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I SENADO FEDERALSUBSECRETARIA DE EDIES TCNICAS

ABRIL A JUNHO 1990 ANO 27 -NMERO 106

REVISTA DE INFORMAO LEGISLATIVA

a. 27 n. 106 abril/junl1o 1990

PubllcaAo trlmes1ral daSubsecretaria de Edies Tcnicasdo senado Federal

Fundadores:

Senador AURO MOURA ANDRADE

Presidente do Senado Federal(1961-1967)

Or. ISMC BROWN

Secretrlo-Geral da Presidnciado Senado Federal(1946-1967)

LEYLA CASTELLD BRANCO RANGELDiretora da R. Inf. Legisl.(1964-1988)

DtreAo:

ANNA MARIA VILLELA

Chefe de Revlslo:

JOO EVANGELISTA SELeM

Capa de GAETANO R

Composl!o e Impreasllo:centro Grflco do Senado Federal

Toda correspondncia deve ser dirigida Subsecretaria de Edies Tcnlcas -Senado Federal - Anexo I - Telefone: 223-4897 - 70160 - Brasflia - DF

R. Inf. leglsl. Brasllla a. 27 n. 106 I abril/junho 1990

Os conoeltOl em1tldos em artigos de colllboralodo. de responsatJlIIdade de seus autCl'"

Encomendas Subaecretarla de EdlOH Tcnica

SOLlCITA-SE PERMUTAPIOESE CANJEOH DEMANDE L'~CHA"'IJEWE ASK FOR EXCliANqESI RICHIERE LO SCAMBIO

Rev)sla de ln'ormalo Legislativa.Brasllla, Senado Federal

Y. trlmMtral

ARO 1- n. 1- maro '9034

Ano 1-3, n. 1-10 publ. pelo Servio de InrarmaAo legl6latlva; ano ~9,n. 11-33, putH. pela ,Diretoria da Informa60 Le~lslatlvlI; ano e- n. 34- pllbl.~Ia Subsecretaria de EdlOee T6cnlcu.

Diretores: 196+-1988 Leyla CasteUo Brenco Rangel19sa Anna Maria VIlIela

lSSN 0034-835X

1. Direito - P.rIOdLcos. L Brasil. Congreaso. Senado Federal. Subse-cretarIa de Edl6es Tcnica. 11. VIHeJII, Anna MarJ&, dlr.

o COO 340.05COU 34{05)

SUMARIO

Pg.COLABORAAO

Centenrio da Proclamao da Repblica - Ministro Paulo Brossard 5

Os meios jurisdicionais para conferir eficcia s normas constitu-cionais - Slvw Dobrowolski o , o .. o 27

O- controle da constitucionalidade das leis e o direito adquirido -Paulo Luiz Neto L6bo 37

La administracin pblica y la reforma dei Estado - Jorge LuizMawrano .... o , , o ' '.0 o 0'0.' '.. 55

Aspectos sociais do direito administrativo contemporneo' - CrmenLcia Antunes Rocha , ,. o 75

O~ cidado, a admin1.strao pblica e a nova Constituio -Clemerson Merlin Cleve o 81

Trlpunal de Contas. Natureza jurdica e posio entre os poderes -Jarbas Maranho o 99

Tribunal de Contas: o valor de suas decises - Raimundo deMenezes Vieira , o o o o o , , 103

O Sistema Tributrio Nacional na Constituio de 1988 - Estudo com-parativo com a Constituio anterior (EC nl? 1/69 e EC nl?s 2a 27) - Iduna E. Weinert o , o, , , , , 109

Ombudsman: um mecanismo democrtico para o controle da admi-nistrao - Daisy de Asper y Valds , ,., o 131

O.Cdigo do consumidor - Luiz Amaral o o ,.,.... 153

As modalidades de contratos de adeso e seu regime jurdico -Carlos Alberto Bittar o o , 161

0- abuso de dJreito no Projeto 634-B - Guilherme Fernandes Neto 173

O. advogado e o Poder Judicirio - Sydney Sanches . o............. 181D ,artista e os direitos da criao: um apartheid autoral? - Jorge

Jos Lopes Machado Ramos o o o. 201

O direito civil como essncia do direito - Dilvanir Jos da Costa 221

Trabalho da mulher: compatibillzao entre as normas constituclo-na1.s e a legislao ordinria - Jos Pitas , o 227

R. h.f. legi... 8N.ma a. 27 n. 106 abr./jun. 1990 3

Pg.

A mulher no direito internacional - Almir de Oliveira ,. 231

A sobErania natural sobre a Amazn1a - A. Machao Pau'jJer:o . .. 243

A Revoluo Francesa e a declaraco dos direitos. A Revoluo ea construo dos dIreitos - Eduardo K. M. Carrion ,. 249

As diversas correntes do pensamento jurdico - Jos Luiz Quadrosde Magalhes ., ............................ "............... 259

A crise brasUelra e o momento poltico (Viso de um Advogado) -Amoldo Wald , , 287

DImenses Jurdicas da autonomia desportiva na Constituio de1988 - Alvaro M~lo Filho ................... , , ,. 295

PUBLICACOES

- Obras publicadas pela Subsecretaria de Edles Tcnicas 307

.. I. I..f. Iegisl. Bl'lIIl. a. 27 n. 106 abr./I-. 1990

Centenrio da Proclamaoda Repblica

Ministro PAULO BROSSARD

Supremo Tribunal Federal

A respeito da proclamao da Repblica, talvez ningum tenha ditotanto em to poucas palavras como Aristides Lobo - "o povo assistiuaquilo bestializado, atnito, surpreso, sem conhecer o que significava".~ que ningum a esperava. O Partido Republicano era numericamentepequeno, embora estivesse em expanso, em algumas provncias. Enquantoo velho Imperador vivesse, no se concebia a queda do Imprio. hipteseadmitida quando do 3. Reinado, especialmente pela pouca simpatia de quegozava o Conde d'Eu.

O fato que trs ou quatro dias de conspirao, uma traio aqui,dois ou trs boatos soltos e um dispnico colocado sobre um cavalo derampor terra a Monarquia, associada sorte do Brasil desde o nascimento danacionalidade. especialmente desde a Independncia. ~ claro, no faltoua lembrana de uma saia para motivar a adeso de Deodoro.

E preciso convir, porm, que o Pas vinha experimentando achaquessucessivos, nem sempre bem avaliados em sua extenso e profundidade.

Fazia 15 meses, fora abolida a escravido. As flores jogadas sobre oplenrio da Cadeia Velha ainda no tinham murchado e Jos do Patrocnio.que se lanara de joelhos diante da Regente. mal se levantara no Pao daCidade, e comeava a alastrar-se um ressentimento profundo contra a Coroa.A sorte da Monarquia passava a desinteressar os antigos proprietrios deescravos. E estes no eram poucos. Em 1887 seriam 723.500 os escravos,valendo 1 milho de contos de ris. que, em algumas horas foram subtra-dos fortuna dos proprietrios.

E os fatos vieram mostrar que Joo Maurcio Wanderley no era umvisionrio. . .

DIscurso proferido em nome do Supremo Tribunal Federal em sesso solenerealizada em 9 de novembro de 1989.

R. Inf. legisl. Braslia a. 27 n. 106 abr./jlln. 1990 5

A questo militar foi eutra causa a perturb&r a economia intenla dasinstituies. Dela recblho um fato ilustrativa.

Em 14 de maio de l887, o Marechal Cmara, Visccnde de Pelotas.Ser.ador pelo Partido Liberal, e Deodoro, ligado ao Partido Conservador.divulgaram manifesto que o primeiro leu no Senado; era um ulti1l1atumao governo de Cotegipe.

O Senador Silveira Martins viu com clareza a gravidade do caso;no obstante ser adversrio o Go\'erno. deu a este um alvitre pa18 quesasse da delicada sitUao, cujas conseqncias pesou e mediu. O Gabineteatenderia a um cor.vlte do Senado; no intimao dos ger.era5. Vale 8pena repetir-lhe as palavras:

U A crire que os nobres Senadores denunciaram. se existe,no de ministrio: de govemo. No de partido; de instituies. Resolvida ela, o ministrio poder ser naturabnente :mbstiturdo por outro. como tem sucedido at hoje, sem abalo ;ceial.

Derrubado o ministrio por um pronunciamento militar, quepartido assumir o poder apoiad() nas baionetas dos solo.ados?Um ministtio conservador? Seria impossvel: pela tropa teria sidoderrocado Do o ministrio do Baro de Cotcgipe, mas o PartidoConservador, que o sustenta. Um miniEtrio liberal? ImpOtiSvel:o liberalismo apia-se na opinio pblica espontnea e e:;clare-dda; no _alta o poder por pronunciamentos militares.

O governo seria em qualquer hiptese uma usurpao, queas provinci. no rewnheceriam, e, em vez da ordem que tem athoje dominado, na Imprio comearia o reinado da anarquia.

So estas, Senhores, as razes ponderosas que fundam.~ntama indi caoque mandei Mesa.

O Senado, como grande conselheiro da Coroa e do Governo.oferece a este sada airosa, sem quebra do princpio da autoridade.Se outro al\litre. seja de quem for, melhor resolver a questu, noduvidarei dar-me o meu voto. No mab. continuarei, como at aqui,a dar ao Governo o apeio da minha mB.is decidida oposio".

Com sua proverbial sagacidade, Cotegipe radiQ8rafou a situao:

"O Governo cedeu com arranhes em sua dignidade; eusaio arranhado, o meu sucessor ~ir na lama e o terceiro naponta das baionetas."

Bem antes, a questo religiosa trincara os esteios do regime. Bastadizer que o Bispo do Rio de Janeiro, capel()omor da Casa Imperial, noteve o menor ~entimento de simpatia para com a famlia imperiei, nomomento de sua queda.

-----------'------------ --------6 I. laf. '1,111. 8ralmCl CI. 27 n. 106 ..../J-n. 199(1

A questo religiosa, a questo militar, a questo servil foram comoque hemorragias internas, que sucessivamente anemizaram o organismomonrquico mais do que parecera poca.

Impressiona, de outro lado, o ceticismo que foi tomando conta dasociedade. Joaquim Nabuco observou que era preciso mais coragem paraalgum dizer-se monarquista que para proclamar-se republicano.

O fato que, silenciosamente, o Imprio caiu, ao cabo de uma jornadapelas ruas do Rio. Sangue derramado s6 o do Ministro da Marinha, oBaro de Ladrio, que sofreu ferimento leve. "Viva o Imperador" mal seouvia um, na Rua do Ouvidor, to fraca estava a voz do Baro de Taut-phoeus, bvaro de nascimento e insigne professor de humanidades, a quemJoaquim Nabuco dedicou um captulo de Minha Formao.

Nos primeiros tempos no faltou uma dose de ingenuidade, que porvezes chegou candura. Dou dois exemplos em planos distintos.

A soluo dada pelo patriarca da propaganda republicana, o Ministrodo Exterior, Quintino Bocaiuva, ao problema das Misses um deles.Indo a Buenos Aires, firmou tratado dividindo com a Argentina, irmamen-te, o territrio questionado. O instinto da nacionalidade, porm, reagiucom insuspeitada energia e impressionante uniformidade. A questo, poucodepois submetida ao arbitramento do Presidente dos Estados Unidos, veioensejar a primeira das vitrias de Rio Branco, com o reconhecimento inte-gral do direito do Brasil ao territrio litigioso. A outra pode ser encontradano Decreto n.O 848, de 11 de outubro de 1890. Pelo seu art. 386, acommon law e a equity passavam a ser subsidirias do processo federal,o que teria sido um divrcio com as fontes do nosso direito, se a normalegal no tivesse permanecido na mais rigorosa virgindade, at o seu totalesquecimento. Vale reproduzir o preceito:

"Art. 386. Constituiro legislao subsidiria em casosomissos as antigas leis do processo criminal, civil e comercial,no sendo contrrias s disposies e esprito do presente decreto.

Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regemas relaes jurdicas na Repblica dos Estados Unidos da Amricado Norte, os casos da common law e equity, sero tambm subsidirios da jurisprudncia e processo federa1."

Mal apreciaria os fatos, porm, quem se contentasse em ver a super-fcie dos acontecimentos. Em verdade, estava comeando uma espcie deterremoto que iria durar dez anos, durante os quais o Brasil seria sacudidode norte a sul, ainda que os pontos agudos se localizassem no Rio, coma Revolta da Armada, e no Rio Grande do Sul, com a Revoluo Federalista.Em ambos os episdios, a crueldade externou-se em cenas inacreditveispara quem tivesse vivido no Brasil imperial, afeito tolerncia e ao respeitos liberdades pblicas, a ponto de mudar o Gabinete em virtude da repres-

R. Inf. l.si,l. BrG,1ia a. 27 n. 106 abr./jun. 1990 7

so "revolta do vintm", conseqente ao aumento da tarifa dos trans-portes urbanos.

O eco longnquo desse terremoto mais de uma vez se fez ouvir nonascente Supremo Tribunal Federal, instalado quatro dias depois de pro-mulgada a Constituio, em um prdio da Rua do Lavradio, no qual tam-bm funcionava a Relao e onde no havia lugar sequer para os ministrosguardarem os papis.

Menos de nove meses depois de promulgada a Constituio de 24 defevereiro, o Presidente da Repblica dissolveu o Congresso.

O tempo no tardava em dar razo a jovem deputado rio-grandenseque, na eleio de 25. de fevereiro, negara seu voto a Deodoro. Era AssisBrasil. Eis uma passagem do seu voto:

"Declarp que no votei no Sr. Marechal Manuel Dendoroda Fonseca para Presidente da Repblica.

Pessoaltnente, eu lhe devo provas de afelo e de distbesmuito acima do meu merecimento.

Patriota; e antigo propagandista da Repblica Feder;itiva.devo-lhe imensa gratido, por haver contribudo decisivamentepara a defi~tiva destruio da Monarquia.

Estes sentimentos, porm, no me tiram razo a sua m.turalserenidade e inteireza para reconhecer, auxiliado pela observaode longa srle de fatos, que faltam .a to d\gt\o cida.do as quali~dades eleme~tares do homem de governo.

A convico que lenho de que a sua administrao serfunesta s6 igualada pelo ntimo e patritico desejo - quealimento - de que o futuro no d razo s minhas preocupaes.

No se pagam dvidas de gratido, nem se serve a sentiml~ntospessoais, por, nobres que sejam. com o sagrado inleresse da Ntria.

Nem me impressiona a suposta necessidade de evitar POSVelSexibies de fora, legalizanrlo-se com o voto o que se teria deimpor pelas armas.

Se o dC$potismo militar existe de fato. c1e que se implantesem a capa mal

o golpe foi em 3 de novembro de 91. Vinte dias depois, em face dolevante da Armada chefiada por Custdio de Melo, Deodoro renunciou presidncia.

Floriano assumiu-a, e logo comeou a derrubada dos governadores quehaviam apoiado Deodoro (menos no Rio Grande do Sul). Da Rui haverdito que, .

"de uma ditadura que dissolve o Congresso, apoiando-se na fra-queza dos poderes locais, para outra que dissolve os podereslocais, apoiando-se no Congresso restabelecido, no h progressoaprecivel."

o Brasil se acostumara a viver sob instituies liberais sem medir aextenso das prprias liberdades, que tinham na pessoa do ImperadorPedro 11 o mais vigilante zelador. Acostumara-se sua honomia e tole-rncia, enquanto um grupo de sectrios advogava a implantao da ditaduracientfica...

Basta dizer que, durante os cinco anos da Guerra do Paraguai, mesmoquando parcelas do territrio nacional estiveram em poder do invasor, nenhu-ma vez e em nenhum s dia as garantias constitucionais foram suspensas.

Para sinalar a mudana operada, bastou que 13 generais se dirigissema Floriano, que conservava o ttulo de Vice-Presidente da Repblica, pedin-do o cumprimento da Constituio, ou seja, a realizao da eleio presi-dencial, uma vez que a vacncia da presidncia ocorrera no primeiro biniodo mandato, para que a capital da Repblica conhecesse as delcias doestado de stio, cujos efeitos haveriam de durar alm das 72 horas pelasquais fora decretada a medida extrema.

Seguiu-se um perodo de terror. Foi quando Rui Barbosa impetrou aoSupremo Tribunal o primeiro dos habeas corpus, com o qual iniciava oseu curso prtico de Direito Constitucional. A petio de 18 de abrilde 1892. Os pacientes eram 46. Desde o Senador Vice-Almirante EduardoWandenkolk, o Senador Marechal Jos de Almeida Barreto, o SenadorPinheiro Guedes, o Senador Coronel Joo Soares Neiva, o Deputado Tenen-te-Coronel Antnio Adolfo de Fontoura Mena Barreto, o Deputado MatosMachado, o Deputado J. J. Seabra, o Marechal Jos Clarindo de Queirs,o Marechal Antnio Maria Coelho, at o jornalista Jos do Patrocnio eo poeta Olavo Brs Martins dos Guimares Bilac ...

No h quem no conhea o desfecho do clebre pedido, alis, for-mulado em termos renovadores dos estilos forenses. Seu autor, em passagemaustera, d uma idia clara e forte:

"Houve no tribunal, ao cair dos votos que denegavam ohabeas corpus, a impresso trgica de um naufrgio, contemplado

R. Inf. legisl. Braslia a. 27 n. 106 abr./juft. 1990 9

a algumas ~raas da praia, sem esperana de salvamento, de umagrande cal8lIlidade pblica, que se consumasse. sem remdio, aosnossos olhe de uma sentena de morte sem apelo, que ouv~;semospronunciar contra a Ptria, do bater fnebre do martelo, pregan-do entre 8$ quatro tbuas de urnesquife a esperana republi-cana .. _ Quando, subitamente, fragorosa salva de palmas, s~guidaainda por outra, aps a admoestao do presidente, nos deu o sen-timento de uma invaso violenta da alegria de viver. Era o Vlto doSr. Pisa, concedendo o que todos os 9:US colegas tinham recusado."

O Supremo Tribunal Federal uma criao republicana, na medidaem que o novo regime lhe conferiu atribuies que ele r.o tinha ao tempodo Imprio; convm notar, parem, que foi constitudo mediante o apro-veitamento de antigos membros do Supremo Tribunal de Justia, que lheformaram a maioria. Amadurecidos sob outro regime, bons conh~doresdas Ordenaes Filipinas, eram, no entanto, alheios s novidades o mecanismo americano importado com a Repblica: era natural que lhe no sen-tissem as originalidades e no medissem suas virtualidades; em verdade,as instituies de iMpirac norte-americana aotadas eram praticamenteignoradas entre ns.'

As teses do advogado Rui Barbosa eram novidades chocantes para otribunal, estranho s inovaes introduzidas pela Constituio republicana.

Em horas, o Brasil mudara de face: era monrquicc, vircu republicano;de unitrio passou a ser federativo; o regime presidencial substituiu osistema parlamentar progressivmnente modelado pela histria do Pas; areligio do Estado cedeu lugar absoluta separao, praticamente o~icializao do agnosticismo. Em meio a esses profundas transfonnaes, o PederJudicirio tambm as experimentol:. Disse-o, com transparente clarl~za, oMinistro da Justia do Governo Provisrio, Campos Sales:

"A magistratura, que agora se instaia no Pas graas ao regi-me republiqano, no um instrumento cego, ou mero intlprete,na execuo dos atos do Poder Legislativo. Antes de aplicar a ~ei,cabe-lhe o direito de exame, podendo darlhe ou recusar-lh~ san-o, se ela lhe parecer ccnforme ou contrria lei orgnica ...AI est p06ta a profunda diversidade de ndole que existe entreo Poder Judicirio, tal como se achava institudo no regimedecado, e aquele que agora se inaugura. calcado sobre os I.loldesdemocrticos do sistema federal. De poder subordinado, qual era,transfonnase em poder soberano, apto, na elevada esfera de suaatividade, para interpor a benfica iniluncia do seu crltrk deciosivo, a fim de manter o equilbrio, a regularidade e a prpriaindependncia dos outros poderes, assegurando, ao mesmo tempo,o livre exercicio dos direitOs o cidado _.. Ao influxo da suareal soberania se cesfazem os erres legislativos, e so entregues severidade da lei os crimes dos depositriocs do Pcder Exect:tivo."

10 a. In'. 1.._1. 8rDllfa . 21 n. 106 _r./j. 1990

No entanto, mais fcil mudar uma lei do que uma mentalidade.As imensas transformaes operadas no campo social em algumas semanasno acarretaram iguais mudanas no esprito das pessoas.

H um fato conhecido e ilustrativo. Logo depois dos decretos de abrilde 92, Rui foi interpelado por um ministro do Supremo Tribunal, queindagou se tinha fundamento a notcia de que recorreria ao Judicirio paraobter a reparao civil s vtimas do stio. Rui relatou o episdio, ao voltardo eXl1io, no discurso em que agradeceu a homenagem do Jornal do Comr-cio ao autor das Cartas da Inglaterra; e mais tarde, em O Art. 6. da Constituio Federal e a Interveno Federal na Bahia, narrou-o em pormenor:

"O que por aquele tempo se conhecia, no Brasil, das instituies aqui recm-adotadas, deu-no-lo a ver, certo dia, de umrelance, o caso, que vamos contar.

Distinguia-se, ento, no Supremo Tribunal Federal, entre osseus ministros, um magistrado, que passava pelo mais instrudoentre os seus pares - conta em que tambm o tnhamos, e temos.Notavelmente versado nas letras jurdicas, juiz do maior crditoprofissional, fecundo argumentador e expositor, nas causas querelatava, ou discutia, chegara do Norte com extraordinria nomeada, adquirida em brilhante carreira judiciria, e, nos pleitos demais vulto, veio a ser aqui a bandeira e o guia daquela corte,que o prezava, talvez, como o seu melhor ornamento.

Um dia. encontrando-nos em um bonde, por sinal que naPraia do Flamengo. onde a esse tempo residamos, nos interpelouele com expresso de sria estranheza, perguntando:

- Ouvi dizer que o Senhor vai acionar a Unio, em nomedos militares e paisanos reformados e demitidos pelo MarechalFloriano, para obrigar o Governo Federal a reintegr-los ouindeniz-los. Ser possvel?

:e. exato.

Mas como?

Muito simplesmente. :e. que, no regime de agora, no sos atos administrativos, mas at os legislativos, em sendo contrrios lei constitucional, so nulos, e a Justia o poder competente para lhes declarar a nulidade, pronunciando-lhes a incons-titucionalidade.

O meu interlocutor no se convenceu, obrigando-me a lheapontar os textos da nova Constituio, onde estribava a minhatese; e assim nos separvamos, prometendo-lhe eu, para o fami-

R. Int. legisl. Bl'Clllio o. 27 n. 106 abr./jlln. 1990 11

liarizar com a novidade, p-lo em relaes com a grande obrade Carson acerca da Suprema Corte dos Estados Unidos, obra deque, da a dias, lhe ofereci um extmplar. (*)

Tempo. depois, esse ministro mergulhava a fundo no direitonortc-ameriQlno, com as produes do qual sortiu em abundnciaa sua copiosa livraria; e essas noes, cuja primeira invocaoentre ns to extravagante lhe parecera, nele, como juiz e. maistarde, como- advogado, vieram a ter um aplicador hbil, ccnven-ciclo e frequ.ente.

As nossas alegaes na caus~, trazidas, posteriormente, alume no livro Os Atos Inconstitucionais, puseram a doutrinadesses princpios ao alcance de todos, a ao movida por nsvingou em todos os trmites do seu curso, e os nossos constituintes, civis ou militares, alcanaram a reparao devida.

Da avante qualquer sujeito dava sota e s na matria. Maso espanto que o meu atrevimento, primeira notda, causaraa um dos niais celebrados luzeiros da nossa magistratura e"iden-ciava quo pouco se havia descido, at ento, abaixo da superfcie,na compreenso de normas constitucionais, que eram, entretanto,base fundaIJl.ental do novo regime."

Em nenhuma ds vezes Rui declinou o nome do seu interb;utor.Mas Batista Pereira. 'no prefcio 2.- edio das Cartas da Inglaterra,informou que se tra~ava do Conselheiro Barradas, o mesmo que, pelaimprensa e anonimam~nte, polemizara com o advogado a respeito do acr-do de 27 de abril, em. que o Supremo Tribunal, vencido apenas o MinistroPisa e Almeida, denegara o habeas corpus em favor das vtimas do stio,atribuindo-lhe efeitos mesmo depois de esgotado o prazo de 72 horas porque fora editado.

A respeito, h o juzo, retilnio e claro, de Clvis Bevilqua; em seulivro juristas Filsofos, de 1897, escreveu o jurisconsulto:

"Rui Barbosa desvendou, aos olhos brasileiros, a cincia dodireito pblico que a Amrica do Norte criara e n6s quase igno-rvamos que existisse, antes que a vssemos trasladada, em corretae lucilante frase portuguesa, pelo escritor baiano."

A ruptura do tecldo social, dos fundamentos de sua cultura nacional,era muito maior do que poderia imaginar quem assistisse paradarr.ilitarde 15 de novembro.

(.) Tenho a fortuna de possui-lo. A dedicatria simples: "A S. Ex~ o SenhorConselheiro Barradas - Tem a honra de oferecer - Rui Barbosa",

12 R.nf. Iegisl. BN.ilia a. 17 n. 106 abr./lun. 199D

Mesmo assim, mesmo depois do acrdo de 27 de abril de 92, otribunal foi capaz de despertar a ira de Floriano.

Em maro de 1891, quer dizer, em pleno regime constitucional e empleno funcionamento do Congresso, o Poder Exe;;utivo, por decreto, editouo Cdigo Penal da Armada. O Supremo Tribunal declarou-o insubsistente,por ser manifestamente inconstitucional. O lder do Governo, AristidesLobo, republicano hist6rico, sustentou que o tribunal incorrera em crimede abuso de autoridade e por ele devia responder perante o Senado. Porofcio, publicado no Dirio Ojicial antes que chegasse s mos do tribunal,Floriano deixou oficialmente claro que:

"O Governo considera em pleno vigor as limitaes feitaspelo art. 47 do Decreto n.O 848 ao direito de concesso dohabeas corpus e o Cdigo Penal da Armada."

E deixou de prover ~ete vagas ento existentes no Supremo TribunalFederal, impossibilitando praticamente o normal funcionamento da Corte;deixou de designar o Procurador-Geral da Repblica, que teria de ser umdos ministros; deixou de marcar ata para a posse do novo presidente doSupremo Tribunal Federal, que deveria prestar o compromisso perante oPresidente da Repblica.

No s. Depois de longa espera, e para bem significar ao tribunal oseu desgosto, ou o seu desprezo, nomeou para juzes do Supremo TribunalFederal o mdico Barata Ribeiro e os generais Inocncio Galvo de Queirs e Raimundo Ewerton de Quadros; o primeiro tomou posse logo eexerceu a judicatura por quase um ano, de novembro de 93 a outubro de 94.E que a Constituio de 91 no exigia a prvia aprovao senatorial donome indicado, como o fez a Constituio de 1934.

o Senado, porm, embora florianista em sua unanimidade, desaprovouos nomes indicados. O notvel saber, de que falava a Constituio, eranotvel saber jurdico, sustentou o Senador Joo Barbalho. E nenhum outromdico. nem oficial-general, voltou a ser indicado para o Supremo Tribunal.

De mais a mais, durante o primeiro quadrinio presidencial, o Supremosofreu sucessivas alteracs em sua composio, e isto, obviamente, noensejou a estabilidade da sua jurisprudncia. Basta dizer que, a 19 denovembro de 1894, ou seja. quatro dias depois de tomar posse, Prudentede Morais nomeou PindaJba de Matos para o Supremo Tribunal Federal.Era o 31. ministro a ser nomeado para a Corte, que passara a funcionarem 21 de fevereiro. De fevereiro de 91 a novembro de 94, 30 ministrostinham sido nomeades.

De outro lado, no se exigia a maioria absolula do tribunal para queeste declarasse a inconstitucionalidade de lei, como passou a ser necessriaa partir da Constituio de 1934. Mas a necessidade se fazia sentir, e

It. s.f. legisl. 8ral1lia a. 21 ft. 106 abr./j.n. 1990 13

em 1902 o Decreto n,O 938 e em 1908 o de 0. 1.939 prescreveram queo Supremo Tribunal no podia decidir questes de constitucionalidadf: sema presena de 10 ministros desimpedidos, incluindo o presidente. A so luoera tmida, pois, preSentes 10 juzes, 6 apenes, em um tribunal d.~ 15,podiam declarar a indonstitucionalidade de uma lei.

Tambm a essa luz fcil perceber que a jurisprudncia da Corteno podia ser ex.emplar nos seus primeiros anos.

Com efeito, nos ,primeiros anos da Repblica todos os erros foram.cometidos e todos os abusos foram praticados. Em vrios Estados. tribunaisinteiros foram aposentados ou demitidos; quer dizer, todos os seus membrosforam aposentados ou 'demitidos, a pretexto de reforma do Judicirio. Nemfaltou a violncia, em seus mais variados aspectos, a celebrar as suas bodasde sangue em plena eapital da Repblica. Um republicano histricc quehaveria de ser juiz desta Corte, Amaro Cavalcanti, em livro publicadJ em1900, sobre o regime federativo, faz impressionante inventrio dos abusos,federais e estaduais, dometidos nos dez primeiros anos da Repblica,

Foi por esse tempo que aconteceram algumas coisas sem precedentesna nossa experincia poltica: o apelo ao estrangeiro para enfrentar a revoltada Armada, os "alapes" por onde desapareceram os corpos executadosclandestinamente. sem forma nem figura de juzo, em plena capital do Pas.

-x-

:e tempo de ence~ar a sumria evocao dos falos que singularizaramos primeiros anos da Repblica. Para faz-Io, nada melhor do que recorrerao juzo de um contOmporneo. propagandista da Repblica, e autor depginas clssicas em nossa literatura.

Referindo-se a Fl-riano, em seu estilo viril, Euclides da Cunha resumiuem impressionante sn!:ese a complexa realidade daquele tempo. Um longoe documentado ensaio, uma monografia exaustiva e erudita no diriammais do que estas sentenas do autor de Contrastes e Confrontos:

"O seu valor absoluto e individual reflete na hist6ria aanomalia algbrica das qualidades negativas: cresceu, prodigio-samente, jlDCdida que, prodigiosamente, dminuiu a energianacional. Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em 'comouma depresso profunda. Destacou-se frente de seu pas, semavanar - porque era o Brasil que recuava. abandonando () tra-ado superior das suas tradies."

:e fato incontestTel que erros e abusos inverossmeis foram cometidosnos primeiro:s anos da Repblica, e a eles no esteve imune o Supremo

14 R. IlIf. legisl. BNIUia 11. 17 n. 106 a1ll'./lulI. lt9D

Tribunal. Se nos demais segmentos do governo, da administrao e doParlamento eles abundaram, de certa forma era natural que tambm naesfera judiciria eles se fizessem notar, at porque, j foi nencionado, asnovas atribuies do Supremo Tribunal constituam novidade sem razesna tradio ptria.

Contudo, no demorou muito e a Corte veio a imprimir outro rumo sua jurisprudncia. Era uma. Passou a ser outra. A grande mudana sedeu em 1898. Em 26 de maro, ao negar um habeas corpus impetrado porRui Barbosa, a Corte confirmou a sua orientao quanto aos efeitos doestado de stio, iniciada pelo ac6rdo de 27 de abril de 92. Vinte diasdepois, a 16 de abril, o Supremo Tribunal mudou espetacularmente a suaorientao, para, consagrando as teses de Rui, at ento vencidas, faz-lasa doutrina do tribunal. Por uma dessas ironias de que a Histria estcheia, o vencedor do habeas corpus de 16 de abril foi o ministro Barradas,j ento aposentado e advogado atuante, o mesmo relator do habeas corpusde 27 de abril de 92 e que, anonimamente, polemizara com Rui pclaimprensa acerca do acrdo malfadado.

Passados os dez primeiros anos, de febres intensas e paixes terrveis,a Repblica entrou em perodo de paz e de progresso. Incidiu, no entanto,em dois ou trs erros funestos, alguns dos quais terminaram por sacrific-la.

o primeiro foi de natureza social. A Repblica abandonou sua sortea parcela da populao libertada pela Lei de 13 de maio. Quem o disse,com a sua maneira inexcedvel de retratar situaes, foi um ardoroso aboli-cionista e incansvel obreiro da verdade constitucionaL Foi Rui Barbosa.Trinta anos depois da abolio, indagava o advogado ciceroniano:

"Mas que fizeram dos restos da raa resgatada os que lhehaviam sugado a existncia em sculos da mais mproba opresso?Nessas rumarias havia ainda elementos humanos. De envolta comas geraes exaustas, que o tmulo esperava, estavam as geraesvlidas, urnas em plena virilidade, outras vencendo a adolescncia, outras abrolhando, nascentes ainda, no meio das runas dasua ascendncia extenninada. Que movimento de caridade tive-ram por esses destroos humanos os rbitros do bem e do malnesta terra'? A responsabilidade no da Monarquia, que expirouao outro dia da abolio. A responsabilidade no pode ser tambmdo Governo Provisrio, que em s quatorze meses teve de liquidarum regime e erigir outro. Mas ao Governo revolucionrio suce-deram vinte e nove anos de Repblica organizada com oito qua-drinios presidenciais de onipotncia, quase todos em calmariapodre. Que conta daro a Deus esses governos, senhores, de tudoo que ambicionaram, poderosos para tudo o que quiseram, livresem tudo o de que cogitaram - que contas daro a Deus da sortedessas geraes, que a revoluo de 13 de maio deIxou esparsas,

R. IlIIf.....!tl. Bl'Clllia a. 27 n. 106 abr./J-. 1990 15

abandonadas grosseria originria. em que a crlara e abJ:"utarao cativeiro?

Era uma raa que a legalidade nacional estragara. Cumprias leis nacionais acudir-lhe na degradao, em que tendia a serconsumida, e se extinguir, se lhe no valessem. Valeram-lhe? No.Deixaram-m~ estiolar nas senzalas, de onde se ausentara o inte-resse dos senhores pela sua antiga mercadoria, pelo seu gadohumano de outrora. Executada assim, a abolio era uma ironiaatroz. Dar ~berdade ao negro desinteressando-se, como se desin-deressaram, :absolutamente da sua sorte no vinha a ser mnis doque alforriar os senhores. O escravo continuava a s-lo dos vciosem que o lIlergulhavam. Substituiuse o chicote pela ca.~haa,o veneno par excelncia, etnicida, extcnninador. Trocou-se a exte--nuao pelo:servio na extenuao pela ociosidade e suas abjees.Fez-se do liberto o guarda-costas poltico, o capanga eleitoral.Aguaram*lhe os maus instintos do atavismo servil com H educao da taberna, do bacamarte e da navalha. Nenhuma provi-dncia administrativa, econmica ou moral se estudou. ou tentou,para salvar do total perdimento esses valores humanos, que soo-bravam. Nem a instruo, nem a caridade, nem a higiene intervieram de qualquer modo. O escravo emancipado, sua famlia,sua descendenda encharcaram putresccntcs no desamparo em quese achavam 'atascados. E eis aqui est como a poltica republicanaliquidou o nosso antigo operariado, a plebe do trabalho bra;.ileirodurante os fculos da nossa elaborao colonial, os quase ~tentaanos do nosso desenvolvimento sob a Monarquia."

E mais adiante: I

"( ... ) a Repblica, reacionria desde o seu comeo, desdeo seu com~o imersa no egosmo da poltica do poder pelo poder,traidora desde o seu comeo aos seus compromissos. tinha muitoem que oCllpar a sua gente. para ir esperdiar o tempc comassuntos sociais.

Nem mesmo quando algum dos Jidadores da campanha Iecm-tenninada se animasse a encetar a segunda. haveria onde a lograsseabrir. com vantagem; porque s no governo parlamentar existeo terreno capaz de dar teatro a essas cruzadas morais, a essaslutas pelas idias nas regies mais altas da palavra, onde elasse fecundam. No presidencialismo nio h seno um poder verda-deiro: o dv chefe da nao, exclusivo depositrio da autol'idadepara o bem e o mal."

De certa forma el'8 natural que assim fosse. pois o Partido Republicanonunca morrera de mnores pela causa dos escravos. Ao contrrio. Soubeusar de acentuada duplicidade no sentido de recolher o apoio dos re:;scnti

16 R. Inf. le.isl. BrClllict

dos escravocratas, aproveitando-se do enfraquecimento da Coroa. que. coma abolio. perdeu um dos seus sustentculos. Houve republicanos que eramabolicionistas declarados, mas o Partido Republicano. como Pilatas, lavavaas mos, alegando que o assunto era da responsabilidade da Monarquia.

Por isso mesmo, parece-me extraordinria a ascenso social dos des-cendentes dos escravos alforriados em 1888, em apenas 50 anos, porqueos 50 que se seguiram abolio foram anos perdidos. Em apenas 50 anos,a elevao social dos brasileiros de origem africana se deu em todos ossentidos e em medida consagradora s suas qualidades.

Rui teve de mandar queimar os arquivos fiscais da propriedade servilexistentes no Ministrio da Fazenda, de modo a impedir as crescentespretenses indenizatrias dos ex-senhores.

Outro erro da Repblica foi a inverdade eleitoral, chaga poltica quea acompanhou desde o bero. Comeou com o Regulamento Alvim, "o maiseficiente instrumento de fraude eleitoral jamais concebido", na expressode antigo membro desta Corte, o Ministro Carlos Maximiliano. Representouinsigne retrocesso em relao ltima lei eleitoral do Imprio, a Lei Saraiva,de 1881.

J houve quem defendesse o Regulamento Alvim como medida dedefesa da Repblica. Ela representava to pouco da sociedade brasileiraque era preciso assegurar-lhe a maioria no Congresso Constituinte atravsda fraude. .. Ainda no me convenci do acerto dessa explicao. O fato que a Repblica, desde o seu nascimento. se foi acostumando a governarsem o povo.

Em 1890, cerca de 30% da populao do Rio eram compostos deestrangeiros, 26% provinham de outras regies do Pas e apenas 45%eram naturais da terra, e a abolio lanara no mercado de trabalho orestante da mo-de-obra, escrava at vspera, engrossando desse modoo contingente j considervel de subempregados e de desempregados.

Para a Constituinte de 1890, apenas 5,5% da populao do Rio sealistaram; nas primeiras eleies diretas para presidente, 1894, o eleitoradodesceu para 1,3%; nas eleies parlamentares de 1896, o eleitorado chegoua 2,5%; nas eleies presidenciais de 1910. 21 anos depois do adventoda Repblica, o eleitorado no passou de 2,7% da populao.

Mas no 56. No dia da eleio, a maior parte das secs eleitoraisno funcionou. Por vezes, e no poucas, grupos de desocupados, arruaceirosprofissionais. capoeiras em especial, desempenhavam funo relevante nodia das eleies. O fato foi registrado com a costumeira objetividade pelo"fiel cronista da cidade"; em mais de uma passagem, Lima Barreto registrao consrcio entre candidatos c capoeiras. Digo candidatos porque partidosno havia.

R. I.f. leglsl. B_Jio o. 27 n. 106 a.,./jUll. 1990 17

Da Jos Murilode Carvalho haver ob~ervado que:

..A ordem aliava-se desordem, cem a exciuso da massados cidado, que ficava ~em espao poltico. O marginal "iravacidado, e (.t cidado era marginalizado."

E noutra passagn:

"Pode-e dizer que a Repblk't wnseguiu quase literalmenteeliminar o (deitor e, portanto, o direito de participao polticaatravs do voto,"

Defuntos c ausentes, estes sim, eram permanentes e fiis. As atas forja-das, a regra. Daf o generalizado desinteresse do cidado no processo deito-ral. Osvaldo Cruz no era eleitor. Pensou em inscrever-se quando dacampanha civilista, mBS no chegou a faz-]o.

..Alm de intil, votar era muitO perigoso", escreve o ensasrB. deOs Bestializados; e ac~centa: "Na Repblic.a que no era, a cidadn notinha cidados".

Bruno de Mendooa Lima, membro da comisslio revisora do CSdigoEleitoral de ]932, lembrou, quando do cinqentenrio de sua promul~ao.que votar na Repblica Velha importava em "correr risco de vida"

Durante longos ~os. e desde o comeo da Repblica. as eleies )~alsase o arbitrrio reconhecimento dos eleitos foram roendo as institui.)eb eoontaminando as suas' partes.

No "Manifesto de Montevidu", de 1925, com este sorites Assis Brasilretratoc a situao eleitoral:

"Ningulbn tem certeza de ser aH6tado eleitor; ningu6m temcerteza de votar, se porventura foi alistado; ningum tem certezade que lhe contem o voto se porventura votou; ningum temcerteza de que e:6~ vot'J. mel>mQ de.}'K}\l> de con\'iLdc. seia n':'b})ei-tado na apurao. ou chamado terceiro escrutnio, que arbhrriae descaradamente exercido pelo dspota substantivo, ou pelesdspotas adjlttiyo~, conforme o caso for de representao nacionalou das locais,"

Um efeito da fraude eleitoral generalizada logo se fez sentir na forma-o das oligarquias estaduais, em que facilmente degenerou a idia fedcflLliva.

No Imprio. firmara-se a regra e serem os presidentes de provnciaescolhidos fora dos naturais da terra. Foi muito criticada. Mas o H:mpomostrou que, alm de evitar a formao de oligarquias, permitiu qu.e oshomens do Sul pudesscnn conhecer o Norte e os homens do Norte pudessemconhecer o Sul, ensejando-lhes uma viso nacional do pas, num tempo emque as comunicaes eram precrias. Desse modo, os grandes nomes da

1. a. Ird. legisl. Bl'GllM O. 27 D, 106 /J.., 1"0

poltica imperial fizeram seu aprendizado na administrao como presi-dentes de provncia, distantes da sua terra natal, abrasileirando-se.

Paradoxalmente, a Federao ensejou a formao de oligarquias. atravs de eleies que conspurcavam o conceito de Repblica.

Tambm no possvel deixar de mencionar duas mazelas que ainfelicitaram desde os seus primeiros dias - o estado de stio e a inter-veno federal nos estados. ensejando abusos e violncas. Bastaria lembraros casos do "Satlite" e da "Ilha das Cobras", Os bombardeios da Bahiae de Manaus.

O certo que. a despeito de significativos progressos em variadossetores. quarenta anos de abusos. fraudes e infidelidades institucionaisfossilizaram a Repblica, E. quando se formou a Aliana Liberal, a adoodo voto secreto e da representao proporcional e a instituio da JustiaEleitoral foram exigncias do mesmo repblica que, em 25 de fevereirode 1891. se recusara a votar em Deodoro da Fonseca - Assis Brasil,que falava em nome do Rio Grande liberal.

Outro aspecto digno de nota:

Durante o 2. Reinado, era monocrdia a crtica ao poder pessoal doImperador, que se fundava, no entanto, em clusula expressa da Constitui-o. referente ao Poder Moderador. Com a Repblica. esse poder pessoal.to criticado pelos republicanos, foi centuplicando. sem que os adeptosdo novo regime se lembrassem do que pregavam na fase da propaganda.

o fato no escapou fidelidade de Rui:

..Onde o govemo se realiza pelo sistema parlamentar. o jogodas mudanas ministeriais, dos votos de confiana, dos apelos nao, mediante a dissoluo das cmaras, constitui uma garantia.j contra os excessos do Poder Executivo. j contra as demasiasdas maiorias parlamentares. Mas. neste regime. onde para o chefedo Estado no existe responsabilidade, porque a responsabilidadecriada sob a forma do impeachment absolutamente fictcia.irrealizvel, mentirosa. e onde as maiorias parlamentares so manejadas por um sistema de eleio que as converte num meio deperpetuar o poder s oligarquias estabelecidas, o regime presiden-cial criou o mais chins, o mais turco, o mais russo. o maisasitico, o mais africano de todos os regimes:'

At que sobreveio a Revoluo de 30. To desacreditadas estavamas instituies qu~. a despeito de notveis predicados de muitos homenspblicos, ela levou tudo de roldo. A Revoluo de 30 no foi uma reva.luo. Foi um vendaval. Tudo ruiu em questo de dias. E os efeitos daderrocada foram maiores do que se podia imaginar. Muitos princpios

R. hif. I...ial. Brallla a. 27 n. 106 abr./;un. 1990 19

cardeais do regime. por fim cristalizados em regras lapidares, indusivejurisprudenciais, terminaram por dissolver-se na catstrofe geral.

Esta Corte, Sr. Presidente. no ficou imune s frias revolucionrias.Daqui foram expelidos Edmundo Muniz Barreto. Pedro Mibielli. GodofredoCunha, Geminiano Franca, Pedro dos Santal. Pires e Albuquerqm~. Esteera o Procurador-Geral da Repblica desde o Governo Epitcio; corno tal.no regular exerccio' de suas funes e na exato cumprimento dos seusdeveres, denunciara 08 revoltosos de 22. 24 e 26, agora transformados emvitoriosos chefes reyolucionrios. Por decreto de fevereiro de 1931 foiexpungido do Supremo Tribunal Federal - por haver cumprido comexao e competncia suas atribuies funcionais.

Cedo foram ab$ldonados os compromillSOs da Aliana Liberal. a despeito da advertncij de alguns de seus pr6ceres, membros do GovernoProvisrio inclusive. Quase tudo que de bom se fizera em 40 anos deRepblica ruiu juntamente com os seus vcios. Parece ter cado em sbitoesquecimento a jurisprodncia do Supremo. que fora evoluindo e se aprimo-rando. A longa durao do Governo Provisrio e a lentido dai suasmedidas no sentido da restaurao da ordem legal geraram a RevoluoConstitucionalista de ,32. Sangrenta e penosa. Seguida de exlios e privaesde direitos. Afinal. foi eleita a Assemblia Constituinte. Mas a ConsNuiode 1934, que ela elaborou, teve a durao das rO$as.

No entretempo. pouco mais de um ano depois de promulgada a Cons-tituiio. em vrios pontos do pas irrompeu a Intentona Comunista, de 35.Sua extrema violncia traumatizou a Nao. Seguiu-se o estado de guerra,e com ele as prises indiscriminadas, inclusive de parlamentares, a lei dereguran.a, o Tribunal de Segurana Nacional. Da lei, disse utna I~ suasvtimas que:

"A cavilosidadc humana ainda no havia inventado maqui-nao mais odiosa para a supresso total da defesa do acusado:'

E do chamado 'I;ribuDal de Segurana. ~lo qual veio a ser condenadopelo voto duplo do seu presidente. o verbo de fogo de Joo Mangabeiraapostrofou braviamente:

"Nem de juzes se podero crismar os energmenos contra-tados para esses julgamentos de empreitada."

O perodo 34/37 lembra o de 92/94. O pnico, a inseguralla. osecreto. o delator. a prisio. Mais de uma vez os perseguidos bateram 35portas do Supremo 1iibunal, e nem sempre elas se abriram. Quinze mesespermaneceu preso o Deputado Joo Mangabeira, afinal libertado pelo Supre-mo Tribunal Militar.

Foi uma fase pa:tticularmente difcil. A situao europia, j envolvidapela agressividade das totalitarismos, estimutava as lou.cUIas. Com t~ &Q.

.ao R. Inl. leg'''. BI'CI.lio li. 17 li. 106 ClIbr.li "'O

dariedade ostensiva e inglria das Foras Armadas, findou-se a SegundaRepblica, para abrir espao ao denominado "Estado Novo",

Com efeito. no tardou o golpe de 10 de novembro de 37. Fechadoso Congresso Nacional, as Assemblias Legislativas e as Cmaras Muni-cipais, decretada a interveno em todos os Estados, menos em um, nomea-dos os prefeitos, extintos os partidos, suspensas as garantias individuais efuncionais. O arbtrio a imperar. Censura total. Prises. Exlios. Persegui-es. Velhas e novas torturas. O Tribunal de Segurana a empestar oambiente. Assim transcorreu o cinqentenrio da Repblica, sem repblicae sem federao.

Exatamente no ano do cinqentenrio republicano ocorreu fato semprecedentes. Como o Supremo Tribunal Federal houvesse confirmado man-dado de segurana contra a exigncia do imposto de renda sobre proventosde magistrados, como um raio em cu azul, o Dirio Oficial estampou oDecreto-Lei n.C> 1.564, de 5 de setembro de 39, tomando sem efeito o julga-do, alis, unnime, da mais alta Corte de Justia do pas. ~ es1e o seu teor:

"So confinnados os textos de lei, decretados pela Unio,que sujeitavam ao imposto de renda os vencimentos pagos peloscofres pblicos estaduais e municipais, ficando sem efeito as deci-ses do Supremo Tribunal Federal e de quaisquer outros tribunaise juzes que tenham declarado a inconstitucionalidade desses mes-mos textos."

Caso idntico chegou ao exame do Supremo Tribunal. Carlos Maximi-liano disse ento estas palavras:

"Qual a diretriz futura a predominar nos pret6rios, em faceda resoluo presidencial? No posso recorrer ao apoio preciso dodireito comparado porque a providncia constitucional brasileira,consistente em reformar sentenas por meio de decretos, noencontra similar ou paradigma em pas nenhum do orbe terrqueo.Recorro a outra fonte: os precedentes em casos anlogos. Vigo-rante o sistema generalizado na Amrica, embora o Judicirioapenas decidisse em espcie e a sentena final S obrigasse nocaso em apreo, Presidente e Congresso, em obedincia ao prin-cpio da harmonia dos poderes, dali por diante se abstinham deagir ou deliberar contra as concluses do aresto supremo. Pelamesma razo agora, atribuda Legislatura a antiga preeminnciada Corte excelsa, esta no mais conhecer de igual inconstitucio-nalidade. Seria, alis, irris6rio estar a proferir acrdos platnicos,arestos por lei destitudos de exeqibilidade. Prevalecer no altopret6rio o inelutvel, embora murmurando os seus membros oe pur se muove, de Galileu."

Na nossa acidentada experincia poltica. decises do Supremo Tribu-nal por vezes deixaram de ser cumpridas, assim no tempo de Floriano e

R. I..f. "'id. ltaSlia a. 27 11. 106 alw./j 19'&10 11

de Hermes da Fonseca; mas acrdo do Supremo Tribunal cassado pordecreto-lei do Executi...o ainda no se vin.

Aconteceu isso exatamente no ano do dnqentenrio da Repblica,quando uma das melhores oontribuies da Repblica s instituies nacio-nais fora a consagr.o da faculdade judiciria de conferir a legalidadedas leis atravs da erio de sua constitucionalidade.

No ano seguinte, em 11 de novembro de 1940, por decretolei desua edio. de n.O 2. r70. o chefe de governo se atribuiu o poder de nomear,por tempo indeteminado, por conseguinte substituveis a qualqUl.'1' mo-mento, o presidenre e o vire-presidente do Supremo Tribunal Federal.A simples publicaO no Dirio Ofkial importava na posse dos nomcados.

Afinal. a procela passou; mas deixou fundas cicatrizes na alma nacio-nal. A ditadura esta4o-novista caducou. Diga de passagem, e para honradesta Corte, que os cxllados, alis condenadO$ pelo Tribunal de Segurana.retomaram ao BrBSil~ em 1945, sob a proteo de habeas corpus con

a resistncia viril. A tribuna parlamentar, sem sombra de proteo legale sujeita ao arbtrio sem peias, teve momentos de glria.

Em um desses anos sombrios, em novembro de 1972, o Presidente doSupremo Tribunal Federal, Ministro Aliomar Baleeiro, disse estas palavrastristes, mas verdadeiras e necessrias. Dirigindo-se a juzes, referiu-se aoBrasil como o

"nico pas do mundo ocidental e do nosso tipo de cultura, talvez,em que nos tempos atuais os juzes podem ser demitidos ou apo-sentados de plano, sem defesa, recurso ou motivao expressa."

At que a situao comeou a ceder e amainar, e se foi normalizandoprogressivamente. a colgio eleitoral, concebido para assegurar a vitriatranqila de seus engendradores, ensejou a vitria da oposio, a despeitode todos os inauditos casusmos adotados. Por fim, foram sendo restabele-cidas as franquias democrticas, por esforos memorveis de muitos.

Faz algum tempo, todas as garantias existem, sem restrio alguma.A Nao goza de mais ampla liberdade. Uma Assemblia Constituinte foieleita e funcionou livremente. Nova Constituio foi promulgada. No seise boa, no sei se m. :e provvel que boa e m. Fao votos que sejamais boa do que m. De qualquer sorte, nunca houve liberdade mais amplado que agora. Deus seja louvado pelo restabelecimento da ordem constitu-cional legtima. O centenrio transcorre em ambiente e condies inversasdos existentes quando transcorreu o cinqentenrio da Repblica. Graase graas sejam dadas a aqueles que lutaram e contriburam para essaalterao memorvel.

Embora Jos Bonifcio, o Moo, na sua ctedra na Faculdade de SoPaulo, sustentasse o cabimento do contraste judicirio da constitucionali-dade das leis sob a Constituio do Imprio, foi sob a Repblica que oJudicirio passou a ter o poder de conferir a harmonia da lei com a Cons-tituio. Durante os quarenta anos da chamada Repblica Velha, o Judi-cirio brasileiro firmou jurisprudncia a respeito, segura e pacfica.

Mas, decidindo caso a caso. poderia ocorrer que aos tribunais e aoprprio Supremo Tribunal Federal chegassem dezenas, centenas, milharesde casos iguais, e que teriam de ser julgados um a um.

a constituinte de 34 adotou medida simples e fecunda ao conferirao Senado a faculdade de suspender a vigncia da norma declarada incons-titucional por deciso definitiva do Supremo Tribunal Federal. Desse modo,o Senado podia praticamente generalizar o efeito da deciso do SupremoTribunal. que deixava de valer apenas para as partes litigantes e passavaa valer para os demais interessados, ainda que do processo no tivessem par-ticipado. Suspendendo a eficcia da norma questionada, ela deixava de seraplicvel e de ser aplicada.

R. Inf. legisl. Braslia a. 27 n. 106 abr./jun. 1990 23

Foi to fugaz a 1risncia da Constituio de 34 que a oovidad

Mundial e desenvolvidas depois da Segunda. Se no estou em erro, o mo-delo brasileiro rene e consagra as excelncias dos dois sistemas, o americano e o europeu.

A evoluo do instituto no sculo que ora se comemora uma dasmelhores contribuies ao aperfeioamento do sistema jurdico nacional.A sua evoluo foi lenta. roas segura. progressiva e progressista, processadamediante a construo jurisprudencial e a elaborao constitucional.

-x-No disse uma palavra acerca de Canudos, nem do Convnio de Tau-

bat. e, no entanto, hora de encerrar. Ao faz-lo, quero salientar um fatoque me parece de profunda e perturbadora significao.

Ocorre que os perodos de normalidade institucional vm encurtando,enquanto as fases de anormalidade constitucional tm se ampliado.

O Imprio teve uma s6 Constituio, emendada uma vez, que vigorou65 anos; a Repblica j conta com sete e dezenas, dezenas de emendas.A primeira, de 1891, emendada em 1926. durou 39 anos; a segunda,de 1934, vigorou pouco mais de 3 anes e foi emendada uma vez; 18 anosa de 46, com 22 emendas; a de 67 no chegou a dois, retalhada peloAto 5; a Carta de 69, cem 21 consertos, que institucionalizou o arbtrio,durou 20 anos.

Volto a dizer: os penodos de anormalidade tm se dilatado, enquantoos de normalidade, mesmo sem descontar as suas fases febris, tm se redu-zido. E no apenas isso, mas, a cada fratura, mais demorado tem sidoo restabelecimento da ordem constitucional.

Entre 7 de setembro de 1822 e 25 de maro de 1824 decorreram18 meses e meio; quer dizer, o Brasil se libertou de Portugal e em ano emeio estava constitucionalizado, a despeito da frustrada Constituinte de 1823.

Apenas 15 meses decorreram entre 15 de novembro de 89 e 24 defevereiro de 91, c nesse interregno mudouse a forma de governo, substituiu-se a forma de Estado, separou-se Estado de Igreja, e tudo isto mesesdepois de abolida a escravatura; ou seja, foram erradicadas instituiesseculares que haviam acompanhado o Brasil desde o seu nascimentoa Coroa, a religio oficial, o Estado unitrio, o trabalho escravo.

Trs anos e nove meses - a Revoluo Constitucionalista de 32 nointerregno - decorreram entre outubro de 30 e a promulgao da Cons-tituio de 16 de julho de 34. Menos tempo que o governo de fato. de30 a 34, durou a 2.~ Repblica: 3 anos e 4 meses; e ainda sofreu asdores da Intentona Comunista, do estado de guerra, do Tribunal de Segu-rana, da violao das imunidades parlamentares e das franquias individuais.

R. laf. I..bl. Brcr.1ia a. 27 n. 106 obr./...... 1990 25

o Estado r\ovo prolongou-re por quase 9 anos. Do golpe: d~: 37 Constituio de 46- a edio das Constituies estaduais s se dariaem 47 -, mais de 9 anos; mais de 9 anol, portanto, de regime de fato,ausente o povo dos negcios de Estado, desfeita a Federao, a inseguranaindividual a atingir ~veis assustadores.

o regime de 46 haveria de durar 18 anos, qae no foram tranqilos- um presidente se suicidou, outro renunciou, dois foram depostos, e aformidvel crise de 63/64 irrompcu com O mpeto dos movimentos sl~micos.

A partir de 65 -e at ontem, no houve mais estabilidade, nem segu-rana; se o Estado Novo durou 9 anos, quase dez - mais que o Feriadoda Regncia -, o Estado Novssimo se estendeu de 68 a oitenta e tantosanos penosos durantr: 08 quais algumas COi/iU inacreditveis aconteceram.Pode-se discrepar da interpretao do fenmeno: no se pode divergirquanto sua ocorrncia.

Os perodos de anormalidade tm se dilatado, enquanto se tm atro-fiado e adelgaado .5 fases de normalidade. Por qu?

Esta a dramtida interrogao.

Se fizennos um corte na nossa Histria e a tomarmos a partir de 1930.quando comea o Brasil contemporneo, vamos encontrar vrias rev(llues- a de 30, a de 32; a de 35, a de 64: vrios golpes de Estado - de 37,de 45, de 55, de 65. de 68, de 69; estados de stio, es1ado de l~erra,prises, cassaes de, direitos, torturas, eXl1ios. tribunais de exceo I: exce-o sem tribunais; trs Constituies promulgadas. por assemblias consti-tuintes, uma por Congresso aleijado, mais doas outorgadas; o suicdio deum presidente, a renncia de outro, a deposio de vrios. Este incompletoe~boc retrata a profundidade das nossas anomalias e a gravidade dasnossas molstias; mais da metade desws 5D e tantos anos transcorreramsob governos de fa1:(l ...

:e tanto mais paradoxal o fenmeno quanto o Brasil tem progredidoem quase todos os satores, e em muitos deles o progresso tem sido notvel...-

Observei que o cinqentenrio da Repblica transcorreu em plenoregime de fato, sem .que houvesse repblica, nem federao. Graas rejamdadas quando o seu' centenrio, depois de anos dolorosos, transcorre emperodo de plenitude constitucional. Aps longo sofrimento, e do ~:sforoinsano em que muitos brasileiros deram o que tinham de melhor para resgB.~tar a sua Ptria da i8Domfnia da ditadura, agradvel proclamar que aNao vive sob um regime constitucional definido. Sejam quais forem osmritos ou demritos da Constituio. o certo que o pas vive as mais am-plas franquias legRis, o pleno respeito aos direitos e liberdades individuais, airrestrita custdia judicial.

R. 'Qf. le.,i.l. E1_ollia G. 17 Q. 106 lIW./illll. '990

Os meios jurisdicionais para conferireficcia s normas constitucionais

SLvIO DoBROWOL8KI

Juiz do Tribunal Regional Federal d&.4~ Regio. Professor licenciado da Uni-versidade Federal de Santa Catarina

SUMA.RIO

1. Explicao inicial. 2. A estrutura do trabalho. 3.Constttu'io - significado poltico-jurdico. 4. A normajurdica e suas inst4ncias e validade formal. 5. O pro-blema da eficcta das normas constitucionais no Brasil.6. A inconstitueionalidade por omisso. 7. O mandadode injuno. 8. O rumo para uma Constituio Norma-tiva. 9. Bibliografia.

1. Explicao inicial

o problema da eficcia das normas constitucionais, por seus reflexossobre as ordens jurdica e social, assunto da maior importncia para aPolttica Jurdica. Em momento de crise, como o atual, em que o velhodeixou de vigorar e o novo ainda no est inteiramente definido, a ques-to ganha especial relevo, se se pretende a continuidade institucional doEstado de Direito.

No pas, o carter apenas retrico emprestado, na prtica, aos manda-mentos da Lei Maior, reitera-lhes a operacionalidade e uma das causaspara a falta de concretude da ordem constitucional.

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o presente estudo. alm de buscar a indicao de rumos a resoeito.contm sumria descrio dos institutos judiciais ideados pelo Consti.tintepara conferir real eficcia aos preceitos da Lei Maior.

O tema se locaIka no terceiro plano das preocupaes da PolticaJurdica, disciplina que compreende trs nveis de e6tudo. segundo o Pro-fessor OSVALDO FERREIRA DE MELO: "Entendo sim que o estudoda Poltica Jurdica re poS8a fazer em trs planos: no epistemolgico. ondecabe a anlise axio;lca do "direitO que "; no psicossocial, onde severifica no s a exi tncia das representaCts jundicas j configu!adas,mas tambm de qua' uer manifestaes da conscincia jurdica da ;;ociedade; e, finalmente. campo operacional, onde se montam as estra".:giaspara afastar o direito "'que no deve ser" e criar o direito "que deve ser."(MELO, 1987:12.) Dar eficcia s nonnas -::onstitucionais, e o d~senvolvimento posterior do assunto deixar isto bem claro. dar luz o direito"que deve ser". afastando aquele incompat'Yel com a ordem constitucional,bem como cumprindo condutas positivas previstas na Lei Magna.

2. A estrutura do trabalho

A exposio tem incio com o conceito de Constituio e o seu ;;ignificado poltico e o papel relativo desempenhado pelo restante do ordena-mento jurdico de UIl1J lIOCiedadc. Estuda-se. a seguir. a norma jurdica esuas instncias de vlidade, preliminares do problema da eficcia dasnormas constitucionais., no Brasil, cuidado no item subseqente.

Ao depois, pB8SlI-se ao exame, de natureza sumria. dos institutosda declarao jurisdicional da inconstitucionalidade por omisso l~ domandado de injuno.

Segue a parte conclusiva. cem a indicao de vias de PoltiCB Jundica,no rumo da concreta transformao da Lei Maior brasileira em autenticaConstituio Normativa.

3. Constituio - ~ignificado poItico-juridico

Uma Constituio escrita um documente> poltico e juridico atrBv.sdo qual se intenta fundar. de modo racional, os princpios bsicos daconvivncia de um povo. Nela se equadona o modo de vida da socie-dade. com o estabelecimento dos objetivos a serem alcanados, cem adelimitao das esferas de atuao au1noma de cada jndividuo e daquiloque cada um pode pretender como sua quota-parte nos frutos da atividadesocial.

28 R. Inl. legisl. Broallla G. 27 n. 1D6 alw./J-. 1!P90

Por outro lado, a Constituio estrutura o Estado como organizaohabilitada a promover a cooperao social em determinado territrio. Emmomento histrico como o atual, quando ela elaborada pelos representantes do povo, pode-se dizer que cria o Estado na condio de aparelhoa servio da sociedade inteira, como seu instrumento necessrio paraalcanar a plena realizao dos objetivos sociais.

Vale recordar que o Estado Contemporneo distante daquele dosprincpios do moderno Constitucionalismo. Em vez do Estado Nomocr-tico, simples "gendarme" do figurino liberal, ocorreu a passagem para oEstado ativamente administrador e elaborador de programas de ao social.Resumidamente, houve o trnsito da finalidade de mera conservao paraa de transfonnao efetiva da sociedade. No fundo dessa mudana concei-tual, reside a idia alimentada pelos resultados da Revoluo Industrialde que as mudanas sociais no so obra da natureza, mas conseqnciasde atividade tcnica programada. O constitucionalismo social, imbudo dessa crena e da pretenso tica de realizar, de fato, a igualdade entre osindivduos, faz a Constituio transitar da retrica dos direitos individuais,para tomar-se em amplo programa de ao com vistas a modificar a socie-dade, a fim de nela realizar a justia social.

As Constituies de molde liberal conferiam direitos aos indivduos,como esfera de autonomia, de modo que pudessem se opor interfernciado Estado em tais setores. J o constitucionalismo social prev, alm dessasliberdades, a possibilidade de as pessoas exigirem da sociedade certasprestaes positivas, uma afuao concreta em seu benefcio.

Uma Constituio serve, portanto, para estabelecer as fundaes deuma sociedade, para confonnar o Estado que ir servi-la, e, por isso mesmo,para dar incio a uma ordem jurdica. Seu papel, em relao ao ordenamento legal, o de primeiro preceito, de feixe de regras bsicas sobre aqual devero ser desenvolvidas as restantes nonnas jurdicas. Sua promul-gao apaga tudo que antes existia, embora se admita sobrevida, por moti-vos de ordem prtica, para as normas jurdicas que no lhe contrariaremo esprito.

Se a Constituio tem esses efeitos to radicais, no plano jurdiconormativo, desde sua promulgao, eles s6 se cumprem quando a ordemconstitucional for efetivamente vivida. Segundo LOEWENSTEIN, umaConstituio pode ser meramente semntica, quando se constituir em dis-farce capaz de manter a dominao de um grupo s custas da sociedade.Ser nominal quando as condies sociais e econmicas, mormente a faltade uma educao poltica, no permitem a concordncia entre as regrasconstitucionais e a vida social e poltica do povo. Enfim, a Constituioser normativa quando houver correspondncia entre as nonnas e a reali-dade, isto , quando regularem, efetivamente, a convivncia (LOEWENS-TEIN: 1979, 219/22).

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4. A norma juridica e suas instncias de validade formal

Compreende-se a nonna jurdica, para esta elposio, como fonnade expresso do direito, regra editada por wn 6rgoo estatal com o .nomede lei (VASCONCELOS, 1978:316/7), e que se constitui como "ummodelo de uma classe de aes exigidas, permitidas ou proibidas pelasociedade, em virtude da opo feita por dada forma de comportam:nto'"(REALE, 1978:600). Serve para estabelecer como jurdicas determinadassituaes ou relaes intersubjetivB.s, pennitindo que os rgos sociais dissoencarregados possam J!ecompensar ou castigar .a conduta das pessoas, conforme corresponda ou no descrio do modelo normativo.

Essa regta ou preceito pode ser examinada, quanto sua corre~pondncia com valores e 'representaes jurdicas prevalentes no grupo !;()Cia]respectivo. Tal operao se denomina de verificao de validade material,revelando, para o Polftico-Jurdico. se o Direito que corresponde aoDireito que deve ser.

Antes dessa abordagem axiol6gica, indagadora da substncia do pre-ceito, cumpre, no entanto, conferi-lo sob o ponto de vista da sua forma.:e o exame efetuado mediante o emprego de critrios tcnicos, "para apu-rar se a norma, de que se trata, formalmente boa" (VASCONCELOS,1978:313). Procede-se aferio segundo as instncias relativas positi-vidade, vigncia, eficcia social e a eficcia jurdica.

Esses tpicos merecem elucidao. nos termos a seguir.

Positividade significa que a lei est disponvel dentro do conjuntonormativo, sendo, por isso mesmo, passvel de ser exigida junto ao podersocial encarregado de fiua concreta atualizao, por meio dos rgos sociaisantes referidos, cap8ZCIs de faz-lo, se necessrio, inclusive com o empregoda fora {VASCONCELOS, 1978:315).

Vigncia o termo utilizado para fixar o perodo, o tempo de dspo-nibilidade da lei, desde o incio de sua existncia, formalizada pela promul-gao, at que cesse sua aptitude para regular as relaes sociais a quese reporta.

A eficcia social corresponde concreta observncia do ml.>delonormativo pelo grupo social para o qual vige. Distingue-se da eficciajurdica, que a capacidade para produzir efeitos jurdicos, dependendode estar a norma apta para regular as relaes intersubjetivas, ou seja,de estar tecnicamente pronta, de contar com .a deyjda instrumental~~opara ser efetivamente aplicada s situaes nela previstas. A eficcia jur-dica pressuposto da eficcia social, somente atingvel quando a norma

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possua o necessrio aparato tcnico que permita sua efetiva aplicao srelaes sociais que visa regular.

5. O problema da eficcia jurdica das normas constitucionais

Em vista de sua eficcia jurdica, costume classificar as normas daConstituio em trs espcies.

Por primeiro, as de eficcia plena, cuja aplicao independe de qual-quer providncia, defluindo da prpria dico do texto da Lei Magna, noqual esto presentes todos os elementos para tais normas produzirem seusefeitos jurdicos. Serve como exemplo a regra consignada no art. 5.,LXXVII, da Constituio em vigor, que estipula:

"so gratuitas as aes de habeas corpus e habeas data, ( ... )".

Outras h, cuja exata extenso ou significado dependem de legislaoinfraconstitucional, restando, pois, sua eficcia a aguardar essa regulamen-tao legislativa. Desse tipo, a norma do art. 7., I, da Lei Maior, assimexpressa:

"So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, ( ... ):

I - relao de emprego protegida contra despedida arbitrriaou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que previaindenizao compensatria, dentre outros direitos."

~ preciso, a propsito, que a lei complementar especifique quandoa despedida do trabalhador ser considerada arbitrria ou com justa causa,e, ainda, determine os parmetros da indenizao e os outros direitosprometidos no texto constitucional. Sem isso, a regra antes transcrita nopode ser aplicada, destituda de eficcia imediata.

Por ltimo, a Constituio apresenta normas definidoras de diretrizesendereadas sociedade e aos rgos estatais, para cumprirem determinadosprogramas, em alguns setores da vida social. So denominadas de programticas e orientam para a adoo de medidas de variada natureza - pol-tica, legislativa, administrativa, econmica, tcnica etc. -, imprescindveispara o alcance das metas pretendidas pelo constituinte.

Compreende-se entre elas o disposto no art. 205 da Carta vigente, doteor seguinte:

..A educao, direito de todos e dever do Estado e da famma,ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade,

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visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu prepan parao exerccio da cidadania e sua qualificao para o trahalho."

Para cumprir eSse dispositivo, sero necessrias aes concertadas, dosrgos pblicos e da comunidade, com vistas a difundir a educao, comobservncia das metas indicadas no texto. A plena eficcia da regra nobastam providncias: legislativas, sendo necessrias outras a nvel dl~ ativi-dades prticas.

As nonnas conStitucionais dependentes de legislao e as de nllturezaprogramtica possuem. como as demais, natureza jurdica, no se consti-tuindo em meras pl'Oblessas de incerto cumprimento. A sua eficcia ju.rdicadifere, no prisma temporal, das normas auto-sufieicntes, sendo celto, noentanto, que, desde lcpgo, de reconhecer a inconstitucionalidade de leis ouatos jurdicos que disponham em contrrio a esses preceitos da Constituio.

A edio de diplomas integradores e O cumprimento dos programasconstitucionais dependem de tempo para a aprovao dos textos e das poUticas respectivas. Por vezes, preciso se haver com a escassez dos J.'(:cursosnecessrios. Em conieqncia, a plena eficcia de normas tais diferidaat se removerem 06 obstculos existentes.

No Brasil, a experincia das Constituies de 1946 e dc 196~r mostrou-se infeliz, como total desatendimento aos preceitos desprovidos deeficcia plena, mormente aqueles ligados ao constitucionalismo social.E clssico o exemplo da participao dos empregados nos lucros da empresa, da Carta de 1946, que permaneceu como letra morta.

Na afirmativa de PAULO LOPO SARAIVA, "a parlise dos PoderesExecutivo e LegiSlllvo, no que conceme . plcnificao das normas decarter social, contribui para a descrena popular com referncia ae- orde-namento jurdico brasileiro" (SARAIVA, 1988:33).

o constituinte de 1988 atentou para o problema e buscou institucio-nalizar meios jurisdicionais para obviar, conforme possvel, a omissiio dosrgos estatais. nos aspectos referidos.

6. A irn:onstitucionalidade por omisso

A respeito da integrao das normas constitucionais pelos P:>deresconstitudos, algumas vozes afirmavam a plena liberdade do Legislativo edo Executivo. para decidir sobre a convenincia e a oportunidade C,TI dar05 meios para a COIlStituio atuar. A boa doutrina, contudo, reconheceuque a mora injustificada envolvia a vigncia da Constituio, descumprin-do-a desse modo.

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o Tribunal Constitucional da Repblica Federal da Alemanha, emac6rdo de 29 de janeiro de 1969, afirmou que:

"O argumento de que a norma programtica s opera seusefeitos quando editada a lei ordinria que a implemente implica,em ltima instncia, a transferncia de funo constituinte aoPoder Legislativo, eis que a omisso deste retiraria de vigncia,at a sua ao, o preceito constitucional.

No dependendo, a vigncia da norma constitucional pro-gramtica, da ao do Poder Legislativo quando - atribuvel aeste edio de lei ordinria -, dentro de um prazo razovel,no resultar implementado o preceito, sua mora implica em vio-lao da ordem constitucional!' (GRAU, 1985:44)

Estendeu, ento. aquela Corte a declarao de inconstitucionalidade,tradicionalmente aplicada aos atos positivos violadores da Lei Maior, paraabranger as hipteses de ofensa por omisso. A Poltica Jurdica resultanteassentava no reconhecimento de que todos os preceitos da Constituio,mesmo ao envolverem programas polticos, eram dotados de eficcia jur-dica, obrigando os Poderes constitudos s medidas necessrias para tornlas realidade, atravs da criao do Direito que deveria ser, e implementara sociedade justa prometida no documento constitucionaL

O texto vigente no pas, fulcrado ainda nos precedentes da Constituio da Iugoslvia, de 31 de janeiro de 1974 (art. 377), e da Constituioportuguesa de 1976 (art. 297 e art. 283 da Reviso de setembro de 1982),conferiu ao Supremo Tribunal Federal a funo de declarar H a inconstitucionalidade por omisso de medida para tomar efetiva norma constitucional". Proferida deciso em tal sentido, "ser dada cincia ao Podercompetente para a adoo das providncias necessrias e, em se tratandode 6rgo administrativo, para faz-Io em trinta dias" (Constituio,art. 103, 2.).

A ao de inconstitucionalidade pode ser proposta, no caso, pelasseguintes autoridades e entidades enumeradas no art. 103, caput, daConstituio:

"I - o Presidente da Repblica;

11 - a Mesa do Senado Federal;

lU - a Mesa da Cmara dos Deputados;

IV - a Mesa da Assemblia Legislativa;

V - o Governador do Estado;

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VI - o Procurador-Geral da Repblica;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advo~:ados doBrasil;

VU I - partido poltic~ com represcnrao no Ccngn..'SooNaciona1~

IX - confederao sjndical ou entidade de classe de mbi-to nacional:'

A essas pessoas e rgos foi atribuo o devado papel de defensoresda sociedade na e~ncia de concretizar o plano consubstanciadc na LeiMaior. Atendeu-se observa~o de FBIO KONDER COMPARATO, deque, no Estado Sodial. "os grupos beneficiados com os programas de aotm direito aplicao des~es l~rcgramas, devendo ter direito a uma aopara exigi-la" (COMPARATO t 1986:20).

A "cincia ao Poder competente para a adoo das providnciasnecessrias" pode -parecer medida sem maior significado. Anote-se, antes,r~u1tar essa solu.ll do principio da separao de poderes, por no caberao ludicirio a fixao de prazo a outro Poder, bem corno em vista demio lhe competir B formulao de regras gras. capacidade excJu~iv!l doLegislativo. Aquela comunicao. no entantO. ao cabo do reconhedmentoda inconstitucionalidade por omis-..o. tem profundo efeito de natureza poUtica. ao conformar .a opinio pblica no sentido de existir indesculpvelviolao de preceito da Lei Magna. De...l'ltendida a recomendao do Supre-mo Tribunal, caber' ao povo, atravs do sufrgo. aphcar eficaz: sanoaos seus represeJ1tanre~ omissos com &eus deveres.

7 . O mandado de in.;uno

Quando a omi~ integradora de dispositi"o constitucional se referira direitos e garantlas fundamentais. tocar ao r~o judicirio repllar anorma para o caso concrelo. :E: a hipte6e do mandado cle injuno, consoante dico do art. 5., LXXI, da Constituio~ "Concederse- mundadode injuno sempre que n falta de norma regulamentadora tome invivelo exerccio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativasinerentes nacionalidade, soberania e cidadania'"

Para seu cabimento. rer necessrio cocontr.:!r reunidcs os se~;Utntespressupostos:

a} um direito, uma li~rd8de ou uma prerrogativa indicados no trans-crito RIt. 5., LXXI~

____, - o - - _

l. 111" "9ill. Bnrs.ilia G. 17 n. lU ......, ... 1990

b) a concreta inviabilidade do exerccio desse direito, liberdade ouprerrogativa;

c) que essa inviabilidade resulte da falta de norma regulamentadora,indispensvel para o mencionado exerccio.

l!, portanto, caso de omisso normativa, referente regulamentaode preceito constitucional no auto-aplicvel. Diferentemente da hip6teseda inconstitucionalidade por omisso, cabvel em tese, o mandado de injun-o exige, pelo menos, um prejudicado em concreto, em razo da faltade norma, que, de fato, impea o gozo do direito, da liberdade ou daprerrogativa mencionados.

O instituto deita razes nas injunctions praticadas nos Estados Dnidosda Amrica do Norte, pelas quais a Suprema Corte daquele pas teve deci-sivo papel na consecuo da poltica de integrao racial, na dcada de 60.Afina-se, tambm, ao precedente alemo antes referido, para o qual amora legislativa "pode ser declarada inconstitucional pelo Poder Judicirio,competindo a este ajustar a soluo do caso sub judice do preceito cons-titucional no implementado pelo legislador, sem prejuzo de que o Legislati~vo, no futuro, exera suas atribuies constitucionais" (GRAU, 1985:44).

guisa de melhor esclarecimento, preciso fixar com preciso oalcance dos direitos, liberdades e prerrogativas referidos no inciso LXXI,antes transcrito. Compreendem-se neles os direitos individuais, os direitossociais e aqueles diretamente ligados cidadania e nacionalidade; emsuma, os direitos mencionados nos arts. 5. a 17 da Constituio. Na supe-rior explanao de CALMON DOS PASSOS, "a criticvel tcnica do cons-tituinte brasileiro, a nosso ver, no determina problemas maiores de natu-reza prtica. Na verdade, a distino entre liberdade fundamental e direitofundamental mais filosfica que de direito positivo ou de dogmtica jurdica. Tudo quanto se enumera nos arts. 5. a 17, quando refervel asituaes subjetivas, so direitos (lato sensu) constitucionais, resultem elesda prpria condio humana e apenas estejam merecendo a ratificao(indeclinvel) jurdico-positiva (liberdades) ou traduzam outorga deferida,de modo qualificado, aos sujeitos de direito, na sua condio humana,pela ordem jurdica positiva (direitos). Tambm a se situam prerrogativasinerentes nacionalidade (condio de brasileiro), soberania (condio dedetentor originrio do poder poltico) e cidadania (condio de eleitor ede elegvel, e de partcipe do processo poltico)" (PASSOS, 1989: 108).

8 . O rumo a uma Constituio normativa

Os meios jurisdicionais sucintamente descritos constituem recursos dePoltica Jurdica para dar eficcia jurdica concreta a todas as normas

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constitucionais. Para que se chegue a uma Constituio normativa, em pascomo o Brasil. onde tradicional o divrcio entre o pais real e o pais legal,tas institutos necessitam. ser vTvcnciados fundamentalmente por dois ptism~.

Em primeiro lugar, o Poder Judicirio tem de compreender a grandezadessa nova misso a ele atribuda e encarar com firmeza o relevant~: papelpoltico, a ela nsito.,de concreta construo da Lei Magna. O outro ;lSpCCto () de ser necessria uma cidadania ativa, atravs da qual os brasiJeirosno continuem espera de ddivas do poder, mas Sllibam lutar pel~ meiosdemocrticos e legais, na construo de uma "sociedade livre, justa e solidria" (Constituio, m. 3., I).

9. BIBLIOGRAFIA

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R. Inf. le9ill. Ora.ria a. 27 n. 10' .br./J-n. lt90

o controle da constitucionalidadedas leis e o direito adquirido

PAULO LUIZ NE:fO LBO

Professor da UFAL. Procurador de Estado

SUMARIO

1. Introduo. 2. Efeitos do controle de constituciona-lidade e os fatos anteriormente constitudos. 2.1. Os sis-temas de controle da constitucionaUdade e a opo daConstituio de 1988. Via incidental e ao direta. 2.2.Natureza da deciso 1udicial: declarativa ou constitutiva.Ineficcia. 2.3. Alcance da ineficcia: "ex nunc" ou "extunc". 2.4. Aplicao do principio "quod nullum est,nullum ellectum producit". 2.5. Orientao dominante.2 .6. Direitos adquiridos contra a Constituto: estado daquesto. 3. Fundamentos do principio do direito adqui-rido e sua ocorrncia analgica nas situaes de inconsti-tucionalidade. 3.1. Segurana 1urdica, boa-f, eqidade.3.2. Aparncia e presuno de constitucionalidade e acerteza de direito provocada pela lei inconstitucional.4. Sobrevivncia dos direitos pr-constitudos ao pronun-ciamento de inconstitucionalidade. 5. Anlise do RE n9'/9.343-BA do Supremo Tribunal Federal. Um caso con-creto envolvendo negcio jurdC,O. 6. Concluses.

1. Introduo

Um dos problemas mais interessantes que decorrem do controle daconstitucionalidade das leis a definio e o alcance dos seus efeitos diantedos fatos jurdicos constitudos sob o imprio de lei posteriormente decla-rada inconstitucional.

R. IlIf. Iegisl. 8ra.ma a. 27 n. 106 abr./julI. 1990 37

A Constituio "resileira de 1988 consolidou o sistema de ~cnslitucionalidade, mantendo a competncia difusa dos juzes nos casos con,::retos;a competncia concentrada do Supremo Tribcnol Federal na ao diretade inconstitucionalidade; a competncia do Senado Federal para sus)enderos efeitos da lei julgada inconstitucional,

As novidades (art. 103 da CF) esto por conta. a) do alorg~.mentoda legitimidade ativa, na ao direta de inconstitucior.alidade (antes, exclu-sividade do Pro::urador-Geral da Repblica; 118ora, sendo admitidos a pro-p-Ia O Presidente da Repblica I as Mesas do Ser.ado ou da Cma~'a dosDeputados ou de '8l1emblia Legislativa estadual, o Governador d~, Esta-do, O Conselho Federal da OAR, o partido poltico, a confederao sindi-cal); b) da eo direta de inccnstitucioRaiiq.ade por omisso (para tomarefetiva norma irKXlnstitucional, mingua de legislao prpria): c) darepresentao de inconstitucionalidade de leis estaduai~ ou municipais emface da Constituio estadual (art. 125, 2., da CF).

Para nosso tema, dois momentos so importantcs. seja na decl3raojnc~dental definitiva .do STF, quando em grau do recurso, seja nH aodireta:

a) a decisio definitiva e irrecorrlvel do Supremo Tribunal Federal;

b} a suspen&io Ilb efeitoll (execuA

io para o problema dos fatos e direitos legitimamente constitudos, antesdele. Seria a ineficcia retroperante, chegando a se confundir com a pr.pria inexistncia? Qual a soluo, quando uma lei, por muito tempo paci-ficamente observada e aplicada, vem a ser, depois, considerada inconsti-tucional?

Os fatos jurdicos atingidos podem:

a) estar consumados, com seus efeitos inteiramente concludos, nadata do pronunciamento de inconstitucionalidade;

b) estar integralmente constitudos, mas que ainda no se fizeramvaler antes do pronunciamento de inconstitucionalidade. Neste caso, hclara analogia com o direito adquirido.

Diante dos princpios convencionalmente assentes, o Judicirio (espe-cialmente o de ineficcia oh inilio da lei inconstitucional) tem desenvolvida um juzo de eqidade constitucional, diante de fatos concretos insu-perveis e que no podem ser ignorados, quando ocorridos sob a gidede lei aparentemente constitucional (cuja inconstitucionalidade, de carizinterpretativo, no era possvel s partes anteciparem) e fundados na boa-f.

Um julgado do Supremo Tribunal Federal, embora no se tendo con-vertido ainda em leading case, chama-nos a ateno, por enquadrar o pro-blema sob ngulo no tradicional, apontando para diretriz no ortodoxa,de fortes matizes eqitativas: o RE 0.0 79. 343-BA, Segunda Turma, de31 de maio de 1977.

O princpio do respeito ao direito adquirido, de natureza constitu-cional (I), dirigido ao legislador e ao intrprete, inobstaote pressupor aregularidade constitucional da lei, o mais adequado soluo do proble-ma, merc de sua multissecular evoluo e das regras de hermenuticafixadas na Lei de Introduo ao C6digo Civil:

a) a analogia;

b) a interpretao conforme os fins sociais e as exigncias do bemcomum.

A matria de contedo interpretativo: a Constituio e a legislaoso omissas quanto natureza e o alcance dos efeitos da declarao deinconstitucionalidade.

Adotamos, nesta exposio, como referncia constante, o conceito dedireito adquirido de R. LIMONGI FRANA, que bem sintetiza, em con

(1) Cf. R. LIMONOI FRANCA, A irretroattvtdade das leis e o direito adquiricto,Sio Paulo, 1982, PP. 174 e 183.

R. In'. legi,l. Brallia o. 27 n. 106 obr./jun. 1990 39

tribuio pessoal, a l~a evoluo doutrinria e legislativa sobre o princi-pio e), especialmente; a magistral obra de C. F. GABBA (I).

Embora no nos furtemos a consideraes envolvendo o direito pbli.co, nossa preocupao maior dirige-se s situaes e relaes de direitoprivado. atingidas pela declarao de inconstitucionalidade.

Como adverte PIETRO PERLINGIERI. a importncia dos prinepiosconstitucionais para o' trabalho do intrprete. inclusive no direito privado,em nossos dias, impt1he um juzo de valor que ter na norma cortstitucional um ponto firme a que se apegar (4.), reduzindo a esfera de diseri-cionaridade. Mesmo que se tenha presente que, afinal. a Constituio oque os juzes dizem que: (~).

1. Efeitos do contrcle de constitucionalidade e os fatos anteriort'1enteconstitudos

Dois grandes sis~mas de controle de aoostitucionalidade so r1ode-lares: o difuso e o concentrado.

Ambos partem do suposto de que a pres1Dlo de constitucional: dadedas leis juris tantum~ isto , at que seja ju~gada em contrrio pelo Judi-cirio, tarefa que lhe eoube no exerccio poltico do princpio democrticoda separao dos podl=res e do princpio da supremacia da Constituio,do moderno estado de direito.

Continua, entrementes, em muitos pases a vedao do controle decomtituciona1idade poi outro poder, fora do ~gislativo, porque seria umainterferncia indbita de um segmento do Estado nas leis aprovadas pelopovo, atravs de seus representantes.

o sistema difuso decorre da histrica experincia constitucionalnorte-americana. Admite que a inconstitucionalidade de lei seja pronun-ciada por qualquer juiz ou tribunal, nos casos eoncretos a eles submelidos.embora a deciso final. em grau de recurso, esteja concentrada no tribunal

(2) Cit., p. 208: "lt a e,WIeCIOnC1a de uma lei, por vla dIreta ou por lntenn6dl0de fato ld/lneo; oonseqebcla que, tendo Pll&!lado a Integl"8r o patrlmOnlo materl&lou moral do sUjeito. n~ lIe fez: valer antes da v1gnela da lei nova sobre o Ir.esmoob1eto".

(3) TeorJ. della retrocttnltt delle ltrlgi, Torlno, 18U, v. l~, p. 191.

(4.) Tmclml.~e e metodi deUa cMlistica italiana, Napoll, 1979, p. 104.

(6) Cf. CHARLES HUQHES. La Suprema Corte de los EsMOO.! Unido., MXico,1.946.

40 . It. IlIf. le,isl. B...mo o, 27 11. 106 elltJjua. 1990

de jurisdio mais elevada e completa existente no pas (Suprema Corte,nos Estados Unidos). A declarao incidental, afastando a aplicao dalei. No h declarao de inconstitucionalidade de lei, em tese.

O surgimento do sistema difuso do "judicial review" (e do prprioprincpio de controle de constitucionalidade) deve-se conhecida decisoda Suprema Corte norte-americana no caso Marbury versus Madison, de1803, redigida por seu Presidente John Marshall, que fixou o poder e odever dos juzes em negar aplicao s leis contrrias Constituio. Noh meio termo, diz a deciso, entre duas alternativas: ou a Constituio uma lei fundamental, superior e no mutvel pelos meios ordinrios, ouela colocada no mesmo nvel dos atos legislativos ordinrios e, como estes,pode ser alterada ao gosto do Poder Legislativo. Se correta a primeiraalternativa, ento preciso concluir que um ato legislativo contrrio Constituio no lei (6).

O sistema concentrado tem como fonte a Constituio da ustria de1920, redigida com base em um projeto elaborado pelo jurista Hans Kelsen,com a emenda de 1929, e ainda em vigor. Por esse sistema, o poder decontrole se concentra em um nico rgo judicirio, que pode ser umtribunal especial ou o tribunal de jurisdio mais ampla. De uma maneirageral, os pases europeus adotaram o sistema concentrado, exatamente porno acolherem o princpio do stare decisis, pelo qual uma deciso da maisalta corte em qualquer jurisdio vincula as cortes inferiores da mesmajurisdio. Pode ser, hoje, denominado sistema europeu, em confronto aosistema norte-americano (difuso).

Em suas estruturas clssicas, o sistema difuso caracteriza-se pelo tipode controle que se exerce em via incidental e o sistema concentrado pelotipo de controle que se exerce atravs de ao direta ou de requerimentooriundo mas desvinculado do caso concreto (com suspenso deste at deciso daquele).

Alguns pases ficaram a meio termo entre os dois sistemas ou se vale-ram das caractersticas de ambos.

A Constituio brasileira de 1988 optou por um sistema misto: difuso, na medida em que admite que todos os juzes deixem de aplicara lei que julguem inconstitucional; concentrado, na medida em que oSupremo Tribunal Federal converteuse em corte constitucional, compe-tindo-lhe "precipuamente, a guarda da Constituio" (art. 102) e julgaroriginariamente a ao direta de inconstitucionalidade (em tese) de lei ouato normativo federal ou estadual e julgar, em grau de recurso, os casosconcretos decididos em ltima instncia, cuja deciso declare a inconstitu-cionalidade de lei.

(6) Cito por RUI BARBOSA, Os atos inconstitucionais do Congresso e elo Executi-vo ante li Justia Federal, Rio, 1893, pp. 435.

R. IlIf. Iegill. Bra.ilia a. 27 n. 106 abr./jun. 1990 41

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~ ampla, no BrlSil, a possibilidade de julgamento de inconstituciona-lidade, gerando conseqncias que refletem nos falas constitufdos 8nt~rionnente.

1.2. A Constituio (arts. 102 e 103) referese a 'declarao de inconstitucionalidade", mas. certamente. no a confunde com o plano de ine:tistn-eia ou mesmo com o plano de invalidade.

O julgamento incidental de inconstitucionalidade no caso concretoatinge o plano de efilJ.cia, sto . negase eiic:cia jurdica ao ato nomLativo.nega-se aplicabilidade, o que no pode ser confundido com inexistn~a ounvalidade (nulidade ou anulabiHdade). O ato nonnativo continua a existirno ordenamento; no revogado. Os tribunais s revogam sentenns dOItribunais. Por esla razo que o Poder Legislativo (Senado Federal) On:co competente a suspender a execuo da lei (art. 52. X, da CF) comeficcia erga omnes.

l. 3. Considerando :que o uso da expresso "declarao de incoostltucio-nalidade" no dotado de referncia semntica precisa, sendo muito maisadequada inBpcabildade (ineficcia) da lei, resulta necessrio definiro alcance da ineficcia: ex tunc ou ex mmc?

Essa questo rela.ciona-se a ternas muito assentados em direito privado,mas de construo complexa em direito pblico: o da inexistncia, o dainvalidade c o da in~ficcia dos atos juridioos,

Se o llto legislativo nconstitudonal inexistente, ento no se h defalar em efeitos. Se. invlido. ento efeitos havero de existir. Sendoanulvel, elliste a potsibilidade de sobrevivncill de efeitos (inclusivl~ peloconvalescimento do ato), que na hiptese de nulidade menor.

KELSEN (1) diz que uma nonna pertoncente a uma ordem jurldicano pode ser nula mal apenas anulvel, com efeitos para o futuro, por formaque os efeitos ! produzidos que deixa para trs permanecem intocados.

Essa passagem de Keben. no muito clara, importa para a anhse dadeciso do Supremo Tribunal Federal {RE 79. 343-BA). que adiante c~mentaremos, visto a ela Je referir expressamente, no voto do ministro relator.

Ke[sen abre a pos9ibi