À espera de um adeus

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Samantha nunca imaginou que o inverno daquele ano em Guarapuava seria tão frio e desafiador. Uma tempestade havia se instalado no seio do lar dos Cadore, e eles só perceberam o perigo quando pareceu tarde demais. Douglas não sabia mais como sustentar um casamento com tantas áreas comprometidas. Apenas uma saída pareceu ser possível: o divórcio. Será que ainda haveria chances de a devotada Samantha reconstruir seu lar? Restava uma última opção: reconquistar seu esposo. Isso não seria nada fácil. As colunas somente poderiam ser reerguidas com a ajuda de um verdadeiro Mestre de Obras. Personagens importantes aparecem para ajudá-la, e outros surgem dispostos a separar de vez esses dois corações apaixonados. Fé, amizade, traição, superação e muito romantismo recheiam as páginas de À espera de um adeus, um lindo romance cheio de surpresas.

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Jorgeana Jorge

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo, 2014

À espera de um adeus

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Copyright © 2014 by Jorgeana Jorge

Coordenação Editorial Letícia Teófilo Diagramação Edivane Andrade de Matos/Efanet Design Capa Adriana Brazil Preparação Fernanda Guerriero Antunes Revisão Rinaldo Milesi

Texto adequado às normas do Novo Acordo Ortográficoda Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no- 54, de 1995)

Jorge, JorgeanaÀ espera de um adeus / Jorgeana Jorge – 1a- ed. – Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. – (Talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

14-06889 cdd-869.93

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2014IMPRESSO NO BRASIL

PRINTED IN BRAZILDIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO

À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA.CEA – Centro Empresarial Araguaia II

Alameda Araguaia, 2190 – 11o- andarBloco A – Conjunto 1111

CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

www.novoseculo.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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“Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade,

em vão vigia a sentinela.”

(Sl 127.1)

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“Porque dele, e por meio ele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”

(Rm 11.36)

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Agradecimentos

AO MEU AMADO pai Hildemberg, que, enquanto em vida, sempre acreditou em mim. Nunca esquecerei o seu olhar quan-do eu disse que um dia escreveria um livro. Eu me lembrei do brilho dele a cada capítulo concluído.

A você, Edilberto, meu esposo maravilhoso, que me faz sentir a mulher mais amada do mundo e que, mesmo depois de dezessete anos de casados, faz meu coração sair do compas-so como nos primeiros dias do nosso namoro. Amo você até a eternidade. Daniel Jorge e João Victor, herança preciosa do Senhor para nós. Mamãe ama demais vocês.

A toda a minha família querida nas pessoas de minha mãe Emília e meus irmãos lindos Juliana e Allan Jorge. E aos meus pimpolhinhos Kauã e Victória. Sintam-se todos abraçados: os Benevides, os Jorge, os Clementino, os Araújo, os Almeida e os Alves. A família é grande, mas cabem todos em meu coração.

Aos que participaram de perto e de longe com seus sábios conselhos, suas opiniões e muita torcida. Meus alunos, ex-alu-nos, amigos, colegas de caminhada, irmãos na fé, que juntos construíram comigo uma imensa teia de amizade e fé. O amor

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de vocês aqueceu meu coração nos dias que antecederam à con-cretização deste sonho maravilhoso.

Pastor Marcos Aurélio, o amor e o cuidado com suas ove-lhas são exemplos inspiradores. Obrigada por tudo, amigo. Ao seu Raimundo Araújo, ilustre conterrâneo e exímio escritor, o meu agradecimento público por acreditar em meu trabalho quando ele era ainda uma pequena semente. À minha amada Igreja Presbiteriana do Brasil, que segue incansável na propa-gação da sã doutrina. Aos meus queridos pastores e presbíteros que, no compartilhar da Palavra, capacitam-me a partilhar com outras vidas um pouco mais do Deus que sirvo.

Ao Rui Morel, pelas informações e fotos sobre a linda Gua-rapuava. À doutora Tallita Tavares, pelo desprendimento em meio a tanta correria. À autora supertalentosa Adriana Brazil, que me presenteou com um lindo prefácio. Sem palavras para lhe agradecer todo o carinho e toda a atenção. E às minhas pre-ciosas pupilas Brena Késia e Amada Lídia de Paula. O que dizer dessas jovens? Vocês foram maravilhosas! Essas duas leitoras conseguiram, em determinados momentos, ser mais entusiastas do que eu. Suas palavras de incentivo foram muito importantes. São mais duas pedras preciosas que juntei ao meu tesouro.

E a todos aqueles que, como eu, se permitirão crescer por meio da história de vida de Samantha e Douglas.

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QUANDO PEQUENA, meu costume era colecionar papéis de carta; geralmente, eles traziam desenhos mimosos e versinhos. Eu tinha centenas! Um deles carregava um poeminha que eu nunca mais esqueci. Ele dizia assim: “O amor é sempre belo, mas só é grande quando sofre, perdoa e tem saudade”.

O tempo passou e eu cresci. Ao me lembrar desses versos percebo que, para aquela época, eles exemplificaram o que era o amor para mim. Quando crescemos e nos tornamos mais ma-duros, porém, esse sentimento passa a ter um significado mais amplo e até mesmo mais profundo. Foi nessa profundidade que eu encontrei as características do amor, descritos de um jeitinho todo especial pela Jorgeana em seu primeiro romance, À espera de um adeus.

Diante de sua história, pude enxergar os erros que comu-mente levam casais ao distanciamento, ao esfriamento e ao fim do relacionamento. Hoje, olho para os versos que lia quando menina e percebo que o amor realmente é sempre belo, como também grande por si próprio, pois tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Se o amor é capaz de carregar tantos

Prefácio

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atributos, ele é grande. Vai além dos sentimentos, pois é uma decisão, uma escolha. Talvez, por esse motivo, carregue tantos adjetivos admiráveis.

À espera de um adeus traz a simplicidade do amor e a gran-deza de seu poder. Um alerta em forma de uma suave brisa, daquelas que sopram nos fins de tarde e nos provocam uma sensação boa. É como se fosse um lembrete do que pode acon-tecer quando ficamos inertes diante de atitudes simples que po-deriam mudar tudo ao redor.

Creio que muitas pessoas serão abençoadas por todo o en-sinamento compartilhado pela autora. Que todos tenhamos a oportunidade de pensar na própria vida, nas escolhas, e cultivar o que nos torna especial na vida dos outros.

O amor, sem dúvidas, é paciente, é benigno. O amor não arde em ciúmes. O verdadeiro amor, ele... jamais acaba.

Adriana BrazilAutora da série Foi assim que te amei

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“Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol;

porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigas debaixo do sol.” (Ec 9.9)

Verão de 1994, Guarapuava — PR

— Aonde você está me levando?— Deixe de ser curiosa, garota. Já, já saberá.— Eu preciso mesmo ficar com meus olhos vendados? —

Samantha quis saber, sentindo-se deliciada com todo aquele mistério.

Douglas contemplou-a de soslaio e sorriu de canto ao constatar que a namorada deveria estar fazendo inúmeras con-fabulações sobre o que estaria prestes a acontecer. Ela nunca adivinharia. Nem ele estava acreditando que tudo houvesse dado certo. Esse era um dia muito importante. Só esperava que as coisas caminhassem como ele havia planejado.

PrólogoAliança Eterna

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Ela tentou se concentrar na letra do louvor que passava no toca-fitas do carro e passou a acompanhar a artista simulando com ela um dueto. Aquele era um dos talentos que ele apreciava na namorada. Samantha parecia brilhar quando cantava. Dou-glas adorava vê-la nesse enlevo. A paz que emanava dela acaba-va chegando até ele de alguma forma. Simplesmente não sabia explicar, mas era muito bom. Deliciava-se com a voz macia da amada e lamentou um pouco por ter de ser privado daquele prazer. Eles finalmente haviam chegado.

Samantha percebeu o carro diminuir a velocidade e per-guntou quando ele estacionou:

— Posso retirar isso?— Claro que não. Fique bem quietinha aí que irei ajudá-la

a descer. Não ouse estragar a surpresa.O namorado falou firme, no entanto Samantha percebeu

uma leve ansiedade na voz dele também. Eles estavam namo-rando havia pouco mais de um ano, mas o suficiente para que ela conseguisse decifrar determinados comportamentos dele. Douglas não era de muitas palavras, mas seus lindos olhos azuis eram sinceros e ternos. Por isso, ele vendou Samantha assim que ela entrou no carro. Naquela tarde, a aula havia terminado mais cedo e ele insistiu em ir buscá-la. Quando a garota apareceu na porta de saída da universidade, ele já estava esperando por ela. Seu coração bateu mais rápido quando o contemplou escorado no capô de um carro que não era o dele. Como Douglas é lindo, suspirou inconscientemente. As longas pernas estavam cruza-das displicentemente, bem como seus braços. Os bíceps firmes forçavam a manga do tecido da camisa gola polo. Ele a fitou intensamente enquanto ela se aproximava e Samantha não con-seguiu sustentar o olhar. Tentou se concentrar em não tropeçar em nada e passar um vexame. Sentiu que suas faces estavam em fogo. Ele tinha o poder de desconcertá-la apenas com um

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simples olhar. Seus pensamentos foram interrompidos no ins-tante em que Douglas a tomou pela mão.

Samantha foi conduzida em total escuridão por uns poucos metros. Ele a alinhou pelos ombros diante de algo e finalmente o pano escuro foi removido.

A garota precisou proteger os olhos até que eles se ade-quassem à luminosidade outra vez. Quando sentiu que eles recuperaram o foco, o cérebro demorou um pouco mais para metabolizar a informação que era enviada a ele. Douglas per-cebeu a confusão em que ela se encontrava, e com os olhos bri-lhando de expectativa perguntou:

— E então? Gostou da surpresa?Samantha estava sem palavras e não sabia como interpretar

aquela situação. Eles estavam em frente a um imenso terreno em cujo centro, fixada, havia uma placa de vende-se. No pedaço de madeira, pintados com capricho, podiam ser lidos a metra-gem do terreno (30 m x 40 m) e dois números de telefone.

— Você está querendo dizer que vai comprar esse terreno?— Não. Estou dizendo que já o comprei.Realmente enlevada com a notícia, Samantha o abraçou eu-

fórica e declarou:— Isso é maravilhoso, Douglas. Parabéns.— Quer dizer que aprovou a minha escolha? — inquiriu,

mantendo-a cativa entre seus braços.— E como não aprovar? Esse é um dos melhores locais da

cidade para se morar e muito valorizado também.Ela contemplou as belas casas ao longo da espaçosa rua e

concluiu:— Você deve ter gastado um dinheirão para comprá-lo.— Vou ter de trabalhar duro por um bom tempo.— Por que não ficou com aquele mais à frente?

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Ele olhou na direção em que ela apontava e balançou a cabeça.

— Muito pequeno.— Pequeno? Ele deve ter uns dez metros de frente, não?— Mais ou menos.— Precisa de mais espaço que isso para você? Não sabia que

era tão espaçoso?— Eu não, mas acredito que minha futura esposa será bem

exigente nesse sentido.Samantha se incomodou com as palavras dele e tentou se

desvencilhar. Ele não permitiu e reforçou o abraço.— Estou sinceramente muito feliz pela sua conquista, só

que não acho adequado continuarmos tendo essa conversa.— Por que não?— Não está óbvio?— Não.— Douglas? Está brincando comigo?— De jeito nenhum. Por que ficou brava?Samantha finalmente conseguiu se soltar dele e se afastou

um pouco. Ela não conseguiu desfazer o gosto amargo que se instalou em sua boca ao imaginá-lo fazendo planos com outra mulher. O seu desgosto era evidente.

Douglas se colocou de frente para ela outra vez, e desta feita não a tocou.

— Está chateada porque falei sobre a minha futura esposa?Ela voltou a cabeça em outra direção e sentiu vontade de

deixá-lo ali sozinho com seus planos. Aquela conversa não era para estar acontecendo. Estava tão perfeito e de repente ele es-tragara tudo.

— Olhe para mim, sua bobinha.Ela demorou a atendê-lo. Por fim, o encarou quando ele

tomou seu rosto entre as mãos.

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— Desde o primeiro momento em que a vi, tive a certeza de que vasculharia o universo se fosse preciso até encontrá-la outra vez. Eu não precisava dormir para sonhar com você. Sua imagem estava ali, ao meu lado, o dia todo.

Samantha mordeu o lábio inferior que ameaçava tremer. Ele tomou uma mecha do cabelo da garota e ficou por uns segundo brincando com ela por entre os dedos, sentindo sua maciez.

— Como eu desejava tê-la para sempre entre os meus bra-ços! E foi essa ânsia que me motivou a passar noites acordado, fazendo as contas, e correr atrás do corretor durante dias para conseguir fechar esse negócio. Quando passei por aqui e vi a placa, sabia que era este o lugar certo para construir nossa fu-tura casa.

O pulso dela disparou quando entendeu aonde ele queria chegar. Samantha não conseguiu conter a fraqueza que se apo-derou de suas pernas quando o viu levar uma das mãos ao bolso e tirar de lá uma pequena caixinha preta. Uma lágrima correu por sua face rosada em resposta à franca ebulição de sentimen-tos que estava ocorrendo dentro dela. A garota sentiu que seu coração iria explodir em forma de pequenos confetes. Douglas tomou a mão trêmula e fria da namorada entre as suas e per-guntou com a voz embargada de emoção:

— Samantha Braatz Veiga, aceita se tornar a senhora Samantha Braatz Cadore, até que a morte nos separe?

Ela achou que ficaria viúvo antes mesmo de se casar. Sa-mantha estava prestes a ter um infarto e não conseguiu falar nada por uns segundos, que pareceram longos demais. Poderia amá-lo tanto assim ao ponto de querer passar o resto dos seus dias ao lado dele? Sentiu o peito estufar de puro êxtase ao ima-ginar-se acordando todas as manhãs envolvida com o cheiro do seu amor. Não, não tinha dúvidas disso. Nunca havia pensado que alguém pudesse se tornar tão essencial em sua vida como

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ele se tornara. Samantha não imaginava qual seria a graça da crônica de seus dias sem a presença desse personagem tão ama-do. Ele era um presente divino. Douglas a completava de forma inexplicável. Saber que ele a amava ao ponto de pedi-la em ca-samento era a concretização do seu sonho mais especial. Um sorriso pleno surgiu em seus lábios descorados.

— Sim, Douglas Cadore Azevedo. Eu aceito ser sua esposa, amiga, confidente e parceira para as mais loucas aventuras, até que a morte nos separe.

O brilho que inundou os olhos dele ofuscou o sol daquela manhã. Depois de fitá-la com imensa ternura, Douglas declarou enlevado:

— Eu te amo, minha rainha.— Eu também — Samantha confirmou antes de ter seus

lábios tomados por um beijo apaixonado do seu recente noivo.Ele a tomou nos braços e a girou repetidas vezes. Samantha

se prendeu mais fortemente a ele, receosa em cair devido àquela travessura. Tiveram de sair do meio da rua a fim de não serem atropelados por um carro que passava.

Douglas estava radiante. Como ele conseguia ficar mais bo-nito quando sorria assim, Samantha ponderou feliz e o amou um pouquinho mais. Ela não se cansava de olhar para ele. A jo-vem observou o céu, que estava tão radiante como seu interior. E que eles fossem assim todos os próximos dias de sua vida ao lado do seu grande amor.

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“[...] e aqueles que se casarem enfrentarão muitas dificuldades na vida.” (1Co 7,28b)

Outono de 2013, Guarapuava — PR

Samantha tateou no escuro em busca do seu celular que já tocava pela terceira vez. Precisou colocar no mais alto volume para ter a garantia de que ele a acordaria. Não acreditava que já era hora de se levantar. Parecia que havia acabado de se jogar na cama. Sentiu vontade de se enrolar mais firmemente no edre-dom quentinho e não se privar da cama aconchegante. A cada dia tinha a impressão de que as noites se tornavam mais curtas e as horas de descanso eram insuficientes para dar ao seu cor-po cansado o devido tempo de restauração. O dever a chamava para mais um dia de labuta.

Estava tão cansada que acabou se rendendo a mais dez mi-nutinhos de sono. Colocou o celular na função soneca outra vez e apagou instantaneamente.

1Perdida dentro de mim

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Aquela coisa já estava atormentando seu juízo outra vez, e a garota reagiu irritada ao som insistente do pequeno aparelho. Como sua soneca havia passado rápido. Nem sentiu o efeito so-bre os ossos doloridos.

Rolou na imensa cama e não encontrou o corpo do marido ao seu lado. Samantha não gostava quando ele passava as noi-tes no trabalho; elas eram bem inquietas quando ele não estava por perto, e por mais cansada que estivesse nunca conseguia relaxar completamente — mais ainda depois de um jantar tão estressante quanto tinha sido o da noite anterior. Ter sua sogra por perto não se revelava uma tarefa das mais fáceis. A mulher fazia questão de ser o centro das atenções onde quer que fos-se e, como sempre, conseguiu estragar mais aquela tentativa de aproximação. Só que Samantha não queria começar o dia com o mesmo sentimento da noite anterior e procurou esquecer o episódio.

Abriu os olhos, um de cada vez, com certa relutância. De-morou alguns segundos para se equilibrar sentada na beirada da cama. Quando acreditou que estava mais acordada do que dormindo, iniciou uma breve oração. Teve vontade de pedir a Deus que o dia tivesse mais que vinte e quatro horas, mas acre-ditou que seu pedido não seria atendido e resolveu elencar ou-tras petições que entendeu serem mais realistas.

O quarto ainda estava escuro. Também era tão cedo. O som do uivo do vento balançando as araucárias que rodeavam sua casa fez o corpo de Samantha arrepiar-se só de pensar no frio que deveria estar lá fora. Nem o sol havia dado o ar da graça naquela manhã e ela já tinha de se levantar se pretendia chegar no horário certo ao seu trabalho.

Nem acreditava que havia conseguido aquele emprego. Tâ-nia mais uma vez fez a diferença e mostrou-se uma boa amiga como sempre, indicando-a para a vaga. Sua mãe também tinha

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participação na conquista, pois, como amiga de longa data do dono da Escola Alfa, intercedeu em seu favor. Já estava difícil entrar no mercado de trabalho mesmo tendo boas referências, imagine com um currículo como o de Samantha, que não era lá um dos mais recheados.

Não acreditava que estava ali a realização de sua vida, mas foi um passo importante depois de tantos anos se dedicando exclusivamente à casa e à família. Há muito tempo ansiava pela oportunidade de dar continuidade aos estudos e se projetar pro-fissionalmente. Teria de ser paciente e dar um passo de cada vez. Precisava conter a ansiedade e não pôr tudo a perder. Riu desse pensamento, afinal paciência não era uma de suas qualidades.

Onde estavam suas meias? Não acreditava que havia dor-mido sem elas. Tateou o chão com as pontas dos dedos bus-cando pelas sandálias que deveriam estar ao lado de sua cama, e nada. Apenas o piso extremamente frio, foi o que encontrou. O choque térmico deu-lhe a força que faltava para se levantar de vez.

Os movimentos estavam lentos e precisou de uma boa ducha para sair da letargia. Não suportou ficar muito tempo debaixo d’água mesmo ela estando bem quentinha. Olhou-se no espelho e não gostou muito do estado de seus cabelos. Reti-rou a presilha que os prendia liberando-os do coque improvi-sado. Qualquer dia desses teria de reservar um horário para ir ao salão e dar um trato na cabeleira escura que já estava grande demais. Nenhum corte podia ser distinguido ali havia séculos.

Fez uma careta para a imagem refletida nele, mesmo de-pois de testar diversos penteados. Seu cabelo era um dos atrati-vos de que seu marido mais gostava nela. Ela tocou os fios com mais delicadeza e seus pensamentos viajaram para outra época. Lembrou-se de como pegava no sono quando ele ficava passan-do os dedos por entre as mechas antes brilhosas e impecáveis.

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Mesmo fazendo tanto tempo, Samantha ainda se lembrava da sensação prazerosa. Decidiu que um rabo de cavalo bastava para organizar os fios lisos. A franja estava comprida além da conta e precisava de uma presilha extra para prendê-la.

O arranjo estava tolerável, avaliou sem muita convicção. Parou de frente ao imenso guarda-roupa e foi direto para a di-visória das calças, já que completaria o conjunto com a blusa da farda e um casaquinho fresco. Vestiu uma, duas, três peças. Nenhuma lhe coube. Ainda contrariada, ficou tentando fechar a quarta calça e desistiu. Foi quando por fim optou por uma peça de malha grossa. “Desde quando estava tão gordinha”, arrazoou consigo. Era apenas um número acima do seu normal, mas a coisa começava assim e depois saía do controle.

Lembrou-se de quando era mais jovem e de como gostava de se preparar para sair. Outros tempos. Época em que entre suas poucas preocupações estava saber qual de suas inúmeras peças de roupa iria vestir e quais acessórios seriam mais apro-priados para compor o look. Atualmente, aquele era um luxo que ela não tinha mais. Depois do nascimento dos filhos, Sa-mantha se viu imersa num turbilhão de atividades sem fim. Sempre havia algo para fazer, consertar, limpar, lavar, decidir, providenciar — enfim, a lista era longa demais.

Samantha sentiu-se frustrada, mais uma vez, e se entriste-ceu ao perceber que havia renunciado a tantas coisas que gos-tava de fazer. Mesmo pensando em resgatá-las, achava inútil aquele pensamento de liberdade, pois o tempo não era mais seu aliado. Principalmente depois do nascimento de Samuel. A ci-rurgia de ligadura nas trompas de alguma forma havia falhado. Ao lembrar-se do filho de três anos, desligou a luz do closet e foi até o berço que ficava ao lado da cama do casal. Samuel dormia tranquilamente. Os cabelos castanho-escuros arrepiados eram idênticos aos do pai, bem como os olhos azuis apertadinhos,

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atentos a todos os movimentos. Ele era uma cópia de Douglas na aparência e em alguns aspectos da personalidade. Samuel era uma criança calada, mas como a mãe, muito curiosa e esperta. Vez por outra se metia em confusão. Não foram poucas as vezes em que Samilla saiu do sério por causa das travessuras do meni-no, sobretudo porque eram os objetos pessoais da menina que geralmente estavam em jogo.

Talvez por se parecer tanto com o pai, dona Raquel o tivesse escolhido como preferido entre os netos. Ela simplesmente ido-latrava o filho e o neto caçula, descaradamente. Nem parecia que a mulher tinha mais dois netos. Samantha suspirou ao lembrar--se da sogra e das tantas pelas quais já havia passado nas mãos da mulher. Samuel se remexeu no berço e Samantha procurou não fazer mais barulho. Seria um caos se ele resolvesse acordar justamente naquela hora tão concorrida. Esperou a criança se acalmar novamente e o agasalhou melhor. Ele era mesmo um anjinho lindo. Conteve a vontade de dar-lhe um beijo apertado na bochecha rechonchuda e o acariciou apenas de leve.

Depois de organizar sua cama e deixar o banheiro em or-dem, Samantha pegou o celular de cima do criado mudo e se assustou com o avançado da hora. Não imaginou que tinha perdido tanto tempo. Teria de colocar o despertador para mais cedo nos próximos dias. Acordar às cinco da manhã não estava sendo o suficiente para se organizar antes de sair para o trabalho e deixar os filhos na escola.

Samantha subiu as escadas na correria habitual. Os dois confortáveis quartos do primeiro andar eram ocupados por Davi e Samilla, os filhos mais velhos.

Samantha abriu a porta do quarto de Davi e não se sur-preendeu quando o percebeu já de pé organizando a mochila. Samantha o fitou rapidamente e pediu que se apressasse. Seguiu então para o quarto de Samilla, que ficava no final do corredor,

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e acendeu a luz chamando por ela. A jovem estava completa-mente escondida debaixo do grosso edredom, e o som que a mãe recebeu de volta foi um resmungo abafado. Samantha se aproximou da cama e puxou-lhe as cobertas, e a menina enfiou o rosto debaixo do travesseiro.

— Levante-se, mocinha — ordenou, abrindo as cortinas da janela do quarto e permitindo que alguma luminosidade aden-trasse no local.

— Poderia desligar essa luz e fechar essas cortinas, por favor?— Não — a resposta foi automática e seca.— Só mais cinco minutos, mãe!Desta vez Samilla tirou o rosto de debaixo do travesseiro,

revelando os cabelos idênticos aos da mãe em total desalinho. Samantha, fitando-a energicamente, contrapôs:

— Não temos mais cinco minutos. Levante-se já!— Eu ainda estou com sono — reclamou dengosa.— Ficou mais uma vez até tarde papeando na internet.Samilla desta vez não respondeu nem reclamou. Saman-

tha, já sabendo da resposta, analisou como cortaria um pouco das regalias da filha, que já estavam passando dos limites. E tudo culpa de quem? Era realmente enervante a cumplicidade permissiva de Douglas em relação a Samilla. Sua lista de as-suntos para a próxima conversa com o marido só aumentava a cada hora.

— Estou esperando você lá embaixo, está me ouvindo? E não nos atrase outra vez — determinou saindo do quarto.

Seria possível que o relógio estivesse correndo mais rápido? Não. Eram as tarefas que se multiplicavam naquela cozinha, só podia ser.

— Samilla, seu café está esfriando — Samantha gritou do sopé da escada para a filha, agora com a nítida certeza de que chegaria atrasada outra vez naquela semana.

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Na certa, Regina, a coordenadora da escola, estaria no por-tão de entrada averiguando a hora de chegada da jovem con-tratada. Só em pensar que estava dando justos motivos para ser chamada a atenção, já podia sentir os seus nervos aflorados. E o dia nem havia começado direito. Deveria tomar todo o cuida-do e procurar realizar sua função com o máximo de excelência, pois sabia que muitos almejavam a sua vaga.

Samantha havia passado na primeira fase de um concurso público, mas teve de abandonar o processo assim que soube que estava grávida de Samuel. Foi um baque duro a princípio. A tão sonhada carreira profissional teria de ser deixada de lado mais uma vez. Mesmo repetindo para si que estava tudo bem e que ela só precisava esperar um pouco mais, na prática as ações de Samantha refletiam o inconformismo que tentava a muito custo ocultar. Com o tempo, a frustração e a tristeza camufladas por essa tênue película de aceitação estavam dia a dia se revelando das piores formas possíveis, minando diversas áreas de sua vida. Pena que ela parecia ser a única que não estava percebendo isso.

No início do ano, começara com apenas três turmas de sé- timo ano do ensino fundamental, mas, havia pouco menos de um mês, recebera a proposta de migrar para as turmas de en-sino médio. Samantha ficara lisonjeada com tal convite, bem como temerosa em não ter condições, no momento, de respon-der à tamanha responsabilidade.

Seu Alfredo havia proposto que ela assumisse as turmas do primeiro ano a partir do segundo semestre. Pelo menos tinha mais dois meses para se decidir. Nesse tempo precisava colocar muita coisa em ordem, e fazer Samilla se comportar como uma jovem coerente era um dos principais.

Por que Samilla estava se comportando daquela forma? Ti-nha a nítida impressão de que a menina fazia aquilo de propósi-to, só para tirá-la do eixo. A adolescência da sua filha dava sinais

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de que não seria nem um pouco tranquila como fora a de Davi. Samantha suspirou buscando por um equilíbrio que estava sen-do perdido com muita facilidade.

Perdeu a conta de quantas vezes focalizou o relógio da co-zinha nos últimos minutos. Já havia travado uma árdua batalha com Douglas para que ele finalmente concordasse que ela pode-ria trabalhar fora, e agora aquilo!

— A bênção, mamãe — Davi pediu ao tentar aproximar-se da mãe, que corria de um lado para o outro pela cozinha.

— Deus o abençoe, querido. Organizou sua cama?— Sim, senhora. Quem seria maluco de deixar alguma coisa

bagunçada nesta casa? — ele foi bem enfático na observação.— Tenho alguns nomes em minha lista negra.Davi sorriu, mas a mãe continuou com o semblante contra-

riado. Mesmo assim, ele se aproximou dela e a beijou carinho-samente, abrandando de leve as feições de Samantha. O efeito passou rápido. Um som de um choro conhecido veio do quarto do casal.

— Adivinha quem acordou? — Davi perguntou enquanto largava a mochila em cima do sofá e sumia no corredor ao lado da cozinha.

— Era só o que faltava.Samantha continuou resmungando enquanto remexia os

ovos na frigideira e só parou quando Davi reapareceu na cozinha.— Eu queria ter o vigor deste garotinho. Veja que disposi-

ção a essa hora da manhã e nesse frio.— E, por falar em falta de disposição, onde está sua irmã?

Está me pondo à prova outra vez? — Samantha não conseguia mais controlar o tom irado.

— Ela estava no banheiro quando desci. Já deve estar vindo — Davi respondeu calmamente enquanto fazia gracinhas para o irmão totalmente desperto em seu colo.

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