adriano nervo codato - scielo · 2006-09-13 · 83 revista de sociologia e polÍtica nº 25: 83-106...

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83 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 25, p. 83-106, nov. 2005 Adriano Nervo Codato UMA HISTÓRIA POLÍTICA DA TRANSIÇÃO BRASILEIRA: DA DITADURA MILITAR À DEMOCRACIA 1 Recebido em 7 de julho de 2005 Aprovado em 5 de outubro de 2005 O artigo trata da história política brasileira do golpe político-militar de 1964 ao segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Escrito sob a forma de um resumo explicativo, três temas unificam a narrativa sobre a transição do regime ditatorial-militar para o regime liberal-democrático: o militar, o político e o burocrático. Procura-se estabelecer inferências causais entre o conteúdo, o método, as razões e o sentido da mudança política a partir de 1974 e a qualidade do regime democrático na década de 1990. A explicação destaca a necessidade de se analisar dois espaços políticos diferentes, mas combinados: as transformações no sistema institucional dos aparelhos do Estado e as evoluções da cena política. Conclui-se que as refor- mas econômicas neoliberais não apenas prescindiram de uma verdadeira reforma política que aumentasse a representação, e de uma reforma do Estado que favorecesse a participação. As reformas neoliberais tiveram como precondição o arranjo autoritário dos processos de governo herdados do período político anterior. PALAVRAS-CHAVE: política brasileira (1964-2002); regime ditatorial-militar; transição política; demo- cracia; neoliberalismo. I. INTRODUÇÃO: QUESTÕES DE TERMINO- LOGIA E PERIODIZAÇÃO No Brasil, o regime ditatorial-militar durou 25 anos, de 1964 a 1989, teve seis governos – inclu- indo um governo civil – e sua história pode ser dividida em cinco grandes fases. Uma primeira fase, de constituição do regi- me político ditatorial-militar, corresponde, gros- so modo, aos governos Castello Branco e Costa e Silva (de março de 1964 a dezembro de 1968); uma segunda fase, de consolidação do regime ditatorial-militar (que coincide com o governo Medici: 1969-1974); uma terceira fase, de trans- formação do regime ditatorial-militar (o governo Geisel: 1974-1979); uma quarta fase, de desa- gregação do regime ditatorial-militar (o governo Figueiredo: 1979-1985); e por último, a fase de transição do regime ditatorial-militar para um re- gime liberal-democrático (o governo Sarney: 1985-1989). Já de início, três aspectos devem ser destaca- dos nesse longo período. Primeiro, o processo de “distensão política”, depois chamado “política de abertura” e, por fim, “transição política”, foi ini- ciado pelos militares, e não por pressão da “soci- edade civil”, ainda que ela tenha influído, de ma- neira decisiva, menos no curso e mais no ritmo dos acontecimentos. Segundo, esse processo teve sua natureza, andamento e objetivos determina- dos também pelos militares ou, mais exatamente, por uma de suas muitas correntes político-ideoló- gicas. Por fim, ele correspondeu à necessidade dos próprios militares resolverem problemas in- ternos à corporação, e não a uma súbita conver- são democrática de parte do oficialato 2 . 1 Uma versão diferente deste artigo, destinada ao público estrangeiro, aparecerá em 2006 no volume organizado por mim (CODATO, 2006), sob o título “Political Transition and Democratic Consolidation in Brazil: a Historical Perspective”. 2 Bárbara Geddes nota que “diferentes tipos de autoritarismo entram em colapso de modo caracteristica- mente diferentes [...]. Um estudo de 163 regimes autoritá- rios em 94 países oferece provas de que existem realmente diferenças entre os padrões de colapso [...]”. Classificando os “regimes autoritários” em três subtipos, personalista, militar e de partido único, Geddes argumenta que “as tran- sições do governo militar começam usualmente com divi- sões dentro da elite militar governante [...]. Há [...] um

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Page 1: Adriano Nervo Codato - SciELO · 2006-09-13 · 83 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 25: 83-106 NOV. 2005 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 25, p. 83-106, nov. 2005 Adriano

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 25: 83-106 NOV. 2005

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 25, p. 83-106, nov. 2005

Adriano Nervo Codato

UMA HISTÓRIA POLÍTICA DA TRANSIÇÃOBRASILEIRA:

DA DITADURA MILITAR À DEMOCRACIA1

Recebido em 7 de julho de 2005Aprovado em 5 de outubro de 2005

O artigo trata da história política brasileira do golpe político-militar de 1964 ao segundo governo deFernando Henrique Cardoso. Escrito sob a forma de um resumo explicativo, três temas unificam a narrativasobre a transição do regime ditatorial-militar para o regime liberal-democrático: o militar, o político e oburocrático. Procura-se estabelecer inferências causais entre o conteúdo, o método, as razões e o sentido damudança política a partir de 1974 e a qualidade do regime democrático na década de 1990. A explicaçãodestaca a necessidade de se analisar dois espaços políticos diferentes, mas combinados: as transformaçõesno sistema institucional dos aparelhos do Estado e as evoluções da cena política. Conclui-se que as refor-mas econômicas neoliberais não apenas prescindiram de uma verdadeira reforma política que aumentassea representação, e de uma reforma do Estado que favorecesse a participação. As reformas neoliberaistiveram como precondição o arranjo autoritário dos processos de governo herdados do período políticoanterior.

PALAVRAS-CHAVE: política brasileira (1964-2002); regime ditatorial-militar; transição política; demo-cracia; neoliberalismo.

I. INTRODUÇÃO: QUESTÕES DE TERMINO-LOGIA E PERIODIZAÇÃO

No Brasil, o regime ditatorial-militar durou 25anos, de 1964 a 1989, teve seis governos – inclu-indo um governo civil – e sua história pode serdividida em cinco grandes fases.

Uma primeira fase, de constituição do regi-me político ditatorial-militar, corresponde, gros-so modo, aos governos Castello Branco e Costae Silva (de março de 1964 a dezembro de 1968);uma segunda fase, de consolidação do regimeditatorial-militar (que coincide com o governoMedici: 1969-1974); uma terceira fase, de trans-formação do regime ditatorial-militar (o governoGeisel: 1974-1979); uma quarta fase, de desa-gregação do regime ditatorial-militar (o governoFigueiredo: 1979-1985); e por último, a fase detransição do regime ditatorial-militar para um re-gime liberal-democrático (o governo Sarney:

1985-1989).

Já de início, três aspectos devem ser destaca-dos nesse longo período. Primeiro, o processo de“distensão política”, depois chamado “política deabertura” e, por fim, “transição política”, foi ini-ciado pelos militares, e não por pressão da “soci-edade civil”, ainda que ela tenha influído, de ma-neira decisiva, menos no curso e mais no ritmodos acontecimentos. Segundo, esse processo tevesua natureza, andamento e objetivos determina-dos também pelos militares ou, mais exatamente,por uma de suas muitas correntes político-ideoló-gicas. Por fim, ele correspondeu à necessidadedos próprios militares resolverem problemas in-ternos à corporação, e não a uma súbita conver-são democrática de parte do oficialato2.

1 Uma versão diferente deste artigo, destinada ao públicoestrangeiro, aparecerá em 2006 no volume organizado pormim (CODATO, 2006), sob o título “Political Transitionand Democratic Consolidation in Brazil: a HistoricalPerspective”.

2 Bárbara Geddes nota que “diferentes tipos deautoritarismo entram em colapso de modo caracteristica-mente diferentes [...]. Um estudo de 163 regimes autoritá-rios em 94 países oferece provas de que existem realmentediferenças entre os padrões de colapso [...]”. Classificandoos “regimes autoritários” em três subtipos, personalista,militar e de partido único, Geddes argumenta que “as tran-sições do governo militar começam usualmente com divi-sões dentro da elite militar governante [...]. Há [...] um

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UMA HISTÓRIA POLÍTICA DA TRANSIÇÃO BRASILEIRA

O controle que as Forças Armadas exerceramsobre o aparelho do Estado e sua presença osten-siva na cena política acabaram por importar umasérie de conflitos políticos e ideológicos para oaparelho militar, subvertendo a hierarquia tradici-onal e as cadeias de comando daí derivadas. Jáobservada na literatura, a transformação do “mo-delo político” brasileiro (na expressão de Cardoso(1972)) não foi concebida originalmente “comouma volta dos militares aos quartéis, mas como aexpulsão da política de dentro deles” (MARTINS,1979-1980, p. 22).

A facção que recuperou o controle do gover-no depois da posse do General Geisel na presi-dência da República, em março de 1974 – facçãomarginalizada politicamente quando o GeneralCosta e Silva tornou-se, em 1967, comandantesupremo da “Revolução” (GASPARI, 2002a) –,possuía dois objetivos estratégicos, um político,outro militar: restabelecer a estrutura e a ordemno interior do estabelecimento militar, assim comogarantir maior estabilidade institucional eprevisibilidade política ao regime ditatorial. Pararealizar a primeira dessas tarefas, a da disciplinainterna, seria preciso afastar gradualmente as For-ças Armadas do comando global da política naci-onal e conter as atividades dos setores de infor-mação e repressão do Estado, reduzindo, com isso,uma das fontes de poder da facção rival. As mu-danças impostas à organização e ao modo de fun-cionamento do aparelho do Estado, cujo traço maissaliente foi uma significativa centralização do po-der na presidência da República, paralelamente auma concentração do poder no Presidente da Re-pública (CODATO, 1997), visavam justamenteenquadrar a extrema-direita, transferindo para acúpula do Executivo as decisões sobre prisões,cassações e eleições.

A segunda tarefa, a da segurança do regime,equivalia a rever certos aspectos deste parainstitucionalizar um modelo político mais liberal,através da restauração progressiva de algumas li-berdades civis mínimas. O objetivo final não eraexatamente revogar o autoritarismo e instituir “a

democracia”, mas tornar a ditadura militar menosconservadora politicamente3.

O projeto militar desdobrou-se num processopendular, em que se revezaram períodos de maiore menor violência política, de acordo com umalógica menos instrumental e mais conjuntural, tra-duzindo a dificuldade do governo Geisel em con-trolar todas as variáveis implicadas na política detransição. A política de liberalização da ditaduramilitar brasileira continuou no governo Figueiredo(1979-1985), sob o nome de “abertura política”,graças à normalização da atividade parlamentar eà manutenção do calendário eleitoral, depois darevogação parcial das medidas de exceção (em1978) e efetuadas a anistia política e uma reformapartidária (em 1979). A realização de eleições rela-tivamente livres, nos anos setenta e oitenta, “ge-raram uma dinâmica própria” (LIMA JÚNIOR,1993, p. 39), levando o processo de transição adiferenciar-se, em alguma medida, do projeto mi-litar original. Assim, no Brasil a relação entre vo-tação e democratização (da esfera política) nãofoi casual (LAMOUNIER, 1986), mas foi, até certoponto, inesperada. As eleições influíram no cursodos acontecimentos ao acelerar o ritmo de trans-formação do regime, sem mudar, todavia, sua di-reção conservadora. A “Nova República” (1985-1990), último governo (ainda que civil) do ciclodo regime ditatorial-militar, encerra esse longoperíodo de transição ao estabelecer a hegemoniapolítica do partido de oposição ao regime (1986),promulgar uma Constituição (1988) e realizar umaeleição popular para Presidente (1989).

A década de noventa foi, de acordo com gran-de parte da literatura, o período da consolidaçãodo regime liberal-democrático. Esse processocompreende os governos de Collor de Mello(1990-1992), Itamar Franco (1992-1995) eFernando Henrique Cardoso (1995-2002). A “con-solidação democrática” deu-se em um quadroinstitucional peculiar. O cenário resultante da novaConstituição conjugou o presidencialismo como aforma de governo, o federalismo como a fórmulade relação entre o Estado central e as unidadessubnacionais (MAINWARING, 1997), a coalizãopolítica como a fórmula de governabilidade

consenso na literatura quanto ao fato de que a maioria dossoldados profissionais valoriza mais a sobrevivência e aeficácia dos próprios militares do que qualquer outra coisa[...]. A maior parte da oficialidade se preocupa mais com aunidade das forças armadas do que com o controle ou nãodo governo por militares” (GEDDES, 2001, p. 221, 228,232 e 235, respectivamente).

3 Para confirmar os propósitos não-democráticos do pro-jeto de liberalização do regime, ver a longa entrevista doGeneral Geisel ao CPDOC (D’ARAÚJO & CASTRO,1997).

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(ABRANCHES, 1988), tudo isso apoiado sobreum sistema partidário fragmentado (NICOLAU,1996), pouco institucionalizado e demasiadamen-te regionalizado (ABRUCIO, 1998). Essa combi-nação institucional – ou, para alguns, essa defor-mação institucional – conduziu no final das con-tas o processo de transição para o seguinte ponto:uma democracia eleitoral, um Executivo imperiale um regime congressual que atua ora como cola-borador, ora como sabotador das iniciativas doPresidente, ator central do sistema político4.

O objetivo deste artigo é refazer a história po-lítica nacional a partir de 1974 a fim de indicar asvariáveis que influíram na configuração – políticae institucional – do regime atual. Meu pressupos-to não é apenas que a “história conta”, o que é umtruísmo, mas que há relações causais entre o con-teúdo, o método, as razões e o sentido da mudan-ça política da ditadura brasileira para a democra-cia brasileira.

II. UM MODELO DE ANÁLISE

Parece conveniente resumir a história brasileirarecente em vista dos aspectos mais significativosda transição política (1974-1989) e da consolida-ção democrática (1989-2002), a fim de propor umainterpretação desse período. Tal recuo, por assimdizer, diante de uma Ciência Política baseada emhipóteses gerais que se deduzem de uma tipologiada transição e de um modelo descritivo e normativode democratização, é indispensável para se trans-por o ponto de vista puramente classificatório etentar recuperar a dimensão histórica do processopolítico.

A vasta literatura especializada em “transiçõespolíticas”, surgida nos anos oitenta e noventa sobinspiração do paradigma institucionalista, promo-veu uma alteração importante nas análises da mu-dança política. O modelo de referência dominan-te, dito macro-estrutural, calcado em variáveisexplicativas de tipo econômico e/ou social, viu-sequestionado por uma abordagem que passou aenfatizar fatores eminentemente políticos na com-preensão da passagem do “autoritarismo” à de-mocracia.

Essa nova geração de trabalhos, que poderiaser agrupada sob o título pouco eufônico, masbem preciso, de “transitologia”5 possui três ca-racterísticas que a distinguem das análises macro-orientadas: (i) ênfase no estudo dos atores políti-cos – seus interesses, valores, estratégias etc. (emsintonia com a teoria da escolha racional e o indi-vidualismo metodológico; em oposição, portanto,a explicações classistas); (ii) destaque para osfatores endógenos de cada país no estudo do cur-so do processo de transição (e não a fatores glo-bais do tipo “transformações no processo de acu-mulação capitalista”); e (iii) adoção de um con-ceito minimalista e pouco exigente de “democra-cia” (à la Schumpeter: a democracia é um méto-do de seleção de lideranças), única forma, imagi-nou-se, de dar conta de uma série de casos bas-tante diferentes entre si. Talvez o ponto mais pro-blemático dessas abordagens tenha sido seu ex-cessivo conjunturalismo (REIS, REIS & VELHO,1997), freqüentemente a reboque das incertezasda situação política e dos compromissos ad hocdos atores “estratégicos”.

Em uma direção diferente daquela que retémunicamente o andamento da cena política e os fa-tores institucionais na explicação, penso que énecessário sublinhar os condicionantes políticose ideológicos que presidiram o processo de cons-trução da democracia política no Brasil na últimadécada. A dimensão histórica é considerada es-sencial nessa abordagem6. A história recente é opano de fundo no longo e errático processo deconstrução de uma ordem liberal-democrática apartir do espólio do regime ditatorial-militar. Tra-ta-se de chamar a atenção, portanto, para essadimensão, quer por sua ausência em algumas aná-lises formalistas da transição/consolidação, querpela presença incidental dos “fatos” selecionadosem certas narrativas, reduzidos a meros exem-plos apenas para ilustrar um postulado ou confir-mar uma “teoria”.

A legitimidade da abordagem tipológica – típi-ca de certa Ciência Política – não está, obviamen-te, em questão. Ela é tão útil quanto as interpreta-ções macro-sociológicas inspiradas pela Sociolo-gia Política. O que está em questão na verdade é a

4 Ainda que suas prerrogativas institucionais, principal-mente legislativas, não se traduzam automaticamente nacapacidade efetiva de tomar decisões e implementá-las, aPresidência da República continuou como o centro do sis-tema político. Para uma discussão desses aspectos relacio-nados à história da transição brasileira, v. Kinzo (2001).

5 O artigo de Monclaire (2001) apresenta uma competentediscussão dos estudos desse tipo.6 Para uma discussão mais detida dessa abordagem, v.Fernandes (2002).

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natureza das variáveis que integram a análise ba-seada em modelos. Mais ainda, o que se discute ése tais variáveis são ou não uma tradução, em ní-vel abstrato, de elementos concretos produzidoshistoricamente. Assim, a perspectiva adotada aquiconsidera mais produtivo “determinar historicamen-te os aspectos abstratos arbitrariamente isoladospara fins hermenêuticos e restituir aos protagonis-tas do processo político, sociologicamente conce-bidos como sujeitos já dados de interesses não es-pecificados, sua concretude social, examinando-os em sua constituição e em sua evolução históri-ca” (QUARTIM DE MORAES, 1985).

Para que se possa elaborar uma interpretaçãodo período em questão, deve-se apresentar, emprimeiro lugar, um resumo dos “fatos” políticos,no sentido mais convencional do termo. Essas ocor-rências são organizadas de acordo com uma novaproposta de periodização dos regimes, tanto o dita-torial como o democrático, em que o longo inter-valo entre 1964 e 2002 é dividido em fases e aspróprias fases, em etapas. Cada fase (podendo ounão sobrepor-se, como numa cronologia comum,a períodos de governo) corresponde efetivamentea um processo: constituição, consolidação, trans-formação etc. do modelo político. As etapas assi-nalam os momentos de virada no interior de cadafase e, também, entre uma fase e outra (que, emgeral, coincidem com crises políticas). Trata-se deuma indicação sumária dos intervalos do processopolítico, já que uma explicação efetiva desse perío-do implicaria abordar cada crise e os momentos deruptura nesse contínuo. Em segundo lugar, sãodefinidos os parâmetros de análise do processopolítico brasileiro, de acordo com a história políti-ca brasileira. Pretende-se sugerir que o programade mudança política pode ser mais bem compreen-dido quando se tem presente a conexão entre qua-tro aspectos: o conteúdo, a natureza, as razões e osignificado mais geral da transição de um regime aoutro. Por fim, em terceiro lugar, procura-se com-preender o movimento político entre 1974 e 2002 apartir de dois parâmetros predefinidos: as transfor-mações na forma de Estado e as evoluções da for-ma de regime. Cada uma dessas variáveis recobreum espaço político diferente. A primeira permitecaptar as modificações nas relações de força entreos aparelhos e ramos do sistema estatal; a segun-da, as disputas na cena político-partidária(POULANTZAS, 1968). As análises aqui são maisesboçadas que desenvolvidas, já que envolvem umespectro muito variado de matérias. Três temas

procuram, ao final, unificar a narrativa: o militar, opolítico e o burocrático. O estilo ensaístico desteartigo deriva não apenas do nível de abstração, vis-to que o foco são os grandes processos, mas tam-bém de sua intenção principal: oferecer ao leitorum panorama razoavelmente fiel da história políti-ca brasileira recente.

III. A HISTÓRIA POLÍTICA DA TRANSIÇÃOBRASILEIRA

O golpe de 1964 assinalou uma modificaçãodecisiva na função política dos militares no Brasil.A ação final contra a “democracia populista”(1946-1964) ou, como preferem os conservado-res, a “Revolução”, trouxe duas novidades. Nãose tratava mais de uma operação intermitente dasForças Armadas com um objetivo preciso, quasesempre o de combater a “desordem” (a políticade massas) ou o “comunismo” (a política social)ou a “corrupção” (i. e., a política propriamentedita), mas de uma intervenção permanente. A ga-rantia política que as Forças Armadas empresta-ram aos governos civis, notadamente no pós-1930,convertia-se agora num governo militar. Há, defato, uma mudança de regime político. Da mesmaforma, não mais se tratava de um pronunciamiento,em que um chefe militar de prestígio ou um gru-po de oficiais se recusava a obedecer ao governo,mas de um movimento institucional das ForçasArmadas (O’DONNELL, 1975; CARDOSO,1982). Foi o aparelho militar, e não um líder polí-tico militar, que passou a controlar primeiramenteo governo (i. e., o Executivo), depois o Estado (eseus vários aparelhos) e, em seguida, a cena polí-tica (i. e., as instituições representativas)7.

Se essa ação está na origem da autonomia doaparelho militar sobre o “mundo civil” depois de1964, recorde-se que a presença dos oficiais nacena política nacional nunca foi novidade, princi-palmente depois da Revolução de 1930.

Contudo, as intervenções militares de 1937 (ogolpe do Estado Novo) ou de 1945 (o golpe quepõe fim ao Estado Novo) nada têm a ver com um

7 Esse novo gênero de intervenção, mais burocrático emenos provisório, foi seguido, com algumas diferenças re-gionais, por todos os regimes militares da América do Sul –Brasil, Argentina, Chile e Uruguai – nas décadas de sessen-ta e setenta do século XX. Suzeley K. Mathias (2004)discute detalhadamente todos os aspectos relacionados ao“processo de militarização” do Estado brasileiro nesse pe-ríodo.

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suposto “padrão moderador” que as Forças Ar-madas desempenhariam em todas as crises políti-cas nacionais, mediando conflitos entre políticoscivis desde a República (STEPAN, 1971). Essehipotético “padrão” corresponde, na verdade, auma série específica de determinações históricas,que são a fonte da autonomia política e da singu-laridade ideológica exibidas pelo estabelecimentomilitar. Elas se devem basicamente: (i) à centrali-zação do poder militar (em dois sentidos: da basepara o topo do aparelho burocrático; da periferiapara o centro do sistema político); (ii) à oscilaçãoideológica das cúpulas das Forças Armadas, entreo getulismo em 1937 (i. e., o autoritarismo) e oantigetulismo em 1945 e 1964 (i. e., o anti-populismo); (iii) à aversão dos oficiais à políticade massas, representada, no caso, pelo incentivoà mobilização sindical e à exaltação nacionalista (oque explicaria a oscilação anterior); e (iv) à atitu-de dos militares em relação à democracia ou, maisexatamente, sua recusa não do princípio do su-frágio universal, mas de suas conseqüências prá-ticas: os resultados eleitorais “errados” do perío-do 1945-1964 (QUARTIM DE MORAES, 1985).

São precisamente essas determinações histó-ricas, esse elitismo em sentido amplo, que estãona base da intervenção das cúpulas das ForçasArmadas no processo político em 1964. Cúpulasque legitimam, ou melhor, justificam seu papeldirigente em função da crise política na década de1960, informam a estratégia de modificação doregime ditatorial nos anos 1970, modelam a for-ma de governo desejada ao final dessa modifica-ção na década de 1980 e preservam sua autono-mia política e institucional nos anos 1990.

Do ponto de vista cronológico, a história polí-tica do regime ditatorial e da transição brasileirada ditadura militar para a democracia liberal podeser assim descrita:

- Fase 1: constituição do regime político ditatori-al-militar (governos Castello Branco eCosta e Silva)

– etapa 1: março de 1964 (golpe de Estado)– outubro de 1965 (extinção dos partidospolíticos)8

– etapa 2: outubro de 1965 (tornada indire-ta a eleição de Presidente da República) –janeiro de 1967 (nova Constituição)

– etapa 3: março de 1967 (posse de Costa eSilva) – novembro de 1967 (início da lutaarmada9)

– etapa 4: março de 1968 (início dos pro-testos estudantis) – dezembro de 1968(aumento da repressão política10)

- Fase 2: consolidação do regime ditatorial-mili-tar (governos Costa e Silva e Médici)

– etapa 5: agosto de 1969 (Costa e Silvaadoece; Junta Militar assume o governo)– setembro de 1969 (Médici é escolhidoPresidente da República11 )

– etapa 6: outubro de 1969 (nova Consti-tuição) – janeiro de 1973 (refluxo da lutaarmada)

– etapa 7: junho de 1973 (Médici anunciaseu sucessor) – janeiro de 1974 (eleiçãocongressual (indireta) de Geisel)

- Fase 3: transformação do regime ditatorial-mi-litar (governo Geisel)

– etapa 8: março de 1974 (posse de Geisel)– agosto de 1974 (anunciada a políticade modificação do regime)

– etapa 9: novembro de 1974 (vitória doMDB nas eleições senatoriais) – abril de1977 (Geisel fecha o Congresso Nacio-nal)

– etapa 10: outubro de 1977 (demissão doMinistro do Exército) – janeiro de 1979(revogação do Ato Institucional n. 5)

- Fase 4: desagregação do regime ditatorial-mili-tar (governo Figueiredo)

– etapa 11: março de 1979 (posse deFigueiredo) – novembro de 1979

8 Mediante o Ato Institucional n. 2 (de 27 de outubro de1965). O sistema pluripartidário (1945-1965) é transfor-mado em bipartidário: um partido pró-regime, a Arena (Ali-ança Renovadora Nacional) e um partido de oposição aoregime, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

9 Primeira ação da Aliança Libertadora Nacional (ALN)em São Paulo sob a direção de Carlos Marighella.10 Após a edição do Ato Institucional n. 5 (de 13 dedezembro de 1968).11 A “eleição” do sucessor de Costa e Silva foi feita a partirda consulta ao Alto Comando das Forças Armadas(MARTINS FILHO, 1995, p. 184).

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(extinção dos partidos políticos Arena eMDB)

– etapa 12: abril de 1980 (greves operáriasem São Paulo) – agosto de 1981 (Golberypede demissão do governo)

– etapa 13: novembro de 1982 (eleições di-retas para governadores dos estados;maioria oposicionista na Câmara dosDeputados) – abril de 1984 (derrotada aemenda das eleições diretas12)

– etapa 14: janeiro de 1985 (vitória da opo-sição na eleição para Presidente da Repú-blica) – março de 1985 (posse de JoséSarney)13

- Fase 5: transição, sob tutela militar, para o regi-me liberal-democrático (governoSarney)

– etapa 15: abril-maio de 1985 (faleceTancredo Neves; emenda constitucionalrestabelece eleições diretas para Presidenteda República) – fevereiro de 1986 (anun-ciado o Plano Cruzado contra a inflação)

– etapa 16: novembro de 1986 (vitória doPMDB nas eleições gerais) – outubro de1988 (promulgada nova Constituição)

– etapa 17: março de 1989 (início da campa-nha para as eleições presidenciais) – de-zembro de 1989 (Collor de Mello venceas eleições presidenciais)

- Fase 6: consolidação do regime liberal-demo-crático (governos Collor, Itamar Fran-co e Fernando Henrique Cardoso)

– etapa 18: março de 1990 (posse do Presi-dente eleito, Fernando Collor de Mello;anunciado o Plano Collor I) – janeiro de1991 (anunciado o Plano Collor II)

– etapa 19: dezembro de 1992 (impedimentodo Presidente Collor; o vice-PresidenteItamar Franco assume a Presidência daRepública) – julho de 1994 (lançado oPlano Real)

– etapa 20: janeiro de 1995 (posse do Pre-sidente eleito, Fernando Henrique Cardo-so) – junho de 1997 (aprovada a emendaque permite a reeleição do Presidente daRepública e dos titulares dos poderesExecutivos municipais e estaduais)

– etapa 21: janeiro de 1999 (posse do Pre-sidente reeleito, Fernando Henrique Car-doso) – outubro-novembro de 2000 (vi-tória dos partidos de oposição nas elei-ções municipais)

– etapa 22 : julho de 2002 (início da cam-panha para as eleições presidenciais) –janeiro de 2003 (posse do Presidente elei-to, Luís Inácio Lula da Silva)

Essa periodização simplificada do cenário po-lítico assinala os limites temporais do regime dita-torial (1964-1974), do período de transição (1974-1989) e do intervalo da consolidação de um novoregime nacional (1989-2002)14. Ela não indica,contudo, os traços mais significativos da políticabrasileira contemporânea, nem permite estabele-cer inferências causais que expliquem a sucessãode acontecimentos ou a passagem de uma fase aoutra. Parece impossível, em todo caso, compre-ender a transição política e a consolidação demo-crática independentemente do processo políticoconcreto. Este depende, por sua vez, da trajetóriahistórica nacional, assim como das condições his-tóricas dadas em função dessa trajetória ou, nafalta de um nome melhor, dos “contextos” e dainteração entre os “atores”: no caso, as ForçasArmadas (como agente político), o Estado (comoorganização institucional) e a sociedade (como oconjunto de agentes sociais).

12 O ponto máximo da campanha pelo restabelecimentodas eleições diretas para Presidente da República, que co-meçara em janeiro de 1984, em Curitiba, ocorreu em abrildo mesmo ano quando um comício com as principais figu-ras de oposição ao regime reuniu quase 1 milhão de pessoasno Rio de Janeiro (no dia 10) e mais de um milhão em SãoPaulo (no dia 16). No dia 25, o Congresso Nacional rejeitoua Emenda Constitucional que previa eleições diretas já parao ano seguinte (1985). Para uma discussão da relação des-ses movimentos sociais com o processo de mudança doregime, v. o artigo de Rodrigues (2001).13 O PDS (Partido Democrático Social), agremiação polí-tica herdeira da Arena, dividiu-se em 1984 e a facção dissi-dente apoiou a candidatura Tancredo Neves para a presi-dência da República (tendo José Sarney como vice-candi-dato).

14 Cruz (2005) sugeriu uma periodização mais simplificadado regime, dividindo-o em ciclos a cada dez anos: 1964(início: golpe de Estado); 1974 (inflexão: transição políti-ca); 1984 (fim: ápice do movimento oposicionista).

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A interação desses três elementos – ForçasArmadas, Estado e sociedade – pode, contudo,tornar-se meramente formalista caso não sejamtomados como unidades historicamente determi-nadas. Já se indicou acima a origem do poder doaparelho militar sobre as demais instituições e suadistância ideológica em relação à democracia “real”.Não há espaço aqui para desenvolver os outrostópicos. Sublinhe-se apenas que uma compreen-são mais extensa do “Estado” implica tomá-lo comofeixe de instituições, organismos, aparelhos e agên-cias burocráticas, cuja configuração não é indife-rente, de um lado, à evolução das relações de hie-rarquia e subordinação entre os diversos centrosde decisão e, de outro, às articulações concretasdesses aparelhos (e de seus respectivos ocupan-tes) com as classes e grupos sociais. Da mesmaforma, a “sociedade” resulta de um padrão espe-cífico de desenvolvimento capitalista (“um mo-delo de desenvolvimento” a partir de um “modode produção”), graças à combinação peculiar, noâmbito de uma formação social concreta, entre aestrutura produtiva e a estrutura de classes(ABRANCHES, 1979; MARTINS, 1985).

IV. ALGUMAS VARIÁVEIS DE ANÁLISE PO-LÍTICA

A análise da dinâmica política da transição exi-ge que se respondam pelo menos quatro pergun-tas básicas:

1) O que muda? Isto é: que instituições políti-cas são suprimidas, restauradas ou trans-formadas nesse processo de evolução polí-tica?

2) Como muda? Isto é: qual a natureza do pro-cesso que governa a mudança?

3) Por que muda? Ou seja: quais as razões dasubstituição de um modelo político por ou-tro?

4) Em que direção muda? Ou seja: qual o sig-nificado mais amplo que se pode atribuir àmudança política?

A primeira pergunta – o que muda no regimeao longo do tempo? – pede que se defina a nature-za (conservadora, liberal, radical) e a amplitude(maior, menor) das transformações político-institucionais introduzidas no modelo político pelaelite (militar) dirigente. Dessa perspectiva, a abor-dagem do problema está colada à história política,mas não se reduz a uma simples crônica dos acon-

tecimentos sob a forma de um resumoexplicativo15. No sentido próprio do termo, não éuma “cronologia” (i. e., uma disposição dos fatosnuma seqüência temporal reconhecível, um de-pois do outro), mas uma periodização: uma sub-divisão temporal do espaço político que diz res-peito à ação aberta ou velada das classes sociais egrupos políticos e militares. Essa periodização geraldeve ser complementada por uma periodização es-pecificamente política, o que implica em dispor,em seqüência, diferentes regimes políticos atra-vés do tempo, regimes esses que estão ligados àluta partidária na cena política (POULANTZAS,1968). No caso específico dos regimes de dita-dura militar há, no mínimo, duas complicaçõesimportantes: as “classes” não são os únicos ato-res do processo político (e nem os mais impor-tantes) e os partidos tendem a perder sua funçãode representação, que é transferida para o apare-lho de Estado. Essa transferência comporta tam-bém algumas dificuldades e complexidades, o queexplica a concorrência entre setores das ForçasArmadas e a elite estatal civil (os “tecnocratas”).Em resumo, ficamos assim: as cúpulas das For-ças Armadas se incumbem das questões políticase ideológicas e a elite estatal (civil), das questõesde economia (CODATO, 2005).

Assim, uma periodização mais completa e ri-gorosa que a feita aqui deveria abranger as trans-formações no sistema estatal (e.g.: os desloca-mentos dos centros de poder, as alterações nassuas hierarquias respectivas, bem como seu graude “militarização”) e as evoluções/involuçõesinstitucionais da cena política (e.g.: a ampliaçãoou restrição das “liberdades”, e sua influência tantosobre os movimentos da “sociedade civil” quantosobre a dinâmica partidária). Esses dois níveis ouregiões do espaço político não são apenascorrelatos, mas se determinam mutuamente. Nãose compreende a introdução, no regime, de certasinstituições e práticas liberais sem ter presente,por exemplo, a alteração nas correlações de forçaentre os aparelhos (e seus respectivoscontroladores) que integram o sistema estatal. Ogoverno Geisel – e o domínio do Presidente sobrea Presidência – é o melhor caso disso que se querdizer.

15 Bayart (1976) classifica três histórias do regime autori-tário brasileiro assim: Skidmore (1967 – e poderíamos in-cluir SKIDMORE, 1988), Schneider (1971) e Fiechter(1974).

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A segunda pergunta – como muda o regime? –equivale à exposição do processo político, comênfase principalmente na ação dos “atores estra-tégicos” (MARTINS, 1979-1980, p. 20-21) e nareação dos outros “atores estratégicos” diante daação dos primeiros. Conforme Luciano Martins,trata-se de saber quem detém a iniciativa do pro-cesso, quem detém o controle sobre ele (uma vezque, da primeira, não se segue o segundo, comoseria óbvio), como se dá o arranjo ou se costu-ram as coalizões políticas que levam à evoluçãodo programa de mudança e qual é, dentre os pro-jetos políticos de transformação do regime, o pre-ponderante (MARTINS, 1988, p. 113). A narrati-va aqui obedece, em geral, à lógica da causa eefeito. Mas é sempre arriscado isolar uma variá-vel independente que seja capaz de explicar todoo processo político. Como há sempre umainteração não apenas entre os atores políticos e osagentes sociais, mas também entre os atores e asinstituições políticas, e uma vez que suas respec-tivas performances dependem justamente dessainteração, seria mais prudente pensar nainterdependência das variáveis (políticas, econô-micas, sociais, ideológicas etc.) e na mudança, aolongo do tempo, da natureza, importância e signi-ficado dessas mesmas variáveis16, que são histo-ricamente determinadas. Não basta indicar que aauto-reforma do regime resultou de uma decisãodo Presidente militar para enquadrar a burocraciamilitar, como parece ser o caso da compreensãode Elio Gaspari (2003; 2004). Posto em movi-mento, o processo de reforma do regime ditatori-al-militar tende a superar (para o bem ou para omal) o projeto original.

A terceira pergunta – por que o regime muda?– remete ao entendimento das contradições dopróprio modelo e suas dificuldades de: (i)legitimação política; (ii) organização interna e (iii)evolução institucional. Esses não são, obviamen-te, problemas simples – nem para os analistas dapolítica ditatorial, nem para os constitucionalistasda política ditatorial. A natureza e amplitude da

mudança estão condicionadas ao tipo de respostaque a elite detentora da iniciativa dá-lhes.

O problema da legitimação do regime militar,por exemplo, está posto desde seu primeiro dia.Os governos militares devem estimular um “con-senso ativo”, o que envolveria algum grau de mo-bilização social com todos os riscos aí implícitos,ou devem apoiar-se num “consenso passivo”, istoé, tácito, como nas democracias liberais?17

O problema da evolução institucional tem, àprimeira vista, duas faces. Uma que se refere aoEstado e seus ocupantes, outra que se refere à“sociedade civil” e seus movimentos.

Esquematicamente, a primeira dimensão estáligada à controvérsia sobre a nova função da Pre-sidência da República (quais os limites de suasprerrogativas?) e sobre a sucessão presidencial(como escolher o sucessor?; e depois: quem indi-car?). Deveria a Presidência ser o locus de coor-denação política e supervisão ideológica do siste-ma estatal, ficando os ministérios, conselhos ecomissões com a função executiva propriamentedita? Esse parece ter sido seu figurino no governoMédici. Ou ela deveria ser o aparelho que, de fato,concentra o poder de Estado, como no governoGeisel? O Presidente deveria ser considerado mero“delegado da Revolução” ou “comandante supre-mo” das Forças Armadas?18 Visto que o regimenão criou uma regra clara para a rotatividade nopoder, nem assumiu, para fins de consumo inter-no e externo, a figura do “ditador”, como no casodo Chile, o conflito em torno da sucessão tendeua ser sempre o mais agudo e difícil de todo o pe-ríodo militar (MARTINS FILHO, 1995).

Já do lado da sociedade, a evolução institucionaldo regime está diretamente ligada num primeiromomento à repressão (tanto seu grau, quanto seusclientes preferenciais). Em seguida, o ponto cen-tral do processo passa a ser a liberalização. Umavez abolida a censura, liberados os presos políti-cos, concedida a anistia, garantido o habeas

16 Couto (1998) sugere um modelo bastante complexopara entender o processo de transição política e econômicano Brasil na década de noventa. Ele argumenta que se devaintegrar na análise do sistema político três dimensões si-multaneamente: as instituições (e suas mudanças), os ato-res (e suas conversões) e o contexto político-social, que emcada conjuntura é diferente.

17 Esse tópico foi discutido, a propósito da Espanha deFranco, por Juan Linz (1964). Cardoso (1972) prefere fa-lar em “autenticação” do regime e não em legitimação polí-tica.18 Para uma discussão particularmente ilustrativa desseúltimo problema, v. Gaspari (2004). Sobre o primeiro, v.Cardoso (1975), Lafer (1975) e Codato (1997).

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corpus, revogado o bipartidarismo, até onde aoposição legal poderia ir? Quais os limites da con-testação? O que era, do ponto de vista do grupopolítico-militar que dirige a transformação do re-gime, inegociável?

A questão da organização interna é, natural-mente, o problema do arranjo específico do siste-ma institucional dos aparelhos do Estado. Comoordenar e posteriormente coordenar a relação en-tre as partes civil e militar do sistema estatal? Comoforjar uma nova estrutura de autoridade? Com baseem que critérios recrutar a elite estatal? Comoorganizar o processo decisório? Qual o limite dainfluência dos militares sobre as questões políti-cas? etc.19 Problemas tão mais delicados ao seobservar que, sob o procedimento mais geral de“hipertrofia do Estado” nos regimes ditatorial-mi-litares, se desenvolvem uma série quase infinitade desajustes “administrativos” e distorçõesorganizacionais. Pelo lado da burocracia:indefinição de fronteiras funcionais formais entreos ramos do Estado; sobreposição de funções ecompetências, fonte praticamente inesgotável deconflitos burocráticos; expansão de prerrogativase extravasamento das esferas de competência, quegeram novos focos de atrito; acirramento da com-petição interburocrática, desencadeada pelo mo-vimento de conquista de espaços políticos e no-vos recursos de poder por parte de determinadasagências; por fim, transformação das agênciasburocráticas em agências de representação de in-teresses. Pelo lado dos burocratas: estreitamentode vínculos com aliados “externos”, i. e., sociais,como mecanismo de suporte amplamente utiliza-do no jogo interno de poder; articulação de alian-ças entre segmentos do aparelho burocrático e suasclientelas, gerando arenas privilegiadas e um esti-lo personalista de gestão etc.20

A última pergunta – qual a direção da mudançapolítica? – exige que se distingam certas altera-

ções (de grau) que podem ser introduzidas no re-gime político, sem implicarem a transformaçãodo regime no seu oposto (uma mudança de natu-reza, por assim dizer). A cúpula militar que dirigeo processo de transição tem todo o interesse ape-nas na primeira alternativa. Ela equivale àinstitucionalização do regime ditatorial, mas soboutra forma política. Trata-se, paradoxalmente,de um autoritarismo sem ditadura. O fundamentalé que o processo decisório continue centralizadono poder Executivo, os militares continuem con-trolando, mesmo à distância, os centros de poderreal, a atividade dos partidos políticos fique res-trita aos períodos eleitorais, o poder do Legislativopermaneça pouco mais que ornamental e, comolembrou Luciano Martins, a expressão da “vonta-de popular” não implique qualquer tipo de partici-pação autônoma da sociedade (MARTINS, 1979-1980, p. 31).

O passo para se institucionalizar o autoritarismo(no sentido acima) não significa, porém, que oregime ditatorial era pouco ou nadainstitucionalizado21, mas que o arranjo institucionalem vigor não era funcional nem estável, daí ascrises políticas freqüentes (1965, 1968, 1974,1977, 1981 etc.); que, portanto, ele deveria serreformado para suportar essas crises, sem queisso implicasse uma regressão “populista” (ao pré-1964) ou um avanço democrático.

Esses não são os únicos parâmetros da análiseda história política do regime político. Mesmo assaídas às questões formuladas não podem, natu-ralmente, ser elaboradas em poucas páginas. Sejacomo for, talvez algumas respostas possam ser-vir de fio condutor para se compreender o senti-do mais geral da cronologia já esboçada e, maisimportante, identificar certos determinantes his-tóricos para explicar a substituição do “regimeautoritário” pelo autoritarismo, conforme minhahipótese.

V. A DINÂMICA DA ABERTURA POLÍTICA NOBRASIL

O pressuposto mais geral para a análise domovimento de abertura política no Brasil consisteem que a revogação dos regimes políticos ditato-riais e o restabelecimento de formas de governo

19 Cardoso nota que, durante o “regime autoritário”, oconflito entre Executivo-Legislativo desloca-se para o Exe-cutivo e há, efetivamente, uma concorrência entre“tecnocratas” e “militares” no processo de tomada de deci-sões (CARDOSO, 1982).20 Para uma visão geral dessas questões, v. MARTINS,1985 e ABRANCHES, 1978. Para a análise de alguns ca-sos, v. Lima Júnior e Abranches (1987). Para uma discus-são referida ao tema da “transição”, v. Diniz e Boschi(1989).

21 Para Linz (1973), ao contrário, tratava-se tão-somentede uma “situação autoritária”.

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democráticas, semidemocráticas ou semiditatoriaisnão são alcançadas necessariamente por sua der-rubada ou mediante um golpe de Estado, ou aindapela ascensão do movimento popular(POULANTZAS, 1975). Ela pode resultar tam-bém e, no caso do Brasil, principalmente, de pro-cessos evolutivos de mudança. Schmitter sugereque, desse modo, a transição para a democraciaimplica duas possibilidades: (i) ou há uma “trans-ferência de poder” dos militares para os políticosaliados ao regime; (ii) ou há uma “submissão”(negociada) dos militares aos políticos da oposi-ção moderada ao regime (O’DONNELL &SCHMITTER, 1988). No caso do Brasil, houveum pouco das duas coisas, sem que houvesserealmente uma delas. Os militares não transferi-ram todo o poder ao partido do governo (Arena,depois PDS). Eles conservaram posições estraté-gicas no aparelho do Estado e sua capacidade devetar certas iniciativas dos políticos civis em te-mas constitucionais e institucionais, como se viuna década de 1980 (a comparação com o casoargentino fala por si). A conciliação promovida pelaelite política foi tão ampla que, uma vez derrotadaa alternativa para a transformação do modelo po-lítico pela via eleitoral, em 1984, tanto represen-tantes do regime quanto opositores do regime for-maram o primeiro governo civil, após a aprova-ção das Forças Armadas22.

É conveniente reparar que o restabelecimentode formas democráticas de governo é apenas umdos resultados possíveis da transformação políti-ca dos “regimes autoritários” (MARTINS, 1988,p. 108). Como já observado por Moisés, “as tran-sições de regime ‘não democráticos’ nos anos[19]70 e [19]80 [...] começaram como transiçõesdo autoritarismo para ‘outra coisa’, mas não hánada que assegure que essa ‘outra coisa’ [fosse]necessariamente um regime democrático”(MOISÉS, 1994, p. 88). A tentação da teleologia,presente em alguns estudos que pretendem iden-tificar na transição política uma trajetória em dire-

ção a um ponto que, de qualquer forma, seria arealização plena da democracia liberal, parece en-ganoso em pelo menos dois sentidos. De um lado,porque certos analistas pressupõem que o objeti-vo estratégico dos militares que dirigem o pro-cesso é (era) “restabelecer a democracia”. De ou-tro, porque igualmente se eximem de estimar os“restos” de autoritarismo nas instituições do novoregime e avaliar se e como eles podem afetar aestrutura institucional e a dinâmica política demo-crática. Aqui seria prudente evitar os estudos cons-titucionais comparados.

V.1. O conteúdo da mudança política: institui-ções liberais, práticas autoritárias

O projeto original da facção militar que passoua controlar o processo político após 1974, repre-sentada pelas figuras dos generais Ernesto Geisele Golbery do Couto e Silva (os “castellistas”23),foi muito mais de “mudança política” que de “trans-formação política”. A variante adotada deveria com-portar uma liberalização do regime ditatorial, masnão necessariamente a democratização do siste-ma político (STEPAN, 1988, p. 12-13)24. NaEspanha, enquanto a “transição democrática” se-guiu uma via condicional – cada instituição demo-crática introduzida no sistema político exigia (isto

22 Vencido o movimento pela restauração do sufrágio po-pular para Presidente, o Colégio Eleitoral reuniu-se em 15de janeiro de 1985 e elegeu Tancredo Neves (PMDB) por480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf (PDS). Tancredoadoeceu, não assumiu e em seu lugar tomou posse da Pre-sidência da República em 15 de março de 1985 José Sarney,ex-líder do partido de apoio à ditadura.

23 Adeptos do Marechal Castello Branco, primeiro Presi-dente do regime ditatorial brasileiro. Os “castellistas” sãocomumente associados, de maneira equivocada, a posições“liberais”, enquanto seus opositores nas Forças Armadas,a “linha dura”, são associados a posições “radicais”. Maisfiel aos fatos, uma divisão desses grupos deveria associaros primeiros à institucionalização do regime e, os últimos,à administração da repressão. Não é demais lembrar queforam exatamente os “liberais” do Exército criaram o Servi-ço Nacional de Informações (em junho de 1964), editaramo Ato institucional n. 2 (em outubro de 1965), que supri-miu os partidos políticos e tornou indireta, a partir deentão, as eleições presidenciais; foi essa linha “moderada”também que promulgou uma nova Constituição (em janei-ro de 1967) e fechou o Congresso Nacional (em abril de1977), introduzindo uma série de mudanças (“casuísmos”,segundo a expressão da época) na legislação eleitoral.Oliveiros Ferreira (2000) propõe uma outra divisão entreas duas principais correntes político-ideológicas das For-ças Armadas: o “estabelecimento militar”, i. e., aqueles queagiriam de acordo com a legalidade constitucional, e o “par-tido fardado”, i. e., aqueles militares dispostos a intervir napolítica para estabelecer a lei e a ordem constitucional.24 Para a diferença entre os dois processos e suas possibi-lidades de interação, v. O’Donnell e Schmitter (1988).

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é, condicionava) outra –, no Brasil, a via da mu-dança política foi seqüencial: certos direitos libe-rais clássicos foram reintroduzidos de acordo comuma estratégia incremental e moderada, sob a di-reção do governo e com a colaboração da oposi-ção “responsável”, a fim de se evitarem os riscosde uma regressão autoritária (SKIDMORE, 1988,p. 323-325)25. Em que pese a diferença entre Brasile Espanha, Share e Mainwaring (1986) traçaramum útil paralelo entre os dois países no que dizrespeito ao modo da mudança política, chamadopor eles “transição pela transação”, enfatizando ocaráter negociado de todo o processo26.

O propósito do governo Geisel (1974-1979)foi promover uma distensão, isto é, um relaxa-mento dos controles políticos impostos à socie-dade. A censura prévia foi parcialmente suspensa,os resultados eleitorais, depois de algumas mani-pulações das regras27, foram admitidos, os pro-testos dos empresários contra o “modelo econô-mico” foram, embora com reservas, tolerados eas inesperadas reivindicações operárias, surgidasa partir de 1978, foram um efeito não antecipadoda ação liberalizante. Esse projeto foi mantido, nogoverno Figueiredo (1979-1985), sob o nome de“política de abertura”, com lances controversos esob oposição da extrema-direita militar. Concluí-da no fim do governo Sarney (1985-1990), a“transição política” (de 1974 a 1989) foi peculiar:ela durou, ironicamente, mais que o regime pro-

priamente dito (1964-1974). Sua principal carac-terística foi o continuísmo excepcional doautoritarismo (MARTINS, 1988) nas instituiçõesdo governo civil que deveria, afinal, ser “de tran-sição”. Stepan e Linz já sugeriram que “a duraçãoincomum da transição brasileira”, quando com-parada com a de outros países, está relacionada“ao fato de que o regime autoritário [...] era hie-rarquicamente controlado por uma organizaçãomilitar que detinha poder suficiente para controlaro ritmo da transição e para extrair um alto preçopor se retirar do poder” (LINZ & STEPAN, 1999,p. 205)28.

Esse é, basicamente, o lado político da estra-tégia. Há que se considerar também seu lado mili-tar. Uma das tarefas mais importantes e difíceisna mudança da fórmula política foi odesengajamento gradual das Forças Armadas dacondução cotidiana dos negócios de Estado e seuretorno à condição usual de guardiã da ordem in-terna. Um dos principais ingredientes dessa polí-tica foi o fortalecimento do Presidente da Repú-blica e a afirmação de sua autoridade sobre osvários grupos e facções da própria corporaçãomilitar, em especial aqueles que controlavam osórgãos de segurança e que haviam conquistadoampla liberdade nos governos anteriores (ou, comose dizia, “autonomia operacional”), agindo comoum poder paralelo dentro do Estado (QUARTIMDE MORAES, 1982, p. 771; GASPARI, 2002b).Outra peculiaridade da mudança: a vitória do Pre-sidente militar sobre a corporação militar deu-semediante um acréscimo de autoritarismo, e nãoseu contrário. Daí que a demissão do Ministro doExército Sylvio Frota, em outubro de 1977, tenhasido um dos lances mais influentes desse proces-so (GASPARI, 2004)29, a ponto de permitir indi-car a forma da mudança política.

28 Salvo engano, Alfred Stepan foi o primeiro autor asugerir a importância da manutenção de “enclaves autoritá-rios” no aparelho do Estado (dirigidos pelos militares)mesmo após a vigência do que a maioria dos autores chamade “democracia”, i. e., o governo Sarney (v. STEPAN, 1986).Para mais informações sobre a possibilidade de supervisãodo processo constituinte pelas Forças Armadas (1987-1988),v. Zaverucha e Teixeira (2004).29 O General Geisel, note-se, venceu as três crises milita-res de seu governo: demitiu o comandante do II Exército(1976), exonerou o Ministro do Exército (1977) e aceitouimediatamente o pedido de dispensa do Chefe da CasaMilitar (1978). Sobre o tema, v. Oliveira (1980).

25 O desenho mais geral desse programa reformista podeser lido em Santos (1978, p. 143-211). Em um artigointitulado “Estratégias de descompressão política”, Santosenfatizou a necessidade de retomarem-se certos direitosliberais clássicos, sob uma estratégia gradual e moderada,com a cooperação da oposição, de modo a evitar os riscosde um retrocesso político. A primeira medida deveria ser aeliminação da censura e a garantia da liberdade de expres-são. Para uma análise concreta dos mecanismos de funcio-namento da censura no Brasil durante o regime, v. Soares(1989).26 Santos (2000) demonstrou que, por caminhos seme-lhantes, o resultado das duas transições foi o mesmo: pre-domínio do poder Executivo sobre o Legislativo. Uma com-paração entre a redemocratização na Espanha, Brasil e Ar-gentina pode ser lida em Schmidt (1990). Para uma discus-são sobre as implicações metodológicas desse tipo de com-paração, v. Bunce (2000).27 Para compreender a série de “casuísmos” que alteraramo processo político graças à manipulação do sistema eleito-ral (cujos resultados nem sempre foram favoráveis ao regi-me ditatorial), v. Fleischer (1986).

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V.2. O método de mudança política: centraliza-ção e controle

A legenda do governo Geisel foi, como se sabe,distensão política “lenta, gradual e segura”. Esseprocedimento deveria ser suficientemente arras-tado para que não pudesse ser interpretado comouma involução da “Revolução”, servindo de pre-texto à contestação aberta da extrema-direita, mi-litar e civil. Ele deveria ser também gradual, istoé, progressivo e limitado, pois não poderia abrircaminho a uma ofensiva oposicionista que con-duzisse, por exemplo, à uma ruptura democrática(QUARTIM DE MORAES, 1982, p. 766-767). Edeveria ser controlado pelo próprio Presidente,uma vez que as duas tarefas anteriores exigiamsupervisão estrita tanto dos movimentos políticosda direita militar como da esquerda parlamentar.Só assim se reconstitui o sentido da estratégiapendular de Geisel, ora à direita (cassações), oraà esquerda (eleições)30.

Todavia, como já se enfatizou acima, o proje-to original de liberalização do regime ditatorial nãofoi idêntico ao processo político que ele desenca-deou. Uma vez iniciado, o movimento adquiriu lógi-ca própria e as várias crises nos governos Geisele Figueiredo dizem respeito tanto à tentativa dosPresidentes de reafirmar seu controle sobre o pro-cesso, quanto da oposição civil e militar de alteraro projeto (em direções diferentes). A complicaçãoera mais ou menos a seguinte: se a “distensão polí-tica”, sob a tutela dos militares, era a única formaimaginada pela elite no poder para resolver as con-tradições do aparelho militar e do próprio “regimemilitar”, a “abertura política” permitiu a interven-ção do empresariado nacional, das camadas mé-dias e dos trabalhadores no jogo político. Logo,as fases e etapas indicadas na periodização acimanão podem ser reduzidas, exclusivamente, à dinâ-mica política e burocrática do aparelho militar(suas lutas internas, guerras ideológicas ou dis-putas entre personalidades31). Em grande medi-

da, a periodização do regime ditatorial correspondetambém a três rearranjos: (i) à nova geografia quese estabeleceu entre políticos e militares, em queas eleições são o melhor indicador para se apuraro grau crescente de importância dos “civis” nacena política; (ii) à redefinição das relações deforça entre as classes sociais (CRUZ &MARTINS, 1983), em que a passagem da posi-ção hegemônica de uma fração de classe (capitalindustrial multinacional e nacional associado) aoutra (capital bancário) é ilustrativa das novascontradições entre “governo” e “empresariado”32;(iii) à redefinição das relações de forças entre asclasses e o estabelecimento militar, atestada pelosprotestos crescentes de trabalhadores e profissi-onais de classe média (advogados por meio daOAB, jornalistas por meio da ABI etc.). Ainda queindiretamente, as greves e a ascensão dos movi-mentos sociais traduzem o ritmo do “renascimentoda sociedade civil”33.

Os dados das votações para o legislativo esta-dual e federal ilustram a evolução da oposição par-lamentar, sugerindo sua crescente importância nosistema político.

Mantidas pelo regime as instituições da demo-cracia representativa clássica (partidos, parlamen-tos e eleições)34, o entendimento da transforma-ção do sistema político tem de passar necessaria-mente pela análise da influência da dinâmica elei-toral sobre o processo político nas décadas desetenta e oitenta. As tabelas adiante (tabelas 1 e 2)resumem os resultados das eleições legislativas noBrasil entre 1966 e 1986. Se dividirmos os votosem duas correntes opostas, “situação” (Arena) e“oposição” (MDB), teremos o seguinte:

30 O General Golbery do Couto e Silva, principal assessordo Presidente Geisel, descreveu esse processo com umametáfora questionável. As sucessivas modificações do sis-tema político para adaptar-se aos conflitos embutidos nadinâmica da transição poderiam ser considerados perfeita-mente naturais, à maneira de “sístoles” e “diástoles” (v.SILVA, 1981).31 Para uma boa visão dessa questão, v. Oliveira (1994).Em Gaspari (2002a; 2002b; 2003; 2004) há uma história

detalhada das contradições presentes no interior da insti-tuição militar. Essa é, segundo o autor, a variável explicativada transição.32 Sobre a mudança de hegemonia, cf. Saes (1990). Paraum balanço crítico da literatura a respeito dos conflitosentre a burguesia brasileira e o poder Executivo militar, v.Codato (1995).33 Há imensa literatura sobre o tema; cf., em especial,Sader (1988).34 O’Donnell e Schmitter afirmam que o regime brasileiro“não presenciou qualquer tentativa séria de criação de ins-tituições autoritárias”; os militares governaram “recorren-do amplamente à distorção, e não à destruição das institui-ções básicas da democracia política” (O’DONNELL &SCHMITTER, 1988, p. 46; sem grifos no original).

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TABELA 1 – RESULTADOS OFICIAIS DAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS, POR PARTIDO POLÍTICO (BRASIL,1966-1982 – EM %)

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral.Notas:1. Arena: Aliança Renovadora Nacional; MDB: Movimento Democrático Brasileiro; B&N: votos brancos e nulos.2. Os votos do PDS foram artificialmente incluídos na coluna “Arena” e os da oposição ao regime (Partido do MovimentoDemocrático Brasileiro (PMDB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido TrabalhistaBrasileiro (PTB)), na coluna “MDB”.

TABELA 2 – RESULTADOS OFICIAIS DAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS, POR PARTIDO POLÍTICO E SOMENTEVOTOS VÁLIDOS (BRASIL, 1986 – EM %)

Fonte: Nicolau (1998, p. 56-58, 95, 173-175).Nota: Os votos do PDS-Partido Progressista Renovador (PPR), Partido da Frente Liberal (PFL), Partido Liberal (PL) e PartidoDemocrata Cristão (PDC) foram incluídos na coluna “Arena” e os dos partidos de oposição ao regime (PMDB, PT, PDT, PTB,Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB)) foramincluídos na coluna “MDB”. Essas agremiações, MDB e Arena, foram extintas em 1979.

Como se pode notar, o que deveria ser apenasuma fachada liberal para o regime ditatorial con-verteu-se num poderoso elemento de dinamizaçãodo programa da transição, em especial no iníciodos anos oitenta. Uma inspeção ligeira nesses nú-meros permite, ao menos, quatro conclusões: (i)a votação do partido da situação é, ao longo dotempo, inversamente proporcional à do partido daoposição; (ii) ainda que o ritmo do crescimentodo voto oposicionista seja diferente nas três casaslegislativas (maior no Senado federal, menor nasAssembléias Legislativas estaduais), ele é pratica-mente constante; (iii) ao fim da primeira série tem-poral (1982), a oposição controla em torno de 50%do eleitorado, enquanto o partido da situação, 36%;(iv) o único momento em que a série se modifica(1970) corresponde ao crescimento dos votosnulos e em branco, a forma possível, naquela con-juntura, de protesto contra o regime. Daí que em1979 o “reconhecimento da impossibilidade dogoverno assegurar uma sólida base de apoio par-

lamentar tornou imperativa a dissolução do siste-ma bipartidário” (KINZO, 1988, p. 224).

É provável, como argumentou Lamounier(1986), que a arena eleitoral tenha sido mais im-portante no caso brasileiro que em outros proces-sos de transição política, nos anos setenta, naAmérica Latina. Há que se levar em conta, po-rém, o outro lado da moeda. Nem todas as clas-ses ou camadas encontraram, como salientouSaes, o lugar privilegiado para se oporem ao regi-me ditatorial na “cena político-partidária”, já queo MDB, o partido contrário ao governo, manteve-se praticamente afastado dos movimentos popu-lares. O instrumento da moderna classe operáriafoi na verdade o sindicato. Assim, a forma de “açãooposicionista mais eficaz [...] não foi o voto, esim a greve” (SAES, 1984, p. 227).

A Tabela 3 é um indicativo para que se possamedir a dissociação da sociedade do regime e deseu modelo econômico.

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Em paralelo à evolução da oposição partidária,os dois últimos governos militares, de Geisel e deFigueiredo, tiveram de enfrentar uma forma maismoderna de organização política, o “novosindicalismo”35. Esse desafio insere-se num con-texto mais amplo e que diz respeito ao processode reestruturação do sistema de representação deinteresses da sociedade junto ao Estado. Por ora,basta notar que a dinâmica sindical cruza-se, nes-sa conjuntura, com a dinâmica político-partidáriasem que haja, no entanto, uma relação de deter-minação entre elas.

Ao observar apenas a coluna “total de greves”da Tabela 3, pode-se supor que, nesse intervalo dedez anos (i. e., 1978-1987), a transformação de118 paralisações (1978) em 2 193 (1987) deva tertido sua função no processo de conversão do regi-me. A informação mais importante é, contudo, oaumento em quase dez vezes do número de traba-lhadores parados entre 1978 e 1979. Embora exa-

gerando o argumento, Diniz (1986) parece ter ra-zão ao afirmar que a “abertura política” é o resulta-do de duas dinâmicas que atuam simultaneamenteno sistema político: a dinâmica das negociações nouniverso das elites e a dinâmica das pressões dasociedade (camadas médias, classe operária) so-bre o Estado militar. Talvez seja o caso de sugerirque a primeira dinâmica estabeleceu o conteúdo,definiu o modo e impôs a natureza da transição,enquanto a segunda determinou seu ritmo.

V.3. As razões da mudança política: um regimeem crise perene

Os processos políticos que estão na base dareforma do regime ditatorial em 1974 não são idên-ticos aos que presidiram sua origem em 1964(MARTINS, 1979-1980, p. 19). Cada um delescorresponde a uma crise política específica, mastendo as Forças Armadas como protagonista prin-cipal.

Se pudermos associar o surgimento das ditadurasna América Latina a dois tipos de fatores, um de natu-reza estrutural – elas corresponderam à necessidadede reorganizar o modelo de acumulação capitalista naperiferia (O’DONNELL, 1975) – e outro de naturezaconjuntural – a percepção pelos militares brasileirosde uma situação de caos social e desordem burocráti-ca que exigia sua “intervenção” (SOARES, 1994)36

–, é preciso recordar que a razão para mudar a forma

Fonte: NEPP (1989, p. 129-131 – dados selecionados a partir das Tabelas 1, 2, 3 e 4).Nota: Em relação ao número médio de trabalhadores parados, foram contabilizados os trabalhadores da indústria;trabalhadores da construção civil; assalariados de classe média; trabalhadores do setor de serviços e outras categoriasprofissionais.

TABELA 3 – NÚMERO TOTAL DE GREVES, NÚMERO MÉDIO DE TRABALHADORES PARADOS, JORNADASNÃO TRABALHADAS E MÉDIA DE DIAS PARADOS, NAS REGIÕES URBANAS (BRASIL, 1978-1987)

35 Em resumo, o “novo sindicalismo” consistia numamaneira diferente de organização dos trabalhadores em re-lação ao sindicato oficial de Estado (criado no período pos-terior a 1930) e também numa maneira diferente de apre-sentar reivindicações salariais. O ponto fundamental era atentativa de negociar a questão diretamente com os empre-sários, sem a mediação do Ministério do Trabalho. Parauma visão otimista do fenômeno, v. Maroni (1978); parauma análise geral da evolução do novo sindicalismo, dadécada de 1970 para a de 1980, v. Keck (1988). Ao ladodesse fenômeno surgiram, no final dos anos setenta, novosmovimentos sociais urbanos. Uma boa perspectiva histó-rica dessa questão pode ser lida em Ottmann (1995).

36 Para uma formalização elegante dessa explicação v.Geddes (2001, p. 233-235).

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de governo, em 1974, obedece antes a dificuldadesinternas do próprio “regime militar”. Dificuldades es-sas que têm origem no ramo militar do aparelho doEstado (DREIFUSS & DULCI, 1983), repercutemnas Forças Armadas e se ampliam a partir delas paraoutros aparelhos e ramos. Daí que não se deva asso-ciar o propósito reformista de Geisel-Golbery a moti-vos mais globais do tipo “crise econômica” ou “crisesocial”. A crise econômica (medida, por exemplo, peloaumento da inflação e desequilíbrio do balanço de pa-gamentos) foi paralela à auto-reforma da ditadura. Ea crise social (representada tanto pelos resultados ne-gativos da política de “distribuição de renda”, quantopela reação a ela: as greves) foi revelada pelos efeitosliberalizantes da política de auto-reforma da ditadura.

O que não significa dizer que o regime ditato-rial-militar tenha sido estável. No Brasil, por exem-plo, o regime nunca alcançou um estado ótimo deequilíbrio político entre políticos liberais, líderesconservadores e militares reacionários. Tampoucoobteve consenso entre os próprios militares, vistoque a existência de diversos grupos rivais nas For-ças Armadas denunciava a presença de vários pro-jetos ideológicos, principalmente sobre a natureza– provisória ou duradoura – e os objetivos – am-plos ou restritos – de sua intervenção na vida po-lítica nacional, depois de 1964.

Por isso mesmo, o regime brasileiro teve difi-culdade para encontrar uma fórmula institucionaldefinitiva. Foi um regime em crise permanente,como freqüentemente ocorre nessas formas polí-ticas de exceção (POULANTZAS, 1975). A pró-pria ausência de uma regra clara para a sucessãode chefes militares na Presidência é um indício doconflito insolúvel entre um modelo político quepretende preservar sua imagem civilizada, já quenão quer recorrer à figura clássica do “ditadorlatino-americano”, e a impossibilidade de “civili-zar” o comando do Estado, isto é, transferir a umpolítico civil confiável, o posto de Presidente daRepública. Os problemas clássicos do consensoe da coerção – o grau de consentimento da socie-dade e a intensidade da repressão por parte doEstado – foram também razão e expressão dasdificuldades para criar instituições políticas pró-prias. O descontrole sobre os “porões”(CENIMAR, DOPS, DOI-CODI37 etc.) ainda queaparecesse como “anarquia” (conforme a percep-

ção de Gaspari, por exemplo), era a forma maisou menos normal, ou possível naquela conjuntu-ra, de combater uma oposição real (a luta arma-da) ou imaginária (“os comunistas”). Por sua vez,o custo para produzir um consenso ativo que seaproximasse da legitimidade ficava muito depen-dente dos ciclos de expansão econômica, sendoas campanhas publicitárias pró-ditadura e a “edu-cação moral e cívica” modestíssimos exemplosde fabricação de uma cultura autoritária dominan-te e efetiva, em tudo diferente aqui, portanto, daexaltação nacionalista “varguista”.

Em suma, penso que a ausência de ordem/hi-erarquia entre os ramos do aparelho do Estado e aprecariedade de um sistema próprio de justifica-ção ideológica (à la Estado Novo, por exemplo)decorreu basicamente de três problemas combi-nados: (i) da dificuldade em construir uma estru-tura “racional” para tomada de decisões, comosugerem as freqüentes reformas administrativasdo Estado38; (ii) da falta de coerência e coesãoideológicas entre os diversos grupos, civis e mili-tares, que comandavam a política nacional39, e(iii) da inexistência de regras claras e fixas para aevolução institucional, cujo sintoma mais aparen-te era a incerteza sobre quem comandaria o go-verno, como o poder seria exercido e em que di-reção o regime deveria caminhar40.

Em vista disso, pode-se presumir que o objeti-vo estratégico da reconversão liberal do regimemilitar era a institucionalização de uma série dedispositivos autoritários (QUARTIM DEMORAES, 1982, p. 766) que, depois de encerra-do o ciclo dos generais, garantissem legitimidade,estabilidade e funcionalidade a um novo modelo

37 Centro de Informações da Marinha; Delegacia de Or-dem Política e Social; Destacamento de Operações de In-formações – Centro de Operações de Defesa Interna.

38 O sistema decisório correspondeu a diversos arranjos,seguindo a correlação de forças no interior da burocraciacivil e militar. V., para esse problema, Lafer (1975), Martins(1985) e Codato (1997).39 Entre os militares havia os internacionalistas, adeptosde uma economia de mercado mais “aberta”, e os naciona-listas de direita, partidários de uma “economia nacional”industrialmente desenvolvida. Uma ala civil liberal apoiarao golpe de Estado e via no aprofundamento da repressãopolítica, em 1968, um “desvio autoritário” dos seus pro-pósitos originais. Nessa visão, o golpe era uma “contra-revolução” que barrou “a implantação de uma repúblicasindicalista no País, com o apoio ostensivo do governo de[Fidel] Castro” (cf. 30 ANOS DEPOIS, 1994, p. A3).40 Sobre esse último ponto é ilustrativo o depoimento doGeneral Hugo Abreu (1979).

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político nem “populista”, nem plenamente “demo-crático”, em função dos riscos do segundo con-verter-se no primeiro. De novo. Tal como tinhasido o caso, na visão das Forças Armadas, do re-gime da Constituição de 1946.

V.4. O sentido da mudança política: a institu-cionalização do autoritarismo

Os governos militares não inventaram suaspróprias instituições político-representativas: porexemplo, um partido mobilizador de massa. A “re-forma partidária” de 1965 (o AI-2) limitou-se acancelar os registros das antigas agremiações,criadas após o período do Estado Novo, reorga-nizando as facções pró-regime e anti-regime emapenas duas siglas, respectivamente: Arena e MDB.Da mesma forma, o sistema de representação deinteresses não se orientou na direção de umcorporativismo “clássico” (como havia sido ten-tado pela Constituição de 1934), mas também nãoconseguiu encontrar a fórmula ideal para refazer,num contexto antiliberal, as conexões entre “so-ciedade” e “Estado”. Nesse caso em especial, aligação entre certos setores do empresariado edeterminados centros decisórios no aparelho doEstado foram aprofundadas nas administraçõesCosta e Silva e Médici de acordo com o mesmomodelo dos conselhos técnicos do autoritarismo“varguista”. Contudo, esse esquema, pelasdistorções que criava no sistema estatal(balcanização, fragmentação, entropia etc.), e foirevogado no governo Geisel, mas restaurado e am-pliado no governo Figueiredo (CODATO, 1997).

Se essas evidências confirmam a precarieda-de da ditadura para edificar uma estrutura jurídi-co-política, não significam que o Brasil tenha vi-vido uma “situação autoritária” (LINZ, 1973).Tampouco suas crises periódicas e a instabilidadecaracterística do regime ditatorial daí derivada sãoum índice do caráter transitório ou incipiente do“modelo político”. Há duas confusões nesse raci-ocínio. Uma que associa inconstância a baixainstitucionalização; e outra que vincula instituiçõesao processo de institucionalização. A presença ouausência de certas instituições é menos importan-te que a função que elas cumprem na dinâmicapolítica concreta. Tome-se o caso do sistemabipartidário. Concebido para discriminar, contro-lar aliados e dissidentes, seu funcionamento, umavez estabelecido um calendário eleitoral mais oumenos fixo e postos alguns cargos políticos à dis-posição da concorrência eleitoral, foi um fator, ao

longo do tempo, tanto de estabilidade (até 1974)quanto de instabilidade para o regime (de 1974em diante)41.

Contudo, como os principais cargos executi-vos nunca estiveram em disputa (Presidência daRepública, governo dos estados, prefeituras dascapitais), as crises políticas que a dinâmica eleito-ral produziu não foram suficientes para revogar otraço fundamental do regime ditatorial: o mono-pólio político do governo pelas Forças Armadas.A impossibilidade da “alternância no poder” entregrupos civis (mesmo os mais conservadores) emilitares é a referência mais segura dainstitucionalização da ditadura. Quando, no iníciodo governo Geisel, há um impulso para a modifi-cação do regime, não se trata, na minha opinião,de “um projeto de institucionalização do regimeautoritário, que prevê medidas liberalizantes, masapenas na medida em que sirvam a esse propósi-to” (CRUZ & MARTINS, 1983, p. 46). Trata-seda institucionalização do autoritarismo, ou, maisexatamente, da institucionalização de certos dis-positivos de controle da sociedade pelo Estado.Nas palavras tortuosas do Presidente ErnestoGeisel: “Os instrumentos excepcionais de que ogoverno se acha armado para manutenção da at-mosfera de segurança e de ordem [...] almejo vê-los não tanto em exercício duradouro ou freqüen-te, [mas] antes como potencial de ação repressivaou de contenção mais enérgica e, assim mesmo,até que se vejam superados pela imaginação polí-tica criadora, capaz de instituir, quando for opor-tuno, salvaguardas eficazes e remédios prontos erealmente eficientes dentro do contexto insti-tucional” (DISCURSO DE GEISEL, 1974, p. 5).

A imaginação política criadora posta em práti-ca deu no seguinte: em outubro de 1978, o Con-gresso Nacional aprovou a Emenda Constitucio-nal n. 11 (à Constituição de 1967), que conjugavareformas políticas com a permanência das “sal-vaguardas eficazes”. Ela abolia o Ato Institucionaln. 5, restabelecendo o habeas corpus, suspendia acensura prévia para rádio e TV, revogava as pe-nas de morte e prisão perpétua, restaurava a in-dependência do Judiciário etc. Mas também ga-rantia, ao mesmo tempo, os poderes discricioná-

41 É o caso, por exemplo, das eleições para o SenadoFederal, que assumiram um caráter plebiscitário anti-regi-me. V. a Tabela 1, acima.

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rios do Executivo. No lugar do AI-5 foramintroduzidas na Constituição certas “salvaguardaspara a defesa do Estado”, tais como o “estado deemergência”. Excluída a necessidade de consul-tas prévias ao Congresso, o estado de emergênciapoderia ser decretado pelo próprio Presidente daRepública. Ao contrário do que ocorria no AI-5, oPresidente não estava autorizado a legislar, mas aimunidade parlamentar não foi totalmenterestabelecida. Embora o chefe do Executivo nãomais pudesse cassar mandatos e suspender direi-tos políticos, os parlamentares seriam processa-dos pela ditadura nos casos de “crimes contra asegurança nacional”42.

Esse problema da institucionalização de dispo-sitivos autoritários de controle do poder de Esta-do, diante da possibilidade de perda de comandodo processo político em função de um possível,mas ainda incerto, relaxamento dos controles re-pressivos, estava na ordem do dia desde o inícioda década de 1970. Quando assumiu o governo,o grupo do General Geisel já havia descartado tantoum regime corporativista, que os assessores deMédici haviam defendido em 1970-1971, quantoa transformação da Aliança Renovadora Nacionalnum partido dominante, ao estilo do PRI mexica-no, conforme a idéia proposta por SamuelHuntington (SKIDMORE, 1988, p. 321). A opçãoque prevaleceu foi a de implantar uma forma degoverno mais estável, previsível e controlada, emque o sistema de partidos e a rotina eleitoral, quesurpreendentemente haviam se convertido, nadécada de setenta, num meio poderoso de protes-to contra o regime, não pusesse em xeque oautoritarismo; nem desse oportunidade aos “ex-cessos” do período populista, representados peloavanço da mobilização popular sob o comando deuma liderança “carismática e demagógica”.

Feitas as contas, quando se consideram a na-tureza conservadora do processo de transição noBrasil, seus meios autoritários e seus objetivosrestritos, não surpreendem as razões docontinuísmo do mesmo grupo no poder após 1985,ainda que às custas de seu transformismo políti-co; nem o fato de que todo o processo de refor-

ma tenha sido dirigido e executado pela mesmaassociação de políticos profissionais e generais au-toritários. A longevidade da tríade Arena-PDS-PFLna cena política43 não nos deixa esquecer que nãohouve uma verdadeira substituição dos grupos li-gados à ditadura, mas uma reacomodação no uni-verso das elites, tendo as Forças Armadas passa-do para o fundo do palco, sem contudo perdersuas prerrogativas, como o poder de veto, porexemplo44.

O governo Sarney (1985-1990) foi a expres-são máxima desse círculo de ferro que, com su-cesso, controlou a mudança política no Brasil.Recorde-se que as palavras de ordem da AliançaDemocrática, “conciliação” e “pacto social”, con-seguiram neutralizar tanto os ensaios de oposiçãoao regime ditatorial surgidos na conjuntura 1977-1980 (greves operárias, movimentos sociais “debase” e protestos empresariais contra a “interven-ção do Estado na economia”), quanto a famosacampanha pelas eleições diretas para Presidenteda República, em 1984. O resultado foi o aperfei-çoamento de um regime antipopulista e antipopularou, como o denominou Florestan Fernandes, uma“democracia forte”, isto é, uma forma política nemexplicitamente ditatorial, a ponto de ser combati-da como tal, nem plenamente democrática e libe-ral (FERNANDES, 1981, p. 10).

A década de 1980 consumou assim os sonhosdos generais: uma “democracia relativa”, na curi-osa expressão de Geisel. Logo, seria mais corretocaracterizar o governo Sarney não como um go-verno “de transição” para a democracia ou umgoverno “misto” (semidemocrático ousemiditatorial), mas o último governo, no caso,civil, do ciclo de governos não-democráticos noBrasil45 . Saes argumentou justamente que seriapossível pensar desse modo desde que se abrisse

42 Cf. a íntegra da legislação em O Estado de S. Paulo de21 de setembro de 1978. Essas reformas institucionais, quedeveriam entrar em vigor em 15 de março de 1979, foramantecipadas para 1º de janeiro, antes mesmo da posse donovo Presidente.

43 Para uma visão mais detalhada do sucesso eleitoral dospartidos de direita no Brasil nesse período, v. Mainwaring,Menegello e Power (2000).44 Carvalho argumenta, a meu ver com razão, que “AsForças Armadas brasileiras não foram obrigadas a aceitar umpapel radicalmente diferente daquele assumido na fase auto-ritária, quando elas tiveram maiores responsabilidades naimplementação de políticas públicas e no condicionamentoda postura dos demais atores” (CARVALHO, 2004, p. 136).45 A sugestão para caracterizar o regime brasileiro como umregime misto, em que se encontram combinadas instituiçõesliberais e instituições autoritárias, é de Martins (1977).

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mão de analisar “separadamente, isto é, uma a uma,as ‘instituições políticas’ reintroduzidas a partirda ‘abertura’, [deixando] de lado a questão do tipode relação mantida entre essas ‘instituições’ e asdemais” (SAES, 1988, p. 18).

Uma série de liberdades políticas ou institui-ções tipicamente democráticas podem estar pre-sentes mesmo num regime ditatorial. A questãocentral é a função precisa que, por exemplo, opluripartidarismo ou as eleições majoritárias de-sempenham. No governo Sarney, essas institui-ções cumpriram a função de “ocultar o caráterem última instância militarizado do processodecisório estatal” (SAES, 1988, p. 19). Zaverucha(1994), nessa mesma linha, demonstrou, de for-ma convincente, que o governo Sarney manteveas prerrogativas políticas dos militares e “osenclaves autoritários dentro do aparelho de Esta-do”, contribuindo para o estabelecimento de uma“democracia tutelada”46.

Essa proposição tem duas implicações analíti-cas. Não só a liberalização do regime ditatorialnão se confunde com a democratização do siste-ma político, mas essa liberalização imposta pelascúpulas militares foi “mais um fator de continui-dade que um fator de colapso da ditadura”(FERNANDES, 1981, p. 28). Não houve propri-amente uma ruptura com o autoritarismo, mas umatransformação – lenta, segura e gradual – da for-ma de governo. McSherry (1995) sustentou queas instituições militares latino-americanas conser-varam a cultura organizacional da Guerra Fria e aideologia da segurança nacional. No Brasil, os prin-cípios da Lei de Segurança Nacional ainda conti-nuam em vigor e a Constituição Federal de 1988

assegurou as funções das Forças Armadas paramanter “a lei e a ordem” no país47.

VI. UMA DEMOCRACIA AUTORITÁRIA?

Na década de noventa, a maior parte das aná-lises sobre a democratização do regime dissociouas transformações político-institucionais das alte-rações dos aparelhos estatais.

A discussão pública, seja no âmbito acadêmi-co, seja no âmbito político, voltou-se para algu-mas questões muito específicas, como por exem-plo: a estrutura dos partidos (e seu baixo grau deinstitucionalização); o sistema de partidos (e seualto grau de fragmentação); o sistema eleitoral (esua fórmula “disfuncional”: proporcional com lis-ta aberta); o sistema de governo (o federalismo ea competição entre as unidades nacionais); a for-ma de governo (presidencialista e suas improprie-dade); as relações intergovernamentais (a concor-rência entre os poderes Executivo e Legislativo)etc. O foco quase exclusivo da literatura sobre acena política colocou no primeiro plano do debateo tema (conservador) da governabilidade, que,inspirado por uma definição minimalista da demo-cracia, se tornou o problema fundamental do pro-cesso de governo, obscurecendo o problema datransformação do sistema estatal.

A questão do Estado e da sua crise esteve maisassociada ao problema da eficiência dos gastospúblicos e sua solução, a “reforma do Estado”, auma perspectiva mais administrativa (ou“gerencial”48) que a aspectos essenciais dareconfiguração das relações de força/influência dosistema estatal e dos seus aparelhos de poder. Decerta forma, a preocupação com as relações Exe-

46 Para a função “tutelar” das Forças Armadas, v. Oliveira(1987). Para uma visão comparativa desse problema – en-tre Brasil, Argentina e Espanha –, v. Zaverucha (1992).Para uma argumentação semelhante, v. Camargo (1990).Barros (1988) criticou, durante os debates na AssembléiaNacional Constituinte em 1988, as visões juridiscistas so-bre a função “constitucional” das Forças Armadas e astentativas formalistas de impedir, pela via legal, interven-ções políticas ou golpes militares. Saint-Pierre e Mathias(2001) reuniram uma série de estudos sobre o sucesso ouinsucesso do controle dos militares pelos civis durante osprocessos de mudança política em sete países da AméricaLatina.

47 De acordo com o Art. 142 da Constituição de 1988 daRepública Federativa do Brasil, “As Forças Armadas, cons-tituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,são instituições nacionais permanentes e regulares, organi-zadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autori-dade suprema do Presidente da República, e destinam-se àdefesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e,por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (BRA-SIL, 1988).48 V., a propósito, Bresser-Pereira (2001, p. 2), para quema mudança na forma de gestão da “administração pública”foi correlata à democratização do sistema político: “Emsíntese, no plano político transitamos do Estado oligárquicoao Estado democrático (de elites); no administrativo, doEstado patrimonial ao Estado gerencial”.

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cutivo-Legislativo ou, mais propriamente, com acapacidade do Presidente de tomar decisões eimplementá-las49, sobrepôs-se às preocupaçõescom o próprio poder Executivo, ou melhor, comos deslocamentos internos das relações de forçaentre os aparelhos do Estado, relegando ao se-gundo plano a identificação dos novos centros depoder real (e dos seus controladores) e suas co-nexões com os interesses sociais.

Uma dimensão importante da herançainstitucional da ditadura militar para os governosda década de noventa foi a permanência de núcle-os de poder específicos no Estado brasileiro, do-tados de grande independência e nenhum contro-le político (i. e., parlamentar) ou social (i. e., pú-blico). Nos governos Cardoso (1995-1998; 1999-2002), para ficarmos no melhor exemplo, houvetrês expressões desse fenômeno. Na área econô-mica continuou vigorando, assim como no arran-jo ditatorial, o esquema do “superministério”, ago-ra representado pela tríade Banco Central, Conse-lho de Política Monetária e Ministério da Fazen-da50. Na área militar foram mantidos três “feudosburocráticos” intocáveis: o Gabinete de Seguran-ça Institucional (antiga Casa Militar), a AgênciaBrasileira de Inteligência (ABIN, antigo ServiçoNacional de Informações (SNI)) e a Justiça Mili-tar51. Por fim, na área “empresarial”, i. e., naque-les aparelhos de Estado em que, por sua natureza

ou competência, se administram os “interesses domercado” (política de privatizações, política detransportes, de comércio exterior, de comunica-ções, de educação etc.), a regra foi o contato di-reto de representantes influentes do mundo dosgrandes negócios com decisores estratégicos,mecanismo muito pouco transparente e que, apropósito do “regime autoritário”, Cardoso (1975)conceituou como “anéis burocráticos”.

Se esse paralelismo entre certos aspectos daorganização do sistema estatal em dois regimesdiferentes não for apenas formal, como realmen-te parece não ser, por que ele ocorre? Esse pa-drão não-democrático da relação Estado-socieda-de permanece por uma razão básica. Quando seinspeciona a agenda que vigorou no governo deFernando Henrique Cardoso, destacam-se as fa-mosas reformas “orientadas para o mercado”:privatizações de empresas estatais, desregulamen-tações de esferas antes reguladas pelo Estado,controle rigoroso da inflação e do déficit público,redimensionamento dos “gastos sociais” (nas áreasde educação, saúde e previdência), abertura co-mercial e financeira etc. Na verdade, as reformaseconômicas prescindiram de uma verdadeira re-forma política, que aumentasse a representação,e de uma reforma do Estado, que favorecesse aparticipação. Ou melhor, as reformas neoliberaistiveram como precondição o arranjo autoritáriodos processos de governo e a ausência de res-ponsabilidade (accountability) dos governantes.Daí que sua implementação não combinou comas exigências de ampliação da cidadania e contro-le social sobre o Estado, suas burocracias e apa-relhos de poder52. Houve uma complementaridadeentre o discurso ideológico liberal e as práticaspolíticas autoritárias, expressa na insistência emconstruir apenas a hegemonia social do capitalis-mo neoliberal, e não novas formas de legitimaçãopolítica democrática. O déficit de cidadania é so-mente a face mais visível desse processo.

49 De acordo com Palermo (2000), há na literatura quatrointerpretações sobre o processo legislativo e, desse modo,sobre a natureza do novo regime político: (i) o Presidenteconcorre com o Congresso Nacional; (ii) o Presidente ex-clui o Congresso; (iii) o Presidente obriga o Congresso acooperar; (iv) o Presidente negocia com o Congresso. Nes-te último caso, a governabilidade depende da formação decoalizões amplas.50 Loureiro e Abrúcio (1999, p. 70) observaram que “[...]o Ministério da Fazenda tornou-se o principal núcleo depoder do gabinete presidencial brasileiro, especialmente noprimeiro governo Fernando Henrique Cardoso”. Para osautores, porém, isso decorre das exigências dagovernabilidade. Para contornar os efeitos do clientelismo,já que a distribuição de cargos é o método por excelênciapara garantir a maioria parlamentar, o Ministério da Fazen-da deve ser elevado “a órgão superior e controlador dogabinete [ministerial como um todo], espalhando sua lógicade atuação pelos [demais] ministérios por meio de meca-nismos formais e informais” (idem, p. 85).51 Sobre a autonomia e o grau de militarização da ABIN, v.Antunes (2002). A respeito da atuação do Superior Tribu-nal Militar e as dificuldades daí decorrentes para uma de-mocratização efetiva, v. Zaverucha e Melo Filho (2004).

52 Martins (2005) caracteriza dessa forma o regime polí-tico ao fim do processo de transição: “O que está aí não énada de mais; é apenas um regime liberal a funcionar nor-malmente – com a ressalva de que a pureza do liberalismoencontra-se aqui tisnada por algumas manchas decorporativismo e nódoas de tecnocratismo. Tirante essasmáculas – que, por sinal, nada têm de democráticas –,estamos simplesmente diante de um caso corriqueiro depluralismo liberal” (idem, p. 19). Para uma conclusão opostaà sustentada aqui, v. Sallum Júnior (2003).

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Adriano Nervo Codato ([email protected]) é professor de Ciência Política na Universidade Federal doParaná (UFPR), coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira e editor da Revis-ta de Sociologia e Política. É autor de Sistema estatal e política econômica no Brasil pós-64 e organi-zou Political Transition and Democratic Consolidation: Studies on Contemporary Brazil.

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