Água no séc. xxi: desafios e oportunidades · ... a água é vital para a vida humana (e para ......
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DEBATER A EUROPA Periódico do CIEDA e do CIEJD, em parceria com GPE, RCE e o CEIS20. N.1 Junho/Dezembro 2009 – Semestral ISSN 1647-6336 Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/
Água no séc. XXI: desafios e oportunidades
Paula Duarte Lopes
Professora de Relações Internacionais da FEUC
Investigadora do Centro de Estudos Sociais
Resumo
A previsão de guerras de água como característica do século XXI é aqui discutida
teórica e empiricamente, concluindo-se que a mesma sobrestima a relação entre água e
violência, ignorando o registo histórico cooperativo das relações hídricas ribeirinhas.
Esta análise é enquadrada pelos impactos hídricos das alterações climáticas que vêm
criar e exacerbar condições de escassez hídrica, incluindo na União Europeia. Estas
dinâmicas são apresentadas com especial incidência na abordagem desenvolvida pela
União Europeia no que diz respeito a recursos hídricos.
Palavras-chave: governação hídrica, alterações climáticas, União Europeia, violência,
cooperação
Abstract
The prediction of water wars as a characteristic of the 21st century is here discussed.
The argument is that this prediction overestimates the relation between water and
violence and ignores the historical record on riparian cooperative water relations. This
analysis is framed by the water impacts of climate change, which create and exacerbate
water scarcity conditions all over the world, including in the European Union. These
dynamics are examined focusing on the approach developed and adopted by the
European Union, concerning freshwater resources.
Key words: water governance, climate change, European Union, violence, cooperation
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Introdução
A famosa afirmação do ex-Vice-Presidente do Banco Mundial, Ismail Serageldin, em
1995, declarando que assim como as guerras do século XX tinham sido sobre petróleo,
as guerras do século XXI seriam sobre água1, continua a marcar as discussões sobre
água. As previsões sobre o impacto das alterações climáticas na disponibilidade e
distribuição dos recursos hídricos têm exacerbado esta expectativa, vislumbrando-se um
mundo caracterizado por guerras de sobrevivência pelo controlo e acesso a água.
É sempre difícil refutar ou confirmar previsões antes de o futuro chegar. No entanto, é
possível analisar o passado para melhor se preparar o futuro. No que diz respeito à
governação de recursos hídricos nacional e internacionalmente existe informação
suficiente e análises bem fundamentadas sobre as possibilidades que neste momento se
podem antever para fazer face à situação no futuro. Várias destas possibilidades já estão
a ser adoptadas. Pretende-se assim mostrar como o cenário catastrófico de guerras por
água é apenas uma das possibilidades existentes, não sendo sequer a mais comum.
A próxima secção apresenta uma breve contextualização dos recursos hídricos a nível
mundial e, em particular, no espaço da União Europeia. Em seguida, a relação entre
recursos ambientais e violência é analisada, com particular incidência nos recursos
hídricos, seguindo-se a análise da relação entre recursos hídricos e cooperação. Os
impactos das alterações climáticas sobre os recursos hídricos são seguidamente
abordados, seguindo-se uma discussão sobre as iniciativas europeias em curso neste
âmbito. Esta análise remete para a discussão teórica sobre a relação entre água e
violência/cooperação. Finalmente, algumas conclusões são apresentadas sobre a
dinâmica e tendências futuras relativas à sustentabilidade hídrica no espaço europeu.
Recursos hídricos no mundo e na Europa
Apesar do nome Terra, 70% do planeta é composto por água.2 No entanto, de toda esta
água, apenas 2,5% constitui água doce e a sua maior parte encontra-se inacessível nas
calotes polares e em aquíferos de difícil acesso, deixando apenas cerca de 0,26% de
1 SHIVA, Vandana - Water Wars: Privatization, Pollution and Profit. 2 SHIKLOMANOV, Igor - Appraisal and Assessment of World Water Resources.
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água doce disponível em rios, lagos e aquíferos de fácil acesso.3 A quantidade de água
existente no planeta é fixa, o que varia é o estado em que a mesma se encontra – sólido,
gasoso ou líquido; bem como o local e qualidade da mesma. O maior problema em
termos hídricos é que a água encontra-se a maior parte das vezes no sítio errado, à hora
errada, com a qualidade errada.4
Os recursos hídricos têm características distintas de outros recursos, conferindo-lhes
uma importância destacada na lista de prioridades quer de governantes como de
governados/as. Primeiro, a água é vital para a vida humana (e para a vida no planeta).
Pode-se viver sem petróleo, sem automóveis, sem aquecimento, sem electricidade,
definitivamente com menos conforto e com consequências graves para as pessoas em
determinadas regiões e para a estabilidade de sistemas políticos, económicos e sociais
nacionais e internacionais, mas é possível. No entanto, só se consegue viver um número
finito de dias sem água, dependendo das condições físicas da pessoa e das
características climatéricas do local onde ela se encontra.
Segundo, o carácter insubstituível da água cria um misto de pânico e impotência perante
situações de instabilidade por motivos de catástrofes naturais, convulsões sociais,
económicas ou políticas, ou por se atingirem os limites de água disponíveis numa
determinada região. Toda e qualquer actividade económica e produto à venda
necessitam de água ou como componente ou como elemento no seu processo de
produção e distribuição. Não foi ainda possível encontrar um substituto para a água.
E terceiro, apesar da quantidade de água ser constante no planeta, a sua concentração
física em determinadas regiões combinada com a existência de fronteiras políticas com
repercussões ao nível de direitos de propriedade faz com que a água seja escassa em
diferentes partes do planeta, distintos países e ainda em determinadas regiões dentro
desses países. A escassez de água não é apenas física (menos de 1.000 m3 por pessoa
por ano)5, mas também pode ser económica, no sentido de não haver recursos
3 SHIKLOMANOV, Igor. 4 Esta conclusão baseia-se numa perspectiva unicamente antropogénica. 5 FALKENMARK, Malin - Global Water Issues Confronting Humanity. Define-se ainda que um país é caracterizado por stress hídrico quando a água disponível por pessoa por ano é entre 1.000 e 1.700 m3. A
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económicos disponíveis para garantir a água necessária a uma existência humana digna
e saudável.
Figura 1 – Escassez de água física e económica, 2007
Fonte: WORLD RESOURCES INSTITUTE, 2007.
A Figura 1 revela claramente as zonas onde a escassez hídrica física já existe: fronteira
entre os Estados Unidos da América e os Estados Unidos do México; na região Sudeste
da Austrália; Norte da China e algumas zonas da Ásia Central; no Sul de África, bem
como em todo o Norte de África e Médio Oriente; e algumas zonas localizadas na
Europa. No entanto, as zonas de escassez hídrica económica estão totalmente
concentradas na América Central e Sul da Ásia e na esmagadora maioria da África
Subsaariana.
A União Europeia tem monitorizado esta preocupação com base no Índice de
Exploração de Água que relaciona a água utilizada com a disponibilidade média anual.
Assim, países cujo Índice de Exploração de Água ultrapasse os 20% denotam já uma
situação de escassez hídrica, sendo que para além dos 40% é considerada uma situação
de escassez extrema. disponibilidade de água entre 1.700 e 2.500 m3 por pessoa por ano indica que o país se encontra numa situação de vulnerabilidade hídrica.
Pouca ou nenhuma Não estimada
Escassez física Escassez económica
Próxima de escassez física
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Figura 2 – Índice de Exploração de Água, 1990 e 2008.
Fonte: EUROPEAN ENVIRONMENT AGENCY, 2008.
Assim, pode-se constatar (Figura 2) que apenas Chipre ultrapassou a barreira dos 40% e
se caracteriza por uma escassez hídrica extrema, mas que, ainda assim, vários países
europeus já ultrapassaram a barreira dos 20% e se encontram, em termos técnicos, em
escassez hídrica: Bulgária, Espanha, Bélgica, Macedónia, Itália, Inglaterra e País de
Gales, Malta e Alemanha. Acresce ainda que outros se encontram já bastante próximos
da barreira dos 20%, como Turquia, Polónia e França. Estes valores são, no entanto,
agregados e não reflectem as realidades de determinadas bacias hidrográficas.
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Figura 3 – Escassez hídrico em bacias hidrográficas europeias, 2000
Fonte: EUROPEAN ENVIRONMENT AGENCY, 2005.
Com a Figura 3, constata-se claramente que os números agregados por país escondem
realidades muito distintas. Assim, no Sul da Europa, bem como no Noroeste, existem
bacias hidrográficas caracterizadas por escassez hídrica extrema. Verifica-se, desta
forma, que o espaço da União Europeia não foge à problemática associada à desigual
disponibilidade de recursos hídricos, nem à existência de bacias já a enfrentarem
situações de escassez hídrica.
Água e violência
Este contexto de escassez hídrica tem enquadrado e fundamentado a previsão de que o
século XXI será caracterizado por guerras de água. Vários têm explorado esta previsão e
procurado prever as regiões onde estas ‘guerras de água’ terão lugar. Assim, têm-se
identificado algumas bacias hidrográficas internacionais como estando em risco de
virem a ser palco de conflitos violentos.
0 – 20 (nível baixo)
20 – 40 (nível médio)
> 40 (escassez extrema)
não estudado
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Figura 4 – Bacias em risco
Fonte: WOLF, Aaron; YOFFE, Shira; GIORDANO, Mark, 2003, p. 47.
A Figura 4 não identifica qualquer bacia em risco de conflito violento no espaço da
União Europeia. A grande maioria das bacias em risco situa-se em África e na Ásia,
havendo apenas duas no continente americano (Lempa, América Central e La Plata,
América do Sul). São ainda identificadas bacias onde existiram disputas recentes e onde
estão a decorrer negociações no sentido de gerir essas tensões pacificamente: Nilo,
Tigre-Eufrates e Mar Aral.
Vários decisores políticos e académicos têm chamado a atenção para o potencial da
escassez de água despoletar conflitos violentos nacionais e internacionais (guerras). As
características inerentes ao recurso ‘água’ sugerem, segundo eles, que o despoletar de
iniciativas violentas para o seu acesso, controle, utilização, vai ocorrer e intensificar-se
à medida que as condições se vão alterando. Ou seja, esperam-se actos de violência à
medida que a escassez de água se for agudizando e, no limite, guerras.
Esta relação de causalidade que é apresentada de forma linear – escassez de água leva a
violência/guerra – é bastante mais complexa do que possa parecer. A maior parte das
pessoas concordará que tem lógica que se venha a lutar por um recurso vital e
Interesses potencialmente conflituais e/ou falta de capacidade institucional
Disputas recentes; negociações em curso
Outras bacias internacionais
Legenda
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insubstituível; muitos advogam que faz parte da natureza humana a reacção violenta a
uma situação extrema em que a sobrevivência está em causa. No entanto, existem pelo
menos duas razões para discordar desta relação de causalidade linear.
A primeira é uma razão ontológica. Nada garante que a natureza humana seja
inerentemente violenta. Até hoje não foi possível provar cientificamente que na dúvida,
sob condições extremas, os seres humanos, invariavelmente se envolvem em acções
violentas. A violência é uma das opções possíveis para lidar com conflitos, mas existe
sempre uma outra opção de recorrer a meios pacíficos/não-violentos para gerir esses
conflitos.6 Esta premissa não desvaloriza o papel, a influência, que as condições de vida,
o percurso histórico, a formação ou os valores da comunidade, têm sobre essa escolha.
Mas exactamente salienta que essas condições de vida, percursos históricos, formação,
valores comunitários não são dados adquiridos e estáticos e, portanto, podem ser
capitalizados num sentido ou noutro.
A segunda razão é histórica. No que diz respeito à água, a última guerra – no sentido
clássico do termo, dois exércitos frente-a-frente, com mais de 1.000 mortos – registada
teve lugar entre duas cidades-estado na Suméria antiga (Umma e Lagash) em 2.500 a.c.7
Não existe qualquer registo histórico de outra guerra entre entidades políticas
autónomas despoletada ou explicada por motivos hídricos. Isto, no entanto, não quer
dizer que a água não seja um factor que influencia conflitos violentos em curso ou que
pode contribuir para despoletar um conflito violento. O que esta afirmação implica é
que a relação entre água e violência não é directa. Logo, não é sério olhar para o mapa e
concluir que devido a escassez hídrica (leia-se falta de qualidade ou quantidade de água)
se espera que, em determinadas regiões do mundo, os países afectados entrem em
conflito armado.
Na verdade vários autores têm-se dedicado a analisar a relação entre escassez ambiental,
incluindo a hídrica, e violência. Homer-Dixon8, por exemplo, analisa a relação entre a
6 FREIRE, Maria Raquel ; LOPES, Paula Duarte – Reconceptualizar a paz e a violência: uma análise crítica. 7 WOLF, Aaron – ‘Water Wars’ and Other Tales of Hydromythology. 8 HOMER-DIXON, Thomas – Environment, Scarcity, and Violence.
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escassez ambiental e violência e conclui, exactamente, que a relação não é directa. O
autor desvela que a escassez ambiental, causada por uma diminuição da oferta, aumento
da procura e/ou distribuição desigual do recurso, não implica directamente um
despoletar de violência. Implica sim determinadas alterações ao nível económico e
social, nomeadamente, migrações, pobreza endémica, diminuição da produção
económica. Sendo que estas alterações se desenrolam num determinado quadro político-
institucional e económico-social e é nesta interacção que se forja o sentido das
consequências. Ou seja, se as instituições políticas, a económicas e sociais conseguirem
gerir as alterações, adaptar-se às mesmas, fazer os ajustes necessários, sem criar
instabilidade político-social e económica, é pouco provável que haja recurso a violência
como reacção à situação. Se, pelo contrário, a escassez hídrica produzir alterações
demográficas, económicas, sociais que afectem estruturalmente as “vidas das pessoas, o
comportamento das elites, e a capacidade dos estados conseguirem responder a estas
demandas em mutação”,9 então, poderão assistir-se a reacções violentas. Portanto, não
de forma directa, mas antes na interacção com o regime político, económico e social
existente nessa região. Com base neste estudo, conclui-se que há potencial para
situações de escassez hídrica contribuírem, ainda que indirectamente, para a ocorrência
de actos violentos. Homer-Dixon defende que esta tendência é, no entanto, restrita ao
território nacional, não descurando, no entanto, a possibilidade destas dinâmicas
poderem vir a atravessar fronteiras.10
Água e cooperação
Wolf e a sua equipa, para além de analisarem a relação entre recursos hídricos e
violência, incluíram também na sua análise a relação entre recursos hídricos e
cooperação, tentando assim identificar factores que potenciem um resultado em
detrimento do outro.11 Os resultados demonstram claramente que há mais eventos de
cooperação (internacional) ao nível de recursos hídricos partilhados, do que eventos
hostis (e nenhum de guerra, claro).
9 HOMER-DIXON, Thomas, p. 5. 10 HOMER-DIXON, Thomas. 11 WOLF, Aaron; YOFFE, Shira; GIORDANO, Mark.
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As conclusões iniciais deste estudo vão ao encontro das de Homer-Dixon, salientando
que a água não é um factor explicativo de violência, por si só, mas pode ser um ‘factor
irritante’ no âmbito de relações já tensas, em rota de colisão ou que tenham levado a um
conflito violento passado ou em curso.12 Mas este trabalho foi mais longe, procurando
as razões que explicam o facto de, apesar das previsões mais catastróficas,
historicamente, a opção perante escassez de água não ter sido a violência.
Figura 5 – Intensidade de eventos hídricos
Fonte: WOLF, Aaron; YOFFE, Shira; GIORDANO, Mark, 2003, p. 40.
De facto, perante os resultados apresentados na Figura 5, constata-se que a maior parte
dos eventos hídricos internacionais foram de natureza cooperativa e, mesmo os que
tiveram uma natureza hostil, na sua esmagadora maioria, não passaram de hostilidades
verbais ou de actos diplomático-económicos hostis.
Cerca de 45% dos eventos hídricos são sobre a partilha quantitativa da água e, em
segundo lugar, com 19% dos eventos hídricos, encontram-se questões de
12 WOLF, Aaron; YOFFE, Shira; GIORDANO, Mark.
No. de eventos
mais violência mais cooperante
-7 guerra formal -6 actos de guerra extensivos -5 actos militares de pequena escala -4 actos políticos/militares hostis -3 actos diplomático-económicos hostis -2 hostilidade verbal oficial forte -1 hostilidade verbal não oficial média 0 actos neutros, não-significativos 1 apoio verbal médio 2 apoio verbal oficial 3 apoio ou acordo cultural ou científico 4 acordo económico, tecnológico ou industrial não-militar 5 apoio estratégico, económico, militar 6 tratado hídrico internacional 7 unificação num país
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infraestrutura.13 Paradoxalmente, as principais causas de conflito (100%) e cooperação
(59%) extremas são bastante similares: quantidade de água (90%) e infra-estrutura
(10%), no primeiro caso, e quantidade de água (29%) e produção hidroeléctrica (30%),
no segundo.14 Na verdade, várias outras variáveis foram consideradas para explicar a
ocorrência de conflito ou de cooperação de diversas intensidades. A conclusão a que
Wolf chegou foi que
não ocorrem mais conflitos [violentos] em zonas de climas áridos do que em zonas de climas húmidos, e que a cooperação internacional na verdade aumenta durante períodos de seca.[15] (...) As democracias envolvem-se tantas vezes quanto as autocracias em conflitos hídricos, os países ricos tanto quanto os países pobres, os países densamente povoados tanto quanto os países esparsamente povoados, e os países grandes tanto quanto os países pequenos.
16
Apesar deste resultado inconclusivo, a investigação foi mais longe, e identificou o facto
de existirem instituições como decisivo no desenvolvimento e desenlace de conflitos de
interesses hídricos. Por outras palavras, a investigação revelou que nos casos em que
conflitos de interesses hídricos não resultaram em conflitos hostis ou violentos existiam
ou foram criadas instituições para regular, gerir, diluir e/ou resolver esses conflitos.17
Mais importante ainda, não foi apenas o factor institucional que estaticamente se
revelou significativo. No âmbito de uma análise dinâmica, foram, especificamente, as
instituições que tiveram capacidade de absorver e gerir alterações bruscas e drásticas
que constituíram o factor determinante da intensidade cooperante/violenta de interesses
hídricos divergentes.18
Na realidade, a organização internacional mais antiga do mundo é uma organização
associada a um rio internacional europeu – a Comissão para a Navegação do Rio Reno
(1815) – ainda hoje em funcionamento. Apesar de existirem 263 bacias hidrográficas
internacionais e cerca de 40% da população mundial viver nas mesmas, não há registo
de confrontações violentas entre países ou grupos por motivos exclusivamente
13 YOFFE, Shira; WOLF, Aaron e GIORDANO, Mark – Conflict and Cooperation Over International Freshwater Resources: Indicators and Findings of the Basins at Risk Project. 14 YOFFE, Shira; WOLF, Aaron e GIORDANO, Mark. 15 Ênfase no original. 16 WOLF, Aaron, p. 117. Tradução livre da autora. 17 WOLF, Aaron. 18 WOLF, Aaron, p. 118.
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hídricos.19 Pelo contrário, a água tem sido um factor unificador entre povos e entidades
ribeirinhas, verificando-se uma proliferação de tratados internacionais, organizações
ribeirinhas, comissões técnicas transnacionais e investimentos comuns, no sentido de
gerir recursos hídricos internacionalmente compartilhados. Assim, a conclusão geral do
estudo liderado por Wolf é que a tendência para questões hídricas exacerbarem
(‘irritarem’) tensões entre países ribeirinhos diminui se (a) existirem instituições
comuns para gerir a água compartilhada; (b) essas instituições forem estáveis e fortes; e
(c), simultaneamente, essas instituições forem flexíveis.20 Estas condições são
necessárias para que as instituições consigam sobreviver a alterações bruscas, a
diferenças temporais significativas entre sacrifícios e benefícios, e a aumento da
natureza hostil das relações.21 Estas instituições adquirem, assim, um papel crucial na
governação, nacional e internacional, dos recursos hídricos, procurando gerir de forma
não violenta disputas que vão surgindo no que diz respeito ao acesso, às condições de
utilização, à qualidade e à responsabilidade do uso de recursos hídricos.
Alterações climáticas: consequências hídricas
As alterações climáticas estão e continuarão a exercer pressão sobre os recursos hídricos
no planeta.22 Esta pressão crescente pode implicar migração (deslocados/refugiados
ambientais) que provocará um aumento da procura de água no local de destino; pode
determinar degradação ambiental e/ou a ocorrência de dinâmicas naturais que resultem
numa diminuição dos recursos hídricos disponíveis numa determinada região; e pode
ainda afectar os regimes de afectação de recursos, causando uma distribuição desigual
destes recursos. Qualquer destas dinâmicas pode conduzir a situações de escassez
hídrica como as descritas por Homer-Dixon.
Os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas prevêem
cenários com diferentes intensidades de migração por motivos hídricos, de degradação
hídrica, e/ou regimes de afectação desigual de recursos hídricos,23 reforçando a
probabilidade de situações de escassez hídrica virem a contribuir para conflitos
19 WOLF, Aaron. 20 WOLF, Aaron. 21 WOLF, Aaron. 22 CHALECKI, Elizabeth – Environment Security: A Case Study of Climate Change. 23 BOKO, Michel et al. – Africa. Climate change 2007.
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violentos. O Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, por exemplo,
reconhece a relação indirecta entre alterações climáticas e conflitos violentos.24 No
entanto, o mesmo Relatório identifica “mecanismos de transmissão” através dos quais
as alterações climáticas podem contribuir indirectamente para o exacerbar e despoletar
de conflitos violentos.25 O Relatório reconhece, tal como Homer-Dixon, que “nenhum
dos factores individuais operará isoladamente. Estes vão interagir com processos
sociais, económicos e ecológicos mais amplos”.26
Os impactos das alterações climáticas sobre os recursos hídricos incluem secas, cheias,
catástrofes naturais como tufões e ciclones, são bruscos, implicam diferenças temporais
significativas e exacerbam as condições de vida das populações afectadas.27 A pressão
que as alterações climáticas estão, e continuarão, a exercer sobre os regimes de
governação e as instituições existentes e a flexibilidade das mesmas vai agudizar a
dinâmica acima identificada associada à relação entre escassez hídrica e violência ou
cooperação. Acresce ainda que uma das regiões identificadas em todos os relatórios
sobres este tema como das mais vulneráveis aos impactos referidos é África, mais
precisamente, a África Subsaariana. Ainda antes de ter em conta as alterações
climáticas, esta região já foi identificada como a mais problemática em termos de
escassez hídrica. Nas Figuras 1 e 4, esta região é caracterizada por escassez hídrica
económica e pela existência de várias bacias em risco de conflito violento,
respectivamente. As causas destas situações complexas são claramente identificadas nos
relatórios de avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
como incluindo “desigualdades estruturais, má gestão de recursos, estados predatórios”,
questões associadas com a “distribuição da terra e a sua escassez”.28 As quais são
agudizadas com os impactos das alterações climáticas, não conferindo a flexibilidade
necessária perante estas alterações bruscas e estruturais.
24 PNUD – Human Development Report 2007/2008. 25 PNUD, p. 9-10. Os mecanismos de transmissão identificados são a produção agrícola e a segurança alimentar, escassez hídrica e insegurança, aumento dos níveis da água do mar e exposição a desastres climáticos, ecossistemas e biodiversidade e saúde humana. 26 PNUD, p. 10. 27 Indo, portanto, ao encontro dos factores identificados por Wolf como potenciais desestabilizadores. 28 BOKO, Michel et al., p. 443.
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No espaço da União Europeia, também se prevêem impactos hídricos bruscos e
estruturais, com diferenças temporais significativas, em consequência das alterações
climáticas.29 Os cenários previstos apontam para um aumento do risco da ocorrência de
cheias no Norte da Europa e de secas no Centro e Sul.30 Nalguns casos, nomeadamente
na Europa Central, prevê-se que o fluxo mínimo no Verão possa diminuir até 50%, e, no
Sul da Europa, esta diminuição poderá atingir os 80%.31
Figura 6 – Bacias europeias com escassez hídrica, 2000 e 2030
Fonte: EUROPEAN ENVIRONMENT AGENCY, 2008.
Como referido antes, ainda não existem situações demasiado preocupantes ao nível dos
países membros da União Europeia no que diz respeito a escassez hídrica, por um lado,
porque as situações existentes não são generalizadas e, por outro lado, porque, até
agora, tem sido possível gerir a situação de forma não violenta, recorrendo a
29 ALCAMO, Joseph; MORENO, José; NOVÁKY, Béla – Europe. Climate change 2007. 30 ALCAMO, Joseph; MORENO, José; NOVÁKY, Béla, p. 550. 31 ALCAMO, Joseph; MORENO, José; NOVÁKY, Béla, p. 550.
Índice de exploração de água
Índice de exploração de água superior ou igual a 20% indica escassez hídrica
Índice de exploração de água superior ou igual a 40% indica escassez hídrica extrema
90
investimentos infra-estruturais e a políticas de consumo eficiente. No entanto,
relembrando a Figura 2, em termos técnicos, vários países já se encontram em situação
de escassez hídrica: Chipre (escassez extrema), Bulgária, Espanha, Bélgica, Macedónia,
Itália, Inglaterra e País de Gales, Malta e Alemanha; e outros encontram-se já bastante
próximos dessa situação, como Turquia, Polónia e França.32 E, analisando a Figura 6,
percebe-se claramente que a escassez hídrica afecta bacias específicas de forma desigual
entre e dentro de países. Confirma-se ainda a previsão das situações mais preocupantes
de escassez hídrica em bacias na Europa Central e do Sul, destacando-se a Península
Ibérica e, nomeadamente, a bacia do rio Guadalquivir que já se encontra numa situação
de escassez excepcionalmente extrema e para a qual ainda se prevê um agravar da
situação (Figura 6).
Assim, prevê-se que os impactos das alterações climáticas venham a agudizar estas
situações, exercendo pressão sobre os regimes de governação hídrica locais, nacionais,
transnacionais e europeus existentes. As consequências destes impactos convergem,
novamente, para as dinâmicas identificadas por Homer-Dixon: diminuição dos recursos
hídricos disponíveis, com potencial para a sua não recuperação,33 devido a cheia e secas,
bem como a intrusão salina; aumento da procura, devido ao aumento populacional
previsto, bem como à migração europeia para zonas com maior abundância de recursos
hídricos; e, finalmente, alteração dos regimes de afectação de recursos hídricos,
resultantes das dinâmicas anteriores.
Águas europeias: violência versus cooperação
Ainda assim, historicamente, não só não tem havido violência recorrente devido a
questões hídricas no continente europeu, como não se têm feito (ainda) sentir alterações
preocupantes no abastecimento de água.34 À luz das teorias e estudos apresentados, dois
factores parecem contribuir para esta realidade: a utilização mais eficiente da água e a
32 EUROPEAN ENVIRONMENT AGENCY – Water scarcity. 33 Não esquecer que a água é um recurso natural renovável. No entanto, as taxas de exploração hídrica são superiores ao ritmo natural de renovação dos corpos hídricos, o que implica uma transformação da natureza renovável da água a curto e médio prazo. Ou seja, no curto-médio prazos, os recursos hídricos não podem ser considerados renováveis, apesar de no muito longo-prazo o serem. 34 Com excepções sazonais localizadas ou concentradas em determinados centros urbanos, como, por exemplo, Barcelona (Espanha).
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existência de instituições para gerir e regular o controlo e acesso aos recursos hídricos
dentro do espaço europeu.
Primeiro, no que diz respeito à utilização mais eficiente da água, apesar de um elevado
consumo per capita, os países europeus, em média, tiram maior rendimento por metro
cúbico de água do que a maior parte dos países desenvolvidos.
Figura 6 – Utilização hídrica per capita por região, 1998-2002
Fonte: PNUA, 2007.
A Figura 6 mostra esta realidade. A quantidade de metros cúbicos de água consumidos
por de pessoa na Europa é inferior à consumida na América do Norte (menos de
metade) e na Ásia Ocidental.35 Entre 1980 e 2000, a quantidade de água utilizada nos
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE)
35 PNUA – GEO4 Global Environmental Outlook: environment for development.
m3 por pessoa África Ásia e Pacífico Europa América Latina e Caraíbas América do Norte Ásia Ocidental
92
aumentou em média cerca de 4,5%.36 No entanto, nesse mesmo período, nove países da
OCDE conseguiram diminuir a quantidade de água utilizada por pessoa por ano –
Suécia, Países Baixos, Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, República Checa,
Luxemburgo, Polónia, Finlândia e Dinamarca – sendo todos, actualmente, membros da
União Europeia, excepto um.37 A OCDE, nas suas previsões, identifica, para além das
alterações climáticas, a questão da escassez hídrica como uma das suas quatro
prioridades para as próximas duas décadas.38
Este padrão de utilização resulta não só de uma consciência ambiental europeia,
norteada pelo princípio da precaução, mas também de um desenvolvimento tecnológico
impulsionado pelos limites físicos existentes na Europa e pelos incentivos
governamentais nesse sentido que tem apoiado, impulsionado e sustentado este padrão
de consumo.
Segundo, relativamente à existência de instituições para gerir e regular o controlo e
acesso aos recursos hídricos dentro do espaço europeu, os países membros da União
Europeia têm desenvolvido (e mais recentemente este processo tem sido intensificado
por impulso de Bruxelas) instituições e regras de utilização dos recursos hídricos no
sentido de fazer face aos limites físicos, minimizar os impactos económicos e sociais
desses limites, e tentar ultrapassar essa situação. Neste sentido a Directiva-Quadro da
Água (2000) constitui, obviamente, um quadro unificador de princípios de acção
essenciais para esta abordagem.
Neste sentido, a Directiva-Quadro da Água identifica quatro áreas essenciais. 39 A
gestão integrada dos recursos hídricos é provavelmente a área mais ampla e abrangente,
incluindo a coordenação da gestão e planificação ao nível das bacias internacionais, a
participação pública ao nível da gestão e planificação de todas as bacias hidrográficas
europeias, a integração ao nível da gestão das águas superficiais e subterrâneas, bem
como destas com as zonas costeiras (Directiva Quadro ‘Estratégia Marinha’), a gestão
36 OCDE – Key Environmental Indicators. 37 OCDE – Key Environmental Indicators. 38 As restantes duas incluem a perda de biodiversidade e o impacto da poluição na saúde humana. 39 União Europeia - Directive 2000/60/EC of the European Parliament and of the Council establishing a
framework for the Community action in the field of water policy.
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integrada das infra-estruturas hídricas (canais, barragens e portos), a definição de
valores comuns para aferir da qualidade da água, bem como a implementação de
programas de monitorização dos mesmos ao nível europeu.
O combate à poluição constitui outra área de acção claramente identificada através de
políticas de redução de químicos perigosos nas águas europeias e de identificação de
águas superficiais e subterrâneas em risco. Uma terceira área prioritária que envolve
todas as outras é a questão da valorização económica da água como recurso. Esta
prioridade reflecte-se em políticas de mercantilização do sector hídrico e em incentivos
à criação de parcerias público-privadas. Finalmente, uma última área, que também
envolve todas as outras, diz respeito à preocupação em preparar o sector hídrico europeu
para os desafios colocados pelas alterações climáticas – cheia, secas, alterações de
ecossistemas aquáticos – integrando a probabilidade destes cenários de forma
transversal na governação dos recursos hídricos dentro do espaço europeu.
Obviamente que a Directiva-Quadro da Água não surge num vácuo. Todos os países
membros da União Europeia têm vindo a desenvolver nacionalmente legislação,
instituições e acordos ribeirinhos sobre questões hídricas, com uma longa tradição
histórica de considerar a água como factor unificador e não como factor ‘irritante’ das
suas relações ribeirinhas.40 Actualmente, é reconhecido que a governação hídrica é
essencial para se implementarem dinâmicas de sustentabilidade e para se conseguir
fazer face às pressões constantes e crescentes sobre este recurso que se tornou escasso.
Desta forma, a criação de um corpo normativo e institucional para governar as águas
europeias é um sinal claro deste reconhecimento e da sua operacionalização. Seguindo
as conclusões do trabalho de Wolf, o espaço europeu, neste momento, possui
instituições comuns para gerir a sua água; a estabilidade e capacidade dessas instituições
variam de país para país e de bacia para bacia, mas estão todas incluídas no âmbito da
Directiva-Quadro da Água, regendo-se, portanto, pelos mesmos princípios; finalmente,
o seu grau de flexibilidade para fazer frente a alterações bruscas e estruturais e a
40 Seguindo a terminologia de WOLF, Aaron.
94
situações com diferenças temporais significativas também varia, não permitindo fazer
afirmações peremptórias. 41
Mas este quadro institucional e político indica que estão a ser criadas as bases para gerir
e regular as águas europeias de forma não violenta, mesmo perante desafios inesperados
e sem precedentes. Na verdade, a arquitectura institucional e normativa hídrica europeia
sugere uma preocupação em não só gerir as águas europeias, mas em preparar os
mecanismos de planificação, tomada de decisão e implementação para situações
pontuais e mais regulares de escassez de água, exigindo uma gestão integrada ainda que
multi-nível e uma participação pública a todos os níveis, privilegiando, no entanto, o
nível da bacia hidrográfica (seguindo o princípio da subsidiariedade).
A União Europeia, capitalizando o seu papel como actor internacional, tem
desenvolvidos esforços no sentido de transnacionalizar esta sua abordagem através da
Iniciativa Europeia para a Água (2002). O objectivo geral desta Iniciativa é “criar as
condições para mobilizar todos os recursos da União Europeia disponíveis (humanos e
financeiros), e coordená-los no sentido de atingir os Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio (ODM) relacionados com água nos países parceiros”.42 A União Europeia,
através desta Iniciativa, promove os princípios da Directiva-Quadro da Água além
fronteiras, procurando que os países parceiros aumentem o seu empenho político para
com uma governação de recursos hídricos mais eficiente, mais pró-activa, mais
integrada, mais participativa, mais cooperativa, mais focada ao nível da bacia
hidrográfica e mais sustentável ambiental e financeiramente.43
A Iniciativa Europeia para a Água abrange actualmente quatro regiões: África; Europa
de Lesta, Cáucaso e Ásia Central;44 Mediterrâneo; e América Latina.45 A União
Europeia não pretende apenas proporcionar o apoio institucional para a
transnacionalização da Directiva-Quadro da Água, mas tem também disponibilizado
recursos através da Agência Europeia para a Água, tendo também já sido criada uma
41 WOLF, Aaron. 42 União Europeia – EU Water Initiative. 43 União Europeia – EU Water Initiative. 44 A sigla em inglês é EECCA (Eastern Europe, Caucasus and Central Asia). 45 União Europeia – EU Water Initiative.
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Agência Africana para a água.46 O objectivo destas agências é operacionalizar os
princípios da Iniciativas Europeia para Água através do seu financiamento. Obviamente
que esta Iniciativa transcende o trabalho das agências ao constituir um quadro de acção
referencial para qualquer projecto, investimento ou política que tenha impactos nos
recursos hídricos dos países participantes. Desta forma, a preocupação europeia em criar
instituições para governação da água, estáveis e fortes, mas também flexíveis, já
transbordou para além das fronteiras europeias. Novamente, esta pode constituir uma
iniciativa com impactos positivos importantes ao nível internacional no que diz respeito
às relações mais ou menos violentas/cooperativas entre países ribeirinhos por todo o
mundo, nomeadamente perante situações de escassez hídrica pontual ou regular.
Conclusões
As alterações climáticas colocam desafios claros e estruturais no âmbito da governação
dos recursos hídricos. Estes desafios passam por um aumento da procura –
deslocados/as e refugiados/as ambientais para além do aumento demográfico regular;
por uma diminuição da oferta – secas, cheias, alterações de ecossistemas, poluição; e
por uma pressão e ajuste dos regimes reguladores das condições de controlo, acesso e
utilização de água, com potencial para exacerbar ou criar situações de desigualdade
insustentáveis. Estas dinâmicas vão interagir com os regimes político, económico e
social em cada região, colocando uma pressão sem precedentes sobre os mesmos.
Perante esta situação, teoria prevê que havendo instituições estáveis e fortes para dirimir
e gerir estas pressões, as quais sejam também flexíveis o suficiente para se adaptar à
realidade em mutação e para se ajustar a alterações bruscas e inesperadas, então a
probabilidade de ocorrência de conflitos violentos relacionados com água é baixa.
A União Europeia tem seguido claramente esta abordagem, equipando-se, e exigindo o
mesmo aos seus membros, de uma arquitectura institucional multi-nível, baseada no
princípio da subsidiariedade (bacia hidrográfica como a unidade de intervenção), no
princípio da precaução (combate à poluição), e no princípio da gestão integrada (águas
superficiais, subterrâneas e costeiras; parecerias público-privadas; participação pública
nos mecanismos de tomada de decisão e planificação; recursos naturais e infra-
46 União Europeia – EU Water Initiative.
96
estruturas hídricas nacionais e internacionais).47 Esta dinâmica já cruzou fronteiras e a
União Europeia, actualmente, promove e apoia esta abordagem em quatro regiões fora
das suas fronteiras (África, Mediterrâneo, América Latina e Europa de Leste, Cáucaso e
Ásia Central).
Assim, conclui-se que as previsões da ocorrência de guerras sobre água durante o século
XXI são sobrestimadas, não tendo em conta, por um lado, a relação indirecta entre água
e violência e, por outro lado, e por isso mesmo, o potencial existente para adequar e
ajustar os padrões de consumo actuais face ao agudizar dos impactos hídricos das
alterações climáticas. A União Europeia, neste contexto, parece estar bem posicionada
não só para desenvolver políticas de água, de inovação, de investimento e de educação,
mas também para servir de benchmarking para outras regiões do globo sobre esta
temática. O reconhecimento europeu de que a resposta não está em se continuar
cegamente a tentar encontrar e transportar mais água, mas sim em aumentar a eficiência
da utilização através de inovação, educação e criatividade constitui, no entender da
autora, um factor crucial no sentido de reagir e agir proactivamente sobre esta dinâmica.
47 Apesar de não ser directamente relevante para o argumento apresentado, é importante não descurar o facto da União Europeia depender da importação de água virtual. Por exemplo, uma grande percentagem dos produtos agrícolas consumidos dentro do espaço europeu é produzida fora deste espaço, consumindo, obviamente água que, desta forma, não é utilizada dentro da União Europeia para produção agrícola. Actualmente as maiores transferências mundiais de água virtual ocorrem dos Estados Unidos da América para a América Central, União Europeia, Norte de África e Ásia Central e de Leste, bem como da América Central para a União Europeia. Os países membros da União Europeia têm recursos económicos para manterem esta importação. Consequentemente, este pode constituir um factor importante para melhor compreender a ausência de conflitos hídricos violentos dentro do espaço europeu, em particular. A autora considera, no entanto, que esta possibilidade não invalida a análise efectuada, constituindo um factor complementar de natureza potencialmente ‘irritante’ para os países exportadores de água virtual.
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