adolescencia (1)
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ADOLESCENCIA (1)TRANSCRIPT
Betty Carter & Monica McGoldrick
Transformação do sistema familiar
na adolescência
São necessárias adaptações na estrutura e organização familiar
para manejar as tarefas da adolescência.
A própria família se transforma de uma unidade que protege
e nutre os filhos pequenos para uma unidade que é um centro
de preparação para a entrada do adolescente no mundo das
responsabilidades e dos compromissos adultos.
Tal processo pode ser compreendido como uma
metamorfose familiar, envolvendo mudanças profundas
nos padrões de relacionamento entre as gerações. Se inicia
pela maturidade física do adolescente e pode coincidir com
mudanças nos pais que entram na meia-idade e nos avós que
entram na velhice.
Mudanças no contexto social mais
amplo
Antigamente, a família funcionava como uma ampla unidade
econômica, sendo capaz de oferecer treinamento prático para
os filhos na forma de trabalho.
Atualmente, as famílias dependem de sistemas externos para
ensinar seus filhos, estabelecer limites e encontrar empregos
para eles. A função da família foi transformada de uma função
de unidade econômica para uma função de sistema e apoio
emocional, ou seja, a família passa a precisar oferecer as
capacidades psicológicas necessárias para que o adolescente se
diferencie e sobreviva no mundo.
A família experiencia uma transformação global para poder
dominar as tarefas da adolescência.
A maioria das famílias é capaz de modificar suas normas e
limites, reorganizando-se e permitindo maior autonomia e
independência aos adolescentes – o que geralmente ocorre
depois de um certo grau de confusão e perturbação.
Há famílias que passam por dificuldades associadas a esta
transição, podendo resultar em disfunção familiar e no
desenvolvimento de sintomas no adolescente ou em outro
membro da família.
A visão de transformação de três
gerações
A adolescência exige mudanças estruturais e renegociação de papéis nas famílias, envolvendo pelo menos três gerações.
Exemplos: redefinição de relacionamento entre pais e avós; os casais fazem uma renegociação no casamento nas suas relações e funções entre os conjuges; irmãos questionando sua posição na família.
As demandas adolescentes servem como catalisadores para reativar questões emocionais e acionam os triângulos:
- a luta para satisfazer tais demandas pode aflorar conflitos mal resolvidos entre os pais e avós ou entre os pais.
- os triângulos podem envolver: o adolescente, o pai e a mãe; o adolescente, um dos pais e um dos avós; o adolescente, um dos pais e os amigos do adolescente.
Os esforços dos pais para diminuir a tensão gerada a partir de
conflitos com o filho adolescente, frequentemente, faz com
que eles repitam padrões de relacionamento de suas famílias
de origem em sua própria adolescência.
Os pais se esforçam para não cometer os mesmos “erros”
cometidos pelos seus próprios pais e, com a entrada dos
filhos na adolescência, acabam se surpreendendo com
semelhanças de personalidade entre seus filhos e seus pais.
Alguns eventos de estresse e tensão são provocados na família quando um filho entra na adolescência, o que exige uma renegociação dos relacionamentos:
Pais se aproximando da meia-idade: reavaliação do casamento e das carreiras;
Avós enfrentando a aposentadoria e possíveis mudanças, doença e morte.
Dessa forma, cria-se um campo de demandas conflitantes, em que o estresse pode ser transmitido para cima e para baixo entre as gerações.
Tarefas da adolescência
A origem da transformação familiar são as tarefas desenvolvimentais do
adolescente:
rápido crescimento físico e maturação sexual;
busca da solidificação da identidade;
busca por estabelecimento de autonomia em relação à família.
Expectativas sociais em relação aos papéis sexuais e normas de
comportamento são impostas ao adolescente pelas família, escola, mídia,
etc.
A capacidade de diferenciar-se dos outros dependerá do quanto o
adolescente consegue manejar os comportamentos sociais esperados e
expressar suas intensas emoções, precipitadas pela puberdade.
Sexualidade: transformação do eu
físico
A puberdade transforma o eu físico e também marca o início da
transição psicológica da infância para a idade adulta.
Há variações na idade em que se inicia, geralmente começando
mais cedo para as meninas do que para os meninos. Há uma
tendência para uma maturação mais precoce para ambos,
chamada “tendência secular”. Um exemplo é a menarca que
ocorre mais cedo – idade média atual de 13 anos, enquanto
antigamente era de 16 anos.
As mudanças físicas e sexuais têm um efeito dramático sobre a
maneira pela qual os adolescentes se descrevem e avaliam, o que
altera a forma com que são percebidos pelos outros.
Existem diferenças na forma com que os pais lidam com filhos e com
filhas adolescentes.
Os pais tentam proteger suas filhas dos perigos do mundo,
temendo a exploração sexual ou uma gravidez indesejada. Apesar
da filha ser madura em termos físicos, os pais temem que ela não
saiba ainda se proteger da realidade que a cerca.
Já as preocupações com os filhos meninos são de que os interesses
sexuais os distraiam dos estudos, prejudicando o futuro.
Normalmente, pais que estão à vontade com sua própria
sexualidade conseguem aceitar melhor a sexualidade aumentada
do adolescente e transmitir tal aceitação.
Quando o lar é um lugar em que a informação é abertamente
compartilhada, há maiores possibilidades de estabelecimento
de limites realistas, sensíveis e de tolerar transgressões
menores. Tal ambiente proporciona ao adolescente uma
estrutura de aceitação para expressarem e experimentarem os
novos aspectos da sua vida.
Quando a crescente sexualidade do adolescente é negada,
ignorada ou rejeitada pelos pais, as possibilidades do
desenvolvimento de um autoconceito sexual positivo ficam
diminuídas.
Com isso, a probabilidade de sentimentos aumentados de
alienação entre os adolescentes e seus pais se torna maior, e os
riscos de atividade sexual prematura, excessiva ou perigosa
também aumentam.
As experiências pessoais com a sexualidade influenciam a
maneira pela qual os pais estabelecem limites e expectativas,
afetando a extensão em que eles incluem o adolescente no
processo de estabelecer normas.
Pais e filhos do mesmo sexo tendem a se envolver em lutas
mais competitivas. Uma suposição é de que eles competem
em função de suas percepções conflitantes dos papéis de
gênero apropriados.
Identidade: transformação do eu
“A identidade se refere à opinião pessoal de alguém sobre quais
traços e características o (a) descrevem melhor. Esta auto-
estrutura sofre a sua maior transformação durante a
adolescência, quando parece tornar-se mais abstrata e
psicologicamente orientada.”
Na adolescência ocorre uma súbita e dramática aceleração da
formação da identidade , o que pode se tornar uma fonte de
excitação e energia, como também fonte de conflito para o
adolescente e sua família.
A propensão do adolescente a questionar e desafiar normas e
padrões tende a desencadear transformações em casa, na
escola e na comunidade.
A busca de obtenção de uma auto-imagem separada, clara e
positiva também pode trazer confusão e imobilização para os
adolescentes e suas famílias.
Novas experiências no mundo podem trazer sentimentos de
ansiedade, desapontamento, rejeição e fracasso.
Os papéis podem ser experimentados, apreciados brevemente e depois descartados ou adotados, numa tentativa de fixar um senso de eu. Isso pode ocorrer através de roupas e estilos de cabelo, por exemplo.
Tais papéis podem ser consistentes com os valores da família, mas frequentemente desafiam, ou então agridem os costumes familiares. Os adolescentes muitas vezes discordam dos pais em relação a ideias, crenças e valores.
Exemplos de falas de adolescentes: “meus pais são ultrapassados e não conseguem me entender”; “não quero ser como meus pais”.
Exemplos de falas dos pais: “eu era tão diferente nessa idade”; “eu não ousava questionar meus pais”.
Autonomia: transformações da tomada
de decisões
Os adolescentes precisam se aventurar fora de casa para que possam se tornar mais auto-confiantes e independentes. As alianças fora de casa aumentam e a influência entre os iguais se torna mais forte.
Eles precisam de aceitação para desenvolverem identidades separadas, mas também de permissão e encorajamento para se tornarem mais responsáveis por si mesmos.
Autonomia não significa desconectar-se emocionalmente dos pais, e sim que o adolescente já não é mais tão dependente dos pais em termos psicológicos, já tendo maior controle sobre as tomadas de decisão em sua vida.
As incertezas sobre como e quando agir é comum para pais de
filhos adolescentes. É difícil, muitas vezes, distinguir as escolhas
insensatas e frustrantes daquelas realmente destrutivas que trazem
riscos de vida.
Os adolescentes tendem a buscar mais autonomia nas famílias em
que são encorajados a participar das tomadas de decisão, mas em
que os pais decidem o que é mais adequado. Neste tipo de família, é
comum que os adolescentes busquem amigos que os pais aprovem e
tentem seguir o modelo dos pais.
Nas famílias em que as decisões e a auto-regulação são limitadas, os
adolescentes tendem a ficar mais dependentes e menos seguros.
Apego, separação e perda durante
a adolescência
Todas as transformações ameaçam apegos anteriores. A tarefa
da adolescência desencadeia sentimentos de perda e medos
de abandono na maioria das famílias.
A transição da infância para a adolescência assinala uma perda
para a família: a perda da criança. Os pais podem sentir um
vazio por não serem mais tão necessários aos cuidados com
seus filhos.
Conforme os adolescentes fortalecem suas alianças fora de
casa, sua menor participação dentro de casa pode ser
experienciada pela família como uma perda.
As dificuldades na tarefa de separação são maiores quando o
sistema de apoio paterno não está funcionando ou não está
disponível, não havendo adultos que possam proporcionar
assistência.
Nesses casos, os pais podem reagir tentando controlar os
adolescentes, o que pode levar a um comportamento
sintomático. As famílias operam forças centrípetas na
tentativa de que os membros não deixem o sistema.
Há pais que se tornam superprotetores, transmitindo a
mensagem de que a separação é perigosa. Eles exigem laços
fortes de lealdade, provocando o surgimento de uma imensa
culpa quando a separação é considerada. A família permanece
fechada e isolada dos outros.
Os membros dessas famílias buscam satisfazer as necessidades
uns dos outros, porém deixam de promover o crescimento.
Como resultado disso, os adolescentes ficam paralisados
quando sentem a urgência de crescer, mas ficam em casa para
satisfazer as necessidades dos pais.
Há famílias em que a única solução encontrada é a separação
prematura:
Os pais podem desistir de toda a responsabilidade, deixando
que autoridades externas assumam o controle.
Os adolescentes podem casar-se cedo, ir morar com amigos
ou namorados, ou fugir de casa, na tentativa de escapar dos
conflitos do lar.
Em casos extremos, os adolescentes são expulsos de suas
famílias. Os pais que são emocionalmente disfuncionais, como
os que abusam de substâncias, os adolescentes podem ser
forçados a ganhar uma autonomia prematura.
Toda mudança implica a aceitação da perda. O adolescente
precisa lidar com a perda do eu-infantil e da família como
fonte primária de amor e afeição. A perda de um primeiro
vínculo romântico pode causar depressão no adolescente.
A perda precoce na história de um dos pais pode tornar esse
estágio difícil. Existem conexões de ciclo de vida entre a
perda precoce ou o rompimento do ciclo de vida com o
desenvolvimento posterior de sintomas.
Fatores socioculturais
influenciando a família
Fatores que influenciam fortemente o ciclo de vida das
famílias: classe social, educação, raça, etnicidade, cultura,
sexo e local.
Exemplos: - a experiência de famílias pobres com adolescentes
é significativamente diferente das famílias de classe média e
alta;
- valores e atitudes étnicos que são transmitidos através das
gerações influenciam os padrões de relacionamento (famílias
portuguesas lidam com a adolescência de forma diferente das
famílias anglo-americanas e das italianas, por exemplo);
- famílias que vivem em áreas rurais sofrem pressão e
expectativas diferentes das famílias de áreas urbanas.
INTERVENÇÃO CLÍNICA DURANTE A
ADOLESCÊNCIA
A adolescência é o momento do ciclo de vida onde os
encaminhamentos para terapia de família cresce. Há famílias
que procuram ajuda voluntariamente, e há aquelas que
chegam aos consultórios encaminhadas pelas escolas, pelos
médicos ou por tribunais.
As famílias costumam chegar à terapia apresentando
problemas que refletem a incapacidade de lidar com as tarefas
da adolescência.
Tais famílias, incapazes de fazer as mudanças necessárias para
facilitar o crescimento, acabam se paralisando ou repetindo
padrões disfuncionais que levam a comportamentos
sintomáticos.
O objetivo primário da terapia é ajudar essas famílias a
encontrarem soluções que possam romper com os ciclos
disfuncionais.
Problemas comumente apresentados pelas famílias: doenças
psicossomáticas, distúrbios de alimentação, depressão,
comportamento suicida, delinquência, abuso de substâncias,
fugas e comportamento impulsivo.
Reestruturando as concepções de tempo da
família
Na terapia, a apresentação inicial feita pelas famílias com
adolescentes reflete a parada no tempo – experienciam o
presente como interminável e o futuro como perigoso.
O objetivo de reestruturar as concepções de tempo da família
é o de liberar o sistema da situação em que o tempo parou,
identificando os pontos do ciclo de vida em que a família
parece paralisada.
Os sintomas que trazem as famílias à terapia representam,
muitas vezes, a tentativa da família de resolver conflitos
criados pela incapacidade de negociar mudanças de
relacionamento que deveriam ocorrer durante a fase da
adolescência. Os sintomas interrompem a evolução do
sistema familiar.
Os adolescentes normalmente param de crescer
emocionalmente e, às vezes até fisicamente, e os pais
parecem incapazes de ajudá-los a crescer.
Na maioria dos casos, a dificuldade ocorre por conflitos não-
resolvidos que criaram distância emocional entre os pais e os
avós ou entre outros membros da família, através das
gerações.
Os padrões presentes somente fazem sentido em relação aos
padrões evolutivos totais do sistema.
Trabalhando com subsistemas
Trabalhar com subsistemas é uma intervenção poderosa para
reestruturar e redefinir os relacionamentos.
Após encontros iniciais com toda a família, encontrar com os
pais e os adolescentes separadamente pode facilitar o processo
em diversos aspectos:
dar apoio às duas gerações;
clarificar as fronteiras;
aumenta as informações;
abre o sistema para novas possibilidades.
Encontros com os pais:
A maioria dos pais recebe bem a oportunidade de falar
privadamente com o terapeuta.
Objetivo terapêutico:
criar uma atmosfera de maior segurança e liberdade para os
pais poderem ser mais objetivos quanto aos seus papéis de
pais;
abrir espaço para explorarem outras áreas de suas vidas,
como trabalho, casamento, problemas com as famílias de
origem, etc.
Encontros com os adolescentes:
Quando não estão na presença dos pais, os adolescentes
sentem-se mais livres para expressar suas opiniões.
Objetivo terapêutico: avaliar como é o funcionamento do
adolescente fora do sistema familiar.
Temas a serem abordados: valores e crenças sobre a vida, amor,
sexo, responsabilidade, educação, drogas, amigos, família,
futuro. Entender semelhanças e diferenças dessas ideias em
relação às opiniões dos pais é uma ótima ferramenta para
identificar áreas de conflito que possam estar bloqueando o
processo de diferenciação.
Encontros com os irmãos:
As mudanças feitas pela família para acomodar os
adolescentes afetam a posição dos irmãos no sistema.
Regras e limites que refletem maior autonomia e
responsabilidade ao adolescente podem despertar
ressentimento nos irmãos mais novos e mais velhos.
Na procura de terapia para o adolescente, os irmãos mais
novos podem estar ansiosos em relação à sua própria
adolescência. E os pais podem estar com medo de passar
pelos mesmos problemas com os mais novos.
Objetivo terapêutico: diminuir os medos e criar apoio nesse
subsistema.
Rituais
De modo geral, a sociedade carece de rituais para assinalar o
movimento em direção à idade adulta.
Essa falta é, muitas vezes, substituída pelo desenvolvimento
de ciclos sintomáticos.
Prescrever rituais terapêuticos às famílias pode diminuir a
ansiedade em relação à mudança, proporcionando
estabilidade e possibilidade de fazer a transição da
adolescência para a fase adulta.
Exemplos: comemoração de aniversário de 15 anos, formatura,
obtenção da carteira de motorista.
Conclusões
Avaliar a maneira pela qual as famílias estão lidando com
as tarefas da adolescência é crucial para a compreensão
dos problemas que as levam para a terapia.
É importante considerar os fatores externos às famílias e
a estrutura social que possuem.
As intervenções que abordam o ciclo de vida, com um
alcance das três gerações tendem a desencadear
transformações no sistema.
Ao proporcionar novas conexões para as famílias, o
terapeuta pode ajudá-las a negociar mudanças de
relacionamento, o que ajuda a encararem o futuro como
menos perigoso.