afinal, o que é o terrorismo

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Escola Secundária D. Pedr Área de Projecto Professora Cecília Cunha Curso de Ciências Sociais e Humanas Terrorismo: Medo constante Grupo 2 12º Ano Turma 4 Andressa Marques Nº 6 Karolline Morais Nº 7 Marta Maia Nº 20 Paula Silva Nº26

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Escola Secundria D. Pedro Vrea de Projecto Professora Ceclia Cunha Curso de Cincias Sociais e Humanas

Terrorismo: Medo constanteGrupo 2 12 Ano Turma 4Andressa Marques N 6 Karolline Morais N 7 Marta Maia N 20 Paula Silva N26

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Ano Lectivo 2008/2009

ndice

1. Introduo 2. Definio Etimolgica 3. Tipos de Terrorismo 3.1. O Terrorismo de Estado 3.1.1. A Revoluo Francesa Origem do Terrorismo de Estado 3.1.2. Terrorismo de Estado na Alemanha Nazi 3.1.3. Terrorismo de Estado na URSS 3.1.4. Terrorismo de Estado no Chile 3.2. Terrorismo Selectivo 3.2.1. Mdio Oriente 3.2.1.1. Conflito entre Israel e Palestina e a Jihad Islmica 3.2.1.2. Fatah 3.2.1.3. Hamas 3.2.2. O Islo, o fundamentalismo islmico e o terrorismo 3.2.2.1. Repblica Islmica do Iro 3.2.2.2. Repblica Islmica do Paquisto 3.2.2.3. Repblica da Sria 3.2.2.4. Afeganisto 3.2.2.5. Hezbollah 3.2.2.6. Al-Qaeda 3.2.2.7. Talibs 3.2.3. Terrorismo separatista 3.2.3.1. ETA 3.2.3.1.1. Antecedentes histricos da ETA 3.2.3.1.2. Formao primeiras dcadas da ETA 3.2.3.1.3. Ataques terroristas resposta do Estado 3.2.3.1.4. Ataques marcantes da dcada de 80 e 90 3.2.3.1.5. A ETA no sc. XXI 3.2.3.1.6. O financiamento da ETA 3.2.3.2. IRA

04 06 07 07 09 14 17 21 25 26 36 40 46 51 52 54 54 55 57 59 62 64 65 65 66 67 68 69 69 70

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3.2.3.2.1. Contexto histrico 3.2.3.2.2. Iniciativa de Gerry Adams 3.2.3.2.3. Dimenso do arsenal

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3.2.4. Baader-Meinhof 3.2.4.1 Origens

74 74

3.2.5. Brigada Vermelha 3.2.5.1. Origens 3.2.5.2. Ideologia e objectivos 3.2.5.3. Actividade 4. Os atentados de 11 de Setembro de 2001 4.1. As torres Gmeas 4.2. Pentgono

75 75 75 76 78 78 79

4.3. Houve outros atentados contra as torres gmeas antes do 11 de Setembro? 79 4.4. Os ataques 4.5. Cronologia dos Atentados do 11 de Setembro de 2001 4.6. Pareceres sobre o 11 de Setembro (ponto de vista Americano) 4.7. Os responsveis 4.8. Osama Bin Laden 4.9. Entrevista do jornalista paquistans Hamid a Osama Bin Laden 4.10. As consequncias do 11 de Setembro 4.10.1. A guerra contra o Afeganisto 4.10.2. A economia ps 11 de Setembro 79 80 81 86 86 89 95 96 96

5. O Terrorismo e a Organizao das Naes Unidas 5.1. Comit contra o terrorismo 5.2. Gabinete das naes Unidas para a droga e o crime 6. Concluso 7. Bibliografia

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1. Introduo O Terrorismo foi escolhido pelo grupo, por ser um tema complexo, que apresenta diferentes e, por vezes, contraditrios pontos de vista. Uma questo que aflige o mundo inteiro, consistindo, portanto, um tema interessante para a realizao de uma abordagem explicativa mais completa, satisfatria, e possvel de, quem sabe, uma contribuio relacionada ao entendimento e resoluo de alguns dos mais violentos conflitos do mundo. O terrorismo tem se tornado, ao longo da Histria da Humanidade, e ao redor do globo, uma das questes mais perigosas e polmicas. A partir desta premissa, este trabalho visa a resoluo da questo central: Afinal, o que o Terrorismo?. Para tal, repartiremos o tema na sua complexidade de definies, possibilidades e factos. Dentre estes, comearemos pelos diferentes tipos de terrorismo existentes, relacionando-os s respectivas organizaes e actos. Comeando pela definio etimolgica da palavra (com a ajuda de vrios Dicionrios), tentaremos definir o terrorismo na sua forma mais bsica, ou pelo menos mostrar as diferenas e similaridades das vrias definies possveis. Em seguida, dividiremos o tema entre os principais tipos de Terrorismo, comeando por falar no feroz Terrorismo de Estado. Primeiramente, apresentaremos um descritivo que visa a melhor explicao e compreenso do que o Terrorismo de Estado, regressando ao que pode ser considerado o seu incio, com a Revoluo Francesa, o governo do Terror de Robespierre e a sua eficiente polcia poltica, liderada por Fouch. Posteriormente, relataremos tambm os principais casos do Terrorismo de Estado (ou pelo menos os mais polmicos e/ou conhecidos). Dentre estes destacam-se o Terrorismo do Estado Nazista, da URSS e do Chile. Apresentaremos os respectivos casos brevemente, relacionando-os ao tema. Tambm ser explicado como este tipo de Terrorismo contribuiu para a emergncia de outros tipos de Terrorismo (relacionando por exemplo, o conflito do holocausto levado a cabo na II Grande Guerra, com o conflito israelo-palestiniano, que dura at hoje). Aps a compreenso deste tipo de Terrorismo, abordaremos um outro, um pouco mais complexo, o Terrorismo Selectivo. Comeando, claro, pela sua definio, mostraremos como este tipo de terrorismo realizado, relatando e descrevendo casos e as organizaes praticantes deste, bem como os outros conflitos que envolve, como aTerrorismo: Medo Constante Curso de Cincias Sociais e Humanas

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questo do Mdio Oriente, conflitos rabes palestinianos, a Jihad islmica, o fundamentalismo e o fanatismo, etc. Feito isto, apresentaremos outras organizaes como o ETA e o IRA, que so organizaes de carcter separatista, classificando-as como terroristas, devido ao meio que utilizam para a defesa dos seus princpios. Igualmente s outras organizaes, descreveremos as suas respectivas histrias, envolvimentos em atentados, dentre muitos outros. Avanando um pouco mais no tema, e na histria, abordaremos o caso dos Atentados do 11 de Setembro de 2001 aos EUA. Um ataque terrorista que mudou o modo como as pessoas encaravam o terrorismo. Um dia que ficou para a histria como um dos maiores e mais atrozes ataques terroristas da humanidade. Analisando o tema, descreveremos brevemente as estruturas dos edifcios atacados, bem como os ataques em si. Entretanto, como o facto interessante aqui a anlise das diferentes teorias explicativas destes ataques, mostraremos os diferentes pontos de vista, com a ajuda de documentos, para que, no fim, possamos tomar uma posio pessoal em relao s explicaes e teorias. Aps a explicao e esclarecimento da questo do 11 de Setembro, seria de se esperar um combate internacional ao terrorismo. Como sabemos, as Organizaes das Naes Unidas possuem Resolues, Acordos e outros diferentes documentos, em relao ao tema. Abordaremos, portanto, a questo da definio internacional do terrorismo, pela ONU e pelos demais pases, a fim de obter uma definio prpria e nica, defendendo solidamente, a nossa tese sobre a questo central do trabalho. Apresentaremos algumas Convenes e Casos importantes, bem como a questo do combate ao terrorismo, levado a cabo actualmente. Tambm, para uma maior ilustrao do trabalho, esto, em anexo, reportagens, imagens e documentos que ilustram, desenvolvem e melhor representam o tema pelo grupo escolhido. Por fim, e em concluso, apresentaremos a resposta do grupo questo central do trabalho, justificando sumariamente.

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2. Definio Etimolgica de Terrorismo

O Terrorismo sempre foi e sempre ser um assunto polmico e de difcil definio, dada a sua complexidade de variaes, formas e tipos. Possibilita discusses variadas quanto ao seu significado e plano de aco. Devido a esta complexidade, podemos encarar este fenmeno a partir de diferentes perspectivas. A melhor maneira de comear a abordar este tema pela sua definio no seu plano mais bsico e fundamental, a definio etimolgica da palavra Terrorismo. Segundo o Dicionrio Luft1, o terrorismo tem como definio bsica: o uso da violncia e da intimidao, especialmente para fins polticos. De acordo com o Dicionrio Aurlio2, a palavra terrorismo provm de: de terror + ismo. Este dicionrio d-nos duas possveis definies para o termo: 1- Modo de coagir, ameaar ou influenciar outras pessoas, ou de impor-lhes a vontade pelo uso sistemtico do terror. 2- Forma de aco poltica que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violncia. Segundo o Dicionrio Michaelis3, um sistema governamental que impe, por meio do terror, os processos administrativos sem respeito pelos direitos e regalias dos cidados, ou, ento, um acto de violncia contra um indivduo ou uma comunidade. Uma forma violenta de luta poltica com que se intimida o adversrio foi a definio dada pelo Dicionrio Universal Escolar de Lngua Portuguesa4. Segundo o Dicionrio Priberam5 da Lngua Portuguesa, a palavra Terrorismo pode ser definida de trs maneiras, sendo elas: 1. Conjunto de actos de violncia cometidos por agrupamentos revolucionrios. 2. Sistema, regime do Terror, em Frana (1793-1794). 3. Sistema de governo por meio de terror ou de medidas violentas. Terrorismo foi a palavra mais utilizada para qualificar os atentados de 11 de Setembro de 2001. Acto terrorista, praticado por terroristas. Bush, logo a seguir aos atentados terroristas, promete uma guerra contra o terrorismo.1 2

LUFT, Celso Pedro, Mini dicionrio Luft, p. 598, 1996. FERREIRA, Aurlio, Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa, p. 1371, 1975. 3 Michaelis, www.michaelis.uol.com.br 4 Dicionrio Universal Escolar de Lngua Portuguesa, AAVV, Texto Editora, 2005. 5 Dicionrio Universal Lngua Portuguesa, www.priberam.pt

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Em suma, o Terrorismo , por ns, considerado, uma forma de usar prticas de intimidao, ameaa e principalmente violncia (verbal, no verbal e principalmente armada) a um determinado alvo, para atingir fins especficos, podendo possuir carcter poltico, econmico ou social, e gerando o terror e o medo em um grupo ou uma sociedade. Sentidos para a expresso Terrorismo

Pedro Antunes Ferreira6 afirma que o termo Terrorismo foi utilizado pela primeira vez durante o processo iniciado com a Revoluo Francesa (1789), para caracterizar a temvel ditadura jacobina (Maro de 1793 - Julho de 1794). Esta expresso foi utilizada para designar a aco governativa do regime do Estado. Deste facto, podemos concluir que se referiam ao Terrorismo de Estado.

3. Tipos de Terrorismo

Nos ltimos anos, as sociedades tm vindo a ser palco de vrios actos terroristas, por grupos extremistas com o objectivo de fazer despertar a ateno do mundo pela sua causa, aterrorizando as populaes dos pases alvos dos ataques. No sculo XX, surge um tipo de terrorismo utilizados pelos dos chefes de Estado, mas que teve origem na Revoluo Francesa (1789), usando a represso, terror, pnico. Existe muitos tipos de terrorismo, mas neste trabalho procuramos dar a conhecer sobre dois tipos de terrorismo: Terrorismo de Estado e Terrorismo selectivo, que na nossa opinio so os mais prejudiciais e mais difceis de combater.

3.1.Terrorismo de Estado

O Terrorismo de Estado faz parte do legado maquiavlico da histria poltica,a luta pela autodeterminao dos povos levou a teorizar o terrorismo como arma dos sem poder, o refinamento da tecnologia das armas permitiu obter a submisso das6

Pedro Antunes Ferreira, O Novo Terrorismo, Prefcio, Lisboa, 2006, pgn.30.

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sociedades civis e dos governos pelo exerccio da destruio massiva das cidades, tudo numa poca que antecedeu visivelmente a da Guerra Fria, esta mesma caracterizada pelo medo recproco do holocausto, uma varivel nova na histria da Ordem Internacional, e tendo o Estado Soberano como referncia. Adriano Moreira7

A origem do fenmeno do Terrorismo de Estado tem o seu nascimento paralelo ao aparecimento das primeiras comunidades polticas da Histria da Humanidade. O terror como arma instrumental do poder poltico oficial teve as suas origens quando os lderes das comunidades perceberam que, em muitos casos, era necessrio utilizar, como complemento sua aco governativa, o recurso ao terrorismo contra os seus sbditos como forma de controlar e manter a sociedade coesa e fortalecida e tambm como meio de reprimir e calar as vozes crticas de eventuais adversrios. Logo, o prprio Terrorismo de Estado pode ser encarado, quanto sua forma, como um fenmeno anterior ao prprio Estado Clssico. Segundo Antnio de Sousa Lara8, o poder poltico surge com a formao de comunidades humanas que, em conjunto, percebem a necessidade crucial de elaborar regras para regular a sociedade em que vivem, e assim, harmonizar as relaes entre os homens. Assim, o poder poltico explicado num duplo sentido: num sentido ideolgico, relacionado com uma srie de doutrinas relativas origem do poder, e num sentido de natureza psicolgica, da necessidade do homem de viver em conjunto e com regras. O modelo mais paradigmtico pode ser considerado com o processo iniciado com a Revoluo Francesa (1789), com o seu regime revolucionrio que eliminou, sumariamente, todas as foras consideradas reaccionrias e contrrias aos princpios da Revoluo.

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Adriano Moreira, Teroria das Relaes Internacionais, 4 ed., Almedina, Coimbra, 2002, pgn.280. Antnio de Sousa Lara, Cincia Poltica Estudo da Ordem e da Subverso, ISCSP UTL, Lisboa, 2005, pp.191-193.

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3.1.1. A Revoluo Francesa - Origem do terrorismo de estado

Tambm podem ser inseridos as invases napolenicas e os regimes estatais instaurados em territrios ocupados, devido sua natureza autoritria e repressiva. Uma das primeiras atitudes dos revolucionrios abolir os privilgios e proclamar a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (1791), com princpios de liberdade, igualdade e fraternidade (nomeadamente o direito de resistncia opresso, que fazia parte da Declarao dos Direitos Humanos). Em 10 de Agosto de 1792, a monarquia abolida e a Frana torna-se uma Repblica. Instigados pelo governo, os franceses perseguem os supostos inimigos da Revoluo. A poca tambm marcada pela ditadura do partido jacobino e pelas execues do Terror. Depois da queda dos radicais, no golpe de nove de Termidor (28 de Julho de 1794), a Frana passa a ser governada pelo Directrio composto por membros eleitos. O partido extremista dos jacobinos, liderado por Robespierre, instaura na Frana uma ditadura feroz, que punia sumariamente todos os acusados de deslealdade. Comeava o perodo conhecido como Terror. Em Paris a Guilhotina manchou ruas e praas com o sangue azul dos nobres. De um lado, com Danton e Camille Desmoulins, alinharam-se os que acreditavam que o perigo maior havia passado e que a poltica de terror deveria ser atenuada: eram os chamados indulgentes. Do outro, encontravam-se os extremistas, ou terroristas, liderados por Robespierre, que desejavam continuar com as execues em massa, eliminando qualquer tipo de oposio ou dissidncia. Entre 1793 e 1794, o terrorismo ensanguentou a Frana, e em apenas dez meses 16.594 acusados de conspirao subiramTerrorismo: Medo Constante Curso de Cincias Sociais e Humanas

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ao patbulo e foram guilhotinados. Estima-se que a revoluo causou ainda uns 30 ou 40 mil mortos em conflitos diversos espalhados pelo pas todo. Apontam-se ainda uns 300 mil detidos durante todo o processo. Nem os prprios mentores da revoluo, como Danton e Camille Desmoulins, escaparam do terror, acusados de corrupo, falta de firmeza revolucionria e simpatia pela poltica de abrandamento, foram condenados execuo por Robespierre. Em Nantes, homens, mulheres e crianas foram fuzilados ou afogados no rio Loire. Foi nesse clima de intolerncia que o governo revolucionrio decidiu enfrentar a revolta na Vendia. - Destruam a Vendia- exclamou num enfurecido discurso diante da Conveno Nacional, o deputado republicano Bertrand Barire de Vieuzac. Em 1 de Agosto de 1793, o governo decretou a aniquilao da Vendia, a ordem era de incinerar florestas e casas, derrubar cercas, retirar os animais e transformar a regio em um deserto. Em Janeiro de 1794, a Conveno autorizou o extermnio dos rebeldes. Em seu relatrio final ao governo, o general Westermann informava: No h mais Vendia. Est morta sob nossa espada livre. Degolei os homens e as mulheres, esmaguei as crianas sob as patas dos cavalos. No tenho nenhum prisioneiro, exterminei a todos. No entanto, a sede de vingana dos radicais ainda no se aplacara. Tomando a liderana dos exrcitos republicanos em Janeiro de 1794, o general Louis-Marie Turreau disps-se a destruir completamente o que ainda restava da Vendia, incendiando casas e bosques e massacrando quem reagisse. Uma vez que o exrcito rebelde j no existia, os republicanos voltaram-se contra a populao civil. O que aconteceu em 1794 j no era uma guerra, mas um projecto de extermnio total. Velhos, mulheres e crianas foram trucidadas sem julgamento, vilarejos arderam em chamas e nem mesmo os animais foram poupados. Mais de 100 mil pessoas foram mortas. O nmero total de mortos, incluindo os que tombaram nos combates regulares, estaria entre 250 e 300 mil o que equivale a um tero dos habitantes da provncia. No entanto, nem todos os republicanos aprovavam tamanho derramamento de sangue. Em Paris, a maior parte dos revolucionrios comeava a se revoltar contra o terrorismo da ditadura jacobina, que j mandara executar cerca de 40 mil pessoas em toda a Frana sem contar as vtimas na Vendia. O Terror atingiu todas as classes sociais, sem excepo: 10% das vtimas pertenciam nobreza 6% ao cleroTerrorismo: Medo Constante Curso de Cincias Sociais e Humanas

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15% s classes mdias 69% dos condenados eram camponeses ou operrios urbanos. O Comit de Salvao Pblica era um rgo do governo revolucionrio criado pela Conveno Nacional (Assembleia legislativa em 6 de Abril de 1793). Foi, depois de 27 de Julho de 1793, o instrumento de Robespierre para exercer um regime de ditadura e de terror, sob o pretexto de salvar a Revoluo. Nesta poca, a guilhotina foi concebida, como forma de aplicar uma sentena igualitria a todos os condenados, uma vez que, anteriormente, a sentena era aplicada de acordo com a sua posio na sociedade (um plebeu era condenado forca, visto que era inconcebvel a sua morte com o uso do machado, enquanto o nobre no era condenado forca, por exemplo). Durante esta revoluo, foi aprovada e aplicada a Lei dos Suspeitos, onde em meio ao desespero de ser condenado, a melhor maneira de evitar suspeitas sobre si, era dirigir-se a um comit e denunciar algum como contrarevolucionrio. Imediatamente, era activada a milcia local para deter o suspeito. Conduziam-no, ento, a um dos diversos locais de triagem espalhados pela cidade. Se de alguma forma confirmavam a delao, a vtima era encarcerada na temida corciergerie, a antecmara da guilhotina. Condenado morte, o ru era ento removido para o local do suplcio. Colocavam-no numa carreta puxada por bois para que a cerimnia da sua morte tomasse uma longa agonia pelas ruas de Paris, j na praa, esperavam-no multides. Os guardas removiam-no da carroa e entregavam-no ao experiente verdugo, que verificava se haviam-lhe feito a tonsura para que o afiado ao cortasse sua cabea eficientemente.

Repleta teu cesto divino com a cabea de tiranos... Santa Guilhotina, protectora dos patriotas, Rogai por ns. Santa Guilhotina, calafrio dos aristocratas, Protegei-nos!(Prece revolucionria, 1792-1794)

Nos anos de 1799, na Frana napolenica, destacouse um personagem. Seu nome era Joseph Fouch, o homem que deu os primeiros passos com uma moderna polcia poltica em Novembro de 1799. Radical, Fouch foi implacvel durante o Terror de 1793-4. Quando o enviaram para limpar a regio de Nantes Lyon da presena contra-revolucionria, no poupou

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plvora. Chamaram-no le mitrailleur de Lyon, o Metralhador de Lyon, por ser o responsvel por 1.906 execues. Em 1794, percebendo que Robespierre tornara-se um assassino incontrolvel, conspirou contra ele com Barras, Cambon, Carnot, seus colegas deputados que derrubaram o tirano no Golpe do Termidor (27 de Julho de 1794). Nos anos seguintes, desaparecido, assistiu ascenso do jovem general Bonaparte, quando finalmente, voltou cena. Nomeado Ministro da Polcia do Consulado por Bonaparte, espalhou suas teias longas e finas por toda aldeia, vila ou cidade da Frana. Os seus olhos e ouvidos tudo viam e tudo sabiam, registando qualquer detalhe nos seus interminveis dossis. Realizava relatrios especiais para o imperador, onde avaliava intrigas palacianas, reaces s novas medidas governamentais, priso de agentes estrangeiros, resultados dos interrogatrios, rebelies contra a polcia, correspondncias interceptadas, quais as pessoas detidas ou colocadas sob vigilncia especial, etc. Seus informantes, inmeros, eram chamados de mouchards e pertenciam s diversas classes sociais, sendo todos relevantes aos olhos de Fouch (at a prpria imperatriz, Josefina, sequiosa por dinheiro, prestava seus servios a Fouch, trazendo-lhe pessoalmente as intrigas da corte). Por ter militado em meio aos terroristas (durante o Golpe do Termidor 1794), conhecia pessoalmente a maioria deles, no hesitando em agir. Sua capacidade para filtrar informaes e dar sentido a palavras soltas era notvel, associando-as a alguma perturbao futura ou compl. Os trnsfugas, os que haviam abandonado seus ideais, como o ex-padre vermelho Desmaret, e Dubois, o seu segundo, eram os melhores agentes de Fouch, assim como Franois Eugne Vidocq, um espertssimo ex-correcional que ele transformou em chefe das investigaes da Sret, a clebre polcia civil fundada em 1810. Dotado de oramento prprio, extorquindo les tablissements de plaisir (os bordis e carabs), o Ministro da Polcia fez com que as casas de tolerncia financiassem a perseguio intolerante que movia contra os adversrios do regime. Fouch, um burocrata que espionava todo o mundo atrs das cortinas e que dominava a arte de saber confessar at os lenis, inspirou a maioria das polcias de conscincia que surgiram nos ltimos dois sculos. Por detrs da Tcheka dos bolcheviques, da Gestapo dos nazistas, da Stasi dos comunistas alemes, do Dops brasileiro, da Dina de Pinochet, esteve sempre a fantasmagrica mo implacvel de Fouch. At do FBI de J.H. Hoover, pois, como se sabe, nem a mais slida das democracias resistiu tentao de espionar e chantagear os seus cidados.Terrorismo: Medo Constante Curso de Cincias Sociais e Humanas

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Neste perodo, tambm surgiu uma relao mais estreita entre o terrorismo e a guerrilha, principalmente quando se d a invaso napolenica em Espanha, em 1808. Os grupos espanhis subversivos utilizavam tcticas de guerrilha para combater a ocupao francesa, do mesmo modo como acontece na actualidade, onde os grupos subversivos ou organizaes de opositores de certos regimes utilizam o terror como uma arma para combater a autoridade governamental. Os principais actores deste tipo de terrorismo so as milcias, grupos paramilitares, polcias polticas, foras armadas de um governo e outras organizaes ou clulas patrocinadas por uma unidade governamental. Assim, o Terrorismo de Estado pode ser: -Interno - acontece quando o Estado utiliza tcticas terroristas no interior do seu territrio, apoiando ou organizando os grupos supracitados; -Internacional e Patrocinado - acontece fora das fronteiras do Estado. Este Estado apoia financeira, formal ou informalmente, logsticamente, ou materialmente, um determinado grupo terrorista que aja em conformidade com os interesses do Estado patrocinador. A histria da humanidade est repleta de casos em que este tipo de terrorismo se aplica, desde a poltica repressiva e totalitria da Alemanha Nazi nos anos 1930-40 s purgas e eliminaes sumrias levadas a cabo pelos dirigentes da j extinta URSS, Revoluo Cultural Chinesa realizada por Mao Ts Tung em 1975, ao regime poltico do cambojano Pol Pot9, ou at mesmo s milcias paramilitares pro-indonsia, que, em 1999, iniciaram um massacre contra o povo timorense, entre muitos outros exemplos. Entretanto, o terrorismo praticado pela Alemanha Nazi e pela URSS so mais relevantes para a realizao deste trabalho, na medida em que foram grandes exemplos de expurgas realizadas pelos respectivos Estados, sero, portanto, brevemente descritos a seguir.

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Pol Pot, cujo nome verdadeiro era Saloth Sar, nascido a 19 de Maio de 1928 falecido a 15 de Abril de 1998, foi o governante do Camboja conhecido por ser o responsvel pelo Genocdio Cambojano.

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3.1.2. - O Terrorismo de Estado na Alemanha Nazi

Smbolo Nazi

Com a emergncia de uma poltica extremamente autoritria, com a ascenso de Adolf Hitler e do Partido Nazi (NSDAP10) ao poder, em 1933. Todos sabemos a magnitude dos actos que foram praticados na Alemanha durante a II Guerra Mundial, o genocdio levado a cabo em muitos campos de concentrao, onde as pessoas eram detidas, foradas a trabalhar e executadas sumariamente pela polcia do regime (GESTAPO11), ou pelas foras armadas, sem qualquer tipo de defesa. Os inimigos de Hitler tambm foram eliminados, dentro do prprio partido, no incio do seu governo em 1933. Judeus, ciganos, comunistas, socialistas e eventuais opositores polticos do nazismo eram deportados e executados nestes campos de concentrao. Este regime possua uma actuao muito mais ampla perseguio judaica. Tratou-se de um vasto plano de eugenia12. Ao mesmo tempo em que se praticava a esterilizao, eutansia e o genocdio, estimulava-se, tambm, a proliferao da raa ariana, concedendo aos homens seleccionados, o direito de acasalar-se com vrias mulheres, desde que fossem de origem ariana (tambm para superar as baixar da guerra), at mesmo quando os soldados ocuparam os pases vizinhos. As crianas nascidas sob estas circunstncias eram criadas em orfanatos especiais (Lebensborn), sob a orientao e superviso do Estado nazista. Deste modo, a eugenia era tanto o pretexto para a eliminao dos indesejados como para a seleco dos escolhidos. Tambm podermos tomar como exemplo, na Alemanha Nazista, a Noite das Facas Longas, quando a direco do Partido Nazista decidiu executar dezenas de seus

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Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemes mais conhecido como Partido Nazista ou Nazi (devido contraco da palavra alem Nationalso e Zialist). 11 Acrnimo em alemo de Geheime Staatspolizei Polcia Secreta do Estado. 12 Conjunto dos mtodos que visam melhorar o patrimnio gentico de grupos humanos; teoria que preconiza a sua aplicao.

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membros polticos, sendo a maioria da Sturmabteilung (SA13), uma organizao paramilitar do partido. Pelo menos 85 pessoas morreram durante o evento e milhares foram presas. A maioria das mortes foi executada pela Schutztaffel (SS14), um grupo de elite especial, e pela GESTAPO (Geheime Staatspolizei). O acontecimento foi codificado com o nome colibri (Kolibri), escolhido aleatoriamente, que se tornou palavra-chave para iniciar a operao. A frase noite das facas longas origina-se de um verso de uma cano da SA que tem como assunto principal massacres. Podemos acrescentar a Noite dos Cristais (Reichskristallnacht ou Kristallnacht), nome popularmente dado aos actos de violncia que ocorreram na noite de 9 de Novembro de 1939 em diversos locais da Alemanha e ustria. Tratou-se de pogroms15, de destruio de sinagogas, lojas, habitaes e agresses contra as pessoas identificadas como judias. Ao pedido de Adolf Hitler, Goebbels instiga os dirigentes do NSDAP e SA a atacarem os judeus. Heydrich organiza os ataques que deveriam visar as lojas dos judeus e as sinagogas. Numa nica noite, 91 judeus foram mortos e cerca de 25.000 a 30.000 foram presos e levados para campos de concentrao, 7.500 lojas judaicas e 1.600 sinagogas foram destrudas. A alta autoridade nazista cobrou uma multa aos judeus de um bilio de marcos pelas desordens e prejuzos dos quais eles foram as vtimas. O nome Kristallnacht deriva dos cacos de vidro (vitrinas das lojas, vitrais das sinagogas etc.) resultantes deste episdio de violncia racista. O Holocausto levado a cabo pela Alemanha Nazi um outro grande exemplo, se no o maior e melhor, com os milhares campos de concentrao, nos quais eram realizados extermnios em massa. Um aspecto do Holocausto restrito Alemanha, que o distingue de outros, a metodologia aplicada a grupos diferenciados, no qual foram elaboradas listas detalhadas de vtimas presentes e potenciais, encontrando-se, assim, registos meticulosos dos assassnios. Quando os prisioneiros entravam nos campos de concentrao ou de extermnio, tinham que entregar toda a sua propriedade pessoal aos nazis que era ento catalogada detalhadamente e etiquetada, sendo emitidos recibos. Ao longo deste processo, os esforos para encontrar meios mais eficazes para realizar este extermnio eram cada vez maiores um exemplo a troca do envenenamento por monxido de carbono, usados nos campos de Belzec, Sobibr e Treblinka, pelo uso de13 14

National Sozialist. Tropas de Proteco. 15 Do russo , consiste num ataque violento e macio a pessoas, com a destruio simultnea de seus ambientes (casas, negcios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido utilizado para designar actos em massa de violncia, espontnea ou premeditada, contra judeus e outras minorias tnicas da Europa.

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Zyklon-B em Majdanek e Auschwitz-Birkenau, na chamada Aktion Reinhard16. Alm das matanas macias, tambm foram levadas a cabo experincias mdicas em prisioneiros, incluindo crianas. De acordo com a acusao, nos Processos de Guerra de Nuremberg17, estavam listadas as seguintes experincias: experincias com gmeos, experincias sobre o congelamento, experimentos sobre a malria, gs mostarda, sulfonamida, gua do mar, esterilizao, tifide, experimentos com venenos, bombas incendirias, altas altitudes, etc. O nmero exacto de pessoas mortas pelo regime nazista continua a ser objecto de investigao e discusso. Documentos secretos do Reino Unido e da Unio Sovitica, liberados recentemente, indicam que o total pode ser considerado superior ao que se esperava. No entanto, as seguintes estimativas so consideradas muito fiveis: - 6 a 7 milhes de polacos, dos quais 3 a 3,5 eram judeus; - 5,6 a 6,1 milhes de judeus, no total; - 3,5 a 6 milhes de civis eslavos; - 2,5 a 4 milhes de prisioneiros de guerra (POW) soviticos; - 1 a 1,5 milhes de dissidentes polticos; - 200 mil a 800 mil em Roma e Sinti; -200 mil a 300 mil deficientes; -10 mil a 25 mil homossexuais; - 2 500 a 5 mil Testemunhas de Jeov.

16

O termo Aktion Reinhard foi o nome dado para o extermnio dos polacos judeus no Governo-geral durante os anos 1942 e 1943. Note-se que havia muitas e diferentes variaes deste termo, incluindo Einsatz Reinhardt, Sondereinsatz Reinhardt, e Aktion Reinhard. 17

Caso I Processo contra os Mdicos (9 de Dezembro de 1946 20 de Agosto de 1947) Caso II Processo Milch (2 de Janeiro 17 de Abril de 1947) Caso III Processo contra os Juristas (17 de Fevereiro 14 de Dezembro de 1947) Caso IV Processo Pohl (13 de Janeiro 3 de Novembro de 1947) Caso V Processo Flick (18 de Abril 22 de Dezembro de 1947) Caso VI Processo IG Farben (14 de Agosto de 1947 30 de Julho de 1948) Caso VII Processo de Generais no sudeste da Europa (15 de Julho de 1947 19 de Fevereiro de 1948) Caso VIII Processo RuSHA (1 de Julho de 1947 10 de Maro de 1948) Caso IX Processo Einsatzgruppen (15 de Setembro de 1947 10 de Abril de 1948) Caso X Processo Krupp (8 de Dezembro de 1947 31 de Julho de 1948) Caso XI Processo Wilhelmstraen (4 de Novembro de 1947 14 de Abril de 1948) Caso XII Processo contra o Alto Comando (30 de Dezembro de 1947 29 de Outubro de 1948)

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Raul Hilberg18, um conhecido historiador do Holocausto, identificou quatro fases distintas deste: - Identificao / Definio - Discriminao econmica e separao - Concentrao - Extermnio O Holocausto teve vrias ramificaes polticas e sociais que se estendem at ao presente. A necessidade de muitos judeus refugiados, de encontrar segurana em um territrio, resultou numa grande imigrao para o Mandato Britnico da Palestina, que na sua maior parte se tornou aquilo que hoje o Estado de Israel. Esta imigrao teve um efeito directo nos rabes da regio, resultando no conflito Israelo-rabe/Israelopalestiniano. Na medida em que o prprio Estado Nazista se utilizou do terror para erradicar qualquer tipo de oposio ideolgica (como no caso os judeus, ciganos ou toda e qualquer pessoa que no pertencia a raa ariana ou no era considerada digna de viver), para a manuteno e afirmao da sua poltica, criando instrumentos de perseguio contra os considerados opositores, podemos tomar este exemplo como um dos maiores e mais atrozes Terrorismo de Estado praticado at os dias de hoje.

3.1.3. - O Terrorismo de Estado na URSS"A Rssia uma Esfinge. Na alegria e na dor, e esvaindo-se em sangue negro / Ela olha, olha, olha para ti, com dio e com amor."

Alexander Block - Os Citas, 1918

Aps a tomada do poder por Lenine e pelo Partido Social Democrata Bolchevique, e aps o fim da sangrenta guerra civil 1919-21, instaurado um regime repressivo, sendo criados campos de trabalho e de reeducao destinados aos grandes opositores do socialismo ideolgico. Aps a morte de Lenine e a subida ao poder por Estaline em 1922, houve

18

In Raul Hilberg, Perpetrators, Victims, Bystanders: The Jewish Catastrophe 1933-1945, HarperCollins Publishers, 1992, hardcover e Raul Hilberg, The Destruction of the European Jews, Yale University Press, 2003, revised hardcover edition.

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uma ainda maior burocratizao e centralizao do aparelho governamental do Estado. Estaline eliminou os seus grandes rivais polticos com purgas peridicas e inesperadas; as polcias soviticas instauraram o medo nas grandes cidades e nas repblicas mais distantes do poder. Com o incio da Guerra Fria em 1948, Estaline procurou ainda mais fortalecer o seu poder na Europa de Leste e na prpria URSS, com uma forte propaganda ideolgica e um culto exacerbado da personalidade. Em 1928, iniciou-se um programa de industrializao intensiva e de colectivizao da agricultura sovitica, impondo uma grande reorganizao social e provocando a fome e o genocdio na Ucrnia (Holodomor19), em 1932-1933. Esta fome foi imposta ao povo ucraniano pelo regime sovitico e causou um mnimo de 4,5 milhes de mortes na Ucrnia, alm de 3 milhes de vtimas noutras regies da URSS. Nos anos 30, Estaline consolidou a sua posio atravs de uma poltica de modernizao da indstria. Como arquitecto do sistema poltico sovitico, criou uma poderosa estrutura militar e de policiamento. Mandou prender e deportar os seus opositores. Desconfiando que as reformas econmicas que implantara, produziam o descontentamento entre a populao, Estaline dedicou-se a consolidar o seu poder pessoal. Tratou de expulsar toda a oposio poltica. Se algum lhe parecesse indesejvel neste ponto de vista, encarregava-se de desacredit-lo perante a opinio pblica. Em 1934, Sergei Kirov, principal lder do Partido Comunista em Leningrado e tido como sucessor de Estaline - foi assassinado. Estaline usou este facto como pretexto para uma srie de represses que passaram para a histria como o Grande Expurgo (praticado contra membros do Partido Comunista). Entre os alvos mais destacados desta aco, estava o Exrcito Vermelho, em que parte de seus oficiais, acima da patente de major, foi presa, inclusive treze dos quinze generais de exrcito. Entre estes, Mikhail Tukhachevsky foi uma de suas mais famosas vtimas, sofrendo a acusao de ser agente do servio secreto alemo e sendo executado. O principal instrumento de perseguio foi a NKVD20. Antes, durante e depois da II Grande Guerra, Estaline conduziu uma srie de deportaes em grande escala que acabaram por alterar o mapa tnico da URSS. Estima-se que entre 1941 e 1949, cerca de 3,3 milhes de pessoas foram deportadas19

Holodomor ou Golodomor o nome atribudo fome de carcter genocidirio que devastou principalmente o territrio da Repblica Socialista Sovitica da Ucrnia (integrada URSS), durante os anos 1932-1933. Este acontecimento tambm conhecido por Grande Fome da Ucrnia representou um dos mais trgicos captulos da Histria da Ucrnia, devido ao enorme custo em vidas humanas. 20 Comissariado Popular de Assuntos Internos polcia secreta e poltica do Partido Comunista da URSS, responsvel pelas polticas de represso durante o regime estalinista.

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para a Sibria ou para repblicas asiticas. Separatismo, resistncia/oposio ao governo sovitico, e colaborao com a invaso alem, eram alguns dos motivos oficiais para as deportaes. Durante o governo de Estaline, grupos tnicos como os ucranianos, polacos, alemes, checos, lituanos, armnios, blgaros, finlandeses, judeus, entre outros, foram parcialmente ou completamente deportados. Estes eram transportados em condies espantosas, frequentemente em camies de gado. Milhares de pessoas morriam ao longo do caminho, e aqueles que sobreviviam eram mandados a Campos de Trabalho Forado. As deportaes acabaram por influenciar o surgimento de movimentos separatistas nos Estados blticos, no Tartaristo e na Chechnia, at aos dias de hoje. O seu sucessor, Nikita Khrushchev, inicia a exportao do socialismo sovitico para territrios mais longnquos, como frica e o Mdio Oriente. Tropas da URSS so enviadas para a Hungria e para a Polnia em 1956, para esmagar revoltas nacionalistas. Note-se tambm que, no perodo em que se deram as vagas de descolonizaes, as duas grandes potncias rivais EUA e URSS disputavam territrios de influncia. Para isso, financiavam guerras entre faces e milcias, ao redor do globo. Aps a extino do PCUS, a Rssia presenciou uma abertura do Estado, ento, os actos de subverso ideolgica com o uso da violncia praticados pelo Estado, foram denunciados pela imprensa internacional de violaes dos direitos humanos na Chechnia, que pretendia a independncia formal. Diferentemente da Alemanha, no houve punio pela justia internacional neste caso. Em 1991, os arquivos do governo sovitico finalmente foram revelados. Os relatrios continham um registo no qual eram declarados os nmeros de mortos (800 mil executados/1,7 milhes vitimados por fome e privaes/389 mil por reassentamentos forados), um total de aproximadamente 3 milhes de pessoas. A barbrie ocorrida em Beslan (2004) representa mais um episdio de uma antiga luta que despreza a tica de poupar inocentes. Por trs desta, existem duas espcies de terrorismo: de um lado o Terrorismo de Estado, comandado pelo presidente Vladimir Putin e marcado por genocdios, tortura e massacres. Seu objectivo manter sob o controlo da Federao Russa, a parte que ainda resta do esplio territorial da extinta URSS. Do outro lado, apresenta-se o terrorismo checheno. Suas aces misturaram separao, chacinas, radicalismo islmico, e as mfias chechenas, espalhadas por Moscovo e pelo seu entorno.Terrorismo: Medo Constante Curso de Cincias Sociais e Humanas

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No sculo XIX e por mais de vinte anos, a Rssia lutou para controlar e pacificar a estratgica regio do Cucaso. Em Dezembro de 1991, a Chechnia buscou a sua independncia. O novo Estado independente checheno recebeu o nome de Itchkeria, com Aslan Maskhadov a assumir a presidncia (considerado o responsvel pelo massacre de Beslan). Das duas guerras contra a Chechnia, resultaram em 100 mil mortos e 250 mil refugiados. Os ataques terroristas de 11 de Setembro nos EUA contriburam para que Putin, em nome de uma coalizo anti-terror, realizasse genocdios, afirmando que a reaco russa de 1999 serviu para conter uma ofensiva islmica fundamentalista direccionada contra o Ocidente. O terrorismo de Estado russo foi objecto de comentrio, em 2002, sob o ttulo de Genocdio Silencioso. poca, o jornal Le Monde denunciou torturas e estupros nos campos de prisioneiros chechenos de Tchernokosovo. E a prestigiosa revista francesa Le Nouvel Observateur revelou o massacre de 40 civis, na aldeia chechena de MeskertIourt, os quais, antes de morrer com um tiro na cabea, tiveram os dentes arrancados, as pernas e os braos cortados, e tendo sal grosso passado nas incises. Por seu turno, 50 terroristas chechenos, logo depois de interrompidas as negociaes de paz, invadiram o lotado teatro Dubrovka de Moscovo. Por trs dias (23/26 de Outubro de 2002), subjugaram 700 espectadores. Foras especiais do ministrio do Interior russo invadiram o teatro. Morreram 50 chechenos e 128 refns, todos intoxicados por um misterioso gs empregado pelas foras de ordem. Vale observar ainda que, mais 200 organizaes criminosas passaram a actuar abertamente depois da derrocada sovitica. Das seis principais associaes criminosas, trs so operadas pelos chechenos. E essas trs mfias chechenas (Tsentralnaja, Ostankino e Avtomobilja), com forte poder corruptor, garantem armas e explosivos para os terroristas. As mfias chechenas mantm forte presena territorial em Ostankino, onde se encontra a sede da televiso estatal russa, e na Avtomobilja, nome tirado da fbrica de automveis. Apenas depois das duas guerras, os separatistas comearam a receber apoio externo de grupos islmicos radicais e terroristas. Registam os especialistas que, no comeo do processo de paz e durante as reunies com os homlogos russos, os lderes chechenos tomavam vodka e comiam carne de porco. Ou seja, contam mais as suas razes culturais do que as religiosas. Em resumo, o actual cenrio est a indicar que Putin, em nome da segurana interna e a exemplo de Bush, vai restringir garantias individuais e liberdades pblicas. A tragdia de Beslan no ser a ltima, infelizmente!

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A realizao dos supracitados actos subversivos (dentre outros no referidos), as ameaas de conflitos armados e constrangimentos realizados a fim de impor as ideologias determinadas do Estado ao seu povo, como tambm a outros povos, com o forte uso da violncia, e consequentes represses, assim como o financiamento de guerras entre faces em territrios alheios, so grandes exemplos ilustrativos do terrorismo de Estado praticado pela extinta URSS - um perodo marcado por genocdios, torturas, massacres e grandes expurgas e deportaes, com o objectivo de manter tudo e todos sob o controlo/domnio do Estado.

3.1.4. - O Terrorismo de Estado no Chile

Augusto Pinochet

O Caso do Chile21 de longe o mais conhecido internacionalmente no mbito deste tipo de terrorismo, dada a forte campanha de mediatizao que recentemente envolveu Augusto Pinochet (1973-89). No clima do iderio social - marxista que tomava conta do Chile nos anos 70, o lder Salvador Allende foi eleito a 4 de Setembro de 1970. Apesar de ter sido o primeiro socialista declarado a ser escolhido por voto popular, contou com o apoio de Fidel Castro e comunistas e socialistas radicais, para o desespero dos EUA e das oligarquias. Allende iniciou uma srie de polticas econmicas como nacionalizaes, que acabaram

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Julian Browne (ed.) op. cit., pgn. 133

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por ter efeitos secundrios na economia chilena, como a fuga de capital estrangeiro e das grandes mineradoras norte-americanas, o que causou o desemprego. Os EUA, liderados por Richard Nixon, no viam com bons olhos o regime de Allende. Receavam que o comunismo triunfasse noutros pases latino-americanos, temendo a aproximao destes URSS (rival do EUA) no continente americano. Este continente era tradicionalmente de esfera norte-americana, no seguimento da clebre doutrina do presidente Monroe (1823), que defendia o princpio da Amrica para os Americanos. O governo de Allende foi derrubado a 11 de Setembro de 1973 pela Fora Area e o Exrcito chileno, liderados por Pinochet, estabelecendo uma ditadura que duraria mais de 16 anos. Concebida pelo governo de Augusto Pinochet, a Operao Condor (assim chamada em aluso ao nome da ave - smbolo do Chile) representava uma aliana entre ditaduras sul-americanas na perseguio do comunismo pelo continente. Naqueles anos de Guerra Fria, havia o pavor de que grupos guerrilheiros, inspirados na experincia revolucionria de Cuba, repetissem na Amrica Latina o que acontecera no Vietname. A Operao Condor foi, ento, uma campanha repressiva internacional promovida entre as dcadas de 60 e 80 atravs de uma conexo entre as polcias polticas do Chile, Argentina, Bolvia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Nos anos do Condor, a m fama de terrorista e subversivo caa sobre os opositores s ditaduras anticomunistas da Amrica Latina, que haviam chegado ao poder com forte colaborao dos Estados Unidos, e da CIA. Apoio tcnico e liderana estratgica eram a principal ajuda dos norte-americanos, como parte de uma proposta poltica continental dentro da Guerra Fria, segundo Mrcia Guena22. Lderes polticos, importantes lderes de esquerda, guerrilheiros e milhares de civis foram interrogados, levados para a Via Grimaldi (o campo de tortura mais importante naquele momento) e\ou at mesmo assassinados. Outros efeitos foram o medo imposto aos exilados Qualquer exilado ou membro de esquerda sabia que no estava mais seguro em nenhuma parte do mundo, afirma Dinges, e o desmantelamento da Junta Coordenadora Revolucionaria (JCR), grupo organizado e com verba para lanar uma guerra de guerrilha em quatro pases.

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Operao Condor: uma conexo entre as polcias polticas do Cone Sul da Amrica Latina entre as dcadas de 60 e 80 Mrcia Guena - USP (Brasil)

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Iremos at a Austrlia, se necessrio, para pegar os nossos inimigos.23 O Condor levou o terrorismo de Estado para alm dos limites dos pasesmembros. Em 1976, o ex-ministro da Defesa chileno, Orlando Letelier, foi morto num atentado bombista a seu carro, em Washington. Segundo Dinges, os Estados Unidos poderiam ter evitado a morte de Letelier, j que conheciam naquele ano os planos do Condor de executar assassinatos no exterior. Isto serviu para mostrar que as asas do Condor pairavam livremente fora do Cone Sul, como tambm ficou demonstrado em ousadas aces no continente europeu. Um ex-presidente da Bolvia e dois dos mais proeminentes lderes polticos do Uruguai so alguns exemplos, entre os cerca de 30 mil torturados e mortos pela coligao militar, incluindo exilados sob a proteco da ONU. neste contexto que se d o famoso caso de Victor Lidio Jara Martnez (28 de Setembro de 1932 16 de Setembro de 1976), um msico, compositor, cantor e director de teatro chileno, um artista de interveno. Leccionava Jornalismo na Universidade do Chile (maioria comunista) e participava assiduamente com a Unidade Popular em protestos e concertos beneficentes. Participa em 1973, em resposta a um apelo de Pablo Neruda, como cantor e director num ciclo de programas da TV contra a guerra e contra o fascismo. Trabalha ainda em vrios discos que no poder gravar. O golpe de Estado de Pinochet surpreende Jara na universidade, onde detido com outros alunos e professores, conduzidos ao Estdio Chile (convertido em campo de concentrao), e l mantidos durante vrios dias. H alguma controvrsia quanto s torturas que teria sofrido durante estes dias de crcere anteriores ao seu assassinato a tiros, no dia 16 de Setembro de 1973.O certo que Jara teve suas mos cortadas, como parte do castigo dos militares a seu trabalho de conscientizao social aos sectores mais desfavorecidos do povo chileno. Jara era membro do Partido Comunista do Chile, e, antes de ser preso e assassinado, integrava o Comit Central das Juventudes Comunistas do Chile. A traduo de um trecho do segundo ponto: O director disse ao grupo que o Presidente Nixon decidiu que um regime Allende no Chile no tolervel aos Estados Unidos. O Presidente pediu agncia [CIA] que previna a chegada de Allende ao poder ou o derrube. O Presidente autorizou dez milhes de dlares para essa finalidade, se necessrio (...).

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Manuel Contreras, ex-diretor da Polcia Poltica de Pinochet

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Dinges avalia que o Brasil conseguiu sair relativamente limpo da Operao Condor, pois ele no encontrou documentos comprovando que o Pas efectivamente tomou parte nas aces que classifica de fase 3, a que envolvia assassinatos propriamente ditos. Eu diria que o Brasil foi muito subtil e diplomtico e tomou parte especialmente no fornecimento de informaes. A inteligncia brasileira funcionava incrivelmente bem, tanto que treinou os agentes da Dina. No h documentos provando que tomou parte nos assassinatos do Condor. O Chile, que administrou tudo, conseguiu sair da coligao com o saldo de 3 mil mortos, um contraste gritante em relao aos seus vizinhos. Das 100 mil pessoas detidas para interrogatrios naquele pas, em torno de 3 mil foram mortas. Enquanto morriam entre 5% e 10% dos que eram detidos, nos outros pases, quase todos os interrogados morriam aps tortura. Na Argentina, havia uma probabilidade de que 80% dos detidos fossem mortos. Isso se explica pelo facto de que os outros pases aperfeioaram o que o Chile desenvolveu. Por isso Pinochet ainda merece ser o smbolo da violncia, afirma. " (...) As execues publicamente reconhecidas, tanto sumrias como as devidas a decises de cortes marciais, totalizam agora aproximadamente 100, com um adicional de 40 prisioneiros mortos a tiros enquanto "tentavam escapar". Um relato interno, confidencial, preparado pela Junta [militar] coloca o nmero de execues somente no perodo entre 11-30 de Setembro em 320. Este ltimo nmero provavelmente uma indicao mais precisa dessa prtica." Em 16 de Outubro de 1998, Pinochet foi detido pela Scotland Yard em Londres, onde encontrava-se para tratamento mdico. A priso do ex-chefe de Estado obedecia a um mandado de busca e apreenso internacional, "com fins de extradio" para Espanha (pas onde seria julgado por crimes de abuso dos Direitos Humanos), expedido pelo juiz espanhol Baltasar Garzn (embora sem deter competncia para pedir extradies), e enviado Interpol, onde acusado por supostos crimes de genocdio, terrorismo e torturas, com base em denncias de familiares de espanhis desaparecidos no Chile durante seu governo. Fica detido em priso domiciliar por 503 dias na capital britnica sendo libertado por razes mdicas. A ex-primeira-ministra britnica, Margaret Thatcher, usou de seu prestgio para pressionar o governo britnico a libertar Pinochet (que apoiou os britnicos na Guerra das Malvinas, a quem chamou de um amigo que ajudou a combater o comunismo.

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O governo britnico, alegando razes de sade, recusou-se a extradit-lo para a Espanha. Uma junta mdica britnica declarou-o mentalmente incapacitado para enfrentar um julgamento pelo que Pinochet foi extraditado para o Chile em Maro de 2000. Uma vez posta em causa a sua sanidade mental, teve de renunciar ao cargo de senador vitalcio, em 2002. O juiz Garzn jamais abandonou as investigaes sobre o presidente e obteve, em Outubro, da justia chilena, a autorizao para interrogar Pinochet e sua esposa pelo Caso dos Fundos Secretos que o general possuiria fora de seu pas. No Chile acumulou mais de 300 queixas e, quando sua imunidade foi suspensa, processos em casos de violaes dos direitos do homem in thesis e de suposta corrupo. Em Julho de 2001, apresentou um atestado de debilidade mental que o ter salvado de uma possvel condenao.

3.2. Terrorismo Selectivo

Este tipo de terrorismo visa um alvo reduzido, limitado e especfico, conhecido antes da realizao do prprio acto, promovendo a chantagem, vingana ou eliminao de um obstculo. considerado terrorismo porque tem efeitos camuflados e polticos. Pretende pr em causa uma determinada Ordem, praticando actos de terror directamente contra o indivduo (ou indivduos). Como exemplo podemos citar os grupos: Ku Klux Klan24 - terrorismo xenfobo; ETA, IRA (separatista da Gr-Bretanha/unionista da Irlanda), Separatistas Chechenos terrorismo separatista;24

Ku Klux Klan (tambm conhecida como KKK) o nome de vrias organizaes racistas dos Estados Unidos que apoiam a supremacia branca e o protestantismo (padro conhecido tambm como WASP) em detrimento a outras religies. A KKK, em seu perodo mais forte, foi localizada principalmente na regio sul dos E.U.A., em estados como Texas e Mississpi. A primeira Ku Klux Klan na verdade foi fundada por amigos da cidade de Pulaski, em 1865 aps o final da Guerra civil americana. Seu objectivo era impedir a integrao social dos negros recentemente libertados, como por exemplo, adquirir terras, ter direitos concedidos aos outros cidados, como votar. O nome, cujo registo mais antigo de 1867, parece derivar da palavra grega kuklos, que significa"crculo", "anel", e da palavra inglesa cl escrita com k. Devido aos mtodos violentos da KKK, h a hiptese de o nome ter-se inspirado no som feito quando se coloca um rifle pronto para atirar. Hoje, a Ku Klux Klan conta apenas com um efetivo de 3 mil homens em todos os antigos "estados confederados", apesar do baixo nmero de associados, muitos no associados apoiam a organizao.

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Frente de Libertao Islmica, Grupo Combatente Islmico Marroquino terrorismo religioso; Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia (FARC)25 terrorismo de esquerda;

Existe ainda grupos como o Hezbollah, Fatah, Hamas e Al-Qaeda, que apesar de surgirem em pocas diferentes, actualmente lutam contra o Estado de Israel e so considerados praticantes do terrorismo islmico (por outros Estados). Realizaremos uma breve descrio, a seguir, de alguns destes grupos. Sero abordados os grupos que mais relevncia tm para a questo do terrorismo. Inicialmente, abordaremos o terrorismo selectivo no Mdio Oriente e posteriormente, alguns dos principais grupos separatistas.

3.2.1 Mdio Oriente

Nas ltimas duas dcadas do sculo XX, o Mdio Oriente passou a ser uma das regies mais conflituosas do mundo, devido, principalmente, s aces levadas a cabo de carcter fundamentalista. Note que o fundamentalismo no recente, e fundamentalismo islmico diferente do fundamentalismo em si. O fundamentalismo, em si, uma doutrina que defende a fidelidade absoluta interpretao literal das ideologias e ideias de algo (como dos textos religiosos, por exemplo) e/ou uma atitude intransigente ou rgida na obedincia a determinados princpios ou regras. Podemos ter como grande exemplo as Cruzadas, prticas de carcter fundamentalista cristo. O fundamentalismo islmico surgiu como uma espcie de reaco ao laicismo e ao reformismo, ao considerar que a f e a moral no so passveis de negociao. Estes fundamentalistas organizaram-se em grupos bem estruturados, no qual se destaca a Al-Qaeda. Pretendem restaurar um grande espao Califa26 muulmano pela fora das

25

FARC - criada em 1964, por camponeses rebelados e por ex-militantes liberais e militantes comunistas. A Origem das FARC est ligada intensa disputa entre sectores conservadores e sectores liberais. Os liberais aliaram-se com sectores socialistas numa guerra civil contra os conservadores que durou 16 anos, de 1948 a 1964. As Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia ou Exrcito do Povo, como tambm conhecido uma organizao de inspirao comunista, autoproclamada guerrilha revolucionria marxista-leninista, que opera mediante uso de mtodos terroristas e de tcticas de guerrilha. Lutam pela implantao do socialismo na Colmbia. 26 Califa: soberano, temporal e espiritual (entre os Maometanos)

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armas, da violncia e da guerra, aplicando a lei Cornica na sociedade. Para tal, o caminho a ser seguido a Jihad27. Enfim, o fundamentalismo islmico sustenta o controlo do Estado por parte da religio e renega a modernidade e flexibilidade, defendem a no aproximao com o mundo ocidental e principalmente com os EUA. A principal tenso no Mdio Oriente comea aps a Segunda Guerra Mundial quando a ONU, em 1947, props a criao de dois Estados: um Palestiniano (rabe) e um Judeu (Israelita). At a presente data, tal no foi, de facto, conseguido. Podemos considerar que o fundamentalismo consiste um factor preponderante ao surgimento do fanatismo. Do nosso ponto de vista, o principal problema do fanatismo a inflexibilidade leva a cabo por certas pessoas e/ou grupos, que, devido sua vontade pela traduo literal de ideias e princpios (religiosos ou no), podem causar, e geralmente causam, atitudes e actos intolerantes para a difuso destes, muitas vezes (at mesmo na maioria das vezes), usando e abusando da violncia. Podemos observar melhor este ponto de vista no seguinte artigo: Da Natureza do fanatismo por Amoz Oz numa Conferncia em 23 de Janeiro de 2003. Como curar um fantico? Perseguir um punhado de fanticos atravs das montanhas do Afeganisto uma coisa. Lutar contra o fanatismo, outra muito diferente. Receio no saber muito bem como perseguir fanticos pelas montanhas, mas talvez possa apresentar uma ou duas reflexes acerca da natureza do fanatismo e sobre as formas, se no de cur-lo, pelo menos de control-lo. A chave do ataque de 11 de Setembro contra os Estados Unidos no deve ser apenas procurada no confronto existente entre pobres e ricos. Esse confronto constitui um dos mais terrveis problemas do mundo, mas estaramos errados se conclussemos que o 11 de Setembro se limitou a ser um ataque de pobres contra ricos. No se trata apenas de ter e no ter. Se fosse assim to simples, deveramos esperar que o ataque viesse de frica, onde esto os pases mais pobres, e que talvez fosse lanado contra a Arbia Saudita e os emirados do Golfo, que so os estados produtores de petrleo e os pases mais ricos. No. uma batalha entre fanticos que crem que o fim, qualquer fim, justifica os meios, e os restantes de ns, para quem a vida um fim, no um meio. Trata-se de uma luta entre os que pensam que a justia, o que quer que se entenda por tal palavra, mais importante do que a vida, e aqueles que, como ns, pensam que a vida tem prioridade sobre muitos outros valores, convices ou credos. A actual crise mundial, no Mdio Oriente, em Israel e na Palestina, no uma consequncia dos valores do Islo. No se deve mentalidade dos rabes, como proclamam alguns27

Jihad pode ser entendida como luta, mediante vontade pessoal, de se buscar e conquistar a f perfeita. Ao contrrio do que muitos pensam, Jihad no significa Guerra Santa (nome dado pelos europeus s lutas religiosas na Idade Mdia, por exemplo, s Cruzadas). Aquele que segue a Jihad, conhecido por Mujahid.

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racistas. De forma alguma. Deve-se velha luta entre fanatismo e pragmatismo. Entre fanatismo e pluralismo. Entre fanatismo e tolerncia. O 11 de Setembro no uma consequncia da bondade ou da maldade dos Estados Unidos, nem tem a ver com o capitalismo ser perigoso ou esplendoroso. Nem to-pouco com ser oportuno ou com a necessidade de travar ou no a globalizao. Tem a ver com a tpica reivindicao fantica: se penso que alguma coisa m, aniquilo-a juntamente com aquilo que a rodeia. O fanatismo mais velho do que o Islo, do que o Cristianismo, do que o Judasmo. Mais velho do que qualquer Estado, governo ou sistema poltico. Infelizmente, o fanatismo um componente sempre presente na natureza humana, um gene do Mal, para apelid-lo de algum modo. Aqueles que fazem explodir clnicas onde se pratica o aborto, nos Estados Unidos, os que incendeiam sinagogas e mesquitas na Alemanha, s se diferenciam de Bin Laden na magnitude, mas no na natureza dos seus crimes. Naturalmente, o 11 de Setembro produziu tristeza, raiva, incredulidade, surpresa, abatimento, desorientao e, certo, algumas respostas racistas - antirabes e antimuulmanas - por todo o lado. Quem teria ousado pensar que ao sculo XX se seguiria de imediato o sculo XI ? A minha prpria infncia em Jerusalm tornou--me especialista em fanatismo comparado. A Jerusalm da minha infncia, l pelos anos 40, estava repleta de autoproclamados profetas, redentores e messias. Ainda hoje, todo o jerosolimitano possui a sua frmula pessoal para a salvao instantnea. Todos dizem que chegaram a Jerusalm - e cito uma frase famosa de uma velha cano - para a construrem e serem construdos por ela. Na realidade, alguns (judeus, cristos, muulmanos, socialistas, anarquistas e reformadores do mundo) acudiram a Jerusalm, no tanto para a construrem ou serem construdos por ela, mas para serem crucificados ou para crucificarem outros, ou para ambas as coisas ao mesmo tempo. H uma desordem mental muito arreigada, uma reconhecida doena mental chamada sndrome de Jerusalm: uma pessoa chega, inala o ar puro e maravilhoso da montanha e, de repente, inflama-se e pega fogo a uma mesquita, a uma igreja ou a uma sinagoga. Ou ento, tira a roupa, sobe a um rochedo e comea a fazer profecias. J ningum escuta. Mesmo hoje em dia, mesmo na Jerusalm actual, em qualquer fila do autocarro, provvel que surja uma exaltada conferncia na via pblica entre pessoas que no se conhecem de nenhum lado, mas que discutem poltica, moral, estratgia, Histria, identidade, religio e as verdadeiras intenes de Deus. Os participantes nessas conferncias, enquanto discutem poltica e teologia, o Bem e o Mal, tentam, no entanto, abrir caminho cotovelada at aos primeiros lugares da fila. Toda a gente grita, ningum ouve. Excepto eu. Eu escuto, s vezes, e assim ganho a vida. Confesso que em mido, em Jerusalm, tambm eu era um pequeno fantico limitado por uma lavagem cerebral. Com presuno de superioridade moral, chauvinista, surdo e cego a qualquer ponto de vista que fosse diferente do poderoso discurso judeu sionista da poca. Eu era um rapaz que atirava pedras, um rapaz da Intifada judaica. Na verdade, as primeiras palavras que aprendi a dizer em ingls, parte o yes e o no, foram British, go home!, que era o que ns, rapazes judeus, costumvamos gritar enquanto apedrejvamos as patrulhas britnicas de Jerusalm. Falando de ironias da Histria, no meu romance de 1995, Uma Pantera na Cave1, descrevo como um rapaz chamado ou com a alcunha Prof perde o seu fanatismo, o seu chauvinismo, e muda quase por completo no espao de duas semanas ao tornar-se mais relativista. Em segredo, ficara amigo de um inimigo: concretamente, de um sargento da polcia britnica muito afvel e pouco competente. Os dois encontravam-se s escondidas e ensinavam ingls e hebraico um ao outro. E o rapaz descobre que as

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mulheres no tm cornos nem cauda, uma revelao quase to chocante para ele como a descoberta de que nem os Britnicos nem os rabes tm cornos ou cauda. De algum modo, o rapaz desenvolve um sentido de ambivalncia, uma capacidade para abandonar as suas crenas a preto e branco. Mas, naturalmente, paga um preo por isso: no final deste pequeno romance j no uma criana, mas uma pequena pessoa mais velha, um pequeno adulto. Grande parte da alegria e do fascnio, do entusiasmo e da singeleza da vida desapareceram. E, alm disso, ganha outra alcunha: os antigos amigos comeam a cham-lo de traidor. Vou citar a primeira pgina e meia de Uma Pantera na Cave, porque julgo que a melhor forma de exprimir aquilo que eu penso em matria de fanatismo. o primeiro captulo de Uma Pantera na Cave: Fui apelidado de traidor muitas vezes durante a minha vda. Da primeira, tinha eu doze anos e trs meses e vivia num bairro de um dos extremos de Jerusalm. Foi nas frias grandes, a menos de um ano de os Ingleses deixarem o pas e de o Estado de Israel nascer no meio da guerra. Certa manh apareceu uma inscrio a grossos traos negros na parede da nossa casa, por baixo da janela da cozinha: PROFI BOGUED SHAFEL - Profi um reles traidor. A palavra shafel, reles, levantou uma questo que ainda hoje, ao escrever esta histria, me intriga: poder um traidor deixar de ser reles? Se a resposta for no, por que motivo que o Tchita Reznik (conheci-lhe logo a letra) se teria dado ao trabalho de acrescentar a palavra reles? Se for sim, em que circunstncias que a traio no um acto reles? Foi a partir dessa altura que me colaram a alcunha de Profi, abreviatura de Professor, resultante da minha obsesso em examinar as palavras. Ainda hoje gosto imenso de palavras, de as reunir, ordenar, misturar, inverter, combinar um pouco ao jeito dos avarentos, obcecados por moedas e notas, ou dos jogadores por cartas de jogar. O meu pai tinha sado s seis e meia da manh para ir buscar o jornal e deparara-se com a inscrio logo por baixo da janela da cozinha. Ao pequeno-almoo, enquanto barrava uma fatia de po integral com compota de framboesa, cravou a faca no boio, quase at ao cabo, e exclamou com o seu tom pausado: - Mas que surpresa! Que patifaria cometeu Vossa Excelncia para merecermos tamanha honra?! - No o aflijas logo pela manh! - atalhou a minha me. - J lhe basta aturar os outros rapazes. Nessa altura o meu pai vestia roupa de caqui, como a maioria dos homens do nosso bairro, e tinha os modos e a voz de uma pessoa cheia de carradas de razo. Ergueu a faca e retirou do fundo do frasco um pedao viscoso de doce de framboesa; espalhou-o por igual sobre as metades da fatia e replicou: - verdade que hoje em dia quase toda a gente usa a palavra traidor com demasiada leviandade. Mas o que vem a ser um traidor? Sim, o que , com efeito? um homem sem honra, um sujeito que, s escondidas, por detrs das costas, por um qualquer benefcio insuspeito, ajuda o inimigo contra o seu povo, chegando mesmo a desgraar a sua famlia e amigos. mais infame do que um assassino. E tu, faz-me o favor de acabar de comer esse ovo! Na sia h quem morra de fome, est aqui escarrapachado no jornal. A minha me puxou o meu prato para si e acabou de comer os restos do meu ovo e po com doce - no por fora do apetite, mas por amor paz - e rematou: - Quem ama, no atraioa. Mais frente no romance, o leitor pode descobrir que a me estava completamente enganada. S quem ama se pode converter num traidor. A traio no o reverso do

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amor: uma das suas opes. Traidor, julgo, quem muda aos olhos daqueles que no podem mudar e no mudaro, daqueles que detestam mudar e no podem conceber a mudana, apesar de quererem sempre mudar os outros. Por outras palavras, traidor, aos olhos do fantico, qualquer um que muda. E difcil a escolha entre converter-se num fantico ou converter-se num traidor. No converter-se num fantico significa ser, at certo ponto e de alguma forma, um traidor aos olhos do fantico. Eu fiz a minha escolha e esse romance disso a prova fiel. Intitulei-me especialista em fanatismo comparado. No nenhuma piada. Se algum souber de uma escola ou universidade que v abrir um departamento de Fanatismo Comparado, c estarei eu para solicitar um lugar de professor. Na minha qualidade de antigo jerosolimitano, e como fantico reabilitado, sinto-me plenamente qualificado para esse posto. Talvez seja chegado o momento de todas as escolas, todas as universidades, facultarem pelo menos um par de cursos de Fanatismo Comparado, pois este est em toda a parte. No me refiro to-s s bvias manifestaes de fundamentalismo e fervor cego. No me refiro apenas aos fanticos natos que vemos na televiso entre multides histricas que agitam os punhos contra as cmaras, ao mesmo tempo que gritam slogans em lnguas que no entendemos. No, o fanatismo est em todo o lado. Com modos mais silenciosos, mais civilizados. Est presente nossa volta e talvez tambm dentro de ns. Conheo bastantes no-fumadores que o queimariam vivo por acender um cigarro ao p deles! Conheo muitos vegetarianos que o comeriam vivo por comer carne! Conheo pacifistas, alguns dos meus colegas do Movimento de Paz israelita, por exemplo, desejosos de dispararem directamente minha cabea s por eu defender uma estratgia ligeiramente diferente da sua para conseguir a paz com os Palestinianos. No entanto, no afirmo que qualquer um que levante a voz contra alguma coisa seja um fantico. No sugiro que qualquer um que manifeste opinies veementes seja um fantico, claro que no. Digo que a semente do fanatismo brota ao adoptar-se uma atitude de superioridade moral que impea a obteno de consensos. uma praga muito comum que, certamente, se manifesta em diferentes graus. Um ou uma militante ecologista pode adoptar uma atitude de superioridade moral que impea a obteno de consensos, mas causar muito pouco dano se o compararmos, por exemplo, com um depurador tnico ou um terrorista. Mais ainda, todos os fanticos sentem uma atraco, um gosto especial, pelo kitsch. Muito frequentemente, o fantico s consegue contar at um, j que dois um nmero demasiado grande para ele ou para ela. Ao mesmo tempo, descobriremos que, com alguma frequncia, os fanticos so sentimentais incurveis: preferem muitas vezes sentir do que pensar, e tm uma fascinao especial pela sua prpria morte. Desprezam este mundo e esto impacientes por troc-lo pelo Paraso. No entanto, o seu Paraso geralmente imaginado como o final de um mau filme. Vou contar uma histria em jeito de divagao: eu sou um reconhecido divagador, estou sempre a divagar. Um querido amigo e colega meu, o admirvel romancista israelita Sammy Michael, passou uma vez pela experincia, por que todos ns passamos de vez em quando, de andar de txi durante um bom tempo com um condutor que lhe ia dando a tpica palestra sobre como importante para ns, Judeus, matar todos os rabes. Sammy ouvia-o e, em vez de lhe gritar, Que homem horrvel que voc ! nazi ou fascista?, decidiu ir por outro caminho e perguntou-lhe: E quem acha que deveria matar todos os rabes? O taxista disse: O que quer dizer com isso? Ns! Os Judeus Israelitas! Temos de o fazer! No h escolha. Veja s o que nos fazem todos os dias! Mas quem, especificamente, que deveria fazer o trabalho? A polcia? Ou o

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Exrcito talvez? O corpo de bombeiros ou as equipas mdicas? Quem deveria fazer o trabalho? O taxista coou a cabea e disse: Penso que devamos dividi-lo em partes iguais entre cada um de ns, cada um de ns devia matar alguns. E Sammy Michael, ainda no mesmo jogo, disse: Pois bem, suponha que a si lhe toca um determinado bloco residencial da sua cidade natal, Haifa, e que bate s portas ou toca s campainhas, e pergunta: 'Desculpe, senhor, ou desculpe, senhora. Por acaso rabe?' E se a resposta for afirmativa, voc dispara. Quando acaba o seu bloco, dispe-se a regressar a casa, mas, ao faz-lo, continuou Sammy ouve, algures no quarto andar do seu bloco, o choro de um beb. Voltaria para matar o beb? Sim ou no? Houve um momento de silncio e, ento, o taxista disse a Sammy: Sabe, o senhor um homem muito cruel. Esta uma histria muito significativa, porque h algo na natureza do fantico que, essencialmente, muito sentimental e, ao mesmo tempo, carece de imaginao. E isto, s vezes, d-me esperana - naturalmente, muito limitada - de que injectando alguma imaginao nas pessoas, talvez as ajudemos a reduzir o fantico que trazem dentro de si e a sentirem-se incomodados. No um remdio rpido, no uma cura rpida, mas pode ajudar. Conformidade e uniformidade, a urgncia de pertencer a e o desejo de fazer com que todos os demais pertenam a, podem constituir perfeitamente as formas de fanatismo mais amplamente difundidas, embora no sejam as mais perigosas. Lembrem-se de A Vida deBrian, esse filme magnfico dos Monty Python, em que o protagonista diz multido dos seus futuros discpulos Sois todos indivduos!, e a multido responde aos gritos Somos todos indivduos!, excepto um l no meio, que diz timidamente com um fio de voz: Eu no. Mas todos o mandam calar furiosos. Uma vez tendo dito que a conformidade e a uniformidade so formas moderadas mas expandidas de fanatismo, devo acrescentar que, com frequncia, o culto da personalidade, a idealizao de lderes polticos ou religiosos, a adorao de indivduos sedutores, podem muito bem constituir outras formas disseminadas de fanatismo. O sculo XX parece ter dado mostras excelentes neste sentido. Por um lado, os regimes totalitrios, as ideologias mortferas, o chauvinismo agressivo, as formas violentas de fundamentalismo religioso. Por outro, a idolatria universal de uma Madonna ou de um Maradona. Talvez o pior aspecto da globalizao seja a infantilizao do gnero humano o jardim de infncia global, cheio de brinquedos e adereos, rebuados e chupa--chupas. At meados do sculo XIX, mais ano menos ano - varia de um pas para outro, de um continente para outro -, mas grosso modo at um determinado momento do sculo XIX, a maior parte das pessoas em grande parte do mundo tinha, pelo menos, trs certezas bsicas: onde passarei a minha vida, o que farei para viver e o que acontecer comigo depois de morrer. Quase toda a gente - h uns cento e cinquenta anos - sabia que passaria a sua vida onde nascera ou em algum lugar prximo, talvez na povoao vizinha. Todos sabiam que ganhariam a vida como os seus pais ou de forma semelhante. E que, portando-se bem, iriam para um mundo melhor depois de mortos. O sculo XX provocou uma eroso destas e de outras certezas, destruindo-as muitas vezes. A perda destas certezas elementares pode ter originado o meio sculo mais contaminado de ideologias, seguido do meio sculo mais ferozmente egosta, hedonista e mais virado para a superficialidade. No que respeita aos movimentos ideolgicos da primeira metade do sculo passado, o mantra costumava ser: Amanh ser um dia melhor - faamos sacrifcios hoje, levemos os outros a fazer sacrifcios, para que os nossos filhos herdem um paraso no futuro. Num determinado momento volta de meados do sculo, esta noo foi

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substituda pela da felicidade instantnea. No se tratava j do famoso direito a lutar pela felicidade, mas da iluso - actualmente to difundida - de que a felicidade est exposta nas prateleiras, de que basta chegar a ser suficientemente rico para comprar a felicidade a troco de dinheiro. A ideia do foram felizes para sempre, a iluso da felicidade duradoura, , na verdade, um oxmoro. Pode ser pontual ou prolongada, mas a felicidade eterna no felicidade, do mesmo modo que um orgasmo sem fim no seria de forma alguma um orgasmo. A essncia do fanatismo reside no desejo de obrigar os outros a mudar. Nessa tendncia to comum de melhorar o vizinho, de corrigir a esposa, de fazer o filho engenheiro ou de endireitar o irmo, em vez de deix-los ser. O fantico uma das mais generosas criaturas. O fantico um grande altrusta. Est mais interessado nos outros do que em si prprio. Quer salvar a nossa alma, redimir-nos. Livrar-nos do pecado, do erro, do tabaco, da nossa f ou da nossa carncia de f. Quer melhorar os nossos hbitos alimentares, ou curar-nos do alcoolismo e do hbito de votar. O fantico morre de amores pelo outro. Das duas uma: ou nos deita os braos ao pescoo porque amanos de verdade, ou se atira nossa garganta em caso de sermos irrecuperveis. Em qualquer caso, topograficamente falando, deitar os braos ao pescoo ou atirar-se garganta quase o mesmo gesto. De uma maneira ou de outra, o fantico est mais interessado no outro do que em si mesmo, pela simples razo de que tem um mesmo bastante exguo, ou mesmo nenhum mesmo. O senhor Bin Laden e os da sua laia no se limitam a odiar o Ocidente. No assim to simples. Creio antes que querem salvar as nossas almas, querem libertar-nos dos nossos horrveis valores, do materialismo, do pluralismo, da democracia, da liberdade de opinio, da emancipao da mulher... Tudo isto, segundo os fundamentalistas islmicos, muito, mas mesmo muito prejudicial sade. Com toda a certeza, o objectivo imediato de Bin Laden no era Nova Iorque ou Madrid. O seu objectivo era converter os muulmanos pragmticos, moderados, em crentes autnticos, no seu tipo de muulmanos. O Islo, para Bin Laden, estava debilitado pelos valores americanos, e, para defender o Islo, no basta ferir o Ocidente e feri-lo forte e feio. No. No final, o Ocidente deve ser convertido. A paz s prevalecer quando o mundo se tiver convertido, no j ao Islo, mas forma mais rgida, feroz e fundamentalista do Islo. Ser para nosso bem. No fundo, Bin Laden ama-nos. O 11 de Setembro, no seu modo de pensar, foi um acto de amor. F-lo para nosso bem, quer mudar-nos, quer redimir-nos. Muito frequentemente, tudo comea na famlia. O fanatismo comea em casa. Comea precisamente pela urgncia to comum em mudar um ser querido para seu prprio bem. Comea pela urgncia do sacrifcio para bem de um vizinho muito amado. Comea pela urgncia de dizer a um filho: Tens de fazer como eu, no como a tua me ou Tens de fazer como eu, no como o teu pai ou Por favor, s muito diferente de ambos. Ou quando os cnjuges dizem entre si: Tens de mudar, tens de fazer como eu, ou, de contrrio, o casamento no resultar. Com frequncia, comea pela urgncia em viver a prpria vida atravs da vida de outrem. Em anular-se a si prprio para facilitar a realizao do prximo ou o bem-estar da gerao seguinte. O autosacrifcio costuma infligir terrveis sentimentos de culpa ao seu beneficirio, manipulando-o ou mesmo controlando-o. Se eu tivesse de escolher entre os dois esteretipos de me da famosa anedota judaica - a me que diz ao filho, Acaba o pequeno-almoo ou mato-te, ou a que diz, Acaba o pequeno-almoo ou mato-me -, provavelmente escolheria o menor de dois males, no acabar o pequeno-almoo e morrer, em vez de no acabar o pequeno-almoo e viver com um sentimento de culpa para o resto da minha vida.

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Voltemos agora ao sombrio papel dos fanticos e ao fanatismo no conflito entre Israel e a Palestina, entre Israel e grande parte do mundo rabe. O choque entre Israelitas e Palestinianos no , na sua essncia, uma guerra civil entre dois segmentos da mesma populao, do mesmo povo, da mesma cultura. No um conflito interno, mas internacional. Felizmente. Porque os conflitos internacionais so mais fceis de resolver do que os internos - guerras religiosas, lutas de classes, guerras de valores. Disse mais fceis, no fceis. Na sua essncia, a batalha entre Judeus Israelitas e rabes Palestinianos no uma guerra religiosa, embora os fanticos de ambos os lados faam o impossvel por transform-la numa guerra religiosa. Fundamentalmente, no mais do que um conflito territorial sobre a dolorosa questo: De quem a terra? um doloroso conflito entre quem tem razo e quem tem razo, entre duas reivindicaes muito convincentes, muito poderosas, sobre o mesmo pequeno pas. Nem guerra religiosa, nem guerra de culturas, nem desacordo entre duas tradies. Simplesmente uma verdadeira disputa territorial sobre quem o proprietrio da casa. E eu acredito que isto se pode resolver. Acredito, de uma forma simples e cautelosa, que a imaginao possa servir de proteco parcial e limitada contra o fanatismo. Acredito que uma pessoa capaz de imaginar o que as suas ideias implicam, como no caso do beb a chorar no quarto andar, pode converter-se num fantico parcial, o que j constitui uma ligeira melhoria. Neste momento, bem gostaria de vos dizer que a literatura a resposta, porque a literatura contm um antdoto contra o fanatismo, que a injeco de imaginao nos leitores. Gostava de poder receitar simplesmente: leiam literatura e ficaro curados do vosso fanatismo. Infelizmente, no assim to simples. Infelizmente, muitos poemas, muitas histrias e dramas ao longo da Histria foram utilizados para fomentar o dio e a superioridade moral nacionalista. Apesar de tudo, h algumas obras literrias que julgo poderem ajudar at certo ponto. No operam milagres, mas podem ajudar. Shakespeare pode ajudar muito: todo o extremismo, toda a cruzada intransigente, toda a forma de fanatismo em Shakespeare acaba, mais tarde ou mais cedo, em tragdia ou em comdia. No fina!, o fantico nunca est mais feliz ou mais satisfeito, ora morrendo ora convertendo-se em bobo. uma boa injeco. E Gogol tambm pode ajudar: faz com que, grotescamente, os seus leitores tomem conscincia do pouco que sabemos, mesmo quando estamos convencidos de ter cem por cento de razo. Gogol ensina-nos que o nosso prprio nariz pode transformar-se num inimigo terrvel, num inimigo fantico at. E pode acontecer que acabemos por perseguir fanaticamente o nosso prprio nariz. Em si, no uma m lio. Kafka um bom educador a este respeito, se bem que tenho a certeza de que ele nunca pretendeu leccionar contra o fanatismo. Mas Kafka mostra-nos que tambm existe escurido e enigma e engano quando pensamos que no fizemos absolutamente nada de mal. Isso ajuda. (Se houvesse tempo e espao, poderia falar muito mais sobre Kafka e Gogol e sobre a subtil conexo que vejo entre ambos, mas vamos deix-lo para outra ocasio.) E William Faulkner pode ajudar. O poeta israelita Yehuda Amjai expressa tudo isto melhor do que eu poderia fazer, quando afirma: Onde temos razo no podem crescer flores. uma frase muito til. Assim, de certo modo, algumas obras literrias podem ajudar, mas no todas. E se me prometerem no levar letra o que vou dizer, atrever-me-ia a assegurar que, pelo menos em princpio, julgo ter inventado o remdio contra o fanatismo. O sentido de humor uma grande cura. Jamais vi na minha vida um fantico com sentido de humor, nem nunca vi qualquer pessoa com sentido de humor converter-se num

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fantico, a menos que ele ou ela tivessem perdido esse sentido de humor. Os fanticos so frequentemente sarcsticos. Alguns deles tm um sarcasmo muito agudo, mas de humor, nada. Ter sentido de humor implica a capacidade de se rir de si prprio. Humor relativismo, humor a habilidade de nos vermos como os outros nos vem, humor a capacidade de perceber que, por muito cheia de razo que uma pessoa se sinta e por mais tremendamente enganada que tenha estado, h um certo lado da vida que tem sempre a sua graa. Quanto mais razo se tem, mais divertida se torna a pessoa. E, neste caso, pode-se ser um israelita convicto da sua razo ou um palestiniano convicto da sua razo ou qualquer pessoa convicta da sua razo. Com sentido de humor, bem pode acontecer que se seja parcialmente imune ao fanatismo. Se eu pudesse comprimir o sentido de humor em cpsulas e, depois, persuadir povoaes inteiras a engolirem as minhas plulas humorsticas, imunizando desse modo toda a gente contra os fanticos, talvez um dia chegasse ao Prmio Nobel de Medicina, em vez do de Literatura. Mas escutem! A simples ideia de comprimir o sentido de humor em cpsulas, a simples ideia de fazer com que os outros engulam as minhas plulas humorsticas para seu prprio bem, curando-os assim do seu mal, j est ligeiramente contaminada de fanatismo. Muito cuidado, o fanatismo extremamente infeccioso, mais contagioso do que qualquer vrus. Pode-se contrair fanatismo facilmente, at mesmo ao tentar venc-lo ou combat-lo. Basta ler os jornais ou ver televiso para verificar como as pessoas se convertem facilmente em fanticos antifanticos, em fanticos antifundamentalistas, em cruzados antijihad. Afinal, se no podemos vencer o fanatismo, talvez possamos, ao menos, cont-lo um pouco. Como disse antes, a capacidade de rirmos de ns prprios constitu uma cura parcial, a capacidade de nos vermos como os outros nos vem um outro remdio. A capacidade de conviver com situaes cujo final est em aberto, inclusivamente de aprender a desfrutar com essas situaes, de aprender a desfrutar com a diversidade, tambm pode ajudar. No estou a pregar o relativismo moral total, com certeza que no. Tento realar a nossa capacidade de nos imaginarmos uns aos outros. Faamo-lo a todos os nveis, comeando pelo mais quotidiano. Imaginemos o outro quando lutamos, imaginemos o outro quando nos queixamos, imaginemos o outro precisamente quando sentimos que temos cem por cento de razo. Mesmo quando se tem cem por cento de razo e o outro est cem por cento equivocado, continua a ser til imaginar o outro. Na verdade, fazemos isso a todo o momento. O meu ltimo romance, O Mesmo Mar3, versa sobre seis ou sete pessoas espalhadas pelo globo e que tm entre si uma comunicao quase mstica. Pressentem-se, comunicam constantemente entre si de forma teleptica, embora se encontrem disseminados pelos quatro cantos da Terra. A capacidade de conviver com situaes de final em aberto est, imaginariamente, em aberto para todos ns: escrever um romance, por exemplo, implica, entre outras responsabilidades, a necessidade de nos levantarmos todas as manhs, tomar um caf e comear a imaginar o outro. Como seria se eu fosse ela, e como seria se eu fosse ele? E na minha experincia pessoal, na minha prpria histria de vida, na minha histria familiar, no consigo deixar de pensar frequentemente que, com uma ligeira modificao dos meus genes ou das circunstncias dos meus pais, eu poderia ser ele ou ela, poderia ser um colono da Margem Ocidental, poderia ser um extremista ultraortodoxo, poderia ser um judeu oriental de um pas do Terceiro Mundo, poderia ser algum diferente. Poderia ser um dos meus inimigos. Imaginar isto sempre uma prtica til. H muitos anos, quando ainda era uma criana, a minha sapientssima av explicou-me com palavras muito simples a diferena entre um judeu e um cristo, no entre um judeu e um muulmano, mas entre

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um judeu e um cristo: Olha, disse os Cristos acreditam que o Messias j c esteve uma vez e que, certamente, regressar um dia. Os Judeus defendem que o Messias ainda est por chegar. Por isso, disse a minha av por isso, tem havido tanta raiva, tantas perseguies, derramamento de sangue, dio... Porqu? Por que no podemos simplesmente esperar todos e ver o que acontece? Se o Messias voltar e disser, 'Ol, estou muito contente por v-los de novo', os Judeus tero de aceitar. Se, pelo contrrio, o Messias chegar e disser, 'Como esto, prazer em conhec-los', toda a Cristandade ter de pedir desculpa aos Judeus. Entretanto, disse a minha sbia av vive e deixa viver. Ela era, definitivamente, imune ao fanatismo. Conhecia o segredo de viver em situaes de final em aberto, no meio de conflitos no resolvidos, com a diversidade de outras pessoas. Comecei por dizer que o fanatismo muitas vezes comea em casa. Quero terminar dizendo que o antdoto tambm se pode encontrar em casa, praticamente na ponta dos nossos dedos. Nenhum homem uma ilha, disse John Donne, mas atrevo-me humildemente a acrescentar: nenhum homem e nenhuma mulher uma ilha, mas cada um de ns uma pennsula, com uma metade unida terra firme e a outra a olhar para o oceano - uma metade ligada famlia, aos amigos, cultura, tradio, ao pas, nao, ao sexo e linguagem e a muitas outras coisas, e a outra metade a desejar que a deixem sozinha a contemplar o oceano. Penso que nos deviam deixar continuar a ser pennsulas. Todo o sistema poltico e social que converte cada um de ns numa ilha donneana e o resto da