grau são 3,5 bilhões de humanos carentes do líquido. Em 25 anos, uma terça parte dos humanos estará sem água. Sem uma radical mudança de rumos, em 2050 não estarão garantidos sequer 50 litros per capita/dia para 4,2 bilhões de pessoas.

Neste panorama, muitas avaliações destacam o importante papel reservado aos países detentores de excedentes hídricos, situação em que o Brasil aufere especial projeção, seguidamente evocados como provedores potenciais de água. Seguramente o líquido é

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a mais promissora commodity 2 do comércio mundial, aclamada com razão como o ouro azul do século XXI.

O Brasil, definido como “País de muitas águas” na Carta de Pero Vaz de Caminha, estaria entre as nações capacitadas a exportar água em larga escala. Lembra Aldo da Cunha Rebouças, renomado hidrólogo brasileiro, o país detém 12% da água superficial do Planeta.

Porém, o montante assombroso de água do Brasil pode constituir uma ilusão. É insuficiente ser agraciado com ótima disponibilidade física do líquido. Para garantir que a sede não atormente a população brasileira é necessário muito mais. Para sintetizar o momento reclama uma administração pública que funcione, programas concretos de educação ambiental e ampliação do senso de cidadania.

Caso isso não aconteça, vencerão as expectativas pessimistas. Em 2011, a Agência Nacional de Águas (ANA), alertou que na iminência de não se realizarem investimentos em sistemas de captação e coleta de água, 55% dos municípios brasileiros poderão sofrer com falta d’água em 2015. É o fantasma das torneiras secas ou apagão da água.

Deste modo, é necessário que a sociedade brasileira adote medidas que afirmem não só a preservação e a soberania sobre esse valioso recurso natural, mas coloque em marcha uma gestão de excelência das águas doces e políticas que beneficiem especialmente os grupos excluídos, os mais carentes de água potável.

Não basta sermos detentores de muita água. É fundamental garantir usufruto equilibrado do recurso, sob pena de o Brasil se transformar em provedor do produto à custa da sede dos seus habitantes.

Já somos um país exportador de alimentos e simultaneamente uma nação onde a fome é tema de campanhas assistenciais.

Nesta direção, seria inevitável indagar: estaremos fadados a exportar água e sermos um país de sedentos?

2 O jargão econômico reconhece como commodities produtos in natura, oriundos da agropecuária ou da extração mineral, que podem ser estocados por certo tempo sem perda sensível de qualidade. Confira-se que a definição também pode incluir insumos que como proventos de água doce em seu stricto sensu, que apesar de constituir aferição tecnicamente correta, apenas ocasionalmente é indexada ao conceito. Advirta-se que a palavra inglesa commodity - em contestação ao que é dito inclusive por muitos economistas - não procede de common, que significa comum, vulgar ou banal neste idioma. A palavra commodity entrou em uso coloquial na Grã-Bretanha no século XV, derivando da corruptela do francês commodité, cuja tradução é comodidade, conveniência. Por sua vez, o termo francês procede do latim commoditas, que significa adequação, conveniência ou vantagem.

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TÍTULOS DO MESMO AUTOR PUBLICADOS PELA EDITORA KOTEV

RECURSOS HÍDRICOS

SAIBA MAIS: http://kotev.com.br/?product_cat=recursos-hidricos

MEIO AMBIENTE

SAIBA MAIS: http://kotev.com.br/?product_cat=meio-ambiente

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SOBRE O AUTOR MAURÍCIO WALDMAN é ambientalista histórico do Estado de São Paulo. Foi colaborador de Chico Mendes e atuou como Coordenador de Meio Ambiente em São Bernardo do Campo (SP) e Chefe da Coleta Seletiva de Lixo na capital paulista. Nos anos 1990, participou no CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), em movimentos em defesa da Represa Billings no Grande ABC Paulista e em diversas entidades ecológicas, dentre as quais o Comitê de Apoio aos Povos da Floresta de São Paulo. Na área dos recursos hídricos, a mais recente contribuição editorial de Waldman é a participação na coletânea Sustainable Water Management in the Tropics and Subtropics: Case Studies (2012, coedição Brasil-Alemanha). Nessa obra, Waldman é autor do Capítulo 53, Waters of Metropolitan Area of São Paulo: Tecnichal, Conceptual and Environmental Aspects, texto centrado a gestão dos recursos hídricos da RMSP. Em 2011, participou como interlocutor de referência no programa Água: O Mundo e um Recurso Precioso, produção especial da Rádio Nações Unidas transmitida diretamente de Nova York. O Doutorado de Waldman (2006, Geografia USP), Água e Metrópole: Limites e Expectativas do Tempo, é uma extensa e minuciosa investigação centrada na questão do abastecimento de água na Grande São Paulo. Antropólogo, jornalista, pesquisador acadêmico e professor universitário, Maurício Waldman é autor de 17 livros e de mais de 600 artigos, textos acadêmicos e pareceres de consultoria. Na formação acadêmica de Waldman constam: graduação em Sociologia (USP, 1982), Mestrado em Antropologia (USP, 1997), Doutorado em Geografia (USP, 2006), Pós Doutorado em Geociências (UNICAMP, 2011), Pós Doutorado em Relações Internacionais (USP, 2013) e Pós Doutorado em Meio Ambiente (PNPD-CAPES, 2015). E-mail: [email protected]