afinal o que é folkcomunicação

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  • Afinal, o que Folkcomunicao ?

    Fabio Corniani1

    O termo folkcomunicao surge em decorrncia dos estudos de Luiz Beltro comsua tese de doutorado (1967). Essa tese germinou de um artigo da revista Comunicaes &Problemas (1965), tratando das esculturas, objetos, desenhos e fotografias depositadaspelos devotos nas igrejas, que possuam ntida inteno informativa. Eram peas quedeixavam de ser acerto de contas celestiais, veiculando jornalisticamente o potencialmilagreiro dos santos protetores.

    Ele foi um dos pioneiros na introduo do estudo cientfico da Comunicao noBrasil. Apoiou-se nos ensinamentos do pesquisador austraco, naturalizado norte-americano, Paul Felix Lazarsfeld, que dizia haver no processo da comunicao coletivaduas etapas significativas: a do comunicador ao lder de opinio e a deste ao receptorcomum.

    Atravs dos estudos de Lazarsfeld iniciam-se as pesquisas de opinio pblica. Olivro Peoples choice (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet), publicado em 1941, estuda asvariaes e condicionantes do comportamento dos eleitores na eleio presidencial de 1940.Com isso, eles chegaram concluso de que as mensagens persuasivas atuam como reforode atitudes previamente estabelecidas.

    Lazarsfeld introduz em seus trabalhos cientficos a presena dos lderes de opinio,levando compreenso de certos pontos que precisavam ser esclarecidos dentro dessecampo, como, principalmente, a participao dos lderes de opinio na deciso doseleitores.

    Em todo grupo existem indivduos que tem mais contato com os meios decomunicao e, ao mesmo tempo, direcionam a comunicao interna do grupo, segundo oparadigma de L two steps flow of communications. Este paradigma, cuja autoria atribuda a Lazarsfeld, vai contra os conceitos da teoria hipodrmica onde cada elementodo pblico pessoal e diretamente atingido pela mensagem. (LAZARSFELD, 1964, 79).

    Segundo Toussaint, lderes de opinio so os indivduos que recebem em primeiramo as informaes dos meios para transmiti-las depois a pessoas desvinculadas disso, masincluindo a sua prpria interpretao da informao recebida. So pessoas que no sedesviam de seus grupos; andam pelo mesmo caminho que os outros, mas adiante.(TOUSSAINT, 1992, p. 32).

    Abaixo podemos representar graficamente (grfico 1) a oposio entre a teoriahipodrmica e o modelo do two steps flow of communications.

    1 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da Universidade Metodista de SoPaulo.

  • Notem que no esquema da teoria hipodrmica, o fluxo da comunicao parte dosmeios de comunicao de massa direto para a audincia. J no esquema de Lazarsfeld, amensagem passa por um intermedirio antes de chegar at sua audincia final. Esteintermedirio o lder de opinio.

    Partindo esses estudos, Beltro identifica o processo folkcomunicacional. Uma fontetransmite uma mensagem atravs de um canal, que no processo representado pelos meiosde comunicao de massa, chegando at uma audincia, onde esto contidos os lderes deopinio, estes intitulados por Beltro como Lderes-comunicadores. Em um processocomunicacional padro (fonte-mensagem-canal-receptor) o fluxo pararia por aqui. Mas noprocesso folkcomunicacional, neste ponto inicia-se um novo ciclo no fluxo da mensagem.Os lderes se tornam comunicadores e transmitem uma mensagem atravs de um canal folk,chegando ento ao que Beltro intitulou de audincia Folk. Este processo pode ser melhorrepresentado atravs do grfico 2.

  • A audincia folk formada por grupos marginalizados da sociedade, porm hdiversas conotaes para a expresso marginal, por isso importante definirmos uma quemais nos convm. Temos como marginal um indivduo margem de duas culturas e deduas sociedades que nunca se interpenetraram e fundiram totalmente (BELTRO, 1980,P. 39).

  • Seguindo o pensamento de Beltro temos trs tipos de grupos marginalizados quecompem a audincia folk: os grupos rurais marginalizados, os grupos urbanosmarginalizados e os grupos culturalmente marginalizados.

    2.1 Os grupos rurais marginalizados

    Os grupos rurais marginalizados so constitudos de habitantes de reas isoladas(carentes de energia eltrica, vias de transporte eficientes e meios de comunicaoindustrializados), subinformados, desassistidos ou precariamente contatados pelasinstituies propulsoras da evoluo social e, em conseqncia, alheios s metas dedesenvolvimento perseguidas pelas classes dirigentes do pas. (BELTRO, 1980, p. 39).

    Estas pessoas so na maioria dos casos analfabetas ou semi-analfabetas. Possuemum vocabulrio peculiar, reduzido e extremamente regional. Sua permeabilidade transmisso de novos conceitos no vai alm de certas noes empricas e imediatas e osprprios vocbulos de uso domiciliar no tm, para eles, qualquer significao fora docontexto dialetal. (DOMINGUES, 1966, p. 51).

    Para se comunicarem, os grupos rurais marginalizados valem-se, preferentemente,de canais interpessoais diretos, como as conversas, o relato de causos e as normas eregras sociais, que so transmitidas atravs da oralidade pelos parentes, como pais, avs eirmos mais velhos, e tambm atravs de lderes de sua comunidade, como pastores, velhose etc.

    2.2 Os grupos urbanos marginalizados

    Os grupos urbanos marginalizados caracterizam-se pelo reduzido poder aquisitivodevido baixa renda. Esses grupos so formados por indivduos que recebem pequenossalrios, em empregos ou subempregos que no exigem mo-de-obra especializada, comoconstruo civil, estiva, limpeza e conservao de edifcios, oficinas de reparos, trabalhosdomsticos, ofcios e atividades as mais modestas (engraxates, remendes, bombeiros,ambulantes, olheiros e lavadores de carro etc.) Alm de pequenos negociantes, servidorespblicos subalternos, aposentados, menores sem ocupao, biscateiros e pessoas que vivemde expedientes ilegais ladres, prostitutas, proxenetas, passadores de bicho e foragidosda justia. (BELTRO, 1980, p. 55).

    Estes grupos se concentram em favelas, construes populares de baixo custo ounenhum custo em reas perifricas dos centros urbanos.

    A habitao, em si, tambm gera doenas e incapacidade para o trabalho e para aintegrao/ascenso social de tais indivduos: em geral tem um s cmodo,construindo-se um prolongamento (puxado) para o fogo e o quartinho, em quese banham e atendem s suas necessidades fisiolgicas. A gua para beber e paraa serventia vem s vezes de chafarizes pblicos e, de outras, de poos cavadospelos prprios moradores, sem qualquer tratamento, diariamente recolhida emlatas de querosene pelas mulheres (...) (BELTRO, 1980, p. 56).

    Este contexto citado por Beltro permanece atual at os dias de hoje nos subrbiosdos centros urbanos, onde as pessoas se espremem em morros ou terrenos baldios, vivendoem barracos ou at casas de alvenaria, porm muito simples e normalmente muito pequeno.

  • Alm dos problemas com a moradia, estas pessoas tambm sofrem dificuldades como transporte, haja vista que, na maior parte, os bairros da periferia, como o prprio nome jsugere, ficam isolados geograficamente. Os meios de transporte urbanos geralmente nochegam a esses bairros, fazendo com que a populao recorra a meios de transportealternativos como as lotaes. H tambm casos em que a nica forma de se chegar a umlocal dentro de uma favela andando, devido precariedade das vias de acesso.

    Os grupos urbanos marginalizados tm acesso limitado aos meios de comunicaode massa, principalmente devido a sua dificuldade na decodificao de suas mensagens.Esta dificuldade surge pelo baixo nvel educacional, pois grande parte das pessoaspertencentes a estes grupos no teve acesso a instituies de ensino. Ou pela falta deoportunidade ou falta de incentivo, formando desta forma uma grande massa de sub-letrados.

    Outro motivo que gera dificuldade na decodificao das mensagens dos meios decomunicao de massa a incompatibilidade da realidade que estes meios passam com arealidade em que estas pessoas vivem, gerando desta forma uma interpretao prpria,adequando-se sua realidade e vivncia. Realidade esta que est baseada em pobreza,violncia, represso, fome, preconceito. Enfim, um pacote de situaes que esto presentesno dia a dia em um subrbio.

    2.3 Os grupos culturalmente marginalizados

    Estes grupos so considerados marginais por constiturem-se de indivduos quecontestam a cultura e a organizao social estabelecida, adotando uma poltica ou filosofiacontraposta que est em vigncia. importante salientar que os grupos culturalmentemarginalizados esto contidos dentro dos grupos marginais urbanos e rurais (grfico 3),sendo que um indivduo que pertence a um grupo culturalmente marginal,conseqentemente estar dentro de um contexto rural ou urbano.

  • Existem trs tipos de grupos culturalmente marginalizados que se distinguem pelasua maior freqncia em aes comunicacionais, estes so: o messinico, o poltico-ativistae o ertico-pornogrfico.

    O grupo messinico composto de seguidores de um lder carismtico, cujas idiasreligiosas representam contrafaes, adulteraes, exacerbaes ou interpretaespersonalssimas de dogmas e tradies consagradas pelas crenas ou denominaesreligiosas estabelecidas e vigentes no universo da comunicao social. (BELTRO, 1980,p. 103).

    O grupo poltico-ativista tem uma ideologia que a comunidade, em sua grandemaioria, considera extica ou insuportvel. So indivduos decididos a manter estruturas dedominao e opresso vigentes ou revolucionar a ordem poltica e social em que sefundamentam as relaes entre os cidados, empregando a fora como a arma principalpara impor suas diretrizes. (BELTRO, 1980, p. 104).

    O grupo ertico-pornogrfico composto de pessoas que no aceitam a moral e oscostumes que a comunidade adota como sadios, propondo-se a reform-los em nome deuma liberdade que no conhece limites satisfao dos desejos sexuais e prtica hednicasconsideradas perniciosas pela tica social em vigor. (BELTRO, 1980, p. 104).

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