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AGRESSÃO E VITIMIZAÇÃO NA ESCOLA E DEPRESSÃO ENTRE ADOLESCENTES: INVESTIGANDO RELAÇÕES CUNHA, Josafá Moreira – UFPR [email protected] Eixo Temático: Violências na escola. Agência Financiadora: O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil. Resumo Neste estudo investigou-se a relação entre a vitimização entre pares no contexto escolar e a presença de sinais de depressão entre adolescentes. Foi hipotetizado que a agressão e vitimização entre pares, aqui definidas como comportamentos agressivos, intencionais e negativos entre pares no contexto escolar, estariam significativamente associadas aos sinais de depressão dos participantes. Os participantes foram 849 estudantes do Ensino Fundamental e Médio (idade média = 14,3 anos; d.p.= 1,9) de quatro cidades brasileiras: Curitiba (PR), Goiânia (GO), Governador Valadares (MG) e Teresina (PI). Os participantes completaram as seguintes medidas: Escala de Agressão e Vitimização entre Pares e o Children’s Depression Inventory (CDI). Conforme a hipótese inicial, a relação da vitimização entre pares com o ajustamento psicossocial foi também suportada: os participantes envolvidos como vítimas ou agressores relataram escores mais altos no CDI. Destaca-se a elevada incidência de sinais de depressão entre os envolvidos como vítimas e agressoras, sendo que o percentual de participantes com sinais depressivos entre os não-envolvidos foi de 1,6%, aumentando para 6,6% entre o grupo de participantes que se destacaram como vítimas e chegando a 11% entre os agressores e vítimas-agressoras, sendo que a diferença na média de depressão entre os grupos é significativa (p<0,05). Os resultados enfatizam a relação entre a vitimização entre pares e o ajustamento psicossocial, sugerindo que a exposição aos fatores negativos da agressão e vitimização aumentaria significativamente o risco do desenvolvimento de sintomas depressivos, para as vítimas, agressores e especialmente para as vítimas-agressoras. Tais indicadores sugerem que a agressão e vitimização entre pares pode ser um possível sinais de alerta, também no que diz respeito à depressão na adolescência. Palavras-chave: Vitimização entre pares, Depressão, Bullying.

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AGRESSÃO E VITIMIZAÇÃO NA ESCOLA E DEPRESSÃO ENTRE ADOLESCENTES: INVESTIGANDO RELAÇÕES

CUNHA, Josafá Moreira – UFPR [email protected]

Eixo Temático: Violências na escola.

Agência Financiadora: O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil.

Resumo Neste estudo investigou-se a relação entre a vitimização entre pares no contexto escolar e a presença de sinais de depressão entre adolescentes. Foi hipotetizado que a agressão e vitimização entre pares, aqui definidas como comportamentos agressivos, intencionais e negativos entre pares no contexto escolar, estariam significativamente associadas aos sinais de depressão dos participantes. Os participantes foram 849 estudantes do Ensino Fundamental e Médio (idade média = 14,3 anos; d.p.= 1,9) de quatro cidades brasileiras: Curitiba (PR), Goiânia (GO), Governador Valadares (MG) e Teresina (PI). Os participantes completaram as seguintes medidas: Escala de Agressão e Vitimização entre Pares e o Children’s Depression Inventory (CDI). Conforme a hipótese inicial, a relação da vitimização entre pares com o ajustamento psicossocial foi também suportada: os participantes envolvidos como vítimas ou agressores relataram escores mais altos no CDI. Destaca-se a elevada incidência de sinais de depressão entre os envolvidos como vítimas e agressoras, sendo que o percentual de participantes com sinais depressivos entre os não-envolvidos foi de 1,6%, aumentando para 6,6% entre o grupo de participantes que se destacaram como vítimas e chegando a 11% entre os agressores e vítimas-agressoras, sendo que a diferença na média de depressão entre os grupos é significativa (p<0,05). Os resultados enfatizam a relação entre a vitimização entre pares e o ajustamento psicossocial, sugerindo que a exposição aos fatores negativos da agressão e vitimização aumentaria significativamente o risco do desenvolvimento de sintomas depressivos, para as vítimas, agressores e especialmente para as vítimas-agressoras. Tais indicadores sugerem que a agressão e vitimização entre pares pode ser um possível sinais de alerta, também no que diz respeito à depressão na adolescência.

Palavras-chave: Vitimização entre pares, Depressão, Bullying.

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Introdução

A violência escolar tem um impacto significativo no sistema educacional brasileiro

(SPOSITO, 2001), incluindo ataques contra a escola, funcionários, professores e estudantes. Um

estudo recente de CUNHA, WEBER, NOGUEIRA e RUSSEL (2009), adaptado a partir de uma

pesquisa conduzida nos Estados Unidos com mais de 200.000 estudantes (O'SHAUGHNESSY,

RUSSEL, HECK, CALHOUN & LAUB, 2004) indica que, em relação a dados de uma amostra

norte-americana, em que 60% dos estudantes relataram sentirem-se seguros em suas escolas, os

estudantes brasileiros relataram níveis notavelmente baixos de percepção de segurança: apenas

33% relataram sentir-se seguros em suas escolas.

Apesar da assunção comum de que a vitimização entre pares no espaço escolar, seja

normativa e inofensiva durante a infância e adolescência, pesquisas tem demonstrado que este é

um problema que pode causar danos severos ao bem estar dos estudantes (ESPELAGE &

SWEARER, 2003; NANSEL & cols., 2001), devendo ser considerado um grave problema de

saúde pública, tendo em vista suas consequências e custos para os estudantes envolvidos e para a

sociedade (FEDER, 2007). O principal foco da pesquisa sobre bullying escolar tem sido sua

prevalência, características dos agressores e vítimas e a avaliação de intervenções adotadas por

instituições escolares para prevenir ou reduzir o bullying (DEVOE, 2007). O presente trabalho

trata da relação entre os relatos de vitimização no espaço escolar e a presença de sinais de

depressão entre os envolvidos. Aqui definimos a vitimização entre pares no âmbito de

comportamentos agressivos, intencionais e negativos entre pares no contexto escolar.

Destaca-se a importância da prevenção de múltiplas formas de violência que não são

sequer consideradas como formas de agressão, de acordo com o senso comum, sendo que o

bullying escolar encaixa-se neste grupo de comportamentos subvalorizados por serem

considerados como normativos. Um estudo com adolescentes expostos a violência intensa e

frequente indica que existe relação entre esta experiência e sua percepção sobre a violência

interpessoal, que foi descrita por estes adolescentes como um comportamento aceitável, sendo

que apenas atos violentos que causem dano físico a outros são valorizados (GRAY, 2007). A

violência, seja na comunidade, na família ou na escola deve ser enfrentada em todas as suas

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formas. Neste contexto, a violência interpessoal no contexto escolar brasileiro tem sido objeto de

crescente atenção de pesquisadores (GONÇALVES & SPOSITO, 2002).

Em uma revisão da literatura brasileira sobre violência escolar, SPOSITO (2001) observa

que apenas na década de 80 surgem os primeiros estudos expressivos sobre o tema no Brasil,

sendo que, além disto, a maioria absoluta dos estudos disponíveis concentrava-se em casos locais,

além de abordar a violência de forma genérica, enfatizando a incidência de atos infracionais

extremos no ambiente escolar. Ao considerar a violência interpessoal nas escolas, percebe-se que

este assunto específico tem sido desconsiderado ou posto em um segundo plano de interesse,

recebendo atenção na literatura sobre violência nas escolas brasileiras apenas a partir dos anos 90.

A interação com pares desempenha um importante papel no desenvolvimento humano e,

em anos recentes, um aspecto deste tópico tem recebido grande atenção de pesquisadores em

diversos lugares do mundo: a agressão e vitimização entre pares, frequentemente denominada, na

literatura científica, como bullying. A produção científica internacional das duas últimas décadas

oferece diversos exemplos a respeito dos prejuízos para o bem-estar social, físico e psicológico

relacionados à agressão entre pares (KUMPULAINEN, RASANEN & HENTTONEN, 1999;

KUMPULAINEN & COLS., 1998; OLWEUS, 1993C; RIGBY, 2001), sendo que esta

repercussão não está restrita apenas a agressores e vítimas, atingindo também aqueles que

simplesmente assistem tais comportamentos (ESPELAGE & SWEARER, 2003; RIGBY, 2003).

Acompanhando a onda internacional de pesquisa sobre a agressão entre pares e, mais

especificamente, sobre o bullying escolar, a violência interpessoal passa a receber atenção

crescente de pesquisadores brasileiros na primeira década do século XXI, representada por

publicações recentes neste tópico (CUNHA & WEBER, 2007; DESOUZA & RIBEIRO, 2005;

LISBOA, 2005; LOPES NETO, 2003; PINHEIRO, 2006). Tais estudos enfatizam a carência de

investigações sobre as características e incidência da agressão entre pares no contexto escolar

brasileiro, e nenhuma contemplou uma amostra representativa do sistema educacional brasileiro,

restringindo-se ainda a casos locais.

Um dos estudos pioneiros sobre bullying em escolas brasileiras foi realizado no Rio de

Janeiro, e envolveu mais de 5.000 estudantes de 11 escolas diferentes. Os resultados desse

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trabalho revelaram que, durante aquele ano escolar, 16,9% dos estudantes haviam sido vítimas de

bullying, 10,9% haviam relatato ter sido vítimas-agressoras e 12,7% agiram principalmente como

agressores no mesmo período (LOPES NETO, 2003). Em estudo mais recente, LISBOA (2005)

investigou o bullying e as relações de amizade como fatores de risco ou proteção em uma amostra

do Rio Grande do Sul, sendo que os resultados indicaram que as interações positivas com pares,

através de amizades, seria um fator de proteção em relação à vitimização.

Consequências para o ajustamento psicológico

De que forma a vitimização na escola influencia o ajustamento psicológico das vítimas? O

bullying é um fator de risco importante, e há evidências que indicam a relação entre a vitimização

e comportamentos internalizados específicos, como a predisposição para experiências psicóticas

(CAMPBELL & MORRISON, 2007), depressão e ansiedade (KLOMEK, MARROCCO,

KLEINMAN, SCHONFELD & GOULD, 2007; SALMON, JAMES, CASSIDY &

JAVALOYES, 2000; VUIJK, VAN-LIER, CRIJNEN & HUIZINK, 2007) e redução da auto-

estima (SPADE, 2007) e o desenvolvimento de hiperatividade e problemas emocionais

(GUNTHER, DRUKKER, FERON & VAN-OS, 2007). MITCHELL, YBARRA e

FINKELHOR (2007) mostram que tanto a vitimização através de recursos tecnológicos quanto

aquela realizada em interações ao vivo está independentemente relacionada à sintomatologia

depressiva, comportamento delinquente, e uso de drogas. KUMPULAINEN e cols. (1998)

destacam ainda que aqueles que são somente vitimizados caracterizaram-se principalmente por

problemas de comportamento internalizados, com anedonia, e não problemas de comportamentos

externalizados, que é prevalente entre os agressores. Nesse mesmo estudo foi encontrada uma

maior probabilidade de encaminhamento psiquiátrico para vítimas-agressoras, sendo esta tem um

aumento de 6,5 vezes para meninos e 9,9 vezes para meninas, em comparação ao grupo não-

envolvido em bullying.

Em um estudo conduzido entre adolescentes finlandeses (KALTIALA-HEINO,

RIMPELA, RANTANEN & RIMPELA, 2000), a ansiedade, depressão e outros sintomas

psicossomáticos foram mais frequentes entre vítimas-agressoras. No mesmo estudo, o abuso de

álcool e outras substâncias caracterizaram os agressores e as vítimas-agressoras. Entre as garotas

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foi encontrada uma relação significativa entre transtornos alimentares e a participação no

bullying, em qualquer papel, enquanto que para os garotos essa relação foi verificada somente no

grupo das vítimas-agressoras.

A vitimização na escola tem efeitos negativos sobre a qualidade de vida que persistem na

vida adulta, sendo que em um estudo longitudinal GUNTHER e cols. (2007) destacam que a

exposição continuada ao bullying, enquanto evento de vida adverso, prediz significativamente o

desenvolvimento de problemas de conduta. As vítimas, e particularmente as vítimas estáveis,

apresentaram escores mais baixos de auto-estima e mais altos quanto à solidão, em um estudo

sobre consequências de médio e longo prazo da vitimização (SCHAFER & cols., 2005),

relatando mais dificuldades para manter amizades que adultos que não haviam sido vitimizados

de forma significativa. Outro trabalho confirma uma relação positiva entre a lembrança de

vitimização indireta na infância e o perfeccionismo na idade adulta (MILLER &

VAILLANCOURT, 2007).

Cabe notar que as dificuldades de relacionamento interpessoal enfrentadas por

adolescentes que sofrem de problemas de ajustamento psicológico (CAMPBELL &

MORRISON, 2007) e estresse social (D'ESPOSITO, 2007) são um fator de risco para a

vitimização de tais estudantes. No trabalho de (VUIJK & cols., 2007), reduções nos níveis de

ansiedade e depressão foram mediadas pela redução da agressão relacional entre as meninas, e

pela redução da agressão física entre meninos, sugerindo que a vitimização tem impacto

diferenciado sobre meninas e meninos.

Método

Ao considerar os objetivos propostos para este trabalho, que se concentram na verificação

das características da agressão entre pares em escolas brasileiras e sua correlação com a

depressão na adolescência, elaborou-se um estudo de natureza quantitativa, cujo delineamento é

descrito a seguir.

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Participantes

Os participantes deste trabalho foram 849 adolescentes (idade média = 14,3; desvio

padrão = 1,92) de turmas entre a 5ª Série do Ensino Fundamental e o 3º Ano do Ensino Médio.

Estes estudantes foram selecionados em uma amostra por conveniência em 13 escolas públicas e

particulares de quatro cidades brasileiras: Curitiba/PR (133 alunos de 2 escolas públicas e 67

alunos de 1 escola particular); Goiânia/GO (186 alunos de 5 escolas públicas e 102 alunos de 2

escolas particulares); Governador Valadares/MG (116 alunos de 1 escola pública e 91 alunos de 1

escola particular) e Teresina/PI (154 alunos de 1 escola pública). A amostra incluiu 408

participantes do sexo masculino (48,1%) e 441 do sexo feminino (51,9%).

Instrumentos

Os dados dos seguintes instrumentos foram incluídos na presente análise: Escala de

Vitimização e Agressão entre Pares (EVAP); Escalas de Qualidade de Interação Familiar (EQIF);

Questionário de Conflitos Familiares, as Escalas de Exigência e Responsividade, o Children’s

Depression Inventory (CDI) e um questionário de comportamentos anti-sociais. Serão também

coletadas informações sóciodemográficas sobre os participantes. Após a descrição dos

instrumentos, apresenta-se uma síntese estatística das variáveis utilizadas no estudo, exceto as de

comportamento anti-social, cuja descrição pormenorizada está incluída na seção de resultados

(Tabela 1):

A Escala de Agressão e Vitimização entre Pares – EVAP (CUNHA & WEBER, 2007;

CUNHA, WEBER & STEINER, 2009) é um instrumento de auto-relato desenvolvido para

investigar a agressão entre pares no contexto escolar, da segunda etapa do Ensino Fundamental

até o Ensino Médio. A presente versão da escala foi adaptada para este estudo. As principais

características da EVAP são as seguintes: (a) o uso de enunciados descrevendo comportamentos

agressivos específicos que podem ocorrer em no contexto escolar, delimitando os últimos seis

meses como período de avaliação; (b) a escala contém dezoito questões distribuídas em quatro

dimensões (agressão direta, agressão relacional, ataques à propriedade e vitimização) cuja

estrutura é descrita de forma pormenorizada na seção de resultados; (c) os itens da escala são

avaliadas em escala Likert de 5 pontos medindo a frequência dos comportamentos estudados

(1=nunca; 2=quase nunca; 3=às vezes; 4=sempre; 5=quase sempre). É importante destacar que o

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décimo nono item incluído nesta versão da escala foi desconsiderado na análise sobre a

frequência de agressão entre pares, pois o mesmo se refere à reação do participante em relação à

vitimização, que é analisada em separado. Para as análises, foram utilizadas as médias dos

participantes em cada uma das dimensões da escala.

O Children's Depression Inventory (CDI), validado no Brasil por GOUVEIA,

BARBOSA, ALMEIDA E GAIÃO (1995), avalia sinais de depressão na infância e adolescência

através do auto-relato do participante a respeito de seus sentimentos e pensamentos. É composto

por 27 itens, avaliados por um sistema Likert de três pontos. Após calcular o escore bruto de

sinais depressivos, os participantes foram distribuídos nas categorias “com sinais de depressão”

(escore bruto superior a 19 pontos ou 2 pontos no item 95) ou “sem sinais de depressão (demais

participantes).

Média �d.p. Mínimo Máximo

Agressão e vitimização

Agressão direta a 1,86 0,81 1 5

Agressão relacional a 1,99 0,87 1 5

Ataques à propriedade a 1,22 0,67 1 5

Vitimização a 1,90 0,73 1 5

Depressão

Sinais de depressão b 13,51 7,43 1 43

Tabela 1: Estatística descritiva das variáveis estudadas

Nota. a Sub-escala da EVAP; b CDI; d.p. = desvio padrão da média.

Procedimento de coleta dos dados

Após a seleção das escolas nas cidades participantes, em uma amostragem por

conveniência, foi feito contato com a direção de cada escola, com o objetivo de obter a

autorização para aplicar a pesquisa. Os contatos com as escolas em todas as cidades, exceto

Curitiba, foram feitos por uma equipe de colaboradores composta por estudantes de psicologia e

psicólogos, que receberam instruções formais a respeito dos procedimentos de contato e coleta de

dados. Os alunos receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para

informar-se sobre os objetivos da pesquisa e seus direitos como participantes, sendo enfatizado

que sua participação seria voluntária e anônima. Os estudantes que aceitaram participar da

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pesquisa responderam a seguir o questionário da pesquisa na própria escola durante um tempo de

aula. Para garantir o anonimato dos participantes, os termos de consentimento e os questionários

foram recolhidos separadamente.

A digitação dos dados de Goiânia (GO), Governador Valadares (MG) e Teresina (PI) foi

feita pelos colaboradores, a seguir, remeteram toda a documentação da pesquisa para o Núcleo de

Análise do Comportamento, na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba (PR). As bases de

dados foram, então, revisadas e integradas para a análise.

Análise dos dados

A hipótese de trabalho para este estudo é descrita abaixo, acompanhada pelas estratégias

específicas utilizadas na análise, que foi feita através do pacote estatístico Statistical Package for

the Social Sciences (SPSS).

a. Haveria uma interação significativa entre o envolvimento do adolescente em agressão e

vitimização e seu ajustamento psicológico e social. As medidas de agressão e vitimização

(conforme EVAP) estarão significativamente relacionadas a problemas internalizados e

externalizados vivenciadas pelos adolescentes, acessado através dos níveis de depressão

do adolescente (conforme CDI) e manifestações de comportamentos anti-sociais

(questionário de comportamentos anti-sociais).

Resultados e Discussão

Correlatos da agressão entre pares: problemas internalizados e externalizados

Prosseguindo na exploração sobre correlatos da agressão e vitimização entre pares, foi

investigada a relação deste comportamento com indicadores do ajustamento psicossocial dos

participantes. Os dados sobre a agressão e vitimização são comparados primeiramente ao relato

de sinais de depressão, como indicador de problemas internalizados, e a seguir aos dados sobre o

comportamento anti-social, como indicador de problemas externalizados.

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Depressão na adolescência

A prevalência de participantes com escores indicativos de sinais de depressão foi de 6,5%,

valor bastante próximo do encontrado por REPPOLD & HUTZ (2003) ao utilizar o CDI em

estudo sobre a incidência da depressão entre adolescentes brasileiros (5,7%).

Os dados revelaram uma correlação positiva e significativa entre o escore de depressão e

as médias de todas as dimensões de agressão e vitimização avaliadas: agressão direta (r=0,282;

p<0,01), agressão relacional (r=0,266; p<0,01), agressão indireta (r=0,190; p<0,01) e de

vitimização (r=0,355; p<0,01).

Em relação aos demais participantes, o grupo com sinais de depressão apresentou médias

significativamente mais altas (Figura 1) de agressão direta (t=-3,912; p<0,001); agressão

relacional (t=-3,105; p<0,005) e vitimização (t=-3,925; p<0,001), sendo que o único fator da

agressão entre pares para o qual não foi verificada uma relação significativa entre estes grupos foi

a agressão física indireta (t=-1,462; p=0,151).

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Figura 1: Escore padronizado médio da frequência de agressão e vitimização do grupo com e

sem sinais de depressão.

Ao investigar a diferença na distribuição dos participantes com escores indicando sinais

de depressão, por meio do teste do qui-quadrado, foi verificada uma diferença significativa entre

as categorias de agressão entre pares, conforme dados da Tabela 2. É interessante verificar que,

apesar do reduzido número de participantes do grupo com depressão, estes se concentraram nas

categorias vítima, agressor I, agressor II e vítima agressiva, que incluíram 90,2 por cento da

parcela de participantes que apresentaram sinais de depressão.

O teste One-Way Anova revelou diferença significativa nas médias de sinais depressivos

dos participantes em relação às categorias de envolvimento em agressão entre pares (F=24,500;

g.l.=4; p<0,001), sendo que as médias do grupo de adolescentes não-envolvidos foi

significativamente menor e diferenciada em relação às demais categorias avaliadas, conforme

ilustrado na Figura 2.

Tabela 2: Distribuição em categorias de agressão entre pares em relação a presença de sinais de depressão.

Sinais de Depressão

Sem depressão Com depressão

N % N %

g.l. χ2 p

Agressão e Vitimização 4 18,57 0,001

Não-envolvido 242 98,4% 4 1,6%

Vítima 113 93,4% 8 6,6%

Agressor I 161 89,0% 20 11,0%

Agressor II 48 88,9% 6 11,1%

Vítima agressiva 24 88,9% 3 11,1%

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Figura 2: Escore padronizado no CDI em relação às categorias de agressão e vitimização.

Com estes resultados, se confirma a hipótese de que a agressão entre pares está

relacionada à sinais de depressão e oferece dados de apoio à categorização proposta neste

trabalho, tendo em vista que os resultados corroboram os achados da literatura (KLOMEK &

COLS., 2007; SALMON & COLS., 2000; SEALS & YOUNG, 2003; VUIJK & COLS., 2007),

cujos trabalhos indicam que a exposição aos fatores negativos da agressão e vitimização

aumentariam significativamente o risco do desenvolvimento de sintomas depressivos, para as

vítimas, agressores e especialmente para as vítimas-agressoras. Porém, é importante ressaltar que

os resultados aqui apresentados são correlacionais e, portanto, não explicam os processos causais

que estão envolvidos nesta relação.

Considerações Finais

Os resultados deste trabalho destacam a relação entre a vitimização entre pares no

contexto escolar e problemas de comportamento internalizadosa, como é o caso da depressão na

adolescência. Estes achados indicam claramente que a vitimização entre pares não pode ser

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considerado apenas como forma inofensiva de violência ou brincadeira normativa. E embora a

associação aqui estudada esteja focada em dificuldades de ordem individual, como é o caso da

depressão, não se deve deixar de notar a influência destes fatores sobre o contexto escolar como

um todo.

A cada dia letivo, milhões de crianças e adolescentes são enviados para a escola, que

assume a responsabilidade não só pelo aprendizado acadêmico, mas também pela segurança e

pela promoção social destes enquanto ali estão. A escola não pode ser ambígua em relação a

violência, punindo severamente algumas expressões desta, como pichações, e tolerando

diariamente outras, como a agressão e vitimização entre pares. No processo de tomada de decisão

sobre esta questão, os valores da escola devem ser revisitados: embora a cada três ou quatro anos

os alunos se renovem e as paredes fiquem, qual destes vale mais? Esta é uma questão abordada

no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), o qual estabelece que crianças e

adolescentes tem prioridade absoluta, com direito à liberdade, ao respeito pelas diferenças e à

dignidade nesta etapa do desenvolvimento humano.

Por fim, embora os dados aqui descritos revelem uma situação preocupante, estes também

descortinam caminhos, a serem trilhados por aqueles que estão seriamente comprometidos com a

proteção integral dos direitos da criança e do adolescente.

REFERÊNCIAS

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