agriculturas v4, n3

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outubro 2007 vol. 4 nº 3 da biodiversidade Sementes da biodiversidade Sementes

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outubro2007vol. 4

nº 3

da biodiversidadeSementesda biodiversidadeSementes

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2 Agriculturas - v. 4 - no 3 - outubro de 2007

ISSN: 1807-491X

edito

rial

emente da biodiversidade é aquela mantidapelas famílias agricultoras como um patrimônioessencial à reprodução de seus modos de vida.

Trata-se de um bem que é ao mesmo tempo natural ecultural. Como recurso da natureza, possui mensagensgenéticas que permitem o ajuste ecológico das espéciescultivadas aos mais variados ecossistemas. Como fruto dacultura humana, tem suas características genéticas mol-dadas por processos de escolha consciente realizados pe-los próprios agricultores, com base em suas preferências enecessidades específicas. A diversidade dessas sementesexpressa, de maneira inequívoca, que elas são o resultadoda convergência entre a seleção natural e a seleção cultu-ral. Por essa razão, também poderíamos designá-las comosementes da sociobiodiversidade.

A transformação em mercadoria desse patri-mônio genético-cultural desenvolvido ao longo de milêni-os de história das agriculturas foi o meio a partir do qualocorreu a rápida disseminação global da agricultura indus-trial a partir da segunda metade do século XX. Ao associara genética agrícola à química agrícola, a Revolução Verdeprovocou uma ruptura na lógica evolutiva das sementesda biodiversidade. No lugar de promover o ajuste ecológi-co das espécies cultivadas aos ecossistemas, por meio dodesenvolvimento de variedades locais, foram os própriosecossistemas que passaram a ser alterados para que as va-riedades comerciais pudessem expressar o seu máximopotencial produtivo. Sob essa nova lógica, as pressões deseleção natural deixaram de influenciar os métodos mo-dernos de “melhoramento genético”, e as pressões de se-leção cultural passaram a ser orientadas unicamente pelaracionalidade produtivista. Com a adoção em larga escaladesse enfoque, a padronização genética tomou o lugar dabiodiversidade, e as sementes passaram a ser o principalveículo de dominação tecnológica das empresas produto-ras de insumos sobre as famílias agricultoras.

Se a semente foi empregada como porta deentrada para a Revolução Verde, também é por meio delaque devem ser abertas as portas de saída. E é esse exata-mente o caminho para onde aponta o enfoque agro-ecológico como instrumento de restauração da autono-mia técnica e da viabilidade econômica da agricultura.Somente com a manutenção e o cultivo de variedadesecologicamente adaptadas e culturalmente apropriadas éque as famílias agricultoras poderão otimizar os recursosambientais localmente disponíveis, tornando-se indepen-dentes dos insumos industriais.

Os artigos desta edição apresentam variadasestratégias adotadas por grupos e organizações da agri-cultura familiar para o resgate e a multiplicação das se-mentes da biodiversidade. Entre outros aspectos ressalta-dos nas experiências, chamamos a atenção para o fato deque elas vêm sendo construídas no contexto de crescentereação da agricultura camponesa às formas de subordina-ção econômica e cultural impostas pelo agronegócio. Énesse sentido que a disseminação de iniciativas como asaqui apresentadas emerge no cenário atual como uma dasprincipais estratégias para fazer contraposição ao mais re-cente e ameaçador método de dominação: as sementestransgênicas.

O editor

Sv. 4, nº 3

(corresponde ao v. 23, nº 2 da Revista Leisa)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos

em Agricultura Alternativa -, em parceria com a FundaçãoIleia - Centre of Information on Low External Input and

Sustainable Agriculture.

Rua Candelária, n.º 9, 6ºandar.Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020

Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21) 2233-8363E-mail: [email protected]

www.aspta.org.br

Fundação IleiaP.O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.ileia.info

Conselho EditorialEugênio Ferrari

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZMJean Marc von der Weid

AS-PTAJosé Antônio Costabeber

Ass. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica eExtensão Rural – Emater, RS

Marcelino LimaCaatinga/Centro Sabiá, PEMaria Emília Pacheco

Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional Fase, RJMaria José Guazzelli

Centro Ecológico, RSMiguel Ângelo da Silveira

Embrapa Meio AmbientePaulo Petersen

AS-PTARomier Sousa

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNASílvio Gomes de Almeida

AS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editora convidada para este número Paula AlmeidaProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Adriana Galvão Freire, Paula Almeida,Paulo Petersen

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzTradução Maria José Guazzelli

Foto da capa Sementes da biodiversidade.Arranjo de Lismarck Andrade.

Fotógrafo XirumbaProjeto gráfico e diagramação I Graficci

Impressão HolográficaTiragem 4.000

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

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sum

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Sites pág. 42

Publicações pág. 40

Editora convidada Paula Almeida pág. 4

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pág. 18

pág. 22

pág. 26

pág. 32

Agroecologia em Rede pág. 43

pág. 36

Uso e manejo de variedades locais de milho em pág. 36Anchieta (SC)Gilcimar Adriano Vogt, Ivan José Canci e Adriano Canci

Câmbio de sementes e seus guardiões: experiências de pág. 32conservação da agrobiodiversidade em dois municípiosdo Rio Grande do SulSérgio Francisco Barchet, Luís Bohn, Telma Naiara Pereira Valim Ribeiro eGiovane Ronaldo Rigon Vielmo

A ameaça dos transgênicos pág. 26Gabriel B. Fernandes e Paula Almeida

Sementes tradicionais e a resistência camponesa ao pág. 22agronegócio em Mato GrossoJames Frank Mendes Cabral

Confiança mútua como base para a aquisição de sementes pág. 18Lone B. Badstue

Sementes da vida: camponeses resgatando as sementes pág. 10crioulas em GoiásMichelle Jorge Pantaleão e José Daniel de Freitas Sobrinho

Um passeio pela Festa da Semente da Paixão pág. 13Emanoel Dias da Silva e Paula Almeida

In Ti Fy Si - Casa das sementes antigas: pág.6uma experiência indígena kaingangJosé Manuel Palazuelos Ballivián, Cenilda Venturae Fermino Bento de Oliveira

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Sementes daBiodiversidade

s sementes de que tratam os artigos desta revista são recursos essenciais paraa construção da agroecologia. São sementes de variedades rústicas que pos-suem uma capacidade significativa de adaptação aos diferentes ambientes,

pois detêm alta variabilidade genética.A criação dessas variedades foi realizada com um alto grau de interferência das comunida-

des agricultoras. Pode-se mesmo dizer que as culturas humanas que influenciaram a conformaçãodessas variedades ao longo de gerações encontram-se inscritas na constituição genética dessas se-mentes.

No Brasil, elas receberam várias denominações, dependendo da região: sementes crioulas,tradicionais, sementes da paixão, locais, caboclas, nativas, etc. Independente do nome atribuído,elas se distinguem simbólica e materialmente das sementes comerciais produzidas pelas empresas doagronegócio. Pelo seu estreito vínculo com a natureza, as designamos nesta revista de sementes dabiodiversidade.

Com a Revolução Verde, a agricultura industrial impôs variedades “melhoradas”, os híbri-dos e, mais recentemente, os transgênicos. Por meio dessas sementes, o agronegócio conseguecondicionar todo o sistema técnico, tornando-o cada vez mais dependente dos insumos industriais.Por intermédio de vários mecanismos de políticas públicas que induzem os agricultores ao palntio dassementes comerciais, a prática multimilenar dos agricultores de produção própria das sementes foisendo aos poucos abandonada.

A substituição das sementes da biodiversidade pelas sementes do agronegócio tem desen-cadeado processos drásticos de erosão genética, assim como uma acelerada deterioração das culturasagrícolas também responsáveis pelo uso e conservação da biodiversidade. A liberação comercial doscultivos transgênicos produzirá contaminações irreversíveis às variedades dos camponeses, comodeixam claro os entrevistados da matéria da página 26. Simultaneamente, a expansão das mono-culturas, inclusive as voltadas para a produção de agrocombustíveis, ocupa territórios biodiversos,acelerando ainda mais os processos de erosão genética e cultural.

Ao almejar crescentes níveis de controle do mercado, as grandes empresas vêm pressionan-do os poderes públicos a estabelecer novas legislações e políticas para a regulação do sistema deprodução e comercialização de sementes no Brasil. Atualmente, há duas leis principais que regula-mentam o uso das sementes no país. A primeira é a Lei de Cultivares, de 1997, que institui a proteçãodas variedades registradas. Trata-se na prática de um sistema de patente que proporciona às empresase a seus pesquisadores o recebimento de royalties pela venda de suas sementes. Se por um lado essalei atribui recompensa às empresas melhoristas, por outro não faz referência ao fato de que as semen-tes utilizadas por elas em seus programas de melhoramento foram desenvolvidas a partir de esforçosde gerações de agricultores.

Apesar dessa incongruência, a lei de 1997 preserva o direito do agricultor de reproduzir emsua propriedade as sementes protegidas, desde que para uso próprio, o que, segundo as empresas,constitui um privilégio. Novas pressões vêm sendo feitas pelas empresas sobre o governo federal paraacabar com esse dito privilégio dos agricultores.

A segunda legislação importante na área é a Lei de Sementes e Mudas, que regulamentatoda a produção, uso e comércio de sementes e mudas. Em sua última formulação de 2003, após

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pressões de organizações da sociedade civil, a lei passou a reconhecer oficialmente as sementescrioulas, o que permite que elas sejam distribuídas ou fomentadas por programas governamentais.Além disso, a lei admite a possibilidade de que agricultores familiares, assentados da reforma agráriae indígenas produzam e comercializem suas próprias sementes entre si sem a necessidade de registrá-las no Ministério da Agricultura. A promulgação dessa lei criou as bases legais para a implantação depolíticas públicas orientadas ao resgate, à conservação e ao uso de sementes crioulas. Infelizmente,muito pouco foi feito nesse sentido até o momento.

A despeito do reconhecimento legal das sementes crioulas, algumas contradições entrelegislações federais colocaram novas dificuldades aos camponeses. Embora as sementes crioulaspossam agora ser empregadas em lavouras financiadas pelo crédito oficial – vinculado ao ProgramaNacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) –, as regras do Seguro da AgriculturaFamiliar (Seaf), obrigatório para os que acessam o crédito, não prevêem a cobertura financeira dos(as)agricultores(as) em caso de frustração de safra. Para receber o seguro, a lavoura deve ser implantadacom sementes cadastradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC), um sistema concebido paraatender às especificações técnicas das sementes comerciais e não das crioulas. A nova lei tambémimpôs um rígido protocolo burocrático à produção e comercialização das sementes registradas, o quetem praticamente inviabilizado a produção dessas sementes por parte de organizações da agriculturafamiliar que as comercializam. Como se vê, os desafios ainda são grandes para o livre uso das sementesda biodiversidade.

Para o movimento agroecológico, o domínio das sementes da biodiversidade e dos conhe-cimentos a elas associados é estratégico. A diversidade das sementes selecionadas localmente, adap-tadas aos sistemas de cultivo, ao ambiente e às preferências culturais, é matéria-prima para qualqueriniciativa de transição agroecológica. A perda da biodiversidade não apenas compromete o equilíbriotécnico dos sistemas, mas também sua capacidade de reprodução econômica. Assim, ao revalorizar eassegurar a reprodução de suas sementes, os agricultores vêm conseguindo se livrar do uso de insumosindustriais, bem como vêm se mantendo desimpedidos de cumprir normas restritivas ao livre domínioe circulação de sementes.

Os artigos que compõem esta revista põem em evidência as formas de resistência doscamponeses aos processos que vêm induzindo à perda de suas sementes e conhecimentos tradicio-nais. Essa resistência compreende complexas estratégias individuais e coletivas de identificação,resgate, intercâmbio, multiplicação e armazenamento de sementes da biodiversidade. Multiplicam-se pelo Brasil feiras, festas, campanhas, encontros, casas e bancos de sementes comunitários. Essasiniciativas em geral são fortemente associadas a esforços de revalorização das culturas alimentaresque se valem dos recursos genéticos locais.

Os artigos evidenciam a capacidade mobilizadora e a grande abrangência do tema. Asnarrativas mostram a face técnica, quando tratam da melhoria da qualidade das sementes produzidase armazenadas e da reconstrução de sistemas de produção diversificados; a dimensão metodológica,quando são desenvolvidas, pelas próprias organizações locais, variadas formas de recuperar abiodiversidade a partir de enfrentamentos de problemas e da valorização de oportunidades locais; e ocaráter social, uma vez que a maioria das experiências revela a existência de um forte viés político,demonstrando que as ações para a promoção das sementes da biodiversidade guardam íntima relaçãocom as disputas na sociedade em torno de modelos de desenvolvimento rural. Em outras palavras,essas experiências técnicas e metodológicas criam também ambientes sociais para a politização dosagricultores e suas organizações. Prova disso é que algumas das iniciativas são realizadas explicita-mente a partir de interações com organismos governamentais e/ou se valendo das oportunidades depolíticas públicas vigentes.

Além dos sete artigos sobre uso e conservação das sementes da biodiversidade, o presentenúmero da Revista Agriculturas traz uma entrevista com pessoas que têm atuado, a partir de diferen-tes organizações da sociedade e do Estado, na promoção da agroecologia e na defesa do princípio daprecaução frente aos riscos dos transgênicos.

Paula Almeidaeng. agrônoma, assessora técnica da AS-PTA

[email protected]

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a localidade doSetor Três Soitas,da terra indígena

Guarita, situada na região noroestedo estado do Rio Grande do Sul, afamília de Fermino Bento de Olivei-ra, agricultor indígena kaingang, pro-move o resgate das sementes anti-gas. Tudo partiu de um sonho deCenilda, sua esposa. Ela refletiu so-bre a importância de manter e pro-teger a diversidade de sementespara garantir o alimento da famíliae ter a possibilidade de compartilhá-las com os parentes e vizinhos de suaaldeia.

José Manuel Palazuelos Ballivián, Cenilda Venturae Fermino Bento de Oliveira

O povo kaingang

Historicamente, antes da denominaçãokaingang, esse povo recebeu outros nomes: guayanás,coroados, bugres e botocudos. Kaingang passou a serutilizado a partir de 1882, introduzido pelo coronelTelêmaco Borba, que dominou e expulsou os índios desuas terras. Segundo Borba, o significado da palavrakaingang é: caa = mato + ingang = morador. Isso por-que o povo kaingang era basicamente nômade, tendocomo meio de vida as atividades de caça, pesca e cole-ta. A agricultura era originalmente uma atividade inci-piente e complementar; não exercia o papel fundamen-tal verificado nos dias de hoje. Porém, na medida emque os territórios de caça e coleta foram sendo des-truídos, expropriados ou reduzidos, essas atividadestradicionais foram inviabilizadas. Hoje, por uma ques-tão de adaptação às necessidades e desafios atuais, oskaingang vivem principalmente da agricultura e do ar-

A casa das sementes antigas foi inaugurada em 2006 com a participação dos familiares e lideranças indígenas da aldeia

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tesanato que produzem com matéria-prima natural pro-veniente das matas e capoeiras.

Atualmente, esse povo é um dos mais numero-sos do Brasil, existindo comunidades nos estados de SãoPaulo, Paraná, Santa Catarina e, principalmente, no RioGrande do Sul. A maior população dos kaingang está naTerra Indígena Guarita – Kanhgág ag ga tù Guarita –,com cerca de seis mil pessoas e extensão territorial de23.406 hectares (demarcada em 1917), abrangendo osmunicípios de Tenente Portela, Erval Seco e Redentora.

Os sistemas produtivos dos kaingangse baseiam sobretudo no cultivo demilho, feijão, moranga, mandioca ebatata-doce, bem como na criação deanimais de pequeno porte. Os cultivosde milho e feijão são os de maior im-portância comercial. Entretanto, oskaingang vêm encontrando crescentesdificuldades para subsistir em funçãoda pressão exercida pelas monoculturasda soja, trigo e milho comercial – que,aliás, historicamente, estiveram bas-tante presentes no território indígenapor meio do arrendamento realizado pornão-índios. Esse contexto acabou su-focando e desvalorizando a pequenaprodução e substituindo uma produçãodestinada ao autoconsumo e à geração

de renda complementar, por outra, to-talmente voltada para o agronegócio.

Esse fenômeno vem obrigando muitas famíliasindígenas a estabelecer parcerias com produtores que têmmelhores condições para preparar e lavrar a terra, aplicarfertilizantes e adquirir sementes em maiores quantidades.Por esse motivo, a utilização de sementes comerciais demilho híbrido vem sendo cada vez mais comum, colocan-do em perigo a diversidade de variedades nativas/crioulasque até hoje são cultivadas pelas famílias kaingang. Alémdisso, existem algumas experiências em que o próprio go-verno, por meio de projetos de desenvolvimento, foi for-çado (pela burocracia, dificuldade das licitações, etc.) aintroduzir nas aldeias indígenas sementes híbridas e pa-tenteadas por grandes empresas multinacionais.

A origem da casa das sementesantigas

Frente à necessidade de garantir que as semen-tes estejam nas mãos dos agricultores kaingang e não dasempresas comerciais, surgiu a idéia de se criar um lugarmais adequado para a sua conservação, seleção e armaze-nagem. O formato da casa das sementes antigas – chama-da de In Ti Fù Si) na língua materna – foi idealizado nosonho de Cenilda. Essa pequena casinha foi construídapelo trabalho colaborativo entre familiares e vizinhos maispróximos de sua comunidade. Ainda que seja uma iniciati-va de gestão familiar, os benefícios atingem outras famíliasda comunidade que se envolvem em sistemas de troca-troca’1 ou de empréstimo de sementes.

De acordo com Fermino, a casa das sementes émuito importante para a vida, pois representa segurançapara o resgate de material que pode ser reproduzido poreles mesmos. Além disso, ela ajuda a preservar as espéciesantigas que estavam quase desaparecendo, bem comofortalece a cultura e os hábitos tradicionais, refreando oconsumo dos alimentos refinados da indústria, que estãocada vez mais presentes na dieta da comunidade.

Algumas variedades foram conseguidas com a partici-pação em feiras de sementes de agricultores familiares

Mãos nativas selecionam e produzem alimento

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1 Troca-troca é um sistema de permuta de sementes de variedades locais da mesmaespécie ou de espécies diferentes. As proporções também podem ser diferentes, deacordo com a qualidade e demanda dessa semente.

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A família destaca características agronômicas eculinárias próprias para cada uma das variedades dos mi-lhos – palha roxa, sabugo fino, catetinho, pipoca e brancodentado –, assim como para os vários feijões escolhidos.O milho é muito apreciado pelo povo indígena, sendo uti-lizado de diversas maneiras: para fazer o pise (comida típi-ca kaingang à base de farinha de milho torrada nas cin-zas), a kajyka (canjica), o bolo nas cinzas (pão típico, àsvezes com massa fermentada), gãru (pipoca) e o entô(milho cozido na brasa).

Semente crioula x semente híbrida

De acordo com a experiência vivenciada pelafamília, o milho híbrido alcança bons resultados nos doisprimeiros anos de plantio, mas para isso é preciso ser adu-bado com muita uréia. A partir do terceiro ano, esse milhonão produz bem nem mesmo com a adubação química.Nessas condições, eles verificaram que as espigas produ-zem mais sabugos do que grãos. Já com a variedade criou-la, os adubos comprados no mercado não são necessários,já que o rendimento do milho é o mesmo todos os anos,nunca perdendo a sua validade.

Segundo Cenilda e Fermino, a diferença tam-bém está no sabor do milho quando consumido verde (Gãrtành). O milho crioulo possui um gosto mais agradável doque o híbrido, sendo que a variedade catetinho tambémpode ser comida torrada na banha.

Algumas garantias de conservação

A época de plantio começa em agosto, evi-tando os meses de novembro e dezembro, que sãomais secos e quentes. As mudanças da lua tambémsão consideradas, sendo que, pela experiência prá-tica, o semeio na fase de lua crescente é o que apre-senta melhor resultado. Outra característica da tra-dição indígena é a aplicação da consorciação entreo milho, a moranga, a abóbora e/ou o feijão. Existeainda o aspecto de não plantar tudo de uma vez só esim escalonar em diferentes épocas. Dessa forma, seuma lavoura for afetada por excesso ou falta de chu-va, a família tem a possibilidade de colher das lavou-ras plantadas em outras datas.

A distribuição ou partilha de certa quan-tia das suas sementes entre os familiares, amigos evizinhos interessados em plantá-las vem sendo umaestratégia eficaz praticada pela família para não per-der as suas variedades em função de fatores adver-sos, como os extremos climáticos, os ataques deroedores e insetos, entre outros.

A esperança é que esse seja o começo daformação de uma rede que, baseada no apoio mú-tuo, venha a se constituir em uma estratégia localem favor da proteção e promoção das sementes cri-oulas/antigas.

Essa experiência iniciada por Fermino eCenilda aos poucos vem contagiando outros agri-cultores kaingang que acreditam na proposta. É ocaso dos indígenas Susana e Adair Boava, localiza-dos na aldeia vizinha – Setor Pedra Lisa –, que fa-zem parte de uma associação (AgroArtes) que de-senvolve atividades de agricultura e artesanato.Depois de conhecer a iniciativa, o casal deu início àconstrução do que será a segunda casa das semen-tes antigas na Terra Indígena Guarita.

Superando alguns obstáculos

Um dos problemas enfrentados por váriasdas famílias da comunidade indígena tem sido o pe-rigo do cruzamento e da contaminação através dapolinização que pode ocorrer entre as diversas vari-edades de milho. Muitas delas apresentam-se mis-turadas ou castiçadas, o que compromete as suascaracterísticas originais e a garantia de pureza. Aoreceber algumas orientações técnicas, a família deFermino tem aplicado dois princípios que evitam esse

Cenilda e Fermino mostrando alguns milhos antigos quepermanecem em suas mãos

A esperança é queesse seja o começo

da formação de uma redeque, baseada no apoio

mútuo, venha a se constituir emuma estratégia local em favor daproteção e promoção dassementes crioulas/antigas.

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Referências bibliográficas

NÖRNBERG, M. S. da Silva; BECKER, C; WITT,M. D.; BALLIVIÁN, J. M. Palazuelos;SPELLMEIER, A; LUCKMANN, S. Parentese amigos unidos pela reconstrução da vida: anatureza como fonte e parceira do povo. SãoLeopoldo/RS: Con-texto Gráfica e Editora,2003. (Cartilha 23 p.).

PALAZUELOS BALLIVIÁN, J. M. P. (Org.) etal. Guia do Professor: cultura, ambiente ebiodiversidade. Comin/Capa Parceria & Esco-las da Terra Indígena Guarita, RS. Ed. BeloHorizonte: FALE / UFMG – SECAD / MEC,2006. 88p. Disponível em: <http://www.comin.org.br/news/publicacoes/cader-nos/COMIM_Guia_do_Professor.pdf >

SOMPRÉ, José Urubatan (Indígena Xerente).Políticas públicas e sustentabilidade: Proje-to RS Rural na Terra Indígena Guarita - Se-tor Três Soitas. Ijuí: UNIJUÍ, 2007. 54 p.Monografia (Graduação em Agronomia) –Universidade Regional do Noroeste do Es-tado do Rio Grande do Sul. Disponível em:< h t t p : / / w w w . c o m i n . o r g . b r / n e w s /p u b l i c a c o e s / m o n o g r a f i a s /tcc_urubatan_guarani_xerente.pdf >

VEIGA, Juracilda. Organização social ecosmovisão kaingang: uma introdução ao pa-rentesco, casamento e nominação em umasociedade Jê meridional. 1994. Dissertação(Mestrado) – Unicamp, Campinas, SP.

José Manuel Palazuelos Balliviánassessor em Agroecologia e sustentabilidade étnica

Conselho de Missão entre Índios -Parceria COMIN/CAPA

[email protected]

Cenilda Ventura e Fermino Bento de Oliveirafamília de agricultores indígenas kaingang

Setor Três Soitas - Terra Indígena Guarita (RS)[email protected]

casamento: 1) se for plantar mais de uma variedadede milho na mesma época, deverá respeitar uma dis-tância de pelo menos 350 a 400 metros entre um cam-po de produção e outro; 2) no caso de não dispor deespaço suficiente para respeitar essa distância, as vari-edades poderão ser plantas em campos próximos, des-de que respeitando o tempo mínimo de 35 dias entre asdatas de plantio de uma variedade e de outra.

Tradicionalmente, depois da colhei-ta, para evitar o caruncho, as espi-gas são amarradas e penduradas parareceber a fumaça do fogo. Porém,essa técnica tem se tornado poucoapropriada frente à crescente deman-da pela intensificação da agricultu-ra, levando a família a experimentaroutras alternativas para o arma-zenamento seguro das sementes,como, por exemplo, o uso de bom-bonas ou barris, nos quais as semen-tes são misturadas com cinzas.

Apesar de estar praticamente ilhada, pois noentorno da Terra Indígena a produção de grãos é reali-zada por meio de pacotes tecnológicos e sementes hí-bridas ou mesmo transgênicas, essa família kaingangtem resistido ao assédio das monoculturas que vêmafetando negativamente a biodiversidade e, junto aoutros fatores, acabam provocando uma homoge-neização das culturas. Em Fermino e Cenilda cresce,aos poucos, a negação em plantar essas sementes me-

Apresentação, para a comunidade, de algumas variedades demilhos já resgatados pela família

lhoradas, desenvolvidas pelas empresas, uma vez queeles também se questionam: “Como plantar uma se-mente que não tem história e da qual não sabemos suaorigem?”.

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a velocidade daluz e com a forçade um trator, a

chamada Revolução Verde vem des-truindo e lançando por terra milha-res de anos de cultura camponesa,que tradicionalmente trabalha res-peitando o meio ambiente e as for-mas de vida de cada comunidade.Com o objetivo de mudar essa con-juntura vivida pelas famílias campo-nesas e diante do desafio de enfren-tamento do agronegócio, o Movi-mento dos Pequenos Agricultores(MPA) deu início ao trabalho de res-gate, produção, multiplicação e dis-tribuição de variedades crioulas,tendo como estratégia a organiza-ção dos grupos de base nas comu-nidades rurais.

Sementesda vida:

camponesesresgatando as

sementescrioulas em Goiás

Michelle Jorge PantaleãoJosé Daniel de Freitas Sobrinho

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NAgricultor José David em sua lavoura de milho crioulo, Catalão - GO

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A experiência aqui relatada se passa no estadode Goiás, onde o milho faz parte da cultura alimentar dapopulação, sendo empregado na produção de farinha,fubá, pamonha, mingau de milho verde e bolinho. As plan-tas de milho são integralmente aproveitadas como forra-gem para a criação de gado de leite. Trata-se, portanto,de um cultivo central nas estratégias de reprodução técni-ca, econômica e cultural dos camponeses no estado.

Entretanto, a introdução das sementes híbri-das, na década de 1980, pelos serviços de extensão e decrédito oficiais, forçou as famílias camponesas a aderiremaos pacotes tecnológicos que geram dependência econô-mica e cultural ao agronegócio. Muitos camponeses per-deram a tradição de produzir a própria semente, obrigan-do-se a adquirir anualmente sementes híbridas nos merca-dos. Juntamente com as sementes, as famílias são levadasa comprar outros insumos industriais necessários para queas variedades comerciais produzam satisfatoriamente. Amaior parte das áreas de produção camponesa no estadoestá cercada por latifúndios de cana, soja, algodão oueucalipto. Como se não bastasse ocupar de forma voraz osterritórios rurais, o agronegócio também contamina aspessoas e o meio ambiente com seus venenos. Há relatosde camponeses que foram contaminados no quintal desuas casas por agrotóxicos despejados por aviões nas la-vouras de cana.

O início dos trabalhosCompanheiros do MPA e da Comissão Pastoral

da Terra (CPT) de Goiás participaram, em abril de 2004,da 3ª Festa Nacional das Sementes Crioulas em Anchieta,Santa Catarina. Nessa ocasião, tiveram a oportunidade deconhecer e trazer algumas variedades de milho para seremexperimentadas em seu estado. Na safra 2004/2005, es-sas sementes foram cultivadas na cidade de Goiás, ren-dendo cerca de 14 mil kg de sementesque foram distribuídos para 100 famíliasde outros 22 municípios do estado.

O plantio dessas sementes nasafra seguinte gerou uma colheita deaproximadamente 139 mil kg de milhocrioulo. Nessa safra, o Ministério do De-senvolvimento Agrário (MDA) apoiou otrabalho por meio de um projeto volta-do para a capacitação e o acompanha-mento técnico das famílias camponesasnos temas de resgate, produção, multi-plicação e distribuição de sementes cri-oulas. Esse projeto foi determinante paraque o trabalho fosse disseminado peloestado, com sustentabilidade e em con-dições adequadas, garantindo o acessode 300 famílias às sementes crioulas.

Na safra 2006/2007, foramcolhidos 140 mil kg de sementes de mi-

lho crioulo. As principais variedades de milho que vêmsendo cultivadas são o caiano, o pixurum 05, o língua depapagaio, o MPA 01 (variedade criada pelas famílias cam-ponesas em Santa Catarina), o milho roxo e o milho bran-co. Em paralelo a esse trabalho com milho, iniciou-se re-centemente o resgate de variedades de arroz crioulo, ati-vidade que envolve cerca de 100 famílias. As variedadesde arroz cultivadas são o arroz preto e o arroz agulhão.Atualmente, mais de 150 comunidades rurais no estadotêm autonomia na produção de sementes.

A rápida irradiação do trabalho no estado con-tou também com a parceria realizada entre o MPA e aCompanhia Nacional de Abastecimento (Conab). Por in-termédio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)da Conab, toda a produção de sementes de milho crioulodas famílias foi comprada e doada para outras famílias queainda não tinham acesso a essas sementes. Para os agri-cultores que produziram as sementes, esse mecanismo decompra pela Conab foi de grande importância, tanto pelofato de ter proporcionado a melhoria das suas rendas quan-to pelo reconhecimento oficial de suas sementes. Essanova conjuntura vem sendo fundamental para estimular acontinuidade do trabalho nas comunidades envolvidas.

O resgate de variedades locaisA introdução das variedades trazidas da Feira

de Anchieta (SC) foi essencial para dar início e motivar otrabalho em Goiás. No entanto, estava claro que não po-deríamos limitar o universo da agrobiodiversidade maneja-da pelos grupos a apenas essas variedades. A estratégiaseguinte foi a de dar início a ações de resgate das varieda-des ainda presentes nas comunidades rurais do estado.Foi por meio dessas ações que foram resgatadas algumasvariedades de arroz (agulhinha, agulhão, cateto e preto) ede milho (pintado, secretário, marrocão, anã e milho pi-

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Mutirão da debulha do milho crioulo, Catalão - GO

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poca). Esses materiais serão avaliados na próxima safra emensaios de competição.

Outra estratégia importante para a consolida-ção desse trabalho é a organização de bancos comunitá-rios de sementes. São neles que as famílias camponesasarmazenam, trocam e adquirem sementes para o seu uso.O primeiro banco foi implantado no município de Goiás eatualmente já são 40 bancos comunitários distribuídosnos municípios por onde o trabalho vem se disseminando,cada qual associando, em média, 25 famílias. Nosso obje-tivo é que cada comunidade camponesa no estado possuae faça a gestão de seu próprio banco de sementes.

Além de expandirmos as ações de resgate dassementes como estratégia de promoção da soberania ali-mentar e de preservação da agrobiodiversidade, temos aperspectiva de darmos início a ações de melhoramentoparticipativo dessas variedades.

Alguns resultados alcançadosCom base em suas vivências nesse trabalho, os

camponeses afirmam categoricamente a superioridade dasvariedades crioulas em relação às híbridas. Em primeirolugar, porque rendem mais na hora de fazer o fubá e apamonha, além de serem mais saborosas. A cultura dapamonhada vem sendo resgatada em algumas comunida-des envolvidas. Até o momento já foram feitas mais de 4mil pamonhas em nossos encontros. Os camponeses che-gam de manhã na casa em que ocorrerá o encontro, que-bram o milho e fazem a pamonha. Esses são momentosricos nos quais se conversa sobre as tradições culturaisque estão se perdendo e sobre a importância da alimenta-ção saborosa e de qualidade feita em casa.

Outro indicador dasuperioridade das variedadescrioulas sobre as comerciais éa produtividade, seja em ter-mos de grãos, seja no que serefere ao volume da palhadapara a alimentação do gadode leite. Segundo avaliação dosenhor Custódio José do Nas-cimento, do município de Ca-talão (GO), o cultivo de suaárea com variedades crioulasrende 30% a mais de silageme 35% a mais de grãos do quequando cultivava a mesmaárea com sementes híbridas.Esse tipo de avaliação é recor-rente entre os camponesesenvolvidos no processo.

Outras iniciativasvêm sendo desenvolvidascom o objetivo de recuperar arica cultura local de cultivo e

uso do milho, entre elas, o artesanato (bonecas e flores)com a palhada de milho, atividade praticada sobretudopelas mulheres.

As vantagens das variedades crioulas tambémsão notadas no cultivo do arroz. Além de serem mais rús-ticas e melhor adaptadas ao clima local, possuem melho-res propriedades no uso culinário.

A I Festa das Sementes Crioulas de Goiás, reali-zada em agosto de 2007, na cidade de Goiás, com a presen-ça de 600 camponeses, foi um momento organizado parareforçar esse trabalho – ao articular os grupos envolvidos edebater os resultados que vêm sendo alcançados –, bemcomo para estimular outras comunidades a se integrarem.

A recuperação das sementes crioulas vem tra-zendo a idéia de resgatar a cultura camponesa que valori-za a alimentação saudável, a roça, as pamonhadas e osmonjolos. E é esse o sentido do lema que orienta as açõesda Via Campesina: Sementes patrimônio dos povos a ser-viço da Humanidade.

Referência bibliográficaCARVALHO, Horácio M. Sementes: patrimônio

do povo a serviço da humanidade. ExpressãoPopular, 2003. 352 p.

Michelle Jorge Pantaleãoengenheira agrônoma do MPA

[email protected]

José Daniel de Freitas Sobrinhotécnico em Agropecuária do MPA

[email protected]

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Família Salviano, Catalão - GO

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Articulação doSemi-árido Pa-raibano (ASA-

PB) já conta com uma rede estadualcomposta por 228 bancos de se-mentes comunitários, que envolvem6.561 famílias residentes em 63municípios e que conservam mais de300 variedades de milho, feijão,fava, mandioca, girassol, amendoime espécies forrageiras e frutíferasresgatadas nas próprias comunida-des. Em parceria com organizaçõesda Via Campesina, a ASA-PB deci-diu aceitar o desafio de organizar,em julho de 2007, a Festa da Semen-te da Paixão.

O evento reuniu mais de 2mil agricultores e agricultoras na cidadede Patos para celebrar o trabalho e pla-nejar ações futuras. Ao passear pela fei-ra de saberes e sabores organizada pe-los agricultores e agricultoras durante afesta, um visitante teve a chance deobter informações sobre as diferentesexperiências familiares, comunitárias ouregionais e pôde conhecer a Rede Se-mentes da Paraíba. Logo no início dafeira, as primeiras barracas chamavam à

Um passeiopela Festa da

Semente da PaixãoEmanoel Dias da Silva e

Paula Almeida

atenção: coloridas com mosaicos de sementes em garra-fas, potes, em sacos e enfeitando arupemas, peneiras daherança tradicional indígena típicas da região. Nesse es-paço ele também encontrou grande diversidade de semen-tes vindas de todos os recantos do estado e usadas para asmais diversas finalidades e gostos. Também assistiu amuitos agricultores e agricultoras trocando suas semen-tes, levando para seus vizinhos e compadres e para seusbancos de sementes. O visitante pôde ainda observar eperceber que os agricultores encaram esse tipo de trocanão somente como meio para enriquecer os seus roçados,mas também como forma de fortalecer os laços de solida-riedade e confiança entre as famílias e diferentes gruposenvolvidos. Eles sabem que as sementes da paixão trazemem si muito mais do que boa qualidade genética para aprodução segura no semi-árido. Elas são portadoras de lem-branças, costumes e histórias de seus antepassados.

A visita à feira foi muito esclarecedora para onosso visitante. Ele pôde aprender bastante sobre as es-tratégias de conservação das sementes da paixão adotadastradicionalmente pelo povo do semi-árido e como a ASA-

Feira de Saberes e Sabores na FestaEstadual da Semente da Paixão

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PB vem atuando para reforçá-las. Compreendeu tambémquais são as principais ameaças que colocam em risco todaessa cultura de convivência com o semi-árido e como asorganizações do estado estão se articulando para en-frentá-las.

As reservas de sementes familiarese comunitárias

No semi-árido, a agricultura familiar reconstituiseus estoques de sementes a partir da produção própria devariedades locais, conhecidas como sementes da paixão.Embora as estratégias tradicionais de conservação dessesestoques tenham sido responsáveis pelo desenvolvimentoda rica agrobiodiversidade na região, elas vêm se mostran-do insuficientes frente aos atuais processos de erosão dadiversidade genética na agricultura.

O tamanho cada vez mais reduzido das pro-priedades familiares, associado à irregularidade climá-tica, vem levando à perda das sementes da paixão. Di-ante desse contexto, os roçados, cada vez menores,dificilmente produzem o suficiente para atender às ne-cessidades alimentares das famílias e recompor suas re-servas de sementes para a safra seguinte. Outro fatorque exerce grande pressão sobre os recursos daagrobiodiversidade é a substituição das sementes dapaixão por sementes certificadas produzidas em outrasregiões e pouco adaptadas ao semi-árido e aos siste-mas de cultivo nos roçados diversificados dos agricul-tores. Essas sementes são disponibilizadas por progra-mas públicos que vêm historicamente reforçando osmeios clientelistas de manutenção do poder adotadospelas oligarquias rurais da região.

Os bancos de sementescomunitários surgiram como forma deenfrentar esses problemas, ao criaremestoques suplementares às reservasfamiliares. Trata-se de um mecanis-mo por meio do qual a família tomaemprestada uma quantidade de se-mentes e se compromete, segundoregras definidas na própria comuni-dade, a devolver a mesma quantida-de acrescida de uma percentagem nomomento da colheita. A estocagem,a entrega e a devolução das semen-tes são realizadas na própria comuni-dade, sob a gestão de uma associa-ção ou um grupo informal.

Outra iniciativa importan-te que vem se disseminando na redeestadual são os roçados comunitári-os, nos quais as famílias plantam asvariedades de sementes da paixão paramultiplicar e compor o estoque dos

bancos comunitários e familiares. Juntas essas reservasindividuais e coletivas compõem um sistema de segurançade sementes adaptadas, de qualidade e disponíveis nasquantidades e na hora certa para o plantio.

Aproveitamento integral dosfrutos da natureza

Andando mais um pouco na feira, ovisitante encontrou a barraca das mu-lheres experimentadoras. Elas benefi-ciam as frutas nativas, produzindo do-ces, geléias, compotas, cocadas, bolose sucos diversos, com destaque paraos de umbu, caju, manga, cajá, frutade palma, pinha e ubaia. Aqui, ho-mens e mulheres trocam receitas queutilizam os produtos da natureza, im-portantes para a diversificação da ali-mentação das famílias. Conversamsobre suas conquistas no que diz res-peito ao reconhecimento e à valoriza-ção do papel da mulher agricultora ede suas contribuições para o aumentoda segurança alimentar e nutricionalno semi-árido.

Ao lado, na barraca da Catequese Familiar deSolânea, Dona Socorro e Zui trocam mudas e receitas depomadas, sabonetes, xaropes, garrafadas e diversos chásde plantas medicinais. A valorização e o resgate de práti-cas e conhecimentos antigos têm ajudado na prevenção

Banco de sementes na comunidade Lagedo de Timbaúba,município de Soledade - PB

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de doenças a partir dos saberes repassados de geraçãopara geração.

Ao encontrar essas experiências na festa, o nos-so visitante pôde entender que, para as agricultoras e agri-cultores da Paraíba, a semente da paixão significa muitomais do que a semente colocada na terra para germinar.Representa o conjunto da agrobiodiversidade no semi-ári-do, com suas frutas nativas, cactáceas, árvores que ali-mentam os animais na seca, as espécies cultivadas nosquintais diversificados e até mesmo os animais de diferen-tes espécies e raças.

Na convivência com o semi-árido, o roçadomantido com base em policultivos é um elo fundamentalda unidade produtiva, contribuindo para a segurança ali-mentar das famílias. Mas ele não existiria se não estivesseintegrado ao resto da propriedade, seja como receptor oucomo fornecedor de insumos para outros sistemas produ-tivos. Foi com essa compreensão em mente que a idéia deconservar e multiplicar as sementes da paixão foi assimila-da em outros espaços e por grupos de agricultores expe-rimentadores e não ficou restrita aos grupos que lidamcom os bancos de sementes comunitários.

Uma rede de cultura popular

Um espaço chamado cenário vivo foi armadopelos organizadores da festa para mostrar como uma famí-lia agricultora vive em sua propriedade na Paraíba. Ali onosso visitante visualizou as muitas inovações que os agri-cultores e agricultoras vêm introduzindo em suas proprie-dades nos últimos anos para aprimorar suas estratégias deconvivência com o semi-árido. O arredor da casa, por exem-plo, foi composto por muitas plantas medicinais e frutei-

ras, diferentes raças de galinhas, patos, cabras, ovelhas,guinés, porcos, gansos, além das vacas. Também pôdecompreender as diferentes formas de estocar água e forra-gens para atravessar os períodos secos do ano, bem comoos anos secos. Foi aí que ele pôde constatar que a combi-nação das estratégias de diversificação com as deestocagem constitui o pilar que tem permitido às famíliasdo semi-árido construírem crescentes níveis de segurançaalimentar e estabilidade econômica.

Já no final da feira, Joaquim Pedro de Santana,agricultor do município de Montadas, declamou seus ver-sos, revelando a perfeita harmonia entre os saberes técnicose as formas de expressão cultural da região. Assim comooutros agricultores e agricultoras poetas, Joaquim traz naponta da língua seus conhecimentos em forma de versos.

A confiança em JesusÉ meu ponto de partidaTambém a experiênciaNos longos dias de vidaAfirmo com perfeiçãoA semente da paixãoÉ boa e é garantida

Esta semente queridaQue já vem de tradiçãoDe todas variedadesMilho, arroz, fava e feijãoPlantio só é sagradoSe plantado no seu roçadoA semente da paixão

Toda a nossa plantaçãoPara fortalecer a gentePlante tudo escolhidoSem ter nada diferenteEu fico realizadoPorque sou apaixonadoPor essa tal de semente

Mas essa tal de sementeJá vem dos nossos bisavósEles morreram e deixamEla para nossos avósHoje plantam nossos paisQuando eles não plantarem maisPlantarão nossos filhos e nós

No tempo dos meus avósOs santos eram Pedro e JoãoPelas imagens serem ocasGuardavam milho e feijãoEm Nossa Senhora era a favaBotavam dentro e tampavaEra assim que se guardavaA semente da paixão

Feira Saberes e Sabores na Festa Estadual da Semente daPaixão, em Patos - PB

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Foi para fortalecer esse traba-lho que foi criada a Rede Sementes daParaíba, constituída por centenas de fa-mílias e grupos comunitários que possu-em ricas experiências e que se estimulammutuamente pelas visitas que fazem en-tre si. Os intercâmbios permitem que osportadores de experiências conheçam eavaliem as iniciativas de outros grupos efamílias. Além disso, valorizam e estimu-lam os processos de inovação que vêm sedesenvolvendo no estado. Essas ocasiõesde troca de experiências permitem não sóa disseminação de conhecimentos técni-cos para o manejo das propriedades, mastambém, e fundamentalmente, de umadeterminada concepção metodológicaque afirma e estimula a partilha de conhe-cimentos como a principal fonte deempoderamento das famílias e de fortale-cimento das redes regionais, micror-regionais e estadual.

A estrutura e ofuncionamento da redeestadual de sementes

Os bancos de sementes comunitários são asunidades básicas de referência da Rede Sementes daParaíba. Eles funcionam como núcleos polarizadores dasfamílias a eles associadas que, por sua vez, possuem seuspróprios estoques de sementes. Os bancos funcionam nãosó como estruturas físicas para o armazenamento segurodas sementes, mas também como espaços de articulaçãodas famílias para a realização de processos de inovaçãoagroecológica e de trocas de conhecimentos e sementesda paixão.

Em muitos municípios foram constituídas co-missões de agricultores e agricultoras responsáveis por ar-ticular os bancos e administrar o complexo sistema de in-tercâmbios de conhecimentos e sementes. Em cada umadas regiões do estado existem articulações dos gruposgestores dos bancos de sementes. Há, por exemplo, a RedeSementes do Alto Sertão, que reúne 90 bancos de semen-tes. Na região da Borborema, o Pólo Sindical formou umacomissão de agricultores e agricultoras que gerencia umarede de 80 bancos comunitários. No Cariri e no Seridó, oColetivo Regional organiza a rede, articulando aproxima-damente 200 agricultoras e agricultores inovadores. Omesmo ocorre no sertão, no Curimataú, no Coletivo ASACariri Ocidental (Casaco), no Fórum de Lideranças doAgreste (Folia), no brejo e no litoral. A Rede Sementes daParaíba realiza suas avaliações e planejamentos por meiode uma comissão estadual composta por representaçõesdessas diferentes redes microrregionais. Trata-se, portan-to, de uma rede de redes.

Das ações comunitárias à articula-ção estadual

Embora os bancos de sementes comunitáriossempre tenham sido estratégicos para as milhares de famí-lias do estado a eles associadas, foi somente após a cons-trução de uma identidade coletiva, que abarcava todas asiniciativas, que se consolidou o sentido de pertencimentoa uma rede de abrangência estadual. Essa foi uma condi-ção para que a ASA-PB pudesse se constituir, ao vincularos processos de base e lideranças locais presentes nos

Celebração na Festa Estadual da Semente da Paixão em Patos - PB

Foi para fortalecer essetrabalho que foi criada

a Rede Sementes da Paraíba,constituída por centenas de

famílias e grupos comunitários quepossuem ricas experiências e que seestimulam mutuamente pelasvisitas que fazem entre si. Osintercâmbios permitem que osportadores de experiênciasconheçam e avaliem as iniciativasde outros grupos e famílias.

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Referências bibliográficasALMEIDA, P.;SIDERKY, P. Convivendo no semi-

árido com as sementes da paixão: experiênciada Rede Sementes da Paraíba. Caderno do IIEncontro Nacional de Agroecologia, 2006.

ASA-PB. Sementes da Paixão: cultivando a vida eguardando os frutos no semi-árido. Cartilhade poesias Cajazeiras, 2005.

Emanoel Dias da Silvaengenheiro agrônomo, membro da equipe do Programa

de Aplicação de Tecnologias Apropriadas àsComunidades (Patac)

[email protected]

Paula Almeidaengenheira agrônoma, assessora técnica da AS-PTA

[email protected]

municípios e comunidades do estado às lutas mais amplasem defesa da agrobiodiversidade e de um modelo de de-senvolvimento rural sustentado fundamentado na agri-cultura familiar.

A Festa da Semente da Paixão temsido um momento importante para aconstrução dessa identidade. Agricul-tores e agricultoras aguardam comansiedade, a cada ano, a realização dafesta que representa a reafirmação deum trabalho de mais de uma décadade lutas e conquistas. A cada ano a fes-ta acontece em uma região diferente,valorizando as iniciativas e celebrandoos avanços das diversas dinâmicas re-gionais: Soledade, no Cariri, em 2004;Cajazeiras, no alto sertão, em 2005;Lagoa Seca, no brejo paraibano, em2006; e Patos, no sertão, em 2007. Emsuas duas últimas edições, a festa re-cebeu agricultoras e agricultores, lide-ranças e assessorias de outros estadosnordestinos também envolvidos em ex-periências similares. Pouco a pouco vaise constituindo uma rede nordestinavoltada para a defesa e a promoção daagrobiodiversidade.

A coesão construída entre os grupos comuni-tários e articulações microrregionais ao longo dos últimosanos tem sido condição fundamental para que a Rede Se-mentes da Paraíba articulada pela ASA-PB se afirme comoator político importante na negociação de políticas públi-cas junto a diferentes instâncias do estado. Uma evidên-cia disso foi a aprovação da Lei nº 7.298, de dezembro de2002, que criou o Programa Estadual de Bancos de Se-mentes Comunitários, autorizando o governo da Paraíbaa adquirir sementes de variedades locais para o fortaleci-mento e ampliação dos bancos em todo o estado. Nessemesmo sentido, os convênios posteriormente celebradosentre a ASA-PB e a Companhia Nacional de Abasteci-mento (Conab) foram outra importante conquista desseprocesso construído de baixo para cima, com a mobilizaçãoativa dos grupos comunitários.

As conclusões de um visitante

Ao final de seu passeio pela festa, nosso visi-tante concluiu que todo esse trabalho realizado pelas fa-mílias agricultoras no semi-árido vem apenas confirmar ozelo que a agricultura familiar tem pela natureza e, emparticular, pela biodiversidade. Esse cuidado faz parte deuma tradição cultural marcada pelo princípio da convivên-

cia com o meio ambiente que vem sendo atualizada pormeio das redes que colocam os diferentes grupos deexperimentadores em contato entre si para refletir sobresuas experiências e lutar pela reorientação dos rumos dodesenvolvimento no semi-árido. Processos dessa nature-za reafirmam o projeto político da Agroecologia, que tempela frente grandes ameaças. A introdução de sementestransgênicas, em especial as de milho e algodão, é umdos riscos iminentes que a ASA-PB identifica. Se libera-dos no meio ambiente, esses transgênicos promoverãodanos irreversíveis ao patrimônio genético que vem sen-do conservado e multiplicado há gerações de agriculto-res no semi-árido.

Ao ser informado da origem do termo sementeda paixão e o seu significado estratégico para a agricultu-ra familiar, o visitante ficou definitivamente convencidode que as propostas que vêm sendo construídas pelasorganizações na Paraíba devem ser reforçadas pelas polí-ticas públicas, sempre assegurando aos grupos comuni-tários seus papéis como protagonistas do desenvolvimen-to. Assim foi relatado a ele: “Em um encontro estadualsobre sementes realizado em 1998, o embrião do que viriaa se tornar a Rede Sementes discutia as origens das se-mentes. No decorrer dos debates já estava mais do queevidente que os agricultores queriam plantar suas varie-dades crioulas e não as distribuídas pelos programas degoverno. Foi quando o senhor Dodô, agricultor do ser-tão, se levantou e disse: ‘O que eu quero plantar é omilho jabatão, o feijão corujinha e a fava cara larga, e nãoa semente que vem de fora. Essas são minhas sementesda paixão. Cada um tem suas sementes da paixão e énessa diversidade que nós temos que nos apoiar.’” E foijustamente com essa idéia em mente que foi construída aRede Sementes da Paraíba.

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semente é o in-sumo mais im-portante de toda

agricultura baseada na produção degrãos, que é a maior fonte mundialde alimentos. Por essa razão, o ma-nejo de sementes é um tema centralpara os agricultores e um elemen-to-chave para responder às suasnecessidades de aumentar os níveisde produção e de segurança alimen-tar, bem como atender às suas dis-tintas preferências culturais.

Embora a adoção de variedades melhoradas porparte dos camponeses tenha sido largamente estimuladapelos sistemas oficiais de pesquisa e extensão em váriasregiões do mundo, a distribuição informal de agricultorpara agricultor continua a ser o sistema predominante desuprimento de sementes para a agricultura familiar emmuitos países em desenvolvimento. Esses mecanismosgeralmente se apóiam nas alianças sociais e nas relaçõesfamiliares tradicionais, tendo como base um contexto deinterdependência e de confiança mútuas. Contudo, emque pese o fato de a troca entre agricultores ser ampla-mente reconhecida como importante fonte de sementespara um vasto número de agricultores, pouco se sabe comoesses sistemas funcionam. Este artigo apresenta um estu-do recente, conduzido nos vales centrais de Oaxaca, Mé-

Confiançamútua como

base para aaquisição de

sementesLone B. Badstue

xico – um centro de diversidade genética e de domes-ticação do milho –, que enfoca a importância das relaçõessociais nos intercâmbios de sementes e o papel centralque a confiança mútua desempenha nesses sistemas tradi-cionais de acesso às sementes.

Uma falta geral de transparência

Os agricultores precisam de sementes de boaqualidade e com as características necessárias para seusobjetivos e condições ambientais específicas. Contudo,esses aspectos podem ser difíceis de avaliar no momentoda compra das sementes, uma vez que elas não são trans-parentes. Em outras palavras: é impossível saber as carac-terísticas e o desempenho que as plantas terão simples-mente olhando para o saco de sementes comprado. Issosó será conhecido quando a semente for plantada e o cul-tivo se desenvolver. A qualidade da semente é determina-da por uma gama de fatores e pode ser difícil de avaliar,especialmente no que se refere à sua capacidade de germi-nação. Idade, patógenos ou armazenamento incorretopodem afetar a germinação, mas esses fatores não sãonecessariamente perceptíveis ao olho humano. Esse prin-cípio também se aplica a outros tipos de materiais de plan-tio, tais como tubérculos, mudas, manivas, etc. É possíveldeterminar se o material em questão é batata, banana oumandioca, mas é limitada a quantidade de informação quese pode obter por inspeção visual do tubérculo, muda ou

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Catalina plantando milho em sua propriedade

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maniva. Além da cor, tamanho e alguns danos causadospor insetos ou patógenos, não há como conhecer as ca-racterísticas específicas da planta que irá crescer ou o seupotencial de desempenho em um determinado ambiente.

A falta de transparência também está ligadaaos diversos fatores ambientais que influenciam o desem-penho do cultivo. Isso é especialmente relevante em espé-cies de polinização aberta que apresentam maior variaçãoem suas características genéticas de uma geração para aoutra (em contraste com plantas que crescem de tubércu-los, mudas ou manivas, ou de espécies de autopolinização,como o feijão). O milho é um exemplo do que os cientistaschamam de espécie com alta interação genótipo X ambi-ente, o que quer dizer que o seu desempenho produtivoem ambientes diferentes depende muito da composiçãogenética da variedade. Em outras palavras, a variedade demilho que produz bem em um ambiente talvez não produ-za tão bem quanto plantada em outro.

Portanto, ainda que os agricultores inspecio-nem as sementes antes de comprá-las, eles dependemamplamente da informação oferecida pelo fornecedor noque se refere às características de produção e de uso, àadaptação ambiental e à qualidade da semente.

Confiança em sua própria sementePara os agricultores dos Vales Centrais de

Oaxaca, o meio mais comum e seguro de garantir as se-mentes para a próxima safra é selecionar e guardar a se-mente de sua própria colheita de milho. Há diversas razõespara isso, mas um dos principais motivos mencionados é aconfiança no seu próprio milho, ou seja, nas sementes queeles próprios selecionaram. Esse fato revela a consciênciasobre o fato de que as plantas que germinarem de suassementes irão apresentar um certo padrão sob as condi-ções específicas em que são cultivadas.

Além disso, os agricultores escolhem as varie-dades de milho de acordo com suas preferências. Por ques-tões sociais, culturais e ambientais, uma variedade podeser apropriada para um agricultor, mas não necessariamen-te para outro. O agricultor conhece as características doseu milho tão bem quanto o manejo e o desempenho sobas circunstâncias específicas em que ele foi cultivado. Co-nhece também quando e onde a semente foi selecionada ecomo foi armazenada. Até mesmo as características deconsumo relacionadas com aquele milho particular são bemconhecidas. Assim, ao utilizar as sementes que conhece enas quais confia, o risco de perdas na safra é minimizado.Por essas razões os agricultores têm a convicção de que ouso de sementes por eles conhecidas e selecionadas é amelhor opção para atender às suas necessidades e prefe-rências, além de minimizar riscos.

A habilidade para selecionar e armazenar se-mentes de milho de uma safra para a seguinte é altamentevalorizada entre os agricultores da região. É uma das apti-dões para ser considerado um bom agricultor. Entretan-

to, há outras ocasiões em que os agricultores procurampropositadamente por sementes externas. Por exemplo,quando a colheita é reduzida ou houve perdas de semen-tes na estocagem; quando a família utilizou a sementepara alimentação ou teve que vender toda a produçãopara cobrir outras necessidades mais urgentes; ou, sim-plesmente, o que ocorre freqüentemente, quando desejaexperimentar outros tipos de milho.

Adquirindo semente de milho deoutras fontes

Em geral, as fontes alternativas de sementessão outros agricultores, vendedores nas feiras ou lojasagropecuárias nos centros regionais maiores. Contudo,devido à falta de transparência das sementes, sempre fal-tarão informações adequadas sobre as sementes adquiri-das dessas fontes.

Os agricultores nos Vales Centrais de Oaxacatêm grande confiança nos membros de suas próprias co-munidades. Mesmo que um indivíduo tenha sentimentosprofundos de confiança (ou desconfiança) em relação acertas pessoas, muitos acham inconcebível que outrosagricultores da mesma comunidade, conscientemente, lhesforneçam sementes de baixa qualidade. Por exemplo, aolongo dos anos, Cutberto e sua família têm plantado dife-rentes variedades crioulas de milho. Como muitos agricul-tores na região, todos os anos ele guarda as sementes dasvariedades que quer manter e nunca comprou sementesno mercado. Ao contrário, sempre que quis testar umanova variedade, adquiriu sementes de outros agricultoresde sua comunidade. Explicando sua preferência por obtersementes localmente, Cutberto diz: “Como posso lhe ven-der algo que não funciona? Logo você vai retornar para

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Cutberto e sua família descansam do trabalho em sualavoura de milho

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reclamar ou para me perguntar por que eu lhe vendi se-mentes ruins!” As transações no mercado são diferentes:“Lá não há lugar para reclamar! Mesmo que você se lem-bre de quem lhe vendeu, como você irá encontrá-lo? Ecomo você examinou o que estava comprando, a pessoaque lhe vendeu pode dizer que ela não tem culpa. Aqui nacomunidade, se eu vender aos meus vizinhos algo que nãofunciona, eles reclamarão!” A maioria dos agricultorestambém pensa dessa forma, considerando que na cidadeessa relação com as sementes “é estritamente comercial”.Uma grande parte dos vendedores nas feiras semanais écomposta por agricultores que vão ao mercado para ven-der sua produção. “Eles estão lá para vender. E, assim queterminam, vão embora”.

A experiência de uma agricultoraA experiência de Catalina, que comprou

sementes de milho no mercado, ilustra por que osagricultores têm receio de adquirir sementes de fon-tes desconhecidas. “Me deu vontade de experimen-tar o tipo de semente (de milho) de San Martin”, elalembra. “Não é que eu tivesse perdido minha própriasemente; não é que eu não tivesse semente, enten-de? Me deu vontade de experimentar este milho re-dondo, gordo que eles têm. Mas eu fiquei tão brava!Eu comprei a traça do milho! Foi na feira em Ocotlán,aonde o pessoal vai para vender suas mercadorias.Foi lá que eu as adquiri. A semente parecia boa, eu atrouxe para casa e deixei dentro do saco. Na hora deplantar, abri o saco e uma nuvem de traças vooupara fora. Elas tinham infestado toda a casa! Elaficou cheia de traças. Eu ainda plantei as sementes,mas poucas germinaram!”

Agricultores como Cutberto sentem que é muitomais arriscado comprar sementes em uma loja ou em umadas feiras regionais do que obtê-las na comunidade, ondeas pessoas se conhecem bem e têm que arcar com as con-seqüências caso as sementes que venderem não forem deboa qualidade . Afinal, quando não existem relações pré-vias entre o fornecedor da semente e o comprador, o agri-cultor tem que se contentar com a informação dada pelovendedor. Alguns agricultores entendem que os vende-dores não vão querer ser vistos como não-confiáveis, e porisso acabam acreditando que ele ou ela irá agir de maneiracorreta. Todavia, agricultores familiares nos Vales Cen-trais de Oaxaca têm muito pouca confiança nos vendedo-res das feiras das pequenas cidades próximas e das lojas dacidade de Oaxaca e costumam suspeitar dos argumentosdos vendedores. Eles têm pouca confiança não só na in-formação prestada pelos vendedores a respeito das semen-tes, como também na qualidade delas (veja quadro aci-ma). Os agricultores sabem que, se houver algum proble-

ma, lhes será dito que eles não semearam adequadamenteou que suas terras não foram irrigadas na hora certa.

Quando compram sementes de milho (certifi-cadas) das lojas agropecuárias ou sementes produzidaspor agricultores nas feiras, os compradores percebem amaior falta de transparência e informação do que quandoadquirem as sementes diretamente de agricultores vizi-nhos. Embora no México exista um sistema governamen-tal que controla a qualidade do setor formal de sementes,não há mecanismos oficiais que controlem a venda no va-rejo de sementes vencidas. Além disso, quando pequenasquantidades de sementes certificadas são vendidas, geral-mente são tiradas de um saco maior e não são acompanha-das de informações sobre suas qualidades, a não ser que ovendedor se disponha a passá-las verbalmente.

Assim, embora seja difícil julgar se as dúvidasou suspeitas dos agricultores têm fundamento ou não, aquestão aqui é que os agricultores vêem o setor formal desementes e outras fontes não-locais como menos confiáveise, portanto, de maior risco. Esses agricultores, conse-qüentemente, preferem fornecedores de sementes consi-derados confiáveis - um conceito que pode se referir adiferentes categorias de pessoas, incluindo familiares,amigos ou conhecidos. Enfim, sempre alguém em quem oagricultor confia.

O papel das relações de confiançae de reciprocidade

A forma mais importante de confiança nos sis-temas de trocas de sementes entre agricultores nos Vales

Olhando a colheita: o bom resultado é evidente

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Centrais de Oaxaca é baseada na reciprocidade. Issose refere a interações nas quais a confiança é mútua,como uma via de mão dupla, que pode estar baseadaem interesses, sentimentos de afeto, responsabilida-de ou valores compartilhados. A cultura popular deOaxaca tem uma forte tradição de reciprocidade e aju-da mútua, princípios que permanecem como uma ca-racterística significativa da vida social apesar das rá-pidas mudanças em tempos mais recentes. Isso é evi-dente, sobretudo, entre membros de uma família eem relações próximas (como entre compadres), mastambém nas várias instituições da vida da comunida-de, nas quais se espera que cada um contribua comsua parte. Numa certa medida isso também se refletenas transações locais de semente de milho. Com fre-qüência a troca de sementes é apenas um dos muitostipos de troca existentes entre duas partes, fazendo,então, parte de um fluxo diversificado de favores, ser-viços e apoios mútuos. Redes sociais e relações pes-soais podem tornar a vida mais fácil e trazer alívio emcertas situações, por exemplo, quando surgem emer-gências ou quando novas sementes de milho precisamser obtidas.

Para os que não podem pagar a semente comdinheiro e, portanto, precisam adquiri-las por intermé-dio de uma transação não-monetária (como pegar algu-mas sementes emprestadas ou trocá-las por grãos), tam-bém é importante que o fornecedor de sementes sejaalguém em quem se possa confiar e com quem possa secontar. Esse aspecto se relaciona a uma noção local doque significa ser um bom agricultor. Afinal, além de sa-ber produzir e seguir os costumes locais, o bom agricul-tor deve ter integridade, independência e capacidadepara atender às necessidades básicas de sua família. Dessaforma, um agricultor pode se sentir constrangido quan-do se encontra numa situação em que precisa pedir fa-vores a outros, especialmente quando o que necessita écrucial para a sobrevivência, como é uma semente parauma família agricultora.

Numa relação de confiança, é possível pedirsementes de uma forma relativamente tranqüila e aber-ta. Muitos agricultores explicam que, quando necessi-tam de sementes, sua primeira escolha é dirigir-se a pes-soas em quem confiam. Além de normalmente conheceros tipos de milho cultivados pelos amigos próximos efamiliares, o agricultor geralmente consegue obter, comoparte da vida social normal, informações seguras sobreesses tipos de milho.

A importância da confiança e da reciprocida-de também é sentida quando se tem problemas paraadquirir sementes de milho. A maioria das pessoas dizque os agricultores que não têm dinheiro, parentes ououtras relações próximas são aqueles que passam pormaiores dificuldades.

Apenas uma pequena parte das transações desementes de milho nos Vales Centrais de Oaxaca é feita

no mercado. A maior parte é realizada entre agricultoresda mesma comunidade. Entretanto, os agricultores dosVales Centrais em geral apreciam testar diferentes tiposde milho, que podem ser encontrados na feira, aondepessoas de locais próximos ou distantes vão para venderseus produtos. Vale ressaltar, contudo, que as semen-tes de tais fontes, com baixo nível de confiança, sãonormalmente plantadas em pequenas áreas, para redu-zir o risco de perdas na colheita.

O papel central que a confiança desempenhana aquisição de sementes tem implicações importantessobre os métodos de manejo comunitário de sementes.O fato de os agricultores terem interesse em experimen-tar e aprender sobre diferentes variedades, mesmo sa-bendo dos riscos envolvidos, representa uma oportuni-dade no que se refere ao desenvolvimento e conserva-ção da diversidade genética dos cultivos.

Referências bibliográficas:BADSTUE, L.B. Small-holder seed practices:

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Lone B. Badstueconsultor internacional

[email protected]

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22 Agriculturas - v. 4 - no 3 - outubro de 2007

estado do MatoGrosso é emble-mático quando

se trata da agricultura brasileira.Exerce peso significativo na produ-ção e exportação de grãos e na ba-lança comercial do país. Por outrolado, sua agricultura promove imen-sos impactos negativos, seja peladestruição dos ecossistemas, pelosaltos índices de utilização de insu-mos poluidores ou ainda pela gera-ção de graves conflitos agrários. Aspastagens ocupam aproximadamen-te 24% da área do estado, o quecorresponde a 26 milhões de hecta-res. A agricultura ocupa 10% doestado, cerca de 11 milhões de hec-tares, sendo que, na safra de 2005/2006, apenas a cultura da soja seestendeu por mais de 5,5 milhões dehectares. As queimadas continuamdevastando áreas de cerrado e defloresta para dar lugar ao agro-negócio socialmente excludente eambientalmente predatório.

Mesmo diante desse cenário, comunidades tra-dicionais resistem por meio da manutenção de seus siste-mas de produção, compostos pela integração de ativida-des extrativistas com roças, criação animal e quintais di-versificados. A posse dos materiais genéticos utilizadosnesses sistemas e o domínio dos conhecimentos a elesassociados são essenciais para a reprodução dessas comu-nidades e de seus meios de vida. É por essa razão queagricultoras e agricultores de algumas regiões do Mato

James Frank Mendes Cabral

Sementes tradicionais e aresistência camponesa ao

agronegócio em Mato Grosso

Grosso estão empenhados em resgatar, valorizar, produ-zir e colocar à disposição de outras famílias esse acervogenético e cultural desenvolvido e/ou adaptado pela agri-cultura familiar ao longo das gerações.

Este artigo apresenta as ações, as dificuldadese os aprendizados vivenciados pela rede de troca de se-mentes do Grupo de Intercâmbio em Agricultura Susten-tável (Gias), espaço constituído para articular esses gru-pos de resistência camponesa no estado.

O Gias e a rede de trocas desementes tradicionais

O Gias surgiu no ano de 1999 a partir de umadiscussão sobre agricultura sustentável realizada por mo-vimentos e organizações comprometidas com a viabili-dade da agricultura familiar no Mato Grosso. Desde en-tão, o grupo promove ações em três linhas centrais: 1)planejamento da produção, articulação de possibilida-des de mercado e comercialização dos produtos dasociobiodiversidade; 2) encontros estaduais e regionaiscom realização de feiras de produtos da agricultura fami-liar; e 3) a constituição de uma rede de troca de semen-tes tradicionais.

A idéia de criação da rede de sementes surgiuainda nas primeiras atividades desenvolvidas pelo Gias. Oprimeiro encontro sobre sementes foi importante para evi-denciar o interesse das agricultoras e dos agricultores nes-sa temática. Muitos trouxeram sementes para trocar e paraapresentar aos demais participantes. Durante o evento,verificou-se a disposição generalizada de todos os presen-tes em buscar novas sementes para testar nos seus quin-tais e nas suas roças. Esse interesse compartilhado moti-vou as entidades que integram o Gias1 a elaborarem as

1 Atualmente a coordenação do Gias-MT é composta pela Federação de Órgãos paraAssistência Social e Educacional (Fase/MT), Movimentos dos Trabalhadores RuraisSem-Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT/MT), Centro de TecnologiaAlternativa (CTA) Vale do Guaporé, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC),Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB/MT), Cooperativa Mista de Pro-dutores Rurais de Poconé (Comprup), Movimentos de Pequenos Agricultores(MPA/MT), Associação Mutuca, Associação Akurab e Associação Halitinã.

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estratégias da criação da rede de troca e produção de se-mentes tradicionais. O objetivo é estimular o resgate, aconservação e a troca de sementes tradicionais, aumen-tando a segurança alimentar por meio do fortalecimentode sistemas locais de gestão de recursos genéticos.

Partimos do princípio de que as mulheres sãoresponsáveis pela manutenção da maior parte da biodi-versidade, sendo as protagonistas dessas trocas de mate-riais. Com o tempo, no entanto, os homens também fo-ram sendo incorporados a essa dinâmica.

O Gias apóia a realização de encontrosregionais com o objetivo de articular di-versas experiências de grupos e institui-ções e de debater o tema das sementestradicionais a partir de uma perspectivaagroecológica. O Gias atua também napromoção de discussões sobre as políti-cas públicas para o desenvolvimento sus-tentável da agricultura familiar. As ati-vidades de troca e produção de sementestradicionais articuladas pela rede ocor-rem nesses eventos que envolvem mem-bros das comunidades e assentamentosnos quais atuam as entidades que com-põem o grupo.

A rede abrange treze municípios das regiões daBaixada Cuiabana, Grande Cáceres e Vale do Guaporé,desenvolvendo ações de produção de sementes e de iden-tificação de espécies vegetais tradicionalmente emprega-

das pela agricultura familiar. Nas comunidades quilombolasda Baixada Cuiabana, por exemplo, o Gias apóia a produ-ção de variedades tradicionais de milho que estão sendocultivadas há vários anos pelas famílias daquela região.Nos municípios de Cáceres e Mirassol do O’este, sudoestede Mato Grosso, o grupo acompanha experiências de pro-dução de variedades tradicionais de feijão e arroz, promo-ve trocas de sementes entre comunidades e novos assen-tamentos rurais, assim como realiza oficinas para o debatesobre políticas públicas orientadas para a valorização dassementes tradicionais e da agricultura familiaragroecológica.

Essa experiência do Gias no estado tem ins-pirado mais recentemente a criação de uma rede ama-zônica de troca e produção de sementes tradicionaisda biodiversidade.

O papel das animadoras e dosanimadores da rede

Nos encontros promovidos pelo Gias, gran-de quantidade de sementes era trocada, sem que hou-vesse registro das suas principais características ouqualquer tipo de informação sobre as plantas. Em fun-ção disso, estava clara a necessidade de se realizar umlevantamento sobre as principais espécies vegetais evariedades tradicionais empregadas nos sistemas de pro-dução familiar no estado.

Essa situação levou o Gias a articular um gru-po de agricultoras e agricultores responsável pelo resgatefísico desses materiais, bem como pelo cadastramento

Encontro de animadoras e animadores da rede estadual de sementes

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das principais informações e características de cada umdeles. Para auxiliar o trabalho, foi elaborada uma ficha decadastro e construído um banco de informação sobre assementes (BIS). Por meio do BIS é possível cadastrarinformações sobre os agricultores e agricultoras que atu-am como animadores da rede, os produtores familiaresdetentores das sementes tradicionais, as característicasde cada material genético resgatado, além do registrodas trocas realizadas por estímulo da rede.

As animadoras e animadores assumiram as se-guintes atribuições:

• debater sobre a importância das sementes tradici-onais em suas comunidades (incentivando e mos-trando a importância de resgatar e conservar assementes tradicionais, etc);

• articular e negociar apoio e parcerias com outrasentidades para intensificar a identificação de pos-síveis sementes em processo de perda ou extinção(sindicatos de trabalhadores rurais, associações,prefeituras, etc);

• ser o contato estratégico com as entidades deapoio para geração de informações sobre sementestradicionais;

• registrar experiências sobre armazenamento e usode sementes e passar essas informações para as en-tidades de apoio;

• plantar em seus lotes as sementes tradicionais, di-versificar os seus cultivos e, sempre que possível,oferecer às demais famílias da comunidade as suassementes tradicionais;

• promover encontros para a troca de sementes nascomunidades;

• estimular a movimentação das sementes (circulan-do com sementes na época de plantio e distribuin-do e coletando entre as famílias); e

• alimentar o BIS com informações sobre sementes.

Diversidade de sementestradicionais identificada pelo Gias

No ano de 2006, foram cadastradas no BIS 314variedades de 84 espécies. O maior número de variedadesfoi das seguintes espécies: feijão, com 50 variedades; mi-lho, com 42 variedades; arroz, com 26 variedades; e abó-bora, com 12 variedades. De cada variedade cadastrada,foram levantadas informações sobre uso, ciclo da planta,época de florada, tempo para a produção de sementes,porte da planta, manejo empregado no cultivo e noarmazenamento. Também foram coletadas diversas infor-mações sobre as características da semente, entre elas,cor, forma, tamanho, origem (se da propriedade ou dacomunidade) e histórico de produção. Além disso, averi-guou-se a quantidade de sementes em litros de que o agri-cultor dispõe para seu uso próprio e para troca, venda oudoação.

As informações sobre a disponibilidade desementes demonstraram que algumas plantas cadastra-das estão desaparecendo, o que torna necessária a im-plantação de estratégias para sua reprodução, entre elas oplantio em um número maior de estabelecimentos. Identi-ficou-se ainda que a grande maioria dos agricultores nãopossui sementes em quantidades suficientes para dis-ponibilizar para outras famílias integradas à rede: 43% dasfamílias informaram não ter sementes disponíveis; 12 %afirmam ter menos de um litro de sementes disponível; 32% afirmam ter entre 1 e 10 litros disponíveis; e apenas14% das famílias possuem mais de 10 litros de sementespara doação, venda ou troca.

Esses dados confirmam a importância da multi-plicação dessas espécies, pois as ofertas das mesmas são

Reunião com animadores e animadoras da rede

Encontro de animadoras e animadores

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Agriculturas - v. 4 - no 3 - outubro de 2007 25

James Frank Mendes Cabralengenheiro agrônomo, técnico em educação não-formal

da equipe da Fase/Programa Mato [email protected]

Referências bibliográficasALMEIDA, P.; CORDEIRO, A. Sementes da pai-

xão: estratégias comunitárias de conservaçãode variedades locais no semi-árido. 1a ed. Riode Janeiro: AS-PTA, 2002. 72 p.

CABRAL, James F.M. Redes de resgate e troca desementes tradicionais em assentamentos: es-tratégias coletivas de conservação de varieda-des locais. 2007. 67 f. Monografia (Especiali-zação em Agricultura Familiar Camponesa eEducação do Campo) – Universidade Estadu-al de Mato Grosso, Cáceres.

FEARNSIDE, Philip M. Controle de desmatamentoem Mato Grosso: um novo modelo para redu-zir a velocidade de perda de Floresta Amazôni-ca. Manaus: Instituto Nacional de PesquisaAmazônica, 2002.

reduzidas. Demonstram também que são pequenas asquantidades de sementes trocadas entre as famílias, sen-do que, em muitos casos, quando há troca, elas se limitama alguns grãos.

Essa constatação levou o Gias a esta-belecer processos de multiplicação dassementes em várias regiões do estado.Atualmente alguns grupos estão plan-tando espécies e variedades tradicio-nais com o objetivo de elevar a dispo-nibilidade desses materiais em seus as-sentamentos e comunidades.

Nos municípios de Nossa Senhora do Livramen-to e Poconé, na Baixada Cuiabana, comunidadesquilombolas e tradicionais reproduzem milho tradicional.Nos municípios de Mirassol do O’este, Cáceres e PortoEsperidião, grupos de produção ligados ao Gias estão re-produzindo variedades tradicionais de feijão e arroz,intercambiando sementes entre comunidades locais e plan-tando as variedades de milho provenientes da região daBaixada Cuiabana. Na região do Vale do Guaporé, nosmunicípios de Ponte e Lacerda, Vila Bela da SantíssimaTrindade, entidades e grupos de agricultores desenvol-vem a produção de mudas de espécies florestais para oenriquecimento dos quintais e a implantação de sistemasagroflorestais (SAFs).

Estratégias para o futuro

Para o Gias, os caminhos para a construção demaiores níveis de auto-suficiência em sementes devem se-guir várias direções. A produção e a conservação das se-mentes in situ é uma dessas estratégias. O lote das própri-as famílias, suas roças, quintais, reservas e demais siste-mas de produção funcionam como armazéns daagrobiodiversidade. Quanto mais as sementes estiveremsendo plantadas, maiores serão as possibilidades de con-servação das espécies e variedades à disposição da agricul-tura familiar.

Os bancos de sementes, ou casas das semen-tes, centralizados em uma propriedade ou entidade, po-dem ser muito eficientes para esse fim. Para que tenhamum bom desempenho, no entanto, é necessária a organi-zação de grupos de produção de sementes nas comunida-des que fiquem responsáveis pelo suprimento de determi-nadas espécies. Os grupos devem ainda ser capazes de,processualmente, construir as regras para o funcionamen-to desses espaços de gestão coletiva.

Ao analisar os mecanismos de troca de semen-tes entre as famílias, observa-se que estão fundamentadosnas relações sociais de reciprocidade A maior parte dasfamílias espontaneamente envolvidas nesses intercâmbiossão vizinhos, parentes, compadres e comadres, ou possu-em alguma relação especial de proximidade que garante a

troca contínua e naturalmente organizada. Essa realidadeaponta para a necessidade de elaboração de propostasbaseadas em bancos de sementes organizados no âmbitodas comunidades ou mesmo em grupos menores.

Muitas sementes ainda não foram identificadase resgatadas pela rede. Levar à frente esse processo é umdesafio assumido pelo conjunto de entidades que inte-gram o Gias. As entidades, os movimentos e os agriculto-res e agricultoras sabem que cada espécie e/ou variedadelocalizada representa um passo importante para a consoli-dação da Agroecologia enquanto enfoque para a constru-ção de um modo de produção mais sustentável para asfamílias e para toda sociedade.

Sementes tradicionais do Assentamento Roseli Nunes

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sta edição daRevista Agricul-turas apresenta

grande diversidade de experiênciasde resgate, conservação e uso dassementes crioulas, demonstrandosua importância para a construçãode um modelo de agricultura basea-do nos princípios da sustenta-bilidade socioambiental. No entan-to, apesar da crescente valorizaçãoe reconhecimento de iniciativascomo as aqui apresentadas, todoesse esforço das organizações dasociedade civil está fortemente ame-açado pela liberação dos trans-gênicos.

Muitas organizações vêm há quase dez anospromovendo o debate sobre essa questão e alertando apopulação em geral sobre os riscos dos transgênicos. Nes-se período, diferentes estratégias e ações foram traçadaspara influenciar as decisões dos governos, que, em funçãodas promessas das empresas de biotecnologia, passaram aapostar na transgenia como uma tecnologia com potenci-al de impulsionar a agricultura.

Os impactos negativos, desde cedo anuncia-dos como riscos pelas organizações que acompanham otema, vêm agora se confirmando na realidade, e os primei-ros a sentir na pele os prejuízos têm sido os agricultoresfamiliares e assentados da reforma agrária. A liberação denovas variedades transgênicas, como no caso do milho, sótende a acelerar e multiplicar esses impactos, colocandonovas e graves ameaças para o futuro daagrobiodiversidade e de nossa alimentação.

Para aprofundar e atualizar a discussão sobre otema, a Revista Agriculturas entrevistou seis pessoas dediferentes organizações da sociedade e do Estado que têmdefendido o princípio da precaução frente aos riscos dostransgênicos, bem como têm atuado na promoção daAgroecologia como meio para a conservação da agro-biodiversidade e para a construção de um modelo de de-senvolvimento rural sustentável.Maria Rita Reis é advogada e assessora jurídica da Terra deDireitos, organização civil sediada no Paraná que atua nadefesa da efetivação dos Direitos Humanos.Isidoro Revers, mais conhecido como Galego, é membroda Comissão Pastoral da Terra (CPT). É mestre em Histó-ria das Sociedades Agrárias pela Universidade Federal deGoiás.Adão Pretto é agricultor familiar, um dos fundadores doMovimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)no Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PT/RS.Rubens Onofre Nodari, agrônomo e geneticista, professortitular da Universidade Federal de Santa Catarina e repre-sentante titular do Ministério do Meio Ambiente na Co-missão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),órgão responsável pelas decisões sobre transgênicos noBrasil.Ademir Ferronato é agricultor familiar em Medianeira, re-gião oeste do Paraná. Na última safra, teve a sua lavourade soja orgânica contaminada pela soja transgênica plan-tada por vizinhos.Magda Zanoni é professora doutora da Universidade deParis VII. Atualmente está cedida ao Núcleo de EstudosAgrários e Desenvolvimento do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário (Nead/MDA). É também representantetitular do MDA na CTNBio.

Professor Nodari, qual a ameaça que os trans-gênicos representam para as sementes crioulas?

Uma variedade crioula tem grande variabilida-de genética e capacidade de adaptação, que é resultado

entrevista concedida a Gabriel B. Fernandes e Paula Almeida

A ameaça dostransgênicos

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ENTREVISTA

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do processo evolutivo e de seleção feita pelos agricultoresao longo de milhares de anos. Por isso é que se tornaimpossível recuperar uma determinada variedade localsimplesmente recorrendo aos bancos de germoplasma,onde essa evolução ficou congelada.

Com a liberação dos transgênicos para plan-tio em larga escala, como o milho, que é uma planta defecundação cruzada, a contaminação de uma varieda-de crioula por transgenes irá fatalmente ocorrer. Nessecenário, a erosão genética é proporcional à quantidadede variedades contaminadas. Ainda que um agricultorobtenha sementes de outras variedades crioulas, a con-taminação poderá ocorrer novamente. Assim, a cadaano, ocorrendo o processo de contaminação, a perdada variedade será inevitável. Na verdade, não só a cri-oula, mas qualquer semente não-transgênica de umamesma espécie pode ser contaminada.

A perda de diversidade via erosão genéticatambém pode ocorrer de outras formas. Em uma varie-dade crioula já contaminada e plantada novamentepode ocorrer nova contaminação, por meio do cruza-

mento com a mesma ou outra variedade transgênicaplantada próxima. Ou seja, na presença de fonte depólen de milho transgênico, como no caso de lavourasna vizinhança, por meio de cruzamentos continuados,a composição genética de uma variedade crioula vai seconvertendo na transgênica.

Uma terceira forma de erosão genética é aocorrência de efeitos adversos imprevisíveis ou a dimi-nuição da capacidade de adaptação dessas variedadesjá contaminadas, resultante do cruzamento entre avariedade transgênica e a variedade crioula. Nesse caso,haverá um número menor de descendentes e ocorreráperda de genes, muitas vezes específicos daquela vari-edade crioula.

Diante da contaminação, ou o agricultordestrói suas sementes para evitar que a contaminaçãose multiplique ou convive com elas.

No caso de uma espécie alimentícia, o con-sumo desses transgenes poderá afetar a saúde humanae o cultivo poderá afetar o meio ambiente. Além disso,o plantio das sementes contaminadas está sujeito àsleis de Proteção de Cultivares e de Patentes. Se fordetectada a presença de transgenes patenteados e devariedades protegidas, haverá cobrança de royalties1,além de acusação de violação de normas e apropriaçãode recursos genéticos. Assim, podemos dizer que atecnologia transgênica impede ou dificulta enorme-mente o uso de variedades crioulas sem a possibilidadede contaminação.

A saída então seria a compra de se-mentes todo ano. Mas, se isso ocor-rer, o impacto para a agricultura fa-miliar será duplo. De um lado, o agri-cultor perde a autonomia, tornado-

Os impactosnegativos, desdecedo anunciados

como riscos pelasorganizações que

acompanham o tema, vêm agorase confirmando na realidade, e osprimeiros a sentir na pele osprejuízos têm sido os agricultoresfamiliares e assentados dareforma agrária.

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1Taxa que a empresa cobra do agricultor pelo uso da semente patenteada.

Atividade de formação realizada no acampamento de ViaCampesina em Brasília durante a reunião da CTNBio

Agricultores se manifestam diante de membros da CTNBio

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se dependente de sementes, castigoque não pediu. De outro, interrom-pe-se uma história milenar de inova-ções, práticas e evolução do conheci-mento tradicional sobre as varieda-des crioulas. Sem variabilidade gené-tica, o agricultor não tem o que guar-dar ou selecionar. É como um atenta-do ao patrimônio genético e culturalmantido e melhorado por centenas degerações de agricultores, ao longo dacivilização humana.

Essa perversidade não está sendo adequada-mente dimensionada pela maioria dos órgãos governa-mentais envolvidos com o tema. A aprovação dostransgênicos é, por esses motivos, uma ameaça crucialà segurança alimentar e nutricional.

Maria Rita, como a sociedade está semobil izando para enfrentar o tema dostransgênicos?

A mobilização está ocorrendo em várias fren-tes. A principal é a resistência dos agricultores que estãousando e conservando as suas sementes crioulas. Em vá-rios momentos, nesses dois últimos anos, nos encontrosdos camponeses – como a Festa Nacional do Milho Criou-lo, em Anchieta, Santa Catarina; a Jornada de Agro-ecologia do Paraná; e o II Encontro Nacional de Agro-ecologia, em Recife – foi se reafirmando o princípio deconservar a biodiversidade e fazer oposição aos trans-gênicos, uma grande ameaça para agricultura. O princi-pal elemento de resistência e mobilização é, portanto,manter o tema na agenda da sociedade.

Galego, como a Via Campesina está construindoa resistência local aos transgênicos?

Os movimentos sociais da Via Campesina2,em conjunto com outras organizações, sempre estive-ram engajados na luta para evitar que o governo libe-rasse o plantio comercial dos transgênicos. A Via ten-tou embates diretos, como no II Fórum Social Mundi-al, quando plantios de transgênicos foram arrancadosno Rio Grande do Sul. Essa ação ajudou a chamar aatenção da sociedade para o tema. Hoje há um esforçode resistência para evitar que os agricultores adotem oplantio dos transgênicos. Trabalhamos para trazercomo alternativa de produção a preservação das se-mentes crioulas e a prática da Agroecologia, inclusivepara evitar a dependência em relação às multinacionaisque querem controlar as sementes.

Outra ação importante da Via tem sido cons-cientizar a população sobre os problemas que podematingir a agricultura, os consumidores e a saúde. Ostransgênicos geram dependência. Ao aceitar a

transgenia, o agronegócio estará conduzindo a agricul-tura para a total dependência das indústrias. E o objetivodas empresas não é dar qualidade aos alimentos, mas ob-ter lucro. Os transgênicos colocam em risco a diversidadegenética, indispensável à vida humana.

Maria Rita, quais outras iniciativas estão sendotomadas?

Estamos acompanhando as ações da CTNBio.O acampamento da Via Campesina em frente à comissãoem dezembro de 2006 foi a principal motivação para omilho transgênico não ser liberado naquela ocasião.Estamos também cobrando transparência e respeito adiretrizes oficiais, inclusive estabelecidas em lei, que aCTNBio não vem cumprindo, como, por exemplo, odireito de representantes da sociedade civil assistiremàs reuniões da comissão. Só recentemente fizemos va-ler esse direito e, agora, as reuniões da CTNBio sãoabertas a todo o público interessado.

Outra estratégia está voltada para o plano jurí-dico. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor(Idec), a Associação Nacional de Pequenos Agricultores(Anpa), ligada à Via Campesina, a Terra de Direitos, ondeatuo, e a Assessoria e Serviços a Projetos em AgriculturaAlternativa (AS-PTA) apresentaram à Justiça Federaluma ação civil pública pedindo a anulação da liberaçãocomercial do milho transgênico. A ação se fundamentaem várias questões. Entre elas, o fato de a liberação domilho transgênico Liberty Link, da Bayer, ter sido feitasem relatório de impacto ambiental para os diferentesambientes de produção. A CTNBio não determinou nor-mas para que a contaminação fosse evitada e nem normasde monitoramento pós-liberação comercial. Conseguimosque a liberação fosse suspensa até que todas essas nor-mas sejam cumpridas.

Professora Magda, como funciona a CTNBio?

A CTNBio está ligada ao Ministério da Ciên-cia e Tecnologia. Foi criada com a Lei de Biossegurança(11.105/2005) com o objetivo de centralizar as deci-sões sobre transgênicos. A comissão tem a função deanalisar as demandas, a maioria de multinacionais, paraa liberação de transgênicos para pesquisa e uso comer-cial. São no total 27 membros titulares e 27 suplentes.Todos têm o grau de doutor, sendo que 12 represen-tam o meio acadêmico; nove, os ministérios; e seis, asorganizações da sociedade civil em áreas como meioambiente, agricultura familiar e defesa do consumidor.A comissão se reúne uma vez por mês em Brasília.

Além da CTNBio, a lei criou o Conselho Na-cional de Biossegurança (CNBS), que é formado por

2 Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Mu-lheres Camponesas (MMC), Movimentos dos Atingidos por Barragem (MAB),Pastoral da Juventude Rural e Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil.

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11 ministros. O conselho pode decidir sobre ostransgênicos sempre que considerar necessária a reali-zação de avaliações de impacto socioeconômico ouquando houver divergência técnica entre a CTNBio eos órgãos governamentais de registro e fiscalização,como o Instituto Brasileiro Meio Ambiente (Ibama),ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e a AgênciaNacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada aoMinistério da Saúde.

E por que a CTNBio é tão controversa?

Na prática ela não tem funcionado como umacomissão de biossegurança, ou seja, que avalia os riscosdos organismos transgênicos antes de liberá-los. Tanto éque recentemente liberou duas variedades de milho semmesmo ter protocolos internos para análise de riscos. Temsido mais uma comissão de tecnólogos que trabalham deforma reducionista. A maior parte de seus membros nãotem o cuidado de utilizar um enfoque global de análise.Olham apenas para genes e proteínas isoladamente e nãopara a interação das plantas transgênicas com o ecos-sistema como um todo.

A CTNBio tem um pecado original. Ostecnólogos são maioria, e muitos deles desenvolvemtransgênicos. Por essa razão, a comissão não tem umenfoque sistêmico e uma visão crítica. Vou dar um exem-plo: houve uma ocasião em que se contestou a persistên-cia do [herbicida] Roundup no meio ambiente, mas mui-tos componentes da comissão disseram que essa questãonão cabe à CTNBio, mas sim à Anvisa. Esse tipo de avali-ação reducionista é incapaz de abordar a relação diretaentre o uso do da soja transgênica em questão e o proble-ma do herbicida. Ocorre que essa variedade transgênicafoi desenvolvida exatamente para resistir ao herbicida esuas sementes são compradas em sistema de venda casadacom o Roundup. Portanto, o uso dessas sementes implicano aumento do uso do herbicida.

Nós buscamos fazer uma leitura crítica dos pe-didos de liberação, apontando as questões que devemconstar da análise de impacto, uma vez que é nosso papelfazer cumprir o princípio da precaução.

Há também um problema de falta de democracianessa comissão. Anteriormente, a aprovação de qualquerliberação comercial de variedades transgênicas só era reali-zada com votos da maioria absoluta dos membros, ou seja,18 votos em 27. Recentemente, sob forte pressão das em-presas, o Congresso Nacional alterou essa regra, de modo afacilitar as liberações. Agora, com apenas 14 votos pode-seaprovar a liberação comercial de um transgênico.

A decisão da comissão contra a realização deaudiência pública para o debate sobre a liberação do milhotransgênico é outro exemplo da falta de democracia e trans-parência na CTNBio. A audiência só ocorreu porque asONGs reclamaram na Justiça e garantiram esse direito.Em outra oportunidade, alguns membros da comissão seopuseram à presença de representante do Ministério Pú-blico Federal nas reuniões. Outros ainda se negaram a as-sinar um termo de declaração de conflitos de interesses,onde constaria se tinham ou não ligações com empresasdo setor da biotecnologia

Seu Ademir, como sua lavoura de soja orgânicafoi contaminada na última safra?

Plantei soja em duas etapas para dividir o tra-balho. A colheita da segunda etapa foi na mesma épocado que a colheita dos campos de soja transgênica dosmeus vizinhos. A colheitadeira veio para a minha área apóscolher nas dos vizinhos. Embora tenha sido feita a limpezada máquina, como é exigido, isso não foi suficiente paraimpedir a contaminação. A soja plantada na primeira eta-pa foi colhida com a mesma máquina 15 dias antes e nãodeu nada de contaminação.

Anteriormente, aaprovação de

qualquer liberaçãocomercial de variedades

transgênicas só era realizadacom votos da maioria absolutados membros, ou seja, 18 votosem 27. Recentemente, sob fortepressão das empresas, oCongresso Nacional alterou essaregra, de modo a facilitar asliberações. Agora, com apenas 14votos pode-se aprovar a liberaçãocomercial de um transgênico.

Presidente da CTNBio, Walter Colli, presencia a manifesta-ção contrária aos procedimentos da comissão

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E como o senhor descobriu que sua soja orgânicaestava contaminada?

Após a colheita, levei a soja para a EmpresaGebana, que exporta soja orgânica. A empresa fez o testeque acusou a contaminação. Embora sendo pequena,menos de 1%, o produto foi classificado como convencio-nal, pois a certificação orgânica não permite nada de con-taminação.

Qual foi o prejuízo que o senhor teve com essacontaminação?

Em vez de receber R$ 40,00 por cada uma das150 sacas de soja orgânica, recebi apenas R$ 28,00. Maspior do que o prejuízo financeiro foi o tempo e o trabalhoque investi para converter minha área para o sistema orgâ-nico, que é uma forma de produção que eu acredito. Ago-ra é que eu ia começar a ter mais retorno. No meu sistema,a produção orgânica exige muita mão-de-obra. No trans-gênico só se utilizam agrotóxicos e mecanização. Esse é omaior problema hoje e por isso as pessoas não queremfazer o orgânico.

Professor Nodari, as empresas de biotecnologia emuitos governos dizem que a criação de regras decoexistência pode ser uma solução para oproblema da contaminação. O que se entende porcoexistência?

Há diferentes interpretações. Na União Eu-ropéia, fala-se de coexistência entre sistemas de pro-dução. Mas devemos lembrar que o tipo de semente éapenas um dos componentes do sistema e, na verdade,a coexistência deve levar em conta também os diferen-tes tipos de variedades.

Outro ponto importante é a necessidade de defi-nir se a coexistência é com ou sem contaminação. No casode se aceitar contaminação genética por transgenes, deveser fixado um valor máximo permitido. Na Europa a normade coexistência está sendo construída com base nos siste-mas de produção e com contaminação de até 0,9%. Essa

porcentagem deve valer inclusive para os alimentos orgâni-cos. Alternativamente, o objetivo das normas de coexistên-cia poderia prever zero de contaminação.

O sucesso na implementação de um planode coexistência depende de vários princípios e estraté-gias. Aí entra a importância da transparência das deci-sões com base científica e da participação pública nasdecisões. É também importante a adoção de estratégi-as caso a caso, específicas para cada espécie, respei-tando a liberdade de escolha dos agricultores, com ga-rantia da cooperação e acordos voluntários entre agri-cultores, além da exigência de que o produtor declarea seus vizinhos a intenção de plantar a sementetransgênica.

Assim, um regime de coexistência, para sereficaz, deve conter: objetivos (exemplo: não aceitarcontaminação por transgenes); princípios; responsa-bilidades de cada parte; medidas de controle das dife-rentes formas de dispersão dos transgene; medidas eestratégias para alcançar os objetivos; especificaçãodos tipos de danos a serem compensados no caso decontaminação por transgenes; plano de monitoramentopara avaliar a eficácia das medidas; além de um marcolegal sobre coexistência de diferentes tipos variedadesem diferentes sistemas de cultivo.

Contudo, essa definição deve ser mais am-pla, envolvendo a coexistência entre variedades, siste-mas de produção e os produtos obtidos, não só entreos sistemas de produção, pois uma mesma variedadepode ser cultivada no modelo convencional ou no or-gânico. Por exemplo, nossa lei de agricultura orgânicafala em “zero” de contaminação por transgênicos.

Diante desse contexto, e das normas brasi-leiras, a coexistência, entendida como o convívio entrevariedades sem contaminação por transgenes, pode ser defi-

Militantes da Via Campesina ocupam campo experimental daSyngenta

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Manifestação pública durante a Festa da Semente da Paixãona Paraíba

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nida como: Um conjunto de medidas que garantam aosagricultores, de um lado, a escolha e o direito de produzirdiferentes variedades sem a contaminação por transgenes,bem como utilizar sistemas agrícolas sem violar suas normasde produção. De outro, a rastreabilidade e a segregação emtoda a cadeia produtiva, respeitando os direitos constituci-onalmente garantidos e as normas legais em matéria de pro-dução e de rotulagem.

E o que se pode esperar de uma regra de coexis-tência?

Existem dois grandes desafios: um deles é a pró-pria definição do plano de coexistência e a garantia de queele será cumprido pelos agricultores. Dependendo do ob-jetivo e dos demais componentes do plano de coexistên-cia, podemos esperar uma maior ou menor taxa de conta-minação. Outro desafio é que, para a maioria dos cientis-tas, a coexistência sem contaminação por transgenes éimpossível, pois a troca de genes pode se dar com apolinização cruzada ou pela movimentação e mistura desementes, pelo fato de não haver barreiras eficientes.

Adão Pretto, para os camponeses, quais são osdesafios no Congresso Nacional em relação à lutacontra os transgênicos e à soberania sobre assementes?

A questão dos transgênicos no CongressoNacional representa uma luta desigual. A maioria dosdeputados e senadores defende a transgenia, por vári-os motivos. Um deles é que grande parte desses parla-mentares que defendem os transgênicos foi eleita como patrocínio das multinacionais, principalmente daMonsanto. Agora, eles têm o dever, não de defender oseu eleitor, mas sim de atender a quem deu o dinheiropara fazer a campanha. Portanto, com essas pessoascomprometidas com essas multinacionais aqui no Con-gresso, a gente está em desvantagem. Não é à toa quejá foram liberados a soja transgênica, o algodãotransgênico e agora o milho transgênico. Lamentavel-mente, assim vai sucessivamente.

O projeto das multinacionais é ter o contro-le total das sementes, para que todas sejam trans-gênicas. Trigo, batata, feijão, enfim, tudo que é pro-duto. A gravidade do assunto é que nós, brasileiros,perdemos a soberania alimentar. Em audiências públi-cas aqui na Câmara dos Deputados, os defensores datransgenia já deixaram claro que vão punir os agricul-tores que guardam sementes. O projeto deles é que osagricultores tenham que comprar as sementes dasmultinacionais.

Além de pagar um preço altíssimo,os agricultores terão que continuarplantando o que as multinacionais de-terminarem. E, no momento que ti-

verem o controle de todas as semen-tes, as multinacionais vão começar aesterilizar as sementes. O agricultorplantará um ano e no ano seguinteaquela semente não nascerá mais, oque vai obrigar o agricultor a com-prar novamente. Vai chegar o dia emque eles determinarão o que nós ire-mos plantar e, conseqüentemente, oque vamos comer. Isso significa aperda da soberania alimentar. A gentetem que alertar o povo brasileiro daimportância de nós decretarmos guer-ra contra a semente transgênica edefender a semente crioula. Já temoscentenas de sementes recuperadas,como milho, feijão, vários produtos,e temos um grande perigo dessas se-mentes serem contaminadas. É umaverdadeira guerra.

Seu Ademir, o que o senhor fará agora sabendoque seus vizinhos continuarão produzindo sojatransgênica?

Bom, eu vou voltar a produzir grãosconvencionais e ter muito cuidado para não ter maiscontaminação. No convencional fica mais fácil porqueo nível de contaminação aceito é de até 1%. Mas aminha produção para consumo na família, como horta-liças, frutas, cereais, feijão e amendoim, continuarásendo orgânica.

Maria Rita, a suspensão da liberação do milhotransgênico foi uma vitória importante, mas quaissão os desafios daqui para frente?

O maior desafio é o problema da contamina-ção, porque ela é um dado biológico. Assim, uma vezliberado o milho transgênico, ela vai ocorrer. Como va-mos trabalhar para lidar com isso? Acho que é funda-mental a afirmação do modelo da Agroecologia emcontraposição a esse modelo dos transgênicos. Fui aoMéxico recentemente, que é o centro de origem domilho, e lá eles têm um problema sério de contamina-ção. Isso ocorreu por conta da importação do milhotransgênico dos Estados Unidos. O milho entrou comogrão, mas foi plantado. Eles criaram uma Frente Naci-onal em Defesa do Milho. Eles dizem que a melhor for-ma de proteger nossas sementes crioulas é plantá-las.A estratégia tem sido de disseminar o uso, a multipli-cação e a conservação das variedades de milho tradici-onal indígena, crioulo. É importante perceber que nãohá como separar a luta contra os transgênicos da afir-mação da Agroecologia como estratégia para a sobera-nia alimentar e o desenvolvimento sustentável.

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32 Agriculturas - v. 4 - no 3 - outubro de 2007

Emater/RS temincentivado, orien-tado e/ou acom-

panhado diversas experiências deresgate e disseminação de semen-tes crioulas baseadas na ação dosguardiões de sementes. Este artigoapresenta aquelas que vêm sendodesenvolvidas nos municípios deIbarama e Mampituba. Ambas asiniciativas inovam metodologica-mente e alcançam resultados ex-pressivos. Revelam, entre outrosaspectos, a necessidade de ajusteslocais aos métodos de promoção detrabalhos dessa natureza, sobretu-do ao considerar as diversidadessocioambientais dos contextos emque são desenvolvidos.

As duas experiências foram apresentadas e pre-miadas no Concurso Nacional de Sistematização de Expe-riências sobre Agroecologia e Agriculturas Alternativas,promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA) em 2004.

Contextos

O município de Mampituba está localizado namicrorregião de Torres, no litoral norte do Rio Grande doSul, numa região de mata atlântica que se diferencia doresto dos sistemas naturais do estado por estar abrigadados ventos frios do inverno pela Serra do Mar. Os agricul-tores familiares ocupam as encostas, que possuem

Câmbio de sementese seus guardiões:

experiências de conservação daagrobiodiversidade em dois municípios

do Rio Grande do SulSérgio Francisco Barchet, Luís Bohn, Telma Naiara Pereira Valim Ribeiro e

Giovane Ronaldo Rigon Vielmo

declividade média de 20%, e os vales das microbacias. Aspropriedades desses agricultores têm, como padrão geralde distribuição, 32% da área destinada para o cultivo dabanana, 21% para potreiros e mais de 12% para as planta-ções de arroz. As demais áreas possuem mata nativa, ca-poeira, reflorestamento e culturas como milho, aipim,cana-de-açúcar, fumo, frutíferas, feijão, hortigranjeiros,açudes, tomate, maracujá, batata-doce e café.

A composição das famílias rurais do municípiocaracteriza-se pela presença significativa de jovens quemanifestam interesse em permanecer no meio rural. Sãogrupos com muitos elos familiares, que herdaram da tradi-ção cultural dos índios carijós que habitavam a região aprática de cultivo diversificado, que abriga nos sistemasde produção várias espécies nativas.

O município de Ibarama situa-se na microrregiãoCentro-Serra, no Vale do Rio Pardo, e tem sua economiabaseada na agropecuária. Possui 197,7 km² e uma popu-lação total de 4.454 pessoas, das quais 3.498 estão nomeio rural.

O tamanho médio das propriedades é de 23hectares, nas quais predominam as culturas de milho, fumo,feijão, fruticultura e hortigranjeiros, produzidas por agri-cultores familiares. No caso do milho, a área total planta-da é de 3,5 mil hectares, cultivados em cerca de mil esta-belecimentos rurais. A área utilizada com sementes criou-las abrange, atualmente, em torno de 1,4 mil hectares quesão cultivados por aproximadamente 650 famílias.

O câmbio de sementes emMampituba

A metodologia do câmbio de sementes vemsendo colocada em prática em Mampituba desde 2000,quando a Emater/RS promoveu um concurso sobre ashortas domésticas envolvendo participantes dos Clubesde Mães. Essa é uma iniciativa voltada para a identificação

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das práticas tradicionais nas comunidades, habituadas acultivar, se alimentar e intercambiar sementes com pesso-as do seu círculo de conveniência.

Desde então os trabalhos vêm sendo desenvol-vidos em parceria com a Prefeitura Municipal, o ConselhoMunicipal de Clube de Mães (que articula 10 Clubes deMães) e 33 grupos de vizinhança articulados pelo Movi-mento dos Pequenos Agricultores (MPA). Essa iniciativadesenvolve-se como parte do Projeto Alimentação, quetem como objetivo a promoção da segurança alimentar eda produção agroindustrial, tendo como princípio o fatode que a alimentação equilibrada, rica e diversificada é abase para a vida saudável.

O câmbio de sementes consiste na troca deplantas alimentícias cultivadas pelas famílias envolvidas.As práticas adotadas são: registro das pessoas, designa-das como guardiões, e das sementes, mudas ou tubércu-los das espécies cultivadas; coleta, registro e organizaçãodas informações sobre o cultivo dessas plantas, o consu-mo alimentar, a forma de preparo, bem como as formas dearmazenamento; e desenvolvimento de atividades que fa-cilitem as trocas de experiências e das plantas e sementesentre as famílias. As ações são realizadas diretamente nashortas domésticas, pomares e roças.

O processo tem se mostrado eficaz no sentidode preservar e multiplicar grande diversidade de espéciescultivadas e suas variedades, além de mobilizar um núme-ro expressivo de famílias agricultoras. Até o momento,estão envolvidas 172 famílias de 15 comunidades que res-gataram e vêm multiplicando cerca de 170 espécies.

Associado ao processo de conservação daagrobiodiversidade, esse trabalho tem promovido a diver-

sificação da alimentação das famílias, com o aumento con-siderável no consumo dessas espécies resgatadas. A in-tensificação dos intercâmbios permite também que o agri-cultor não seja induzido à prática da monocultura, quetraz perdas irreparáveis à biodiversidade, à cultura local e àsegurança alimentar e nutricional das famílias.

As trocas de informações entre os agricultorese destes com os técnicos criaram as condições para a rea-lização de um diagnóstico sobre a produção de alimentose as formas como são consumidos pelas famílias. O diag-nóstico identificou que muitos agricultores preservamhábitos antigos, tais como o cultivo segundo os mesmosmanejos empregados pelos seus antepassados de espéciese/ou variedades locais, distintas daquelas encontradas emlojas agropecuárias, e que permanecem sendo utilizadasem seus cardápios alimentares.

A coleta e distribuição de sementes e tubércu-los entre as participantes do Concurso de Hortas Domés-ticas, realizado em 2001, motivaram a elaboração da listados guardiões e a organização da coleção de sementes nomunicípio. Outras atividades foram sendo desencadeadasa partir desse processo, tais como as exposições das se-mentes e dos alimentos resgatados nas hortas domésticasna Festa do Colono, realizada na comunidade deCostãozinho, e na Feira da Cidadania, onde ocorreu a dis-tribuição de mudas e sementes. Esse trabalho foi apresen-tado na assembléia do Movimento dos Pequenos Agricul-tores (MPA), na comunidade do Rio de Dentro.

Em março de 2002, deu-se início à restituição eregistro das sementes trocadas. Cada agricultor que levouseus punhados de sementes para cultivar em suas proprie-dades fez seu inço, separando uma parte das sementes

Sr. Leonel Kluge, guardião de sementes crioulas. exibe espiga da variedade pichurum

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produzidas para realimentar o processo de câmbio, aodisponibilizá-las a outros interessados. São três os espa-ços principais onde esses câmbios ocorrem: no própriocírculo de convivência dos participantes, da forma como atroca tradicionalmente se dá e, por essa razão, foi a moda-lidade mais incentivada e praticada; nos encontros e nosClubes de Mães; e no escritório municipal da Emater/RS,onde se faz o controle do fluxo, o que permite o registrode dados para definição de indicadores, acompanhamen-to e avaliações do trabalho realizado. Essa combinação deestratégias tem permitido a constituição de estoques desementes nas famílias guardiãs e no escritório municipalda Emater/RS.

A continuidade do Concurso de Hortas Domés-ticas, que desde 2002 passaram ser denominadas hortões,foi um fator fundamental na manutenção do processo. Afase de inscrições dos concorrentes, a distribuição de ma-terial informativo, a troca de informações e mudas nasreuniões dos Clubes de Mães e as visitas aos hortões paraavaliação integram o conjunto de atividades voltadas paraincentivar o câmbio de sementes.

Para atender às necessidades e preferências decultivo das famílias participantes dos concursos, a Emater/RS monta e distribui kits com as sementes das espécies evariedades estocadas. É por meio desse mecanismo quevem sendo garantida a multiplicação de algumas espéciesem risco de extinção na região.

A irradiação e o amadurecimento do trabalholevaram os participantes a repensar a estratégia utilizada ea incorporar novas práticas, tais como:

• A identificação das misturas de feijões coloridosadotadas nos plantios. Algumas comunidades e fa-mílias empregam misturas típicas, a exemplo da co-munidade do Alto Rio de Dentro, que possui varie-

dades de feijões com grãos pequenos e que apresen-tam pelo menos cinco cores diferentes. Embora avariedade chiquinha seja a menos empregada nasmisturas, ela exerce um papel estratégico por ser aque melhor produz em situação de estiagem.

• A sistematização de receitas e informações de ori-gem popular e acadêmica, como forma de apro-fundamento dos conhecimentos sobre o uso alimen-tar de plantas utilizadas tradicionalmente.

• A organização das receitas, informações nutricionais,botânicas e culturais das plantas no formato de livretodistribuído nos Clubes de Mães, nas entidades munici-pais e em meio aos guardiões das sementes.

As 15 comunidades diretamente envolvidas nocâmbio de sementes mantêm e conservam 170 varieda-des de diferentes espécies cultivadas, com destaque paraas de feijão (51), milho (19) e cucurbitáceas (31). Asfamílias que participam dessas ações têm aumentado seusníveis de autonomia tecnológica ao prescindirem da aqui-sição anual de sementes para manter sua produção.

Cumpre assinalar que a participação efetivados agricultores durante a orientação e condução da ini-ciativa é que a torna um processo emancipatório. Essetrabalho contribuiu para que o volume da produção ali-mentar consumida localmente tenha aumentado signifi-cativamente, fazendo com que o município passasse deimportador a exportador de alimentos. Além disso, sendoum dos municípios mais pobres do estado, o trabalhoteve importante papel na queda dos níveis desnutrição ede mortalidade infantil. Entre outras evidências dessesimpactos positivos, destaca-se a redução em 70% dosatendimentos no posto de saúde local. Essas foram asrazões pelas quais a experiência foi apresentada como re-ferência nos debates da III Conferência Nacional de Segu-

rança Alimentar, em julho de 2007.

Guardiões dassementes no resgatedo milho crioulo emIbarama

As ações em Ibaramacomeçaram em 1998, com a iden-tificação de agricultores que man-tinham o uso de sementes de mi-lho crioulo no município. Combase nesse primeiro núcleo de agri-cultores, deu-se início a um pro-cesso de seleção e multiplicaçãode sementes em dez comunidadesrurais. Essa iniciativa foi con-duzida de forma a favorecer os pró-prios agricultores a atuarem comoDiversidade resgatada em Mampituba

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Agriculturas - v. 4 - no 3 - outubro de 2007 35

Sérgio Francisco Barchet, Luís Bohn eTelma Naiara Pereira Valim Ribeiro

técnicos de campo da Emater/RS, [email protected]

Giovane Vielmoextensionista rural, chefe do escritório municipal da

Emater/RS, [email protected]

Artesanato com palha de milho crioulo

difusores e multiplicadores desses ma-teriais junto aos seus vizinhos.

Em 2002, com o crescimen-to do trabalho, foi organizado o Diada Troca de Sementes Crioulas. Nes-sa ocasião os agricultores levaram suassementes e efetuaram a troca entreeles e a venda direta aos participantesque tinham interesse em semear varie-dades de milho crioulo. Também fi-cou acertado que o evento passaria aocorrer todos os anos, sempre no mêsde agosto.

Em sua quinta edição, em2006, promoveu-se um amplo debatecom a participação de diversas entida-des que desenvolvem ações e pesqui-sas orientadas ao uso e preservação desementes crioulas. Nos depoimentos depesquisadores e extensionistas rurais,foram expostas as atividades que atu-almente são executadas para proteger, preservar e multi-plicar o patrimônio genético local e regional. Nessa opor-tunidade, contamos com as presenças de representantesda Embrapa Clima Temperado, do Centro de Apoio aoPequeno Agricultor (Capa), de Sindicatos dos Trabalha-dores Rurais (STRs), de Secretarias Municipais de Agri-cultura, entre outras.

Vale ressaltar que os depoimentos dos guardiõesdas sementes no evento foram de grande importância nosdebates, na medida em que eles reafirmaram seus papéisna arte de preservar a biodiversidade agrícola, assim comoderam o testemunho sobre as vantagens da manutençãoDe fato, o emprego dessas sementes crioulas tem possibi-litado aos agricultores familiares a redução dos custos daslavouras, a diminuição significativa do uso de agro-químicos e o aumento da renda, por meio da comercia-lização de sementes para outros agricultores e para a redede comércio local e regional, que também passou a ofere-cer o insumo.

Com o envolvimento de 75 famílias rurais, foiconstituído o grupo de Guardiões das Sementes Crioulasdo município. Esse grupo é responsável pela gestão dobanco de sementes, com 23 cultivares de milho crioulo.Com essa estratégia, o emprego de sementes de milhohíbrido utilizado no município caiu de mais de 90% – cujatotalidade é produzida fora de Ibarama – para menos de50% do volume total.

A sensibilização dos agricultores sobre a im-portância do milho crioulo para os sistemas agroecológicosde produção foi um dos elementos que mais deu consis-tência à iniciativa no município e aglutinou os grupos emtorno a esse trabalho. Além disso, os agricultores partici-param de intercâmbios técnicos com os extensionistasrurais e assim aperfeiçoaram seus processos de produçãode sementes de milho.

Além de atuar no apoio à organização dosgrupos dos agricultores, o STR colabora na comer-cialização das sementes e disponibiliza espaço físico emsua sede para armazenamento do material destinado àvenda. A Embrapa Clima Temperado tem contribuídocom a realização de ensaios de cultivares que contem-plam a diversidade dos materiais resgatados, bem comodando apoio técnico aos eventos. A Prefeitura Munici-pal, por meio da Secretaria da Agricultura, auxilia aEmater/RS nas visitas aos agricultores, disponibilizalocal para a realização dos Dias da Troca e colabora noprocesso de identificação de novos agricultores que pre-servam cultivares de milho crioulo.

Em 2006, Ibarama também recebeu a primei-ra Festa Estadual do Milho Crioulo, atividade que foiincluída no calendário oficial de eventos do município edo estado do Rio Grande do Sul. Desde 2007, o Dia daTroca passou a ser descentralizado, devendo acontecerem distintos municípios da região Centro-Serra, comoestratégia para promover a expansão horizontal e obtermaior divulgação da experiência que vem sendoconduzida pelos agricultores, em parceria com as enti-dades e instituições locais.

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ovimentos sociaise organizaçõesn ã o - g o v e r n a -

mentais têm fomentado estratégiaspara a redução de custos produtivose o aumento da segurança alimentardos agricultores familiares. Para tan-to, promovem o uso sustentável daagrobiodiversidade local e o intercâm-bio dos recursos genéticos dentro eentre comunidades.

Em Santa Catarina, a Associação de PequenosAgricultores do Oeste de Santa Catarina (Apaco) e o Cen-tro Vianei de Educação Popular de Lages iniciaram umtrabalho de resgate das sementes crioulas e contribuírampara que a discussão e mobilização pela autonomia naprodução de sementes e a Agroecologia se difundissemem todo o estado (Canci, 2002).

Na mesorregião do oeste catarinense, especial-mente no município de Anchieta, esse trabalho obteverepercussão nacional. A partir de 1996, o Sindicato dosTrabalhadores na Agricultura Familiar de Anchieta(Sintraf/Anchieta), com apoio da Prefeitura Municipal ede algumas ONGs promoveram ações de fomento ao res-gate, uso e conservação de variedades locais de diversasespécies, especialmente o milho.

A agricultura na região é baseada em sistemasfamiliares fortemente atrelados às cadeias agroindustriaisde suínos, aves e, mais recentemente, de bovinos de leite.Por ser empregado como componente essencial no ar-raçoamento animal, o milho exerce função econômica es-tratégica nesses sistemas. As dificuldades de acesso aospacotes tecnológicos, a dependência em relação às agro-indústrias, os baixos rendimentos econômicos e as cons-

Uso e manejo devariedades

locais de milho em Anchieta (SC)Gilcimar Adriano Vogt

Ivan José Canci eAdriano Canci

tantes crises no setor de carnes fizeram com que algunsagricultores assumissem uma postura crítica frente a essemodelo. A partir de então, passaram a ajustar seus siste-mas de produção, buscando construir crescentes níveis deautonomia técnica e econômica. Foi nesse contexto queo trabalho de revalorização das variedades crioulas ganhourelevância.

As primeiras iniciativas do Sintraf/Anchieta

Os trabalhos iniciaram-se em 1996 com a re-alização de cursos teóricos e práticos, seminários, ex-cursões, encontros e reuniões. Aos poucos, a propostade resgate das sementes crioulas foi sendo encampadapelos movimentos sociais do campo e por outras orga-nizações de agricultores. Em 1997, com o processoque levou à elaboração do Planejamento EstratégicoParticipativo do Meio Rural de Anchieta, foi lançadooficialmente o Programa Municipal de Produção Pró-pria de Sementes.

O programa teve início com a implantação deáreas de produção de sementes, optando-se primeiramen-te por trabalhar com cruzamento entre cultivares híbridoscomerciais. Essas áreas foram implantadas por 18 gruposcomunitários organizados em 14 comunidades do municí-pio e envolveram 118 famílias. Os grupos eram coordena-dos pelos próprios agricultores e assessorados pelo técni-co em agropecuária Adriano Canci.

Simultaneamente ao trabalho de produção desementes, durante os anos de 1997 e 1998 foram iden-tificadas e resgatadas sete variedades locais de milho: ama-relão, cunha, palha roxa, asteca, mato grosso palha bran-ca, branco e cateto. Com essas variedades, além das qua-tro adquiridas junto ao Centro Vianei de Educação Popu-lar (variedades pixurum 01, 04, 05 e 06), foram abando-nadas as práticas de cruzamentos entre híbridos. O traba-

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lho então passou a ser orientado prioritariamente para omanejo das variedades crioulas.

Juntamente com o trabalho de identificação eresgate de sementes locais, foram conduzidas no municí-pio algumas ações orientadas para o resgate dos conheci-mentos tradicionais e o levantando de informações sobreos aspectos culturais relacionados ao uso e manejo dessasvariedades.

Outras comunidades aderiram ao programa nosanos seguintes, executando atividades em grupo para oplantio de campos de produção de sementes; o resgate devariedades crioulas; o desenvolvimento de variedades com-postas e novas variedades; a implantação de ensaios e uni-dades de observação; e a redistribuição de sementes entreos agricultores.

As festas e feiras das sementescrioulas

Uma estratégia que deu grande destaque e visi-bilidade à Capital Catarinense do Milho Crioulo – títuloconcedido ao município pela Assembléia Legislativa deSanta Catarina por meio do Projeto de Lei nº 446/1999 –foi a criação das festas e feiras municipais de sementes,realizadas bianualmente e atualmente em sua quarta edi-ção. A proposta surgiu em 2000, ano da 1ª Festa Estadualdo Milho Crioulo, e teve como objetivo proporcionar ointercâmbio de sementes e conhecimentos locais entre os

agricultores da região. O evento foi promovido peloSintraf/Anchieta em parceria com o Movimento dos Pe-quenos Agricultores (MPA) e a Prefeitura Municipal, con-tando com a participação de 5 mil pessoas.

Em função do sucesso da Festa Estadual e coma consciência da necessidade de propagar a viabilidade

Cartaz de divulgação da mais recente edição da Festa Nacio-nal das Sementes Crioulas realizada bianualmente emAnchieta (SC)

Lavoura com variedade local de milho em Guaraciaba (SC)

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técnica, econômica, ambiental e social das sementes criou-las, os organizadores passaram a articular as festas seguin-tes de forma que elas tivessem abrangência nacional. Aprimeira Festa Nacional do Milho Crioulo foi realizada em2002 e contou com o apoio da AS-PTA e de organizaçõesda Via Campesina na sua promoção. Nessa oportunidade,foram montadas 63 bancas e expostas 943 variedades dediversas espécies, sendo 228 delas apenas de milho. Esti-veram presentes cerca de 15 mil pessoas de 20 estadosbrasileiros. O evento se repetiu em 2004 e obteve o mes-mo impacto dos anos anteriores.

As festas vêm contribuindo bastante para revi-gorar o movimento em defesa das sementes crioulas, re-forçando o caráter político desse trabalho ao articulá-lo àluta pela soberania alimentar e pela autonomia tecnológicados camponeses.

Diversificando as estratégias dotrabalho no município

A Associação dos Pequenos Agricultores Pro-dutores de Milho Crioulo Orgânico e Derivados (Asso) foi

constituída legalmente em 2002 no município deAnchieta, com o objetivo de resgatar e multipli-car as sementes crioulas, produzir alimentos or-gânicos e organizar a industrialização e a co-mercialização do milho.

Com o estabelecimento desses novosrumos e visando a difusão das ações realizadas,firmou-se parceria com a Universidade Federal deSanta Catarina (UFSC). O objetivo inicial, elabo-rado pelo Sintraf/Anchieta, MPA e Asso, era re-alizar um trabalho de identificação e estudo dadiversidade de espécies e variedades locais pre-sentes no município, com o intuito de diagnosti-car as potencialidades e limitações para o uso, omanejo e a conservação da agrobiodiversidade.

O diagnóstico foi realizado em 2003 eidentificou que 43% dos agricultores do município culti-vavam uma ou mais variedades locais de milho (Vogt,2005). Esse resultado revelou um aumento substantivono número de estabelecimentos com esse perfil desdequando foram iniciadas as atividades de fomento ao uso eresgate da agrobiodiversidade local, em 1996. Naqueleano, apenas 5% das propriedades mantinham sementespróprias (Canci, 2002). O diagnóstico identificou tam-bém que mais de 22 variedades locais de milho crioulovinham sendo empregadas nas unidades produtivas fami-liares de Anchieta (ver mapa).

Dentre as motivações apresentadas pelos agri-cultores para a manutenção das variedades locais, desta-cam-se os aspectos culturais, ou seja, várias delas sãocultivadas por uma questão de sabor, tradição ou beleza.Contudo, a maioria delas permanece sendo cultivada porrazões relacionadas ao desempenho técnico e econômicodos sistemas. Redução dos custos de produção; adapta-ção às condições de manejo e clima; maior rendimento degrãos; maior presença de grãos duros; ou característicasdesejáveis para o uso na alimentação humana ou animalsão alguns dos argumentos utilizados para justificar o uso

das sementes crioulas. O diagnóstico identifi-cou ainda que as características desejáveis vari-am de agricultor(a) para agricultor(a), segundoo gênero, a idade e o grupo étnico e social a quepertence.

O milho produzido com as sementescrioulas é voltado quase que exclusivamente paraatender às necessidades na propriedade, princi-palmente na forma de grãos para a alimentaçãoanimal. Algumas variedades são utilizadas paraconsumo humano, na forma de farinha, canjica emilho verde. Apenas o excedente é comercializadopara cooperativas que o destinam para a produ-ção de rações. Nesse caso o milho é vendido semnenhum tipo de diferenciação por sua qualidadeorgânica. Mas há também alguns agricultores quevêm comercializando os grãos de maneira dife-renciada para a agroindústria local de produção

Preparo das áreas com tração animal para cultivo de variedades locais demilho em Anchieta (SC)

Colheita e seleção de espigas de variedades locais de milho emGuaraciaba (SC)

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Agriculturas - v. 4 - no 3 - outubro de 2007 39

Referências bibliográficasCANCI, A. Sementes Crioulas: construindo sobe-

rania na mão do agricultor, a experiência deAnchieta (SC). São Miguel do Oeste: Mclee,2002. 161 p.

CANCI, I. J. Relações dos sistemas informais deconhecimento no manejo da agrobio-diversidade no oeste de Santa Catarina. 2006.191f. Dissertação (Mestrado) – UniversidadeFederal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.

VOGT, G.A. A dinâmica do uso e manejo de vari-edades locais de milho em propriedades agrí-colas familiares. 2005. Dissertação (Mestrado)– Florianópolis. 102 p.

Gilcimar Adriano Vogtengenheiro agrônomo, M.Sc., pesquisador do Centro de

Pesquisa para Agricultura Familiar da Empresa dePesquisa Agropecuária e Extensão Rural

de Santa Catarina (Epagri/Cepaf)[email protected]

Ivan José Canciengenheiro agrônomo, M.Sc., extensionista da Epagri –

escritório municipal de Anchieta/SC

Adriano Cancitécnico agrícola, extensionista do Microbacias 2 –

escritório municipal de Guaraciaba /SC

de farinha de milho. Recentemente a Asso adquiriu ummoinho de pedra para processar o milho e comercializarlocal e regionalmente a farinha sob a marca Tradição Cri-oula. Estuda também a fabricação de biscoitos orgâni-cos. Alguns ainda vendem sementes de milho diretamenteao Sintraf/Anchieta, que atua como importante fonte pri-mária de sementes crioulas para os agricultores do municí-pio e região.

Um processo em crescimento

Passados dez anos desde o início do trabalhono município, pode-se avaliar que as estratégias de orga-nização comunitária, mobilização e sensibilização ado-tadas pelo Sintraf/Anchieta mostraram-se eficientes. Atu-almente as variedades locais de milho vêm sendo cultiva-das na maioria das comunidades e em grande parte dosestabelecimentos agrícolas do município, contrastandocom a realidade anterior, na qual as famílias agricultorasestavam submetidas à grande dependência das sementescomerciais. O sistema local de intercâmbio informal desementes e mudas foi fortalecido, garantindo a reprodu-ção das variedades de milho e de outras culturas pelascomunidades (Canci, 2006).

Além disso, a organização dos agricultores deAnchieta e a sua luta em defesa da agrobiodiversidadetêm inspirado o surgimento de diversos movimentos devalorização das sementes crioulas no estado, como é ocaso de alguns municípios da região oeste dentre os quaisGuaraciaba, São Lourenço do Oeste, Novo Horizonte ePalmitos e assim contribuído para a conservação daagrobiodiversidade e o fortalecimento da Agroecologia.

Distribuição geográfica das varie-dades locais de milho no municípiode Anchieta (SC)

Fonte: Vogt (2005).

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Publicações

Biodiversidade e agri-cultores: fortalecendo omanejo comunitárioDE BOEF, Walter Simon;THIJSSEN, Marja Helen;OGLIARI, Juliana Bernardi;STHAPIT, Bhuwon R.(Org.). Porto Alegre:L&PM, 2007. 271 p.

O livro apresenta um con-junto bastante diversifica-do de projetos que incenti-vam comunidades rurais a

desenvolverem ações voltadas para o manejo e a con-servação da biodiversidade agrícola em vários países.Com a participação efetiva de agricultores, estudan-tes, extensionistas e cientistas, as experiências sãodescritas e analisadas de forma a ressaltar os aspectosteóricos e as metodologias participativas adotadas. Abor-da também aspectos relacionados às políticas de âmbitonacional e internacional que interferem positiva ou nega-tivamente na conservação da agrobiodiversidade por co-munidades locais.

Uso e conservação da biodiversidadeGRUPO DE TRABALHO DE BIODIVERSIDADE DAARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA. Riode Janeiro, 2007. 70 p. (Caderno do II Encontro Nacio-nal de Agroecologia)

Traz o conjunto de experiências sistematizadas duranteo processo preparatório do II Encontro Nacional deAgroecologia apresentado como subsídio para os de-bates ocorridos no seminário sobre manejo dabiodiversidade. As experiências estão organizadas se-gundo os eixos temáticos que orientaram o seminário:sementes, plantas medicinais, sistemas agroflorestaise uso múltiplo da floresta. Apresenta também o con-junto de proposições de polít icas públicasconcernentes ao tema e propostas para a continuidadedas articulações da sociedade civil a serem promovidaspela ANA.

Semente da PaixãoPÓLO SINDICAL DA BORBOREMA; AS-PTA. Espe-rança (PB), 2004. (Vídeo documentário)

Por meio de depoimentos de agricultores e agricultorasvinculados à rede de bancos de sementes comunitári-os, organizada na região do agreste da Paraíba, o vídeoapresenta as estratégias adotadas pelas famílias agri-cultoras para criar e manter um sistema que lhes assegu-rasse o acesso a sementes em quantidade, em qualidadee na hora certa para o plantio. O documentário foi pro-duzido para subsidiar debates em comunidades ruraisinteressadas em iniciar ações semelhantes.

Cultivando diversidaden América Latina:experiencias locales decrianza y manejo de labiodiversidadPROYECTO CULTI-VANDO DIVERSIDAD;GRAIN; GRUPO SEMIL-LAS; REDES-AT. BuenosAires, 2005. 211 p.

Apresenta um conjuntode onze experiências la-tino-americanas de ma-

nejo da biodiversidade sistematizadas no quadro doprojeto Cultivando a Diversidade. O projeto é uma ini-ciativa destinada a criar espaços de reflexão e inter-câmbio de conhecimentos entre grupos e organizaçõesenvolvidas com a temática em países da América Lati-na, África e Ásia.

Biodiversidade: passado, presente e futuro.Centro Ecológico. Rio Grande do Sul, 2006. 85 p.

Reúne informações teóricas e práticas sobre resgate epreservação da agrobiodiversidade. Inicia tratando doconceito de agrobiodiversidade e suas implicações parao desenvolvimento da agricultura e a promoção da se-gurança e da soberania alimentar. Apresenta informa-ções importantes sobre a domesticação das espéciescultivadas e a evolução das variedades crioulas, relaci-onando-as com os métodos agroecológicos de manejoda agrobiodiversidade.

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Cartilhas da Articulação Nacional de Agroecologia

Semente Crioula é Legal: a nova legislação brasi-leira de sementesA produção de sementes registradas: a nova le-gislação brasileira de sementes e mudas O Grupo de Trabalho de Biodiversidade da Articula-ção Nacional de Agroecologia (GT-Biodiversidade/ANA) produziu recentemente duas cartilhas desti-nadas a organizações de base envolvidas em ações demanejo e conservação da agrobiodiversidade. O ob-jetivo é subsidiá-las em suas reflexões sobre as opor-tunidades e limitações colocadas pela nova legisla-ção brasileira de sementes e mudas (Lei 10.711/03),para que seus trabalhos sejam aprimorados e multi-plicados.O GT-Biodiversidade foi levado a se debruçar sobre osdetalhes dessa nova lei quando percebeu que haviagrupos que passaram a se deparar com dificuldadesimpostas por ela, ao mesmo tempo que outros passa-ram a se beneficiar com as novas possibilidades legais.Diante desse cenário contraditório, o GT encomen-dou um estudo aprofundado sobre o tema e produziuo texto “A nova legislação de sementes e mudas noBrasil e suas implicações sobre a agricultura familiar”,disponível na íntegra na página eletrônica da ANA<www.agroecologia.org.br>Avaliou-se que a legislação trouxe mudanças positi-vas que abriram caminho para a criação de novas polí-ticas públicas de fomento às ações de conservação daagrobiodiversidade e de apoio à agricultura familiarecológica. Entretanto, embora já tenhamos essas pos-

sibilidades previstasem lei, poucas pesso-as as conhecem outêm se aproveitadodelas em suas negoci-ações junto aos go-vernos dos municípi-os e dos estados. Paraque essas novas opor-tunidades sejam co-nhecidas e divulga-das, a ANA elaboroua cartilha Semente cri-oula é legal.

Porém, cumpre desta-car que, mesmo comavanços no que se re-fere à oficialização dassementes crioulas, asmudanças foram ex-tremamente negativaspara os grupos de agri-cultores que se dedi-cam à produção co-mercial de sementesregistradas. O novosistema de classifica-ção e controle de varie-dades registradas obriga os(as) produtores(as) de se-mentes a comprarem a cada cinco anos, no máximo,sementes básicas das empresas ou centros de pesqui-sa. Essa nova regra elimina a autonomia dos(as)produtores(as) de sementes, assim como aumenta sig-nificativamente os custos de produção e dificulta aprodução de sementes agroecológicas – uma vez queé necessário adquirir sementes básicas não-adaptadasao manejo agroecológico. Além dessas implicações deordem técnica, a lei criou um conjunto complexo decondicionantes burocráticos para a produção de se-mentes comerciais registradas, que praticamenteinviabiliza a atuação de organizações de pequeno por-te e com reduzida equipe. Esses temas são tratados deforma didática na cartilha A produção de sementesregistradas na nova legislação brasileira de sementes emudas.Além de esclarecer sobre as características da novalegislação, as cartilhas alertam para a recente mo-bilização das grandes empresas produtoras de semen-tes no sentido de propor ao Congresso Nacional umanova Lei de Cultivares mais restritiva do que a quevigora atualmente. A lei vigente preserva o direito mul-timilenar dos agricultores de reservarem suas semen-tes para uso próprio. Uma das mudanças pretendidaspelas empresas visa justamente eliminar o que deno-minam de “privilégio do agricultor”, ou seja, o direitode produzir suas próprias sementes.As cartilhas sobre a nova legislação de sementes emudas estão disponíveis na página eletrônica da ANA<www.agroecologia.org.br>

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www.grain.orgGrain é uma organização não-governamental internacio-nal que promove o uso e a gestão sustentável dabiodiversidade agrícola com base no controle social sobreos recursos genéticos e o conhecimento local. A institui-ção foi estabelecida no início dos anos 1990 e mantémcomo foco de ação uma das ameaças mais perversas àsegurança alimentar do mundo: a erosão genética. Paraela, isso significa mais do que a perda da diversidade ge-nética. É essencialmente uma erosão das opções para odesenvolvimento. Sua ação está fundada no trabalho emrede, na comunicação e nas atividades diárias de informa-ção. O site institucional contém notícias, informações epublicações em inglês, francês e espanhol. Disponibilizaainda o acesso à Seedling Grain’s, uma revista trimestralcom artigos, notícias e entrevistas relacionadas a semen-tes e segurança alimentar.

www.agroecologia.org.br

O GT-Biodiversidade da Articulação Nacional de Agro-ecologia (ANA) vem discutindo um leque amplo de ques-tões ligadas à conservação e ao uso dos recursos naturaise da biodiversidade, tais como: legislação sobre sementese mudas; acesso e manejo dos recursos florestais; manejoda caça; gestão e manejo da água; serviços ambientais;entre outros. No site, estão disponíveis os textos quenorteiam as questões internas à ANA, bem como as prin-cipais notícias referentes ao tema.

Kokopelli é uma organização sem fins lucrativos fun-dada em 1999 que tem como objetivo promover a pre-servação da biodiversidade por meio da distribuição desementes de hortaliças e grãos orgânicos. Com mais deseis mil membros, a Associação Kokopelli tem comoprincipais focos de ação a doação de sementes, a orga-nização de encontros e o estabelecimento de bancosde sementes. Em 2002, lançou a campanha Sementessem Fronteira, convidando seus membros a produzirsuas sementes para a troca com outros países carentesde boas sementes orgânicas. Nos últimos anos, a associ-ação realizou encontros na Índia, Sri Lanka, Nigéria,Senegal, Burkina Faso, México e Guatemala. Na maioriadesses países, foi responsável pela criação de bancos eredes de sementes. Na página, que também está dispo-nível em português, o usuário tem acesso a informa-ções sobre a coleção de sementes, que conta atual-mente com mais de 2,5 mil variedades ou espécies.

www.kokopelli-seeds.com

O que os agricultores e o Movimento Software Livre têmem comum? Aparentemente nada, mas ambos têm comoprincipal adversário o monopólio. Enquanto os militantesdo Movimento Software Livre lutam para que o códigoque produzem e utilizam seja de acesso irrestrito, os(as)agricultores(as) tentam fazer com que as espécies quecultivam há anos não se tornem de domínio exclusivo dastransnacionais. Agricultores(as) e programadores(as) hojelutam pela mesma causa: o conhecimento livre. A fim deaumentar o diálogo e a colaboração entre os dois grupos,constituiu-se, no VI Fórum Internacional de Software Li-vre, um Banco de Sementes Livres, cujo objetivo é ofere-cer sementes livres de modificação genética às comunida-des indígenas e quilombolas do Rio Grande do Sul. O Ban-co de Sementes Livres faz campanhas por meio de seu sitepara a arrecadação de sementes.

http://twiki.softwarelivre.org/bin/view/Sementes

Motivado inicialmente pela liberação ilegal da sojatransgênica em 1998 (posteriormente barrada na Justiça),um grupo de organizações da sociedade civil brasileira sejuntou para organizar uma campanha de esclarecimento so-bre as conseqüências que o uso dos transgênicos pode trazerpara a saúde, o meio ambiente e a economia do país. Atual-mente a campanha é composta por mais de 85 entidades detodo Brasil que representam consumidores(as), ambien-talistas, agricultores(as) e movimentos sociais do campo. Oobjetivo dessa rede é disseminar informações sobre os im-pactos e riscos dos transgênicos e, ao mesmo tempo, apoiara construção de um modelo mais sustentável de agriculturabaseado na Agroecologia. No site, encontram-se todos osboletins produzidos pela campanha, bem como textos, arti-gos e resultados de pesquisas sobre o uso de organismosgeneticamente modificados. Os interessados podem ainda secadastrar para receber o boletim semanal.

www.aspta.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=8

Páginas na internet

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Agriculturas - v. 4 - no 3 - outubro de 2007 43

Agroecologia em Rede

tidade de sementes até chegar à sua meta de plan-tio. Quando passa a depositar suas sementes no ban-co, pode negociar as variedades que deseja plantar.Uma comissão independente da associação comu-nitária é responsável pela gestão do banco, o que éconsiderado elemento-chave para seu sucesso. Ou-tro ponto a ser destacado é a enorme diversidade deespécies que caracteriza os cultivos na comunida-de. Em 2003, Zé Pequeno cedeu uma parte de seuterreno para a implementação de um campo de mul-tiplicação de sementes. Foram plantados 6 kg demilho pontinha, 6 kg de fava de orelha-de-vó, 3 kgde fava cara larga, 20 kg de feijão carioca e 15 kg defeijão preto pajeú. O banco hoje possui diversos si-los fabricados por seus sócios, com tamanhos dife-rentes para guardarem de maneira mais eficiente cadavariedade. A comunidade hoje reconhece a impor-tância do banco para a garantia da quantidade, qua-lidade, diversidade e disponibilidade das sementes.

O Banco Comunitário de Sementes deSão Tomé, no município de Alagoa Nova (PB), éresultado do trabalho e da necessidade da comuni-dade liderada por José Oliveira Luna, o Zé Peque-no. Desde garoto, ele aprendeu a importância deguardar sementes, uma vez que seu pai tinha silosque abasteciam a família e os vizinhos. Em 1974,quando se mudou para São Tomé, Zé Pequeno, emparceria com a Igreja, fundou o Banco Comunitáriode Sementes. A partir de 1975, a comunidade jápodia se auto-abastecer, o que acontece até hoje.O banco, que chegou a atender 150 famílias, conta-va em 2003 com 51, porque muitos agricultores en-tenderam que era melhor armazenar as sementesdentro da própria casa, deixando o banco para asfamílias mais necessitadas. Para participar do ban-co, o agricultor que pega a semente emprestada pelaprimeira vez leva 10 kg e, após a colheita, devolve15 kg. O sócio vai aumentando aos poucos a quan-

Banco comunitário de sementes:a experiência de São Tomé, Alagoa Nova

http://www.agroecologiaemrede.org.br/experiencias.php?experiencia=352

O Ministério do Planejamento, Orçamento eGestão aprovou a incorporação do programa Conserva-ção, Manejo e Uso Sustentável da Agrobiodiversidade noPlano Plurianual (PPA) 2008-2011. O PPA é o principalinstrumento de planejamento de médio prazo das açõesdo governo federal. Ele estabelece diretrizes e metas para odesenvolvimento nacional, orientando também a alocaçãodos recursos orçamentários da União.

Esse novo programa, também conhecidocomo Programa Nacional de Agrobiodiversidade, estáancorado no Ministério do Meio Ambiente, mas en-volve ações de três outros ministérios. O Grupo deTrabalho de Biodiversidade da Articulação Nacionalde Agroecologia (GT-Biodiversidade/ANA) atuouintensivamente na proposição, concepção e defesada proposta junto a diferentes organismos do gover-no federal. Para a ANA, o objetivo principal do pro-grama é fortalecer as iniciativas da sociedade civil e

do Estado na área de conservação e uso social daagrobiodiversidade. Além disso, visa estimular a cri-ação de novas experiências, bem como promover aarticulação entre elas por meio da formação de redesde intercâmbio que busquem favorecer o aprendiza-do mútuo entre as organizações e grupos e construircrescentes capacidades de articulação para influen-ciar as políticas públicas e os marcos legais queincidem sobre o tema.

Como a proposta ainda terá que ser deba-tida e referendada pelo Congresso Nacional, cabe àsorganizações da sociedade civil monitorarem a evo-lução das discussões sobre o programa para que elenão venha a ser descaracterizado, reduzido ou mes-mo eliminado do PPA.

Para se manter atualizado sobre as evolu-ções na implementação do programa acesse a a pági-na da ANA.

Programa Nacional de Agrobiodiversidadeé aprovado no Plano Plurianual

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Acesse: www.agriculturas.leisa.info

Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

Temas das revistas Leisa em 2008

Instruções para elaboração de artigosOs artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair ensinamentos que sirvam de ins-piração para grupos envolvidos com a promoção daAgroecologia. Os artigos devem ter até cinco laudas de2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Os textos

devem vir acompanhados de duas ou três ilustrações (fotos,desenhos, gráficos), com a indicação dos seus autores erespectivas legendas. Os(as) autores(as) devem informardados para facilitar o contato de pessoas interessadas naexperiência. Envie para [email protected].

A incidência de insetos-praga, doenças e plantas competi-doras nas lavouras costuma ser um dos principais proble-mas técnicos enfrentados pelos agricultores. Quando sur-gem de forma descontrolada, causam sérios danos, po-dendo mesmo frustrar a safra por completo. Para fazerfrente a esses organismos indesejados, a agricultura in-dustrial desenvolveu um verdadeiro arsenal de agrotóxicosdestinado a aniquilá-los. Entretanto, a disseminação glo-bal desse método, por meio da Revolução Verde, acarre-tou graves problemas ambientais, sociais, econômicos ede saúde pública. O emprego reiterado dessas substânciastem provocado o aumento da resistência dos organismosaos princípios tóxicos e o surgimento de novas espéciesconsideradas como pragas. Cria-se assim uma verdadeiracorrida contra a natureza, com a necessidade sistemáticade aumento da aplicação dos agrotóxicos e o desenvolvi-mento de produtos capazes de destruir as novas e maisseveras pragas. A essência do enfoque agroecológico vem

Manejo de organismos espontâneos na agricultura (v. 5, nº1)

na contracorrente, uma vez que não investe no combatedas populações de organismos espontâneos nos agro-ecossistemas, mas se orienta para conviver com elas. Essaestratégia parte do princípio de que o surgimento descon-trolado desses organismos é a expressão de desequilíbriosecológicos provocados pela extrema simplificação do am-biente natural. Em vez de enfrentar esse problema em suasraízes, o uso dos agrotóxicos o intensifica, criando as con-dições para que se agrave progressivamente. A primeiraedição do próximo ano da Revista Agriculturas (V. 5, N.1)publicará artigos que relatam as variadas estratégiasadotadas por agricultores e agricultoras e suas comunida-des para a restauração de equilíbrios ecológicos capazesde regular as populações de organismos espontâneos emsuas lavouras.

Data-limite para envio dos artigos:11 de fevereiro de 2008

Mercados para a agricultura familiar (v.5, nº 2)Data-limite para envio dos artigos:15 de abril de 2008 (Revista Agriculturas) • 01 de dezembro de 2007 (Revista Leisa Global)

Manejo do Solo (v.5, nº 3)Data-limite para envio dos artigos:15 de julho de 2008 (Revista Agriculturas) • 01 de março de 2008 (Revista Leisa Global)

Inclusão dos mais pobres (v.5, nº 4)Data-limite para envio dos artigos:15 de setembro de 2008 (Revista Agriculturas) • 01 de junho de 2008 (Revista Leisa Global)