age - advocacia-geral do estado 10 - pge.mg.gov.br · norberto bobbio , em seu derradeiro...

512
ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DIREITO PBLICO: Revista Jurdica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais Direito Público: Rev. Jurídica da Advocacia-Geral do Estado MG Belo Horizonte v.2 n.1/2 p. 512 jan./dez. 2005

Upload: hoangxuyen

Post on 13-Jan-2019

226 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

ESTADO DE MINAS GERAIS

ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO

DIREITO PBLICO:Revista Jurdica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais

Direito Pblico: Rev. Jurdica da Advocacia-Geral do Estado MG Belo Horizonte v.2 n.1/2 p. 512 jan./dez. 2005

ISSN 1517-0748DIREITO PBLICO:

REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADODE MINAS GERAIS

Praa da Liberdade, s/n30.140.912 Belo Horizonte MG BrasilFone: (31) 3250-0700 - Fax: (31) 3250-0742

http://www.age.mg.gov.br

GOVERNADOR DO ESTADOAcio Neves da Cunha

PRESIDENTE DO CONSELHO EDITORIALJos Bonifcio Borges de Andrada

CONSELHO EDITORIALBernardo Pinto MonteiroCarlos Alberto RohrmannCarlos Vctor Muzzi FilhoEfignio Esperendeus MeiraHeloza Saraiva de AbreuHumberto Rodrigues GomesMarco Antnio Rebello RomanelliMoema Cordeiro de Azevedo MattosOnofre Alves Batista JniorSrgio Pessoa de Paula Castro

Os ex-Advogados-Gerais do Estado, os ex-Procuradores-Gerais do Estado e os Ex-Procuradores-Gerais da FazendaEstadual so membros natos do Conselho Editorial daRevista Jurdica da Advocacia-Geral do Estado.

SECRETRIA-GERALAna Maria de Barcelos Martins

EQUIPE TCNICAMaria de Ftima Oliveira Ribeiro (Coordenadora)Cludia de Almeida ServaGeraldo Coccolo Jr.Lcia Ferraz VenturiMrcia Antnia Ga Sampaio

Solicita-se permuta / Pdese canje / On dmande lchangeSi richiede lo scambio / We ask for exchange / Wir bitten um Austausch

Bibliotecria: Lcia Ferraz Venturi CRB/6-1913

2004 Centro de Estudos - ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS.O contedo dos artigos doutrinrios publicados nesta Revista e os conceitos emitidos so de nica e exclusiva responsabilidade de seus autores.Qualquer parte desta publicao pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

Tiragem: 1.500 exemplares

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Direito Pblico: Revista Jurdica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais / Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais. Vol. 1, n. 1, (Jul./Dez. 2004). Belo Horizonte:Imprensa Oficial de Minas Gerais, 2004 - .

Semestral

Formada pela fuso de: Direito Pblico: Revista da Procuradoria-Geral do Estado de MinasGerais e Revista Jurdica da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual.

ISSN 1517-0748

1. Direito pblico - Peridico 2. Direito tributrio - Peridico I. Minas Gerais - Advocacia-Geral do Estado II. Ttulo.

CDU 34(05)

SUMRIO

APRESENTAO ....................................................................................................................................................................... 05

SAUDAO AOS NOVOS PROCURADORES DO ESTADO .................................................................................................... 07

1. DOUTRINA ............................................................................................................................................................................. 11

IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA Alda de Almeida e Silva ............................................................................................................................................................. 13

A TRIBUTAO DOS PROVEDORES DE ACESSO INTERNET: no incidncia de ICMS ou de ISSQN Andr Mendes Moreira ............................................................................................................................................................. 33

CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA EXIGNCIA DE DEPSITO RECURSAL NO PROCESSOADMINISTRATIVO TRIBUTRIO Bruno Rodrigues de Faria ........................................................................................................................................................ 51

O MEIO AMBIENTE E O CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO Edma do Nascimento Rocha ................................................................................................................................................... 61

A ASSISTNCIA JUDICIRIA AOS NECESSITADOS Eduardo Andrade ..................................................................................................................................................................... 85

INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL Eduardo Goulart Pimenta .......................................................................................................................................................... 87

ELISO FISCAL: reflexes sobre a efetividade e alcance da lei antielisiva e sua aplicao no Estado de Minas Gerais Ins Regina Ribeiro Soares ...................................................................................................................................................... 103

A LEI NATURAL COMO FUNDAMENTO DO DIREITO POSITIVO Jos Bonifcio Borges de Andrada ............................................................................................................................................ 151

DA CARACTERIZAO DO ESTADO FALIMENTAR SEGUNDO A NOVA LEI DE FALNCIA E RECUPERAOJUDICIAL E EXTRAJUDICIAL Moacyr Lobato de Campos Filho ............................................................................................................................................... 165

SANO TRIBUTRIA: natureza jurdica e funes Paulo Roberto Coimbra Silva .................................................................................................................................................... 195

A SOLIDEZ DA SMULA VINCULANTE E A FRAGILIDADE DA SMULA IMPEDITIVA DE RECURSOS Roney Oliveira Jnior ............................................................................................................................................................... 207

O PODER, A POLTICA E AS INSTITUIES: o microcosmo do Conselho Nacional de Poltica Fazendria Silvrio Bouzada Dias Campos ................................................................................................................................................. 211

A LIBERDADE E A IGUALDADE EM KANT Simone Carneiro Carvalho ....................................................................................................................................................... 247

2. PARECERES, NOTAS JURDICAS E PEAS PROCESSUAIS ........................................................................................... 255

3. JURISPRUDNCIA ............................................................................................................................................................... 397

4. SMULA ADMINISTRATIVA ................................................................................................................................................. 497

NDICE DE JURISPRUDNCIA TRIBUTRIA ........................................................................................................................ 501

5

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

PRESENTAO

com grande satisfao que a Advocacia-Geral do Estado de MinasGerais apresenta o segundo volume de sua Revista Jurdica, visando contribuirpara o crescimento e divulgao do Direito Pblico.

Esta Revista surgiu com o objetivo de fomentar a produo intelectual etornar-se palco de discusses jurdicas em busca de aperfeioamento edesenvolvimento da instituio.

Destaco que os Procuradores do Estado aceitaram o desafio de fazer estaRevista respeitvel, tornando-a instrumento de propagao dos importantestrabalhos jurdicos desenvolvidos na defesa dos interesses do Estado de MinasGerais.

desejo que os artigos, pareceres, notas jurdicas, peas processuais,jurisprudncia e smulas administrativas contidos nesta Revista possam ser teisno somente aos profissionais do Direito, mas tambm aos cidados que sepreocupam com a res publica.

JOS BONIFCIO BORGES DE ANDRADAAdvogado-Geral do Estado de Minas Gerais

A

7

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

Saudao aos novos Procuradores do Estado

o dia 18 de agosto de 2005 tomaram posse, coletivamente, trinta e oito (38) novosProcuradores do Estado, em sesso solene presidida pelo Advogado-Geral do Estado noauditrio do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.

Compareci a essa solenidade cvica, de singular importncia para a AGE e de l sa com nimoredobrado, por sentir a consolidao de uma nova etapa nessa secular instituio a qual perteno e como corao prenhe de esperana no trabalho desses novos colegas, os primeiros a fazerem o concursopleno para advogados do Estado.

Ns, os mais antigos, nos habituamos a este processo de saudar aqueles que chegam ao serviopblico. Mas cada solenidade um momento nico que singulariza o ato e perpetua o seu significado. Isso motivo suficiente para comemorar, pois, a existncia e o desenvolvimento da instituio, que passam aintegrar, estar garantida.

aos novos colegas que dirijo esta mensagem.

Congratulo-me com vocs pelo sucesso alcanado no concurso pblico a que se submeteram,no qual pessoas, tambm, de muito valor no lograram xito. Assim o concurso pblico. Muitos bonsficaram de fora da classificao final, mas, os que passaram, certamente, so muito bons.

Para a maioria, a primeira investidura em funo pblica. Para outros, mesmo o primeiroemprego.

Mas a festa, antes de mais nada, da Advocacia-Geral do Estado, instituio nascida h poucomais de dois anos. Foi no dia 11 de julho de 2003 que a Assemblia Legislativa do Estado promulgou aEmenda Constitucional n 56, que criou a AGE e integrou as antigas Procuradoria-Geral do Estado eProcuradoria-Geral da Fazenda Estadual em sua estrutura.

A fuso das antigas Procuradorias, misso em princpio difcil confirmou-se como medida oportunae correta. Teve no seu primeiro ADVOGADO-GERAL , o Dr. JOS BONIFCIO BORGES DEANDRADA , o seu mentor e principal artfice. Sua determinao firme e ao contundente tornaram realidadeessa nova e respeitvel Advocacia-Geral, que tanto mereciam o Estado e o Povo de Minas Gerais.

Essa nova AGE, mesmo sem a estrutura administrativa e um quadro de servidores e procuradoresadequado vem tendo atuao profcua, pois sabem os seus membros da importncia de suas tarefas.

Agora, a AGE se completa e fica melhor aparelhada para cumprir suas mltiplas tarefas.

Deixo aqui a vocs, meus novos colegas, trs breves consideraes.

A primeira a de que ningum lhes pode questionar a inteligncia e o preparo tcnico. Issovocs j provaram ter, aps o duro concurso ao qual se submeteram.

Todavia, no basta inteligncia e preparo tcnico: preciso transform-los em sabedoria,aquela aptido que nos faz dar sentido prtico ao conhecimento adquirido.

N

8

No se apeguem em demasia aos dogmas, conheam a realidade que os cercam, procuremdesempenhar suas tarefas tendo sempre em mente a finalidade para a qual foram escolhidos: ou, seja, a deservir.

Portanto, no desempenho de suas atividades, ajam no s com inteligncia mas, sobretudo, comsabedoria.

A segunda considerao a fazer refere-se ao comportamento tico.

Aprendi a tica como o conjunto de valores e credos socialmente difundidos em determinadomeio, absorvidos e praticados naturalmente pelo indivduo e colocados em prtica sem a finalidade de sebuscar um prmio ou se temer uma punio.

Quando agimos de maneira tica, olhamos para dentro e buscamos harmonizar nossa conscincia realidade que nos rodeia. Importa menos o que diz a lei que a voluntariedade da boa ao.

Leonardo Boff, em 1.993, sintetizou o conceito de tica, como viso de mundo, quando afirmouser ela nossa irrestrita responsabilidade com tudo que existe e vive.

O comportamento tico o que leva a pessoa a praticar o bem e rejeitar o mal, de maneiraespontnea, sem almejar recompensa ou temer a sano, legal ou social.

Na ao tica o pensamento do outro secundrio. Basta que tenhamos sabido que agir dedeterminada maneira adveio de um conceito de justia, de honestidade e de misericrdia, que tem acolhidano meio social no qual nos achamos inseridos e no qual os valores e credos so assumidos por ns demaneira voluntria.

A tica e a sabedoria devem ser sempre nossas guias, especialmente, quando as coisas no soclaras e as dvidas nos atormentam.

O ltimo sculo tem sido para a humanidade uma etapa particularmente difcil, em virtude daevoluo vertiginosa da cincia. Assombramo-nos a todo momento com novos inventos e descobertas,que causam entusiasmo e euforia. Mas, em muitos momentos, isso traz perplexidade e at angstia, pelosefeitos morais e sociais que encerram.

NORBERTO BOBBIO , em seu derradeiro manuscrito, Dirio de Um Sculo Autobiografia,aponta essa questo dramtica a da contradio entre o desenvolvimento da cincia e as grandesinterrogaes ticas que este desenvolvimento provoca, entre a sabedoria de instigadores do cosmo e anossa incapacidade de digerir e validar eticamente novos comportamentos.

Afirmou o incomparvel mestre, que a cincia do bem e do mal ainda no foi inventada.No h problema moral e jurdico, no h problema de regras de comportamento, de disciplina danossa conduta, que no levante diversas e opostas solues.

Questes tormentosas do seu tempo foram por ele elencadas, que precisaram de tempo paraser encaminhadas e assimiladas, como o aborto e a pena de morte. Podemos atualizar essa lista e adicionarvrias outras questes, que ainda causam perplexidade e polmica, como a manipulao dos cdigosgenticos, os alimentos transgnicos e a clonagem de seres vivos.

A verdade que o nosso senso moral e tico avana lentamente, pois preciso tempo paradiscutir, assimilar e conformar novos usos e costumes; enquanto a cincia, a economia, a tecnologia e apoltica progridem velozmente.

SAUDAO AOS NOVOS PROCURADORES DO ESTADO

9

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

Lembra BOBBIO que a massificao dos meios de comunicao nos faz dar voltas ao mundo,de forma cada vez mais rpida, e a ver estradas manchadas de sangue, montes de cadveres abandonados,populaes inteiras retiradas de suas casas, laceradas e famintas, crianas macilentas com os olhos saltandode suas rbitas, que nunca sorriram, e no conseguiro sorrir antes da morte precoce.

E que o novo ethos mundial dos direitos do homem resplandece apenas nas solenesdeclaraes internacionais e nos congressos mundiais que os celebram e doutamente comentam,mas a essas celebraes e comentrios corresponde na verdade a sua sistemtica violao emquase todos os pases nas relaes entre fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre quem sabe equem no sabe.

nesta seara que nos inserimos, pois so questes que no prescindem do Direito para conform-las realidade. Ns, os operadores do Direito, devemos nos conscientizar e conformar com uma verdadeintransponvel: o direito no pode tudo, at porque uma criao do homem que na sua elaborao levatodas as suas limitaes e imperfeies.

certo que continua prevalente a lio de RUI, para quem Fora do Direito no h salvao.Mas, cabe-nos atinar para a fenomenologia jurdica diante da dinmica da vida. A rbita do pensamentojurdico e a efetividade da lei tm limites na realidade das coisas.

A lei pode, v.g., prever a obrigao do indivduo de auxiliar outrem, quando evidente o perigode um e a possibilidade do outro, como o dever de prestar auxlio a sobreviventes de um naufrgio.Entretanto, no pode impedir nossa omisso em face das dores do Mundo e exigir manifestaes decompreenso e gentileza com os desvalidos que povoam o nosso cotidiano.

Pisar os domnios do Direito sem a viso tica colhida da realidade pretender transformar uminstrumento eficaz de controle social em manejo simples de tcnica de soluo pontual de conflitos.

O Direito vivo e se faz a partir do homem e para o homem. Nesse caldo se misturam todos osingredientes de que feito o homem: razo e emoo, moral e devassido; justia e usurpao; honestidadee crueldade.

A Advocacia Pblica deve ser exercida a partir dos preceitos morais gerais, naqueles incorporadosinternamente na Administrao Pblica, na tica consolidada nos Cdigos, enfim, na moralidade exigidaa qualquer indivduo especialmente queles travestidos em agentes incumbidos da gesto da coisa pblica.

A terceira e ltima considerao que lhes quero deixar se refere a atitude pro-ativa que seespera de vocs.

O Estado existe para o Povo e este espera que os seus servidores efetivamente os sirvam. Pois, existimos para servir, por isso fomos alcunhados de SERVIDORES.

fcil dizer no. No parecer jurdico temos o dever de dizer se a proposio sob anlise juridicamente possvel e apontar a ilegalidade desvelada do estudo do caso. No entanto, como servidores,espera o Povo de ns, que, tambm, sejamos aqueles que mostram o caminho legal, possvel de serpalmilhado.

Lembro-me da estria de BARTLEBY, O Escrivo, de Herman Melville (o mesmo autorde Moby Dick). Era ele um tpico barnab que s dizia no e preferia sempre nada fazer mesmo diantede exasperados chefes que lhe demandavam tarefas. Nunca ningum conseguiu demov-lo da lenincia eda omisso cotidiana.

10

Eu sei que vocs no sero assim. A omisso e a inrcia que levam ao imobilismo o mal maiorda Administrao Pblica e no podemos deixar que isso acontea em Minas. O Estado tem muitosdesafios e o Povo mineiro espera de vocs que saibam enfrent-los, com sabedoria, com tica e comvontade.

Finalmente, se nenhuma palavra foi asseverada sobre o momento atual do Brasil, proposital. Atratar de fatos mesquinhos, que nos assombram hoje, prefiro terminar refugiando-me na mensagem deesperana no passado lanada pelo imortal CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE:

Quando a lei uma palavra batida e pisadaque se refugia nas catacumbas do direito;

(...)Quando os ferros da paz se convertem

em ferros da insegurana;(...)

Quando a incompetncia acusa o espelhoque a revela dizendo que a culpa do espelho;

(...)Ento, hora de recomear tudo outra vez,

sem iluso e sem pressa,mas com a teimosia do inseto

que busca um caminho no terremoto.

Belo Horizonte, agosto de 2005.

ALBERTO GUIMARES ANDRADEAdvogado-Geral Adjunto do Estado

SAUDAO AOS NOVOS PROCURADORES DO ESTADO

DOUTRINA

13

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA

ALDA DE ALMEIDA E SILVA*

SUMRIO

* Procuradora Consultora do Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Pblico.

1.Introduo. 2. A norma tributria constitucional. 3. Aimunidade tributria: conceito e distines. 4. A imunidadetributria recproca. 5. Hermenutica constitucional. 6. Oregime tributrio das empresas pblicas. 7. A Empresa deCorreios e Telgrafos e a imunidade. 8. A imunidaderecproca e os impostos indiretos. 9. Concluso.

1. INTRODUO

Como um dos limites constitucionais impostos ao poder de tributar, a imunidade tributria recproca um dos temas mais debatidos na doutrina e na jurisprudncia ptrias. Reveste-se de suma importnciapara aqueles que militam na seara do Direito Tributrio, cuja interpretao, por vezes, assume caminhostortuosos, em face da sua submisso ao Direito Constitucional. Por isso, as presentes linhas tm porfinalidade incitar o pensamento, a reflexo e a crtica sobre o alcance do instituto da imunidade recproca,cuja interpretao vem ultrapassando, exageradamente, os limites da tcnica extensiva.

De incio, ser dado destaque supremacia da Carta Magna no ordenamento jurdico, pois oprimeiro captulo ser reservado para que sejam realados os princpios constitucionais informadores doDireito Tributrio, sobretudo, a competncia e a identificao das pessoas detentoras do poder de tributar,bem como os limites lanados pelo Constituinte na funo legislativa em matria tributria.

A imunidade, em seu aspecto geral, ser objeto do segundo captulo, onde dever ser dadanfase ao conceito daquele instituto, a sua distino com outros semelhantes e, de maneira mais sucinta, asformas de classificao presentes na doutrina.

No terceiro captulo, ser dado tratamento pontual imunidade recproca. Porm, todos oscaptulos seguintes sero umbilicalmente interligados a esse que considerado o cerne do presente trabalho.Registrar-se- o fundamento daquela espcie de imunidade, a sua localizao no ordenamento jurdico, ocritrio constitucional para a sua definio e os requisitos para a identificao dos beneficirios.

A hermenutica constitucional merecer um espao maior no captulo quarto, por considerarque de fundamental importncia voltar as atenes para os critrios utilizados na interpretao da regra

14

imunizadora. Naquele tpico, sero apontadas as crticas a serem feitas elasticidade exagerada dasnormas constitucionais, realizada com o pretexto de se estender o rol dos beneficirios da imunidaderecproca.

No quinto captulo, as pessoas de direito privado, mais especificamente, as empresas pblicas,sero analisadas para se concluir pela sua posio frente regra da imunidade intergovernamental, comanlise da sua natureza jurdica e definio legal.

Dando continuidade ao tpico anterior, o captulo sexto ser de cunho prtico, exemplificativo,com exame dos aspectos objetivo e subjetivo de uma das mais conhecidas e importantes empresas pblicasexistentes no cenrio nacional: a Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos, tendo em vista a existnciade relevantes discusses judiciais acerca de sua posio perante o instituto da imunidade intergovernamental.A posio da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal acerca da matria tambm far parte dessecaptulo.

O ltimo tpico ter a incumbncia de apontar a espcie tributria relacionada imunidaderecproca, os contornos da sua repercusso econmica, dando nfase aos impostos considerados comoindiretos.

As concluses tambm sero apresentadas, na forma corrida, logo aps o ltimo captulo.

Faz-se necessrio esclarecer que a exibio dos assuntos por captulos sem subdivises serassim realizada por entender que, dessa maneira, o raciocnio fluir sem interrupes, de forma lenta econtnua, tendo em vista que cada tpico poder suavemente se inter-relacionar com o seguinte, semobstculos.

2. A NORMA TRIBUTRIA CONSTITUCIONAL

A Constituio da Repblica Federativa do Brasil a grande responsvel pela sistematizaodas regras tributrias. no texto constitucional que se inserem as normas supremas da ordem tributriaque compem o Sistema Tributrio Nacional, interagindo com todos os demais ramos do Direito. So degide constitucional todos os princpios informadores do Direito Tributrio, a enumerao exaustiva daspessoas com poder de tributar, as regras gerais aplicveis a todas elas, com indicao da incidncia dostributos e a participao das normas de cunho infraconstitucional, na sua tarefa de criar e regulamentarcada espcie de exao.

Por meio da Constituio da Repblica, no dizer de Cassone,1 so informados os princpios ouas regras a seguir; o CTN trata das normas gerais, e a lei ordinria, como norma, viabiliza tais princpiose regras, estabelecendo detalhadamente as obrigaes e os direitos dos contribuintes.

No mbito constitucional podem ser encontrados os princpios norteadores da competnciatributria, onde so atribudos os poderes Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios,pessoas polticas dotadas de atividades legislativas, para criarem tributos e, em contrapartida, tambm alireside a delimitao do exerccio desses poderes, a fim de dar segurana jurdica s relaes de feiotributria.

1 CASSONE, Vittorio. Direito tributrio. 12. ed. So Paulo: Atlas, 2000. p. 25.

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

15

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

Erige de todo o sistema tributrio constitucional a regra bsica e informadora da distribuio dacompetncia, dirigida s pessoas polticas: Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios. A competnciatributria, por sua vez, a aptido jurdica para criar, in abstracto, tributos2 , atravs do processolegislativo, pois, no se cria tributos sem lei em sentido estrito, regra advinda do Princpio da Legalidade(artigos 5, II, e 150, I, da Constituio da Repblica).

Sob as diretrizes constitucionais, pode o titular da competncia tributria, quanto ao tributo,cri-lo ou no e, uma vez criado, pode o mesmo ser aumentado, diminudo ou tornar-se objeto de iseno.Mas, quanto competncia, jamais poder o seu titular renunci-la, pois a mesma indelegvel eirrenuncivel.3

No se pode admitir, portanto, a afirmativa de que a Constituio cria tributo, mas aquela normaatribui a competncia s pessoas politicamente designadas para faz-lo, por meio de lei.

Ainda na seara da competncia, no admite o texto constitucional o seu exerccio ilimitado. Aocontrrio, informa s pessoas polticas a fronteira inexcedvel da atuao legislativa, atravs das conhecidasLimitaes ao Poder de Tributar (art. 150 e seguintes da carta constitucional), uma vez que estas demarcama conduta do titular da competncia tributria na criao dos tributos.

Com efeito, os postulados constitucionais so caracterizados pela existncia de vrios princpios,que atuam de forma a atrair para si as regras jurdicas4, de modo implcito ou explcitos, conforme acontecenas normas limitativas ao poder de tributar. Apenas a ttulo exemplificativo, vale destacar os princpios daimunidade, legalidade (de natureza fundamental), igualdade e isonomia, anterioridade, irretroatividade dalei tributria, da no utilizao do tributo com efeito de confisco, da no-discriminao tributria, em razoda procedncia ou do destino dos bens, entre muitos outros previstos tanto na forma expressa, como naimplcita, mas todos convivendo sob a gide da integrao.

Interessa mais ao presente estudo, no entanto, o citado princpio da imunidade recproca, espciedo gnero imunidades tributrias, tendo em vista que nela se encontra albergada a justificativa para asdesoneraes pretendidas por algumas empresas pblicas, como a Empresa Brasileira de Correios eTelgrafos, pessoa jurdica apontada para dar uma viso mais prtica e exemplificativa do assunto empauta.

3. A IMUNIDADE TRIBUTRIA: CONCEITO E DISTINES

O tema da imunidade tributria vem oferecendo aos doutrinadores ptrios muitos debates acercada sua natureza jurdica, pois, a despeito de a Constituio da Repblica dar-lhe tratamento de limitaoao poder de tributar, h estudiosos que discordam dessa classificao.

Tomando por emprstimo os apontamentos apresentados por Lunardelli5 , sobre os diversosposicionamentos doutrinrios acerca do assunto, vale destacar: Souto Maior Borges, para quem a imunidadeno subtrai competncia, pois esta j nasce limitada; Ruy Barbosa Nogueira, que afirma que a imunidade uma forma de no incidncia pela supresso da competncia impositiva; Aliomar Baleeiro, que entendia

2 CARRAZZA, Roque Antnio. Icms. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 26.3 Cf. CARRAZZA, Op. cit., p. 27.4 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributrio. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 1991. p. 90.5 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenes Tributrias. So Paulo: Dialtica, 1999. p.106.

16

que as limitaes funcionam por meio de imunidades fiscais, impedindo ao legislador ordinrio adecretao de impostos, nas situaes definidas na Constituio; e, Paulo de Barros Carvalho, que advogaa tese de que as imunidades tributrias estabelecem a incompetncia da pessoa poltica para expedirregras instituidoras de tributos em situaes especficas.

A despeito de ser o debate bastante profcuo, aplausvel se torna a sntese elaborada por MisabelAbreu, tambm lembrada por Lunardelli, de onde se extrai que a imunidade:

regra jurdica, com sede constitucional; delimitativa (no sentidonegativo) da competncia dos entes polticos da Federao, ou regra deincompetncia; obsta o exerccio da atividade legislativa do ente estatal,pois nega a competncia para criar imposio em relao a certos fatosespeciais e determinados; distingue-se da iseno, que se d no planoinfraconstitucional da lei ordinria ou complementar.6

As normas jurdicas imunizantes so, indiscutivelmente, constitucionais, circunstncia essa quese revela a principal distino das chamadas isenes tributrias. Enquanto aquelas tm sua sede na esferaconstitucional, estas tm origem na norma infraconstitucional, mediante lei em sentido estrito, que especificaas condies para sua concesso. Ademais, a iseno s possvel se houver tributao, ou seja, acontecimento que pressupe anterior incidncia tributria.

Diante das feies especficas dos dois institutos, nota-se que, embora primeira vista possam serencontradas semelhanas, uma vez que ambos tm o efeito prtico de desonerar o contribuinte, o certo queso muito distintos na sua intrnseca compleio, o que faz com que a doutrina tenha papel de extrema relevnciaquando elabora conceitos no encontrados de modo expresso na lei, como o caso das hipteses de exoneraotributria.

As categorias especiais da tcnica de tributao, conhecidas por incidncia, no-incidncia,iseno, alquota zero e imunidade7, no se confundem. Incidncia a realizao do fato descrito na lei,fazendo nascer a obrigao tributria; no-incidncia o contrrio, a no realizao do fato jurdico, porfalta de sua descrio pela lei; iseno a dispensa do pagamento, ou seja, h a realizao do fatoanteriormente descrito na lei e o nascimento da obrigao tributria, que, porm, dispensada do seucumprimento; alquota zero consiste na reduo de um dos elementos do fato gerador (alquota) a valornulo; e, a imunidade, como j se viu, regra de incompetncia tributria.

Estabelecendo a Norma Suprema o mbito de atuao legislativa das pessoas polticas,delimitando-lhes a competncia, foroso admitir que qualquer extrapolao no uso dos poderes serinquinada de inconstitucional8 , com afrontamento ordem pblica, pois as normas imunizadoras estorevestidas de interesse social. Tm por escopo a proteo das liberdades prprias do Estado Democrticode Direito, protegendo direito pblico subjetivo de determinadas pessoas, afastando-as da tributao,quer pela sua natureza jurdica, quer pela sua relao com certos fatos e situaes especficas.

As condies das pessoas beneficirias da imunidade e a considerao de certos bens e fatosformaram a idia classificatria de imunidades subjetivas e imunidades objetivas, respectivamente. As

6 Cf. Op. cit., p. 105.7 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributrio. 14. ed. So Paulo: Saraiva, 1995. p. 165.8 Nesse sentido, afirmou Aliomar Baleeiro em frase bastante conhecida, que Imunidades tornam inconstitucionais asleis ordinrias que as desafiam. (Direito tributrio brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p.84.).

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

17

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

primeiras (subjetivas) levam em considerao a qualidade da pessoa, enquanto as outras (objetivas) sooutorgadas para vedar a incidncia de tributos sobre determinados bens. A combinao de ambas ascondies, subjetivas e objetivas, d azo chamada imunidade tributria material-pessoal,9 tambmconhecida como mista.

Exemplo de imunidade subjetiva considerada a das pessoas polticas, que no podem tributarumas s outras (recproca); de imunidade objetiva, a que veda a incidncia sobre os livros, jornais, peridicose ao papel destinado a sua impresso; e, mista, a que impede a tributao sobre o patrimnio, renda ouservios (objetividade material) dos partidos polticos e outras entidades (subjetividade).

Interessa a dita classificao, tendo em vista que, com base nela, h de ser entendido o verdadeiroalcance da imunidade tributria recproca, cerne do presente trabalho, o que ser tratado nas prximaslinhas.

4. A IMUNIDADE RECPROCA

No mbito das limitaes ao poder de tributar, compreendidas no texto constitucional, encontrada a imunidade intergovernamental, tambm conhecida por imunidade recproca das pessoaspolticas10, onde vedada a instituio de impostos sobre o patrimnio, renda ou servios umas dasoutras.

Referido instituto tem razes no direito americano, modelo adotado pelo constituinte brasileiro,aps o famoso caso McCulloch v. Marylland, em que se discutia a cobrana de impostos de banconacional por Estado-membro, julgado em 1819 pelo lendrio juiz Marshall que, ao final, decidiu pelaimpossibilidade da pretenso, com base no princpio da supremacia da Unio.11 No Brasil, o caso americanoinspirou Rui Barbosa e o princpio da imunidade recproca apareceu embrionariamente na primeiraConstituio Republicana, datada de 1891, por aprovao de anteprojeto de autoria daquele jurista.

As idias surgidas com a discusso judicial supracitada apontaram para as seguintes concluses,valendo as mesmas para o modelo brasileiro:

I a competncia para tributar por meio de impostos envolve, eventualmente, a competnciapara destruir;

II no se deseja e a prpria Constituio no admite nem que a Unio destrua os Estados-membros, nem que estes se destruam mutuamente ou Unio; e

III destarte, nem a Unio pode exigir impostos dos Estados-membros, nem estes da Unio, ouuns dos outros.12

9 FERREIRA SOBRINHO, Jos Wilson. Imunidade tributria. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996. p.135.10 A imunidade recproca est prevista no art. 150, inc. VI, alnea a da Constituio da Repblica, com a seguinteredao: Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, aoDistrito Federal e aos Municpios: VI instituir impostos sobre: a) patrimnio, renda ou servios, uns dos outros;.11 Ricardo Lobo Torres apresenta excelente exposio acerca do caso, bem como os seus desdobramentos (Tratado dedireito constitucional financeiro e tributrio. Os direitos humanos e a tributao: imunidades e isonomia. 3. ed. Riode Janeiro: Renovar, 2005. p. 225, v. III).12 CARRAZZA, Roque Antnio. Curso de direito constitucional tributrio. 17. ed. So Paulo: Malheiros, 2002. p. 636.

18

O fundamento da imunidade recproca se apia nos princpios da isonomia entre as pessoaspolticas, da forma federativa de Estado e da capacidade econmica. Todos esses princpios se interligam,pois, o federalismo, no modelo brasileiro, includo no rol das clusulas ptreas,13 tem como pressupostoa convivncia dos entes federativos (Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios) sem qualquersubordinao ou hierarquia, j que possuem suas competncias constitucionalmente demarcadas. Acobrana de impostos entre eles, inevitavelmente, poria em risco o pacto federativo, ante possibilidadede perda da autonomia e subordinao que caracteriza a relao jurdica tributria, bem como em faceda possvel reduo ou esgotamento da sua capacidade econmica.

Para isso, a Constituio da Repblica elencou, expressamente, as pessoas destinatrias dobenefcio imunizador, quais sejam, Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, to somente, ou seja,atribuiu imunidade tributria recproca um carter subjetivo, por levar em considerao a natureza jurdicade cada ente mencionado. Tal regra comporta apenas duas excees: autarquias e fundaes institudas emantidas pelo Poder Pblico, restringindo o alcance da imunidade para esses entes (todos so pessoasjurdicas de direito pblico) apenas no que se refere ao patrimnio, renda e servios vinculados as suasfinalidades essenciais14, na verdadeira compreenso da ordem constitucional vigente.

Assevera Muzzi Filho que a imunidade refere-se, no atividade em si, mas pessoa jurdicaque a executa e acrescenta:

Se assim no fosse, no teria a Constituio declinado as pessoas jurdicasde direito pblico alcanadas pela regra da imunidade, e nem teria sepreocupado em estender tal regra s autarquias e fundaes (3 do art.150), sem se referir ou sem nominar outras pessoas que tambm pudessemexercer servio pblico, como as sociedades de economia mista e as empresaspblicas. Alis, se se tratasse de imunidade objetiva, mais razovel seriadizer que no seria possvel tributar os servios pblicos.15

A imunidade intergovernamental somente protege os entes pblicos, que se integrem estruturapoltica do pas,16 dotados de estatalidade, afastando, assim, os particulares. A Carta Magna estabeleceque determinadas pessoas no podero ser oneradas por meio de impostos, havendo um verdadeirosentido axiolgico, portanto, a informar as imunidades tributrias,17 ou seja, a proteo aos entes federadose, por exceo, s duas entidades compreendidas na redao constitucional: autarquias e fundaesinstitudas e mantidas pelo Poder Pblico. Note-se que todas as entidades citadas so pessoas jurdicasde direito pblico. No h previso do benefcio para as pessoas jurdicas de direito privado, o que afastaas sociedades de economia mista e as empresas pblicas. Quisesse o Constituinte, para homenagear osuposto critrio objetivo da regra imunizante recproca, que outras entidades praticantes do servio pblicose inclussem naquela disposio, no teria elencado taxativamente aquelas previstas; ou, por outro lado,

13 A constituio da Repblica proclama: Art. 60, 4 - No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendentea abolir: I a forma federativa de Estado.14 Exceo prevista no 2 do art. 150 da Constituio da Repblica, de seguinte teor: A vedao do inciso VI, a, extensiva s autarquias e s fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, no que se refere ao patrimnio, rendae aos servios, vinculados a suas finalidades essenciais ou s delas decorrentes.15MUZZI FILHO, Carlos Victor. Empresa brasileira de correios e telgrafos (ECT) Tributao de seus servios. RevistaJurdica da Procuradoria Geral da Fazenda Estadual de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 47, p. 9-25, jul-set 2002.16 Cf. TORRES, Ricardo Lobo, Op. cit., p.238.17 SALOMO, Heloisa Estellita. A tutela penal e as obrigaes tributrias na constituio federal. So Paulo: Revistados Tribunais, 2001. p. 135.

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

19

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

teria includo as empresas pblicas e as sociedades de economia mista naquele rol; ou, estenderia aimunidade recproca para todos os servios de natureza pblica, seja quem fosse a entidade prestadora.

Lanada a incompetncia para as pessoas polticas institurem impostos umas s outras, depara-se, ainda, no texto constitucional, com uma limitao ao exerccio do direito subjetivo dos entes federadosde no se verem tributados. Em outros termos, a imunidade intergovernamental da Unio, Estados, DistritoFederal, Municpios, autarquias e fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, no existir, emcaso de explorao de atividades econmicas ou em que haja contraprestao ou pagamento de preosou tarifas pelo usurio, nem exonera o promitente comprador da obrigao de pagar impostos relativamenteao bem imvel, conforme previsto na Constituio da Repblica.18

Fcil verificar, portanto, que a aplicao do benefcio da imunidade recproca no de todoilimitada, no se tratando de um direito subjetivo de exerccio amplo. Vale esclarecer, neste ponto, que odireito subjetivo de no constar no plo passivo da relao jurdica tributria no se sujeita restrio,mas, em contrapartida, o gozo desse direito pode ser limitado, desde que por norma de ndole constitucional.Assim foi feito pelo constituinte brasileiro, ao permitir que o patrimnio, a renda e os servios das pessoaspolticas e de suas autarquias e fundaes pblicas, relacionados s atividades econmicas ou sujeitos aoressarcimento atravs de preos e tarifas pelo usurio, sejam normalmente tributados.

A disposio consagrada no 3 do artigo 150 do comando constitucional tem sido objeto degrandes tergiversaes por parte de muitos contribuintes, principalmente daqueles a quem interessa que anorma a ser interpretada no considere o seu aspecto semntico, para dar um tratamento exagerado interpretao sistemtica. Assim, pela importncia que a hermenutica exerce sobre os dispositivos oracomentados, revela-se imprescindvel a reserva de algumas linhas a seu respeito, apresentadas no prximocaptulo.

4. HERMENUTICA CONSTITUCIONAL

A interpretao constitucional, nesse trabalho, imprescinde da anlise, tendo em vista que, naseara tributria, tem a norma complementar papel de fundamental importncia, mas, de clara subordinao,uma vez que o direito tributrio [...] perfila um sistema de interpretao prprio s suas peculiaridades,que decorrem da implicitude da lei maior [...] exteriorizadas pelo diploma complementar.19

Infere-se que todas as normas que compem o seio constitucional so de ordem superior efundamentais. Mas, por vezes retoma-se o conceito de que, para a interpretao, precedem os PrincpiosFundamentais da Repblica Federativa e dos Direitos e Garantias Fundamentais.20Com referncia snormas constitucionais de feio tributria, a aplicao do Direito no foge rigidez dos princpiosbalizadores, devendo o intrprete ter em mente os limites da competncia estabelecida no mbito daCarta Magna.

18 Cf. 3 do art. 150 de seguinte teor: As vedaes do inciso VI, a, e do pargrafo anterior no se aplicam ao patrimnio, renda e aos servios, relacionados com explorao de atividades econmicas regidas pelas normas aplicveis aempreendimentos privados, ou em que haja contraprestao ou pagamento de preos ou tarifas pelo usurio, nemexonera o promitente comprador da obrigao de pagar imposto relativamente o bem imvel.19 MARTINS, Ives Gandra da Silva. A interpretao das desoneraes tributrias no direito brasileiro. Revista Tributriae de Finanas Pblicas, So Paulo, n. 49, p. 253-260, mar./abr., 2003.20 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16. ed. So Paulo: Atlas, 2004. p. 47.

20

Aos Princpios Fundamentais da Repblica e aos Direitos e Garantias Fundamentais, muitosoutros so adicionados com o fim de contribuir exaustivamente para a harmonizao do Sistema TributrioNacional como um todo e para a salutar correlao com outros ramos do Direito, tanto pblicos, quantoprivados, mas sempre obedecendo finalidade para a qual so destinados dentro do ordenamento jurdico.

Todos os princpios convivem entre si e devem faz-lo harmoniosamente, muito embora seadmita que possa haver conflitos entre eles,21 o que exige da hermenutica constitucional mais do que umaanlise meramente emprica, mas um norte cientificamente traado, a ser seguido pelo intrprete em seumister. A funo, pois, da hermenutica, conforme Maximiliano22, fornecer ao intrprete os critriosaplicveis na interpretao das regras jurdicas, pois, enquanto que a hermenutica terica [...] ainterpretao de cunho prtico. Assim, pelas regras orientadoras daquela cincia jurdica, deve serabandonado todo o subjetivismo durante a interpretao, em nome da segurana jurdica, para que ointrprete atinja o sentido e o alcance das expresses da lei.

A interpretao das normas jurdicas constitucionais mais problemtica do que a da lei comum,pois a Constituio um texto de ntida feio poltica, sem possuir exclusivo contedo jurdico, fazendocom que os problemas de interpretao constitucional sejam mais amplos e completos, por repercutiremsobre todo o ordenamento jurdico.23 Na soluo de eventual conflito entre bens e direitosconstitucionalmente amparados, algumas regras so utilizadas pela doutrina ptria, onde no mais admitidoo posicionamento, segundo o qual, um texto bem redigido e claro dispensa a tarefa do intrprete. Admitir-se tal insero nas regras interpretativas seria achincalhar o prprio Direito como cincia, reduzindo-o aoum monte de palavras que, se aparentemente bem redigidas, dispensariam o intrprete.

Algumas regras existem para serem usadas no esclarecimento da norma, quando supostamenteso apontados conflitos entre os princpios, podendo destacar aquelas apontadas por Alexandre de Moraes:

a contradio dos princpios dever ser superada, ou por meio da reduoproporcional do mbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos,mediante a preferncia ou a prioridade de certos princpios; deve ser fixadaa premissa de que todas as normas constitucionais desempenham uma funotil no ordenamento, sendo vedada a interpretao que lhe suprima oudiminua a finalidade; os preceitos constitucionais devero ser interpretadostanto explicitamente quanto implicitamente, a fim de colher-se seuverdadeiro significado.24

O Poder Judicirio tem a grande responsabilidade de aplicar o Direito, oferecendo solues,mesmo quando a norma disciplinadora no atendeu especificamente ao caso concreto ou at quando noo precedeu. Nesta ltima hiptese, todavia, onde inexiste previso normativa, h regra para preenchimento

21 Nesse sentido, afirma Jos Joaquim Gomes Canotilho que o fato de a Constituio constituir um sistema aberto deprincpios j insinua que podem existir fenmenos de tenso entre os vrios princpios estruturantes ou entre osrestantes princpios constitucionais gerais e especiais (Direito constitucional e teoria da constituio. 5. ed., Coimbra:Almedina, 1999. p. 196).22 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. p. 14.23 FRIEDE, Reis. Curso analtico de direito constitucional e de teoria geral do estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,2000. p. 27.24 Cf. MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 46.

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

21

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

das eventuais lacunas no ordenamento jurdico, j que admitida ao magistrado a aplicao dos costumese princpios gerais de direito, face ao que estabelece o art. 4 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil.25

Por outro lado, oferecendo o texto legal todos os parmetros para a aplicao normativa, comuso adequado e valorativo da semntica e da lgica, orienta a hermenutica que o intrprete deve abandonaro trabalho exegtico to logo constate a clareza do texto,26 a fim de evitar que enverede pelos obscuroscaminhos da interpretao extensiva, principalmente quando se trata de norma constitucional, pelarepercusso que gerar em todo o ordenamento jurdico, no se tratando, bom frisar, de apego literalidade,mas de atendimento ao fim destinado.

Com relao regra insculpida no 3 do art. 150 da Constituio da Repblica, sintaticamente,a expresso ou trata-se de uma conjuno alternativa, que liga pensamentos que se excluem ou sealternam.27 Ao examinar a aludida regra, verifica-se que o uso da partcula ou foi destinado ao fimprecpuo de alternar o alcance da vedao, determinando que seja uma coisa ou outra: a explorao deatividades econmicas regidas por normas aplicveis a empreendimentos privados ou em que (nasquais, nas atividades) haja contraprestao, pagamento, cobrana de preos e tarifas pelo usurio. Valedizer, o patrimnio, a renda e os servios das entidades arroladas no caput do art. 150 e no seu 2,relacionados com a explorao da atividade econmica, no esto albergados pela imunidade recproca;o patrimnio, a renda e os servios tambm daquelas entidades, quando sujeitos contraprestao porpreos ou tarifas, da mesma forma, no esto sob o abrigo da imunidade intergovernamental.

A incluso da empresa pblica no rol das pessoas excepcionadas no 2 do art. 150 daConstituio da Repblica consistiria em extrapolar os limites da interpretao extensiva28, mtodo usadocomo soluo para os casos em que a lei disse menos do que queria dizer. No o caso, porm, dosupracitado dispositivo constitucional, j que a norma arrolou exaustivamente os beneficirios da regraimunizante. Da mesma forma, no considerar o que foi tratado pelo constituinte (art. 150, 3) comoexceo reciprocidade da exao tributria, para dar tratamento privilegiado empresa pblica quecobra tarifas, legislar a favor desta.

Muito embora a tendncia do Supremo Tribunal Federal caminhar para uma interpretaoextensiva das imunidades29, a esse posicionamento cabe a invocao contrria do princpio hermenuticoda Taxatividade da Norma Constitucional, lembrado por Motta e Douglas:

Uma norma constitucional deve sempre ser interpretada taxativamenteno se admitindo uma interpretao de (fora do contexto constitucional)de maneira extensiva ou analgica. Esse princpio decorre do anterior[referem-se os autores ao Princpio da Imperatividade da NormaConstitucional] e limita o mbito de incidncia na norma constitucional vontade expressa do legislador constituinte.30

25 Cf. Decreto-lei n 4.657, de 04/09/1942, art. 4: Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia,os costumes e os princpios gerais de direito.26 MACEDO, Mauri R. de. A lei e o arbtrio luz da hermenutica. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 19.27 ANDR, Hildebrando Afonso de. Gramtica Ilustrada. 2. ed. So Paulo: Moderna, 1981. p. 231.28 Heleno Torres, dizendo sobre o dirigismo hermenutico, aduz que a interpretao extensiva estaria manifestada nainteno do intrprete em ampliar o sentido da norma para alm de uma interpretao especificadora, com a finalidade dealcanar situaes ou propriedades que aparentemente no estariam contidas no enunciado interpretado. (Direitotributrio e direito privado. Autonomia privada simulao eliso tributria. So Paulo: Revista dos Tribunais,2003. p. 221).29 RE 174.476-6/SP, DJ 12.12.97.30 MOTTA, Slvio, DOUGLAS, William. Concurso pblico direito constitucional. Rio de Janeiro: Oficina do Autor,1996. p. 7.

22

Conforme j amplamente proclamado, a imunidade intergovernamental atende necessidade deproteo ao Pacto Federativo, que poderia ser ameaado na hiptese de sujeio de uma pessoa poltica outra e, conseqentemente, perda da sua autonomia. Referida ameaa no se revela quando se trata deuma entidade dotada de personalidade jurdica de direito privado (empresa pblica31), que mantm operantea fonte de custeio da prestao de seus servios: os preos e as tarifas cobradas dos usurios. Essa arazo de a Constituio da Repblica ter permitido a incidncia de impostos sobre o patrimnio, rendas eservios das pessoas polticas, autarquias e fundaes, quando houver cobrana de preos e tarifas.

Bom frisar que a incluso das autarquias e fundaes institudas e mantidas pelo poder pblicofoi feita de forma excepcional, pois a regra a reciprocidade entre os entes dotados de poderes legislativos(Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios), pessoas jurdicas que podem figurar no plo ativo darelao jurdica tributria. A adio da empresa pblica, sobretudo, a que cobra tarifas pela prestao doservio, lista dos beneficirios elencados pelo texto constitucional, constituiria a exceo da exceo,tendo em vista que todos eles so pessoas jurdicas dotadas de personalidade jurdica de direito pblico.No se deve olvidar, portanto, os valores assegurados pela lei no tratamento dado aos institutos de direitopblico e privado, sobretudo quando a norma de nvel constitucional, mas proporcionar interpretaosistemtica a indicao do seu real alcance e finalidade.

A despeito de se defender que a imunidade tributria recproca somente beneficia as pessoasexpressamente citadas no texto constitucional, j que este levou em considerao a natureza jurdica dasmesmas, resta demonstrar o no enquadramento das empresas pblicas naquele privilgio, no apenassob o aspecto subjetivo (pessoa jurdica de direito privado), mas tambm sob o enfoque objetivo, umavez que a combinao do benefcio imunizador com a atividade econmica e sujeita cobrana de tarifas incompatvel e, sobretudo, inconstitucional.

6. O REGIME TRIBUTRIO DAS EMPRESAS PBLICAS

A empresa pblica toda organizao de natureza civil ou mercantil destinada exploraopelo Estado de qualquer atividade com fins lucrativos32, ou seja, criada para a explorao da atividadeeconmica que o Governo seja levado a exercer33. Possui patrimnio prprio e capital exclusivo doPoder Pblico, podendo revestir-se de quaisquer formas admitidas em Direito, sempre criada por Lei.Portanto, aquela empresa dotada de personalidade jurdica de direito privado. Esse tambm o tratamentodado pela Constituio da Repblica, que ao cuidar da Ordem Econmica e Financeira, deixa clara anatureza privada daquele ente estatal, nos termos do artigo 173 caput, seus pargrafos e incisos, devendodestacar que as empresas pblicas e as sociedades de economia mista no podero gozar de privilgiosfiscais no extensivos do setor privado (art. 173, 2). O caput desse dispositivo permite a exploraodireta de atividade econmica pelo Estado, quando necessria aos imperativos da segurana nacionalou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei e ressalvados os casos previstos pelo prpriotexto constitucional.

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

31 O Decreto-lei n 200, de 25.2.1967, classifica as autarquias como pessoas jurdicas de direito pblico, as empresaspblicas e as sociedades de economia mista como detentoras de personalidade jurdica de direito privado. Quanto sfundaes, foram, a princpio, consideradas pessoas jurdicas de Direito Privado, em face da redao do inc. IV do art. 5daquele Decreto-lei, dada pela Lei 7.596/87. A Constituio de 1988 passou a tratar as fundaes pblicas como entidadesde Direito Pblico em dispositivos esparsos do seu texto (arts. 71, II, III e IV; 169, pargrafo nico; 150, 2; 22, XXVII;37, XVII e XIX, 163, II, e art. 19 do Ato das Disposies Transitrias).32 CRETELLA JNIOR, Jos. Manual de direito administrativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 97.33 Cf. Decreto-lei 900, de 29.09.1969 in . Acesso em: 19 mar 2005.

23

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

A ressalva efetuada pelo artigo sob comento refere-se s atividades que, por poltica de proteoa determinados assuntos, prefere a Constituio que sejam executadas por meio de monoplio (art. 177).Porm, em uma anlise mais atenta da realidade, verifica-se que tambm aquelas atividades se sujeitams regras de Direito Privado e correspondem, pura e simplesmente, a atividades econmicas subtradasdo mbito da livre iniciativa.34

Na medida em que a Administrao Pblica resolve atuar na atividade econmica, passa a sesubmeter s regras do Direito Privado, sem quaisquer privilgios de natureza fiscal no extensivos quelesetor. A imunidade recproca um benemrito fiscal, de natureza constitucional, atribudo s pessoaspreviamente demarcadas, para que se vejam livres da submisso tributria, por proibio de se instituirimpostos umas s outras, nos casos especificados. A atividade econmica praticada por ente estatal sempre custeada por preos e/ou tarifas, de modo que, uma vez existente a contraprestao, impede aConstituio da Repblica que a entidade estatal se privilegie com a imunidade intergovernamental, mesmo,porque, a exao tributria no ofenderia a capacidade contributiva, tendo em vista a existncia da fontede custeio das atividades a serem tributadas.

Para Di Pietro, se a Administrao Pblica optou por desempenhar atividade econmica, deversubmet-la ao direito privado:

A opo por um regime ou outro feita, em regra, pela Constituio oupela lei. Exemplificando: o artigo 173, 1, da Constituio determina quea empresa pblica, a sociedade de economia mista e as suas subsidiriasque explorem atividade econmica se sujeitem a regime jurdico prpriodas empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigaes civis,comerciais, trabalhistas e tributrias. No deixou qualquer opo Administrao Pblica e nem mesmo ao legislador; quando este instituir,por lei, uma entidade para desempenhar atividade econmica, ter quesubmet-la ao direito privado.35

A lei criadora da empresa pblica dever estabelecer o seu estatuto jurdico e dispor sobre asujeio ao regime jurdico prprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigaescivis, comerciais, trabalhistas e tributrios (art. 173, 1, inc. II, da Constituio da Repblica). Otratamento tributrio constitucional, conforme se viu, o mesmo recebido pelas demais pessoas jurdicasde direito privado, assim como as obrigaes trabalhistas, pois, sabe-se que os funcionrios da empresapblica, como de todas as estatais, tm o seu contrato de trabalho regido pelas normas do Direito doTrabalho, muito embora, dirigentes e empregados, no sendo servidores pblicos, estejam sujeitos svedaes constitucionais de acumulao de cargos (art. 37, XVII) e sejam considerados funcionriospblicos para efeito de responsabilizao criminal (art. 327, pargrafo nico, do Cdigo Penal Brasileiro),o que no desnatura a condio privada daquela entidade.

A atribuio da natureza jurdica privada da empresa pblica subsiste juntamente com a sujeiodaquela pessoa jurdica aos princpios da Administrao Pblica, sem sofrer qualquer abalo. que, namedida em que o texto constitucional, ao mesmo tempo em que dispe sobre o regime jurdico privado daempresa pblica (e tambm da sociedade de economia mista), vedando-lhe privilgios fiscais, submete-aaos princpios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade, expressos no art. 37 da Carta

34 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. So Paulo: Malheiros, 1998. p. 451.35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. So Paulo: Atlas, 2000. p. 63.

24

Magna, demonstrando a convivncia pacfica e harmoniosa dos princpios da Administrao Pblica, daOrdem Econmica e, ainda, do Sistema Tributrio Nacional, em razo do disposto na regra que no lhepermite se beneficiar da imunidade recproca, pelos motivos j explicitados.

A condio de paraestatal, na qual se incluem as empresas pblicas, no descaracteriza a suanatureza privada, ensinando Meirelles que:

Entidades Paraestatais So pessoas jurdicas de Direito Privado cujacriao autorizada por lei especfica para a realizao de obras, serviosou atividades de interesse coletivo. So espcies de entidades paraestataisas empresas pblicas, as sociedades de economia mista e os servios sociaisautnomos (SESI, SESC, SENAI e outros). As entidades paraestatais soautnomas, administrativa e financeiramente, tm patrimnio prprio eoperam em regime de iniciativa particular, na forma de seus estatutos,ficando vinculadas (no subordinadas) a determinado rgo da entidadeestatal a que pertencem, o qual supervisiona e controla seu desempenhoestatutrio, sem interferir diretamente na sua administrao.36

Para melhor examinar um caso prtico, de utilidade tomar como exemplo a Empresa Brasileirade Correios e Telgrafos, empresa pblica que atua economicamente no ramo do servio postal, comcaractersticas peculiares, pois pratica atividades sob regime de monoplio e outras em francacompetitividade com a iniciativa privada.

7. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELGRAFOS E IMUNIDADERECPROCA

Assiste-se, j h algum tempo, a apaixonantes debates nos Tribunais acerca da cobrana deimpostos da Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos, doravante a ser aqui tratada apenas por ECT.De um lado, figuram ora os Estados, ora os Municpios, na qualidade de sujeitos ativos da cobranatributria e, de outro, a ECT, na condio de sujeito passivo da exao, em aes de execuo fiscal,declaratrias de inexistncia de relao jurdica tributria, anulatria de dbitos fiscais ou mandados desegurana. As discusses travadas centram-se, basicamente, na incluso ou no daquela empresa naregra da imunidade recproca, j que entende a ECT ser beneficiria daquele instituto, tese contra a qualse insurgem os Estados e os Municpios, cuja jurisprudncia ainda no se assentou sobre uma ou outraposio.

Em socorro tese da ECT, proclamou Ataliba37, que a imunidade recproca protege o serviopblico, importando a atividade em si, ou seja, atribuindo critrio objetivo norma imunizante. TambmIves Gandra38 no deixou de apoiar a tese objetiva da imunidade, considerando a ECT como beneficiriadaquele instituto, em face da natureza dos servios por ela prestados, dizendo que, quando os servios

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

36 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. So Paulo: Malheiros, 1993. p. 63.37 ATALIBA, Geraldo. E.C.T. e Icms. 1992. Nota: no consta que tenha o autor publicado o seu trabalho, podendo serencontrada cpia em processos administrativos e judiciais, como nos autos de Embargos de Devedor n 20023800004351-4 (23 Vara Federal Seo Judiciria de Minas Gerais, em que contendem a ECT e a Fazenda Pblica do Estado de MinasGerais).38 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidade tributria dos correios e telgrafos. Revista Jurdica, Porto Alegre, n. 288.p. 32-39, out 2001.

25

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

pblicos forem monopolizados ou de responsabilidade exclusiva da Unio, submetem-se regncia daimunidade do artigo 150, inciso VI, letra a. Ambos os autores elaboraram os seus pareceres, prestandoconsultoria direta ECT, que vem utilizando aqueles argumentos nos processos administrativos e judiciais.

A questo que envolve a ECT advm da seguinte indagao: a aquela empresa imune aosimpostos, em razo da atividade que exerce como prestadora do servio postal? Para quem entende quebasta a anlise da sua natureza jurdica, a resposta pergunta NO. Por outro lado, para aqueles queentendem que o importante a verificao da atividade exercida pela empresa, se prestadora de serviopblico monopolizado, independentemente da natureza jurdica privada da mesma, a resposta SIM.

A anlise das condies pessoais daquela empresa fator primordial para a resposta interrogaosupra, j que, conforme antes visto, a Constituio da Repblica enumerou taxativamente os entesdestinatrios dos benefcios da imunidade recproca, ou seja, Unio, Estados, Distrito Federal, Municpios(pessoas polticas e dotadas de Poder Legislativo), autarquias e fundaes pblicas (como excees regra), todas pessoas jurdicas de Direito Pblico. Porm, entende-se que a anlise da atividade exercidapela empresa ECT ser de grande utilidade, na medida em que servir para confirmar o carter subjetivoda regra imunizante, que no pode ficar merc de critrios de atuao da empresa, regidos pela normainfraconstitucional e, ainda, desmistificar as idias de que, primeiro, aquela empresa no atua apenas naforma de monoplio e, segundo, que este no incompatvel com a atividade econmica.

A ECT foi criada a partir do Decreto-lei 509, de 20.03.1969, que transformou o Departamentodos Correios e Telgrafos em uma empresa pblica, vinculada ao Ministrio das Comunicaes paraexecutar e controlar, em regime de monoplio, os servios postais em todo o territrio nacional e, atque fossem transferidos para a Embratel, prestar os servios de telegrafia e telecomunicaes. A Lei6.538, de 22.06.1978, veio dispor sobre os servios postais regulando os direitos e obrigaes daquelaempresa, enumerando expressamente os servios a serem prestados sob o regime de monoplio39. Assim,h de ser conferido que a origem do monoplio dos Correios no o texto constitucional, mas a lei emsentido estrito.

Os servios postais so lembrados pela Constituio da Repblica nos artigos 21, inciso X e 22,inciso V. O primeiro, atribuindo competncia exclusiva Unio para manter o servio postal e o correioareo nacional, o segundo, delegando competncia privativa Unio para legislar sobre servio postal. Ocorreio areo nacional, apenas para ilustrar, no mais faz parte das atribuies da ECT, pois vincula-se,atualmente, ao Ministrio da Aeronutica.

A manuteno do servio postal pela Unio encontra-se no Ttulo III da Constituio da Repblica,reservado Organizao do Estado. Referido ttulo trata de evidenciar o federalismo do Estado Brasileiro,no tocante sua organizao poltico-administrativa, distribuindo competncia entre as trs esferas dafederao. Naquela distribuio de competncias, reserva a ordem constitucional a manuteno exclusivado servio postal e correio areo nacional Unio, no captulo destinado s competncias daquela entidadepoltica, afastando, com isso, a intromisso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios. Trata-se,pois, de matria eminentemente poltica, por razes de interesse que no so regionais ou locais, mas dembito nacional.

39 Cf. Art. 9, de seguinte teor: So exploradas pela Unio, em regime de monoplio, as seguintes atividades postais: I-recebimento, transporte e entrega, no territrio nacional, e a expedio, para o exterior, de carta e carto-postal; II-recebimento, transporte e entrega, no territrio nacional, e a expedio, para o exterior, de correspondncia agrupada; III-fabricao, emisso de selos e de outras frmulas de franqueamento postal.

26

Tem a Unio o dever de manter o servio postal. Entenda-se que o sentido daquele verbocoincide com o de prover. Deve a Unio prover o pas do necessrio para a instalao, continuidade egeneralidade do servio, ou seja, compete exclusivamente quela pessoa poltica seja o servio postalmantido minimamente no territrio nacional, salvaguardando aos brasileiros o acesso queles servios ediligenciando para sua manuteno. No significa, no entanto, que o texto constitucional tenha reservadoo monoplio daquela matria Unio, mas a lei o fez para algumas atividades postais, excluindo outras demesma natureza.

No se pode confundir monoplio com exclusividade, pois aquele um meio de intervenoeconmica, atravs do qual a atividade subtrada da livre concorrncia. J a exclusividade aludida notexto constitucional relaciona-se com a inadmisso da existncia de outra pessoa na titularidade da matriareservada, embora ambos os institutos, quando advindos da lei, possuem um ponto de interseo, qualseja, o benefcio da coletividade como um todo, traduzido pela realizao do bem comum.

O regime de exclusividade adotado pelo texto constitucional aos servios postais afasta aintromisso dos Estados, Distrito Federal e Municpios, por razes de cunho administrativo, centralizandoaqueles servios na esfera da Unio, to somente, cabendo, tambm, a esta, a competncia para legislarsobre matria postal assim como sobre guas, energia, informtica, telecomunicaes, radiodifuso, jazidas,minas, comrcio exterior e interestadual, trnsito e transporte, transferncias de valores, registros pblicos,sistemas de consrcios e sorteios, etc., servios tantos e, na sua grande maioria, entregues iniciativaprivada.

Em nenhum momento a Constituio da Repblica determinou que o servio postal fosse prestadona forma de monoplio ou proibiu que fosse o mnus cumprido fora do mbito da atividade econmica elucrativa, mas estabeleceu que a Unio deveria mant-lo em todo o territrio nacional, sem qualquerdescontinuidade. Esse tambm o posicionamento da prpria Unio, tendo em vista que enviou aoCongresso Nacional projeto de lei que coloca nas mos da iniciativa privada todos os servios postaisexistentes, transformando a ECT em uma Sociedade Annima. Em mensagem40 ao Poder Legislativo, oGoverno Federal destaca que o monoplio atribudo ECT no decorrncia direta do textoconstitucional, mas sim da lei que regulamenta a atividade postal, ou seja, a flexibilizao do monoplioinstitudo pela lei postal no demandar modificao de dispositivo constitucional.

O movimento da terceirizao dos servios postais j uma realidade, assim como o exerccioda atividade de forma competitiva e arrojada, prpria do mundo empresarial, como o franqueamento iniciativa privada dos servios postais, conforme lembra Di Pietro:

[...] verifica-se um outro movimento consistente na adoo de tcnicadiversa de privatizao mediante celebrao de contratos que implicamno a privatizao da empresa, mas a privatizao da execuo de serviospblicos, pela sua transferncia ao setor privado. Da falar-se muito, hoje,em todos os nveis de governo, em terceirizao no mbito da AdministraoPblica. Da, adotar-se a franquia em determinados setores, como o doscorreios e telgrafos.41

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

40 Cf. Mensagem MSC-920, 30 jun 1999, que encaminha Projeto de Lei PL 1491/1999, in . Acesso em: 19 mar 2005.41 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administrao pblica. 3. ed. So Paulo: Atlas, 1999. p. 154.

27

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

Constata-se que a ECT vem prestando o servio postal de forma hbrida, entre o monoplio,nos casos arrolados na lei especfica, e a concorrncia, como o transporte de encomendas de todos ostipos, servios de importao e exportao, venda de mercadorias diversas, servios on line comoCorreiosNetShopping, Marketing Direto , etc. Vale destacar que a caracterstica econmica daatividade da ECT tambm considerada pela prpria Unio, que cobra o Imposto de Renda sobre olucro daquela empresa.

Verificando-se que a prestao do servio postal vem sendo praticada pela empresa pblica,nos moldes da iniciativa privada, de forma empreendedora, economicamente exercida, com auferimentode lucros que promovam o equilbrio auto-sustentvel, infere-se que a atividade praticada pela ECTinclui-se na regra estatuda pelo artigo 173 da Constituio da Repblica, tendo em vista que a Unio, pormeio de empresa pblica, atendendo aos imperativos de interesse coletivo, explora economicamente oservio postal, no podendo gozar de privilgios fiscais no extensivos s do setor privado, como aimunidade tributria recproca.42 No h qualquer incompatibilidade, portanto, entre a prestao do serviomonopolizado e a cobrana de impostos. Como exemplo dessa combinao, pode-se citar o caso daPetrobrs, onde no houve questionamento plausvel da exao.

Retomando a questo dos requisitos para o benefcio da imunidade recproca, verifica-se que aECT, por ser pessoa jurdica de direito privado e por no estar includa no rol das beneficirias, no faz jusquela desonerao tributria. Por outro lado, mesmo que o texto constitucional tivesse adotado o critrioobjetivo, que leva em conta a atividade exercida, no importando a natureza jurdica da pessoa, aindaassim no poderia ser a ECT includa na regra da imunidade recproca, em razo, primeiro, da vedaoconstitucional do gozo de privilgios fiscais (art. 173 e pargrafos) e, segundo, pela contraprestao pagapelo usurio por meio de preos e tarifas, cujos valores so estabelecidos pelo Ministrio das Comunicaes.

Instado a se pronunciar, o Supremo Tribunal Federal ainda no adotou uma posio unnime,podendo colher do voto do Ministro Rafael Mayer uma posio favorvel ao fisco, ainda sob a gide daConstituio de 1967:

[...] A controvrsia no se situa no plano da imunidade recproca, delaseguramente excluda a hiptese, sob dplice e essencial aspecto. Primeiro,porque quanto ao aspecto objetivo, a imunidade instituda no art. 19, III,da Constituio, diz respeito somente a impostos, e no s demais espciestributrias; segundo, quanto ao aspecto subjetivo, a imunidade recprocaque alcana, primordialmente, as entidades pblicas dotadas de podertributante a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios extensiva, em norma expressa e especfica, s autarquias, e, obviamente,s a elas.[...]43

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal exarou deciso favorvel ECT, onde se podecopiar do voto do Relator:

[...] No que concerne ECT, a lio de Ives Gandra Martins no sentido de estar elaabrangida pela imunidade tributria do art. 150, VI, a, da CF. Escreve Ives Gandra Martins:

42 A ECT anuncia como sua misso: Facilitar as relaes pessoais e empresariais mediante a oferta de servios decorreios com tica, competitividade, lucratividade e responsabilidade social, in . Acesso em: 19 mar 2005.43 BRASIL. STF. RE n 90.470-PB. Ministro Relator Cordeiro Guerra. Ministro Relator para o Acrdo Nri da Silveira,julgado em 10 dez 198 in DJU 26 mar 1982, p. 02563.

28

Em concluso e em interpretao sistemtica da Constituio e do tipo de serviosprestados pela consulente, no que diz respeito aos servios privativos, exclusivos, prpriosou monopolizados, nitidamente, a imunidade os abrange, sendo seu regime jurdicopertinente quele da Administrao Direta.[...]44

A deciso mais recente da Corte Suprema no exprime o pensamento de todo o rgo, poistrata de deciso apenas da Segunda Turma, cujo Acrdo ainda desafia os competentes Embargos deDivergncia. Ademais, analisou-se a questo da imunidade recproca basicamente sob o aspecto objetivo,em razo da atividade prestada por meio do monoplio, embora, como j foi anotado, a ECT tambmrealize operaes mercantis em franca concorrncia com a iniciativa privada. Essa ltima posio surgiuem processo judicial onde se discutia a incidncia de imposto municipal de natureza direta, o que impedeque sirva de parmetro no caso dos impostos indiretos, em face da sua repercusso junto ao consumidorfinal.

8. A IMUNIDADE RECPROCA E OS IMPOSTOS INDIRETOS

A Constituio da Repblica estabelece os limites da competncia tributria e, ao tratar daimunidade recproca, aludiu somente aos impostos, espcie do gnero tributos. A referncia foi expressa,o que corrobora a classificao doutrinria de imunidades genricas e especficas, ou de normas jurdicasimunizantes em sentido amplo e em sentido estrito,45 quando se relacionam, respectivamente, a tributos,de um modo geral, ou a alguma outra espcie tributria. Desta forma, as taxas, as contribuies demelhoria e as contribuies parafiscais no foram includas naquela norma limitativa, conquanto a regraconstitucional da imunidade intergovernamental recproca tem campo de atuao delimitado46. Tendoem vista a expressa previso constitucional e a anlise percuciente da doutrina, a jurisprudncia47 tornou-se unvoca nesse sentido.

Partindo da pretenso axiolgica da imunidade recproca, que tem por finalidade a proteo doPacto Federativo, em homenagem aos princpios da igualdade e autonomia, conclui-se que a norma sedestina s pessoas que detm o poder de tributar. Essas so as beneficirias descritas no texto constitucional,com relao ao seu patrimnio, rendas e servios. Vale dizer, a norma no quer privilegiar os particulares,pois o bem pblico que visa proteger, com a inexistncia de submisso de um ente poltico a outro. Mas,h situaes nas quais existe a participao de terceiros envolvidos na relao tributria, de modo que, hde ser conferido quem arcar com o nus do imposto incidente.

Nos chamados impostos indiretos, tambm denominados de impostos de repercusso, ocontribuinte de direito no aquele que verdadeiramente arca com o seu nus, cabendo-lhe apenas orepasse aos cofres pblicos do numerrio recolhido do contribuinte de fato. Referidos impostos, como oIPI e o ICMS, so tributos que, por sua natureza, comportam a transferncia de seu nus a terceiros. Nocaso da imunidade recproca, como a proteo ao patrimnio, renda e ao servio da pessoa jurdicade Direito Pblico, na hiptese de esta figurar como a responsvel pelo nus, o benefcio imunizador ter,indubitavelmente, cumprido a sua misso. Porm, se o contrrio ocorrer, ou seja, o nus recair noconsumidor, sem que o bem pblico sofra qualquer reduo, no h como estender o benefcio.

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

44 BRASIL. STF. RE n 407.099-RS. Ministro Relator Carlos Velloso, julgado em 22 jun 2004 in DJU 30 jun 2004, p. 00062.45 PESTANA, Mrcio. O princpio da imunidade tributria. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 71.46 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributrio brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 259.47 O Supremo Tribunal Federal, na gide da Constituio de 1946, referindo-se imunidade recproca, editou a Smula324, com o seguinte teor: A imunidade do art. 31, V, da Constituio Federal, no compreende as taxas.

29

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

Segundo Sacha Calmon48, patrimnio, renda e servios so vocbulos denticos. Possuem umnico sentido, quer para configurar situaes expressamente tributveis, quer para desenhar situaesexpressamente intributveis. Com razo Ricardo Lobo Torres, quando afirmou que os impostos indiretosincidem sobre os entes pblicos, assim na situao de vendedores como na de compradores damercadoria49, embora argumente que no importa a classificao tcnica do imposto, bastando queatinja economicamente o patrimnio, a renda e os servios da pessoa protegida pela imunidade recproca.A smula 591 da Suprema Corte veio dar soluo ao vacilo da jurisprudncia,50 que titubeava entre oentendimento, por influncia de Aliomar Baleeiro, de que os entes pblicos eram imunes nas hipteses emque figuravam como contribuintes de fato, e o ponto de vista de que, pouco importa a repercussoeconmica do tributo, para efeito de imunidade ou iseno.

A Corte Suprema ptria j decidiu pela inexistncia de imunidade recproca quando se tratar deimposto de consumo (denominao dadas ao impostos indiretos como IPI e ICMS na vigncia dasConstituies passadas), valendo destacar a ntegra da ementa assim perpetrada:

Imposto de consumo, atualmente imposto sobre produtos industrializados.Imunidade recproca das entidades pblicas. Tal imunidade no afasta aincidncia desse imposto na aquisio de mercadorias por aquelas entidades,porque no caso, a relao jurdico-tributria estranha entidade pblica,visto que a relao formada pelo fisco e o responsvel legal pelo impostoou vendedor da mercadoria.51

A caracterstica indireta do imposto faz com que a pessoa jurdica de direito pblico no venhaa sofrer com o seu nus, em face de o tributo no alcanar o seu patrimnio ou renda e servios. Afinalidade da norma da imunidade tributria recproca restar atingida, se o bem jurdico no for ameaado,com repercusso apenas sobre o terceiro particular. No caso da ECT, a cobrana do ICMS pelos Estadosno tem o condo de impedir os objetivos do servio praticado pela empresa, ou mesmo, atrapalhar nalucratividade que vem obtendo, em face da repercusso econmica sobre o consumidor, usurio doservio prestado, que sofre o nus de natureza econmica e que paga o servio mediante preos e tarifas.

Percuciente a concluso de Muzzi Filho52 que, em anlise ao caso especfico da ECT, advertiusobre o reflexo que a imunidade pudesse ensejar sobre o preo do servio postal, com benefcio para ocidado, destacando a posio adotada pelo Ministro Moreira Alves, para quem a isso evidentementeno visa a imunidade, cujo destinatrio o ente governamental, e no o cidado.

De resto, sempre vlido repensar qualquer questo utilizando a tica difusa e, nesse esforo,verifica-se que, se a imunidade tributria intergovernamental tem por escopo abrigar as pessoas jurdicasde direito pblico contra a tributao recproca, a incapacidade de instituir tributo tambm atinge a outrapessoa jurdica de direito pblico destinatria da vedao, que no poder haver o valor do tributo, a fim

48 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentrios constituio de 1988 sistema tributrio. 6. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1997. p.341.49 Cf. Tratado de direito... Op. cit. p. 245.50 Smula 591: A imunidade ou a iseno tributria do comprador no se estende ao produtor, contribuinte do impostosobre produtos industrializados.51 BRASIL. STF. RE n. 67814/SP. Ministro Relator Antnio Neder, julgado em 22 nov 1971 in DJU 21 dez 1971. No mesmosentido, RE 68.741-SP. Ministro Relator Bilac Pinto, julgado em 28 set 1970, in RTJ 55:188.52 MUZZI FILHO, Carlos Victor. Empresa brasileira... Op. cit. p. 20.

30

de fazer atingir os seus fins institucionais. Se a capacidade econmica entre governos tem proteoimunizadora, lado outro, o ente impedido de tributar est sofrendo reduo daquela capacidade, pois areceita tributria a maior fonte de recursos para que as pessoas polticas cumpram com o mnus pblico.

A interpretao elstica da imunidade tributria recproca no pode ultrapassar os limitessubjetivos perpetrados pelo texto constitucional, pois, com o pretexto de incluir mais pessoas sob o pliodo benefcio, sobretudo quando a extenso favorece ente privado (empresa pblica e sociedade deeconomia mista), estar o intrprete agindo em prejuzo de outra pessoa, o que mais grave, daquela quepossui natureza jurdica de direito pblico interno, ferindo um dos maiores princpios do direito, o daSupremacia do Direito Pblico sobre o Privado, que prestigia os interesses coletivos em face dosparticulares. No o que se espera dos tribunais ptrios, mas o anseio por uma anlise mais atenta aosaspectos subjetivos levados em considerao pela Constituio da Repblica Federativa do Brasil.

9. CONCLUSO

As feies de carter constitucional do Direito Tributrio demonstram que a Carta Magna ainformadora dos princpios que norteiam a relao jurdica tributria, com destaque para a regra dacompetncia da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios para instituir os tributos. As pessoas polticas,porm, no possuem poderes ilimitados para criar tributos, mas, ao contrrio, sujeitam-se s regrasdemarcadoras da competncia tributria, que impedem o ente tributante de legislar nos casos especificadosno texto constitucional.

Uma das formas de delimitao da competncia tributria a imunidade. Apontados osposicionamentos doutrinrios acerca da definio do instituto, conclui-se pelo conceito de que a imunidade a delimitao, no sentido negativo, da competncia tributria, com feies distintas da no-incidncia,iseno e alquota-zero. Destaca-se a relevncia da classificao das imunidades em objetivas e subjetivas,sendo aquelas as que levam em conta a natureza do bem protegido, enquanto as subjetivas consideram aqualidade da pessoa a ser imunizada.

Constata-se que o fundamento da imunidade recproca reside na proteo ao Pacto Federativo,na isonomia das pessoas polticas e na sua capacidade econmica; que o critrio utilizado pelo constituintena indicao dos destinatrios do benefcio o subjetivo; que as pessoas albergadas pela imunidadeintergovernamental so a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios; que a exceo regra foiexpressamente autorizada para somente as autarquias e as fundaes pblicas, todas elas sem explorar aatividade econmica ou que, pelos servios executados, no haja contraprestao por preos ou tarifas.

Pela importncia que a definio da imunidade tem para a sua correta aplicao, maior espaodeve ser dada hermenutica constitucional, como critrio para a uma anlise apurada dos dispositivosde regncia. Verifica-se que a interpretao da norma constitucional mais complexa, em razo de suaunicidade; que deve ser afastada a elasticidade da norma, quando a mesma se encontre revestida declareza; que a incluso de pessoa jurdica de direito privado no rol dos beneficirios da imunidade recproca inconstitucional, em razo de sua natureza jurdica de direito privado.

As caractersticas da empresa pblica revelam a sua natureza jurdica de direito privado, a suaorigem e definio legais, bem como as suas qualidades empresariais e de incluso na atividade econmica;resta, ainda, demonstrado que, por suas caractersticas, est a empresa pblica afastada da regra daimunidade tributria intergovernamental.

Como exemplo, vlido citar a ECT, que presta o servio postal em regime de monoplio em

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

31

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

alguns casos e na forma de concorrncia com a livre iniciativa em outros, mas sempre revestida decaractersticas econmicas e lucrativas. Apresentada a diferena entre a exclusividade e o monoplio,atestando que esse ltimo teve origem em norma infraconstitucional, conclui-se que a ECT no preencheos requisitos subjetivos e objetivos para se enquadrar no rol das beneficirias da imunidade recproca. Hposicionamentos antagnicos da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, que prescindem depacificao.

Com relao aos impostos chamados indiretos, interessa apontar quem arca com o impostopara efeito do benefcio da imunidade intergovernamental. Quando o nus tributrio repercutir no particular,como o caso do ICMS, no h imunidade recproca, pois a finalidade desta a proteo ao bem pblico(patrimnio, renda e servios da pessoa jurdica de direito pblico).

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ANDR, Hildebrando Afonso de. Gramtica ilustrada. 2. ed. So Paulo: Moderna, 1981.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributrio brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

CANOTILLO, Jos Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituio. 5. ed. Coimbra:Almedina, 1999.

CARRAZA, Roque Antonio. Icms. So Paulo: Malheiros, 2001.

___________. Curso de direito constitucional tributrio. 17. ed. So Paulo: Malheiros, 2002.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributrio. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 1991.

CASSONE, Vittorio. Direito tributrio. 12. ed. So Paulo: Atlas, 2000.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributrio brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

CRETELLA JNIOR, Jos. Manual de direito administrativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. So Paulo: Atlas, 2000.

___________. Parcerias na administrao pblica. 3. ed. So Paulo: Atlas, 1999.

FERREIRA SOBRINHO, Jos Wilson. Imunidade tributria. Porto Alegre: Srgio Antnio FabrisEditor, 1996.

FRIEDE, Reis. Curso analtico de direito constitucional e de teoria geral do estado. 2. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2002.

LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenes tributrias. So Paulo: Dialtica, 1999.

MACEDO, Mauri R. de. A lei e o arbtrio luz da hermenutica. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. A interpretao das desoneraes tributrias no direito brasileiro.Revista Tributria e de Finanas Pblicas, So Paulo, n. 49, p. 253-260, mar./abr., 2003.

___________. Imunidade tributria dos correios e telgrafos. Revista Jurdica, Porto Alegre, n. 288,p.32-39, out., 2001.

32

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1961.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. So Paulo: Malheiros, 1993.

MELO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. So Paulo: Malheiros, 1998.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16. ed. So Paulo: Atlas, 2004.

MOTTA, Slvio, DOUGLAS, Willian. Concurso pblico direito constitucional. Rio de Janeiro: Oficinado Autor, 1996.

MUZZI FILHO, Carlos Victor. Empresa brasileira de correios e telgrafos (ECT) tributao de seusservios. Revista Jurdica da Procuradoria Geral da Fazenda do Estado de Minas Gerais, BeloHorizonte, n. 47, p. 9-25, jul./set., 2002.

NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de direito tributrio. 14. ed. So Paulo: Saraiva, 1995.

PESTANA, Mrcio. O princpio da imunidade tributria. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

SALOMO, Heloisa Estellita. A tutela penal e as obrigaes tributrias na constituio federal.So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

TORRES, Heleno. Direito tributrio e direito privado: autonomia privada, simulao, eliso tributria.So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributrio: os direitos humanose a tributao: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

ALDA DE ALMEIDA E SILVA - Imunidade Tributria Recproca

33

DIREITO PBLICO: REVISTA JURDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, n. 1/2, Jan./Dez., 2005

A TRIBUTAO DOS PROVEDORES DE ACESSO INTERNET:no-incidncia de ICMS ou de ISSQN

ANDR MENDES MOREIRA

* Mestre em Direito Tributrio pela UFMG. Professor dos Cursos de Ps-Graduao lato sensu em Direito Tributrio doIEC (PUC/MG) e do Centro de Atualizao em Direito. Advogado.

SUMRIO

1. Intrito. 2. O fato gerador do ICMS-comunicao luz daCR/88. 3. Os servios de valor adicionado e a fattispecie doISSQN. 4. No-incidncia de ICMS sobre o servio deprovimento de acesso Internet. 4.1. A Internet. 4.2. Osprovedores de backbone e os provedores de acesso. 4.3. Asposies doutrinrias sobre a questo. 4.4. O posicionamentodo Superior Tribunal de Justia. 4.5. Concluses. 5. No-incidncia de ISSQN sobre o servio prestado pelosprovedores de acesso Internet.

1. INTRITO

A tributao dos servios de provimento de acesso Internet tem sido objeto de intensasdiscusses jurdico-tributrias.

H os que sustentam ser a atividade um servio de comunicao, que atrairia a incidncia doICMS nos termos do art. 155, II da CR/88 e do art. 2, III da Lei Complementar n 87/96.

Por outro lado, existem aqueles que pregam ser a atividade um servio de valor adicionado(definido no art. 61 da Lei n 9.472/97), que um servio acessrio ao de telecomunicaes, mas comeste no se confunde (o SVA apenas adiciona uma facilidade ou utilidade ao servio de comunicao, masno cuida de completar a relao comunicativa). Sendo SVA, o provimento de acesso Internet noatrairia a incidncia do ICMS, podendo, contudo, ser tributvel pelo ISSQN, caso esteja previsto na listaeditada pela Lei Complementar n 116/03.

Recentemente, o STJ decidiu, nos autos dos Embargos de Divergncia n 456.650/PR, que oprovimento de acesso no se sujeita ao ICMS, por se tratar de SVA. Contudo, a deciso foi tomada porcinco votos a quatro, o que abre ensanchas para futuras mudanas de entendimento no mbito daquelaCorte, como ocorreu no passado em casos onde havia profundas dissenses entre os Ministros (v.g.,cite-se a questo do prazo decadencial para formalizao da exigncia de tributos sujeitos a lanamentopor homologao: a Primeira Seo decidiu diversas vezes que o prazo era de dez anos contados do fatogerador cinco mais cinco e outras tantas que a decadncia era qinqenal, gerando dvidas acerca doefetivo posicionamento do STJ quanto matria).

34

Em face disso, o estudo do provimento de acesso Internet luz dos fatos geradores do ICMSe ISSQN reveste-se de importncia, justificando a elaborao do presente artigo.

A seguir, far-se- um breve escoro acerca da hiptese de incidncia do ICM