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1 África Minha Kate Blixen Adriana Correia 2100131, R31D 2012/2013

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    frica Minha Kate Blixen

    Adriana Correia 2100131, R31D

    2012/2013

  • E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI

    2

    ndice

    Introduo ... pgina 3

    Karen Blixen pgina 4

    frica Minha ....... pgina 5

    Os nativos ........... pgina 6

    A noo de justia ...... pgina 8

    A questo da gratido ....... pgina 8

    Somalis vs massais ..... pgina 9

    Vida social na fazenda ... pgina 9

    As mulheres somalis .... pgina 10

    As duas raas .... pgina 11

    O adeus fazenda ........ pgina 12

    Sombras no capim .... pgina 13

    Colonizao de frica ..... pgina 15

    Concluso ...... pgina 16

    Glossrio .... pgina 17

    Anexos pgina 18

    Bibliografia/Webgrafia .... pgina 19

  • Adriana Correia frica Minha

    3

    Introduo

    No mbito da disciplina de Estudos Interculturais, foi solicitada aos alunos a

    realizao de um trabalho, com um tema sua escolha, onde se pudesse abordar a

    interculturalidade. Este termo refere-se globalizao e as suas implicaes tnicas e

    culturais. Assim sendo, escolhi o livro frica Minha, de Karen Blixen, pois tinha visto

    o filme recentemente e de facto uma histria muito comovente, e que nos d a

    conhecer de perto a cultura africana e os seus povos.

    Mais do que um livro de memrias da autora, este livro uma homenagem a

    todo um continente. Karen Blixen descreve detalhadamente os hbitos, as culturas e

    os rituais dos somalis, dos massais e dos kikuyus, assim como o colonialismo ingls

    na frica Oriental, tanto numa perspetiva institucional como social.

    A obra tambm um retrato de um modo de vida em comunho com a

    natureza e com aquilo que h de mais primitivo na humanidade.

    Adaptado ao cinema por Sydney Pollack, em 1985, tambm o filme se tornou

    uma das mais belas e comoventes pelculas da histria do cinema.

    A edio do livro que li inclui, pela primeira vez, a continuao de frica

    Minha, o livro Sombras no Capim, o qual tambm irei referir no decorrer do trabalho.

    Como o caso de estudo A Correspondncia Luso-Brasileira abordado na aula,

    tambm a obra frica Minha representa o percurso de transio identitria

    intercultural de uma baronesa da Dinamarca para uma plantao de caf no Qunia. A

    narrativa consecutiva e feita na primeira e terceira pessoa, permitindo ao leitor

    acompanhar a aquisio de uma nova identidade por parte de Karen Blixen.

  • E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI

    4

    Karen Blixen

    Karen Blixen nasceu em 1885, em Rungsted, na Dinamarca. O seu pai,

    Wilhelm Dinesen, ex-militar, escreveu livros de ensaios sobre caa. A sua me,

    Ingebord Westenholz era de uma famlia de proprietrios de navios. Ambos os pais

    cresceram na pennsula dinamarquesa de Jultand.

    Depois de ter estudado Arte em Copenhaga, Paris e Roma, Karen casou com o

    primo afastado, o baro Bror Blixen-Finecke, tornando-se baronesa. Juntos partiram

    para o Qunia, em 1914, onde dirigiram uma plantao de caf. Depois de se

    divorciar, Karen permaneceu na fazenda em frica, voltando Dinamarca em 1931,

    quando o mercado do caf entrou em colapso. Foi ento que escreveu o livro frica

    Minha, sob o pseudnimo de Isak Dinesen, onde se despede de forma comovente da

    terra onde passou os anos mais felizes da sua vida e revela a sua profunda amizade

    pelas paisagens, pelas pessoas e por Denys Finch-Hatton, descendente de uma famlia

    inglesa.

    Em Sombras no Capim, Karen Blixen retoma a histria cativante da sua vida

    no Qunia, contando histrias que iluminam o seu amor pelos africanos, pela sua

    dignidade e tradies, pela sua beleza e paisagens exuberantes.

    Enquanto escritora, Karen Blixen no pode ser comparada com outros

    escritores. A sua voz foi influenciada pelas suas razes escandinavas e pela grande

    variedade de obras de literatura europeia. A sua escrita enfatiza a histria e a

    compreenso filosfica da identidade pessoal e os seus relatos revelam um fascnio

    pelo papel do destino ao controlar a vida dos seres humanos. Karen acreditava que a

    resposta de uma pessoa para as vicissitudes do destino mostra uma possibilidade de

    herosmo e imortalidade.

  • Adriana Correia frica Minha

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    Isak Dinesen encontra-se entre os primeiros autores a descrever os africanos

    como indivduos e no como esteretipos. Foi criticada por participar na invaso

    colonial em frica e por fazer comparaes poticas entre quenianos e colonos

    brancos. Muitas vezes foi rotulada como racista devido sua franca representao das

    diferenas de poder entre brancos e negros no incio do sculo XX em frica.

    Karen Blixen morreu em 1962, com 77 anos, de subnutrio. Os seus livros,

    primeiro publicados em ingls e, mais tarde, em dinamarqus, continuam a ser

    publicados em vrias lnguas. As suas casas foram convertidas no Karen Blixen

    Museum perto de Nairobi e no Karen Blixen Museet na Dinamarca.

    frica Minha

    Quando Karen chegou a frica deparou-se logo com uma diferena entre a

    Dinamarca e este continente: no havia automveis e as deslocaes at capital,

    Nairobi, eram feitas a cavalo ou numa carroa puxada por seis mulas.

    Os colonos eram nativos que, com as suas famlias, possuam alguns hectares

    na fazenda de um branco, tendo em troca que trabalhar para ele durante um

    determinado nmero de dias por ano; a vida nas suas terras era mais intensa. Cada

    famlia kikuyu tinha umas quantas palhotas redondas e pontiagudas e o espao entre

    elas era um local animado, onde se viam crianas e galinhas a correr de um lado para

    o outro.

    Durante a estadia de Karen, Nairobi revelou ser um lugar animado, com alguns

    belos edifcios de pedra e bairros inteiros de velhas lojas, escritrios e casinhas com

    telhados de chapa ondulada, ao longo de ruas despovoadas e poeirentas bem

    diferentes das ruas de uma grande cidade europeia ladeadas por longas filas de

    eucaliptos. Nas palavras da prpria autora, Nairobi parecia dizer Tira partido de mim

    e do tempo. Wir kommen nie wieder so jung e to indisciplinados e vidos

    zusammen (pgina 17) 1. Karen sentia-se novamente jovem e livre, sentindo que era

    seu dever aproveitar tudo o que esta nova terra tinha para lhe oferecer, que nada

  • E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI

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    tinha a ver com os locais por onde j tinha passado e que ela nunca tinha

    experimentado.

    Os bairros dos indgenas e dos imigrantes de cor eram muito mais vastos

    comparados com a parte europeia da cidade. A zona dos somalis, apesar de suja e com

    m reputao, era tambm um lugar animado e garrido, construdo de velhas latas de

    gasolina marteladas. Estava afastada da capital, devido, talvez, recluso das

    mulheres. Havia algumas raparigas somalis que foram viver para o Bazar e deram que

    fazer Polcia de Nairobi. As mulheres somalis honestas no eram vistas na cidade.

    Eram dignas e gentis, hospitaleiras e alegres, com um sorriso que faz lembrar

    campainhas de prata. A zona somali, poeirenta e batida pelo sol, estava exposta aos

    quatro ventos, recordando aos seus habitantes os desertos de onde provinham. Os

    europeus que vivem muito tempo no mesmo stio no conseguem acomodar-se

    completa indiferena que as raas nmadas manifestam em relao s imediaes dos

    seus lares. As casas dos somalis estavam dispostas irregularmente e pareciam ter sido

    construdas para durar apenas uma semana. Mas o interior era to agradvel e fresco,

    perfumado com incensos rabes, decorado com belos tapetes e tapearias, recipientes

    de cobre e prata e espadas de punhos de marfim e lminas de metais nobres (pgina

    18).

    Os nativos

    No era fcil conhecer os nativos, pois so geniais na arte da mmica. Quando se

    sentem pressionados no sentido de uma explicao do seu comportamento retraem-se

    tanto quanto possvel. Podiam estar a fingir medo de ns para esconder um receio

    mais profundo; tm o sentido de perigo da vida em menor grau do que os brancos.

    Quando Karen se mostrava assustada ou receosa, os nativos olhavam para ela com um

    ar de no compreenderem a razo para se sentir assim.

    Os nativos eram a frica em carne e sangue () ns, os brancos, com as nossas

    botas, sempre apressados, tropeamos muitas vezes na paisagem. Os nativos

    harmonizam-se com ela (pgina 25). Ou seja, enquanto que os brancos se preocupam

    com o que os rodeia e tentam fugir e esconder-se dos seus medos e problemas, os

  • Adriana Correia frica Minha

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    negros aprendem a enfrentar e a conformar-se com o destino, vivendo em harmonia

    com o ambiente que os envolve.

    Quase todas as manhs, Karen era a mdica das pessoas da fazenda. Os kikuyus

    esto adaptados ao imprevisto e habituados ao inesperado. Neste aspeto so diferentes

    dos brancos, que tentam proteger-se contra o desconhecido e contra as investidas da

    sorte. O negro est em boas relaes com o destino, em cujas mos passou toda a

    vida; enfrenta com grande calma qualquer modificao na sua vida.

    Karen, que estudou em Paris e Roma, criou uma escola noturna tambm para o

    pessoal da fazenda, com um professor nativo para os ensinar. Ia buscar mestres-

    escolas a cada uma das misses Igreja Catlica Romana, Igreja de Inglaterra e Igreja

    da Esccia uma vez que a educao dos nativos se processa rigorosamente em termo

    religiosos. Apenas a Bblia e os livros de hinos esto traduzidos em suali. O mundo

    da palavra escrita abriu-se perante o nativo de frica na poca em que Karen esteve

    no continente. Na Dinamarca, tal tinha acontecido h uma centena de anos. As

    comunicaes entre jovens nativos costumavam ser realizadas por escritores de cartas

    profissionais, pois embora algumas pessoas idosas fossem atradas pelo esprito da

    poca e alguns kikuyus muito velhos frequentassem a escola de Karen, a maior parte

    da gerao mais velha rejeitava o fenmeno com desconfiana. S poucos nativos

    sabiam ler. Os criados, os colonos e os trabalhadores da fazenda levavam as suas

    cartas a Karen para que ela as lesse em voz alta. A lngua suali no teve uma

    linguagem escrita at os brancos decidirem cri-la. Foi cuidadosamente elaborada

    semelhana do que pronunciado e no existe uma ortografia antiquada para

    confundir o leitor.

    A falta de preconceitos dos nativos algo de surpreendente, pois espera-se

    encontrar tabus obscuros nos povos primitivos. Este facto deve-se sua relao com

    uma grande variedade de raas e tribos e ao vivo intercmbio humano trazido para

    frica Oriental pelos primeiros comerciantes de marfim e escravos e, nos nossos dias,

    pelos colonos e caadores. No que diz respeito recetividade, o nativo mais

    mundano do que o colono ou missionrio suburbano ou provinciano, que cresce numa

    comunidade uniforme com um conjunto de ideias estveis.

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    Noo de justia

    No seguimento de um desastre com uma caadeira que matou uma criana, Karen

    afirma que as ideias de justia da Europa e de frica no so as mesmas e que as de

    um dos mundos so intolerveis para o outro. Para o africano, s h uma maneira de

    contrabalanar as catstrofes da existncia: o meio da indeminizao. No procura o

    motivo de uma ao, mas dedica-se a especulaes sobre os mtodos por meio dos

    quais os crimes sero indeminizados em carneiros e cabras.

    Como juiz dos kikuyus, os nativos consideravam o veredicto de Karen valioso,

    devido sua mentalidade mitolgica e teolgica. Os europeus perderam a faculdade

    de criar mitos e dogmas, e quando precisam deles esto dependentes dos que restam

    do passado. Mas o esprito do africano desloca-se com naturalidade e facilmente por

    estas vias profundas e sombrias. Este dom manifesta-se fortemente nas suas relaes

    com os brancos. provvel que os kikuyus da fazenda vissem a grandiosidade de

    Karen como juiz no facto de ignorar totalmente as leis segundo as quais julgava.

    A questo da gratido

    Uma das questes que Karen aborda o facto de os nativos no mostrarem

    gratido. -lhes indiferente o que se faz por eles. Por muito que se faa, aquilo

    que se faz desaparece e nunca mais se ouve falar disso. No agradecem, mas

    tambm no tm maldade. uma qualidade assustadora que parece anular a nossa

    existncia humana. Os kikuyus, os wakambas ou os kavirondos, isentos de

    preconceito, consideram que a maior parte das pessoas capaz da maior parte das

    coisas e impossvel escandaliz-los. No nos julgam mas so observadores

    perspicazes.

    Em relao aos imigrantes somalis, o nosso comportamento afeta-os

    seriamente e mal nos podemos mexer sem afetar estes altivos e ardentes habitantes

    do deserto. Tm um acentuado sentido de gratido e tambm podem guardar

    rancor at ao fim da vida. Um favor, uma ofensa ou uma desfeita fica gravado em

    pedra nos seus coraes. So maometanos severos e tm um cdigo moral

    segundo o qual nos julgam. J os massais detm uma posio peculiar entre as

  • Adriana Correia frica Minha

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    tribos de nativos. Recordam, podem ficar reconhecidos ou ressentidos. Guardam

    contra ns um ressentimento que s desaparecer quando a prpria tribo

    desaparecer.

    As pessoas muito pobres da Europa so como os kikuyus: no nos julgam mas

    fazem o somatrio do que observam. Quando gostam de uma pessoa, ou sentem

    estima, da mesma maneira que amam Deus: no por aquilo que se lhes faz, mas

    pelo que se .

    Somalis vs Massais

    Os somalis so um povo religioso, asseado e preocupado com a higiene.

    Atribuem maior importncia virgindade das noivas. No revela grande

    capacidade quando entregue a si prprio, pois os somalis so muito excitveis e,

    onde quer que se apresentem, se no so controlados perdem muito tempo e

    sangue com questes relativas ao seu sistema moral tribal. Mas so excelentes

    auxiliares quando comandados e, talvez por isso, os capitalistas rabes os tenham

    frequentemente encarregado de empreendimentos arrojados e de transportes

    difceis. Os somalis tm um profundo sentido do dinheiro e dos valores, pelo que

    sacrificam a alimentao e o descanso em favor dos seus encargos.

    Os massais no tm religio nem interesse pelo que quer que seja neste

    mundo. So sujos; as raparigas encaram a moral com leviandade. Nunca

    conheceram a escravatura e impossvel fazer deles escravos. Nem sequer podem

    ser metidos na priso, pois morrem quando so aprisionados no durando mais de

    trs meses. Assim, a lei inglesa vigente no pas no prev pena de priso para eles,

    punindo-os apenas com multas, esta incapacidade para sobreviver sob o jugo

    conferiu uma posio privilegiada perante a aristocracia imigrante.

    A vida social na fazenda

    Havia muitas visitas na fazenda. Nos pases pioneiros, a hospitalidade uma

    necessidade de vida, tanto dos viajantes de passagem como dos colonos. Um

    visitante um amigo que traz boas ou ms notcias, as quais so alimento para os

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    espritos sedentos dos que vivem em locais solitrios. Um verdadeiro amigo que

    venha a nossa casa um mensageiro do cu portador de panis angelorum po

    dos anjos. Os principais acontecimentos sociais da fazenda eram as ngomas

    grandes danas nativas. A festa oferecida pela casa era modesta: rap para as

    velhas mes dos danarinos moranis e para as nditos donzelas e acar para as

    crianas. Por vezes, pedia-se autorizao ao comissrio distrital para os colonos

    fazerem tembu, uma bebida fortssima, fabricada com cana-de-acar.

    Quando iam a uma ngoma, os kikuyus esfregavam-se da cabea aos ps com

    greda barro/argila de um vermelho-plido que lhes conferia um aspeto

    estranhamente louro. As raparigas com as suas modestas vestimentas de couro

    bordadas com contas cobriam a roupa e o corpo de terra, no se distinguindo onde

    comeava o vesturio e acabava a pele, assemelhando-se a esttuas com as pregas

    e drapeados das roupagens delicadamente executadas por um artista hbil. Os

    rapazes apresentam-se nus, mas do grande ateno ao penteado, empoando de

    greda as cabeleiras que se assemelham a jubas ou usando um rabo-de-cavalo e

    erguendo altivamente a cabea.

    O espetculo faz com que os olhos saltem de um canto para o outro. A cena

    assemelha-se a quadros antigos de uma batalha em que se v a cavalaria a avanar

    de um lado, enquanto a artilharia se coloca postos no outro, e figuras isoladas de

    oficiais galopam em diagonal atravs do campo de viso.

    As mulheres somalis

    Quando Farah, criado de Karen, se casou trouxe a mulher da Somlia para a

    fazenda, acompanhada pela me, pela irm mais nova e por uma prima que foi

    criada com a famlia. Os casamentos na Somlia so combinados pelos membros

    mais velhos das famlias que tomam em considerao o nascimento, a riqueza e a

    reputao dos jovens. de bom-tom, aps o casamento, o recm-casado ir viver

    no aldeamento da mulher durante seis meses. Nesse perodo, ela ainda

    desempenha o papel de anfitri e de pessoa com conhecimentos e influncia local.

    As raparigas somalis usam o cabelo rapado, deixando apenas um crculo de

    caracis escuros volta da cabea e um caracol comprido no cocuruto. O sistema

    somali era uma necessidade natural, uma arte requintada, era religio, estratgia e

  • Adriana Correia frica Minha

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    ballet, sendo praticado em todos os seus aspetos com a devida devoo, disciplina

    e destreza. A sua grande beleza reside no jogo de foras opostas existentes no seu

    mago. Por trs do eterno princpio de recusa havia muita generosidade; por trs

    do pedantismo, quanto escrnio e desprezo pela morte.

    Na fazenda, as raparigas mostravam-se curiosas acerca dos costumes europeus

    e ouviam atentamente a descrio das maneiras, educao e vesturio das senhoras

    brancas, como se quisessem completar a sua formao estratgica com o

    conhecimento da forma como os homens de outras raas so conquistados e

    dominados.

    As roupas que usavam desempenhavam um papel importantssimo na sua vida,

    o que no era de admirar, uma vez que elas eram simultaneamente material de

    guerra, despojos de batalha e smbolos de vitria, quais bandeiras conquistadas

    aos adversrios (pgina 157). Os maridos somalis so abstinentes por natureza,

    indiferentes a comida e bebida, bem como ao conforto pessoal. So duros e

    austeros como a regio de onde so naturais, sendo a mulher o seu nico luxo,

    cavalos, camelos e gado tambm podem ser desejados e bem-vindos, mas nunca

    ultrapassam as esposas. As mulheres somalis desprezam qualquer fraqueza de um

    homem com crueldade e, com grande sacrifcio, valorizam o seu preo. No

    podem comprar um par de chinelos a no ser atravs de um homem, mas ainda

    assim so o supremo valor da vida.

    As duas raas

    Para os nativos, servir um somali ou um rabe era menos difcil do que

    trabalhar para um branco, pois o ritmo de vida das raas de cor o mesmo em

    toda a parte. Em frica, a relao entre raa branca e raa negra assemelha-se

    relao entre os dois sexos. Se o amante ou marido de uma mulher fosse

    informado de que no tinha maior significado na vida da esposa ou da amante do

    que o significado que ela tinha na sua prpria vida, ele sentir-se-ia surpreendido e

    escandalizado. E se revelassem esposa ou amante de um homem que ela no

    tinha mais importncia na vida do marido do que a importncia que aquele tinha

    na vida dela, essa mulher ficaria exasperada (pgina 235). As velhas histrias de

  • E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI

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    homens que no devem chegar aos ouvidos das mulheres e as conversas entre

    mulheres que nenhum homem pode ouvir confirmam esta teoria.

    Em relao s duas raas, se dissessem aos brancos que o papel que

    desempenhavam nas vidas dos nativos semelhante ao que estes desempenham na

    sua vida, ficariam altamente indignados e pouco vontade, uma vez que os

    nativos so considerandos inferiores e subordinados. Se dissessem aos nativos que

    no tm maior importncia na vida dos brancos do que estes tm nas suas vidas,

    eles no acreditariam e rir-se-iam na cara de quem dissesse tal coisa.

    O adeus fazenda

    A fazenda situava-se num local excessivamente alto para o cultivo de caf e,

    nos meses frios, com a geada, os rebentos dos cafezeiros e as bagas que os

    cobriam ficavam castanhos e ressequidos. Houve dois anos que choveu muito

    pouco e a produo diminuiu, tendo sido anos desastrosos para a fazenda. Ao

    mesmo tempo, os preos do caf baixaram. No era possvel pagar as dvidas nem

    gerir a plantao, e as pessoas que tinham aes na fazenda aconselhavam Karen a

    vend-la. Nesse mesmo ano, os gafanhotos invadiram o pas, e passados uns

    meses desistiram de afugent-los, pois era simplesmente intil. Finalmente, j sem

    dinheiro e sem produzir nada que rendesse, Karen teve mesmo de vender a

    fazenda. No entanto, ainda permaneceu l alguns meses pois as bagas que ainda

    no estavam maduras nas rvores pertenciam aos antigos proprietrios. Entretanto,

    o seu amante Denys teve um acidente de avio e morreu. Todos estes

    acontecimentos conduziram ao regresso definitivo de Karen Dinamarca.

    Os colonos tinham seis meses para sarem da fazenda e decidiram manterem-

    se juntos no mesmo stio, de modo a que a gente da fazenda no se separasse.

    mais do que terra que se tira s pessoas quando se toma o seu pas natal.

    tambm o seu passado, as suas razes, a sua identidade (pgina 343). Tirar-lhes as

    coisas que estavam habituados era como tirar-lhes os olhos, e isto aplica-se mais

    aos povos primitivos do que aos civilizados.

    Os nativos pediram a Karen que interviesse junto dos funcionrios

    governamentais para que lhes dessem um lugar onde pudessem ficar todos juntos.

  • Adriana Correia frica Minha

    13

    O Governo concordou em ceder uma parcela da Reserva Florestal de Dagoretti,

    onde os colonos podiam construir um novo aldeamento.

    Os velhos da fazenda realizaram uma ngoma em homenagem a Karen. Os

    velhos nativos so friorentos e andam envoltos em peles e mantas, mas ali

    estavam nus. Os seus adornos e pinturas de guerra eram discretos. Entretanto,

    Karen ps fim festa e no dia da partida despediu-se de todos os criados e amigos,

    aprendendo a lio de que possvel acontecerem coisas que ns no

    conseguimos imaginar, nem antecipadamente, nem no momento em que ocorrem,

    nem sequer depois (pgina 351)

    E foi o que aconteceu com Karen, que se mudou para frica para gerir uma

    plantao de caf e acabou apaixonada pelo continente e por todos os seus

    elementos, desde os nativos prpria paisagem.

    Sombras no Capim

    Na continuao de frica Minha, Karen comea por falar de Farah Aden, o

    seu criado somali, que durante quase dezoito anos dirigiu a sua casa, os seus estbulos

    e os seus safaris. Foi com ele que a autora partilhou as suas preocupaes e os seus

    xitos. A partir desta figura concreta, Karen parte para o cenrio geral: o povo somali.

    Este povo era extremamente superior populao nativa no que diz respeito

  • E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI

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    inteligncia e cultura. Tinham sangue rabe, consideravam-se rabes de puro-sangue

    e eram muulmanos fanticos. Os kikuyus, os wakambas, os kawirondos e os massais

    tm as suas velhas tradies culturais, misteriosas e simples que parecem perder-se na

    noite dos tempos antigos. Recentemente, os prprios europeus levam as suas luzes

    para o Qunia, mas tiveram os meios necessrios para as impor e difundir

    rapidamente.

    O melhor marfim do mundo provm da frica Oriental e, ainda antes da

    descoberta da Amrica, o trfico de escravos era realizado ao longo destas costas, a

    partir de onde eram transportados para a Arbia, Prsia, ndia e China. Os somalis so

    um povo muito belo, esbelto e aprumado como todas as tribos da frica Oriental, com

    olhos altivos e escuros, pernas direitas e dentes de lobo. So vaidosos e apreciam

    roupas requintadas; quando no se vestiam como europeus muitos deles usavam

    fatos dos melhores alfaiates de Londres que os seus patres j no queriam vestiam

    longas tnicas de seda, com coletes pretos sem mangas, com bordados elaborados a

    ouro. Usavam sempre os turbantes dos muulmanos ortodoxos de requintadas

    caxemiras multicolores. As mulheres somalis pareciam ter mais mentalidade do que

    os homens e, desde que comeavam a andar at uma idade venervel, exibiam a figura

    clssica de jeune fille europeia: provocante, astuta, gananciosa e, no seu mago, doces

    e compassivas.

    A maioria dos imigrantes fora para frica, e l permanecera por preferir a vida

    em frica que levava no seu pas, porque gostava mais de montar a cavalo do que

    andar de carro e de fazer uma fogueira no acampamento do que ligar o aquecimento

    central. Tal como eu, desejavam ser enterrados em solo africano (pgina 362). Mais

    uma vez, Karen revela a sua paixo por frica e a sua vontade de permanecer l o

    resto da sua vida. Quase todos esses imigrantes eram pessoas criadas no campo e

    amantes do ar livre, sendo muitos deles filhos mais novos de velhas famlias inglesas,

    educados desde cedo por feitores e palafreneiros velhos e respeitveis, e estavam

    habituados a criados. De corao puro, eram capazes de travar uma relao de

    camaradagem com um caador ou nmada selvagem e de tez escura; aceitavam e

    confiavam nos somalis, assim como estes confiavam neles.

    Durante a guerra, e nos primeiros tempos subsequentes, no chegaram novos

    colonos, mas nos anos que se seguiram comeou na Inglaterra uma campanha que

    proclamava o Qunia como uma colnia de oportunidades econmicas nicas, e a

    palavra de ordem era fomentar a colonizao. Esta propaganda criou uma nova

  • Adriana Correia frica Minha

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    classe de colonos que eram pessoas que tinham crescido e vivido numa cidade ou

    comunidade de Inglaterra e que pareciam estranhamente provincianas em comparao

    com os nativos africanos.

    Colonizao de frica

    Os europeus conheciam o continente africano desde o incio da expanso

    martima, mas foi no sculo XIX que a Europa consolidou o seu domnio neste

    continente. A Revoluo Industrial motivou a explorao de matrias-primas,

    especialmente de minrios e de produtos agrcolas (destaque para produo de

    caf, ch, cana-de-acar e cacau), todos fundamentais para a produo industrial.

    Em relao Inglaterra, esta assumiu a liderana da colonizao africana no final

    do sculo XVIII e meados do sculo XIX. O seu plano era combater a escravatura

    j menos lucrativa -, direccionando o comrcio africano para a exportao de

    ouro, marfim, tapetes e animais. Assim, o mercado africano ficou sujeito aos

    interesses do Imprio Britnico. Os ingleses estabeleceram novas colnias na

    costa e implementaram um sistema administrativo fortemente centralizado na mo

    de colonos brancos ou representantes da coroa. A frica do Sul, o Egito, o Sudo,

    o Gana, a Nigria ,a Somlia, Serra Leoa, Tanznia, Uganda, Qunia, so alguns

    dos estados que se tornaram independentes do Reino Unido.

    O violento domnio europeu em frica provocou grandes prejuzos para as

    culturas africanas, uma vez que os europeus impuseram a sua religio e destruram

    as relaes interculturais que existiam entre os povos nativos. Karen Blixen

    mostrou o seu desagrado em relao campanha inglesa que promovia o Qunia

    como uma colnia com potencial econmico, escrevendo em minha opinio, foi

    um programa infeliz () e do ponto de vista do pas em si, a verdadeira ptria do

    meu corao, uma colonizao branca mais densa era um benefcio dbio, sendo

    a qualidade, e no a quantidade, dos colonos brancos que deveramos ter em

    conta (pgina 363).

  • E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI

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    Concluso

    A realizao deste trabalho foi, sem dvida, muito interessante. Karen Blixen

    descreve com pormenor as suas experincias, situaes do dia-a-dia, as paisagens, os

    povos, at mesmo os animais (tendo dedicado um captulo do seu livro cora Lulu),

    o que revela a paixo que a fez render-se a frica. uma histria muito cativante,

    muito rica do ponto de vista histrico e cultural e d-nos a conhecer factos na primeira

    pessoa, tal e qual como eles so, prendendo o leitor narrativa e fazendo-o sonhar

    tambm com este continente.

    Um dos aspectos que achei mais interessantes foi o facto de esta obra permitir-

    nos no s ver as diferenas entre Europa/frica, Dinamarca/Qunia,

    civilizado/selvagem, mas tambm as divergncias que existem dentro da prpria

    frica, entre os seus povos nativos.

    Recordando a sua vida em frica, Karen sente que podia ser descrita como a

    existncia de uma pessoa chegada de um mundo precipitado e barulhento a um pas

    silencioso (pgina 89). Penso ser seguro afirmar que a autora estava a escrever a sua

    obra com o intuito de esta ser lida posteriormente por qualquer pblico, uma vez que

    Karen afirma o seguinte: possvel que o facto de escrever com tanta exactido

    quanto possvel, acerca das minhas experincias na fazenda, do pas e de alguns dos

    seus habitantes, das plancies e bosques, venha a ter interesse histrico. (pgina 25).

  • Adriana Correia frica Minha

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    Glossrio

    Alguns termos utilizados pela autora:

    Msabu termo indiano que os nativos usam para se dirigirem a mulheres brancas.

    Rap tombacco tabaco em p.

    Boori em vo.

    Mbaia sana terrivelmente mau.

    Kibokos chicotes indgenas de pele de hipoptamo.

    Jambo morani jovens guerreiros.

    Kyama assembleia de ancies de uma fazenda, autorizada pelo Governo, a fim de

    resolver os diferendos locais entre os colonos.

    Dhows embarcaes.

    Saidea mimi ajude-me.

    Kabilla tribo.

    Siafu formigas africanas devoradoras de homens.

    Nditos donzelas.

    Moran guerreiro.

  • E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI

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    Anexos

    Ilustrao 1 - Palhotas Ilustrao 2 - Rap (tabaco em p)

    Ilustrao 3 - Kikuyus Ilustrao 4 - ngomas (festas de dana)

    Ilustrao 5 - Karen mudou-se da Dinamarca para Mombaa, no Qunia

    Ilustrao 6 - Plantao de caf

  • Adriana Correia frica Minha

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    Bibliografia / Webgrafia

    BLIXEN, Karen, frica Minha, trad. Ana Falco Bastos, Lisboa,Clube do Autor, 1937

    DINESEN, Isak, Sombras no Capim, trad. Ana Falco Bastos e Cludia Brito, Lisboa,

    Clube do Autor, 1960

    http://www.infopedia.pt/$interculturalidade

    http://www.karenblixen.com/

    http://www.slideshare.net/elengamarski/a-colonizao-da-frica

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_coloniza%C3%A7%C3%A3o_de_%C3

    %81frica#A_coloniza.C3.A7.C3.A3o_brit.C3.A2nica

    http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/o-inicio-colonizacao-na-africa.htm

    Notas 1 Nunca mais voltaremos a ser to jovens. N.T.

    http://www.infopedia.pt/$interculturalidadehttp://www.karenblixen.com/

    Os nativos Noo de justia A questo da gratido Somalis vs Massais A vida social na fazenda As mulheres somalis As duas raas O adeus fazenda Colonizao de frica