adoção dirigida - revista45_184

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    Revista da EMERJ, v. 12, n 45, 2009184

    Adoo Dirigida

    (Vantagens e Desvantagens)

    Rodrigo Faria de SouzaJuiz de Direito da 2 Vara de Famlia, In-fncia, Juventude e Idoso da Comarca deNilpolis - RJ.

    A genitora que no quer ou no pode cuidar do seu filhorecm-nascido e pretende do-lo tem o direito de escolher o seufuturo? Tem o direito de do-lo a quem desejar ou deve se subme-ter deciso do Poder Judicirio?

    A questo, pouco debatida na doutrina, possui extrema im-portncia, pois de acordo com o posicionamento a ser adotado sedecide qual ser a famlia substituta responsvel pelo futuro deuma criana.

    A adoo dirigida ou direcionada ou intuitu personae aqueladecorrente de ato no qual a(os) genitora(es), por no desejar(em) ouno possui(rem) condies financeiras e/ou emocionais de cuidar doseu filho, opta(m) por do-lo a um terceiro (sem observar o cadastrode adotantes previsto no art. 50 do ECA), que passa a exercer a guar-da de fato da criana e, posteriormente, requer a sua adoo.

    Em regra, esta adoo ocorre quando uma mulher que irdar luz revela a pessoas conhecidas que no tem condies de

    criar e educar o filho, e que pretende d-lo a quem tiver maiscondies. Por interpostas pessoas ou diretamente, um casal ma-nifesta o desejo de adotar, e no raro passa a dar assistncia paraque aquele parto seja bem sucedido. Nascida a criana, a me aentrega ao casal adotante que, aps exercer a guarda de fato pordeterminado perodo, ajuza ao de adoo com o consentimentoexpresso da genitora, pleiteando antecipao de tutela para ob-teno da guarda provisria.

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    No se trata, portanto, das hipteses em que a genitoraabandona o recm-nascido em local ermo e sem a proteo dequalquer pessoa, conduta esta que configura a prtica do delitoprevisto no art. 133 do Cdigo Penal. Neste caso no h de se falar

    em adoo dirigida, mas sim em abandono, conduta que possibilitaa destituio do poder familiar (art. 1.638, II do Cdigo Civil) e aconseqente colocao do menor em famlia substituta.

    Na adoo dirigida no h conduta criminosa, uma vez que aintegridade fsica e a vida da criana no so expostas ao perigo.No h, tecnicamente, abandono, mas sim a entrega do menor aum terceiro que os pais acreditam ser capaz de cuidar mais ade-quadamente do menor e lhe oferecer condies superiores a eles.

    Diversas so as razes que fazem os genitores tomarem talatitude. Muitas vezes, em casos extremos de pobreza, os paisvem em outrem a oportunidade de oferecer a seu filho uma vidamais digna. Outras vezes, por no possurem o equilbrio psquico-emocional adequado, permitem que um terceiro assuma a guardade fato da criana. A gravidez indesejada tambm caracteriza umadas causas da adoo supramencionada.

    Preambularmente, faz-se mister reconhecer que tal conduta

    no ilegal, uma vez que no h qualquer norma, seja constitu-cional ou infraconstitucional, que vede expressamente tal com-portamento.

    No entanto, embora no seja ilegal, h de se avaliarse a adoo dirigida observa o princpio do melhor interesseda criana, consagrado em nossa Constituio no art. 227 ecorroborado pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei8.069/90).

    Deve o Poder Judicirio legitimar tal comportamento, res-peitando-se a vontade dos pais biolgicos, ou cabe ao Estado, nes-tes casos, decidir sobre o futuro da criana, desprezando-se a ma-nifestao de vontade dos genitores? Para solucionar tal questo, necessrio analisar as vantagens e desvantagens de se admitir aadoo dirigida.

    Observar a vontade dos pais muitas vezes pode ser benficoao menor, eis que no raro os genitores concordam em entregar

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    a prole desde que seja to-somente para pessoas conhecidas, nasquais eles confiam, e crem que oferecero mesma um futu-ro melhor. Se forem desconhecidas (observando-se o cadastro deadotantes), os genitores muitas vezes no a entregariam, o que

    acarretaria prejuzos ao seu futuro, eis que poderia passar a vivercom uma famlia que a rejeita e/ou que no possui condies fi-nanceiras ou emocionais para cuidar da criana.

    Alm disso, considerar a vontade dos pais diminui a possibi-lidade de conflitos futuros, exatamente em razo da relao deconfiana e, muitas vezes, de amizade, existente entre os pais eaqueles que assumem a guarda de fato do menor.

    Algumas decises judiciais consagram a adoo dirigida, con-

    siderando que a vontade dos pais deve ser respeitada:A ordem cronolgica do art. 50 do ECA, comporta flexibili-dade, quando dois casais, em igualdade de condies, dispu-tam a adoo de menor, especialmente em caso de chamadaadoo dirigida, em que a me escolhe os adotantes, des-de j, entregando-lhes o filho, confiada na melhor guardae no futuro da criana, que pretende proteger, para que

    tenha um futuro garantido, e no venha a sofrer como ela asvicissitudes da vida, madrasta para me e para seus outrosfilhos. Agora, quer proteger a sua cria e nada impede queassim o faa. (TJRS AI 598023919 RS 8 C.Cv. Rel. Des.Roque Miguel Fank J. 26.03.1998)

    Apelao Cvel. Adoo. Tendo a genitora da menor entre-gue sua filha em adoo a um casal determinado (Adoo

    Intuitu Personae), no se pode desconsiderar tal vonta-de, em razo da existncia de listagem de casais cadas-trados para adotar. A lista serve para organizar a ordemde preferncia na adoo de crianas e adolescentes, nopodendo ser mais importante que o ato da adoo em si.Desproveram. Unnime. (Segredo de Justica) (ApelaoCvel n 70006597223, Stima Cmara Cvel, Tribunal deJustia do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado

    em 13/08/2003).

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    Por outro lado, a adoo dirigida frustra as expectativas doscasais previamente habilitados, que se submeteram a diversos estu-dos que atestaram suas aptides a adotar, bem como desestimula ahabilitao de eventuais interessados, uma vez que concede recm-

    nascidos (aqueles que so mais desejados pelos adotantes) a pesso-as que no manifestaram previamente o seu desejo perante o PoderJudicirio; burla-se o intuito do legislador ao consagrar o dispostono art. 50 do Estatuto da Criana e do Adolescente, que dispe so-bre o cadastro de crianas e adolescentes disponveis para adoo,bem como sobre o cadastro de adotantes, pessoas estas que soinseridas em tal cadastro aps prvio processo judicial (processo dehabilitao adoo), em que so submetidas a estudos sociais,

    psicolgicos e visitas domiciliares, depois de manifestaes favor-veis da equipe tcnica do Juzo e do rgo do Ministrio Pblico.Como se no bastasse, a adoo dirigida possibilita o risco de

    se entregarem menores a pessoas despreparadas, no se podendoolvidar que a deciso de adotar uma criana no pode ser toma-da de inopino, devendo ser muito bem analisada e discutida pelocasal, at porque um futuro arrependimento pode acarretar gra-vssimas conseqncias para o menor. A prvia orientao atravs

    de entrevistas com assistentes tcnicos e psiclogos serve exata-mente para que algumas dvidas sejam esclarecidas e para que oadotante chegue a uma concluso firme, segura e definitiva.

    Certo que no h no caputdo art. 50, nem nos seus par-grafos, qualquer norma que obrigue o julgador a observar a ordemdo cadastro de adotantes, mas tal omisso no permite que o ma-gistrado no a observe, uma vez que no seria equnime concedera adoo a um casal que se habilitou posteriormente ou, pior ain-

    da, a um casal que sequer se habilitou. A vedao inobservnciada ordem do cadastro encontra-se indubitavelmente implcita.Alm disso, observar a vontade dos pais muitas vezes pode

    permitir ainda a comercializao dos menores, conduta criminosaprevista no art. 238 da Lei 8.069/90, e que, por suas caractersti-cas, extremamente difcil de ser descoberta pelo Judicirio.

    Logo, podem os pais, sob o pretexto de buscar o melhor parao futuro do seu filho, praticar conduta ilcita, obtendo vantagem

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    indevida e, posteriormente, pela dificuldade acima exposta, talconduta ser corroborada pelo Poder Judicirio, ao conceder ado-o quele que agiu de m-f, em flagrante ofensa a princpiosbsicos do Direito.

    Segundo j se manifestou o Egrgio Tribunal de Justia do RioGrande do Sul, a entrega do filho a terceiro deve ser interpreta-da como renncia tcita ao poder familiar e, conseqentemente,no mais se deve observar a vontade dos genitores, pois no maislhes caberia o direito de cuidar da sua prole, passando ao Estado,atravs do Poder Judicirio, o poder-dever de, observando o ca-dastro de adotantes, escolher a famlia substituta mais adequadaao desenvolvimento psquico do menor, em ateno ao princpio

    constitucional do melhor interesse da criana.Oportuno trazer baila a Ementa supramencionada:

    ADOO. DESTITUIO DO PTRIO PODER. ME QUE EN-TREGOU A FILHA PARA TERCEIROS, COM A FINALIDADE DEPARTIR PARA OUTRO ESTADO AO LADO DO COMPANHEIRO QUENO QUERIA A MENINA, DEMITIU-SE VOLUNTARIAMENTE DOPTRIO PODER, RELEGANDO A OUTREM O SEU DEVER DE ME

    QUANTO AOS CUIDADOS QUE A SI COMPETIAM. TAL CONDU-TA CONFIGURA INDIRETA RENNCIA AO PTRIO PODER, QUE CONDUTA ILCITA, ATINGIDA NA RBITA CIVIL PELAS SAN-ES DE SUSPENSO E DESTITUIO DO PTRIO PODER. APOTESTADE DOS PAIS NO INSTITUIDA NO INTERESSE DES-TES, MAS NO INTERESSE DO FILHO, QUE DEVE SER PRESERVA-DO. RECURSO DESPROVIDO. (11 FLS). (APELAO CVEL N70000337345, STIMA CMARA CVEL, TRIBUNAL DE JUSTIA

    DO RS, RELATOR: DES. SRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOSCHAVES, JULGADO EM 22/03/00).

    Em que pese no haver posicionamento jurisprudencial uns-sono acerca da matria, conforme j demonstrado, pode-se cons-tatar que, ao menos no Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul,prevalece o entendimento de que a adoo dirigida no deve ser,em regra, acolhida, devendo, a priori, prevalecer a ordem do

    cadastro de adotantes.

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    Tal entendimento j foi inclusive consagrado no 1 Encontrodos Juzes da Infncia e da Juventude do Tribunal do Rio Grandedo Sul, oportunidade na qual os magistrados, de forma unnime,asseveraram: Enunciado 10 - Em que pese no ser a prioriilegal,

    a adoo dirigida no recomendvel, devendo-se adotar cautelasquanto legitimidade do consentimento materno, bem como pro-mover, como regra, a observncia do Cadastro de Pretendentes adoo, inclusive advertindo e responsabilizando entidades e pes-soas que promovam o agenciamento de crianas para adoo.

    As excees ocorreriam nas hipteses em que a situaodo menor j esteja consolidada, havendo vnculo afetivo entre acriana e aqueles que exercem a sua guarda de fato.

    GUARDA. FORMA DE COLOCAO EM FAMLIA SUBSTITUTAPRECEDENTE ADOO. PESSOA NO INTEGRANTE DA LIS-TA DE HABILITADOS ADOO. POSSIBILIDADE JURDICA DOPEDIDO APENAS EM CASOS EXCEPCIONAIS. Esta Cmara temadmitido, em situaes de absoluta excepcionalidade, achamada adoo intuitu personae, como se v nos prece-dentes colacionados no parecer ministerial nesta instncia.

    Entretanto, isso ocorre somente em situaes onde se temuma guarda de fato com vnculo j consolidado, o que nose d no presente caso, como resulta evidente nos autos.NEGARAM PROVIMENTO, POR MAIORIA. (Apelao Cvel n70010315554, Stima Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS,Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/12/2004).

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA PROVISRIA. OBSER-

    VNCIA DA ORDEM DOS HABILITADOS PARA ADOO. Mesmoque os agravantes tenham todos os pressupostos exigidospara dar o ambiente familiar perfeito criana abandona-da, no pode ser desrespeitada a lista de habilitao exis-tente no juizado. Existe a casa de passagem justamentepara, com a maior celeridade possvel, colocar a criana emum seio familiar adequado sua proteo integral. bemde ver que o julgador j determinou a colocao da criana

    em famlia substituta, obedecendo-se lista de habilitados.

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    Verifica-se que no caso no se desenvolveu nenhuma relaode afetividade entre o casal agravante e a criana. NEGA-DO SEGUIMENTO.(Agravo de Instrumento n 70008477275,Oitava Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Rui

    Portanova, Julgado em 05/04/2004).A Oitava Cmara Cvel do Tribunal de Justia do Rio Grande

    do Sul, ao apreciar deciso monocrtica que determinava a en-trega do menor ao Juzo para proceder concesso da guarda eposterior adoo em observncia ao cadastro de adotantes, deci-diu que no deveria ser respeitada a vontade materna, ainda quea genitora tenha posto seu filho sob a guarda de casal habilitado

    adoo. No entanto, o referido Acrdo ressaltou que no havia,no caso, vnculo afetivo entre a criana e os pretendentes ado-o, em razo do pequeno espao de tempo de convvio entre eles(menos de quatro meses):

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADOO. DEVOLUO DACRIANA ME. INOBSERVNCIA DA LISTA DE ADOTANTES.Ainda que os agravantes estejam habilitados e o beb lhes

    tenha sido entregue pela prpria me (que concorda coma adoo), descabe a inobservncia da ordem da lista deadotantes, a qual s se justifica em situaes excepcio-nalssimas no caracterizadas no caso, em que o vnculoafetivo consolidado no se evidencia. Precedentes. Agra-vo de instrumento desprovido. Processo 70011921574.UNNIME.Alegam os insurgentes que esto devidamente habilitados

    para adoo, conforme cpia do processo acostado aos au-tos. Informam que a criana nasceu em 24/04/2005, sendoque no mesmo dia a me biolgica, por vontade prpria,lhes entregou a menina. Sustentam que a manifestaode vontade da me biolgica foi livre e com autenticidadecertificada em Tabelionato. Noticiam que consta na de-clarao que a me renuncia ao poder familiar em favorde ambos os recorrentes, e, que ela est disposio do

    juzo para ratificar os termos do instrumento.

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    Assinalam que o pai da criana desconhecido, em face deomisso do nome na certido de nascimento da infante, bemcomo que no existe investigao oficiosa de paternidade,visto que a me no conhece o pai da menina, tampouco in-

    formou a sua identidade. Salientam que o foro competentepara processar e julgar a demanda o do domiclio dos res-ponsveis pela criana, conforme o disposto no art. 147, inc.I do ECA, qual seja a Comarca de Nova Petrpolis. Colacionajurisprudncia. Mencionam o art. 28 do ECA, assim como oart. 1.621 do CC.Referem que no se pode, em nome da ordem estabelecidapela listagem de adoo, desconsiderar a vontade da me

    biolgica. Asseveram que a deciso hostilizada merece re-forma, tendo em vista que afronta os princpios protetivosdas crianas e adolescente, vez que no atende os interes-ses da menor, tendo sido determinada a devoluo da in-fante me que manifestou expressamente que no desejacri-la. Ressalvam que possuem qualificao e possibilidadede proporcionar pleno desenvolvimento criana, estandoafastada a vedao prevista no art. 29 do ECA. Requerem o

    provimento do recurso, com a manuteno da competnciapara julgar o feito a Comarca de Nova Petrpolis, bem comoseja mantida a guarda da menor em favor dos agravantes,at o julgamento definitivo da causa (fls. 02/11)...... Quanto ao mrito propriamente dito, ainda que o regis-tro de pessoas interessadas na adoo, ou seja, a lista deadoo prevista no art. 50 do ECA, no seja absoluta con-forme j tive oportunidade de referir noutros julgamentos

    nesta Cmara -, a sua inobservncia s pode se dar em situ-aes excepcionalssimas.Na verdade, o Judicirio no pode acobertar o crescimentodas adoes irregulares, em que os casais, alheios ao proce-dimento prprio desde o seu incio, valem-se do fato con-sumado (conforme bem refere o Magistrado singular) e doestreitamento dos vnculos para posteriormente postularema adoo de uma criana cuja guarda ftica foi obtida de

    forma irregular.

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    No caso em julgamento, embora os agravantes estivessempreviamente habilitados para uma adoo noutra comarca e tenha havido o consentimento expresso da genitora coma adoo da sua filha recm-nascida pelo casal recorrente

    (fl. 17), ainda assim no h qualquer situao excepcionala autorizar a inobservncia da lista das pessoas igualmentehabilitadas, que se submeteram a todo procedimento de ha-bilitao anteriormente e aguardam h mais tempo o sonhode terem um filho, j que os ora adotantes figuram em 10lugar na referida lista, segundo noticiado na deciso hosti-lizada (fl. 49).No se pode olvidar, jamais, que todo o procedimento e re-

    gramentos previstos para o processo de adoo, desde a ha-bilitao das pessoas interessadas at o registro de crianase adolescentes em condies de serem adotados, tm umarazo de existir e no podem ser letras mortas.Tais regras visam nica e exclusivamente a preservar o me-lhor interesse da criana e do adolescente garantindo, porcritrios democrticos, que sejam adotados por pessoas quepreviamente demonstraram preencher os requisitos para tal

    fim, e que, em nome do respeito lei, aguardam ansiosa-mente a sua vez de receber em adoo.Ainda que os agravantes estejam habilitados e o beb emquesto lhes tenha sido entregue pela prpria genitora, no caso de ser deferida a guarda provisria em seu favor com o que se estaria consolidando uma futura adoo dirigi-da -, porque no se estabeleceu em to pouco tempo, entreeles e o beb adotando nascido em 24 de abril de 2005,

    vnculo afetivo j consolidado a caracterizar uma situaoexcepcional na qual, o melhor interesse do menor devessese sobrepor observncia da ordem do registro de pessoasinteressadas na adoo.

    O posicionamento jurisprudencial acima exposto tambm compartilhado pela ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias,que, ao apreciar caso em que os pretendentes adoo ficaram

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    to-somente sete dias com a criana, assim se manifestou: Paragarantia da legalidade e imparcialidade do procedimento de ado-o e dos interesses do adotado, de rigor a fiel observncia dasistemtica imposta pelo art. 50 do Estatuto da Criana e do Ado-

    lescente, somente se deferindo a adoo a pessoas previamentecadastradas e devidamente habilitadas. No configurao de ado-o intuitu personae. Inexistindo motivo relevante que justifi-que, excepcionalmente, a relativizao do preceito em prol dosmelhores interesses da criana, inviabiliza-se o pedido de ado-o. Apelo desprovido.(Apelao Cvel n 70014885701, StimaCmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Maria BereniceDias, Julgado em 17/05/2006).

    De fato, nos primeiros dias de vida no se pode considerarque o recm-nascido adquira tamanho vnculo afetivo com aque-les que exercem a sua guarda a ponto de se utilizar o princpiodo melhor interesse da criana para o fim de se consolidar aquelasituao de fato, razo pela qual a jurisprudncia nestes casosdetermina a observncia da ordem do cadastro de adotantes.

    No entanto, medida em que o tempo passa, fica mais t-nue a linha divisria que distingue a existncia ou inexistncia

    de vnculo afetivo relevante. Creio no ser possvel delimitar ob-jetivamente quantos dias ou meses correspondem ao mximo detempo possvel para que se possa retirar uma criana daqueles quedela cuidaram desde o seu nascimento, sem que tal afastamentoacarrete prejuzos ao seu bem estar psquico. Certamente, a ques-to depende de anlise casustica.

    Deve ento o Poder Judicirio analisar caso a caso e, na hi-ptese de guarda de fato exercida h muito tempo e estudos psi-

    cossociais favorveis, regularizar a situao ftica existente, ad-mitindo a adoo dirigida, com fundamento no princpio do melhorinteresse da criana e do adolescente? A resposta positiva a estapergunta indubitavelmente estimula a desjudicializao, a inr-cia, a omisso planejada daqueles que exercero a guarda de fatosem que o menor esteja em situao regular, e com isso benefi-ciar-se-o da sua m-f. A resposta negativa acarretaria a violaoao princpio constitucional do melhor interesse da criana e do

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    adolescente, uma vez que inadmitir a adoo dirigida neste casoobrigaria abrupta apreenso do menor do seu lar e do convviocom aqueles que sempre o tiveram como filho, entregando a crian-a a um terceiro com o qual no possui qualquer relacionamento

    afetivo.A questo suscitada no , certamente, de fcil soluo, ecomo considervel parcela das decises referentes rea da In-fncia e da Juventude, no encontra subsdio na doutrina.

    Penso, no entanto, que ponderando-se os valores em confli-to, o princpio constitucional deve prevalecer, tendo em vista queo futuro de uma criana no pode ser prejudicado em razo daforma pela qual aqueles que exercem a sua guarda de fato a obti-

    veram. Incumbe aos Conselhos Tutelares fiscalizarem e impediremque menores permaneam em situao irregular, devendo, paratanto, obter o devido apoio tcnico-financeiro do Poder ExecutivoMunicipal. Se os estudos sociais e psicolgicos so favorveis; seos guardies de fato oferecem toda a estrutura necessria parao bom desenvolvimento psquico-social do infante; se h vnculoafetivo entre eles que acarrete sofrimento emocional ao menor nocaso de separao, justifica-se a consolidao da adoo dirigida,

    ignorando-se, nestes casos, excepcionalmente, o cadastro de ado-tantes previsto no Estatuto da Criana e do Adolescente.Em sentido diametralmente oposto, se a questo for levada

    ao Judicirio quando a criana estiver com poucos dias ou mesesde vida, e inexistentes os requisitos acima expostos, deve ser ob-servado o cadastro de adotantes, determinando-se a imediata bus-ca e apreenso do menor e encaminhamento queles previamentehabilitados, que aps a realizao do estgio de convivncia e do

    devido processo legal, podero, enfim, realizarem o sonho quetanto acalentaram.