adeus à mpb

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Adeus MPBCarlos Sandroni

O que ele quis dizer com subpovos?Quem pensa em msica popular brasileira tem em mente algumaconcepo de povo brasileiro, tanto quanto quem adere a ideais republicanos. (pagina 1, paragrafo 2)De fato, logo percebi que a expresso msica popular, em que,seguindo o exemplo dos compatriotas, me acostumei desde cedo a acomodar uma srie deautores, intrpretes e prticas musicais, no era to universal quanto ingenuamente se supunha. (pgina 1 - parag 4).

A musique populaire francesa no corresponde msica popular brasileira, mas antes ao que chamamos no Brasil de msica folclrica Por outro lado, a expresso francesa musiquefolklorique est carregada de conotaes pejorativas que, no caso brasileiro, se existem, no so to fortes. (pgina 1, ltimo pargrafo)Ora, no Brasil, msica popular expresso valorativamente neutra, ou mesmo tendencialmente positiva, na medida em que as prticas musicais s quais se aplica so em muitos casos consideradas como estando entre as principais manifestaes da cultura nacional.(pgina 2 - paragrafo 1)Sendo bastante claro que as msicas que fazemos e escutamos so artefatos culturais, talvez seja menos bvio que as categorizaes atravs das quais elas so vividas por assim dizer, nossos estilos de delimitar estilos musicais tambm so (pgina 2, parag 2)decupagem, de.cu.pa.gem sf (fr dcoupage) 1 Trabalho do diretor cinematogrfico, que consiste em escolher a imagem mais adequada a cada palavra, frase ou pargrafo do script. 2 Resultado final desse trabalho. 3 Na tev, coordenao das passagens do script com tomadas que lhe sejam adequadas.O melhor exemplo desse uso o livro de Oneyda Alvarenga, Msica popular brasileira,lanado em 1947, que dedica apenas vinte de suas 374 pginas msica urbana.(pagina 2)

Embora Mrio tambm empregasse a palavra folclore para se referir a seuassunto predileto, e tenha empregado, pelo menos uma vez, o qualificativo popular para falar de msica urbana3, o mais comum era que empregasse a expresso msica popularquando o assunto era rural, e popularesca, quando urbano.(pgina 2- ultimo paragrafo)A partir dos anos 1930, no entanto, as msicas urbanas veiculadas atravs do rdioe do disco vo se tornar um fato social cada vez mais relevante. Um dos aspectos maisinteressantes e menos estudados dessa nova realidade o surgimento de um novo tipo deproduo intelectual sobre a msica, feita por gente como Alexandre Gonalves Pinto eFrancisco Guimares (o Vagalume) autores dos primeiros livros dedicados ao choro eao samba , como Almirante (cantor, compositor, radialista, pesquisador e escritor) e AriBarroso (pianista, compositor, radialista e vereador). Eles so, por assim dizer, osprimeiros intelectuais orgnicos da msica popular urbana no Brasil. (PAGINA 3)Essas pessoas no chamariam o mundo musical com o qual estavam envolvidas depopularesco: elas iriam, ao contrrio, tomar para seu prprio uso o qualificativopopular Assim, elas passariam a encarnar, no plano musical, uma outra concepo dopopular, do que seria o povo brasileiro.

Embora Oneyda Alvarenga considere a msica popular como contaminada pelo comrcio e pelo cosmopolitismo e reserve msica folclrica o papel de mantenedora ltima do carternacional, ela atribui, apesar de tudo, msica do rdio e do disco um lastro deconformidade com as tendncias mais profundas do povo, que finalmente o que explicao abandono da denominao popularesca.

Assim, na dcada de 1950, criava-se no Rio de Janeiro uma revista especializada namsica do rdio e dos discos qual se deu o nome Revista da Msica Popular.

Em 1966, Jos Ramos Tinhoro publicava um livro polmico sobre a mesma rea com o ttulo de Msica popular um tema em debate. No ano seguinte, Jos Eduardo (Zuza) Homem deMello comeava a fazer uma srie de entrevistas com compositores e intrpretes que,publicadas em 1976, receberam exatamente o mesmo ttulo do livro de Alvarenga: Msica popular brasileira. Nos trinta anos que separam os dois livros, a expresso completara atransio para seu significado atual: em 1976, ela j estava nitidamente contraposta, nopanorama cultural brasileiro, msica folclrica. Do mesmo modo que todos entenderam o ttulo do livro de Oneyda em 1946, todos compreenderam o ttulo do livro de Zuza em 1976. E, no entanto, eles se referiam a coisas bem diferentes.

(pagina 3)De fato, no decorrer da dcada de 1960, as palavras msica popular brasileira,usadas sempre juntas como se fossem escritas com traos de unio, passaram a designarinequivocamente as msicas urbanas veiculadas pelo rdio e pelos discos. (pagina 3)

>>>>De fato, no decorrer da dcada de 1960, as palavras msica popular brasileira,usadas sempre juntas como se fossem escritas com traos de unio, passaram a designarinequivocamente as msicas urbanas veiculadas pelo rdio e pelos discos. E, no quadro do intenso debate ideolgico que caracterizou a cultura brasileira daquele perodo, elas logoserviriam tambm para delimitar um certo campo no interior daquelas msicas.

Estecampo, embora amplo o suficiente para conter o samba de um Nelson Cavaquinho (quepoderia ser considerado mais prximo do folclore) e a bossa nova de um Tom Jobim (quese procura aproximar da msica erudita), era suficientemente estreito para excluir recm chegados, como a msica eletrificada influenciada pelo rock anglo-saxo. A expresso msica popular brasileira cumpria, pois, se que se pode dizer assim, certa funo dedefesa nacional (e nisso tambm ela ocupava lugar que pertencera ao folclore nasdcadas anteriores7). Nos anos finais da dcada, ela se transforma mesmo numa sigla,quase uma senha de identificao poltico-cultural: MPB.A concepo de uma msica-popu1ar-brasileira, marcada ideologicamente e cristalizada na sigla MPB, liga-se, a meu ver, a um momento da histria da Repblicaem que a idia de povo brasileiro e de um povo, acreditava-se, cada vez mais urbano esteve no centro de muitos debates, nos quais o papel desempenhado pela msica nofoi dos menores. Pense-se, por exemplo, no CPC da UNE, nos artigos da Revista Civilizao Brasileira e, sobretudo, no show Opinio, em que Nara Leo, Z Kti e Joo do Vale representavam cnica e musicalmente a aliana estudantil-camponesa-operria. nesse momento que gostar de MPB, reconhecer-se na MPB passa a ser, ao mesmo tempo, acreditar em certa concepo de povo brasileiro, em certa concepo,portanto, dos ideais republicanos. (Do mesmo modo que nas dcadas anteriores, gostar defolclore e reconhecer-se no folclore mesmo custa da transfigurao deste como namsica de Villa-Lobos e na pregao de Mrio de Andrade era acreditar em outraverso do que era o povo.)Essa vinculao explica em grande parte a reao hostil que uma parcela do pblicode ento teve ao tropicalismo. Lembremo-nos da frase de Caetano Veloso, dirigida porentre vaias platia de um dos festivais de 1968: Se vocs forem em poltica como soem esttica, estamos feitos! Dvida retrica. A distino era mais artificial do que nunca.O tropicalismo parecia divergir de certa orientao esttico-poltica com a

qual, atravs da MPB, o pblico se identificava. (pgina 4)>Esse n esttico-poltico, que encontra na msica expresso privilegiada, atravessaos anos 1970, marcados pela censura e pelas lutas democrticas. A figura de Chico Buarque nesse contexto paradigmtica, e o que quero ressaltar que o vnculo em questo no vale apenas para suas canes polticas. Gostar de ouvir Chico Buarque, gostar de sua esttica implicava eleger certo universo de valores e referncias que traziamembutidas as concepes republicanas cristalizadas na MPB, mesmo nos casos em que a letra passava longe da poltica. Penso que o mesmo vale para os outros, incluindo pretensos despolitizados, como Tom Jobim ou Joo Gilberto (de quem Caetano afirmou, em texto escrito para o programa do show Totalmente demais, de 1986, que sua arte transformou toda a cultura e mesmo toda a vida dos brasileiros).>>>>>

>>>>Mas, a partir de ento, concomitantemente abertura poltica, a sigla passou a se adotada de modo mais amplo. Assim, ela foi usada em circunstncias to alheias luta democrtica quanto o nome de um festival de canes patrocinado por uma multinacional elevado ao ar pela Rede Globo (MPB-Shell). Seu sentido restritivo do incio se diluiu,permitindo que, quando nos anos 1980 o rock nacional ganhou novo alento, seus representantes fossem considerados, sem maiores problemas, como parte integrante damsica popular brasileira. Tambm foi nessa dcada que ouvi da cantora Joyce a expresso MPB-chato, para designar msicos demasiado apegados a paradigmas estticos nacionalistas.>>>>

>>>>> aqui que entra em cena o segundo acontecimento a que me referi no incio. queao voltar ao Brasil, perto do final dos anos 1990, defrontei-me com uma nova maneira deencarar a MPB, um novo significado atribudo sigla. Ela passou a ser compreendidatambm como etiqueta mercadolgica. Assim, nas lojas de discos, agora CDs, era possvelencontrar uma prateleira MPB, ao lado das prateleiras brega, pagode,

sertanejo ou ax.>>>>

>>>A maneira como as coisas se passaram leva a um irresistvel paralelo com o MDB.A sigla partidria e a musical tinham em comum o carter aglutinante. Com a reformapartidria, a antiga frente d lugar ao PMDB, que, de incio, ainda tentou ser aglutinante,mas logo se tornou uma opo entre outras, num mercado poltico pulverizado.

O mesmo se d com a MPB, que, a partir dos anos 1980, talvez se tenha tornado uma espcie de PMPB, ou ps-msica-popular-brasileira. No toa que a terceira edio da j referida Enciclopdia da msica brasileira, j no final do sculo, desmembrada em uma srie depequenos volumes, dedicados a samba e choro, msica sertaneja etc.>>>>

>>>>>Creio que a fora da noo de MPB nos anos 1960/70/80 estava ligada confluncia dos trs fatores j discutidos: ela servia ao mesmo tempo como categoria analtica (distinguindo-se da msica erudita e da folclrica), como

opo ideolgica e como perfil de consumo. Nesse perodo, quando pergunta de que tipo de msica voc gosta?, respondia-se de MPB, compreendia-se que a pessoa devia ter em sua discoteca, possivelmente, de Tom Jobim a Nelson Cavaquinho, passando por Roberto Carlos e Gilberto Gil. (Era, alis, o meu caso.) Conta-se, a propsito, que esse ltimo teriaafirmado: H vrias formas de fazer MPB: eu prefiro todas. No uma mera frase deefeito. Ela mostra que a sigla se pretendia unificadora e era mesmo capaz de unificar. Erarealmente possvel que pessoas como Gil e seu pblico, sem qualquer incoerncia ouartificialismo, de fato preferissem todas, criando, por assim dizer, um espectro de gosto, diverso, mas orgnico.>>>>>>>>>A partir dos anos 1990, pelo contrrio, a afirmao gosto de MPB passa a s fazer sentido se interpretada como adeso a um segmento do mercado musical. De fato,nem a velha sigla nem qualquer outro termo parecem capazes de unificar ou sintetizar asmltiplas identidades expressas nas msicas brasileiras veiculadas pelos meios decomunicao, a partir de ento. Por exemplo: quem possuiria em sua discoteca, a no ser por obrigao profissional, rap paulista, pagode carioca, ax baiano, mangue beat pernambucano e N Ozzetti? No estou dizendo que esse conjunto necessariamente mais heterogneo do ponto de vista musical do que o conjunto que citei anteriormente, que ia de Nelson Cavaquinho a Roberto Carlos. Talvez no seja, e, em todo caso, a percepo de heterogeneidade ou homogeneidade musical, se depende dos sons em si mesmos, depende ainda mais do ouvido de quem ouve. O que quero ressaltar que o primeiro conjunto podia ser sentido como expresso de um gosto musical coerente, e assim podia servir de suporte para uma identificao (como mostra a afirmao citada de Gilberto Gil). J o conjunto seguinte, ao que tudo indica, no tem funcionado da mesma maneira.>>>>>>>>>Mas aqui entra o terceiro dos acontecimentos a que me referi no incio. Alm dafragmentao das msicas populares, uma caracterstica importante, e ainda poucosublinhada, da cena musical brasileira a partir dos anos 1990, a relativizao dadicotomia entre aquelas e a msica folclrica. Isto se deve, em grande parte, a quepessoas envolvidas com manifestaes ditas folclricas passaram a tomar atitudes noprevistas no papel que a referida dicotomia lhes atribua.>>>>>>>>Diminuio/rompimento da fronteira entre musica folclrica e msica popular (pginas 6 e 7)(Que o fole prateado aparece, na cano, como expresso de poder, algo que