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Agriculturas - v. 2 - n o 2 - junho de 2005 1 junho 2005 vol. 2 n o 2

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Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005 1

junho2005vol. 2

no 2

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2 Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005

v. 2, n0 2(corresponde ao v. 20, nº 3 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa –, em parceria com a Funda-ção ILEIA - Centre of Information on Low External Input

and Sustainable Agriculture.

AS-PTARua da Candelária, n.º 9, 6º andar.

Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21) 2233-8363

E-mail: [email protected]ção ILEIA

P. O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10

www.leisa.info

Conselho EditorialCláudia Calório

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Eugênio FerrariCentro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAss. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica

e Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional-Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número Ricardo CostaProdução Executiva Regina Hippolito

Pesquisa Regina Hippolito, Victor Perret, Fernanda A.Teixeira, Gustavo M. da Silva, Jurema Diniz

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque e tradução Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzFotos da capa Maurício Pinheiro (agricultores da região

ribeirinha do Rio Acre); Elisa Cotta de Araújo (Empóriodo Sertão, festas de agosto, Montes Claros/MG e

processamento comunitário de pequi).Projeto gráfico e diagramação I Graficci

Impressão SRGA AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aqui

publicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial dealgum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte e que nos seja enviada uma cópia

da publicação com o texto reproduzido.

ISSN: 1807-491X

edito

rial

acesso aos mercados é um fator determinantepara a composição e o funcionamento dos sis-temas produtivos familiares. Desempenha as-

sim um papel central nas estratégias de transição agroecoló-gica. A permeabilidade dos mercados à agricultura diver-sificada se apresenta como condição favorecedora dos pro-cessos de conversão dos sistemas produtivos para padrõesagroecológicos. Mercados especializados, oligopolizadose de longa distância, pelo contrário, tendem a comprome-ter a manutenção desses agroecossistemas biodiver-sificados.

O desenvolvimento de estratégias individuais ecoletivas, voltadas para melhorar as condições de acessoaos mercados e para agregar valor à produção primária,figura entre os maiores desafios enfrentados tanto pelasfamílias de produtores ecológicos quanto por aquelas quevivenciam o processo de conversão agroecológica. Umconjunto já bastante expressivo de experiências bem-su-cedidas vem, sob essa perspectiva, gerando referênciasinovadoras passíveis de replicação. Em geral, referem-se ainiciativas que buscam a aproximação entre produtores econsumidores através da revitalização e/ou da reorgani-zação dos mercados locais/regionais, os quais têm se re-velado espaços fecundos para a realização econômica daprodução da agricultura familiar diversificada, ao mesmotempo em que favorecem a reprodução das culturas ali-mentares regionais.

Sendo mediadores entre os padrões de pro-dução e os de consumo, esses mercados locais vêm me-recendo crescente atenção por parte do movimentoagroecológico na medida em que estabilizam os víncu-los entre os sistemas produtivos e os circuitos de comer-cialização dos produtos e proporcionam maior transpa-rência às relações entre os agentes dessas duas esferaseconômicas. Políticas públicas sensíveis às lógicas eco-nômicas, técnicas e socioculturais da agricultura fami-liar começam a ser implementadas, gerando efeitos sig-nificativos no que se refere ao apoio às dinâmicas detransição agroecológica.

Nesta edição da Revista Agriculturas, o tema éabordado a partir de diversos exemplos que reiteram a im-portância e a atualidade dos mercados locais comoimpulsionadores de processos de promoção da agroe-cologia e da agricultura familiar.

O editor

Beneficiamentoda produção eacesso a mercados

O

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Índi

ce

Artigos

Programa de apoio às feiras e à agricultura familiar no pág. 5Jequitinhonha mineiroEduardo Magalhães Ribeiro, Boaventura Soares de Castro, LuizHenrique Silvestre, Juliana Sena Calixto, Daniel Prado Araújo,Flávia Maria Galizoni e Eduardo Barbosa Ayres

Compra Antecipada Especial: uma política pública pág. 10fortalecendo a agricultura familiar e promovendoa segurança alimentar e o desenvolvimento localEduardo Soares

Rede de Comercialização Solidária de Agricultores pág. 14Familiares e Extrativistas do Cerrado: um novoprotagonismo social.Alessandra Karla da Silva e Marcelo do Egito

Cooperativa Grande Sertão: articulando populações pág. 17e diversidades do Norte de Minas GeraisBreno Gonçalves e Helen Santa Rosa

Sispaf: ferramenta de comércio eletrônico para a pág. 22agricultura familiarAntônio Carlos Reis de Freitas, Luiz Manoel Silva Cunha, LaurimarGonçalves Vendrusculo, Márcio Roberto Martins Ribeiro, Marcelo MikioHanashiro, Francisco das Chagas Oliveira e Antônio de Pádua Soeiro Machado

Estratégias e práticas de acesso ao mercado das 24famílias agricultoras do Agreste da ParaíbaAdriana Galvão Freire e Sílvio Gomes de Almeida

Resgatando a cultura alimentar em Andhra Pradesh 29Michel Pimbert

Bolsas artesanais do vale do Bajo Mayo: uma iniciativa 30bem-sucedida de beneficiamento do algodão nativoElisabeth Saint-Guily

Eventos pág. 35

Páginas na internet pág. 34

Publicações pág. 32

Editor convidado Ricardo Costa pág. 4

pág. 30

pág. 5

pág. 10

pág. 14

pág. 17

pág. 24

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4 Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005

edito

r co

nvid

ado

Ricardo Costa*

na venda que o agricultor familiar transforma o fruto de todo seutrabalho nos recursos financeiros de que precisa para viver. Afinal, foi-se o tempo em que agricultores e agricultoras familiares conseguiam

garantir o sustento de suas casas sem que fosse preciso dedicar uma atenção maior aos aspec-tos da venda da produção. O hábito de cultivar produtos de subsistência (milho, feijão,mandioca etc.), reservando uma parcela para o consumo da casa e vendendo somente oexcedente, já não atende às necessidades mínimas de uma família.

Nos últimos trinta anos, os preços desses produtos caíram continuadamente. Sabe-se que não há perspectiva de reversão desse quadro, muito menos num país como o nosso,onde o valor da cesta básica é um dos índices de medida da inflação. Nesse sentido, interessaao governo que esses preços permaneçam baixos.

Nada disso é novidade.A novidade está em diversas organizações comunitárias que vêm desenvolvendo

estratégias criativas de afirmação da importância da agricultura familiar no cenário econômicobrasileiro.

A novidade está em descobrir que o que dá maior solidez a essas estratégias não sãomotivações meramente econômicas. Tanto pode ser a luta pela preservação da riqueza dabiodiversidade do Cerrado, no Brasil Central, como a venda de produtos agroecológicos comvistas a ampliar o debate da sustentabilidade da vida no nosso planeta. Ou seja, mais do que aprocura por melhores preços, é a força desses princípios que conduz as pessoas a se reunirempara buscar caminhos e obter conhecimentos que as levem a conseguir agregar valor à produ-ção de todos por meio de, por exemplo, seu beneficiamento.

A novidade está em perceber que feiras não são simplesmente um lugar de comér-cio. Entre diversas outras vantagens, elas favorecem a preservação de hábitos culturais, deespécies e variedades tradicionais e se constituem em fato econômico expressivo onde querque se realizem, especialmente nas cidades menores. As feiras são o local onde os produtorestêm a oportunidade de vender diretamente para o consumidor final e serão, por muito tempo,um importante canal de comercialização para muitos, aí incluídos os agricultores familiares.Vale a pena entender mais sobre as feiras com o objetivo de não só lutar para multiplicá-las,como também procurar adequar melhor as pouquíssimas políticas públicas de apoio às jáexistentes.

Novidade é descobrir como, nos Andes, um grupo de mulheres vem conseguindo,através da produção e venda de bolsas artesanais, contribuir para a preservação de uma varie-dade de algodão característica de sua região. E como, na Índia, uma família de agricultorespercebeu que seu pequeno e despretensioso restaurante cumpria o papel de divulgar alimen-tos orgânicos, típicos de sua localidade.

Mas estão também relatados aqui dois importantes e inovadores serviços criadospor órgãos do governo brasileiro com vistas a apoiar a comercialização dos agricultores familia-res: o sistema de compra antecipada especial e um serviço de divulgação de informaçõescomerciais, via internet. Isso porque hoje, mais do que nunca, o domínio da informação érecurso indispensável para que se consiga vender bem.

Enfim, essas novidades estão narradas ao longo deste número da Revista Agricultu-ras, dedicado ao tema Beneficiamento da produção e acesso a mercados. Nosso desejo é quea sua leitura contribua para que mais organizações de agricultores familiares se animem aentrar no desafiante mundo da comercialização de seus próprios produtos, sabendo que já nãosão poucas as experiências exitosas nesse campo.

* Ricardo Costa:diretor da Cooperação e Apoio a

Projetos de Inspiração Alternativa - [email protected]

É́

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artig

osFeiras de Minas

eiras livres fazemparte das tradi-ções mineiras. No

vale do Jequitinhonha, elas existemem todos os municípios. Nas madru-gadas dos sábados, uma multidão delavradores(as) sai do sítio para a fei-ra, a pé, a cavalo ou no caminhão,para vender e comprar. O tamanhodessas feiras varia. Enquanto emAlmenara a feira ocupa quatro quar-

Programa de apoio às feirase à agricultura familiar no

Jequitinhonha mineiro

Fteirões além do mercado, em Berilonão chega a ocupar todo o espaçodo mercado público. O perfil dosparticipantes varia também. Em al-guns municípios, só produtores po-dem vender, caso de Turmalina; nou-tros, eles disputam com intermediá-rios, caso de Araçuaí. Em algumas

Eduardo Magalhães Ribeiro, BoaventuraSoares de Castro, Luiz Henrique Silvestre,

Juliana Sena Calixto, Daniel PradoAraújo, Flávia Maria Galizoni e

Eduardo Barbosa Ayres*

Produtos de artesanato e indústria doméstica na feira de Virgem da Lapa

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épocas do ano, as feiras são maisespecializadas. No tempo das águas,por exemplo, são os produtos da pe-cuária e da coleta que prevalecem.Já no tempo da seca, são os produ-tos da horta, do pomar e da indús-tria doméstica rural que têm maissaída. Há certas ocasiões em queelas são muito boas para quem ven-de, como no fim de ano e festasjuninas; e outras em que são boaspara o comprador, no auge da secae em abril/maio, período que mar-ca o início da estação de migraçãodos jovens para o corte de cana ecolheita de café.À primeira vista, o movimento que acontece

nas feiras parece pequeno, mas elas são excelentes paraagricultores familiares, para consumidores e para o comér-cio urbano. Quanto menor o município, maior costumaser o impacto das feiras.

Os produtores ganham porque garantem acomercialização da produção, que de outra forma seriadifícil nessas economias de pouca liquidez. Eles geralmen-te vendem à vista e, em pouco mais de três horas, conse-guem vender tudo, ou quase tudo, o que levam à feira.Quando se especializam e capricham num produto, a ven-da é ainda mais fácil. Estudo feito pela Universidade Fede-ral de Lavras (UFLA) no Alto Jequitinhonha verificou queos feirantes que beneficiavam produtos derivados de mi-lho, mandioca ou cana obtinham renda maior nas feiras doque na migração sazonal para São Paulo. Na época dapesquisa, a renda mensal do agricultor-feirante se situavaentre R$ 40,00 e R$ 400,00, com a média tendendo paraR$ 200,00, o que correspondia a um salário-mínimo ouuma aposentadoria.

Os consumidores ganham porque têm garanti-do um abastecimento regular, de qualidade e, principal-mente, adaptado aos seus hábitos alimentares. A dimen-são reduzida do mercado desses municípios geralmenteinviabiliza uma oferta de verduras e frutas frescas vindasde outra região. É na feira que o consumidor encontrafrutas da estação coletadas nas chapadas; rapaduras nacor e tamanho que preferem; farinhas no ponto, finura eclareamento que gostam; peixe fresco; a verdura de épo-ca. Os consumidores dizem que nenhum estabelecimentode verdureiro profissional, ou sacolão, substitui a feira,porque é nela que encontram os produtos que fazem par-te de seus costumes alimentares.

E, por fim, ganham os comerciantes. Assim queacabam de vender seus produtos, os feirantes vão ao co-mércio e adquirem bens de consumo: sapatos, roupas,

óleo, sabão, macarrão. Como vendem à vista, compramtambém à vista, e tornam o final da manhã de sábado daspequenas cidades tão bom para o comércio quanto a vés-pera do dia da festa do santo padroeiro ou o dia do paga-mento das aposentadorias.

Mas feiras são mais que pontos de comercia-lização da produção da agricultura familiar. São tambémespaços públicos onde circulam alimentos, bens, pessoas eculturas. Além de serem o lugar das vendas, são também olocal de encontro, da articulação política e sindical, da ami-zade, da reprodução da identidade e da cultura das muitasagriculturas familiares do vale do Jequitinhonha. Por tudoisso, são espaços de grande potencial para ações coletivas.

Feiras e programas públicos

Embora sejam importantes para agricultores fa-miliares e consumidores, para o comércio e a cultura local,raramente as feiras livres merecem atenção de programas,governamentais ou não, de apoio ao desenvolvimento ru-ral. Isso revela a invisibilidade econômica de atividades lo-cais, a marginalização da agricultura familiar nos programasde desenvolvimento dos municípios e, mais ainda, demons-tra o caráter produtivista dos programas públicos.

A ação pública mais freqüente em relação àsfeiras atinge, quando muito, o transporte. Prefeituras bem-intencionadas estabelecem rotas de deslocamento doscaminhões de transporte de feirantes, que às vezes é gra-tuito, o que reduz o custo da comercialização, estimula aoferta de produtos, eleva a renda dos(as) agricultores(as) ,regulariza o abastecimento urbano e melhora as vendasdo comércio. Porém, não são muitas as prefeituras quetomam essa iniciativa.

De forma geral, os programas pensados paraapoiar a comercialização da agricultura familiar têm por

Os consumidores dizem que

nenhum estabelecimento de

verdureiro profissional, ou

sacolão, substitui a feira, porque

é nela que encontram os

produtos que fazem parte de

seus costumes alimentares.

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meta buscar ou construir novos mercados, na maior partedas vezes situados em lugares distantes. Isso provoca umasérie de dificuldades, como demora na prestação de con-tas, elevação dos custos de intermediação e perda de pro-dutos, o que, por sua vez, desestimula as organizações deagricultores. É por esse motivo que as iniciativas recentesde agências, estatais ou não, de apoio a programas locaisde comercialização têm apontado as feiras livres munici-pais como um bom caminho, embora mais difícil sob váriosaspectos, uma vez que lida com situações cristalizadas,boa parte delas mediadas pelo ranço forte do mando locale de vantagens pessoais estabelecidas. Mas sob outrosaspectos é um caminho rico, que torna viável a participa-ção direta de vendedores e compradores e, como o tema éuniversalizado, faz com que todas as pessoas fiquem emcondição de opinar. As ações geralmente exigem mais boavontade que dinheiro.

Foram esses motivos que levaram o Núcleo dePesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers(PPJ/Ufla) e o Centro de Agricultura Alternativa VicenteNica (CAV) a formularem o Programa de Apoio às FeirasLivres do Alto e Médio Jequitinhonha. Esse Programa,concebido e executado em parceria com a Comissão Regio-nal de Segurança Alimentar e Nutricional do Alto e MédioJequitinhonha (CRSAN), tem como objetivo pesquisarfeiras, identificar problemas, soluções e alternativas, alémde propor ações concertadas para seu melhoramento.

Histórico do ProgramaO Programa surgiu da experiência conjunta do

CAV e do Núcleo PPJ/Ufla, que mantêm desde 1999 umasólida cooperação em temas relacionados ao desenvolvi-

mento e produção agroecológica. O assunto feira come-çou a ser debatido nessa parceria em decorrência de estu-dos sobre coleta de frutos e essências nas chapadas doAlto Jequitinhonha. Da coleta, passou à comercialização,da comercialização se descobriu a feira e, da pesquisa nafeira, se chegou à formulação de programas municipais deapoio às feiras. O primeiro deles foi executado em Turma-lina (2001/2004, com apoio da Cáritas), e o segundo emMinas Novas (2003/2004). A partir dessas experiênciassurgiu a idéia de um programa mais amplo, mesorregional,envolvendo organizações dos 22 municípios que partici-pam da CRSAN.

Para esclarecer a concepção do Programa, op-tamos por analisar o caso de Minas Novas. Ele revela otipo de informação que a pesquisa em feiras fornece e asbases para um programa municipal e regional de apoio aesse tipo de atividade.

A feira livre de Minas Novas é realizada numgalpão coberto, aos sábados, e é meio de escoamento daprodução de aproximadamente 180 famílias agricultoras.A participação é livre. Não são cobradas taxas e sãocomercializadas principalmente frutas/verduras, que pre-dominam em 42% dos pontos de venda. Mas a diversifica-ção também é uma característica dessa feira, que contacom grande presença de produtos beneficiados, artesana-to, carnes, produtos do extrativismo, entre outros.

A cada sábado, cerca de 2.000 pessoas freqüen-tam a feira, tanto homens quanto mulheres. Desse total,apenas 40% são consumidores e, destes, 65% são mulhe-res. A feira, assim, se configura como um espaço não ape-nas de trocas, mas também de lazer, um evento social,principalmente para os homens, que vão lá comer pastel,ver os amigos, conversar fiado.

Verduras na feira de Minas Novas

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A importância dessa prática na vida das famíliasdo município pode ser observada pelo fato de que 23%delas possuem algum tipo de relação com a feira. Ela rece-be consumidores com distintas capacidades de compra,cujas características mudam no decorrer da manhã do sá-bado. Entre 6h e 9h30, estão à venda os produtos compreços mais elevados e há predominância de consumido-res com maior poder aquisitivo. Após 9h30, a situação seinverte: os preços caem e o número de pessoas com menorpoder aquisitivo cresce.

Entre os consumidores, 80% têm o costume deir à feira todas as semanas, o que demonstra a grande acei-tação dos produtos ofertados pela agricultura familiar e arelação dos produtos com os padrões de consumo locais ecom a segurança alimentar da população, visto que os ali-mentos da cultura local estão acessíveis, a preços que pos-sibilitam o consumo por diferentes camadas da sociedade.A maioria dos freqüentadores (74,35%) gasta menos de R$20,00 por feira, o que é justificado pelo fato de as comprasserem efetuadas para a semana, não existindo a comprapara estoque familiar, dada a perecibilidade do que é vendi-do. Entre os produtos mais consumidos estão as frutas everduras. Em seguida, vêm os produtos da indústria domés-tica rural (IDR) e depois, as carnes. Para o consumidor, afeira apresenta vantagens que vão desde atributos relacio-nados a padrões de qualidade específicos, como a produ-ção sem agrotóxicos, até práticas ligadas à articulação po-lítica, que incluem a valorização da produção local e a per-manência do dinheiro das vendas no município. Outros atra-tivos são os preços menores, a variedade concentrada nummesmo recinto e a associação à agricultura familiar.

O homem ou mulher que vende na feira de Mi-nas Novas tem sempre a seguinte característica: trabalhaem família. Às vezes, o homem vende na feira e a mulhertrabalha na roça, ou vice-versa. Outras vezes é um filho que

vai à cidade vender a produção enquanto a família fica tra-balhando na roça. Enfim, o trabalho sempre é feito em famí-lia. A maioria dos feirantes (82%) vai a todas as feiras domês e o restante freqüenta quinzenalmente ou apenas men-salmente. A freqüência tem forte relação com a disponibili-dade do transporte gratuito, essencial para metade deles.

Todos os feirantes pesquisados realizam ativi-dade produtiva rural, sendo que 75% deles comercializamapenas produtos do seu próprio trabalho, criando interaçãodireta entre produtor e comprador, uma relação valoriza-da pelos consumidores. Na feira, também existem inter-mediários. Esses vendem o que não produzem, mas têmpapel importante por proporcionar renda às pessoas quenão comparecem à feira, além de aumentar a oferta combaixos custos de intermediação. Seu fluxo de mercadoriaé pequeno, o que limita seu poder sobre o consumidor.

Constatou-se que as vendas da feira têm im-portante participação na composição do rendimento to-tal das famílias. Para 40% dos entrevistados, a feira é aúnica fonte de renda e, para 64% dos feirantes, ela repre-senta mais da metade do rendimento mensal total. Emmédia, os feirantes auferem R$ 318,65/mês, o quecorrespondia a 1,33 salários-mínimos entre janeiro e feve-reiro de 2004. No entanto, essa renda variava entre R$32,00 e R$ 1.180,00. Os menores valores abrangiam fa-mílias detentoras de outras fontes de recursos, como pro-gramas governamentais, enquanto a maior renda estavano segmento de frutas e verduras, com famílias especia-lizadas, cujos rendimentos oriundos da feira correspondiama 100% de sua renda total. Entre os segmentos de produ-tos, o que gera maior ganho mensal é a indústria domésti-ca rural – R$400,00 –, o que se justifica pelo valor agrega-do, menor perecibilidade e transporte geralmente menosdelicado, mas é o segmento mais exigente em inversão decapital quando consideramos os níveis de recurso de queos feirantes dispõem. Em seguida, vem o segmento defrutas e verduras (cuja renda supera R$380,00), mais aber-to, pois mesmo aquele que não tem propriedade da terrapode entrar. Por outro lado, é o mais arriscado, pelaperecibilidade e transporte delicado.

Todos os feirantes pesquisadosrealizam atividade produtivarural, sendo que 75% delescomercializam apenas produtosdo seu próprio trabalho, criandointeração direta entre produtor ecomprador, uma relaçãovalorizada pelos consumidores.

Feira de Carbonita

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Circulam mensalmente na feira de Minas Novas en-tre R$ 57.000 (renda estimada pelos feirantes) e R$ 61.000,00(despesa estimada pelos consumidores).

Os feirantes gastam parte ou tudo o que rece-bem no comércio da cidade, principalmente em dia defeira, aproveitando dessa forma o transporte disponibili-zado pela prefeitura. O leque de estabelecimentos benefi-ciados é amplo: supermercados, açougues, lojas, cabelei-reiros, papelarias. As aquisições realizadas pelos feiranteselevam o dinamismo do comércio urbano. Determinadossetores, como é o caso dos supermercados, chegam a re-gistrar até 50% de aumento das vendas em relação aosoutros dias da semana. Esses impactos apresentam umritmo sazonal, com picos na estação das chuvas e no fimde ano, quando a produção e a oferta na feira são maiorese há o retorno dos jovens do corte de cana, que trazemconsigo a poupança desses meses de trabalho.

Programas de desenvolvimentoa partir das feiras livres

Estudos sobre feiras livres revelam rapidamen-te os pontos críticos e potencialidades dessa atividade.De posse dos resultados de pesquisa como estes de MinasNovas, chega o momento em que todos os interessadosdevem buscar a unidade pela melhoria da feira, da agricul-tura familiar, do desenvolvimento sustentável. Nessas horasse descobre que somente ações concertadas são viáveis.Por isso, nos municípios onde há relações de cooperaçãoentre as organizações municipais - Conselho Municipal deDesenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), Sindica-tos de Trabalhadores Rurais (STRs), prefeitura, ONGs,Assistência Técnica e Extensão Rural pública (Ater) eoutras - há maior chance de sucesso.

Resultados de pesquisa indicam as linhas de ação,e cada uma delas pode ser liderada por uma organização,antenada com outras ações convergentes que são priori-zadas pelo coletivo das organizações e dos feirantes do mu-nicípio. Essa experiência de atuação em feiras tem reveladofortes demandas e potencialidades de atividades, como nasáreas de transporte, aproveitamento de sobras de produ-tos, crédito rural, educação de adultos, programas urbanosde segurança alimentar, conservação de recursos hídricos,horticultura orgânica e muitos outros.

Por envolver públicos com características distin-tas, como feirantes, comerciantes e consumidores de todasas faixas de renda, a ação na feira tem seu impacto multiplica-do e de grande abrangência, com diferentes resultados eminúmeros aspectos relacionados à qualidade de vida, como,por exemplo, renda e alimentação. Mineiros gostam de dizerque negócio bom é aquele em que as duas partes ganham.Por isso, a feira livre é mais que bom, é ótimo, porque agradaquem compra e quem vende, beneficia o comércio de rua eabre espaços para uma ação pública propositiva deprefeitos(as), que transformem feiras num negócio cada vezmelhor para os produtores e para o município.

*Eduardo Magalhães Ribeiro:economista, professor do Núcleo PPJ da Universidade

Federal de Lavras (Ufla) e coordenador do Programa deApoio às Feiras Livres do Alto e Médio Jequitinhonha

(Convênio Ufla/CAV). [email protected].

Boaventura Soares de Castro:técnico do Centro de Agricultura Alternativa Vicente

Nica (CAV) de Turmalina (MG) e coordenador do Pro-grama de Apoio às Feiras Livres do Alto e Médio

Jequitinhonha (Convênio Ufla/CAV). [email protected]

Luiz Henrique Silvestre:administrador, mestrando em Administração do Núcleo

PPJ/ Ufla. [email protected]

Juliana Sena Calixto:engenheira florestal, coordenadora do Núcleo PPJ/Ufla.

[email protected]

Daniel Prado Araújo:estudante de Agronomia do Núcleo PPJ/Ufla.

[email protected]

Flávia Maria Galizoni:antropóloga, bolsista CNPq do Núcleo PPJ/Ufla.

[email protected]

Eduardo Barbosa Ayres:engenheiro agrônomo, coordenador do CRSAN/Alto e

Médio Jequitinhonha. [email protected]

Referências:ANGULO, J. L. G. Feira e desenvolvimento local:o caso de Turmalina, vale do Jequitinhonha, MG.Lavras, UFLA, 2002. Dissertação de mestradoapresentada à PPGA.

NORONHA, A. G. B. O tempo de ser, fazer e vi-ver: modo de vida das populações rurais do altoJequitinhonha, MG. Lavras, UFLA, 2003. Disser-tação de mestrado apresentada à PPGA.

RIBEIRO, E. M.; GALIZONI, F. M. Sistemas agrá-rios, recursos naturais e migrações no altoJequitinhonha, Minas Gerais. In TORRES, H.;COSTA, H. (Org). População e meio ambiente:debates e desafios. São Paulo: Senac, 2000.

RIBEIRO, E. M. et al. Feira e trabalho rural: umestudo de caso em Turmalina. Unimontes Cientí-fica, Montes Claros, v. 5, n. 1, jan./jun. 2003.

RIBEIRO, E. M.; CASTRO, B. S.; RIBEIRO, J. A.(coord.) A feira livre de Minas Novas: abasteci-mento urbano, consumo e renda para a agricultu-ra familiar. Lavras, Turmalina, Minas Novas. Rela-tório de Pesquisa, maio de 2004.

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uma escola públi-ca de um peque-no município do

Norte de Minas Gerais, uma crian-ça se delicia bebendo suco feito compolpa de frutos do Cerrado fornecidapor uma cooperativa de agriculto-res familiares e agroextrativistas daregião de Montes Claros.

No Rio Grande do Sul, em Montenegro, o sucode laranja servido nas refeições do albergue e em escolasmunicipais é orgânico, produzido por uma associação decitricultores familiares. Em Pelotas, crianças se alimentamcom peixe, arroz e leite no restaurante da escola municipal,alimentos oriundos de cooperativas e associações de agricul-tores familiares e pescadores artesanais da região.

No calor do trópico úmido, crianças, adultos eidosos acolhidos em escolas e instituições de amparo sãoabastecidos com hortigranjeiros produzidos por agriculto-res familiares de seus próprios municípios: Cruzeiro do Sul,Feijó, Mâncio Lima e Rio Branco, todos no Acre. No estado

CompraAntecipadaEspecial:uma política públicafortalecendo aagricultura familiar epromovendo a segurançaalimentar e odesenvolvimento local

Eduardo Soares*

Nvizinho, o Amazonas, no município de Parintins, são assen-tados da reforma agrária que fornecem peixes, frutas, abó-bora e leite para as crianças assistidas pela AssociaçãoPestalozzi e pela Polícia Militar do Estado, abastecendotambém o presídio local, onde alimentam os detentos.

Cena similar se repete no Nordeste. No municí-pio de Remanso – BA, escolas fornecem na merenda sucofeito com polpa de umbu, colhido e processado por asso-ciações de agricultores familiares e agroextrativistas daregião.

Tais experiências têm um elemento em comum:o consumo local de produtos produzidos ou processadosna própria região. Num contexto que promove trocas co-merciais entre lugares cada vez mais distantes e em escalascada vez maiores, acarretando muitas vezes uma subva-lorização da produção e cultura locais em favor daquelasde outras origens, seria de se esperar que experiências as-sim tivessem dificuldades para se estabelecer e que esti-vessem se tornando cada vez mais raras.

Surpreendentemente, entretanto, elas são re-centes e representam uma pequena amostra de outras tan-tas que estão se multiplicando pelo país afora. Essa multi-plicação se dá graças a um segundo elemento em comum:o apoio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),do governo federal.

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O Programa de Aquisição deAlimentos (PAA)

Tal Programa foi instituído pelo Art. 19 da Leinº 10.696 e regulamentado pelo Decreto 4.772, ambosde 02 de julho de 2003, tendo como objetivo incentivar aagricultura familiar. Suas ações envolvem a aquisição deprodutos da agricultura familiar, que são distribuídos parapessoas em situação de insegurança alimentar ou formamestoques estratégicos. Compondo o Fome Zero, essasações integram-se a um leque mais amplo de políticas vol-tadas ao fortalecimento da segurança alimentar e nutri-cional do país.

Do ponto de vista legal, o PAA está dispensa-do de cumprir as regras públicas de licitação, simplifican-do o processo de aquisição dos produtos da agriculturafamiliar e permitindo que estes se prestem ao atendimen-to dos programas públicos.

Seus recursos têm origem no Fundo de Comba-te e Erradicação da Pobreza, coordenados e disponi-bilizados pelo Ministério do Desenvolvimento Social eCombate à Fome (MDS). Somente agricultores familiarescom enquadramento no Pro-grama Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar(Pronaf) têm acesso ao PAA enum limite de até R$2.500,00/produtor/ano.

O PAA conta comseis diferentes mecanismos:dois operados pelo MDS, pormeio de convênios com gover-nos estaduais ou com o poderpúblico municipal - CompraDireta Local da AgriculturaFamiliar (CDLAF) e Incentivoà Produção e ao Consumo doLeite (IPCL); quatro pelaCompanhia Nacional de Abas-tecimento (Conab) - Contrato de Garantia de Compra(CGCAF); Compra Direta (CDAF); Compra Antecipa-da (CAAF) e Compra Antecipada Especial da Agricul-tura Familiar (CAEAF). Este último, o CAEAF, é o quetem permitido o apoio a experiências como as referidasacima.

Como funcionaA peculiaridade que permite a valorização dos

produtos regionais diz respeito à abrangência de alimen-tos que podem ser adquiridos. O CAEAF permite a aquisi-ção de todo e qualquer alimento, seja este in natura ouprocessado, mesmo quando perecível, desde que cumpracom as normas de classificação e sanitárias vigentes.

Outra singularidade do instrumento é a exigên-cia do encontro das duas “pontas” – produção e consu-

mo – num processo de “doação simultânea”, que requerque um grupo formal de produtores estabeleça um acordode fornecimento de alimentos para um ou mais grupos deconsumidores, definindo produto, tipo, qualidade, valor,período e cronograma de entrega. A proposta, denomina-da Cédula de Produto Rural (CPR) Especial, é apresenta-da pelos produtores, devendo ser assinada também pelosconsumidores que, assim, atestam estar cientes e de acor-do com as condições estabelecidas. Por sua vez, o Conse-lho Municipal (ou Estadual) de Segurança Alimentar eNutricional (ou equivalente) endossa a proposta, assegu-rando que os beneficiários consumidores configuram umapopulação sob risco alimentar e/ou nutricional.

Com a CPR Especial aprovada, a Conab deposi-ta o valor correspondente à mesma em uma conta específi-ca vinculada à organização dos fornecedores (associação,cooperativa etc.). Estes, à medida que vão comprovando aentrega dos produtos (via Termo de Aceite dos consumi-dores e notas fiscais encaminhadas à Conab), recebem au-torização para realizar os saques correspondentes.

O acesso à parte dos recursos contratadospode se dar antes do começo das entregas, desde que a

CPR Especial traga em si justificativa para tanto. Assim,um grupo de produtores pode obter recursos que permi-tam a aquisição de matérias-primas e insumos necessáriospara desencadear ou otimizar o processo produtivo dosalimentos.

O quadro acima exibe, por região, as opera-ções nos anos de 2003 e 2004, destacando o número defamílias de agricultores que acessaram o CAEAF, o nú-mero de pessoas beneficiadas com os alimentos da CPREspecial, o volume de recursos aplicados pelo instrumentoe a totalidade de recursos aplicados pelo PAA via opera-ção Conab.

Decorridos já quase dois anos de sua operação(iniciada em novembro de 2003), algumas reflexões têmsido feitas sobre o CAEAF - seja percebendo seus limites,seja constatando sua eficácia e impactos.

Agricultores Consumidores Recursos OperaçõesRegião beneficiários beneficiados CAEAF Conab com

CAEAF (fam.) CAEAF (R$) o PAA (R$)

Norte 3.894 166.074 8.692.657,69 40.778.440Nordeste 3.029 370.406 6.294.811,93 73.980.386

Centro-oeste 26 148.972 64.835,16 15.625.067Sudeste 1.533 281.253 3.834.645,88 16.507.061

Sul 13.343 393.681 32.131.293,95 41.836.080

TOTAL 21.825 1.360.387 51.018.244,61 188.727.034

Fonte: Conab

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Limites• As exigências de capacidade organizativa e de

planejamento tornam o instrumento mais ope-rativo nos estados do Sul.

Um exame dos números exibidos acima permi-te identificar pelo menos duas questões: uma significativaconcentração de recursos e beneficiários do CAEAF naregião Sul; e a inversão da situação quando observamos atotalidade dos recursos do PAA operados pela Conab.

Na busca de interpretação para tal, identificam-se alguns limites do CAEAF que podem explicar essacontraposição.

O primeiro diz respeito à exigência de que aCPR Especial seja acordada entre duas “pontas”, fornece-dores e consumidores. Os distintos níveis de organizaçãoobservados entre as regiões brasileiras, notadamente nosetor da agricultura familiar, podem explicar a dificuldademaior de algumas das regiões em operar o instrumento.

Ao mesmo tempo, essa dificuldade pode ser indicadora dograu de articulação da agricultura familiar e agroex-trativistas com outros segmentos sociais/urbanos.

Os demais instrumentos do PAA, já que nãoexigem essa aproximação entre as “pontas”, têm opera-ção mais simplificada e são a opção mais fácil em certasrealidades.

Um segundo aspecto diz respeito à distribui-ção geográfica dos agricultores e agroextrativistas. Nosestados do Sul e Sudeste, eles estão mais concentrados epróximos de grandes centros urbanos, enquanto nos de-mais estão mais dispersos e/ou distantes em relação aosconsumidores. No Norte e Nordeste, geralmente compreen-dendo áreas muito superiores às que se observam no Sul,os consumidores são os próprios produtores - com núcleos“urbanos” constituídos majoritariamente por populaçãode atividade agrícola ou agroextrativista. Essa situação derelativo isolamento em relação ao mercado de maiores pro-porções é ainda agravada por outras condições relevantespara acesso ao mesmo, como qualidade das estradas e aregularidade nos serviços de transporte.

O terceiro aspecto relevante se refere à capaci-dade de planejamento a médio prazo por parte das organi-zações envolvidas. As organizações no Sul, na medida emque tiveram, historicamente, melhores condições de aces-so ao mercado, desenvolveram habilidades para tanto eexibem maior capacidade de resposta às exigências da CPREspecial.

• A base produtiva agrícola, quando restrita, di-ficulta o pleno aproveitamento das possibilida-des do instrumento.

Outro limite do CAEAF é que, em muitas regiões,o instrumento não consegue ser útil ao propósito de valo-rizar a biodiversidade ou a diversificação dos sistemas pro-dutivos dos agricultores.

Em que pese a amplitude de produtos que po-dem ser considerados numa CPR Especial, em várias regiõesa base produtiva agrícola está de tal modo desestruturadaou apoiada num leque tão restrito de espécies alimentícias,que não há oferta de produtos locais que possam ser valo-rizados ou que se traduzam em enriquecimento nutricionaldas dietas dos beneficiários. É o caso, por exemplo, deregiões em que o único produto disponibilizado para comer-cialização pelos agricultores familiares é a farinha de man-dioca, ou a soja.

Ao mesmo tempo, essas situações denunciama baixa capacidade de planejamento de alguns dos poten-ciais beneficiários, que não conseguem ajustar seus siste-mas produtivos às possibilidades que algumas políticaspúblicas anunciam – mesmo quando estas oferecem meiospara tal.

• Inexistência de vontade política por parte deagentes/atores locais.

Por outro lado, ocorrem situações em que exis-

Agricultores da região ribeirinha do Rio Acre

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Comunidade do Colibri

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tem condições materiais (produção, escala, qualidade)para a utilização do instrumento por comunidades ruraisem cooperação com consumidores, mas essa utilização élimitada pela inexistência de agentes locais com uma visãode desenvolvimento que se apóie na valorização da produ-ção local.

• O caráter do PAA como um todo, voltado emi-nentemente para a comercialização.

O Programa, por seu recorte voltado exclusiva-mente para a comercialização, não dispõe de meios paratentar suprir lacunas existentes na base potencialmentebeneficiária. Assim, demandas exibidas pelos proponen-tes de CPRs, como possibilidade e/ou necessidade de agre-gação de valor, logística, acompanhamento técnico etc.,ficam na dependência de uma articulação e sinergia imedia-tas com outros órgãos e/ou programas públicos, federaisou não, o que nem sempre é possível ou está ao alcancedos proponentes ou do próprio programa.

No CAEAF, onde as exigências (em relação aosbeneficiários) nas áreas de planejamento e logística sãonotadamente maiores se comparadas às dos demais ins-trumentos, torna-se evidente a necessidade de que pro-gramas como o PAA possam dispor de meios que assegu-rem ou facilitem o acesso de seus beneficiários à capacitaçãoe a outros serviços, como assistência técnica e extensãorural.

*Eduardo Safons Soares, comcontribuições de Cláudia Schmitt, Paulo Coutinho,

Rocilda Moreira, Rogério Neuwald e Sílvio [email protected]

Acertos

• O instrumento tem sido relevante para a valori-zação de produtos regionais (agrícolas ou doagroextrativismo), os quais muitas vezes sãosubutilizados ou não ocupam lugar expressivopara além de suas regiões ou nichos de merca-do. Tal valorização contribui para a manuten-ção e/ou ampliação da agrobiodiversidade e dossistemas produtivos dos agricultores benefi-ciários.

• Mediante o acesso ao CAEAF, agricultores fa-miliares e agroextrativistas passam a ser maisvalorizados pela sociedade quanto ao seu pa-pel de produtores e fornecedores de alimentos,caracterizando ascendência social dos mesmos.

• O CAEAF tem proporcionado a ampliação dapresença da agricultura familiar e dos agroex-trativistas no mercado, representando paramuitos destes a primeira oportunidade de aces-so direto aos consumidores ou mesmo de comer-cialização de seus produtos, favorecendo a as-cendência econômica dos beneficiários.

• Ao assegurar que tanto a produção quanto osrecursos advindos de sua comercialização se-jam consumidos e aplicados na própria regiãoprodutora, o instrumento se notabiliza comopolítica dinamizadora da economia local, comimpactos inclusive sobre a arrecadação dosmunicípios.

• A promoção da aproximação cidade-campo temfavorecido outras formas de cooperação entregrupos organizados, em especial dos agriculto-res familiares e agroextrativistas com popula-ções urbanas mais carentes.

• Por proporcionar o acesso direto ao mercadoconsumidor, o CAEAF possibilita que algumasdessas relações venham a se estabelecer de for-ma mais permanente ou ampliada após o encer-ramento da CPR Especial - contrato que lhesdeu origem -, caracterizando-se como uma açãoestruturante.

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imaginário quecerca o Cerrado eseus povos, de in-

visibilidade e isolamento, fez comque a natureza desse bioma fosse re-duzida a mera mercadoria, primeiropelos potenciais exploráveis, depoispela capacidade produtiva de suasterras agricultáveis, encurralandosuas populações e agri-culturas.Esse olhar mercantil sobre a regiãoignorou não apenas a sua importân-cia ambiental, mas principalmente ariqueza advinda das diversas cultu-ras construídas em relação profun-da com o ambiente, que dão a inú-meras comunidades de pescadores,vazanteiros, geraizeiros, extrativis-tas e outros o sentimento de perten-cimento ao Cerrado.

Essas comunidades agroextrativistas têm en-frentado, nas últimas décadas, uma perda crescente deespaço, sobretudo devido à ação do agronegócio expor-tador, que impõe uma nova lógica de ocupação do territó-rio e utilização dos recursos naturais. No entanto, além deconcentrar riqueza e poder, esse modelo ocasiona a con-taminação dos solos, da água e dos alimentos, inviabi-lizando práticas socioculturais dos que lá vivem e destituin-do-os de suas identidades.

Em 2000, um processo de discussão e diálogoé iniciado, em conjunto com seis comunidades rurais, so-bre a realidade partilhada por agricultores familiares de

Rede de ComercializaçãoSolidária de AgricultoresFamiliares e Extrativistasdo Cerrado: um novoprotagonismo social

Alessandra Karla da Silva e Marcelo do Egito*

Caldazinha, pescadores de Aruanã, extrativistas de SãoDomingos e agricultores assentados de Jandaia, Araguapaze Silvânia, todos municípios de Goiás e assessorados peloCentro de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado(Cedac).

A reflexão desencadeada permitiu perceber queas dificuldades enfrentadas pelas famílias e suas comuni-

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Capacitação de agricultora sobre o ponto ideal de coleta dosfrutos da favela (Dimorphandra sp).

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dades as aproximavam, apesar do distanciamento geográ-fico e independente dos modos de vida e de produçãoadotados por elas. Os principais problemas identificadosforam: o acesso restrito aos meios de reprodução social,como terra, água e biodiversidade; a sazonalidade e a bai-xa capacidade de produção e extração individual para oatendimento da demanda, o que dificulta a garantia e acontinuidade de oferta do produto ao mercado; a dimi-nuição da diversificação da produção, o que conseqüen-temente tem levado a uma dieta alimentar mais restrita; aescassez da mão-de-obra familiar, agravada pela migraçãodos jovens para os centros urbanos; a não agregação devalor aos produtos comercializados, seja no beneficia-mento ou na comercialização direta; a falta de organiza-ção de toda a atividade de produção e extração; a disper-são da produção, aumentando os custos de transporte,ainda mais no caso de produtos extrativistas; a dependên-cia dos fatores climáticos; as restrições no acesso ao crédi-to; os padrões de qualidade da produção condicionadospelo mercado convencional; a utilização de matérias-pri-mas originadas de espécies vegetais nativas sem que qual-quer responsabilidade sobre a forma de obtenção das mes-mas seja assumida por grande parte das empresas; e, porúltimo, a dificuldade de participar dos espaços de discus-são e formulação das políticas públicas.

Foi diante dessas condições que nas-ceu a idéia de fortalecer uma nova “tra-ma” social com os sujeitos de fato doCerrado, saindo do isolamento e damarginalidade, através da organizaçãocoletiva e valorização das riquezas lo-cais, de modo que a cultura e seus pro-dutos possam ser acessados e valoriza-dos pela sociedade brasileira. Assim foi

constituída a Rede de ComercializaçãoSolidária de Agricultores Familiares eExtrativistas do Cerrado, que atualmen-te reúne 1.238 famílias, localizadas em37 municípios dos estados de Goiás,Minas Gerais e Bahia.

As experiências que alimentaram a organiza-ção socioprodutiva dos agroextrativistas da Rede estãobaseadas na busca por uma maior autonomia e participa-ção dos mesmos em relação aos seguintes aspectos: assis-tência técnica, desenvolvida por meio da formação deagroextrativistas monitores que acompanham o planeja-mento da unidade familiar para processo de produção emanejo; agroindustrialização dos produtos e subprodutos(resíduos), agregando valor e garantindo maior inserçãono mercado; tradução do significado do saber-fazer daspopulações do Cerrado, através de um marketing própriodos produtos e serviços oferecidos pela Rede, com a mar-ca Empório do Cerrado; monitoramento participativo,como ferramenta própria de controle social dos processosdesenvolvidos; e desenvolvimento de estratégias de comer-cialização dos produtos, conciliando preço justo e acessoa novos mercados, como escolas, redes de supermerca-dos, lojas de produtos naturais e feiras.

Para garantir a comercialização coletiva dosagroextrativistas da Rede foi constituída a CooperativaMista de Agricultores Familiares, Extrativistas, Pescado-res, Vazanteiros e Guias Turísticos do Cerrado (Coopcerrado),que comercializa o resultado de todo processo de organi-zação, entre eles os frutos secos de favela (Dimorphandrasp), vendidos direto para a indústria farmacêutica desde2001 (vide boxe); frutos in natura de pequi (Caryocar sp)para atacadistas; sementes de pequi mini-processadas embandejas para supermercados; e óleo de pequi para a in-dústria de cosméticos. Dos frutos do baru (Dipteryx alata),é produzida a castanha de baru, a farinha de baru (utiliza-da na merenda escolar de Goiânia desde 2001), biscoitose granolas, sendo que na composição destes últimos tam-bém se utiliza a farinha de jatobá (Hymenaea stignocarpa),mel, gergelim, ovos, banana desidratada e açúcar mascavo,produzidos pelos agroextrativistas e processado em umaunidade de beneficiamento de produtos agroecológicosem Caldazinha (GO) (vide boxe). Já do resíduo (casca dosfrutos de baru), obtém-se o carvão ecológico.

Outras experiências de organização estão sendoestruturadas para a diversificação da renda das famílias e omelhor aproveitamento das potencialidades locais, como aconstrução de uma agroindústria de produtos apícolas euma agroindústria de óleos vegetais, cujas infra-estruturascontam com recursos do Programa Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar (Pronaf-infraestrutura.).

A Rede se tornou um movimento em expansãocontínua, onde os agroextrativistas do Cerrado vêm con-

Lançamento do baru (Dipteryx alata) namerenda escolar de Goiânia.

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16 Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005

*Alessandra Karla da Silva:agrônoma, coordenadora do CEDAC

[email protected]

Marcelo do Egito:agrônomo, assessor do [email protected]

Indicadores Ano 2000 Ano 2001 Ano 2002 Ano 2003 Ano 2004 Ano 2005

Favela

Nº de municípios 1 2 7 4 14

Nº de famílias participantes 52 54 126 60 220

Produção total 26.720,5kg 16.475kg 54.400kg 26.950kg 108.000kg

Renda bruta/coletor 251,78 137,3 354,03 381,78 539,99

Baru

Nº de municípios 4 2 6 18

Nº de famílias participantes 24 21 55 550

Produção total 13.280kg 21.680kg 22.520kg 321.140kg Não colheu *

Receita líquida 271,13 506,89 204,5 350,33 350,33média por família (R$)

quistando espaço e buscando pautar demandas próprias,necessárias ao fortalecimento do seu protagonismo. Al-gumas propostas vêm se transformando em política públi-ca pela reivindicação direta da Rede. Entre elas citam-se aaprovação da Lei nº 15.015, de 29 de dezembro de 2004,

que trata da matéria tributária dispondo sobre a reduçãode base de cálculo do Imposto de Circulação de Mercado-ria e Serviços (ICMS) sobre a industrialização de produtostípicos do Cerrado (antes era 17% e com a lei passou para7%), e a criação da Portaria nº18/2002, da AgênciaAmbiental, que proíbe o corte do baru no estado de Goiás.

Da organização do processo de produção ecomercialização em rede nasceu a luta pela terra, água ebiodiversidade. A proposta inclui a criação de cinco reser-vas extrativistas, nos municípios de Aruanã, São Domin-gos e Mambaí, em Goiás; Lassance, em Minas Gerais, eCocos, na Bahia, como também a implantação do Projetode Assentamento Agroextrativista (PAE), no municípiode Jandaia, onde estão acampadas 195 famílias. Além dis-so, está em andamento a criação da cooperativa de crédi-to, a “Rede Cred”.

Fonte: Cedac, 2005.* A coleta do baru é realizada nos meses de agosto a setembro.

Produtos da Rede de Comercialização Solidária.

Fon

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Evolução das abrangências geográfica e social, dos volumes produzidos eda receita média obtida com a produção de favela (Dimorphandra sp)

e de baru (Dipteryx alata).

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azer com que osprodutos dos rin-cões mais longín-

quos do sertão mineiro fossem con-sumidos por gente da região; colo-car nas prateleiras dos supermer-cados e padarias os frutos dos cer-rados e das caatingas, extraídospor diversas famílias das mais varia-das localidades; dar visibilidade elegitimar o valor dos produtos vin-dos de camponeses “encurralados”

pela voracidade do agronegócio:foram essas motivações que fize-ram com que a Cooperativa de Agri-cultores Familiares e Agroextra-tivistas Grande Sertão fosse criadano Norte de Minas Gerais, comoum instrumento econômico e polí-tico das agricultoras e agricultores,que aos poucos vêm se fortalecen-do no mercado regional e estadual,alçando, a cada dia, vôos mais al-tos...

Cooperativa Grande Sertão:articulando populações

e diversidades doNorte de Minas Gerais

Breno Gonçalves e Helen Santa Rosa*

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Detalhe Empório do Sertão: venda de produtos nativos.

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18 Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005

Como tudo começou...A Cooperativa dos Agricultores Familiares e

Agroextrativistas Grande Sertão nasceu de um sonhoconjunto, de muitos braços, corações e cabeças. A idéiasurgiu em 1995, a partir da necessidade que os agricul-tores e agricultoras tinham de acessar o mercado. Ou-tros modelos de organização foram experimentados, atéque se chegou, em 18 de julho de 2003, ao modeloatual. Tudo começou com a produção de polpas, emquantidade pequena, armazenadas em um único freezere entregues de bicicleta. Depois a marca Grande Sertãofoi registrada e a embalagem melhorada, constando ta-bela nutricional e data de fabricação. Com o tempo,sentiu-se a necessidade de melhorar o marketing dosprodutos, pensando cores e dizeres que expressassemos elementos diferenciadores que caracterizam a mar-ca. Era preciso que ficasse bem claro quais eram os va-lores que diferenciavam os produtos: a agroecologia, aregionalidade e a inserção social e econômica dos agri-cultores familiares. Com essa preocupação, foi contra-tada uma consultoria, que trabalhou todo o marketinge imagem dos produtos da cooperativa. O resultado foia melhoria da qualidade visual e o acesso mais qualifica-do ao mercado.

A demanda aumentou. Atualmente são comer-cializadas 17 variedades de polpa de frutos dos cerrados edas caatingas, além do óleo e polpa congelados de pequi(Caryocar brasiliense Camb), rapadurinha, farinha e mel.A Cooperativa também articula a compra e venda de se-mentes de sorgo, milho, feijão e arroz, proporcionando ointercâmbio solidário de sementes crioulas entre as comu-nidades. As sementes saem dos assentamentos e comuni-dades rurais, são disponibilizadas para outras comunida-des e circulam entre grupos de agricultores da região, queassumem o compromisso de preservar as variedades.

O Norte de Minas

Do ponto de vista geográfico, a região do Nor-te de Minas caracteriza-se como uma ampla faixa de tran-sição, entre uma vegetação típica do Planalto Central Bra-sileiro - os cerrados - e as formações que fazem contatocom a caatinga, vegetação típica do semi-árido nordesti-no. Em função das mudanças de altitude e linhas de dre-nagem, vão se formando as áreas de dominância, ora ocerrado, ora a caatinga. Como quem disputa o domínio doterritório, esses dois tipos de vegetação se entrelaçam,conformando complexos e variados ecossistemas de tran-sição, as matas secas ou florestas caducifólias em formasdiversas.

A ocupação humana desses variados ecos-sistemas foi ao longo do tempo, através de um processode coevolução homem/ecossistemas, configurando cul-turas, agroecossistemas e diferentes formas de organiza-

ção socioeconômica. O modus vivendi dos habitantes dacaatinga (“os caatingueiros”), dos habitantes do Cerrado(“os gerazeiros”), dos habitantes das ilhas e vazantes doSão Francisco (“os vazanteiros”), e ainda dos remanescen-tes de indígenas e quilombos (Dayrell, 1998) aponta paraa presença de uma série de grupos de populações tradicio-nais. Trata-se da convivência de sistemas cognitivos dis-tintos, que Gonçalves (2000) redefine como as diferentesmatrizes de racionalidade.

Um novo movimento civilizador se avizinha, sobas vestes modernas do agronegócio, e busca integrar essaregião, a todo custo, como produtora de matéria-primabarata - ora com os plantios homogêneos de eucalipto,para produção de carvão e celulose que alimenta os auto-fornos que aquecem a cadeia do aço e os negócios corre-latos a estes; ora com os pólos de agricultura irrigada ou apecuária. Tais boas novas, na verdade, se inserem comoparte de complexos oligopólios, com tentáculos por to-dos os cantos do planeta, estabelecidos na estrutura glo-bal de produção e consumo. Essa dinâmica é decorrenteda expansão da economia internacional a partir dos cen-tros dinâmicos, cada vez mais ávidos por fontes de recur-sos naturais e mão-de-obra barata. O fluxo de riqueza pro-duzido dentro desses complexos se move segundo o inte-resse dos que estão no centro do sistema.

É nesse cenário econômico e político adversoque a Cooperativa Grande Sertão se apresenta como umaorganização de apoio à luta de camponeses dessa regiãopor um reposicionamento quanto à relação com os mer-cados.

A Cooperativa Grande Sertão seapresenta como uma organização

de apoio à luta de camponesesdessa região por um

reposicionamento quanto àrelação com os mercados.

1 DAYRELL, Carlos A. Gerazeiros e Biodiversidade no Norte de Minas: a contribuiçãoda agroecologia e da etnoecologia nos estudos dos agroecossitemas tradicionais. LaRábica, Espanha, Universidade Internacional de Andalucia, 1998. Dissertação demestrado (mimeo).2 GONÇALVES, Carlos W. P. As Minas e os Gerais: breve ensaio sobre desenvolvimen-to e sustentabilidade a partir da Geografia do Norte de Minas. In: LUZ, Cláudia;DAYRELL, Carlos (org.). Cerrado e desenvolvimento: tradição e atualidade. Mon-tes Claros: Max Gráfica, CAA-NM e Rede Cerrado, 2000.

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Agroecologia e identidade regional

O trabalho central da Cooperativa é organizara produção, fazer o beneficiamento e encaminhar o pro-duto ao mercado. Uma das primeiras exigências é a de queos produtos sejam agroecológicos. Para isso a cooperati-va disponibiliza o acompanhamento técnico para capa-citação e monitoramento das propriedades. O diferencialdos produtos está na qualidade e na agregação de impor-tantes valores como respeito ao meio ambiente, compro-misso social com as populações sertanejas e valorizaçãodos biomas cerrado e caatinga.

São 700 famílias, em 148 comunida-des de 17 municípios do Norte de Mi-nas. Homens e mulheres que cultivamalimentos para o autoconsumo emparceria com suas famílias e comuni-dades, gerando também excedentespara o mercado. Criam pequenos ani-mais, hortas e roças diversificadas.Lidam no engenho, na casa de farinha,no apiário. Fazem uso de plantas me-dicinais na cura de suas enfermidadese das dos animais. Fazem uso dabiodiversidade do semi-árido, mane-jando as variedades nativas, colhendoos seus frutos, cuidando da multipli-cação de suas sementes e cuidandotambém da preservação dos cursosd’água e nascentes.

Processo de beneficiamentoe comercialização

Num dia determinado, um veículo da Coopera-tiva vai ao local e faz o transporte dos produtos até afábrica, localizada na Área de Experimentação e Forma-ção em Agroecologia (Aefa) do Centro de AgriculturaAlternativa do Norte de Minas (CAA/NM). Da fábrica, apolpa, já processada e congelada, é levada para uma uni-dade de comercialização da Cooperativa, localizada nodistrito industrial de Montes Claros. Daí seguem para pra-teleiras dos estabelecimentos comerciais da região. Nocaso do pequi, o beneficiamento é feito pelas própriasfamílias, nas unidades comunitárias de beneficiamento eprodução. A partir das experiências com o pequi, e maisrecentemente com a cana-de-açúcar, foi possível tomarnovos rumos, descentralizando o beneficiamento e acomercialização. Atualmente, as iniciativas locais estãosendo incentivadas, gerando maior autonomia para osgrupos, colaborando para que as unidades comunitáriasde beneficiamento sejam também de comercialização.

Assim, as unidades centrais da Cooperativa - Montes Cla-ros e Porteirinha - focam seus esforços na produção debebidas (polpa e suco) e colaboram para que as outrascadeias produtivas de cana-de-açúcar, mandioca, pequi eanimais se desenvolvam paralelamente, por meio de acom-panhamento técnico, apoio jurídico-legal e o fortalecimen-to da marca “Grande Sertão”.

Redes de articulação

A Cooperativa Grande Sertão participa tambémdas redes de articulação. Junto com outras entidades, con-tribui na construção de propostas para o desenvolvimen-to regional, levando em consideração a realidade das po-pulações do semi-árido mineiro e suas experiências.Enreda-se para fortalecer e articular lutas e demandas. Osprincipais parceiros dessas redes são: o Centro de Agricul-tura Alternativa do Norte de Minas (CAA), a ArticulaçãoMineira em Agroecologia (AMA), o Fórum de Desenvolvi-mento Sustentável do Norte de Minas, a Cáritas, a Articu-lação do Semi-Árido (ASA), a Rede Alerta contra o Deser-to Verde, a Rede Cerrado, e tantas outras organizaçõescomprometidas com o desenvolvimento rural.

Detalhe Empório do Sertão: café no fogão à lenha por "dona"Joaninha do Assentamento Tapera.

Detalhe Empório do Sertão: arroz com pequi

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Participação das mulheres

Existe hoje um grande esforço para incluir asmulheres nos processos da Cooperativa. Elas garantem acoleta dos produtos nativos, principalmente quando oshomens migram temporariamente para as lavouras de cafée cana em São Paulo. Maria de Lourdes de Souza é umexemplo de inserção da mulher nesse espaço. Secretária emobilizadora da Cooperativa na região da Serra Geral, acre-dita que a participação na organização possibilita maiorintervenção em outros espaços. A oportunidade de estarna Cooperativa gera uma expectativa grande de envol-vimento das mulheres num trabalho conjunto. Tira a gen-te da “cozinha” pra participar de outros movimentos. Éum leque que se abre para a nossa participação em outrasdiscussões, inclusive na formulação de políticas públicas,afirma.

O rural e o urbano: experiência defornecimento da merenda escolarpara municípios

A proposta da Cooperativa Grande Sertão é sefortalecer enquanto um empreendimento “mãe”, que fun-cione como um instrumento de diálogo das populaçõestradicionais com as instâncias governamentais, o merca-do e redes sociais, para, dessa forma, se constituir em umaferramenta estratégica para as lutas e conquistas dos agri-cultores da região norte mineira.

Apesar de o próprio Estado ser um dos grandesconsumidores de alimentos do país, principalmente noâmbito municipal, onde a merenda escolar é obrigatóriapara as escolas do ensino fundamental (1ª a 8ª série), nãoé raro os estudantes do Norte de Minas consumirem refri-gerantes e arroz de outras regiões. Enquanto isso, os agri-cultores locais são obrigados a buscar emprego nos gran-des centros por não conseguirem escoar seus produtos, eseus filhos têm negado o direito de conhecer e consumirna escola a rica e farta produção agri-cultural da região.De forma direta e objetiva, alguns municípios já começama acordar para uma nova forma de dinamizar sua econo-mia, integrando produção local e consumo, gerando ren-da e criando uma imagem favorável com a absorção dosprodutos agroecológicos regionais.

Segurança alimentar e nutricionalÀs escolas e demais consumidores, a Coopera-

tiva oferece alimentos de qualidade em substituição àque-les com forte teor de insumos químicos e de origem duvi-dosa, revertendo gradativamente o consumo de açúcarcristal, refrigerantes, suco em pó e óleo de soja por rapa-dura, mel, suco natural de frutas, polpa e óleo de pequi.

Detalhe Empório do Sertão: agricultorespreparando paçoca de carne

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Contratos de venda da Cooperativa Grande Sertão no âmbito do Programa deAquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento

(Conab) [ano 2005]

Municípios Consumidores beneficiários Produto Quant. (kg) Valor (R$)Instituições Pessoas

• 21 escolas Polpa de fruta 93.450

• 06 creches Rapadura 26.245

• 01 hospital Óleo de pequi 2.000

06 • 01 associação 30.000 Mel 11.500 750.000,00

Polpa de pequi 1.000em conserva

comunitária

• 01 asilo

• 02 Apae

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Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005 21

Para o ano de 2005, foram encomendados por volta de130 mil quilos de alimentos para o mercado institucional:creches, asilos, Associações de Pais e Amigos dos Excep-cionais (Apae) e escolas, atingindo um público superior a30 mil pessoas localizadas em Belo Horizonte e em outrosseis municípios da região, conforme nos mostra o quadroda página ao lado.

Luta pela terra e reconversãoagroecológica

Um grande mérito da Cooperativa Grande Ser-tão em sua trajetória foi conseguir criar mercado para sabo-res nativos, que até então eram desconhecidos dos consu-midores das cidades, principalmente entre os mais jovens.A partir de então, vem se construindo uma imagem positivapara esses produtos, abrindo novas perspectivas para a agri-cultura camponesa e criando consciência no público urba-no, que começa a dar ressonância às lutas pela preservaçãoda biodiversidade, fato observado em uma ação coletivaque impediu, no ano de 2002, a destruição de uma grandeárea de reserva, na comunidade do Areião, na cidade de RioPardo de Minas, responsável pelo fornecimento de mangabapara a Grande Sertão na safra 2002/2003.

Projeto de reconversão damonocultura do eucalipto.

Cientes do vencimento do contrato de arrenda-mento de suas terras feito pelo Estado para as empresasreflorestadoras, as comunidades da região do Alto Rio Par-

*Breno Gonçalves:administrador, membro da equipe técnica do CAA-NM

Helen Santa Rosa:assessora de comunicação do CAA-NM

[email protected] Produção artesanal de óleo de pequi,Comunidade de Água Boa, Rio Pardo de Minas

do, com o apoio dos movimentos sociais, se organizam pararetomá-las e construir um projeto de reconversão de 10 milhectares de monocultura de eucalipto na comunidade deVereda Funda. A Cooperativa Grande Sertão é um parceirofundamental na concretização desse projeto, atuando comoator responsável por traçar estratégias de viabilização eco-nômica da produção agroecológica das comunidades neleenvolvidas. A cooperativa já vem atuando concretamentena região com o beneficiamento da mangaba e do pequi,englobando 25 comunidades e 156 famílias.

Por fim, a Cooperativa Grande Sertão repre-senta uma entidade constituída a partir das populaçõestradicionais. Até então vistas como sujeitos alvos de polí-ticas compensatórias de amortecimento social, essas po-pulações passam a se posicionar, através da organizaçãoGrande Sertão, como atores da construção de uma novaplataforma, cuja base está alicerçada na valorização dospotenciais ecossistêmicos, na revalorização de paisagenscamponesas, na reestruturação produtiva dos agroecos-sistemas e na participação ativa de sujeitos sertanejos.

Dessa forma, além dos produtos agroecológicos,está sendo reinserido nos mercados locais e regionais umprojeto de convivência socioambiental e de inclusão socialpara os cerrados do Brasil. Todavia, a experiência nos en-sina que a agroecologia não pode ser vista como estraté-gia salvadora e redentora para a agricultura e os campone-ses. Faz-se necessário inscrevê-la numa engenharia políti-ca e organizativa, articulada a instrumentos efetivos eaplicáveis à realidade regional e fundamentada em elemen-tos que rompam com uma visão fragmentada e setorial daagricultura.

Um grande mérito daCooperativa Grande Sertão em

sua trajetória foi conseguircriar mercado para sabores

nativos, que até então eramdesconhecidos dos

consumidores das cidades,principalmente entre

os mais jovens.

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Sistema de Infor-mação e Promo-ção de Produtos e

Serviços da Agricultura Familiar(Sispaf), instalado no portal da Em-presa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária, Embrapa Meio-Norte(www.cpamn.embrapa.br/sispaf),entrou em operação em março de2004, disponibilizando, gratuita-mente, uma base de dados acercada oferta de produtos alimentíciose artesanais de unidades familiaresintegrantes de 40 municípios aten-didos pelo Programa Fome Zero noestado do Piauí. Entre esses produ-tos destacam-se o mel, a castanhade caju, mudas de caju, cajuína, car-

ne de caprino, doce de leite, farinhade mandioca, feijão, galinha caipirae milho. O Sistema também traz in-formações sobre a demanda de pro-dutos a serem comprados por insti-tuições do setor público (Compa-nhia Nacional de Abastecimento –Conab, Secretaria do Desenvolvi-mento Rural – SDR) e privado (dis-tribuidoras, supermercados, restau-rantes).

Antônio Carlos Reis de Freitas,Luiz Manoel Silva Cunha, Laurimar

Gonçalves Vendrusculo, Márcio RobertoMartins Ribeiro, Marcelo Mikio Hanashiro,Francisco das Chagas Oliveira e Antônio de

Pádua Soeiro Machado*

Sispaf: ferramenta decomércio eletrônico para a

agricultura familiar

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Referências:

FREITAS,C. A. R. Desenvolvimento e Expansãodo Sistema de Informação e Promoção de Produ-tos e Serviços da Agricultura Familiar. In: EmbrapaMacroprograma 4 – Transferência de Tecnologiae Comunicação Empresarial. Edital MDS-PFZ.2005/2006. (Projeto aprovado). Teresina:Embrapa Meio-Norte, 2004.

O Sispaf implementa interfaces para consultaaos dados armazenados, que, para serem recuperados, sãoclassificados segundo produtos, com uma lista predeter-minada (cajuína, doce de caju etc); categoria (agricultor,restaurantes, órgãos governamentais etc); ou discriminan-do um município de interesse. Ao se questionar as infor-mações sobre todos os produtores cadastrados no Sispaf,o Sistema responde com um relatório agrupado por pro-dutos e os respectivos produtores, onde os mesmos sesituam, qual a quantidade disponível, a unidade de vendae o preço unitário, bem como o período de disponibilidadedo produto.

A divulgação do Sispaf junto a diver-sos segmentos de técnicos e de agricul-tores familiares do estado do Piauí temsido realizada por meio de palestras ecursos. Nessas ocasiões, são distribuí-dos materiais informativos e de divul-gação, tais como cartazes, formuláriosde cadastro, folderes e boletins.

A página do Sispaf tem mais de 200 usuárioscadastrados, entre agricultores familiares, associações,cooperativas, técnicos dos serviços de extensão rural eempresários. Após um ano em operação, foram registradosmais de 2500 acessos, sendo que, em média, há cincoacessos diários e 350 mensais. A comunicação entregestores e usuários do Sistema funciona por meio de umalista de e-mails.

Em dezembro de 2004, foi realizada a 1ª Roda-da de Negócios do Sispaf, que teve como vendedores 16produtores familiares, cinco associações e duas cooperati-vas, e como compradores dois hotéis, três restaurantes euma empresa exportadora de mel. Atualmente, a EmbrapaMeio-Norte, em parceria com a Embrapa InformáticaAgropecuária, busca incorporar novas funcionalidades aoSistema para permitir a execução de processos realizadosem sistemas de comércio eletrônico (e-commerce). Visatambém desenvolver um módulo de funcionamentostandalone para flexibilizar o uso do Sispaf em computa-dores não ligados em rede.

Por fim, a validação do software Sispaf comoferramenta de suporte à gestão da oferta e da demandade produtos e serviços da agricultura familiar está sendobuscada por meio da implementação do Projeto “Expe-riências-piloto do SISPAF”, apoiado pelo Ministério doDesenvolvimento Agrário (MDA). Com isso, pretende-se capacitar gestores e multiplicadores de sistemas de

*Antônio Carlos Reis de Freitas:doutor em Desenvolvimento Sustentável,

Embrapa Meio-Norte. [email protected]

Luiz Manoel Silva Cunha:mestre em Engenharia de Software, Embrapa

Informática Agropecuá[email protected]

Laurimar Gonçalves Vendrusculo:mestre em Engenharia Agrícola - Desenvolvimento Rural

Sustentável, Embrapa Informática Agropecuá[email protected]

Márcio Roberto Martins Ribeiro:graduado em Sistemas de Informação,

Embrapa Meio-Norte. [email protected]

Marcelo Mikio Hanashiro:mestre em Economia, Embrapa Informática

Agropecuária. [email protected]

Francisco das Chagas Oliveira:mestre em Fitotécnica, Embrapa Meio-Norte.

[email protected]

Antônio de Pádua Soeiro Machado:mestre em Administração, Embrapa Meio-Norte.

[email protected]

informação de mercado; publicar material técnico deapoio; disponibilizar o software Sispaf para organizaçõesde agricultores familiares; e proporcionar o intercâmbiode experiências entre gestores de redes de comercia-lização.

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emergência nosúltimos anos dotema da comer-

cialização nos debates e estratégiasdefinidas pelas organizações da agri-cultura familiar no Agreste da Pa-raíba se deu no contexto de um am-plo programa de desenvolvimentolocal fundado na experimentaçãoagroecológica. Como resultado des-se programa, o número de famíliaspraticantes da agroecologia aumen-tou significativamente. O volume e adiversidade da produção em suaspropriedades também foram incre-mentados. Esse fato reiterou, para asorganizações dos agricultores, a ne-

Estratégias e práticas de acesso aomercado das famílias agricultoras

Adriana Galvão Freire eSílvio Gomes de Almeida*

cessidade de experimentar e propornovos padrões de relação da agricul-tura familiar com os mercados, deforma a garantir condições mais equâ-nimes, estáveis e remuneradoras navenda de seus produtos.

Foi nesse quadro que o Pólo Sindical daBorborema - fórum regional constituído por 16 sindicatosde trabalhadores rurais e diversas associações de agricul-tores - promoveu uma série de iniciativas de caráter pilotoque, progressivamente, se consolidaram e ampliaram: adescentralização da comercialização, com a instituição de“pontos ecológicos” dentro das feiras municipais, permitin-do que as famílias possam negociar em seus próprios mu-nicípios. Outra iniciativa foi a organização de feiras agro-ecológicas, uma de caráter local, no município de LagoaSeca e, outra, com vocação regional, localizada no muni-cípio pólo de Campina Grande.

do Agreste da Paraíba

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O setor do feijão na feira de Remígio, PB

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Essas iniciativas de estímulo à estruturação denovas relações de mercado, ao mesmo tempo em que ex-pressam uma postura inovadora e propositiva das organi-zações, trazem novas questões à pauta do debate sobre aorganização dos mercados locais e regional e suasinterações com a formulação de estratégias e propostasde políticas para a sustentabilidade da agricultura familiar.

Para subsidiar e qualificar o debate, formularpropostas e consolidar estratégias de desenvolvimentolocal sustentável pelo Pólo da Borborema, foi conduzi-do, em 2004, um estudo1 participativo sobre os canaistradicionais de comercialização na região. Realizado nomunicípio de Remígio, esse estudo teve como preocupa-ção central o entendimento do papel dos mercados lo-cais na reprodução social da agricultura familiar no semi-árido paraibano.

A feira local foi tomada como foco, na medidaem que tem sido tradicionalmente o principal espaço decomercialização dos produtos da agricultura familiar nosmunicípios do Pólo. A feira foi apreendida como um mer-cado em si, mas também como um polarizador de múlti-plos circuitos mercantis e um ponto de convergência dediferentes agentes socioeconômicos e oportunidades devenda de produtos. No entanto, para além de plataformade relações econômicas, as feiras foram consideradas tam-bém como centros de sociabilidade, de troca de conheci-mentos e informações, de afirmação de uma cultura pro-dutiva e de consumo, que constituem igualmente elemen-tos integrantes das estratégias de reprodução econômicae social da agricultura familiar na região.

Feira de RemígioComo em tantas outras feiras espalhadas pelo

Nordeste brasileiro, desde o raiar da madrugada, seja decarro, de caminhão ou mesmo a pé empurrando carrinhos-de-mão, os feirantes vão chegando um a um: homens emulheres, agricultores e agricultoras, vindos de Remígio,das imediações ou de outras cidades.

No chão ou em bancas, em carrinhos ou naspróprias mãos, os produtos vão sendo ordenados por se-tores, expostos e oferecidos aos consumidores. Sempreum convite a experimentar um novo sabor, a fruta fresca,aquela nativa, a verdura sem veneno, a farinha torrada, acarne seca, o queijo do sertão, as ervas da caatinga, ofeijão macassa, o milho pontinha.

A feira é o local onde se compram alimentosque fazem parte do cardápio cultural e os condimentosque dão à comida o tempero e o sabor regionais. Na feira,compram-se também galinha de capoeira, cabra amojadaou boi de cultivador. Compram-se carvão, estacas, palma

forrageira ou algodão. Na feira, compram-se instrumentosde trabalho, roupas para festa, móveis para casa, utensíliosde cozinha, material escolar dos filhos, CDs, tecidos, agu-lhas e linhas.

Também a pé, a cavalo, de carro, moto ou ôni-bus, chegam os agricultores e agricultoras consumidores.Chegam de sacolas vazias, com a receita do médico namão, com mudas de plantas de remédio ou de fruta, comcartas para parentes distantes, mas quase sempre chegamtambém trazendo ovos, galinhas de capoeira, bodes,jerimum, goma de tapioca, doces, cebolinha branca,macaíba, umbu, feijão de corda e milho verde para vender.Com os produtos, misturam-se aos consumidores da cida-de, espalham-se pelos diversos setores, estendem os pro-dutos no chão, aproveitam a banca de um conhecido,ajeitam seus carrinhos-de-mão ou caminham pela cidadepara atenderem as encomendas de uma freguesia certa.

Para que as famílias agricultoras possam con-sumir na feira ou no comércio da cidade, precisam antesvender seus produtos e “fazer o dinheiro”. A estratégiamais comum é a venda de grande diversidade de produtosde época, que são consumidos em casa e também ofertadosnos mercados. Localmente, os agricultores e agricultoraschamam tal atividade de “venda-por-produção”.

Vendedores-por-produção

A venda-por-produção é concretizada de inú-meras maneiras. Pode ser realizada nos sítios, para vizi-nhos e comerciantes-atravessadores, para os “grossistas”que irão revender no atacado ou para os retalhistas querevendem os produtos no varejo. Os agricultores vendemtambém diretamente aos consumidores nos sítios da vizi-nhança, na cidade, em restaurantes, bodegas e armazéns,exercitando assim uma estratégia de venda por clientela,o que permite uma entrada certa e periódica de recursos.

No chão ou em bancas, emcarrinhos ou nas próprias

mãos, os produtos vão sendoordenados por setores,

expostos e oferecidos aosconsumidores. Sempre umconvite a experimentar um

novo sabor...1 Esse estudo foi realizado entre maio e setembro de 2004, numa parceria com oCIRAPD – Centre de Coopération Internationale in Recherche Agronomique pourle Développement, França, e UFCG – Universidade Federal de Campina Grande. Apesquisa contou com a contribuição de Frédéric Kilcher.

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Na feira, vendem para os feirantes, comerciantes e tam-bém para os consumidores diretos.

Na venda-por-produção, em pequena escala,os produtos são ofertados tanto no retalho quanto nogrosso. O saco de feijão, milho ou farinha, por exemplo, élevado para ser vendido “na pedra”, setor da feira onde senegocia no atacado.

Quando a venda se dá em maior escala, ela ocor-re preferencialmente nos sítios, ambiente em que as famíliasrevelam se sentir mais à vontade para efetuarem seus “ne-gócios” com os compradores intermediários. São poucosos agricultores e agricultoras que dominam a cultura e asmanhas do negócio. Criar um ambiente onde se sintam “se-guros” torna-se, portanto, um componente importantepara a realização das trocas em condições mais favoráveis.

Além desse componente subjetivo, as famíliaspodem, nas vendas à porta do sítio, eliminar uma série deriscos e custos adicionais que não teriam condições deincorporar caso decidissem negociar os produtos direta-mente na feira. O elevado preço do transporte das merca-dorias é um fator limitante, que ainda fragiliza e expõe osagricultores aos compradores, os quais, por sua vez, pres-sionam para baixo o preço das mercadorias quanto maisperecível for o produto e mais imediata for necessária a suavenda.

Já ao contrário, quando o comprador vai até osítio, tem-se a garantia e a segurança de que a venda serárealizada. Sabem os agricultores que o comprador teminteresse no seu produto e, estando num ambiente co-

nhecido, lhes basta, portanto,negociar preço e condiçõesde pagamento. Mas para tanto, conhecer os preços é con-dição primeira de se fazer um bom negócio. Os vendedo-res-por-produção freqüentam, então, a feira municipaltodas as semanas a fim de buscar informações sobre ospreços atuais. Com amostras do produto, contatam eagendam visitas com os possíveis compradores.

Em relação a alguns produtos, a venda-por-produção é a única alternativa quese apresenta. As frutas, por exemplo.Mesmo que os produtores sejam feiran-tes, por sua perecibilidade, é necessáriocombinar sua venda no retalho e no gros-so, a feira e a entrega ao intermediáriona porta do sítio. E assim muitos o fa-zem. João Batista, agricultor do sítioCaiana, vende sua produção de laranjaspara atravessadores, mas separa ummilheiro para vender no “retalho”, na feirade Remígio. Segundo sua avaliação, issoé mais vantajoso financeiramente, namedida em que consegue incorporar àtransação o tributo da intermediação, aomesmo tempo em que reconhece, porém,ser impossível realizar a venda integralda produção na feira local.

Para conseguirem acessar o mercado de formamais continuada, as famílias desenvolvem estratégias di-ferenciadas e ajustadas aos ambientes naturais em quevivem. Na região do brejo, ambiente mais úmido, onde asatividades produtivas se estendem ao longo do ano, asfamílias organizam a diversidade produtiva em função dasazonalidade para que, de maneira mais permanente, pos-sam ter o que colher e vender. Já na região do agreste, porser um ambiente cuja inconstância das chuvas se manifes-ta de forma mais aguda, as famílias que obtiveram suaprodução anual satisfatória armazenam o feijão, por exem-plo, e o vendem, após separarem a quantidade para con-sumo, de acordo com suas necessidades, ou ainda têm achance de esperar por melhores preços. A venda do feijãoé, então, escalonada no tempo, para permitir a compra degêneros que abastecerão a casa: carne, verduras, tempe-ros, café, arroz, macarrão.

Agricultores-feirantes

Na feira de Remígio, cerca de 60% dos feiran-tes são agricultores familiares. Os agricultores-feirantesparticipam semanalmente dessa ou de outras feiras, comoatividade econômica principal ou complementar, para osustento da família e o financiamento da produção agríco-la. Algumas vezes, famílias ainda muito jovens foram leva-das a essa atividade pela necessidade, pela busca por me-Setor da fruta e verdura, da feira de Remígio, PB

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lhores condições de vida, aprendendo a negociar, seja comoutros feirantes, seja através dos acertos e erros de feiraspassadas.

Não são raras as famílias que iniciaram na feiracom a compra de produtos dos vizinhos no “apurado”, ouseja, para pagamento após a venda. Com pouca terra eprodução, a família de Boy e Eurídice, do sítio Caiana,teve a chance de se estruturar e comprar o direito de usodo “chão” na feira de Remígio a partir de acordos feitoscom vizinhos. Se, por um lado, a compra no “apurado”viabilizou o estabelecimento da família no negócio, aindaque assumindo sozinha o custo de transporte e os riscosda venda, por outro, permitiu o escoamento de produtosde outras famílias que cederam sua produção e que nãoestavam dispostas a participar da feira.

Os agricultores-feirantes estão presentes empraticamente todos os setores da feira de Remígio, ven-dendo produtos agrícolas ou não. Nem sempre existe umarelação direta entre o que produzem e o que vendem. Essaassociação é mais clara no caso dos agricultores-feirantesdo brejo, presentes, sobretudo, no setor da “fruta e daverdura”. Já no caso dos agricultores-feirantes do agres-te, a dissociação entre produção própria e produtos pos-tos à venda torna-se mais evidente, reflexo dos própriossistemas produtivos da região. Apesar de produzirem fei-jão, milho ou algodão, os agricultores e agricultoras doagreste encontram-se dispersos nas bancas de comida, navenda de carne fresca ou de sol, podendo ainda ser encon-trados, nos setores de roupa, mangaio e ervas.

Como atividade econômica regular e comple-mentar à agricultura, há um número significativo de agri-cultores-feirantes que compra tudo o que é vendido emsuas bancas, como o caso das jovens agricultoras Aparecidae Luciana, de Gravatá-Açu. Elas passaram a assumir, nosetor das frutas e verduras, a antiga banca de tempero damãe e, aos poucos, foram substituindo as ervas por produ-tos comprados em centros de abastecimento (tomate,batata-inglesa, cebola).

Também na intermediaçãoSão poucos, mas não são raros os agricultores

que também se aventuram na intermediação das relaçõesde compra e venda. As relações de intermediação, contu-do, se diferenciam pelo tipo de ambiente e de produto,pelo maior ou menor grau de capitalização familiar e pelamaior ou menor proximidade das relações sociais esta-belecidas, como vizinhança, parentesco, compadrio.

A imagem do atravessador é, geralmente, ne-gativa nas comunidades rurais, apesar de, muitas vezes, afunção também ser entendida como necessária pelas famí-lias. Porém, não raro os próprios agricultores atuam comoatravessadores para “completar” suas bancas, para ven-der no grosso na feira ou para a compra e venda de ani-mais. Mas nesse caso, a natureza das relações tecidas en-tre uns e outros na vida comunitária faz a diferença.

As relações de conhecimento e confiança mú-tua entre os intermediadores comunitários e as famíliasagricultoras atuam como uma via de mão dupla: por umlado, facilitam para as famílias a venda de seus produtosnos sítios, local onde estrategicamente preferem comer-ciar; por outro, viabilizam a participação na feira de no-vos feirantes.

Organização dos mercados etransição agroecológica

Consumidores, vendedores-por-produção, fei-rantes e intermediários: diversas são as estratégias e as prá-ticas das famílias agricultoras para acessar os mercados.

Ao mesmo tempo em que articulam e permi-tem a regulação de diferentes circuitos de comercialização,as feiras comportam e mesmo estimulam o exercício deuma grande variedade de papéis, de inserções econômicase de práticas comerciais com forte função de complemen-taridade para as economias familiares.

Uma única família, por exemplo, pode servendedora-por-produção para um determinado produto efeirante para outros dos quais sequer é produtora. Da mesmaforma, pode assumir-se como feirante e vendedora-por-

As relações de conhecimento econfiança mútua entre os

intermediadores comunitáriose as famílias agricultoras atuam

como uma via de mão dupla:por um lado, facilitam para as

famílias a venda de seusprodutos nos sítios, local onde

estrategicamente preferemcomerciar; por outro,

viabilizam a participação nafeira de novos feirantes.

Setor da fruta e verdura da feira de Remígio, PB

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28 Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005

*Adriana Galvão Freire:assessora técnica da AS-PTA

[email protected]

Sílvio Gomes de Almeida:diretor executivo da AS-PTA

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produção para um único produto. Grande parte dos agri-cultores e agricultoras de Remígio tem a venda-por-pro-dução como atividade econômica permanente. Para efeti-varem suas vendas, realizarem suas compras e viabilizaremseus projetos pessoais e familiares, buscam nas feiras am-bientes econômicos mais abertos e flexíveis, circuitos maislocalizados e transparentes, e maior capacidade interativacom outros agentes da comercialização. Assim, podemcolocar, através de distintos circuitos, a qualquer tempo eem quantidades variáveis (mesmo muito pequenas), a di-versidade de seus produtos.

A contra-corrente dessa configuraçãomais permeável e menos estruturada deorganização, as políticas públicas do-minantes, agentes privados e, mais re-centemente, algumas organizações decooperação para o desenvolvimentotêm fomentado a modernização pro-dutiva da agricultura familiar (via in-vestimentos e tecnologia), conjugadaa um modelo de integração aos mer-cados que privilegia a especialização daprodução em cadeia direcionada a mer-cados estruturados, segmentados e dis-tantes. A busca de soluções estritamen-te mercadológicas, ainda que à custade pesados subsídios, tanto mais parauma agricultura de alto risco como ado semi-árido, tem levado a frustraçõese impasses freqüentemente associadosao aumento dos riscos de decomposi-ção técnica, econômica e social dos sis-temas familiares.

A periódica ocorrência de secas, os limitadosrecursos de terra e capitalização e a ausência de mecanis-mos públicos de regulação da renda enfatizam, no caso daagricultura familiar do semi-árido, estratégias de desen-volvimento fundadas na limitação dos riscos, na estabili-dade e autonomia técnica e econômica, bem como napreservação da segurança alimentar das famílias agri-cultoras, tanto na esfera da produção como da comer-cialização. A diversificação da produção tem sido o ele-mento central dessas estratégias de reprodução socio-econômica. Sua efetividade requer igualmente que semantenham abertos espaços diversificados de comer-cialização, a partir dos quais as famílias constroem estra-tégias próprias e nos quais exercitam múltiplas práticas deescoamento de seus produtos. Em outras palavras, a sus-tentabilidade da inserção dos sistemas familiares nos mer-cados locais se fundamenta na oferta e na venda da diver-sidade produtiva.

Desse ponto de vista (e ainda que as feiras sejamtambém estruturas de reprodução de diferenciações sociais,de relações de exclusão e de dependência econômica), elasapontam para modelos de relações sociais e de organizaçãodos mercados fundados no estabelecimento de conexõesequilibradas e sustentáveis entre os sistemas produtivos fa-miliares e a esfera da comercialização dos produtos. Aefetivação e a permanência dessas conexões demandam,nos distintos territórios, a implementação de políticas per-tinentes que resgatem, aperfeiçoem e regulem relações demercado fomentadoras da diversidade produtiva dos siste-mas familiares; que reduzam as barreiras à entrada das famí-lias nos espaços físicos e nos circuitos econômicos de trocadireta; que garantam a transparência das relações e o aces-so às informações e a participação dos agricultores nosmecanismos sócio-econômicos e institucionais de forma-ção de preços; e, finalmente, que defendam e revitalizem osvalores culturais que, por meio dos mercados de proximida-de, dinamizam os vínculos entre a diversidade produtiva eos hábitos de consumo das populações da região.

Enfocados desse ponto de vista, os mercadoslocais e, no caso, as feiras tradicionais podem vir a consti-tuir potentes instrumentos de suporte a processos massivosde transição agroecológica no semi-árido. O estudo reali-zado pelo Pólo da Borborema e os debates que dele de-correram evidenciam que repensar as feiras numa dimen-são de sustentabilidade é, simultaneamente, um caminhofecundo e um desafio colocado à capacidade propositiva ede gestão política das organizações da agricultura familiardo Agreste paraibano.

O setor feijão na feira de Remígio, PBFo

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equenos agricul-tores e habitantesdas cidades do dis-

trito de Medak, em Andhra Pradesh,Índia, estão resgatando a cultura ali-mentar local de uma maneira muitopeculiar.

Produtores orgânicos e que trabalham com agri-cultura de baixos insumos externos - vindos dos rincões maispobres e marginalizados do meio rural - estão, juntamentecom consumidores das cidades, identificando necessidadesem comum e construindo elos entre esses dois grupos, emgeral situados em lados opostos. A Sociedade para o Desen-volvimento Deccan (Deccan Development Society - DDS),uma ONG local, possibilitou o processo de capacitação eação que levou à recente criação de uma cooperativa de pro-dutos orgânicos e à abertura do Café Étnico.

O Café Étnico é um restaurante familiar, na ci-dade de Zaheerabad, a 100 km de Hyderabad, onde a comi-da é saudável, nutritiva e muito saborosa. Os grãos servidosnão levam nenhum tipo de produto químico, sendo cultiva-dos naturalmente por meio do manejo orgânico. O menuoferece uma variedade de pratos deliciosos e exóticos, àbase de milheto, sorgo e cereais, todos altamente nutriti-vos. Nunca existiu um restaurante como esse em AndhraPradesh. Ele oferece um ambiente onde as pessoas podemredescobrir o valor do alimento local, ao mesmo tempo emque representa para os agricultores uma demanda garanti-da de sua produção, e a preços justos. À medida que ali-mentos há muito esquecidos são trazidos de volta à mesado consumidor urbano, a biodiversidade é preservada e che-ga a ganhar mais espaço entre cultivos particulares e terrasde uso coletivo.

A loja orgânicaEssa loja foi criada por uma cooperativa, que

teve início em 1999 pelas mãos de mulheres filiadas asangmans (como são chamadas as associações locais) eque vivem em 70 vilas ao redor de Zaheerabad. Esse mer-

cado local foi criado para beneficiar as famílias pobres etem como objetivos:

• proporcionar um comércio seguro e estável paraa venda do excedente da produção dos peque-nos e empobrecidos agricultores das vilas;

• livrar esses mesmos produtores do domínio dosatravessadores;

• chamar a atenção para a rica diversidade dos grãostradicionais, cujo consumo vem decaindo;

• estimular o cultivo orgânico de produtos tradi-cionais, ao criar meios que facilitem a comercia-lização para os produtores;

• convencer a população rural a deixar de usar oarroz e trigo subsidiados no lugar de seus grãostradicionais altamente nutritivos;

• conscientizar os habitantes das vilas, assimcomo os das áreas urbanas, do valor nutritivodos alimentos tradicionais orgânicos;

• tornar disponíveis grãos e outros artigos essen-ciais para as comunidades pobres rurais, quenão têm condições de pagar os preços dos pro-dutos do mercado urbano.

Essas iniciativas, promovidas por agricultores epessoas das cidades que buscam restituir sua biodiversidadee economia, fazem parte de uma pesquisa que leva o nomede “Sustentabilidade de sistemas alimentares, biodiver-sidade agrícola e práticas de subsistência locais”, feita emparceria pela DDS e pelo Instituto Internacional para oMeio Ambiente e Desenvolvimento (IIED).

Experiências como essas contribuem para a garan-tia do direito à soberania alimentar local e, portanto, estãobaseadas nos princípios de diversidade, descentralização, ca-pacidade de adaptação e formas mais diretas de democracia.

Resgatando acultura alimentar

em Andhra PradeshMichel Pimbert*

*diretor do Programa de Agricultura Sustentável ePráticas Rurais de Subsistência, do Instituto

Internacional para o Meio Ambiente eDesenvolvimento (IIED), Londres, Inglaterra.

[email protected] • www.ddsindia.com

P

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30 Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005

o estado de SanMartin, na flores-ta alta do Peru,

os pequenos agricultores do vale doBajo Mayo cultivam a variedade“áspero”do algodão, de fibras cur-tas e que apresenta as cores brancaou parda (marrom). O cultivo é fei-to por intermédio de um sistema tra-dicional de roça-corte-queima emencostas. As árvores são cortadas ea vegetação é queimada para pre-parar o terreno onde o algodão éplantado, em consórcio com o mi-lho, feijão, banana-da-terra e frutas,por cerca de dois anos. O algodão éa principal fonte de renda das famí-lias. Os outros cultivos são destina-dos sobretudo ao autoconsumo.Agrotóxicos não são utilizados porquestões econômicas e culturais.Trata-se, portanto, de uma agricul-tura de baixos insumos externos.

Bolsasartesanaisdo vale doBajo Mayo:uma iniciativabem-sucedida debeneficiamentodo algodão nativoElizabeth Saint-Guily*

N As mulheres tradicionalmente fiam e tecem oalgodão para fazer faixas (usadas para carregar objetos nascostas ou como apoio na frente), bolsas retangulares e rou-pas. Há anos que diversas empresas peruanas compram oalgodão branco para comercializá-lo no mercado interno defibras curtas (para uso medicinal, em colchões etc). Já oalgodão pardo não encontrava compradores, até que, nosanos 90, algumas empresas estrangeiras chegaram à regiãoparticularmente interessadas, desde que ele estivesse certi-ficado como orgânico. Pagaram os custos da certificação e

Mulher da comunidade de Solo (Lamas, Peru) fiando oalgodão de sua roça com o chuk-chuk (fuso).

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Bolsas feitas pelogrupo de mulheres

artesãs

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organizaram a assistência técnica, em parceria com o Cen-tro de Desenvolvimento e Pesquisa da Floresta Alta (Cedisa),uma ONG que trabalha na diversificação dos cultivos e dasfontes de renda dos pequenos agricultores locais.

A flutuação dos preços do algodão no merca-do internacional, no entanto, torna o sistema instável. Háépocas em que as empresas deixam de comprar o algodãopardo orgânico, o que prejudica os produtores. Isso por-que, embora se fale em “responsabilidade social” de ne-gócios envolvendo certificação orgânica, as empresas nãopodem assumir com muita antecedência o compromissode comprar a produção, sendo os pedidos feitos de anoem ano. Para resolver esse problema, é necessário buscaralternativas de mercado para o algodão pardo que garan-tam rendimentos de médio e longo prazo para os peque-nos agricultores.

No vale do Bajo Mayo existe uma iniciativa devalorização econômica do algodão que vem sendo desen-volvida paralelamente: a fabricação artesanal de bolsas emochilas, com tecido tradicional de algodão pardo e bran-co feito à mão, mas com um estilo mais urbano e diversifi-cado. As bolsas femininas, as mochilas de carregar nas

*Elizabeth Saint-Guily:mestranda em Sociologia do

Desenvolvimento Rural,Universidade de Wageningen, Holanda

[email protected]

costas ou na frente e outras peças feitas por encomendasão vendidas no mercado turístico local e nas lojas deTarapoto e Lamas, cidade considerada o centro da cultu-ra nativa da região. Esses produtos também são exporta-dos para a Europa por meio de contatos particulares. Onegócio, embora de pequena escala, é muito rentável epossibilita a agregação de valor à produção local de algo-dão e ao trabalho artesanal do grupo de mulheres, consti-tuindo um exemplo de beneficiamento pós-colheita quese apresenta como uma alternativa interessante diante dainconstância do mercado orgânico mundial.

Essa produção não surgiu como resul-tado de um programa de desenvolvi-mento. Ela é fruto do esforço empreen-dido pela população local. Trata-se deuma experiência em pequena escala,que teve como fator fundamental parao seu sucesso a sinergia entre tecnologiatradicional e adaptação do estilo dosmodelos ao gosto da demanda turísti-ca. O levantamento de diferentes al-ternativas de comercialização, locaisou internacionais, também foi de gran-de importância.

Os projetos de desenvolvimento podem se ins-pirar nesse tipo de iniciativas, mas devem ter em menteque o principal segredo para o sucesso está em manteruma produção em pequena escala, que oferece maior fle-xibilidade e menor risco, obtendo resultados que muitasvezes a rede de comercialização de produtos orgânicoscertificados para exportação não consegue atingir.

No vale do Bajo Mayo existeuma iniciativa de valorizaçãoeconômica do algodão quevem sendo desenvolvidaparalelamente: a fabricaçãoartesanal de bolsas e mochilas,com tecido tradicional de algodãopardo e branco feito à mão,mas com um estilo maisurbano e diversificado.

Menina da comunidade de Solo cultivando suaroça de milho e algodão

Jovens selecionando o algodão colorido orgânico

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Publicações

Projeto Frutos doCerrado. Novorumo para o desen-volvimento regional.LEROY, Jean-Pierre;TOLEDO, Grayton Tavares.Brasília: PDA, 2001. 128p.,il., tab., graf., foto. (Expe-riências PDA, 1)

Relato da experiência da Rede Frutos do Cerra-do. A Rede é formada por agricultores e índios,com o objetivo de defender as florestas tropicaisem contraposição à expansão da soja e da pecuá-ria extensiva de exportação. Esse projeto é umprograma piloto criado a partir da união de vári-os povos em defesa das florestas tropicais brasi-leiras e pretende construir novas alternativas eco-nômicas sustentáveis para a região.

Local harvest:delicious waysto save theplanet

SELINCOURT, Kate de.Londres: Lawrence eWishart, 1997. 229p.

Aborda os benefíciosalcançados pelo con-sumo de alimentosproduzidos por pe-quenos agricultores.

Explica como esses produtos locais são mais sau-dáveis, saborosos e baratos que os compradosem supermercados. Destaca as vantagens ambien-tais dessas plantações diversificadas e não-inten-sivas, que não necessitam de transporte, pois sãoproduzidas, comercializadas e consumidas local-mente.

Negócios paraAmazôniasustentávelRio de Janeiro: MMA,2003. 183p.

Reunião de inúmeras ex-periências orientadas pa-ra a garantia da susten-

tabilidade ecológica e econômica de comunida-des indígenas, pequenos produtores, seringuei-ros e castanheiros da Amazônia. Apresenta a artee cestaria indígena, o artesanato de sementes efibras vegetais, a castanha do Brasil, as formassustentáveis de exploração do eco-turismo, asnovas alternativas para a borracha nativa, a pro-dução de produtos fitoterápicos e cosméticos,produtos gastronômicos, além de serviços e en-tidades de assessoria.

Les marchésmondiaux desfruits et légumesbiologiques.Opportunités pourles pays endéveloppementdans la productionet l’exportation desproduits horticolesbiologiques.

LIU, Pascal et al. Roma: FAO/CCI/CTA, 2001. 347p.

Coletânea de informações sobre o desenvolvimen-to do mercado hortícola e o comércio mundial defrutas e legumes orgânicos. Expõe as condiçõesregulamentares de produção e exportação dessesprodutos para os principais mercados.

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Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005 33

*Todas as publicações estãodisponíveis para consulta no

Centro de Informação da AS-PTA.

Tradicional foods:processing for profitFELLOWS P. (ed.). Londres:Intermediate Technology Publications, 1997.

Manual sobre processamento de alimentos tra-dicionais da Ásia, África e América Latina. Olivro é de interesse não somente para aquelesque se dedicam ao processamento em pequenaescala, como também para aqueles que apóiamprogramas centrados em iniciativas locais, paraagências de cooperação e para estudantes deciências de alimentos e de disciplinas relacio-nadas.

Agroindustrializaçãoecológica. Umaopção para a agri-cultura familiar:processamento deprodutos deorigem vegetal.Rio Grande do Sul: CentroEcológico Ipê, 2001. 64p.,tab., fotos.

Apostila elaborada pelo Centro Ecológico apartir de experiências junto aos agricultoresecologistas. Descreve as características daagroindústria ecológica como uma opção paraos agricultores familiares aumentarem sua ren-da. Apresenta normas gerais para a constru-ção das agroindústrias de pequena escala. Con-tém receitas de doces, conservas, sucos, alémdas exigências para comercialização dos pro-dutos.

Esverdeando a Amazônia:comunidades e empresas em

busca de práticas para negóciossustentáveis.

ANDERSON, Anthony; CLAY, Jason (orgs.). São Pau-lo: Peirópolis; Brasília: IIEB-Instituto Internacional deEducação do Brasil, 2002. 202p.

Coletânea de artigos sobre experiências de pro-dução e comercialização de produtos da florestaamazônica. Os estudos apresentados foram reali-zados durante o período de 1995 a 1996, entreeles destacam-se: a parceria entre a Body Shop eos índios Kayapós da aldeia de A-Ukre, situadana bacia do rio Xingu; outra parceria entre umagrande companhia e uma comunidade indígenasurgiu entre a Aveda Corporation, firma com sedenos EUA que produz cosméticos com base emprodutos naturais, e os índios Yawanawás, habi-tantes do estado do Acre; o Projeto Reca, quefocaliza a produção do cupuaçu; e a ASSEMA,que centra seu empreendimento no processa-mento dos frutos da palmeira babaçu colhidos empovoamentos silvestres.

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34 Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005

Páginas na internet

A Rede de Agroecologia ECOVIDA é uma ONG compos-ta por agricultores familiares, técnicos e consumidorescomprometidos com o desenvolvimento da agroecologia,com o intuito de estimular o trabalho associativo na pro-dução e consumo de produtos ecológicos. A página pos-sui um banco de dados com informações sobre a Rede.Existe espaço destinado a oferta e a procura de produtosecológicos, insumos, sementes e equipamentos agrícolas.

Página da Companhia Nacional de Abastecimento -Conab, empresa pública vinculada ao Ministério da Agri-cultura, Pecuária e Abastecimento, encarregada de ge-rir as políticas agrícolas e de abastecimento preservan-do os mecanismos de mercado. Contém informaçõessobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),cujo objetivo é incentivar a agricultura familiar. Apre-senta dados sobre safras, armazenamento da produçãoagrícola nacional e indicadores agropecuários. Ofereceacesso à legislação, às publicações e a outras páginaspertinentes ao tema.

Página mantida pela Universidade Federal de Viçosa - UFV,especializada em processos pós-colheita. Tem como focoas soluções alternativas para se produzir com qualidade erentabilidade. Disponibiliza publicações e videocursos so-bre o tema, sendo que parte desse material tem acessogratuito. Oferece manuais, boletins técnicos e consultoriaon-line sobre o assunto.

A CAPINA - Cooperação e Apoio a Projetos de InspiraçãoAlternativa, sociedade civil sem fins lucrativos, tem comoobjetivo dar suporte a empreendimentos populares basea-dos na economia solidária, trabalhando com diversos gru-pos sociais como cooperativas de agricultores familiares,sindicatos, organizações indígenas, organizações não-governamentais. Atua nos campos de administração, ges-tão da produção, comercialização, crédito e educação parao trabalho. A página contém informações sobre cursosrelevantes e publicações da instituição sobre esses temas.

O Serviço de Informação Técnica - ITDG é formado poruma equipe de cooperação técnica internacional que tra-balha junto às populações mais desfavorecidas, buscandosoluções práticas mediante o uso de tecnologias apropria-das. Entre suas atividades está o programa Sistemas deProdução e Acesso a Mercados – SIDAM, que visaincrementar a participação dos pequenos produtores nomercado. A página oferece informações técnicas e de de-senvolvimento gratuitamente. Disponibiliza a consulta aoCentro de Documentação, com mais de 6000 documen-tos e 100 títulos de periódicos sobre tecnologias apropri-adas e desenvolvimento sustentável. Contém também in-formações sobre cursos nesses temas. Somente disponívelem espanhol. <http://www.postharvest.org>

www.capina.org.br

www.ecovida.org.br

www.pos-colheita.com.br/

www.conab.gov.br

www.itdg.org.pe

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Lançado diagnóstico sobre informações em agroecologiaA Rede de Informações Agroecológicas da Amazônia, RIAA, vinculada à Articulação Nacional de Agroecologia - ANA, está realizando umdiagnóstico junto a instituições situadas na Amazônia brasileira que desenvolvem atividades ligadas à Agroecologia. Essa iniciativapretende verificar com que temáticas trabalham, como funcionam os sistemas de informação e comunicação, que demandas têm essasentidades; e se têm interesse em participar da Rede. O objetivo da RIAA é democratizar informações sobre agroecologia, buscando,disponibilizando e armazenando todo tipo de informação que tenha ligação com a temática, difundindo e valorizando os conhecimentosconstruídos pelas instituições. Deve-se responder a um questionário e enviar exemplares de materiais de comunicação. Ao final dodiagnóstico, será lançada uma publicação com os principais resultados. Serão também realizados seminários em diversos estados daAmazônia para consolidar a construção da RIAA e capacitar os participantes a utilizar o sistema de comunicação da Rede.Informações poderão ser obtidas pelo telefone (65)223-4461 ou com Daniela de Oliveira Danieli – GTNA – Grupo de Assessoria emAgroecologia na Amazônia • Tel. (65) 223-4461 • E-mail: [email protected]

EventosJu

lho V Encontro Ampliado da Rede Ecovida

Data: 26 a 28 de julhoLocal: Praia Grande, SC.Informações: Silvana Ferrigo, [email protected] tema do evento será Soberania Alimentar. Espera-se o comparecimento de aproximadamente 1.000 pessoas, emsua maioria agricultores e agricultoras. O encontro terá cerca de 40 oficinas para trocas de experiências. Paralela-mente ocorrerá a Feira de Saberes e Sabores.

IV Encontro e Feira dos Povos do Cerrado e Grito do CerradoData: 14 a 18 de setembroLocal: Montes Claros, GO.Informações: www.redecerrado.org.brA Rede Cerrado de ONGs congrega instituições da sociedade civil que atuam na promoção do desenvolvimentosustentável e na conservação do Cerrado. O objetivo do encontro é socializar e sistematizar experiências, visandoa identificação de projetos e propostas para o Cerrado. O evento terá início com apresentação das “Propostas PróCerrado”. Haverá também uma feira de produtos produzidos pela população local.

II ERA - Encontro Regional de Agroecologia da AmazôniaData: 27 a 30 de setembroLocal: Cuiabá, MT.Informações: GNTA [email protected] encontro visa marcar um posicionamento político contrário ao atual modelo de desenvolvimento e dar visibilida-de aos processos e construção de alternativas sociais, econômicas e ambientais, baseadas em princípios daagroecologia na Amazônia. O evento quer ressaltar os impactos negativos dos grandes projetos agropecuários naregião e dar visibilidade ao avanço das iniciativas agroecológicas. Espera-se também elaborar as diretrizes de umPlano Agroecológico Amazônico. Está prevista a participação de aproximadamente 500 pessoas, representando osestados do Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Pará, Amapá, Roraima, Amazonas, Rondônia e Acre.

XI Flora - Feira de Produtos da FlorestaData: setembroLocal: Rio Branco, AC.Informações: www.pesacre.org.br/portugues/trabalho.htmOrganizada por instituições governamentais e não-governamentais, a feira é realizada anualmente contando coma participação das populações tradicionais da Amazônia (colonos, seringueiros, ribeirinhos e índios). O evento temuma programação diversificada, como: exposição de produtos, seminário, rodada de negócios, atividades culturais,comidas típicas e oficinas de beneficiamento. O objetivo é promover a divulgação do potencial da floresta amazô-nica, expondo produtos, tecnologias e pesquisas que levam em consideração os valores sociais, econômicos eculturais dos povos da floresta, viabilizando a comercialização de seus produtos.

III Congresso Brasileiro e III Seminário Estadual de AgroecologiaData: 17 a 20 de outubroLocal: Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,SC.Informações: www.agroecologia2005.ufsc.brO Congresso terá como tema ‘’A sociedade construindo conhecimentos para a vida’’. Colocará em discussão temasrelacionados à educação agroecológica, acesso a mercados e comercialização, produção animal e vegetal, ecosocialismo,homeopatia, pesquisa, ensino e extensão em agroecologia e certificação. Haverá debates com organizações de consu-midores, visando aproximar produtores e cidadãos urbanos, tendo como enfoque a qualidade e a saúde dos alimentosorgânicos. Além da apresentação de trabalhos originais, serão apresentadas mesas-redondas e oficinas. Barracas comculinárias regionais, estações culturais, artesanatos e relatos de experiências de agricultores farão parte do evento.

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Próximo número (v. 2, nº 3)Tema: Economia da produção familiar agroecológicaHá claras evidências de que a rápida expansão da produçãofamiliar de base agroecológica, no Brasil como em outrospaíses, está fundamentalmente associada aos impactos eco-nômicos positivos alcançados pelas famílias produtoras nasustentabilidade de seus sistemas produtivos. Faltam, noentanto, sistematizações e estudos que confiram maior con-sistência a essas evidências, concorrendo simultaneamentepara sensibilizar novos praticantes da agroecologia e paraalavancar debates, propostas e medidas de fomento no âm-bito das políticas públicas.Os conceitos e instrumentos de análise da economia agrícolaconvencional - fundados no enfoque reducionista da relaçãomonetária custo-benefício - têm sido incapazes de apreender edar conta do caráter complexo e sistêmico das atividades efluxos diversos que dinamizam as economias da produção fa-miliar ecológica. Esses sistemas cumprem funções econômicasdiferenciadas, onde as estratégias de otimização da renda seinterconectam, dentre outras dimensões, com a diversidade pro-

Divulgue suas experiências nas revistas LeisaConvidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na Revista Agricultu-ras: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-Americana (editada no Peru) e naLeisa Global (editada na Holanda). Veja nesta página as temáticas dos próximos números e as respectivas datas-limite parao envio dos artigos. Abaixo você encontra as instruções para a elaboração dos artigos.

dutiva, fluxos monetários e não-monetários de produção e con-sumo, complementaridades técnicas internas, formas de coo-peração social geradoras de economias externas, serviçosambientais, traços culturais e conhecimentos, que são parteintegrante de suas estratégias de reprodução econômica.Este número da revista dedicado à “Economia da produçãofamiliar agroecológica” publicará artigos que, a partir deexperiências concretas, apresentem e discutam os impactoseconômicos das práticas agroecológicas sobre sistemas fa-miliares de produção e, ao mesmo tempo, proponhamenfoques e instrumentos de análise econômica ajustados àscaracterísticas peculiares desses sistemas.Os artigos poderão ter como foco experiências tomadas emseu conjunto ou aspectos relevantes das economias, como omanejo produtivo, as estratégias de geração de renda, a ges-tão dos recursos (organização do trabalho, gestão financeiraetc.), a inserção das economias familiares nos processos dedesenvolvimento local etc.

Datas-limite para o envio dos artigos:12 de agosto (Revista Latino-americana)

15 de agosto (Revista Agriculturas)

Chamada de artigos para o v. 2, nº 4Tema: Pequena criação nos sistemas produtivos familiaresPequenos animais integram os sistemas familiares de produçãoexercendo diferenciadas funções econômicas, ecológicas e sócio-culturais. De forma geral, essas funções são negligenciadas pe-los programas convencionais de desenvolvimento rural. Quandoé enfocado por esses programas, o pequeno criatório tende a serabordado a partir de uma perspectiva técnico-econômica volta-da para a maximização dos resultados produtivos, o que emgeral implica na sua forte dependência de insumos externos aosagroecossistemas. Em programas de desenvolvimento da pro-dução familiar orientados pelo enfoque agroecológico, a criação

dos pequenos animais depende essencialmente da reciclageminterna de recursos do próprio agroecossistema. Os processos deinovação no subsistema da pequena criação têm sido efetivosestimuladores da participação pro-ativa de mulheres e jovenstanto no âmbito das famílias, quanto no das comunidades ruraisenvolvidas em dinâmicas sociais de experimentação agroe-cológica. Este número das revistas Leisa enfocará, sob esse pris-ma, iniciativas de famílias, grupos e organizações envolvidoscom o manejo agroecológico da pequena criação.

Datas-limite para envio dos artigos:31 de outubro (Revista Agriculturas)

4 de novembro (Revista Latino-americana)

1. Os artigos deverão descrever e analisar experiências concre-tas, procurando extrair delas ensinamentos que possam servirde inspiração para outros grupos envolvidos com a promoçãoda Agroecologia. Solicita-se que os artigos não sejam elabora-dos em formato de relatório institucional.2. Os artigos devem ter uma extensão de 1, 2 ou 3 laudas de2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Artigos queextrapolem essas dimensões não serão analisados.3. Os artigos deverão vir acompanhados de duas ou três ilus-trações (fotos, desenhos, gráficos), com indicação dos seus au-tores (fotógrafo, artista gráfico etc) e com as respectivas legen-das. Todo material gráfico será devolvido aos autores(as) apósa edição da Revista. Se o material gráfico for enviado em for-mato digital, solicitamos que os arquivos estejam com exten-são JPEG de, no mínimo, 350 dpis para uma ilustração escanea-da e uma dimensão lateral de, no mínimo, 15 cm.

Instruções para a elaboração dos artigos 4. A citação de nomes comuns de plantas e/ou animais devevir acompanhada do respectivo nome científico. Siglas devemvir acompanhadas de seu significado.5. Caso julgue necessário, o editor da revista poderá propor umaedição do artigo ou uma solicitação de informações complemen-tares aos autores(as). Quaisquer alterações propostas serão sub-metidas à aprovação dos autores(as) antes da publicação.6. Os autores(as) deverão informar seu endereço (postal e/ou eletrô-nico) de forma a facilitar eventuais contatos diretos de leitores interes-sados em conhecer mais a respeito das experiências apresentadas.7. As citações bibliográficas não deverão exceder ao número de 4(quatro).8. Os editores se reservam o direito de decidir pela publicaçãoou não do artigo enviado.9. Caso o(a) autor(a) solicite, a Revista Agriculturas: experi-ências em agroecologia poderá contribuir com o valor de R$200,00 para a cobertura de eventuais custos de elaboração doartigo publicado.