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ADEMAR BOGO Setor de Formação Nacional MST Novembro de 2004.

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Page 1: Ademar Bogo_Cartas de Amor

ADEMAR BOGO

Setor de Formação Nacional – MST

Novembro de 2004.

Page 2: Ademar Bogo_Cartas de Amor

SUMÁRIO 01 – À organização 02 – Noite companheira 03 – Ao destino 04 – A flor e o militante 05 – À imagem 06 – Aos dentes 07 – Á cooperação 08 – Ao suor 09 – Aos sonhos 10- À terra 11- A democracia 12- Ao tempo 13- Ao perfume 14- À solidariedade 15- Para sermos iguais 16- Ao socialismo 17- O nosso Afeganistão. 18- A Cuba 19- Ao Che 20- Ás verdades já aprendidas 21 – Ao natal na reforma agrária 22 – À poesia sertaneja 23 – Ao ano novo 24 - Às palavras 25 – Às Ilusões 26 - Ao Josué de Castro 27 - À Mulher 28 – À Palestina 29 - Ao mês de Abril 30 – Às sementes 31 – Á Utopia 32 - À Verdade 33 – A Ética e a Moral 34 – Aos filhos da Guerra Fria 35 – Ás vitimas da Alca 36 - Ao passarinho do sertão 37 – À Juventude 38 – Às Eleições 39 – Aos que educam 40 – Ao Estudo 41 – Ao José Gomes 42 – Às crianças palestinas 43 – Ao presidente 44 – Ao ano do alimento 45 - Aos despejados 46 – Ao Jornal Brasil de Fato 47 - Pela Paz 48 – À indignação 49 – Às vítimas das Drogas 50 - Aos que resistem 51 – Às vítimas da liberdade 52 – À autodeterminação 53 – À felicidade

Page 3: Ademar Bogo_Cartas de Amor

54 – À beira da estrada 55 - Ao aniversário 56 – Aos festejos juninos 57 – Ao boné do MST 58 – À cordialidade 59 – Ao Estado de direito 60 – À consciência 61 – À Organicidade 62 – A quem lavra 63 - Ao Ânimo 64 – À Irreverência 65 – Aos Pais sem terra 66 – À Pátria 67 – Ao dia da Árvore 68 – À Obediência

69 – À Primavera

70 – Às vítimas de injustiças

71 – Às semelhanças

72 – Aos Presos da Terra

73 - À Soberania

74 – Ao Sendo Moral

75 – À Biodiversidade

76 – Ao Direito de existir

77 – A quem serve

78 – Às Crianças brasileiras

79 – Ao Livro

80 – Aos Finados

81 – às Condolências

82 – A Palmares de Zumbi

83 – Aos 20 Anos

84 – À Alegria

85 – À Ética órfã da Política

86 – Ao oito de março

87 – Aos críticos

88 – Ao óbvio

89 – Aos desatentos

90 – Às Famílias Sem Terra

91 - À Herança

92 – Ao Dia do Livro

93 - Às cores

94 – Ao desrespeito

95 - À Militância

96 – À Educação

97 – Ao Cultivo da Base

98 – À Justiça

99 – Á Política

100 – À Devolução

101 – Aos Dilemas da Humanidade

102 – Aos Partidos Políticos

103 – Às Sesmarias

104 – À Olga

105 – Ao Trabalho Voluntário

106 – Às Eleições

107 – Às Escolas

Page 4: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de amor

Nº 1

À ORGANIZAÇÃO

Corre o tempo mansamente, como as águas dos riachos, a procura do que o destino lhes

prometeu: desafiar o infinito para ser eterno.

O tempo vive a contradição de ser velho e novo ao mesmo tempo. Quando uma saudade o

torna saudosista, surge uma vontade de fazer algo que ainda não existe, e, como criança, engatinha

em busca das condições de provocar a nova travessura. Iniciar mais um passo, pela corcunda da

velha história.

Uma organização também tem os seus tempos: velhos e novos. Desliza sobre eles pelas

colunas de gente, como se fossem trilhos, que levam os vagões da história, carregados de saudades e

sonhos.

O caminho feito precisa ser cuidado, para que as fezes do inimigo não venham tirar o

perfume das flores já floridas. A história tem esta preciosidade, de guardar oxigênio, escondido nos

pulmões das gerações que nascem, com pena e saudade das que já foram.

Os corpos são canais que se encostam para deixar passar o sangue e os sonhos produzidos.

Os que se enterram, formam o canal já pronto; os que se movem, cavam ainda o lugar onde se

deitarão para envelhecer. Envelhecer é ficar parado. Novo é o que se realiza.

Orgulhosa é a história. Tem o cuidado de não se repetir, pelo simples fato de que não pode

voltar atrás. Voltar significa pisar sobre o próprio corpo. Por isso segue em frente. A cada dia

aparece com um novo vestido. Mais triste, quando seus filhos não pensam nada novo. Mais florido,

quando os sonhos se transformam em passos e desafiam todos os limites.

Quando pára uma organização envelhece. Quando a poesia não se transforma em canto,

quando a vitória não se transforma em pranto.

Quando repete e pisa o próprio peito, tentando caminhar o passo feito. Anda para trás;

quando os pulmões não sentem os aromas das manhãs.

Se as gerações de quadros não se multiplicam, são pedaços do canal não feito que para trás

ficam; por onde vazará a energia, perdida, que tira da organização a própria vida.

Quando as relações entre as pessoas não evoluíram, as mulheres ainda têm o seu senhor, é

sinal que o coração bate, mas já não tem amor.

Onde o jovem no campo em tenra idade, diverte-se atraído pelas luzes da cidade. E a criança

cansada já de andar, ainda não aprendeu a soletrar, a palavra liberdade.

Se o veneno é jogado sobre a terra, é porque foi declarada a guerra, contra inimigos

“inferiores”, que nada podem, a não ser, ajudar os humanos a desenvolver valores.

Quando a teoria se torna escassa, é porque apenas se percebe a força que vêm da massa; mas

se a força tem pouca consistência, falta aí um bocado de ciência.

Se as instâncias já não são tão ativas, se tornaram pouco representativas e, correm o risco de

andar a esmo é preciso incentivar, todos a participar, e cada um representar-se a si mesmo.

Cada passo em cada tempo. Criar um pouco por dia. Avançar com humildade. Banhar-se de

rebeldia.

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Cartas de amor

Nº 2

NOITE COMPANHEIRA

Há como tradição em nossa cultura, de usar o preto como sinal de luto e respeito pelos que já

foram se plantar, na terra conquistada e, preparar na eternidade o lugar para nós que ainda aqui

penamos.

Mas o vermelho é a cor dos lutadores! Ele deve simbolizar como no nascimento, o sangue

que trás à vida, este acontecimento. E o que é a morte senão um novo renascer? A não ser que este

que se vai, viveu, apenas a vida do corpo, por isso, apenas devolve a terra o que dela recebeu.

O preto da noite nada tem de tristeza! Como uma barriga de lona preta armada, nos faz

nascer para um novo dia cheio de luzes, repleto de belezas.

É isso que diz nossa bandeira. Em suas cores predomina o vermelho que acalora, mas tem lá

o preto, porque a noite não quis ficar de fora.

Um Sem Terra é filho da noite que os caminhões transportam em busca do amanhecer. O

ronco que causa medo também anuncia a liberdade, mostrando que o balançar é parte deste jeito

novo de nascer.

Caminhos estreitos não diminuem as distâncias, porque a hora é a barra do dia. Se correr

demais, tem que parar, se atrasar um pouco, precisa andar mais ligeiro, a hora de nascer não espera

por ninguém, porque ninguém segura do nascer a rebeldia.

É bom viajar a noite, cada coisa quer ficar perto da gente para não se perder. Ao mesmo

tempo em que tememos; nos escondemos. É o jeito de saber acontecer.

Dizem que à noite, “todos os gatos são pardos”, ninguém se diferencia quando carrega os

fardos. Seguimos alinhados na longa penitência, mas quem faz a estrada não é a força, mas sim a

persistência.

E o preto da noite se mistura ao carvão das fogueiras, ao bramido das lonas estiradas, às

letras da bandeira. Também alcança o fundo das panelas que, envergonhadas, já não vão às

prateleiras.

A fumaça das lenhas encharcadas, quando teimam em não queimar, sai preta. As roçadas

aceradas ficam escuras, a espera do plantar que irá abraçar a colheita.

O feijão preto, o caldo fresco, o pão queimado. Tudo se combina. A cor dos olhos que

descobre a terra por debaixo da neblina.

O Assum Preto tem o canto mais lindo e sertanejo. No temporal que engole sem dó cada

lampejo. E nos olhos que se fecham, para provar o calor de cada beijo.

A semente germina em cada cova, aberta em plena luz, tapada se escurece. Para lembrar do

tempo; fecha-se os olhos para que a escuridão revele em plena prece; o que diz o coração que bate

em sua caixa escura e assim se aquece.

Enfim, o escuro da noite, na bandeira vira cor, não é dor, não é pranto ou sentimento. É

apenas um jeito diferente de dizer, que um Sem Terra precisa pra nascer, um abraço apertado vindo

do firmamento.

Noite amiga e companheira; quantos latifúndios já dobrastes sob os pés descalços deste

heróico povo? Fazei de nós eternos caminhantes, para que, em um tempo, não tão distante,

possamos ver de suas entranhas, nascer também um mundo novo.

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Cartas de amor

Nº 3

AO DESTINO Aprendemos na filosofia que, “A história não é se não a luta do ser humano para alcançar

seus objetivos”. Sendo assim, deveríamos entender que, nos movemos em torno de sonhos

individuais e coletivos que estabelecemos.

Somos então, se quisermos, responsáveis pelo nosso destino, ou pelo que podemos ser no

futuro.

Laio, antigo senhor de Tebas, soube pelo oráculo que seu filho Édipo recém nascido,

haveria um dia de assassiná-lo, e, se casaria em seguida com a própria mãe. Antecipa-se ao destino e

manda matar o próprio filho. Mas suas ordens não são cumpridas e o menino abandonado, crescerá

com outra família em um lugar distante.

Um dia ao consultar o oráculo, Édipo, toma conhecimento do destino que lhe fora

reservado, e para não matar o suposto pai que o criou, foge de casa. No caminho encontra um

desconhecido, desentende-se com ele e o mata, sem saber que é Laio, seu pai verdadeiro. Foge para

a cidade de Tebas e encontra Jocasta, viúva de Laio. Ignorando ser sua mãe verdadeira, casa-se

com ela e assim se cumpre à ordem do destino.

Esta história poderia ter outro final, se Laio tivesse assumido e resolvido o problema de

outra forma, ficando junto ao filho e estabelecido um novo objetivo a ser alcançado com ele para

mudar o próprio destino.

Existem muitas coisas a nosso redor que, fingimos não ser conosco, ou tentamos nos livrar

das responsabilidades como fez Laio com Édipo, mas como tal, um dia as consequências cairão

sobre nós mesmos ou sobre as futuras gerações.

Tomemos como exemplo a destruição da natureza. Há dezenas de anos vêm-se derrubando

árvores, aplicando-se inseticidas, adubos químicos, provocando erosão, e tantos outros males.

Lentamente secam os rios, extinguem-se os pássaros e insetos, não chove mais regularmente,

reproduzem-se com maior facilidade as formigas e os cupins, e cada vez fica mais difícil produzir e

permanecer na agricultura.

Se há 100 anos atrás, alguém escrevesse: chegará o dia em que o filho, Ignorante, matará a

própria mãe, casará com a Fome sua irmã; terão muitos filhos, magros, doentes e analfabetos.

Morrerão de calor, de sede, sem comida e envenenados. Quem acreditaria?

Novamente o destino apresentaria duas alternativas: matar o filho logo ao nascer ou educá-lo

para que soubesse medir as consequências de seus atos, colocando em sua consciência, valores

como objetivos a serem alcançados.

Nossos descendentes daqui ha muitos anos, poderão contar outra história, se agirmos

diferente. Dirão eles: Houve um Movimento que decidiu imitar o criador. Ao mesmo tempo em que

fazia nascer as criancinhas, as educava para que conhecessem e respeitassem os pais, seus irmãos e

a natureza.

Preparava jardins, reconstruía as florestas, fazia renascer os rios através do plantio de

árvores em suas margens, não usava venenos nem adubos químicos e respeitava todas as espécies de

vida, pois sabia que nenhuma era menos importante que a vida humana.

Tinha claro que sua tarefa era preparar o ambiente onde viveriam as futuras gerações,

tornando-as arquitetas de seus próprios sonhos.

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Cartas de Amor

Nº 4

A FLOR E O MILITANTE

As plantas forjam sua descendência, preparando com paciência o botão depois a flor, de

onde saem as sementes e se espalham como gente.

Presa ao galho a flor serve às abelhas, que procuram através de seu quartel a matéria para

fazer o mel; por isso se deixa penetrar, sem medo de se machucar.

Saciadas, as abelhas vão embora. Levam a doçura repartida para manter a vida da colmeia.

Voltam noutro dia para completar a ceia.

A flor em seu balanço fica para cumprir o destino sem descanso: perfumar o ambiente e

fazer no silêncio aparecer cada semente. Bela missão é essa de servir: exalar perfume e produzir.

O militante não é a abelha que vai de flor em flor, mas a própria flor que atrai para si a

responsabilidade, de responder a cada uma com doçura e verdade que, lutar e vencer é saber

perfumar de amor à humanidade. Envolver cada pessoa num grande abraço e, depois, andar juntos

os outros passos.

Para avisar as abelhas, a flor, usa o perfume e sua cor; sinais que orientam também o lutador.

Passado os dias à flor madura e satisfeita, deixa murchar as pétalas de seu brilho, para fazer

nascer de si os próprios filhos. E como uma caverna que abre suas portas, deixa sair contentes as

sementes que transparecem mortas.

Mas é engano. A semente quer o tempo de germinação para, em silencio levantar-se

lentamente do chão; imitar a sua espécie com as cores; crescer e também se encher de flores.

A planta da semente busca entrar por cada fresta, puxada pelo sol, ajuda a construir e a

expandir a floresta.

Militantes: mulheres e homens em cada ação fazem-se a si próprios e a organização. Tem

ela o jeito de seus passos, o carinho de seus gestos e a acolhida de seus braços. Confundem-se em

suas identidades, quê, ao não poder vê-los a sociedade, procura seu perfume em cada marca de

saudade.

Militante, é aquele que se comporta como a flor exuberante, não como as estrelas que

brilham mas estão muito distantes. Flor é como gente, nasce em toda parte, e por saber o seu lugar,

transforma-se em semente. Estrela não! Nasce uma vez só e vive de seu brilho, sem nunca poder

dizer que teve um filho.

A flor perfuma o jardim e a mesa do auditório. Murcha de pressa na sala do escritório. Se

não houver cuidado, o ar ali ventila mais pesado e a flor perde o encanto e a alegria. Como o

perfume é um tanto destemido, quer espaço para circular e se livrar da poeira da burocracia.

As flores se multiplicam com o vento. Por que não crescem em quantidade nos

acampamentos e assentamentos? Será por causa da fumaça ou por que o brilho das estrelas inibe o

seu crescimento?

É no formar da flor que com a militância se encontra a semelhança. Quanto mais flor, mais

perfume, mais semente. Quanto mais gente, mais força e mais esperança.

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Cartas de Amor

Nº 5

À IMAGEM

Narciso, um menino na antiga Grécia, nasceu muito bonito. Cresceu sendo admirado por

todos, principalmente pelas mulheres; mas ele não sabia e não ligava para isso.

Seus pais guardavam o segredo e temiam pelo futuro do rapaz. Ao consultar o oráculo, uma

espécie de “consulta aos deuses”, o sacerdote lhes dissera que ele teria vida longa e feliz, desde que

nunca visse sua própria imagem.

Um dia seus pais se descuidaram e ele debruçou-se sobre um lago para beber água, viu sua

imagem e apaixonou-se por ela. Não suportando a paixão, atirou-se na água para pegar a imagem e

morreu. Compadecida, a deusa do amor o transformou numa bela flor, que ao florir, se debruça

sobre as águas, para refletir e admirar a própria imagem.

Nascemos e crescemos também nós como Narciso. Já não podíamos nos apaixonar pela

liberdade porque as cercas tapavam a face da terra bela, e, não conseguíamos ver nossa beleza

refletida na beleza dela.

Quem não vê a imagem de sua face refletida em outro alguém, não se apaixona nunca nem

amará ninguém.

Vivemos muitos anos sem saber que a beleza e a força dos Sem Terra, somente eram vistas

pelo temor da classe dominante. Estes evitavam que chegássemos perto das cercas para não

acordarmos o latifúndio massacrante.

Um dia, porém, ao debruçar-nos sobre o lago do latifúndio, vimos nosso esqueleto refletido,

como a rosa na pintura do vestido. Mergulhamos por entre os fios de arame farpados, levantamos

barracos e bandeiras e, na canseira, morremos como seres explorados. Renascemos na história

como seus construtores e sujeitos; para formarmos com as faces rosadas, um jardim de um novo

jeito.

Com a força de todas as raças nos reunimos, para formar uma só imagem feita com todas as

cores. Resgatamos o que tinham tomado das gerações passadas: os sonhos e a auto-estima, e

escrevemos em cada alma, um canto de amor à vida.

Descobrirmos a beleza contida em cada gesto de solidariedade. Percebemos que ela é a

sinfonia nascida da ansiedade que, existe em todos os corpos, impulsiona a formação e sustenta a

ousadia, de quem sonhou um dia, construir com as próprias mãos a liberdade.

Assim fizemos despertar a primavera nas consciências. Nascemos de passos firmes movidos

com paciência. Descobrimos que é possível negar a imagem distorcida pela miséria e reconstruí-la

com as cores, sons, perfumes e conhecimentos, sem mágoa, dor ou arrependimento.

Assim, nos igualamos à flor que desabrocha para deixar ver a sua beleza . Fechar-se é

sufocar o perfume, inibir as cores e violentar a natureza.

Narcisos Sem Terra somos. Tossindo entre a fumaça no meio dos latifúndios ou na beira das

estradas, como flores vermelhas já desabrochadas.

Ao balanço do vento resistimos. Mas um dia as pétalas cairão devagarinho. Não será o final,

apenas um sinal, para os que vierem enxergarem o caminho.

A cada passo mais certeza nasce das entranhas do vencer. Como as flores de Narciso,

gritamos aos quatro ventos: para renascer é preciso ter a coragem de morrer.

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Cartas de Amor

Nº 6

AOS DENTES

Quem já parou para pensar onde fica o lugar de cada dente? Sentimos falta ao sorrir quando

deixam de existir, estes que deveriam estar bem na frente.

Se não sorrimos a boca fica pequena e a face carrancuda. Por isso é que precisamos ter

cuidado, porque uma vez só podem ser trocados; a natureza só nos deu uma muda.

Quando nascemos o leite materno trás os dentes em separado, e nos entrega quando nos

deitamos para mamar. A outra muda vem no “bolso”, que fica a nosso gosto o dia de se plantar.

Como uma roça que amadurece pouco a pouco, vamos colhendo e replantando cada um, até

que um dia em uma avaliação, nos damos conta que, da velha geração, dos dentes, já não sobrou

nenhum.

Aí o fogo do açúcar desfila suas chamas e come o tronco esburacando o caule de cada

arvorezinha, que aos poucos deixa de ser branquinha e, como um tição preto fumegante, dói

entristecendo ainda mais a gente.

Então o que fazer para aliviar a tal “queimura”?- pensa triste a pobre criatura, se debatendo

segurando o toco. Vai enraivecido procurar socorro, quando alguém puxando o dente adoecido,

enaltecido ali lhe deixa um grande oco.

Fica, portanto um vazio na fileira. Por que será que nasceram em carreiras, como soldados à

espera do combate? Mas não tem jeito, assim é que foram feitos.

E lá se vai o desdentado levando um vazio em cada pelotão. Todos notam sua ausência, mas

ninguém fala, pois, soldado lembra repressão!

A marcha segue em frente em seu destino, mas os lábios escondem algo clandestino, por não

sorrir abertamente e bem feliz.

É que, como as florestas a golpes de machado se deitaram, os ricos sem vergonha

desdentaram, grande parte dos pobres de meu país.

E os lábios tapando essa caverna, se contorcem toda vez que alguém palpita e, expõe em

outra boca bonita, os danados enfileirados bem certinho. „Como fica bem você de dentes‟, diz ele

escondendo a janela um tanto envergonhado. „É pena que não são meus, são emprestados!‟.

Quando sem dentes a gente não é nada, fugimos até de quem gosta de contar piadas, porque

inevitavelmente teremos que sorrir. É um sacrifício ter que conversar, principalmente quando a

prosa demorar, cansa o lábio superior para não deixar a boca abrir.

Mas, o sacrifício não é apenas ao lábio de cima! Morre com os dentes arrancados também a

auto-estima, que cada qual com ela nasceu.

Por isso, dente não é só dente, é mais! É aquilo que faz da gente um ser social altivo,

sorridente e feliz. Sem eles também se derrota um gigante país.

Que mais dizer aos militantes, que lutam e labutam na linha de frente? Pouco precisa dizer

mais; preocupar-se com quem vem atrás, porque, nessa história há uma só verdade. Para se

conquistar totalmente a liberdade, os lutadores precisam ter os dentes.

Não é por nada não, ( mais um aviso): é que um ser humano mesmo valente e bravo,

somente deixará de ser escravo, quando puder soltar livre o sorriso.

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Cartas de amor

Nº 7

A COOPERAÇÃO

Vamos falar da morte como algo natural. Na vida e na morte da convivência social.

A princípio, só há morte de algo já formado que, com o tempo em outros elementos

vão sendo transformados.

Até aqui nada de especial, pois a transformação concreta também é natural. Cada coisa vai

crescendo em pleno movimento, como se em toda massa existisse um bom fermento.

Cresce então em quantidade, e quando alguém percebe e impõe seu jeito, aparece ali a

qualidade. Isso ganha importância quando passa pelas mãos da militância.

Assim podemos formular uma questão: é possível morrer em nós o espírito da cooperação?

Vejamos pela história, onde foi que ela apareceu? No inicio da formação humana quando um

só macaco não podia carregar um cacho de bananas. Assim sustentavam em vários o peso sobre as

pernas e levavam o alimento até as cavernas.

Mais adiante, a roda em movimento, fez do ofício profissão e os instrumentos passavam de

mão em mão, até que um dia a máquina a vapor, engoliu um a um cada trabalhador. Sobraram os

mais experientes, que foram levando a cooperação em frente.

Assim a história deu seu giro, as mudanças foram transformando-se em suspiros e

alcançaram a informática e a genética. Os que não acompanharam, impressionados, ficaram com a

sua aparência ainda mais patética.

Este veloz desenvolvimento chegou arrastando-se até a porta de nossos assentamentos. - O

que quer? – perguntam os mais preocupados - Transformar cada Sem Terra em um cooperado?

Assim se tentou dar vida a algo que nasceu sobre a terra repartida.

Porque morre então a cooperação, se é ela a principal força de produção?

O campo é diferente da cidade companheiro. Lá, pra organizá-la basta ter um patrão

“com bom” dinheiro. Na agricultura é diferente, para cooperação viver e ir em frente, deve nascer

primeiro no coração da gente.

Ainda falta algo para esta tese ser verdade. No campo a cooperação deve ter germes de nova

sociedade. Sobrevive, quando as pessoas aprendem a ser livres, firmes, como os pilares de uma

comunidade.

Um pouco mais talvez ainda resta, é difícil diferenciar ao longe como na floresta, algo que

pelo jeito não se diferencia. A árvore só pode ser diferente se aprender a espalhar sementes e fazê-

las nascer apesar da sombra fria.

Por isso cooperar entre os arames dos lotes é difícil como buscar água no deserto, no campo

esta idéia só dá certo, quando se misturar trabalho com ideologia. Aí, cooperar, lutar e amar,

rimarão nos versos da mesma poesia

Para isso precisa formação. A consciência substitui o patrão. A força organizada constrói a

utopia. Uma coisa apenas ainda falta, é manter a velocidade sempre alta, nas rodas que transportam

a alegria.

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Cartas de amor

Nº 8

AO SUOR

Quando o suor nasce da pele nua, anuncia que o trabalho e a luta continuam a moldar o

corpo dos guerreiros. Mas é sinal também que sobre a terra, colocada como esteira, há espaço para o

abraço da guerreira.

Os tempos ficam difíceis de viver, principalmente porque o suor deixa de verter. Fica no

corpo procurando atalho, porque o capital elimina os postos de trabalho.

Sem trabalho os córregos não descem pelo couro e o ser humano deixa no país de ser o

principal tesouro.

Fala-se em indigência quando o trabalho deixa de ser consciência e o ser social mendiga

pelas ruas. Dorme estirado em pleno chão, mesmo no frio aparenta ser verão, deixando as costas e

as pernas todas nuas.

Sem suar o corpo está na ociosidade, por ter saído do campo e migrado para a cidade. Ali,

sem trabalho não há vida, não há renda, enquanto a terra adormece por debaixo das fazendas.

O retorno é inevitável para quem quer renascer. Se, é de terra que foi feito o homem e terra

voltará a ser! Só há duas formas para isso poder acontecer: suar ou se deixar morrer.

Na terra conquistada o ser humano torna-se semente que rompe como o fogo o elo das

correntes. A fome vai embora quando se tem algo para ocupar os dentes.

Quando os elos na terra conquistada não abrem de verdade, estão congelados sob o frio da

propriedade, fazendo os lutadores, da terra, tornar-se proprietários e senhores. Esta friagem

corrosiva mata toda a energia criativa e impede a prática de valores.

Não somente por falta de valores morrem as sementes, também das flores que não nascem

livremente, no meio da terra conquistada, ressequida. Se apenas do egoísmo o suor brota, a

liberdade ainda é tão remota, quanto à uva não plantada; nunca se tornará bebida.

O suor do retirante é frio. Parte silencioso como as águas do rio, que choram lambendo a raiz

da castanheira. Passo a passo sem pressa de chegar, pois não tem tempo e nem lugar, onde depositar

sua canseira.

Mas o suor que faz o passo faz também o militante. Caminha como a sombra se esgueirando

entre as frestas retorcidas da utopia. Sabe que no lombo desnudo das montanhas, descansa o

despertar de um novo dia.

O parasita não sua, porque bebe o suor do condutor que com ardor a causa então provoca.

Ao contrário, o danado acomodado nada oferece em troca.

Pior ainda, quando atacado o parasita, procura mil recursos e passa a defender-se com

discursos. Bate forte com a mão direita sobre o peito, acha ter mais importância e, na sua

ignorância, pensa também ter mais direitos.

O suor faz o caráter, ajeita a conduta e da história alinha a construção. Faz o militante

aprender, a tomar o fio da liberdade e tecer a esteira da própria libertação.

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Cartas de amor

Nº 9

AOS SONHOS

É proibido sonhar quando a alma não quer sentir e, nem sequer imaginar os passos que deve

dar, teimando em se acomodar pra não ver a flor florir.

Há sonhos que dão errado. Há sonhos de desespero. Há sonhos de pesadelos e, alguns de

solidão. Há sonhos egoístas, fatalistas, entreguistas que alimentam a exploração.

Os sonhos verdadeiros são coerentes; espalham em cada passo um bocado de sementes, para

fazer o jardim do amanhecer. São os que movem as mãos e os braços, para oferecer o corpo, aos

abraços de prazer.

Sonhar que se está sozinho é não ser nada. Os sonhos são a madrugada que espera o dia se

fazer. Pesadelo não existe para quem sonha ao lado de alguém que também sonha. Que não se

envergonha de sonhar com outro alguém, que busca o mesmo destino, como o menino que chama

pela mãe.

Sonhar é não querer ir só para um lugar melhor. É ver em cada olhar um pedaço do lugar

onde descansa a esperança. Quem sonha sempre é criança; tem energia, tem alegria, tem confiança...

É duro sonhar perto dos desanimados. É como ver a flor se abrir às margens de um rochedo:

o sonho é engolido pela indecisão e o medo.

É preciso sonhar com as montanhas de onde vem o guerrilheiro ao lado da companheira,

trazendo uma bandeira embrulhando o coração. Trazendo a revolução organizada em fileiras,

desfazendo-se em brincadeiras de roda, de São João; que se misturam à poeira dos passos de cada

irmão.

É preciso sonhar com a floresta que se empresta para cada geração. Que pede proteção, dá o

fruto e a raiz, cura a dor e a cicatriz feita na pele queimada. Dá sombra, terra molhada e faz a gente

feliz.

Sonhar com a água doce na cacimba e no açude. Sonhar com a juventude; ás margens do rio

perfeitas. Sonhar com as boas colheitas das lavouras irrigadas; com a água à beira da estrada, que

nos leva até ao futuro. Sonhar também com ar puro, e o beijo da namorada.

É preciso sonhar mais: sentir de perto e distante, aproximar o horizonte e surpreender a

utopia, que chega um pouco por dia em cada passo caminhado. Sonhar com o céu nublado

prometendo água nova, com as sementes nas covas; nascendo um povo mudado.

Sonhar com os passarinhos cantando sobre as escolas. Sonhar com jogos de bola, com

danças e cantorias. Sonhar com a alegria que se dá até de esmola.

Sonhar com muitos valores, com uma nova cultura e, também com a ternura e a

generosidade. Com a solidariedade na palma da mão aberta; cama, colchão e coberta e uma mesa

com fartura.

Sonhar enfim com a vida, com respeito e igualdade. Sonhar com dignidade e um mundo não

dividido. Com um povo tão sabido que chega até ser medonho. Sonhar em fazer do sonho um

grande acontecimento; onde os dedos se cruzando, segurem a delicadeza e, acalentem a pureza de

quem sonha, mas lutando.

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Cartas de Amor

Nº 10

À TERRA

Disse o velho índio à tribo, mantendo no olhar o brilho: “O que acontecer a terra, acontecerá

a seus filhos”.

É a sentença dada pela própria natureza, que mostra aos homens tão “fortes” a sua grande

fraqueza; por não saber conviver, destroem só para fazer, da morte surgir riqueza.

E assim despem a terra, de toda sua cobertura, deixando à mostra as feridas em sua carne

batida, veias secas, sem poder levar a vida.

Parece uma chapa quente expulsando os animais, os pássaros e os insetos; povos perdem os

direitos, deixando de ser sujeitos, e vão se amontoando em alguns poucos locais.

Em seu ventre machucado jogam os fortes venenos, como se fosse remédio. Os filhos que

nela vivem misturando a dor e o tédio. Procuram sem resultado, o ar puro, que vinha de trás da

encosta. Hoje a chuva cai e lava deixando os ossos à mostra.

Como a careca do homem se descabela a montanha, luzindo ao calor do sol que bate em sua

crosta dura, onde as unhas dos arados passam, mas já não arranham.

Folhas secas já não caem. A terra morre de fome. E se ela nada produz, nada os seus filhos

comem. Sem água a terra endurece. O peixe some, e então no homem, a fome cresce.

Quando a lua surge no alto, já não tem o que fazer. Olha acanhada e não vê aquele

trabalhador que, banhado de suor, parava pra adormecer.

As fases da lua não vogam, crescente, cheia ou minguante, isso ficou tão distante esquecidas

na memória, porque hoje a grande glória, das modernas invenções é cuidar das plantações com água

que queima o abrigo, como se milhões de insetos fossem todos inimigos.

Muita contaminação, muita fome, muita sede. Não há canto de cigarras nem gente que arma

redes. Já não se espalham sementes, nem há vizinhos e visitas, falta pomares floridos, danças,

vestidos de chita.

Os pobres tocos das árvores, abraçados às cicatrizes, olham tristes para os troncos que

arrastados vão embora. Igual à população que um dia deixou o sertão; sem raízes vive agora.

Terra escura, vermelha ou matizada, deixou de sorrir porque se aposentaram as enxadas. Em

cada cabo havia gente, com os pés espalhando o mato e que produziam canções naquele mundo

pacato.

O silêncio das enxadas calou o braço sofrido que ficou sem serventia, como o dia de chuva

forte. A terra perdeu aos poucos milhões de seus habitantes, as empresas transformaram; sábios em

ignorantes.

Não se sabe o que se planta, o que se colhe e o que se come. Hoje nos laboratórios sementes

mudam de nome, que depois vão lá pra terra como se fosse uma guerra onde há duas partes lutando.

A cada palmo plantado, tanques, em tratores traçados, vão a vida bombardeando.

A terra boa, mas queimada, perde sua vitalidade, enquanto os braços balançam na total

ociosidade. Sempre é tempo de alertar, com a sã filosofia; que um povo não será livre e nem terá

alegria, enquanto seu alimento e todas as sementeiras, forem, produzidas e trazidas, de fora de suas

fronteiras.

Page 14: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de amor

Nº 11

À DEMOCRACIA

É de fato uma loucura, gente de alta cultura e de moral tão tacanha, pregar a democracia,

agarrados ao poder, mas que de tanto esbanjar, decidiram se fartar de coisas bastante estranhas.

Primeiro comeram o espaço e nossa população, sem ter lugar pra ficar abandonou o sertão.

Veio morar na cidade, onde as imobiliárias, já tinham se precavido e o povo foi espremido nas

encostas sedentárias.

Aí comeram as florestas para fazer mais fortuna. Todos os animais silvestres e as espécies

mais comuns foram todas dizimadas; porque para esta camada já não há limite algum.

Comeram o conhecimento e os bancos das escolas, o povo ficou sem ter o direito de estudar

e nem casa pra morar neste mundo traiçoeiro, porque esta minoria, com toda a sabedoria, comeu

também o dinheiro.

Foram avançando mais e comeram a saúde. Os dentes da juventude, sem ficarem intrigados,

é por isso que dizemos de modo pouco feliz que: somos enquanto país, os campeões dos

desdentados.

Comeram a voz do povo e este deixou de falar, só tem direito de ver o que alguns podem

fazer de forma impopular, sentindo grande emoção, na voz da televisão e nas letras do jornal.

Ainda comeram os empregos não há onde trabalhar. As pernas de nosso povo para não poder

andar. Dos braços, comeram o esquerdo e os dedos da mão direita, deixando o indicador, para usá-

lo com temor e aliviar as tensões, nas máquinas eletrônicas, no tempo das eleições.

Democracia de um dedo só? Faz dó, faz dó, faz dó...

Desta forma acreditam que existem iguais direitos, porque todos os políticos de fato são

sempre eleitos e, esta é uma verdade que não há quem não aceite. Mas de que vale apertar os botões

em um só dia, é isto democracia se em casa falta até o leite?

Muitos até se convencem e a farsa, ajudam a montar. Fecham um olho ao Tio Sam, mas não

é para piscar. É apenas para dizer que: o dedo só dá prazer, pra àquele que se eleger, e que nada irá

fazer para lhes desagradar.

A democracia do medo é feita por um só dedo, que tira o que deu de tarde, já no outro dia

cedo.

Mas a história é muito sábia, pouco a pouco nos ensina, que a pobreza não é feita por

orientação divina e nem a democracia, usando apenas um dedo, onde gente até por medo, vota em

quem lhe domina.

Pouco a pouco a consciência vai ocupando o vazio, resgatando todo o brio deste povo

brasileiro. Do sono vai acordando, para fazer vomitar tudo o que os ricos comeram, e se eles nunca

entenderam entenderão num só dia: que o dedo indicador mesmo se erguendo sozinho, pode apontar

o caminho da nova democracia.

Page 15: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de Amor

Nº 12

AO TEMPO

Um povo desenvolvido, sentia-se protegido por um pássaro veloz. Uma águia na verdade,

que comia as liberdades, impondo pesadas ordens, com a força de sua voz.

Seu ninho, uma atração. Levava com a força de suas pernas, as riquezas que encontrava, e

quando alguém a contestava, usava a “palmatória”, uma nota promissória, de certa dívida externa.

Seus vôos não tinham divisas nem fronteiras. Seus produtos deviam estar em todas as

prateleiras. Sua língua? Uma imposição. A moeda? Uma lei: a dolarização.

Armamentos? Sempre produziu. Poluía o planeta com gases e fumaça, e se alguém a

contestasse, saia das reuniões fazendo ameaças.

Suas relíquias? Preservadas. Forças altamente preparadas, delas tomavam conta. Constava:

uma casa branca, dois prédios de 122 andares, e um conjunto de cinco pontas.

Um dia a águia e seus filhos adormeceram. Três penas de sua cauda desprenderam e velozes

voaram para o ar. Por azar, foram se chocar contra as torres alvissareiras, e lá desceram elas

mergulhadas na poeira.

A águia triste e desmoralizada, por ter levado tal rasteira, procurava os culpados, com olhar

desconfiado, pois, as penas tinham se desgarrado de sua própria sambiqueira.

Quem provocou as penas a voarem? Quem instigou de longe e de bem perto? Quem

bombardeou nas selvas e no deserto? Quem matou com chumbo e de fome a céu aberto milhões de

inocentes? Pois, as penas que caíram, eram frutos bem maduros que jogaram suas sementes. Bem

entendido, “Quem com unhas fere, com unhas será ferido”

E o que faziam os “vitimados” quando a águia ciscava e abatia, durante anos, meses e dias,

outros Estados? Por acaso não era terrorismo, jogar bombas, durante a madrugada, quando dormiam

as crianças desde de Granada? A seguir os milhões que morreram de emboscadas, em outros pontos,

vítimas da triste sina, como até hoje na extinta Palestina, sem direito a gritar, e muito menos a se

mostrar na tela da televisão? Dizem que: “Quem vê cara não vê coração”, mas muito sentimento

pode esconder um grande fingimento.

Pedir clemência a quem, se és poderosa? Pedir ajuda a quem, se tens autonomia? Não há

coisa mais hipócrita e ilegítima, quando o carrasco se coloca como vítima.

Enfim, o tempo venceu mais uma vez. A eternidade não existe para um reinado! Todo poder

pode ser contestado. Ninguém é tão sabido que não aprenda uma lição. Se um povo pode ter a sua

nação. Um país a sua soberania. A prepotência tem limites e se deita diante de quem aprendeu a

olhar o tempo com os olhos marejados de utopia.

Terrorismo é o que vivemos aqui, marcados e mandados pelos silvos do FMI. Viver

sobressaltados em permanente insônia, vendo as garras da águia depredar a Amazônia. Ser

obrigados a engolir a Coca-Cola e ver nossas crianças e jovens sem escola.

Terrorismo não é apenas bombardear, se chocar e matar seres altivos. É mais! É fingir que

mata de repente, no entanto deixa a penar vivos. Ter que tirar da boca a comida e engolir em seco

uma ferida, enquanto o império mantém-se na orgia, bebendo a hemorragia de nossa carne

ressequida.

Salve o tempo! Salve o tempo! É o único instrumento que ninguém cala, nem derrota, nem

impede de existir. É ele quem faz o amanhecer, e deitado na linha do horizonte deixa o sol nascer

para fazer sorrir. Seca o orvalho, e no galho, faz a flor se abrir.

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Cartas de Amor

Nº 13

AO PERFUME

O ódio é um péssimo companheiro. Filho do descontrole emocional. É quase irracional.

Com ele o império vira bicho: se retrai, se contrai, se destrói. Não se faz herói da prepotência nem

da indecência, pois a conseqüência é o lixo.

A indignação não é ódio. É razão misturada a sentimentos. Sem momentos de avalanches,

que desmanchem a consciência. É clemência, paciência e generosidade. É não aceitar pela metade

algo que deve ser inteiro. É ver no desconhecido um companheiro, quando luta pela mesma

liberdade.

O ódio do império esconde um grande medo: ser surpreendido por segredos. Por isso

alimenta a mágoa, que lhes cega a esperança. Fica com a desconfiança de beber a própria água.

Repetindo: de que vale a prepotência a ganância, a intolerância e a mágoa, se, quem se diz dono do

mundo, no fundo, tem medo de beber a própria água?

É bom ver a opulência desmanchando-se em poeira. É como se uma espessa cabeleira fosse

varrida pela ventania, pagando em um só dia, o que fez o tempo inteiro. Sentindo de perto o cheiro

da vergonha do Rei que ficou nu. Sem ninguém que o conforte, como um chicote em sua mão,

batendo sem perdão, no próprio couro cru.

Satisfação; é um sentimento onde se mistura suspiro com sorriso. Onde o juízo acalenta a

utopia. Vê, prevê e guia, a arte de edificar ternura.; um renascer em cada criatura que se alimenta de

eterna rebeldia.

Chega o dia em que os tiranos ficam como os cães idosos que perderam os dentes e já não

mordem, mesmo mantendo nos velhos olhos a sanguinária ira. Suas causas são feitas de mentiras e

não servem para animar a liberdade. Nem à noite que amedronta, controla a eternidade. Ela não

detém a ousadia da luz, que arrebata seu capuz, com gestos de solidariedade.

A mesma força que obriga os tiranos a se unirem, pode levá-los à destruição. A força dos

povos nutre-se de indignação. Pode acordar em luta após a longa pausa, e unir-se ao redor de uma só

causa: pisar sobre os tiranos e resgatar em dias todos os anos, que se perderam por debaixo da

opressão.

Como as florestas incendiadas, clamando pela chuva se parecem as nações. Devem aos

tiranos o que já não podem mais pagar. Como o fogo que queima devagar até chegar ao lago da

revolta. Ali o grande encontro guarda uma saída: voltar, e numa festa, fazer como a floresta: em

cada galho, vê um atalho para deixar brotar a nova vida.

As mãos dos lutadores estão ligadas aos braços que distribuem abraços, e não à violência e

ao terror, estas são as armas do imperador, que faz da dor a sua missão. Põe a culpa de seus atos em

quem canta uma canção, condenando a harmoniosa melodia. Esconde-se por trás da economia como

um rato a espreitar o queijo, e não sabe o calor que tem um beijo, pois sua boca é amarga e cheia de

covardia.

É por tanto, conveniente, espalhar a semente do amor como um costume. Pois, por mais que

o ódio provoque muita dor e, leve o tirano em sua ira até pisar a flor, terá sempre primeiro que,

passar pelo canteiro e respirar o seu perfume.

Page 17: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de Amor

Nº 14

À SOLIDARIEDADE

Somos como os brotos das sementes espalhados campo a fora em busca de uma fresta na

terra para respirar a liberdade. O canto da verdade pertence ao que chamamos vida; semente é como

gente, não pode ser comida.

A aurora do nascimento avisa pela dor quando a semente quer deixar de ser flor. Fecundar é

sua vontade. Procura por isso resvalar pela umidade, por um canal que lhe instigue o olho a abrir-se

feito a força de um vulcão, para romper a crosta, que se prostra, diante da marcha desta revolução.

Se a crosta é dura os ombros do broto forçam sua abertura. Assim, com força e com ternura,

desponta aquilo que procura forma, não é uma reforma, é nascimento de algo terno e puro, que quer

espaço, para ligar-se por um laço, do passado ao futuro. Onde se vê, por antecedência, o fruto já

maduro.

A chuva como lágrimas refrescantes, lavam os olhos nas cascas das sementes, enfileiradas

nos canteiros, que sobem com uma boina na cabeça como um novo guerrilheiro que, envergonhado

com matizes indefinidos, põe força para ser reconhecido, é o lutador se fazendo em cada um de seus

gemidos.

E o horizonte se estende como uma bandeira à espera pelos passos de quem caminha.

Engatinha preguiçoso na garupa das montanhas a espera do aceno do raiar do novo dia,

desvendando os segredos e aproximando a utopia.

Os brotos temerosos nascem enrolados. Os destemidos buscam desde cedo seguir o seu

caminho. Os que olham para cima, já tomaram em suas mãos a auto-estima. O queixo levantado em

constantes movimentos, como um tornado sendo o acontecimento.

O universo é o invólucro da semente humana, nele se encontram os povos para lutar contra

os senhores, dando força e vida aos valores.

A castanha tem a casca dura, mas o broto teimoso sempre fura a sua rudeza. Nenhum

império com sua fúria incontida, pode deter um nascimento, pois dentro dele apesar do sofrimento,

existe vida, força da natureza.

A casca da semente em sua triste fadiga, cumpre o papel de ser barriga. Por mais dura que

seja por fora, guarda dentro de si a aurora do dia que se avizinha. A utopia é uma arvorezinha, que

dorme e quer nascer, depende do querer de quem os seus passos alinha.

É justo que existam diferenças. Sementes de todas as qualidades, cada qual com sua

identidade. Delas, vem os brotos com suas cores: operários, camponeses, professores, como na

floresta, cheia de silenciosos construtores.

Há sementes em todos os continentes, África, Antártida, Asia, Europa, Oceania e América,

algumas com fuzis em punho buscam abrir a terra, é a rebeldia dizendo ser capaz, de lutar contra a

vontade dos impérios e fazer nascer à paz.

O imperialismo é um inseto que come o olho da semente. É preciso combatê-lo ferozmente,

não importa com que roupa se apresente. Sua perversidade se combate de verdade com a

solidariedade de todos os continentes.

As potências perderão sua arrogância, no dia em que a sua ganância tiver a sentença escrita

em uma lauda: A vida é para se viver, mas quem quiser estuprar os outros para com isso ter prazer,

terá que comer, se quiser, a própria cauda.

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Cartas de Amor

Nº 15

PARA SERMOS IGUAIS

Para ver-nos nas flores, façamos os jardins. Eles crescerão na alma das futuras gerações, que

repetirão em canções as intenções plantadas; como as rosas rosadas que espelham as paixões.

Para ver-nos nas águas, preservemos os rios. Eles são os trilhos que multiplicarão os filhos

de todas as espécies. Com os bens naturais é preciso fazer mais, assumir o seu cuidado. As empresas

multinacionais entram cada vez mais, no coração das águas para controlarem os passos da vida.

Com sofisticadas redes, prendem os direitos, fazendo de quem da terra é sujeito, beber a própria

sede.

Para ver-nos nas árvores, preservemos as florestas. Elas garantirão para cada geração a

recompensa: cuidar de suas doenças e purificar o ar. Ajudarão a molhar e a evitar os desertos que já

estão bem perto. Só no Brasil, ficamos envergonhados, a saber, que já chegam a 574 Km2.

Para termos o pão, preservemos a terra. Ela é a mão que alimenta oferecendo a cada boca

suas colheitas. A erosão, a contaminação o fogo e a má utilização dos recursos naturais, já fazem, a

cada hora, uma espécie ir embora, de flores, ervas, insetos ou de animais. E para nunca mais.

Para ouvirmos um canto, preservemos os passarinhos. Eles sempre dizem de seu jeito, que o

maior tesouro, do homem ou do touro, está no próprio peito. Não é o coração, mas a força da paixão

que move a tempestade da vontade de voar, e ao mesmo tempo de cantar. O pássaro não engana; por

ser qualificado, aplica o ditado de “assobiar e, ao mesmo tempo, chupar cana”.

Para ganharmos um beijo, preservemos o homem e a mulher. É a única possíbilidade de

dizer que à vontade de amar triunfará. Preservemos o olhar para poder andar. Preservemos o amor

para zelar da flor. E preservemos a verdade para que vingue a solidariedade.

Como é difícil provar que o futuro se constrói pelo presente! Que, quem aqui está, nada mais

fará que lutar para preservar o que se tem, que tomamos emprestado das gerações que vem. Todas

nascem pacíficas e controladas, mas se obrigam a lutar para consertar o que, os que passam

primeiro, como em fim de festa, sujam o espaço inteiro.

Quem nasce achará seu espaço já virado, por àqueles que não souberam comportar-se no

presente ou no passado.

O imperialismo destrói e impõe normas para que as sobras dos rios se tornem grandes

negócios. Já não se coloca como sócio, quer ser proprietário, da água onde ela estiver. Por isso

dizem que o FMI, recomenda às nações que acelerem as privatizações de todos os mananciais. Isso

é demais!

Dizem que estratégico é investir na indústria, no petróleo e em tecnologias. Mas as

consequências por todos conhecidas é que: uma nação sem água e sem comida, não terá sua

descendência repetida. Estratégico mesmo é investir na vida.

“Quem semeia ventos, colhe tempestades”. Ainda falta revelar-se totalmente esta verdade.

Façamos alguma coisa! Ainda sobra da vida, pelo menos a metade.

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Cartas de Amor

Nº 16

AO SOCIALISMO

É preciso despertar enquanto é cedo. Perder o medo de dizer de que lado se está. Como a

chuva que também cai devagar, e não deixa de cumprir com sua sina; molha todas as plantas com

neblina e lava a poeira do calor. Beija a boca doce de cada flor e limpa as impurezas do ar que o

império contamina. Por isso, desperta América Latina!

É verdade que tivemos no passado erros cometidos pelo “socialismo de Estado”, que nos

jogou para a periferia da história. Que negou quase um século de memória e de sonhos

interrompidos por canhões, mas jamais tantos povos e nações, conseguiram juntamente tanta glória.

Um vazio pode-se dizer. Um vazio nasceu no lugar das frustrações. Mas quem é o império

para querer dar lições, qual chicote querendo acariciar? Sopra onde não pode beijar, qual dragão

sem sorrir mostrando os dentes, faz da mídia um chocalho de correntes, tripudiando sobre alguém

que não morreu. Se de um lado se agarra aos judeus, de outro devora os palestinos, e oprime

africanos e latinos, pondo a culpa no tempo que não cedeu.

É verdade que há uma confusão que engole as utopias. Desmontou-se a ideologia na maioria

das cabeças congeladas. Que tinham aprendido à marteladas, pela ordem dos partidos comunistas,

mas então não eram marxistas? Pois, a ciência não pode ser acorrentada.

Dois pólos continuam a se enfrentar, mesmo tendo caído o muro de Berlim. Aquilo não

significou o fim da briga entre a ética e a opulência. Acontece que, quando se tira da história a

ciência, os sentimentos é que tomam conta, por isso um dos pólos virou o islamismo e se defronta,

no vácuo deixado pelo socialismo.

É isso que precisamos decifrar. Caso contrário ficaremos sobre o muro. A guerra não é entre

puros e impuros, mas entre ricos e desfavorecidos. Os Talibãs por mais erros que tenham cometido,

influídos por sua religião, mas por trás de seus atos existe uma nação, que a anos luta contra

impérios intrometidos.

O imperialismo é o inimigo da humanidade. Ele faz o terror entrar pelas janelas. Milhões e

milhões morrem asfixiados, sem poder dizer sequer um não. Já foram ao Vietnã e perderam para

nossa alegria, preparemo-nos pois, chegará o nosso dia, de lutar cantando uma canção.

Pátria ou morte! Pátria ou morte! Viva a solidariedade. É a guerra do míssil contra a carta

que leva até a casa do império o pó que envenena o ar, para ele saber como é ruim morrer sem

respirar, como faz morrer nosso planeta. Morte ao boi, “ao boi da cara preta” que não pega

ninguém, pois as crianças já não tem mais medo de careta.

Religião é religião e não ciência, passou a ocupar este lugar depois que a ideologia dos

pobres falhou em sua experiência, mas terá que se reabilitar. Não existe tempo e nem lugar, pois

esta profecia não se supera não! Somos a última classe em ascensão, para chegarmos à nova

sociedade; onde o pão se servirá repartido em metades; as pessoas se abraçarão mas sem cinismo;

não haverá paz na terra nem perdão, enquanto a humanidade numa só revolução, não implantar

amplamente o socialismo.

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Cartas de Amor

Nº 17

O NOSSO AFEGANISTÃO

O nosso Afeganistão é aqui com guerra e tudo, governado também por cabeçudos, com

apenas uma diferença: lá o povo reage à sentença imposta pela crueldade, aqui apesar da fome

imensa, ainda se prega a passividade.

Há um “novo” vocábulo criado pelo imperialismo, descrito em todas páginas de jornais,

chamam de bioterrorismo e nada mais, aos ataques sofridos com um pó, mas quem primeiro

inventou este arsenal que agora não consegue controlar?

A ciência a serviço do mal, ligada a área da biologia, já na guerra da Coréia no século

passado, os americanos tem usado sem se quer prever os requisitos e explodiram uma bomba com

mosquitos, eliminando milhares de vidas, e assim se forçou um armistício e as coréias ficaram

dividas.

No Vietanan não foi tão diferente, um agente poderoso foi usado, para secar as florestas e

facilitar o combate aos guerrilheiros, a guerra terminou muito ligeiro, sem o império ter chegado ao

seu intento, mas o veneno ficou e com o vento, foi entrando após a guerra em todos os pulmões, por

isso por várias gerações, ali se suporta o sofrimento.

Na guerra do Irã contra o Iraque, onde o império em detrimento da miséria, ensinou o

segundo a produzir as bactérias que hoje são usadas nesta fúria insana, comendo as narinas da nação

americana, que queimam igual ferro envolto em brasa, o medo chegou às portas de sua casa, e olha

que faz apenas uma semana!

Mas a arma mais potente em andamento, que ataca primeiro a legislação, são os trangênicos,

meu amigo, meu irmão, que comem as víceras no atacado. Nos shoppings e nos supermercados, se

disparam os mísseis contra a vida, é o bioterrorismo então legalizado, que o povo enganado leva

como comida.

Ao contrário do que faziam no passado, onde as ameaça aos humanos eram feitas em

segredo, todas as espécies hoje estão com medo a espera de que lhes roubem os seus gens, como os

orgãos de crianças que também pelo império econômico traficados, é o terrorismo mais qualificado,

que apenas ao império só faz bem.

E o terror da dívida externa? É a ciência econômica a serviço do mal, que dá plenos direitos

ao capital, usando siglas para disfarçar o nome, enquanto 50 milhões de brasileiros já não comem, é

terror ou não morrer de fome? Por que isto o império ignora? Uma dúzia de crianças morre a cada

hora, é o presente e o futuro do Brasil que se consome.

Bioterrorismo, é o termo pois surgido, criado, alimentado e desenvolvido, pela ganância e a

elevada ignorância dos Estados Unidos, que inventaram através de sua ciência, mísseis que valem

milhões. Os pobres fazem das cartas seus canhões, e as enviam com cuidado e muito zelo, tendo

como custo apenas um simples selo, é o troco dos cordeiros dado aos leões.

Por último, é preciso destacar que, a tecnologia dia a dia foi poluindo o ar. O tratado de

Kioto o império não assinou. De que vale o ar condicionado e o computador, se o dono do mundo

tem medo de respirar?

Bioterrorismo é quando os inventos saem dos laboratórios pelas mãos dos professores e vão

comer os intestinos de seus próprios inventores. Então por que reclamar? Deve saber morrer, que

ensinou a matar!

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Cartas de Amor

Nº 18

A CUBA

Estivemos em Cuba em busca de alento para nossos sentimentos. Era verdade o que se dizia;

lá povo é um composto de coragem e ousadia. Não se entrega nem desanima, anda de cabeça

erguida demonstrando auto-estima.

A quem vai, a princípio a surpresa é instigante, pergunta-se sobre o grande comandante que,

embora o tempo lhe tenha tirado das faces a juventude, comporta-se como um guerrilheiro, move-se

o tempo inteiro e aparenta boa saúde.

O que vimos ali, com o que temos aqui, não se compara. O povo segue fielmente os

ensinamentos de Martí e Che Guevara. Convencido, não pensa o contrário. Empenha-se no trabalho

voluntário.

Os camponeses têm consciência da missão e produzem alimentos para toda a nação.

Misturam ideologia e sentimento; há uma estátua de Martí em cada assentamento. Exposto, em uma

praça florida. Ali se percebe que a ideologia tem vida.

Como um menino, Fidel passeia entre o povo. É o velho guerrilheiro que encarna as

qualidades sonhadas do homem novo. Com sua farda verde oliva, demonstra confiança, não

descansa. Anda e abraça com simplicidade, apesar de sua idade.

Perdeu a maciez da pele e a robustez das pernas que o fazem andar mais lento, mas não

demonstra fraqueza nem temor. É querido pelo povo por ser este lutador, que, não pára de falar do

socialismo, enquanto, sem trégua combate o imperialismo.

Não há propagandas de mercadorias. Nas ruas se respira ar puro e ideologia. Todos sabem,

em qualquer idade, o que é a revolução e a ela se dedicam com paixão.

Em Santa Clara está o Che, descansando no memorial com mais 38 guerrilheiros postos em

forma, onde ele é o comandante. A arquitetura é feita como se eles descansassem para seguir

adiante.

Os valores estão em toda parte. Comprova-se de fato que a revolução é uma arte. As

proporções entre nós são diferentes e mudam a consistência. Lá o país é pequeno, mas o povo é a

potência. Aqui o país é imenso, mas pequena é a consciência.

O que dizer para aqueles que criticam? Que o socialismo de lá é cheio de defeitos? Para

quem quer mordomias, de fato em Cuba não tem jeito. Não cabe lá a “democracia” daqui com suas

injustiças astronômicas. Lá o povo tem o básico e não vota em máquinas eletrônicas. Nem por isso

deixa de ser feliz, participa ativamente da defesa do país. Quem assim procede é bem visto. Quer

mais democracia que isto?

Aos que lá vão e voltam magoados e criticando, é sinal que estão se petrificando.

Quanto a nós, dizemos sem constrangimento, que Cuba representa um farol neste momento.

Aceso no meio do oceano, nas barbas do Tio Sam, expondo sua ousadia. É sinal que aquele povo se

alimenta de utopia.

Resumindo, pode-se dizer livremente sem apertos: fomos a Cuba, não vimos erro algum;

estavam escondidos atrás dos acertos.

Pátria ou morte! Venceremos! Não são palavras vazias, são atitudes e valores em construção

que somente as entende quem vive em uma revolução.

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Cartas de Amor

Nº 19

AO CHE

Em Santa Clara de longe se avista, o grande comandante comunista. Jovem e esbelto na

estátua que o moldura, parecendo ser viva a criatura.

Não há quem não se emocione ao ver o retrato tão fiel, talvez mais do que ficar frente a

frente com Fidel.

Em outro ponto, é outra a situação. Pode-se descer e pegá-lo pela mão. Está logo à frente de

onde, na batalha decisiva, o trem saiu dos trilhos. Sem o fuzil. Olhar de confiança. Nos braços

carrega uma criança como se fosse um filho. Assim também nós nos sentimos, descendentes do

comandante que seguimos.

No memorial estão os guerrilheiros, enfileirados como companheiros, a espera da voz do

comandante, dando-lhes ordens para seguir adiante. Ali se encontram objetos deformados que foram

tão preciosos quando por eles usados.

Mas o Che não está apenas neste velho mostruário. Está no coração do povo, no trabalho

voluntário. Na moral, nos valores e nos sentimentos. Na defesa do país e no comportamento.

As crianças têm orgulho de serem socialistas. Defendem a revolução e todas as suas

conquistas. Tem no olhar uma chama de esperança. Se percebe apenas pela voz que são crianças.

A juventude está à disposição, para cumprir socialmente a sua função. Em suas faces já não

se vê às velhas cicatrizes, buscam manter da cultura suas raízes e vão, em massa, prestar ajuda

solidária a outros países.

Ali se vê que o Che não foi apenas um comandante militar. Mas um ser inquestionável que

sentia e sabia amar. Que tinha um pensamento em cada mão, na boca, uma singela canção, que

atraia os ouvidos de seu povo e ouvindo cada qual se tornou novo.

Este artista arquiteto de um só sonho, que enfrentava o perigo tão risonho, pois sabia o valor

que tinha a vida. Como pode sua voz ser esquecida, se suas ordens eram cantos nas trincheiras?

Seus planos eram como brincadeiras, de crianças tentando moldar o mundo, por isso era seu carisma

tão profundo, de enfrentar limites e desrespeitar fronteiras.

Poeta do fuzil que não podia caber só em uma ilha. Seguiu pelas Américas abrindo trilhas,

como um raio de luz penetrando nas florestas. Com suas idéias foi rasgando frestas, nas velhas

teorias petrificadas. Fez dos passos, teses elaboradas que, a seu ver sempre foram modestas.

Guerreiro da consciência. Lutador para extirpar a ignorância. Deu aos humanos a máxima

importância, porque acreditava na ciência. Transformou o conformismo em impaciência. Os limites

em degraus entre as batalhas. Colocou os acertos sobre as falhas. Combateu em si mesmo as

deficiências.

Como podemos esquecer ou fingir estar distante? Deste ser que nos chama ardentemente.

Nas batalhas estará sempre em nossa frente. Sendo assim o nosso eterno comandante.

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Cartas de amor

Nº 20

ÀS VERDADES JÁ APRENDIDAS

Não diga que é preciso organizar o povo

Nem que os Bancos exploram o cidadão

Que a água não pode ser privatizada

E o caminho é a revolução.

Que a terra está entregue ao latifúndio

A renda está muito concentrada

O governo é conivente com o império

Que as idéias socialistas não estão superadas.

Que a soberania está quase perdida

O desemprego é irreversível

O homem está irreconhecível

Porque o consumismo já o venceu.

Que há milhões de indigentes pelas ruas

A fome come a vida das crianças

O povo perdeu as referências

A mídia atenta contra a inteligência

E a “esquerda” se rendeu.

Não diga que a globalização não é coisa do presente

Que a “elite” é inconseqüente

Os governos de “esquerda” são incoerentes

E o império já domina a humanidade.

Que o problema do povo é a propriedade

Que a riqueza é a fonte da violência

E que é preciso elevar a consciência.

São verdades talvez muito batidas

Que sem ação podem perder a própria vida.

Não. Não diga nada!

Pergunte se há um caminho... uma estrada?

Se está disposto a alinhar os passos

E convencido a descruzar os braços

Para agarrar com força a solução?

Pergunte o que é a revolução?

Porque é chegado o momento

Onde as palavras já não servem como exemplo.

Entenda de uma vez:

Que a dominação e a liberdade podem ter a mesma idade.

Há momentos em que uma só olhada

Organiza uma longa caminhada

E incendeia o coração dos que já não se queixam.

Acredite, que tudo guarda uma força interna

Que as injustiças não conseguem ser eternas

Simplesmente, porque os revolucionários não deixam.

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Cartas de Amor

Nº 21

AO NATAL NA REFORMA AGRÁRIA

Neste ano, no natal, não ouviremos sinos, porque as risadas dos “meninos”, que passeiam

livres e contentes, já podem mostrar e exibir os seus presentes. Ao contrário de seus pais quando

crianças, onde o natal servia apenas de frustrações das esperanças.

Agora nos pés cansados pode-se ver que estão todos calçados. As camas deixaram de ser

girais e a comida melhora sempre mais.

Nas cozinhas fervem as panelas. A energia substitui a luz das velas. Nos terreiros passeiam

as galinhas, é a prova de que a lona nunca abandona aquele que com luta o passo alinha.

As lágrimas agora são de emoção. Escorrem pelas faces qual perfume em formação

limitando a fonte que do rio é a nascente. Com a alegria de receber e dar presentes, gotejam sem

envergonhar o rosto. O pão é comido com mais gosto. Nos berços já não morrem os descendentes.

O natal na reforma agrária tem gosto de vitórias, como se um canto nascesse em cada dia. A

ocupação enfim se fez poesia, a decisão também se fez destino, e o homem velho renasceu, se fez

menino.

A mãe consegue se deitar mais cedo. Nas noites já não sopra mais o medo de não se ter

futuro. O fruto pende dos galhos já maduro. O leite como nas cachoeiras penetra borbulhante em

cada mamadeira.

O fogo acesso no terreiro, espera a visita de um guerreiro que partiu e não viu cada vitória.

Vive, em todo caso, na memória e festeja soprando as labaredas, que se movem como se fossem de

seda.

O mugir dos animais completam os sons da harmonia, que faz do latifúndio um tempo

antigo, onde vegetava só capim, agora, enfim, amadurece o trigo.

Violas e violeiros; vultos de outrora renascendo. Roupas que não tem mais os remendos.

Chapéus que não estão mais esgaçados. Lembranças que contam o passado. Lágrimas que secam

sem surgir. É o tempo de se permitir; viver, sonhar e ser sonhado.

Porteiras escancaradas dormem silenciosas, quietas. Roseiras orvalhadas se emprestam aos

poetas que deitam nos jardins para poder amar; sem medo de que alguém venha chamar, ou pedir o

lugar destes casais, já há tantos lugares tão iguais, que falta gente para os ocupar.

Neste natal, há mil coisas sendo ditas. Há mil faces rosadas, mais bonitas, há mil beijos

saindo em cada boca. Há mil coisas sendo repartidas, há mil desejos a realizar na vida que é tão boa

que parece curta e pouca.

Será assim: todos os natais sem sinos, porque as gargalhadas das meninas e meninos

penetrarão na alma dos adultos, expulsarão dali a cada ano os desânimos e os defuntos. Renascerá

assim sempre a certeza, de que, reforma agrária é gente e natureza, que se encontraram para viverem

juntos.

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Cartas de amor

Nº 22

À POESIA SERTANEJA

Sem a terra repartida, que prazer que tem a vida?

Pensava o sertanejo sem um prato de comida.

Só um punhado de terra daria conta de sua lida?

Onde plantaria seus pés todos cheios de feridas?

Se por tudo onde passava, a cerca estava estendida

Ia mais rápida do que ele caminhando nas subidas.

Com pernas feitas de estacas e a espinha retorcida

De arames com seus grampos, margeando a estrada sem vida.

Deitou-se para morrer sob a lona ressequida

Mas teve sorte o poeta de sonhar com a saída

E ao acordar divulgou a mensagem recebida

E contou a seus vizinhos o que vira em sua dormida.

Sonhei com terras plantadas, sonhei com flores floridas

Sonhei com casas pintadas... frutas amadurecidas.

Sonhei com jovens cantando em escolas construídas

Com mulheres liderando as batalhas tão sofridas.

Sonhei com arvores grossas e matas verdes crescidas

Sonhei com água corrente despencando das descidas.

Sonhei mais, com o trabalho feito com as mãos despidas

Cereais e plantações se transformando em comida

Abraços dados com força em cada espécie de vida.

Sonhei com ocupações, marchas e estradas compridas

Sonhei com a revolução, multidões vendo saídas

Riquezas acumuladas de uma só vez repartidas.

Sonhei puxar com as mãos, todas as idéias retidas

Em levar conhecimento a consciências adormecidas.

A levantar a bandeira de todas causas perdidas

Sonhei com grandes vitórias e a dominação vencida.

Sonhei com minha cabeça, levantada e bem erguida

Sonhei em fazer a história sem coisas dadas escondidas

A buscar com minhas forças as coisas oferecidas.

Sonhei em fazer do campo de minha pátria querida

Um lugar de gente livre se amando em terras carpidas

Um espaço de prazer sem ter vontades contidas.

E todos os que ouviram, sentiram as forças retidas

A moverem devagar as pernas enfraquecidas

E levantaram os corpos feito uma água fervida

Borbulhando contra as cercas que fácil foram rompidas

E os arames gotejaram toda maldade contida

Ali nasceu uma estrada... nunca mais interrompida.

Hoje a terra repartida, dá gosto viver a vida.

Cartas de Amor

Page 26: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Nº 23

AO ANO NOVO

Este ano vai ser bom, choveu em todo o país. Prenuncia a fecundação de um sonho que tem

raiz. Se chove na agricultura, a nossa velha cultura diz que o tempo vai ser bom. Com a semente na

mão perfura-se todo o chão pra se fazer o plantio, mas, se isso não se fizer, sobre a terra despida

ficam marcas e feridas da água que vai pro rio.

O “bem” tem sua aspereza, semelhante à rapadura, que oferece doçura extraída da dureza.

Assim é a natureza e a vida que segue em frente, quando o “bem” fica doente é preciso ter cuidado,

porque o sonho plantado pode morrer com a semente!

Mas o ano vai ser bom também para quem lutar, é preciso semear nesta terra preparada. É

preciso resgatar (isto é uma grande verdade), a nossa privacidade duramente escrafunchada. Onde os

nossos inimigos semearam muito medo, descobriram alguns segredos de nossa germinação, por isso

com as próprias mãos, torturam os brotos nascendo.

Recompor nossos segredos é a tarefa imediata. Sem eles, as velhas chibatas baterão sem

resistência, porque toda persistência vem de segredos mantidos. Mas, quando são descobertos, os

inimigos ficam certos, de nos terem demolido.

Muitas forças de esquerda se queimaram com a luz, já são brotos de bambus num caule oco

grudados, iludidos, mascarados, já sem criatividade, pensam que sem germinar podem crescer e

chegar a ter própria identidade.

A identidade do broto é a do caule que o sustenta, enquanto o caule aguênta o broto segue

com vida. Mas quando há epidemias, ou forte crises de vento, o mesmo comportamento tem o broto

infeliz, porque da velha matriz vem sua profissão de fé, pois é a mesma raiz que os fazem ficar em

pé.

As sementes não são brotos, tem raízes independentes, crescem e são resistentes, tendo a

própria identidade. Germinam no campo certo, fazem surgir o projeto de uma nova sociedade.

Isso é que dá garantia aos segredos preservados, os brotos domesticados já não querem ter

segredos, para não se surpreenderem por isso tremem de medo, sempre que o caule balança, como

se fossem crianças querendo adormecer, e na sua ilusão louca, levam o dedo até a boca e fingem

sentir prazer.

Se no país chove bem, bem a semente germina, renasce a auto-estima e passa a ser o

fenômeno, é este o grande termômetro que mede a germinação, quando com o coração rega-se a

força dos passos e sustenta-se com os braços o projeto em formação.

Ser fenômeno das mudanças com suas mil inovações. Fazer nossas plantações com sementes

naturais. Reproduzir nos quintais, hortaliças e pomares; plantar em todos os lugares vontade de lutar

mais.

Ser fenômeno político que atrai a juventude. Mostrar, tomar atitudes frente a degeneração.

Dar ao jovem condição de ser também dirigente; colocá-lo frente a frente com a própria libertação.

Construir novas consciências em milhões de estrategistas; fazer das forças ociosas e das

massas submissas, potenciais de enfrentamento, e assim, massa e fermento, farão a revolução. Por

tudo o que relatamos é que enfim acreditamos, que ano vai ser bom.

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Cartas de Amor

Nº 24

ÀS PALAVRAS

Falar a verdade é importante; mas não deve haver nada mais atormentante que a alma dos

políticos. Usam a boca como arma para disparar palavras sem prudência, fazem isto para se garantir,

mas não deixam de ferir de morte as suas próprias consciências.

Quando o político é eleito, só elogios se vê sair da caixa de seu peito. Quando perde, fica

retrancado: não fala de imediato; analisa os fatos para depois emitir o seu “achado”.

Quando perde uma, duas, três e vai tentar a quarta vez, no desespero, começa a elencar, os

erros. Rebela-se de um jeito bem primário e aventureiro; acha que os adversários o derrotaram não

pelas virtudes, mas pelas palavras rudes usadas pelos companheiros.

Assim expõe a sua sentença: “Quereis voz, que vosso candidato vença com esse palavreado?

Que iremos reestatizar as empresas já privatizadas, resgatar o dinheiro, não pagar a dívida externa e

estatizar o sistema financeiro? Isto não se diz mais não senhor, nem mesmo em campanhas para

vereador! Muito menos para presidente. As palavras devem ser bem diferentes!”

Dizem que o peixe morre pela boca, isto é verdadeiro? Quem morre pela boca é o político

interesseiro; com uma advertência: morre em sua consciência por primeiro.

Com belas falações, questiona os companheiros em suas razões: “Porque é que perdemos

tantas eleições?” E dispara a resposta desta vez sem emissários: “Não pode ser pelas virtudes de

nossos adversários!”

Vejamos então. Se há doze anos a esquerda não ganha a eleição por ter a língua afiada,

significa que seus erros estão nas palavras “mal” faladas? Esta é a lógica da reflexão: falando

“bem”, a direita ganhou cada eleição!

Então o jeito é se “desmanchar”. Deixar de falar tão diferente, engrenar um discurso

eloquente, que não diga nada, mas que engane muita gente.

Na verdade o que está sendo dito, há muito tempo na memória vem escrito. Pelos ternos bem

cortados já transparecia. Para alguns porém era bobagem, mas de fato, nesta tenção imensa, a

linguagem era ainda o que fazia a diferença.

Por isso é preciso prestar sentido: Neste país, de esquerda ainda há algum partido? Se pelo

sim, responda com ações. Se pelo não, poupe o ar de seus pulmões.

Não é virtude ao errado se igualar. Mudar o discurso e rastejar para ver se a elite o aceita. A

verdade é dizer sem emoção, a “esquerda” já perdeu a próxima eleição, e não é por capricho nem

vingança, é que na elite há pessoas de inteira confiança e não será mudando de discurso nem de

jeito, que um candidato de fora desta classe será aceito. A Não ser que seja por acidente, mas aí o

candidato já estará bem diferente.

É uma pena ver os sonhos desfolhados, mas os passos haviam denunciado, que, por falta de

formação e militância, os combates perderam a importância. Por isto sobraram as palavras para

modificar neste arsenal. Isto frustra quem ainda da revolução é um devoto, mas o segredo está em

que, para caçar votos, é inútil um quadro formador, precisa-se em cada esquina de um bom

“atirador” ( de palavras afinal), conhecido como cabo eleitoral. Há milhares no Brasil com nome e

endereço, o que diferencia um do outro, é apenas o preço.

Só há um jeito de chegar a vencer e governar: não deixar nenhuma palavra se render e com

elas organizar aqueles que precisam do poder. Somente assim e deste jeito, não se perde a vergonha

e o respeito.

Page 28: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de Amor

Nº 25

ÀS ILUSÕES

Por que será que a elite após quinhentos anos de poder, deixaria alguém que não é de sua

classe se exceder, e o país por ele governar? Isto é o que se deve perguntar a aqueles que

mansamente se aproximam, principalmente quando as pesquisas os animam.

A democracia burguesa é como um carro rodando estrada a fora. Nele há um motorista

treinado pela tradição. Mesmo cansado e sonolento, deixa o carro andar mais lento, mas não entrega

nem por um momento o controle do regime que leva a multidão.

Este carro a dirigir pode ser dado, se um dia estiver muito atolado e iniciar as rebeliões de

passageiros. Aí o motorista de mansinho, chama um ajudante, se afasta, e finge ir embora, mas fica

controlando os movimentos lá de fora.

Sabendo que o carro fácil não sairá; ajuda os passageiros a reclamar para poder ir de volta ao

volante. Por isso se posta mais adiante e espera a hora certa de dar o golpe certeiro, taxando o

ajudante de barbeiro, vendo o carro patinando no atoleiro.

Se por acaso houver reações das multidões, enlameada pelo barro, o “fugitivo” muito esperto

e cheio de confiança, chama os seguranças e manda descer todos do carro.

Aí impõe as ordens até o dia que bem quiser. Como não foi previsto outro carro, a multidão

tem de seguir a pé, prometendo vingar-se mais adiante, quando houver alguma eleição mais

importante.

Assim a chuva passa, seca a estrada; o carro sai em disparada rumo ao destino repensado. O

motorista já não tem o mesmo brilho, aí passa o volante, não ao ajudante, mas a um de seus filhos;

e lá ficam os ajudantes enciumados a protestar, e o carro segue devagar, carregando as multidões

para lugares pintados de ilusões.

Os ajudantes, todos de cara feia, a cada quatro anos são chamados a uma ceia. Num grande

parlamento para discutirem porque o carro anda lento. Passam as horas, a ceia pois termina, aí

descobrem que o carro anda lento por não ter buzina. Então convocam uma eleição para o povo (

que até então nada pôde opinar), decidir que tipo de buzina colocar. E assim procedem, mas o carro

continua andando devagar.

Passa-se o tempo, ceias vão e ceias vem, e o carro já não atrai mais ninguém, apenas os que

vão para ceiar. Xingam-se novamente em mesas regadas de champanhe e caviar, culpando-se uns

aos outros, porque o carro anda devagar.

Trocam o motorista e nada modifica. Os ajudantes se revoltam porque novamente ele

pertence à classe rica e nada de bom pode surgir. Propõe-se na próxima ceia, tomar o carro e

começar a dirigir.

Vem a próxima ceia convocada pela elite. E a direita distribui todos os convites como se

fosse uma grande brincadeira. E novamente, ocupa a maior parte das cadeiras.

Os ajudantes revoltados ameaçam não comer. “Que nada”, diz a elite, “ganhamos foi por

pouco até”. A multidão iludida renova sua fé e continua a andar a pé.

Os ajudantes fingem não compreender, mas gostam de estar ali, mesmo sem dirigir,

aproveitam todos os dias as muitas regalias, por viajarem (mesmo como ajudantes), no sistema da

classe dominante.

Assim é. A multidão composta pelo povo. Se quiser viajar e ter prazer, deve lutar para ter

um carro novo; onde não haja privilégios de ceias e bacanais de doutores ou de turistas, e que

todos, de algum jeito, tenham o direito, de serem motoristas.

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Cartas de Amor

Nº 26

AO JOSUÉ DE CASTRO

Caro poeta da fome. É uma alegria relembrar em poucas linhas seu afetuoso nome.

Ao ler seu livro “Homens e Caranguejos”, (que sabedoria bela), é onde seu carisma de poeta

se revela. Em palavras muito bem repartidas, nos diz que, a linguagem ou melhor, a gíria da fome,

sempre vem com palavras evocando comidas.

Em seu tempo, a propósito de tudo, se dizia: “É uma sopa, é uma canja, é um tomate, é uma

ova, é um abacaxi, é uma batata, é pão-pão é queijo-queijo”. Sem muita precisão para que isto

aconteça, diz você que é porque, “as comidas subiram à cabeça”.

Pensando bem, este vocabulário é bem maior. Quando alguém deixa passar uma

oportunidade diz-se que “dormiu de touca”, mas ao ver algo gostoso, “ficou com água na boca”. Na

dureza se diz que é “um angu de caroço”, ou então que é “carne de pescoço”. Para alguém que é um

tanto mal falada, “é uma galinha”, “uma pirua”, mas pra coisas duvidosas e falcatruas, diz-se que é

“uma marmelada”.

Quando há algo que perturba o destino, diz-se que “é um pepino”. Se alguém é desajeitado,

feio e com pouco luxo, fala-se que “é um bucho”. “É um filé”, se diz a alguém muito bacana, mas

para quem não atina muito bem, “é um banana”.

Paremos por aqui. Mas você acertou com precisão ao descrever o drama da fome em suas

verdades. “Esta presença constante da fome sempre fora a grande força modeladora do

comportamento moral de todos os homens desta comunidade: dos seus valores éticos, das suas

esperanças e de todos seus sofrimentos dominantes. Vê-los agir, falar, lutar, sofrer, viver e morrer,

era ver a própria fome modelando, com suas despóticas mãos de ferro, os heróis do maior drama da

humanidade – o drama da fome”.

Mas veja caro amigo; nossa linguagem toda, hoje corre perigo. De um lado o imperialismo

em sua louca corrida, vem mudando o comportamento e os nomes de todas as comidas. Toucinho de

porco já é “bacon”, sanduíche com ovo é cheese egg, algo sem gordura virou light e o que não tem

açúcar agora é diet.

Por outro lado, queira você saber, até a esquerda virou ligth e assim pensa chegar ao governo

e ao poder. Está mudando de bagagem, e das muitas coisas que está descarregando uma delas é a

linguagem. Neste teatro onde os líderes buscam fama, creia, ignoram o triste drama. Temos hoje,

início do novo século XXI neste país, o grande recinto, cerca de 50 milhões de pobres e famintos,

que usam a gíria da fome todo dia. Mas a “esquerda” nada fala. Esta gíria espanta a burguesia.

Já não se fala em classes, nem em revolução, daqui a pouco num gesto sobranceiro,

abandonam a palavra companheiro e passam a chamar-se de irmãos. Afinal, menos radical.

É triste, mas vivemos este tormento; àqueles que deveriam falar da fome e combatê-la, já

não a mencionam, e se chegarem ao poder, irão mantê-la.

As mudanças virão, mas por outro caminho. No dia em que a palavra “poder” significar:

feijão, arroz, leite, verdura, rapadura...e não aceitação, submissão e safadeza pura. A gíria da fome

será ultrapassada, ficarão outras como: “É uma barbada”. “É uma parada”. “É uma pelada”...A

geografia da fome será enfim modificada. Neste dia ( que sem tardar veremos), voltaremos a nos

chamar de Camaradas!

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Cartas de amor

Nº 27

À MULHER

Qual é a palavra certa que rima com mulher? É o que intriga o poeta que se debate em vão.

Pois há palavras em certas situações, que não rimam não.

É o caso da palavra mulher, que às vezes não rima, por ela estar acima. Semelhante a

montanha que não se acanha em expor sua beleza. Feita do mesmo material do que as baixadas, e

vivem tão ligadas na formação da bela natureza.

A montanha eleva-se com fulgor, para sentir primeiro o perfume da flor. A planície é fértil e

esparramada. Há porém uma diferença; na planície espalham-se os cultivos, nas montanhas

passeiam os seres vivos sem preocupação e medo; por isso é ali onde se escondem os maiores

segredos.

A mulher como a montanha, em tudo vê primeiro. Cria e promove o guerrilheiro que fica

dentro dela para se proteger; que pensa em descer, levar os sonhos e faze-los acontecer. O homem é

a planície, lá embaixo suporta grande peso, partilha o sonho ileso do novo amanhecer.

A planície jamais será montanha e a montanha não quer planície ser. Ambas tem suas

funções, vivem em plena integração. É triste, monótono, cansativo e intediante, quando uma da

outra está distante.

Andar pela planície “não” se cansa, é como ser homem em todo tempo em que a história

avança. Subir a montanha é mais complicado. É como ser mulher, o esforço é dobrado em todas as

idades. Mas, o respeito e o direito um dia se abraçarão e construirão um mundo de igualdade.

Afora esta simbologia, mulher rima com rebeldia. Sua força não está nos braços, nas pernas,

nos pés ou em cada mão. Isto é uma evidência, está em sua consciência que move a resistência e se

torna paixão. De novo, mulher rima com coração. Poderia até rimar com revolução, mas seria

crueldade; pois revolução é um nascimento, e nesta obra de atrevimento, o homem tem direito a

fazer a metade.

É preciso romper a terra para fazer nascer às flores, por isso a subversão dará a condição de

modificar o conteúdo dos valores.

Mas é preciso deixar algo por escrito: é importante combater todos os mitos. Que “a mulher

é um poço de bondade”, “santa” e “devagar”, que sua força está em saber, que só pode exercer, o

poder, como “rainha do lar”.

Que o seu brilho está obscurecido porque ela é “dependente do marido”. Voltemos à nossa

simbologia; a montanha não depende da planície para se proteger de qualquer ventania. Ao

contrário! Ela é quem enfrenta os ventos e desafia os raios.

A saber; a história será diferente, quando a mulher deixar de ser estranha de si mesma e

perceber, sem ignorância, que sua importância é a mesma da montanha. Sem ela não nascem

cachoeiras, não se pára o vento, nem se faz poesia com rima, sem a auto-estima.

As montanhas ficam em pé porque na superfície, suas raízes estão ficadas nas planícies. Bem

comparado! Olhando de outra forma e cheios de esperanças, sem que as ilusões e os preconceitos

nos domem. A força das mudanças estão, em entender que, só poderão acontecer, no dia em que

cada mulher, mesmo com todas as cicatrizes, tiver suas raízes, plantadas no coração de cada

homem.

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Cartas de amor

Nº 28

À PALESTINA

Palestina, pátria sem lugar.

Menina que ainda há de nascer

Povo que resiste, que luta, que insiste sem medo de morrer.

Cercado por tanques, bombas, repressão...

Que marcam o chão com sangue vertido

Que mancham o tecido do destino

Com desenhos de flores transparentes

Que fazem de sua gente

Armas e explosivos.

Redobram pedidos e apelos cansativos

E vêem se transformar de uma vez só

A paz misturada a cinza e pó

Dissolvendo os mortos nas trincheiras com os vivos.

Não são terroristas, são armas de guerra!

Último recurso encontrado para conquistar sua terra.

Terror é o que faz o senhor tirano

Que dá a Israel três bilhões por ano

Para sustentar a urgia de Sharon...

Que é apenas o dedo no gatilho

Do império caudilho que perdeu o coração.

Palestina pátria por nascer...

Que queremos ver já de imediato

Que seja de fato

A pátria do povo...

Que renasce novo

Por trás dos escombros e da poeira.

Que erguerá nos ombros

A sua bandeira

A primeira do milênio cristão.

Que se torne exemplo de nação

De força e de coragem

Que empreenda os passos desta viagem

Que leva à solidariedade.

E o império?

Que engula a crueldade e entrave a sua garganta

Sufocado morra, enquanto o povo canta

Embalado pelo som da liberdade.

Page 32: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de Amor

Nº 29

AO MÊS DE ABRIL

Sempre que chega este mês, dá vontade de chorar. Dá vontade de dizer, e vontade de lutar,

por motivos muito certos, pois é como ficar perto de um tempo sem lugar.

Tempo que a história comeu. Tempo que a história não deu, só tirou. Tempo que a história

marcou, nas curvas com sangue novo. Tempo que levou do povo a esperança de viver. Tempo que

nos fez sofrer e nos faz sofrer de novo.

Tempo que prendeu a terra por detrás da propriedade, que edificou as cidades, e quis levar o

sertanejo. Tempo que matou o desejo de cada um ter sua terra, que fez dos sítios taperas sem ter

roças nem manejos.

Mas há os que resistiram, se transformaram em sementes, se tornaram caminhantes nesta

estrada de emboscadas, que viram seus próprios filhos, servir de alvo aos gatilhos; morrer sem

buscar o nada.

As datas pouco revelam, as estatísticas também, pois o número não revela a tristeza que

contém. Sempre se houve dizer, que há gente que quer comer, mas a fome só quem vê, é quem de

fato a fome tem.

Matar se tornou cultura; bem como abrir sepulturas pra enterrar quem vai embora. Já é coisa

natural, gente se tornou animal, pois basta apenas um sinal pra se matar a qualquer hora.

Aí não tem julgamento, e também não tem prisão, fica livre o pistoleiro, o policial e o

patrão. Na casa ficam as crianças, levando as tristes lembranças teimando em ser cidadãos.

Os motivos são diversos, mas as causas são iguais, morrem filhos nas favelas com balas de

policiais. Na roça é assim também, morre quem não está bem, pois ao governo convém, deixar

matar muito mais!

O tempo na mão dos ricos cumpre um destino fatal, sempre que há um escândalo, uma

chacina mortal, lá vai a televisão, tapar na imaginação o que fizeram de mal.

Mas não puderam tapar, em Eldorado do Pará, onde por bem ou por mal, despertou nossas

consciências e se tornou referência, símbolo internacional.

E o dezessete de Abril manchou de sangue e repique, pois governava o Brasil o esperto

Fernando Henrique, que levará para a história as marcas no paletó, do sangue dos dezenove, que

eles mataram sem dó, e em sua farsa de estadista, constará também na lista, estas manchinhas de pó.

Abril do descobrimento. Abril da inconfidência. Abril lá do Carajás que já nos tira a

paciência. Abril das marchas e lutas, de combates e resistências. Abril de esperanças vivas que

anima nossas consciências, e nos faz seguir em frente, apesar das deficiências.

Esta chama da esperança é quem nos leva pra frente, armando lonas na terra em todos os

continentes, para dizer ao império, este sujeito demente; que embora ele tenha as armas, nós temos a

força da gente, que apesar de nos matar, o tempo não vai faltar, pra nos ver independentes.

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Cartas de Amor

Nº 30

ÀS SEMENTES

A história das sementes estão ligadas à vida humana, através da simbologia e das lendas,

formando a pedagogia, para que, nesta longa travessia, cada geração aprenda.

Vejam por exemplo à semente do milho. Um velho índio ao morrer chamou seu filho,

propondo-lhe com voz indagadora, que o levassem e o enterrasse no meio da lavoura.

Com um nó na garganta disse que, sobre a sepultura, três dias depois, rebentaria uma planta.

Com sua voz comovente disse mais, que não a comessem e o fruto guardassem por semente. Deste

jeito aconteceu e foi assim que o milho apareceu.

No sertão nordestino, onde a seca já faz parte do destino; a família sertaneja para proteger a

semente, empreende contra a fome uma difícil peleja.

Guardada em litros, e em garrafões, às sementes resistem aos sucessivos verões. Vira um

calor do inferno, quando a seca se prolonga comendo o próprio inverno.

Preservadas as sementes do gorgulho, comê-las por necessidade é uma improbidade, é o

mesmo que comer o próprio orgulho; ou ainda mais, mesmo em meio a esta intensa matança,

comer as sementes é devorar a esperança. Isto porque, quando o inverno virá, não se tem o que

plantar.

A história humana é muito parecida, sempre coube a alguns povos, grupos e movimentos,

suportar o peso e os tormentos, para guardar as sementes, por isso é que elas tem suas lendas,

misturadas com as lendas da gente.

Desde os pergaminhos que os anciões baseados em sua fé, escondiam-nos para não serem

destruídos, para que as futuras gerações, soubessem o que tinha acontecido. Até os dias atuais, as

sementes são preciosas demais. Ninguém pode comê-las, por isso é preciso defendê-las.

Usamos como referência, Cuba. Se ela for comida pelo imperialismo, perderemos a semente

deste bravo socialismo. Será uma derrota para a América Latina, perdendo-se esta semente fina.

Se Israel comer a Palestina em sua essência, não teremos mais a semente que instiga a

resistência e então, ficaremos sem um ponto de partida, por isso a Palestina não pode ser comida.

Se no Brasil, por ódio ou por vingança, o governo comer o MST, perderemos sem querer a

semente da esperança. A reforma agrária será interrompida, porque a semente da luta e da ousadia,

também foram comidas.

É assim que devemos observar. Uma semente é mais do que semente. Ela tem um pouco de

vegetal, um pouco de animal, e o restante é feito dos sonhos da gente.

As sementes são como um povo construído, têm sua força, sua fé e seus valores. Atentar

contra elas é sermos roedores, que fazem da vida apenas um consumo. É um dever fazer a história

enveredar para outro rumo.

Não é verdade que a semente precisa morrer para poder ter vida; pelo menos estas que

citamos, pois já estão nascidas. É verdade porém, que para preserva-las nos custará a vida.

Mas de que vale viver, se deixarmos a semente morrer? É melhor que ela permaneça e que

de nós pelo menos nunca esqueça. A mão que semeia, da vitória nunca será alheia!

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Cartas de Amor

Nº 31

À UTOPIA

Utopia são fantasias que escondemos na consciência, por isso é que, somente as cultiva

quem tem perspectivas; assimila e conduz a história com paciência.

As fantasias nunca se realizam do jeito que são imaginadas, mas são importantes, elas

ajudam a caminhar adiante, fazendo com os passos, pedaços de nossa estrada.

Quem não tem fantasias, vive do passado, espera o amanhecer de braços cruzados. Não tem

inspiração, não gosta de emoção e o mundo segue em frente com seus passos, lentos e cansados.

Só existe uma maneira da história não ter pausa, é quando a utopia se torna causa. Como

uma nuvem distante, chama os lutadores para seguir adiante.

Utopia sem luta não tem graça, é como confundir uma nuvem com fumaça, que, pode ser

tocada pelo vento. A nuvem é mais do que fumaça, é instrumento, guarda em si o segredo da

esperança, por isso é que, olhar no alto as nuvens ninguém cansa.

Mas há um grande perigo, é preciso ter cuidado com o inimigo. A alma do carrasco é seca e

fria; não tem constrangimento, este monstro fedorento, gosta de entrar dentro da utopia.

Ao entrar ali se acostuma, e a ordem da utopia desarruma. Desmancha as fantasias e enche a

memória com espanto, tentando confundir o choro com o canto.

Nos últimos anos o que tem acontecido? O governo brasileiro, prepotente, embrutecido,

mandado por um caubói violento e alucinado, entrou na utopia que tínhamos formulado.

Nas fantasias dos homens, de cada um ter a sua terra, impuseram leis, processos e devaneios,

que fizeram a utopia adormecer nos postos dos correios.

As mulheres, que sonharam com suas casas em bom estado, algumas receberam uma gaiola

de 42 metros quadros; e milhares delas nada receberam; assim as fantasias das moradias também

adormeceram.

Os jovens, que sonharam ter escola de boa qualidade, receberam transporte para irem até a

cidade, aprenderem ali o ABC, sem gosto, nem graça, nem cor; e cedo o jovem Sem Terra aprendeu

o que é ser perdedor.

A militância, como artista de novela, foi fichada, filmada, retratada pela repressão candente,

ganhando status de liderança e dirigente. Sentiu as fantasias dissolverem-se dentro e fora, quando as

vitórias decidiram ir embora.

A mídia fez o seu papel, mostrou para a sociedade um “movimento infiel”, que se dissolve

com luzes e refletores, por isso desarrumaram as virtudes e valores.

Repressão, processos, mapeamento, censura, fome, e morte por vingança, sempre foi o

preço a ser pago por quem alimenta uma esperança. Por isso, um movimento é como um ser vivo,

para viver precisa de segurança.

Precisamos agir com ousadia, despejar os poderosos de nossas fantasias. Eles não trazem

nenhuma solução. O povo constrói as utopias com suas mãos.

Utopia só tem quem quer e acredita. Dentre todas, as dos revolucionários, são sempre as

mais bonitas.

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Cartas de Amor

Nº 32

À VERDADE

Difícil é saber o que é a verdade nua e crua, até porque na vida que levamos, nos

acostumamos, a cada um ter a sua.

Estavam seis cegos conversando, diz a lenda, quando ouviram um grito alucinante: “lá vem

o elefante, quem puder que se defenda!”

Os cegos ficaram ali parados, curiosos e com medo. Era a chance de conhecerem um

elefante, tocando-o com os dedos.

O animal andando lentamente,avistou os cegos e parou em sua frente. Um a um foram à

identificação, tocando o elefante com as mãos.

O primeiro partiu, feito uma centelha e pegou o elefante pela orelha. O elefante se moveu

feito um ginete, dando ao cego a impressão de ser, bravo e valentão, mas fino e largo igual a um

tapete.

O segundo na tromba se agarrou. Não teve dúvidas, e logo interpretou: sendo roliça, torcida

e espichada, para ele o elefante era como uma cobra bem criada.

O terceiro agarrou-se a uma perna e fez a sua previsão. O elefante era roliço, forte e alto

como uma árvore do sertão.

O quarto cego mansamente sem fazer intrigas, tocou o elefante na barriga e respondeu de

uma forma precisa: o elefante era como uma parede, forte e lisa.

O quinto cego, cheio de desconfianças, tocou em uma das presas e disse que o elefante era

semelhante a uma lança.

O sexto cego na cauda então pegou e por certo se decepcionou. Ao ver aquela corda longa e

fina disse que o elefante era frágil como uma goteira de neblina.

Assim voltaram a sentar-se e a tecer a discussão, cada qual querendo ter razão. Todos

felizes, com sorrisos muito vivos, confiando que o elefante era pois inofensivo.

O elefante cansado e com os olhos tesos, começou a deitar-se sobre os cegos indefesos, que,

ao escorarem o elefante com as mãos, sentiram o peso e mudaram de repente de opinião.

Após o sufoco para se retirarem e deixá-lo a vontade, concluíram em frente a igreja, que um

homem só, por mais sábio que seja, jamais conseguirá saber toda a verdade.

Nos tempos atuais, onde a ciência avançou bem mais que o próprio entendimento. As

técnicas parecem fazer um testamento, contra o ser humano e as espécies entristecidas. O que

importa é o lucro que mantém a ganância das empresas enfurecidas, e não a vida.

Se a verdade está com as empresas, quem pagará os prejuízos e as despesas, quando verem

as espécies dizimadas? Quando as árvores morrerem envenenadas, os peixes deixarem de nadar, as

borboletas deixarem de voar, as sementes deixarem de nascer, e os humanos deixarem de comer?

A verdade companheiros caminhantes, é que as empresas transgênicas se agarraram aos

cascos do elefante. Dizem, ser ele como um rolo compressor, por onde passa soca a terra sem ter

medo, enquanto a transforma em um grande lajedo. O que sobrar, das pisadas deste monstruoso

elefante, será a herança que a humanidade terá para seguir adiante.

Quem não quiser ser também pisado, arme-se de porretes, foices e machados, para cortar

deste elefante imperialista as suas intenções. Só assim salvaremos as futuras gerações.

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Cartas de Amor

Nº 33

À ÉTICA E A MORAL

A ética e a moral são elementos importantes, na vida e na conduta de qualquer ser social;

elas dão forma ao comportamento e ajudam distinguir um ser humano de um jumento. Embora

muitas vezes isto nos cause enganos, pois, há jumentos com mais moral que muitos seres humanos.

Ambas estão muito ligadas, mas para efeito de entendimento é bom verificá-las de forma

separadas. Enquanto a ética é a razão e o julgamento, a moral é a norma que orienta, dá forma, ao

caráter e ao comportamento.

Não existe ética e moral que valham para a eternidade, elas mudam de acordo como muda a

sociedade. Para facilitar façamos uma comparação de profunda natureza; no capitalismo, abençoado

é quem acumula, riqueza ao lado de riqueza; o socialismo não admite desigualdades e pobreza.

Cada coisa em seu lugar. O ser humano constrói o meio que pretende habitar, por isso

chamamos a atenção; há ética na base desta construção?

Vamos tornar isto tudo mais preciso. Enquanto a moral é a norma, a ética é o juízo. Nas

tarefas de militância, estas questões ganham muita importância.

Elas não podem servir apenas para orientar as críticas, pois estamos envolvidos em

atividades políticas, onde o erro nunca pode ser normal. Quando isto acontece, a consciência mais

nada de bom nos oferece, e estamos próximos da morte da moral.

Mas é importante descrever onde se aplica e o que mesmo na vida cada uma significa.

Quando fazemos uma ocupação, ao quebrar o cadeado da porteira, para o militante é uma

grande brincadeira. Mas há ética e moral neste gesto, pois se mistura bravura com protesto.

Há um confronto entre o bem e o mal. Pois neste caso a norma do capital é dizer que a

propriedade privada é sagrada. Mas o juízo, diz que esta norma está errada.

Por qual razão deve existir a vida se não temos o direito a produzir comida? Aqui está a

confrontação, por isso é ético e moral fazer a ocupação.

Mas sendo vitoriosa a ocupação, o primeiro gesto é anunciado, que a chave do cadeado da

porteira mudou de mão. A terra não pertence mais ao fazendeiro, mas ao homem e a mulher que se

tornaram companheiros.

Que ética e moral aplicar agora ali dentro? Todas aquelas que distancia o homem do

jumento. Preservar tudo o que à vida dá importância e apagar as impressões digitais da ignorância.

Organizar-se, torna-se necessidade, pois ali deve surgir uma comunidade, onde homem e

mulher se respeitam e valorizam, pois só assim os sonhos se concretizam.

Mas é preciso estar atentos e prontos a tomar as providências. Quando as palavras não

incomodam mais, é sinal que os erros dominaram a consciência.

Só teremos ética e moral de verdade no dia em que elas estiverem a serviço, nas mãos dos

construtores, de edificar valores que se destinem a preservar a solidariedade.

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Cartas de Amor

Nº 34

AOS FILHOS DA GUERRA FRIA

Qualquer ser social e político sem deixar faltar nenhum, que nasceu em qualquer instante,

antes de noventa e um, é filho da guerra fria, de uma luta infernal que a gente pouco sabia, mas que

se iniciou no dia que acabou a guerra mundial.

Existia uma divisão feita pelo capital. Como se fosse possível separar o bem do mal.

Disputavam o espaço com armas muito potentes, queriam nesta geografia, fazer uma “guerra fria”,

ganhar corações e mentes.

Vidas pelo mundo todo foram marcadas e matadas. Invasões de territórios sem se preocupar

com nada. As Famílias repartidas, como é o caso da Alemanha, mas nunca se perguntaram quem

perde na guerra ou ganha?

De fato haviam duas idéias, que se enfrentavam no espaço. Uma do capitalismo, outra com

punhos de aço, pretendia se defender, pra garantir o poder, sem temer frio nem cansaço.

Mas esta disputa aberta, marcou o tempo e a história, por quase cinqüenta anos entre

derrotas e vitórias, e as gerações passando, sem querer tudo guardando dentro da pobre memória.

Houve tempos de progresso, de ânimo e euforia. Ninguém percebia os perigos que, na

marcha os inimigos iam entrando na utopia.

Entrando e desarrumando a ordem de toda a causa, como se a inteligência tivesse dado uma

pausa. Dos blocos, as definições, as idéias e as razões vinham em forma de “palpites”, pois os dois

assim diziam que desmanchavam e faziam, sem nunca temer limites.

Tudo se tornou herança da influência desses mantos; de um, herdamos o mercado, de outro o

desencanto, perdemos identidades, esperanças e saudades; tudo jogadas num canto.

Da guerra ao liberalismo, ao desmanche das fronteiras; o mercado come tudo; resistências e

barreiras, se colocou entre nós, como um bravo porta voz, revirando as algibeiras.

E todo o aprendizado do bloco da resistência, parece estar superado ou entrado em

decadência, a guerra fria acabou, mas as marcas que deixou faz tremer qualquer consciência.

Os valores e as virtudes se espalharam com o vento, poucos falam de utopia, de entusiasmo e

sentimento, pois o império em poucos dias, formulou a pedagogia de medo e constrangimento.

Um guerreiro constrangido perde a motivação, se defende o socialismo é taxado de antemão,

de ter passos em falso dado e de varde ter lutado, em cada revolução.

Uma coisa é muito certa, nos deixa muito contentes, é que a velha guerra fria com seus

métodos prepotentes, não conseguiu derrotar e nem mesmo esfriar os nossos corações quentes.

É com eles que seguimos, sentindo pulsar nas veias, as sabedorias dos povos brilhando igual

lua cheia; não terá mais guerra fria, porque a nossa utopia, limpa a terra e já semeia.

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Cartas de Amor

Nº 35

ÀS VÍTIMAS DA ALCA

De que vale ter o fruto se invadem nossa colheita? Ter a cama e o colchão sem saber quem

nela deita? Ter a música e a poesia e a alegria desfeita?

Se o pão depois de amassado é negado a quem o faz? Se o sonho de liberdade já liberdade

não traz?

Se a terra preparada terá de engolir sementes, com venenos no embrião, como se a produção

não pertencesse à gente? Fosse usada pelos fungos ou outras espécies de vida! Com tantas

mudanças feitas que sabor terá a comida?

Quase um bilhão de pessoas estão na mira de um “rei”, que manda às suas empresas, com a

técnica que têm, tomar todas as riquezas, como se não houvesse ninguém.

De que vale ter a água se tomarão nossas fontes? As florestas e os minérios se as controlam

com fuzil? Será que não somos nada ou nada mais é o Brasil?

Como um barco rebocado, arrastam os continentes. Os povos ficarão soltos, sem trabalho e

sem correntes. Não pensarão em futuro pois tudo será presente.

O império come as fronteiras como as paredes da casa. Os sonhos perdem a força, como os

pássaros sem asas.

O orgulho nacional, da bandeira e do hino, não terão mais seu vigor, o império dita o

destino. A cultura das nações terá substituições, música por toques de sinos.

De que vale ter cultura e tanta sabedoria, se o império traz tristezas e leva toda a alegria,

deixando em nossas cabeças um mundo de fantasias?

De que vale ter um povo, e ser tratado como gado? De que vale ter governo se já não temos

o Estado? De que vale ter igrejas se já não temos pecados? De que valem os funerais se já não

sabemos mais, em que pátria somos enterrados?

Se deixarmos isto ir adiante, não teremos descendentes. Os netos serão caobóis ou multidões

de indigentes. Não terão identidade, nem a possibilidade de viver dignamente.

Aos pobres não resta muito, há só uma alternativa, ou põe os pés a caminho, como uma

locomotiva, encarando o rei de frente com a força combativa.

Não queremos um país isolado por vaidades, nem ser povo superior aos povos da

humanidade. Queremos anexar-nos pela solidariedade.

Pela solidariedade? Sim. E não pela exploração. Cada povo tem direito a construir sua

nação. Liberdade só existe se houver libertação.

Nenhum povo pode ser oprimido e saqueado, cada qual dá o respeito, pra ser também

respeitado. Parece que há alguns povos, que se julgam superiores, não sabem que a humanidade,

aprendeu com sua idade punir os dominadores.

Por isto o caminho é a luta. Atacar todos os lados. Enfrentar todas as forças, com facões,

foices, machados... eles produzem as vítimas; produzamos os soldados.

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Cartas de Amor

Nº 36

AO PASSARINHO DO SERTÃO

Se transformou em passarinho pra poder cantar o sertão. Tinha sua terra, seu ninho, deles

vinha inspirações. Fez da seca seu escudo, da poesia fez seu estudo, doutor em belas canções.

Não tinha asas de pássaro, mas delas não precisava, pois com a imaginação o sertão

sobrevoava, buscava em cada galho, ou numa flor que caía, tecer com versos um atalho, pra poder

criar poesia.

Somente um passarinho poderia relatar, o que há em nosso sertão, em toda noite de luar. Viu

morrer Nanã de fome, viu nordestino migrar, mas ele ficou ali, usando o próprio sentir, para a sua

vida animar.

Patativa do Assaré, poderia ser do Brasil, e também da humanidade. Por uma simples

verdade, de que; quem nasceu e se doou, a vida inteira cantou com tamanha liberdade, não poderia

ser mesquinho e acabar dentro de um ninho e ser de alguém propriedade.

Com a sua ideologia viva, era assim o Patativa, gostava de ter um lado, defendia o sofredor,

por ser um trabalhador, sabia o que era um arado.

E as poesias de sua mão grossa, com sabedoria imensa, quando os olhos lhe falhavam ditava

suas sentenças, por fim lhes faltou a voz, mas resistia entre nós com sua forte presença.

Aquele que faz poesia é igual a um passarinho, mesmo ficando calado, isolado em seu

cantinho, carrega a simbologia de ser a própria poesia se emendando em pedacinhos.

Patativa do Assaré, mistura de ave e gente. Quando queria trabalhar, naquele lugar tão

quente, se tornava brasileiro e passava o dia inteiro produzindo sua comida, mas, de um momento

para outro, virava um pássaro solto fazendo poesias da vida.

Quis partir, deixar a terra e as árvores do sertão, assim é a natureza que nos leva pela mão;

nos faz tropeçar nos anos e um dia interrompe os planos como um final de canção.

Este passarinho alegre, vai continuar entre a gente, quando não for pelas letras, será pela voz

consciente, que nos dirá em cada verso, que este pequeno universo será seu eternamente.

Patativa da poesia, do canto do sabiá, que colocou os poetas, cada qual em seu lugar.

Aqueles que na cidade, com a sua honestidade podem a vida rimar; e os demais no sertão, disse ele

com razão: “Cante lá que eu canto cá”.

Dizer adeus não precisa, pra quem estará presente. Assim se resume a vida, de quem vive

plenamente. Ainda mais quem faz poesia, terá sempre a garantia, seja de noite ou de dia é um

perfume que se sente.

Patativa passarinho, que tudo dito ou cantado, seja herança de beleza, a nós, teus filhos,

doado. Carregaremos contentes pois sempre será presente o que fizeste no passado.

Termino com um verso seu escrito no pé da serra, onde a poesia se chama “Caboca de

Minha Terra” é ali onde você diz com seu jeito natural: “Quem me dera sê poeta/Da mais rica

inspiração/ Pra na linguage correta/ Fazê do choro canção/ Fazê riso do gemido./ Ah! Se o esprito

sabido/ De Catulo e Juvená/ Falasse por minha boca,/ Promode eu cantá a caboca/ Da minha terra

natá”.

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Cartas de Amor

Nº 37

À JUVENTUDE

Malditos os que fazem da juventude instrumento de guerra, que lhes negam o conhecimento

dizendo não ter vagas nas universidades. Malditos os que vendem o destino e fazem da pátria um

puteiro, onde o dólar com sua inteligência come a virgindade e a consciência; estes pararão um dia,

em nossa magica utopia de jovens guerreiras e guerreiros.

Aos que traficam ilusões, fazendo da juventude massa esquartejada com o objetivo único de

frustrar carreiras ainda por nascer. Aos que se agarram ao mercado mundial para alimentar o capital

matando todas as soberanias; aos que fabricam fantasias e usam as drogas como escudo, aos que

pensam que assim podem tudo, haverão de parar em nossa rebeldia.

Estes que usam da violência para matar os sonhos, e levam das nações suas riquezas, que

comem todas as certezas, investem os esforços em novas tecnologias, enquanto o povo come

apenas uma vez por dia, pagando com a vida a crueldade; eles que acreditam na luxúria, pararão um

dia em nossa fúria, que corre em busca da solidariedade.

Aos que desconstroem a história feita, impedem que façamos as colheitas e buscam os

produtos importados; aos que já vêem o trabalhado eliminado e acreditam na especulação, sentirão a

justiça pois chegar, no dia em que o jovem acreditar, que o caminho é a revolução.

A todos os que pensam que as fronteiras não existem, e fazem dos países um só tapete para o

capital, estes que se dizem do “bem” para combater o “mal”, que perseguem a natureza e a matéria

prima; saberão o que é o enfrentamento, quando a juventude unificar o pensamento e resgatar em si

a auto-estima.

E os parasitas que vivem de urgias, que penetram as consciências com insanas ideologias e

fazem da juventude bravos consumidores. Aos que da terra julgam-se senhores, que dividem o

mundo em raças e religiões; eles que acreditam nos canhões e se agarram ás torneiras do petróleo,

sentirão o peso de nosso repertório, nas formas de lutas que unifica todas as nações.

Aos que degradam a democracia, fazendo da juventude apenas eleitores, e se apegam ao

princípio da “Ordem de Direito”. Aos que pensam fabricar o futuro deste jeito, enquanto se

divertem nos escombros da paciência, saberão pela desobediência, o que é da história ser sujeito.

Aos que apostam na exploração e na eternidade do capitalismo que transformam a utopia e o

socialismo, em imensas frustrações; que iludem grandes multidões, com as farras dos shoppings e

das novelas, terão de apertar a própria goela quando despertar a fúria das nações.

E assim veremos florir os girassóis, ouviremos canções de liberdade, viveremos em uma

sociedade, onde florescerão todas as virtudes. Sentiremos o pulsar de cada coração e a igualdade

não terá fronteiras; no dia em que nossa a bandeira, estiver na mão da juventude.

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Cartas de Amor

Nº 38

ÁS ELEIÇÕES

Ninguém é obrigado a se render, nem mesmo os princípios renegar, ocorre que, se alguém

visa o poder, há dois caminhos a escolher, servir ao Rei ou a ele combater, para fazer-se um dia lá

chegar.

Aqueles que combatem são mal vistos. Por isto devem ter muitos cuidados. Aqueles que se

aliam são bem vistos, não cuidam-se, contam-se preservados. Terão porém a frustração, de serem

nesta relação, talvez um dia abandonados.

A natureza é muito mais sabida do que certos políticos que de moral já andam nus, de nada

vale dourar um tico-tico, se o ninho foi feito para anuns. Cada macaco que cuide de seu galho, não

nascem mudanças sem trabalho, nem papagaios em ninhos de urubus.

Dá pena vê-los angustiados, por não poderem fazer duas coisas desiguais. Servir ao povo ou

ao governo? Ser o senhor ou o capataz? Fechar a mão ou abrir a palma? Vender o corpo ou só

alma? Depois de tudo o que ainda mais?

Assim se vive caro amigo, grande dilema na conjugação, do verbo perseverar apenas no

passado, sem no presente ter sua relação. Como será ele no futuro se o poder estiver consigo, de

acreditar que será coerente, sendo embalado pela indecente, mão criminosa do eterno inimigo?

Como entender que após anos de briga o cão e o gato tenham amizade? Ou o cão perdeu o

seu caráter, ou o gato mudou de personalidade.

Como os passarinhos que buscam os alpistes, estão os eleitores na porta do alçapão,

frustrados de alcançar grandes mudanças, no dia que chegar a eleição. Se fora ficam, não há ora

outra trilha; se adentro vão caem na armadilha, de servir ao senhor da escravidão.

Finge quem trai não ser tão ingrato, para aliviar o peso da consciência; de que é apenas

candidato, mas que sua ética está em sua vivência. Muda as palavras encolhe o conteúdo, ajeita o nó

da gravata e sobre tudo, perfuma a pele e muda a aparência.

Militância já não é necessária. A mídia com seu charme e com suas cores, “levará” através

de suas mensagens, esperanças para os trabalhadores. Têm consciência que, parte disto, será uma

grande enganação, mas plantarão uma péssima semente, dando a entender que daqui pra frente, luta

de classes é na televisão.

Bem, já chega por ora as linhas ditas, temos muitas tarefas a fazer, esperando que as idéias

malditas, não façam um dia alguém se arrepender. Que não tenha de explicar aos netos, as razões e

as ilusões desta grande perda, e perguntar-se com lágrimas nos olhos, de que valeu ter enganado a

esquerda?

Quanto a nós, sigamos o velho estilo, de na base seguir a construção, pois assim estaremos

mais tranqüilos, quando raiar o dia da revolução.

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Cartas de Amor

Nº 39

AOS QUE EDUCAM

Educar é uma arte tão antiga como as cores, que se eternizam nas pétalas das flores. E, por

mais que os diplomas nos encham de vaidades, ninguém jamais conseguiu desativar esta atividade.

Há os que educam pela convivência, outros pela profissão, e, uns terceiros, pela aparência.

Estão os últimos nas escolas privatizadas, vendendo ali o conhecimento, que muitas vezes em si não

vale nada.

Se o conhecimento liberta, é preciso que as portas das universidades estejam sempre abertas.

Se ficarem fechadas, para uma grande massa de jovens, também não valem nada. Quem tem a chave

para ali entrar são poucos e escolhidos, enquanto uma imensa quantidade, tenta e paga para serem

excluídos.

É a lei do mais forte aplicada à educação. Os que perdem sua vaga, culpam-se pela rejeição,

como se não tivessem capacidade e assim vão distanciando-se da universidade. E, os governantes

pensam ser fortes e corretos, dirigindo um país de analfabetos.

Agora com a Alca seremos ainda mais punidos. Uma rede empresarial fará a dominação

cultural, como se os norte americanos fossem os mais sabidos. E se não reagirmos bem ligeiro,

poderemos ver nossos filhos cantarem, pela manhã, o Hino Nacional brasileiro, mas, ao meio dia, o

dos Estados Unidos.

Não choremos às “letras derramadas”, sejamos como o vento que entra caverna adentro,

retirando dela o vácuo que lhes causa danos. Pois, educar é a arte de forjar novos seres humanos.

Por isto não há tempo a lamentar, é preciso abrir a consciência, desejar e lutar por uma boa escola,

evitando que ela se torne esmola.

É a vez do professor, dizer que, o ensino e ele mesmo tem valor. Sua função é ajudar o

educando a ser um grande criador. Deve inspirá-lo e animá-lo para que se conduza. Seja consciente

e que à condição de indigente nunca se reduza.

O educando sempre é a matéria prima, onde se acrescenta apenas a auto-estima, para que

corra em busca de fazer o seu próprio saber, como o fruto que por si se esforça para amadurecer.

Quem educa é como o galho que sustenta o fruto em forma de chocalho. Bate pra lá, bate pra

cá, e não cai, o esforço, mais a vontade do vento, é que determinam até onde este movimento vai.

O objetivo é embalar o fruto até produzir sementes de boa qualidade, que levarão do galho a

própria identidade, despedindo-se para germinar. Assim é a tarefa de educar: dar curso ao caráter e a

conduta, para que o educando se organize e faça a própria luta.

Quem educa deve ter orgulho de assim ser, caso contrário se assemelha a quem não quer

crescer. Tem em si o potencial, mas não se manifesta, e se anula como o galho esquecido no meio

da floresta.

Educador que se preza não se enlata, renova-se com a arte de ser autodidata. Forja seu

próprio jeito em grande estilo, tornando-se impossível substituí-lo.

Educar é plantar. É dar origem ao destino. É alinhar o rumo dos raios como sol a pino que

fazem a própria direção, mas que respeitam a obra de toda a criação, apenas a iluminam ainda mais.

Educar é buscar sempre, é encontrar um jeito, de fazer que nos direitos, sejamos todos iguais.

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Cartas de Amor

Nº 40

AO ESTUDO

Vamos falar do estudo como um pedaço da vida. Não é somente o corpo que precisa de

comida. A consciência em sua longa estrada, deve ser também alimentada.

Um ser humano é por natureza duplicado. Tem um lado material e um lado ideal. Um é

sentimental. O outro, forte, rígido e mais pesado.

Os músculos, a pele, os ossos e os órgãos genitais, ocupam um lugar como os demais.

Sentimos dor e cada pulsação. Mas neles há um detalhe que chamamos de emoção. Esta não tem

definido o tempo e o lugar. Está nos poros que nos fazem suar, alcança os olhos e nos faz chorar,

nos calafrios que vêm nos arrepiar, e no sono na hora de sonhar.

Assim é a vida de um ser social. Que diferença tem este com o animal? Se forem estas as

características, sejamos realistas, um do outro é quase igual.

Mas é possível um distanciamento, se colocarmos entre ambos o nível do conhecimento.

Este para o homem é tudo, e o adquirimos convivendo e pelo estudo. O animal pouco progride, por

isto não tem a noção de quando agride.

O conhecimento dentro da gente é como um rio, deslizam as idéias, enfrentam desafios. Na

sua ausência, só fica a aparência, e a consciência em suas formas, como a água sumida se parece a

uma caverna já sem vida.

Cada ser humano tem sua identidade, um nome, um endereço e a memória guardada desde o

começo. Seja alguém pobre ou venha da classe rica, por fora é uma coisa, mas por dentro como

fica? Por isto há milhões de pessoas que, por fora levam um Rei estampado na fronte, mas por

dentro, carregam um grande ignorante.

Isto já é antigo. Desde que os escravos eram presos em minas, é que o corpo sem

conhecimento por si mesmo se domina. Fica covarde, com medo de morrer. Mata os sonhos em sua

mente, pois o que sente não consegue descrever.

Um ser humano dominado se torna como um animal. Em tudo é igual: forte e resistente,

dócil e obediente como o soldado que adora o general. Anda, mas não faz a própria estrada. Mora,

mas não tem sua morada. Pensa, mas renega o pensamento. Grita, não é seu o grito, é um lamento. E

sente apenas, o seu próprio esquecimento.

O estudo nos dá o conhecimento. Nos compreendemos por fora; nos conhecemos por dentro.

Cada idéia formulada é uma luz que se ascende. Cada decisão tomada é um inimigo que se rende.

Porque gostamos mais do trabalho braçal e menos de estudar? Porque o corpo aprendeu a

respeitar as ordens recebidas. Educou-se ao longo das gerações, que se faz à vontade dos patrões. E

assim aconteceu, cada um deixou de ser seu próprio eu, e morreu.

No conhecer se esconde a rebeldia, a força e a utopia. Por isto é preciso estudar todos os

dias. Fazer cada idéia provar sua verdade e com as mãos torná-las realidade.

Ser militante é ser um criador. Ser o próprio professor e a professora. É entrar dentro de si

com uma boa vassoura e retirar o lixo que acoberta o cadeado da corrente. É tornar-se radical e

intransigente, contra a dominação. É ter clara a explicação de que: não vale a pena viver só para dar

prazer a quem domina. É libertar o escravo desta mina feita em cada um de nós. Soltar a voz. Soltar

os nós. Desamarrar enfim a auto-estima.

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Cartas de Amor

Nº 41

AO DOM JOSÉ GOMES

Passou por nossa escola de formação política e moral, um senhor já de idade, para lecionar

uma matéria, muito séria: o que é a dignidade.

Falou pouco, como se estivesse em uma sala de espera, aguardando para ver o que o “povo”,

(como costumava dizer), ia fazer ao ter sua terra.

Curiosidade de satisfação. Festejava a cada ocupação esfregando uma mão na outra várias

vezes, depois, passava os dias e os meses, acompanhando aquela travessura. Com seu olhar cheio de

ternura seguia os passos dos pobres camponeses.

Quem disse que o silêncio não educa? Quem disse que a humildade não tem brilho? E que,

um grande homem só se faz se plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho?

Este fez do silêncio a abnegação, dando voz ao tempo. Ensinou o seu povo a caminhar e

abrir fronteiras. A descobrir o que as leis escondiam nas entrelinhas. A reagir com as forças que se

tinha, para tirar da indigência índios, colonos e sem terra, e no silêncio comandou todas as guerras,

sem perder nenhuma, porque não temia força alguma.

Sua humildade de bispo sem batina, conduzia-o por debaixo da neblina, com a grande

inteligência que o nutria. O vimos ser repreendido um certo dia, de que “estava enfraquecendo a

hierarquia, por não colocar o Dom na frente do José”, respondeu que o importante era sua fé e não

os títulos que a estrutura oferecia. Mostrou a nós que a velha rebeldia, não precisa de barulho para

dizer que existe, ela se manifesta em quem resiste e proclama sua força na utopia.

Mais do que plantar uma árvore adotou as florestas, ensinando que se devia preservá-las.

Livros, não escreveu, aprendeu a teorizar nas próprias falas, nos sermões. Como filhos adotou as

multidões servindo-as como um velho guerreiro. Não era apenas bispo, mas um grande

companheiro que compreendia todas as inovações.

Esteve com os Sem Terra desde a Encruzilhada Natalino, recolhendo objetos e alimentos,

dando-lhes o destino, que a ditadura militar não esperava. Se o povo estava cercado e sem voz,

dizia: “Então é agora que precisa de nós” e a reação sem medo incentivava.

Por ser consciente e atuante, formou centenas, milhares de militantes que ainda carregam as

marcas de suas mãos. Muitas vezes com dor no coração, olhava-nos em silêncio para se despedir, e

dizia: “É isto mesmo, vocês são jovens devem ir, levar o que aprenderam por aqui”. E como uma

bola a se esvair, cedia parte de seus lutadores. Sabia, que seriam construtores, da mesma causa que o

fazia seguir.

Assim é a história companheiros e companheiras, os mestres passam a escola permanece.

Não se perdem as idéias quando o ser desaparece, se organizada a multidão seguir em frente. Este é

apenas um dos jeitos, que na marca de nossos rastros a serem feitos, Dom José sempre estará

presente.

Portanto, lutadoras e lutadores, se hoje estamos preocupados em defender valores podem

crer que não é por nada. É apenas a reprodução, das impressões digitais de quem conosco passou

duras jornadas. Mantenhamos sem medo as diretrizes, pois com certeza, uma árvore que tem estas

raízes, jamais pode pensar que será arrancada.

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Cartas de amor

Nº 42

ÁS CRIANÇAS PALESTINAS

Quanta energia contida se esconde em vossas artérias obrigadas a calar quando deveriam

gritar contra a violência e a miséria.

Como nós Sem Terra, a pátria virou um acampamento; violento aos arredores, triste e

solitário por dentro.

Penamos em plena guerra, porque nossos povos lutam pela terra. Onde possamos ter um

lugar ao sol; plantar nossas lavouras, jogar o futebol. Erguer as nossas casas, dar a elas um quintal;

correr em todo o espaço, sem ver monstros de aço que nos causam tanto mal.

O tempo passa triste e devagar, quando não se tem o que comemorar.

Crianças em acampamentos dormem cedo, para evitar que sintam medo. Vocês porém

sofrem ainda mais, pois a guerra levou até mesmo os vossos pais que ouviam vossos segredos, e

que no aniversário lhes davam alguns brinquedos.

Partiram, não se perderam de vista; considerem-nos heróis e não terroristas. Terrorismo é

não poder brincar. Ir cedo para a escola e não a encontrar. Voltar para casa com fome e com sede e

não ver aí nem mais uma parede.

Os poderosos no tribunal da história terão que responder: porque guerreiam para ter sempre

mais espaço, se seus projetos só acumulam fracassos?

De que vale manchar com sangue humano dos tanques suas esteiras, se não conseguem

encher de leite as mamadeiras?

De que valem as armas com os canhões fumegantes, se não sabem construir, parques infantis

com suas rodas gigantes?

Que cultura sobrará para as gerações que ainda virão, se o aprendizado está direcionado para

ensinar como se manobra um tanque e um canhão?

Por que ensinam às suas crianças que a pátria são suas cores, não os seres humanos, nem as

flores?

Por que o mundo se organiza pelo poder e a crueldade e não pela harmonia e a

solidariedade?

Não serão com ordens e canhões que os exércitos farão calar as multidões. A guerra não

trará nenhuma solução, pois, cada país, só será feliz, quando o mundo não tiver nenhuma divisão.

Enquanto isto não chegar é preciso lutar e resistir veementemente. Os povos também são

como as sementes; fazem germinar as utopias, para que parte delas se realize um dia.

As sementes representam a história feita, elas anunciam que já houveram colheitas, por isto

haverá novos plantios. Escolher o lugar e o dia de plantar, eis o desafio.

Se hoje o presente é muito duro, e a liberdade que lhes resta é apenas uma fresta entre o

muro, é preciso acreditar que haverá futuro. A imbecilidade jamais conseguiu derrotar a liberdade.

Recebam de nossas mãos solidárias e cheias de sementes, votos de que continuem confiantes

e valentes, orgulhosas de estarem resistindo. É sinal que, em meio a esta poeira, o botão desta

roseira já está se abrindo.

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Cartas de Amor

Nº 43

AO PRESIDENTE

Como disse o poeta cubano Nicolás Guillem, “ Tenho”, digamos nós também.

Após quinhentos anos de dor, mortes e pranto, chegou o dia de cantar o canto, sorrir, mesmo

com a boca já sem dentes, e dizer: temos agora um presidente.

Um presidente que também sabe sorrir e aprendeu desde cedo a conjugar o verbo repartir.

Temos um presidente criado no roçado e que um dia a mudar-se foi forçado. Carregou sobre

os ombros o que vivia; deixou alguns irmãos pequenos ali guardados sob a terra seca e fria.

Temos um presidente que bebeu leite de cabra, comeu cuscuz mexido com toucinho; colheu

feijão de corda, caçou calangos, pois a seca matara os passarinhos.

Um presidente que aprendeu no desemprego o que é deitar-se à noite e não ter sossego.

Um presidente que se envolveu na luta para ali moldar a sua conduta. Liderou greves

defendendo o salário, porque também se tornou um proletário.

Um presidente que pagou aluguel, morou em casa apertada, teve, por não poder pagar, a luz

e a água cortadas.

Temos um presidente que enfrentou a repressão, foi preso e processado, sabe o que é a dor

de um condenado.

Um presidente que foi pouco à escola, mas sabe ler nos olhos de quem pede esmola qual é a

razão que gera a fome. Que tem o mesmo nome de nosso poeta Gonzagão, que cantava com o

chapéu e o gibão para manter a própria identidade. Um presidente que sabe o que é a verdade e o

que significa despejo e sujeição.

Temos um presidente que também sabe chorar e entende que a miséria não se planta, mas

que não nasce por conta.

Um presidente que olha nos olhos com quem fala para abrir as portas da consciência e ser

aceito. Um presidente que sabe o que é o respeito e também a dura enganação. O que significa um

“não”, à traição e a infidelidade. Que gastou toda a mocidade em busca da justiça social e por isso

sofreu no tribunal, para voltar a ter a sua liberdade.

Temos um presidente que joga futebol, a diversão de milhões de brasileiros, que gosta da

sanfona e do pandeiro, instrumentos comuns no interior, que fala até verter suor para convencer os

que ainda vacilam, que entende aqueles que suspiram e o que é querer e não poder ser um

trabalhador.

Um presidente que conhece o país, que viu as longas cercas prendendo a terra, que a fome

mata mais que a guerra e que a paz sem trabalho não existe. Que é amigo do povo que persiste e

enfrenta todo tipo de opressão, que tem o respeito da nação e o apoio de quem luta e resiste.

Temos um presidente que alargou um tanto alianças, mas que goza dos pobres a confiança.

Que saberá separar o joio do trigo para continuar sendo este grande amigo.

Um presidente que ainda não assumiu, por isto a ninguém nunca traiu. E se um dia terá que

fazê-lo, saberá pelos seus brancos cabelos, o lado que deverá seguir. Porque, veja Presidente, os

ricos tem recursos, tudo podem fazer; nós só temos você, não deixe nossos lábios pararem de sorrir.

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Cartas de Amor

Nº 44

AO ANO DO ALIMENTO

Fim de ano é momento de balanço. O capital quer saber se teve lucro ou prejuízo. Quem

trabalha preocupa-se com presentes, quer partilhar com amigos e parentes o pouco que lhes sobrou

da apertada poupança. Quem nada tem, contabiliza apenas as lembranças.

O ano novo vai ser bom, acredite! Não porque elegemos um novo presidente, que, a rigor,

ainda não demonstrou se será igual ao anterior ou diferente. Mas porque, abriu-se a cortina da

esperança e renasceu nos lábios, teus e meus, a autoconfiança.

Desejar Feliz Ano Novo, não é obrigação; é convocar alguém para uma reação. É dizer que

existe possibilidades! Há um caminho! Que não deve ser feito mais sozinho.

Este ano, alimentaremos a esperança correndo pelos campos em busca da fartura, e, sobre a

terra seca e dura pintaremos lavouras. Tingiremos as consciências com as cores das cenouras.

Plantaremos casas e escolas. Deixaremos de pensar em esmolas e partiremos em busca dos direitos.

Para isto precisamos querer ser da história os seus sujeitos.

Os famintos encherão as sacolas para animar os músculos cansados e já sem vida. Será o ano

da comida. É hora de acender os fogões. Tirar as panelas mofadas das velhas prateleiras; despertar

em cada ser a hábil cozinheira, para fazer cheirar nos arredores, o aroma dos temperos que só nossa

culinária tem. Basta que não esperem a solução das mãos daqueles que já comem bem.

As crianças ocuparão as escolas, os jovens as faculdades e brigarão se seus lugares não

estiverem preparados. Educadores deixarão de ser mandados a ensinar aquilo que não presta. Basta

que tomem em suas mãos, o destino da educação, fazendo dela uma bela festa.

Os camponeses, envergonhados, transformarão seus arados no orgulho de sua profissão.

Produzirão suas próprias sementes e encherão as feiras de alimentos. Para isto devem transformar

sua quietude em grandes movimentos.

Os operários levantarão as mãos para dizer que o trabalho é o senhor da tecnologia, e farão

das fábricas grandes alegorias da futura sociedade. Basta que não queiram só a metade daquilo que

lhes pertence por inteiro. Para isto deverão resgatar o significado da palavra “companheiro” e a

força da solidariedade.

Os comerciários sorrirão ainda mais quando os lábios dos compradores perguntarem:

Senhores vendedores, onde estão os produtos nacionais? Para isto precisam ser leais e acreditar na

força da nação. Tratar o ser humano como irmão e não como consumidor, assim se resgatará o valor

da honestidade com dedicação.

As igrejas lotar-se-ão de fiéis. Os sindicatos de sindicalizados. Os políticos deixarão de ser

comprados e os votos deixarão de ser vendidos. Os policiais não serão mais corrompidos, os juizes

elevarão a justiça, basta que a sociedade deixe de ser omissa.

A esperança é algo frágil e mal formada, é preciso ter cuidado e deixá-la sempre alimentada.

Ela é por tanto coisa sua. Se seus passos não tomarem os campos e ganharem as ruas, em pouco

tempo a poeira do desânimo a porá soterrada.

É o ano do alimento das possibilidades; devemos empenhar-nos a produzi-lo para que não

venha a faltar sobre a mesa da esperança. O futuro é uma doce lembrança. Empenhemo-nos sem

perda de tempo para esculpi-lo.

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Cartas de Amor

Nº 45

AOS DESPEJADOS

Novos Governos, velhos dilemas. Não se envergonhe de nossa situação, somos a solução,

Eles são o problema. Poderia ser diferente, mas aí temos que entender, que isto só será possível,

quando a força invencível do povo, tomar para si o grande poder.

Chega o dia em que a utopia já não engana. Aquele que acredita saberá porque. Aquele que

confia, não se deixará vencer. Por isso nossa é a vitória, e a derrota será apenas uma palavra

esquecida num canto da memória.

É triste ver lonas amontoadas quando deveriam estar estendidas. Panelas mochiladas quando

deveriam estar polidas. Crianças acordadas durante a madrugada, quando deveriam estar dormindo.

Lágrimas a rolar, quando a boca deveria estar sorrindo.

É triste ver fumaça e olhar o tempo que não passa quando o despejo está em andamento. As

sacarias sumidas, a carteira perdida; se foram os documentos! O sol que não aponta, a dor que toma

conta nas pernas machucadas; a mágoa ainda presente; a cabeça ainda quente e a revolta guardada.

A mesquinhez de um latifundiário, que se orgulha em ser grande proprietário é de causar

revolta. A arrogância dos soldados, não vêem que são mandados e como animais treinados para os

sonhos destruir; deveriam se despir, da máscara e dos coletes, e como funcionários saber ser

solidários, encoivarar as armas indecentes, pegar as enxadas e ajudar a plantar nossas sementes.

Despejar não soluciona o problema da fome e da doença. Despejar é matar o que ainda resta

da crença de que os governantes são eleitos democraticamente. Quem acredita nisso mente. É dizer

ao cidadão que ele perdeu mais um voto na eleição. Elegeu um lobo envolto em pele de cordeiro.

Onde mais vale um só fazendeiro do que mil famílias acampadas. É dizer que a beira das estradas é

a pátria de milhões de brasileiros.

Não baixe a cabeça companheira. Você não pode desanimar! Suas pernas também são para

andar e não só para dar prazer. Você pode acender a chama da rebeldia e fazer nascer desta traparia,

a semente de um novo amanhecer.

Não baixe a cabeça companheiro. Você nasceu para vencer! Seus filhos ainda irão crescer e

orgulhar-se do pai que hoje tem. Combata, não tema, não se entregue! Ainda há muito por fazer e,

se você acreditar, não apenas irá ter, terra trabalho e moradia, mas nascerá de sua rebeldia a herança

transformada em poder.

Reúna as crianças companheira. Recolha o que sobrou do que é seu. Revise as alças da

mochila, é hora de entrar novamente em fila, não para pedir clemência, pois já se vê raiar no

horizonte, como em Belo Monte, o dia da desobediência.

Não queira disfarçar o medo, ele existe. Mas estando organizados, nem este resiste.

Agora, olhe ao redor, veja que os campos parece que cresceram, eles entenderam que

queremos um lugar. Continue a olhar, e estenda a sua mão. Até onde os olhos alcançarem ver, é

nosso. O além não nos pertence, é de alguém que também sonha e que não se envergonha se o

despejo acontecer. Ele e nós, juntos porém, nascemos para combater, até o dia em que o espaço não

pertencer, individualmente, a mais ninguém.

Não haverá mais pátria de grupos em nenhuma sociedade, pois a terra será libertada do jugo

da propriedade. Os governantes e opressores serão enterrados em covas profundas, mas normais, e

sobre suas tumbas surgirão comunidades de pessoas, boas, com direitos e deveres iguais.

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Cartas de Amor

Nº 46

AO JORNAL BRASIL DE FATO

Nasceu para dizer que o sonho vive e tem o seu lugar. A história dá giros, vai e volta, cheia

de encantos e revoltas que é preciso relatar.

Nasceu para ser diferente, para ser as lentes nos olhos de quem sonha. Seria uma vergonha,

com tantas necessidades, não se ter um jornal por falta de unidade.

Não nasceu para ser o mais sabido, nem o mais querido entre todos os jornais; nasceu para

dizer que precisamos mais e mais, avançar no pensamento; formular sobre os acontecimentos e

saciar a sede de saber. Nasceu para ajudar a gente ver e a vontade de vencer nunca perder.

É de fato diferente, porque é independente, não tem dono e tem autonomia. Quando o povo

se reúne, cria, faz a obra do jeito que acredita, e fica sempre mais bonita quando a disputa não é a

direção futura, mas, para saber quem faz mais assinaturas, para manter viva esta “criança”, que nos

enche tanto de esperanças.

Por que um jornal e não uma televisão para fazer a comunicação? Primeiro, porque não há

condições, para isto teríamos que juntar alguns milhões. Segundo, porque a consciência de nossa

vida dura, tem consistência quando é feita com leitura.

Portanto, é ele um órgão de combate a cegueira, ajuda a perceber, quando não se pode ver

que as táticas chegaram em suas próprias fronteiras, atingiram o limite. O estudo ajuda a dar

palpites e cada qual deve traçar o rumo, e a unidade está na capacidade de elaborarmos o mesmo

resumo.

Houve um senhor de boa formação, que no passado o comparou ao andaime de uma

construção. A obra é maior, ele apenas sobe escorando-se ao redor. Mas sem ele não se alcança para

colocar a nova fiada e assim a construção fica parada.

A construção é o projeto, o jornal serve de objeto. Quando o prédio fica pronto,

normalmente o andaime é desmanchado. Neste caso não, porque em nosso projeto não existe

conclusão. Há construção de andares onde as pessoas vão entrando e transformando em lares.

O projeto é como um prédio do tamanho do país. Quem quiser morar nele é quem diz, como

deve ser construído; por isso tem que subir no andaime e por a mão na massa, porque a felicidade

ninguém ganha de graça.

Enfim, a construção sobe em linha reta mantendo o rumo, se a cabeça do operário estiver

acima para colocar o prumo.

Agora, para ser bem verdadeiro, não pode haver a diferença que há entre o engenheiro e o

pedreiro. Em nossa obra, quem faz a planta também mistura a massa e é assim que a teoria com a

prática se entrelaça.

Quem faz a luta deve escrever o seu ponto de vista, assim o revolucionário se torna

jornalista; e, o jornal ganha credibilidade quando as palavras de quem diz, já são realidade.

Que ele tenha vida longa e uma bela história. Que cresça mergulhado em vitórias e se

possível sem nenhuma perda. Que ele à verdade se dedique e que um dia pois, se verifique, que

conseguimos com ele unificar a esquerda.

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Cartas de Amor

Nº 47

PELA PAZ

Mais um dia amanhece e o céu do planeta como a lona encurvada de um circo espera pela

decisão de um alucinado. Tem ele nas mãos a decisão de optar pelo sim ou pelo não.

Que culpa tem um povo de ter um péssimo presidente? Teriam se enganado ao escolhe-lo ou

foi depois de o elege-lo que ficara doente?

Diz ele, há muito tempo ter tido uma visão, e que, quando jovem ao acordar de uma

bebedeira, com as faces manchadas de vômito e poeira, prostrado com os joelhos ao chão, teria

recebido esta missão.

Uma missão de dominar outras nações, saquear delas todas as riquezas, para ser conhecido

como “Sua Alteza”. Este rapaz nunca gostou da paz.

Qual é o crime do povo iraquiano? Foi ter nascido sobre um oceano de combustível que

move as economias. Há um estudo bem profundo, demonstrando que no Iraque está a segunda

maior reserva de petróleo do mundo.

O que isto significa? É que, se todos os países pararem de explorar esta matéria rica, os

motores do mundo podem funcionar por cinqüênta anos, e ainda petróleo no Iraque fica.

O argumento para fazer a guerra é de que, no Iraque existem armas que ameaçam toda a

terra. Por isso é preciso que se faça, a invasão, para confiscar as armas de destruição em massa.

De fato elas um perigo representam, e os caobóis da guerra americanos sabem, pois são eles

que as inventam. Ou não foram eles que ensinaram Sadam a produzir as mesmas armas para fazer a

guerra contra o Irã?

Mas armas verdadeiras de destruição em massa não são inventadas pela biologia, mas por

outra ciência que se chama economia. Esta é uma bomba de efeito retardado que vai aniquilando as

nações e seus estados.

Destruição em massa é, se quisermos um sinônimo, o que se faz com o Iraque e contra Cuba

através dos bloqueios econômicos. É espalhar pelo mundo a fome como bactérias e condenar dois

bilhões de pessoas viverem e morrerem na miséria.

Destruição em massa vemos por aqui, cada vez que chega uma missão do FMI. Bombardeia

nossas vidas com suas exigências e condena 54 milhões de brasileiros a viverem na indigência.

De que vale termos um governo novo se este não tem o direito de salvar seu próprio povo?

Porque o mundo está interligado, dolarizado, e pelos mesmos bandidos ameaçado.

Por isso não devemos acreditar que a guerra está distante, se aproxima de nós na linha do

horizonte. A estratégia usada demonstra a insensatez, que é massacrar com armas um país de cada

vez.

Há pouco tempo foi o Afeganistão, agora é o Iraque e se der pegam o Irã. Depois vem a

Coréia, a Líbia e a Colômbia tornando-nos colônia; e apossar-se das riquezas da Amazônia.

Por tudo isto se levanta a humanidade, nesta grande corrente de solidariedade. É o mundo

contra George Bush e sua ganância, demonstrando que a ética pode vencer a técnica e a intolerância.

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Cartas de Amor

Nº 48

À INDIGNAÇÃO

Parece que de nada estão ajudando os protestos; serão mesmo os Estados Unidos e a

Inglaterra contra o “resto”.

Mas, de onde vem esta fúria intempestiva com seus malditos planos? Poucos sabem mas a

guerra contra o Iraque já dura mais de dez anos.

A mídia esconde tal hipocrisia; desde 91 o Iraque é bombardeado quase todos os dias. Não

destroem grandes cidades, mas é ainda maior a crueldade. Bombardeiam os campos e as fontes com

urânio empobrecido e por isto contaminam o ambiente em todos os sentidos. Aumentaram as

doenças tornando-se epidemias. Onze vezes a mais representam os casos de asma, câncer e

leucemia.

O embargo econômico se mostrava ineficiente, então inventaram a morte das sementes e aí

bombardearam as plantações; mas não foram com balas de canhões! Despejaram sobre as roças

ratos e camundongos; tudo foi devorado. Larvas de bernes para matar o gado. Infestaram com vírus

as tamareiras; elas se parecem com nossos coqueiros e palmeiras, que produzem um fruto

adocicado, e seu preço subiu em 25 vezes no mercado.

Sempre, em qualquer lugar quando há falta de alimento, o governo é obrigado a fazer

racionamento. Por isso vejam vocês, o que pode comer um iraquiano durante um mês: nove quilos

de farinha, três quilos de arroz e um quarto de quilo de feijão. Um quilo de açúcar, um quarto de

quilo de folhas para o chá, uma xícara de óleo, não há carne, nem ovos nem frutas onde comprar.

Nos hospitais faltam remédios e até anestesia. Um milhão e meio de pessoas já morreram

por causa desta covardia.

Mas os protestos mundiais pelo menos tem sua força profética; sinal que a humanidade

ainda preza pela vida e pela ética. A solidariedade, não o petróleo, é na verdade a principal força

energética.

O medo do império senhoras e senhores, de deixar de controlar o petróleo, é condenar a

mandar ao ferro velho todos os seus motores. Assim disse aquele presidente vagabundo: “A nossa

economia é a locomotiva do mundo, por isso é necessário que a guerra se faça; não esperem que

nossas máquinas deixem de fazer fumaça”.

É espantoso observar seu despreparo. Devíamos perguntar-lhe sobre este investimento raro:

por que gastar tanto dinheiro se matará os passageiros que deveriam comprar os carros?

O que está em jogo na verdade, é que, o capital prepara-se para atender apenas um terço da

humanidade. O restante, mesmo sendo a maioria, estará condenada a asfixia. Para estes não haverá

investimentos produtivos, ganharão de presente epidemias, guerras, e do mercado se tornarão

cativos.

É tempo de indignação, de protesto e mobilização. O sangue inocente vale mais que a

ganância prepotente deste urubu que ronda o mundo inteiro, façamo-lo voltar ao seu poleiro a

grasnar com as duas asas quebradas. O mundo não pode ser vítima de uma besta alucinada.

Acreditamos na força da esperança e no ditado popular que assim procede; dizendo que:

“Quem tudo quer; tudo perde”. Assim deverá ser no dia em que a humanidade descobrir que

pode atacar para se defender.

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Cartas de Amor

Nº 49

ÀS VÍTIMAS DAS DROGAS

Há muitas coisas erradas rondando a sociedade, nenhuma delas é fruto da natureza, todas

surgiram da ganância humana para acumular riqueza.

O ser humano tornou-se vítima de si mesmo como a banha que deve escaldar-se para fritar o

torresmo.

De tudo o que se inventa, grande parte é para manter o luxo que se ostenta. Quem engana e

não trabalha é aquele que melhor se agasalha.

As mercadorias constituem grandes polêmicas. Principalmente agora que se tornam

transgênicas. É para nós um perigo iminente, principalmente porque atacam as sementes.

Nem só as sementes meu caro leitor, atacam também o seu cultivador. Infestam sua alma de

ideologia genética, e lá se vão os valores e a destruição da ética.

Os traficantes atacam a luz do dia sem constrangimento. Abrem suas lojas de produtos

agrícolas e colocam as drogas ali dentro.

O pobre plantador ao procurar sementes é cercado com pedidos comoventes. “Deixe de

besteira, leve esta semente que está na prateleira. Voce não achará outra coisa igual, experimente e

veja como será legal”.

Com a promessa de que haverá mais ganhos e pouco esforço, o plantador põe a corda no

pescoço e se condena; sem saber que o consumo de drogas nunca vale a pena.

Assim quando a roça fica pronta, as drogas dela já tomaram conta. O traficante expõe então

sua face risonha, como se visse ao longe uma roça de maconha.

Há aqueles que plantam escondidos, como os filhos que se drogam enganando os próprios

pais, estes agem como marginais destruindo sua própria identidade, com a vida deixam de ter

honestidade, e na surdina preparam seus próprios funerais.

Há outros que enganam sua organização, achando que esta está errada; esquecem que da

beira das estradas, foram recolhidos como caules ressecados. Se na terra foram colocados e estão

educando suas filhas, devem saber que os valores da família, estão todos fortemente ameaçados.

Para aqueles que criam seus animais e condenam a água à poluição; deveriam refletir que

isto é em vão e cuidar da vida da natureza, por que, de que vale sonhar com a riqueza e perder todas

as virtudes. Encher-se de doenças, perder a saúde e condenar os descendentes a intensa pobreza?

É preciso dizer algo ainda mais importante, que quem ganha com o consumo de drogas é o

traficante não o cultivador, este fica com o lixo poluidor, enquanto o outro fica com o dinheiro.

Quem as drogas consome é herdeiro, da miséria, do abandono, da solidão e a dor.

Aos que ainda não plantaram não arrisquem seguir este caminho. Aos que plantaram, terão

nosso carinho, pois, foram vítimas da própria tentação. Devem porém, pela reflexão, chegar a

entender a quem serve o consumo, modificar a rota e acertar o rumo dos passos que nos levam a

revolução

Se nos salvamos da morte e da indigência, não vale a pena drogar nossa consciência e

condenar as gerações à própria sorte. Só a unidade entre os pobres nos tornará mais fortes, e

manterá a pureza sobre nossas mesas. O mundo não pertencerá às empresas, se tivermos a coragem

de enfrentar ( para ter vida), a própria morte.

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Cartas de amor

Nº 50

AOS QUE RESISTEM

Um dos pilares que faz a identidade é a resistência. Ninguém deve cumprir pena ou pedir

clemência, quando está apegado à sua razão. Há os que atacam uma nação, mas há aqueles que não

se deixam dominar; ninguém é obrigado a aceitar, o desmando, a prepotência e a exploração.

O petróleo hoje é a fonte de disputa, por isto sobre ele há intensas lutas, travadas sem

piedade nem vergonha. O império tem um povo tão pamonha, que dentre os povos se julga superior,

apoia a guerra e seu senhor, mesmo tendo contra si quase todos os Estados, deve saber que será um

dia atacado e pagará com dor a mesma dor.

A guerra contra o Iraque é uma covardia. Somente a prepotência pode compreendê-la. As

empresas se encarregam de mantê-la para aumentar seus lucros intermináveis. Haverão de um dia ao

amanhecer, render-se pela força e o poder, da solidariedade vinda do coração de todos os

miseráveis.

E nós o que dizemos desta barbaridade? Por acaso estamos imunes à crueldade da guerra que

é feita além destas fronteiras? Ou é porque nossa resistência ainda é uma brincadeira, pois aqui

qualquer ladrão do império passeia livremente? Nos roubam como pobres inocentes, que fingimos

não ver sumir as riquezas desta terra. Não será por isto que aqui ainda não há guerra?

Não somos por acaso coniventes, quando o império nos cobra mensalmente juros das dívidas

atrasadas? Iguais a uma pamonha desmanchada que se orgulha da moleza que a desfaz. Bate no

peito dizendo: “ainda bem!” que aqui em meu país, sou feliz, não há guerra vivo em paz!

Se o povo do império a guerra apoia é porque não quer ver o seu país enfraquecido. Se aqui

vivemos como doentes ou fingidos, e nada do que se passa observamos. Saiba que, cada míssil

enfurecido, que cai sobre o Iraque entristecido, somos nós pobres mortais que os pagamos.

Se os países se juntassem com uma firme decisão, se rebelassem e dissessem “não”!

Usassem as forças de suas próprias pernas. E enquanto durasse esta mesquinhêz, deixassem, (pelo

menos), de pagar a conta todo o mês, que é cobrada das dívidas externas.

Resistência é dizer o que se pensa claramente. É enfrentar o forte, o prepotente, mantendo a

dignidade. É dizer que a própria liberdade é conquistada, se preciso, a fogo e ferro. É não deixar o

império entrar em campo alheio, porque enquanto ele tem os cofres cheios, nós aqui mendigamos o

Fome Zero.

Por isto, se hoje vemos na televisão, manchas de luzes que formam um clarão a destruir um

alvo em Bagdá. Devemos ver que ali há um país, onde seu povo também quer ser feliz, mas suas

casas é um alvo militar. Pensemos com consciência e lucidez, que, sem tardar será a nossa vez, do

império vir nos atacar.

O petróleo que temos é a Amazônia, a água doce e a terra ensolarada. Quem o mundo

domina não respeita nada, não sente amor, não teme a dor, nem a violência. Se quisermos deixar a

liberdade como herança, resgatemos a autoconfiança, e comecemos a mostrar, pelas ações, a nossa

resistência.

Page 54: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de Amor

Nº 51

ÀS VÍTIMAS DA “LIBERDADE”

- O que é a liberdade? – pergunta para a mãe a criança iraquiana.

- Quando crescer você irá saber.

- É que, na escola ouvi muito falar, que a liberdade está prestes a chegar. Agora... a

liberdade vem de dentro ou vem de fora?

- Há liberdades em todos os sentidos – responde a mãe analisando a questão – foi

no século dezoito que o capital fez esta invenção. De lá pra cá se tornou intransigente e começou a

circular tranquilamente.

- Ah! É o tal do liberalismo que deu liberdade ao imperialismo! – exclama o menino um

tanto preocupado, sem entender porque estavam sendo atacados.

A mãe cabisbaixa buscava proteção. Tinha medo que uma bomba derrubasse a frágil

construção que com dificuldades a anos ali erguia. Era livre pra fazer o que “queria” só não tinha

condições para fazer suas realizações.

O menino por sua vez continuava a insistir em seu dilema, imaginando que se a liberdade

“vem de fora” é porque dentro ela está tendo problemas.

- Mas porque só agora, após duzentos anos – pergunta o menino estarrecido – a

liberdade tem que vir dos Estados Unidos?

- Voce é pequeno demais para entender – reponde a mãe preocupada. Queria

poupar o filho em tenra idade, de saber que existem liberdades massacradas por outras liberdades.

Mas o menino insiste em saber, quer entender esta repentina reação. Porque levou duzentos

anos pra chegar a libertação? Não havia nascido ainda a solidariedade para vir até nós e libertar a

liberdade?

- Meu filho, há duas forças que sustentam o capital, como se este tivesse duas

moradas; quando se sente fraco na iniciativa privada, sai se arrastando e já cansado, vai passar uns

dias na casa do Estado. Ali se recupera, fica bravo, valente como fera e volta para sua casa privada,

que está muito mal cuidada. A questão é que ele não vai sem levar os colchões, os travesseiros e os

móveis da sala e da cozinha. Leva o que antes não tinha.

- A liberdade então é o capital poder mudar de casa quando se sente mal?

- É isto mesmo! – exclama a mãe um tanto contrariada – Quando ele se aperta em

seu país, vai para outro canto meter o seu nariz.

- Então a guerra, ora feita deste jeito, é porque o capital está insatisfeito ou muito

sentido lá nos Estados Unidos?

- A guerra meu filho é uma das formas usadas quando o capital não consegue

levar para sua casa privada, as riquezas que ainda não foram estatizadas.

- Isto me deixa confundido! – exclama o menino tão sabido – então a liberdade

vem liberar nosso petróleo para os Estados Unidos?

- Bem concluído. – responde a mãe – a guerra é para controlar o petróleo que

ainda não foi privatizado ou vendido. Por isso matam a nossa liberdade sem piedade.

O menino levanta-se e vai até a janela. De repente vê uma bomba vermelha feito brasa indo

em direção à sua casa. Soluça, olha para a mãe e diz:

Page 55: Ademar Bogo_Cartas de Amor

- É verdade. Estou vendo que está chegando para nós a liberdade.

Carta de Amor

Nº 52

À AUTODETERMINAÇÃO

Sadam, Sadam! Onde estão tuas armas químicas e tua razão? Perdidas entremeio aos

escombros de ferragens retorcidas, que em breve serão doadas para as Nações Unidas.

Ganhará o direito de reconstruir, os prédios, as estradas e as vidraças quebradas. Será ela

capaz de apagar as marcas da violência, desenhadas a bala nas consciências?

E os mutilados que tiveram as pernas e os braços amputados, terão reconstrução? E a água

com urânio toda contaminada, e as mulheres que foram estupradas, o que a ONU irá fazer? Se

conter? Se render? Se vender?

Ao assumir a reconstrução receberá indicações de empresas definidas entre as grandes

potências já ali estabelecidas. Mas há uma coisa que ainda mais afronta, as vítimas é que terão de

pagar a conta.

Quando veio o bloqueio, a ONU entrou no meio e estabeleceu a troca de petróleo por

comida. Pois o império exigiu que precisava boicotar, para não deixar proliferar, armas químicas de

destruição em massa. Agora, qual é a saída? Trocar petróleo por desgraça?

Deveria ser ao contrário. Não é assim quando a justiça condena um criminoso, cumpre a

pena afastado e desgostoso ou prestando trabalho voluntário?

Se a vítima de acusações provar sua inocência, tem direito a reaver em sua essência a

restituição de sua moral. Isso é legal.

Por esta lógica, a ONU, ao invés de herdar a destruição que os criminosos fizeram sem

contenção, deverá fazer um inventário e calcular o grande prejuízo. Aí dar a sentença, sem

interferência, através de seu juízo. Não gastaram bilhões de dólares para destruir? Gastem os

mesmos bilhões para reconstruir! Aí veremos, se os 72% do povo norte americano que apoiou esta

loucura, o que dirá quando os recursos saírem de suas burras! Apoiarão ainda aquele demente ou se

revoltarão e derrubarão seu próprio presidente?

A mídia apresenta os resultados, mostrando um povo violento e revoltado, que saqueia seu

próprio patrimônio. Ora, até as abelhas fazem este papel. Quando alguém por perto da colmeia faz

fumaça, prevendo a destruição e a desgraça, chupam todo o mel. O predador não as sentindo ferroar,

não vê o perigo, pensa delas ter se tornado amigo.

As abelhas por si só reconstroem a sua colmeia após o mel roubado, mas o povo iraquiano

precisa ser indenizado! Pois ali não apenas tomaram o produto, destruíram o ambiente e se

colocaram à frente como senhores absolutos.

Quem destruiu tem que pagar a conta! Trocar obras por petróleo é outra afronta.

O petróleo é para investir nos prejuízos sociais á anos acumulados, onde o povo foi

duramente maltratado. Agora, todo o petróleo que se venda, deverá servir para distribuir renda.

É o povo usufruindo da riqueza. Não se deve imaginar que a sua parte seja: um ar

condicionado, um sofá ou uma mesa, retirados do meio dos escombros. O povo não pode carregar a

indigência eternamente sobre os ombros.

Yanques, ingleses e espanhóis tirem agora, as patas, os tanques, os mísseis e a desgraça, que

são as verdadeiras armas de destruição em massa, e caiam fora!

Page 56: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Façam silêncio, as crianças precisam descansar, voltar a viver. Elas tem o mesmo direito que

as vossas, de estudar, brincar, crescer, ser ternas, com os dois braços e as duas pernas. Não

estraguem esta possibilidade, o petróleo não salvará a humanidade. Só o povo salva o povo, pela

solidariedade.

Cartas de Amor

Nº 53

À FELICIDADE

Há muito tempo em um certo lugar, havia um Rei já sem forças para andar, mas tinha

conquistado o mundo inteiro. A doença afetou a sua saúde. Procurou em vão resgatar a juventude,

gastando enormes quantidades em dinheiro.

Buscou por todos os lugares alguém que pudesse receitar, o remédio exato para o seu mal

curar.

Certo dia ao entardecer, o Rei já prestes a morrer, recebeu uma visita, com as mãos frágeis e

lisas, sem demora disse a ele tudo o que bem quis; e pediu que procurassem em todas partes do país,

alguém que fosse bem feliz, e dele lhes trouxessem a camisa.

Mas alertou o visitante, que se não encontrassem o referido objeto, tarde ou cedo, cairia

sobre eles a desgraça e o medo.

Partiram os servos a procura deste alguém; voltaram após meses de procura sem encontrar

ninguém. Em cada casa ouviram reclamações de todo o jeito e não acharam ninguém totalmente

satisfeito.

Um certo dia a tardinha ouviram uma voz vinda de uma casa pobrezinha, onde o habitante as

preces estava a fazer. Relembrou o que durante o dia fizera, agradeceu por ter plantado a terra,

questionou quem queria muito poder, e perguntou-se o que mais deveria querer?

Entraram os enviados a procura do material pedido e viram o pobre homem ali despido. O

torturaram até desfalecer. Nenhuma camisa encontraram e voltaram sem cumprir com o dever. E

foi assim que o Rei e todo o seu povo começaram a temer. Até morrer.

Hoje temos um Rei estarrecido, vive aqui, não muito longe, nos Estados Unidos. Usando da

violência levou muitos países a decadência e o povo apoiou essa demência.

Que diriam se essa grande besteira fosse feita dentro de suas próprias fronteiras? Teriam a

mesma confiança se em suas portas fosse feita esta matança?

Quando o povo é submisso deve-se desculpar as suas posições. Mas, quando este é produtor

de suas próprias convicções e deixa os governantes livremente atuarem, deve-se responsabilizá-lo

pelos desmandos, matanças e usurpações que estes criarem.

Agora que a calmaria voltou, o povo norteamericano se deu conta e se assustou. Porque a

guerra mudou de lugar e procedência, passou a ser travada em suas consciências.

E o medo, astuto e soberano, domina o linguajar cotidiano: Não abra a janela! Ordena a mãe

em tom voraz, podemos ser atacados por um gás. Leve a máscara para a escola e não se separe da

sacola. Ou, não chupe mais sorvete, meu pequeno, eles podem estar contaminados com veneno.

De que valeu tanta maldade, para tirar dos outros a dignidade e ter perdido a felicidade?

Voltamos ao tempo em que o Rei está doente, demente e prepotente. Suas ordens são dadas

apenas em uma direção, provocar, atacar e arrasar cada nação que se diga feliz. Ele quer destruir a

riqueza cultural, a ética e a moral que há em cada país.

Por isso ao terminar esta carta a pensar fico, o que é de fato ser um país rico? Não pode ser

aquele que apenas tem fortuna material, mas que torna o seu povo doente mental, desleal e

Page 57: Ademar Bogo_Cartas de Amor

rancoroso. De que vale controlar toda a riqueza se o povo perde a gentileza e fica sempre mais

medroso?

Cartas de Amor

Nº 54

À BEIRA DA ESTRADA

Há quem diga que a beira das estradas não serve para nada. Nós dizemos com conhecimento,

elas servem para estacionamento.

Estaciona quem precisa de um lugar, para observar, esperar, avaliar e acampar.

Acampa quem quer dar pressa à pressa, pois já deixou de acreditar em quem diz solucionar

os problemas com promessas.

A beira da estrada é a pátria de quem não tem nenhuma. É organizando a força que uma

pátria se arruma.

Compensará ao sonho tantos sofrimentos? Esta é a nossa pátria feita de acampamentos. Mas

a verdadeira causa em fazê-los não é nem a promessa nem a vingança. É que abriu-se na consciência

uma esperança de quem só esperava, e por isso não conseguiu ficar aonde estava.

Precisava ir para onde trafegam as soluções. E as estradas do Brasil cortam fazendas e em

frente delas armamos nossas tendas. Prova de que a lei não domina um povo, quando este inventa

novas formas para lutar de novo.

E as margens se tingem de preto e de vermelho, servindo ao governo de espelho. A imagem

das lonas refletidas é de um país cheio de feridas que as margens das estradas servem de hospitais,

para curar aqueles que para trás não voltam mais.

A propriedade faz a grande divisão entre o latifundiário e quem quer ser cidadão. Enquanto

um lado se apega ao documento, milhares de Sem Terra querem por fim ao sofrimento.

Esta parada então tem tempo limitado. Quem tem pressa não pode ficar estacionado. O

tempo chama para a luta e sobre a terra se fará a disputa.

É triste, lamentável e estranho, em ver nosso país deste imenso tamanho, ser reduzido à beira

das estradas, para aqueles que querem trabalhar e não tem nada. Que destino podem ter estes que só

tem o nome? Lutar ou esperar para um dia morrer de fome?

O pior é que dizem, no direito termos igualdade, mas nos separam nas possibilidades. É

através delas que se cria a inferioridade, pois alguns poucos, feito loucos, controlam o direito à

propriedade.

Agora dizem que a fumaça ameaça pelo simples fato de estar localizada e controlada. Nunca

reclamaram quando eles mesmos espalharam as fumaças das queimadas. Com elas destruíram

grande parte da floresta, e pretendem incendiar o que ainda resta.

Querem sem razão, provar que suas fazendas não são improdutivas. Jogam sobre elas

chamas vivas sem envolver o mínimo de trabalho, ficando apenas no lugar esqueletos e galhos onde

já não se forma nem o orvalho.

Por isto a beira das estradas é de grande serventia. É onde se descansa a força desta grande

romaria; que está em busca de fixar a moradia pela reforma agrária, e criar definitivamente a

sociedade solidária.

Page 58: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Sendo assim, cabe ao estado brasileiro chegar primeiro. Enfrentar com decisão a truculência

e a violência, porque o povo só tem este lugar para guardar a sua paciência.

Presidente, amigo e camarada, não deixe a esperança morrer na beira das estradas.

Cartas de Amor

Nº 55

AO ANIVERSÁRIO

Este ano durante o mês de maio, tivemos dois grandes camaradas completando aniversário.

De gerações diferentes, nos dão a certeza de que a história segue em frente.

Em 5 de maio de 1818 nasceu na Alemanha este comunista afoito. Karl Marx seu nome de

batismo; viveu para entender e combater o capitalismo. Em 14 de maio de 1928 nasceu esta outra

referência na Argentina, e sem temor, adotou a América latina. Ernesto Che Guevara é o nome deste

grande companheiro, do qual somos filhos e herdeiros.

Sobre ele cabe um esclarecimento; é que na origem está falsificado em um mês a data na

certidão de nascimento. Foi para esconder a precoce gravidez que sua mãe pediu para diminuir em

sua idade um mês.

Mas esta não é uma questão para se fazer disputa, importa que os dois viveram para

fortalecer as lutas. Também é indiferente se fisicamente já se despediram, importa sim que um dia

existiram. Marx, teria hoje 195 anos, e o Che 75 de presença viva, vale a pena comemorar as

histórias combativas.

O dia do nascimento é mais que um acontecimento. É uma revelação de uma identidade que

aparece entremeio a esperança e a ansiedade.

O ser humano se assemelha a árvore na floresta. Para crescer disputa entre as sombras uma

fresta. Sobe mais alto as que tem mais ousadia para enxergar por primeiro o amanhecer do dia.

Quando há vendavais, enchentes e tormentas, avisam quem está em baixo para que se

agarrem as suas ferramentas e preparem a resistência. Como uma liderança, a árvore mais alta passa

ás outras confiança.

No dia em que tomba, a árvore, faz um barulho que assombra. Avisa com seu grito de dor

que sua hora chegou. O lugar que ocupava vira uma clareira, um vazio e pode permanecer assim a

vida inteira.

Por isso sentimos tanta falta quando tomba uma referência, é como se abrisse um buraco na

consciência. Bem disse Engels no funeral de Marx, quando no enterro tomava as providências: “O

mundo neste dia foi diminuído em sua inteligência”.

Do Che poderíamos ter dito tantas coisas nesse dia, como: o mundo foi diminuído em sua

simpatia; em sua rebeldia; em sua teimosia...

Mas uma verdade nos serve como alento: a matéria ocupa um lugar no espaço na mente e no

sentimento, por isso, quando ela se transforma no seu físico em geral, fica ainda viva nos

sentimentos e na imagem mental.

Sendo assim, só morre quem deixa de ser visto, sentido ou lembrado. É desta forma que se

aproxima o presente do passado. E através da lembrança se mantém viva a imagem e a esperança.

O capital é como a moto-serra na floresta, derruba toda referência boa que ainda resta. Quer

limpar o terreno para que não haja seguidores, e destrói pela raiz todos os valores.

Page 59: Ademar Bogo_Cartas de Amor

O povo é como as árvores. É dos velhos troncos descendente. Só existirá se continuar a

produzir boas sementes. Por isso viver não é uma loucura, é dar continuidade ao trilho da saudade,

que vem do passado e vai para a eternidade, através da cultura.

Tenhamos este cuidado, de manter ao nosso lado aqueles que pelo exemplo nunca estiveram

ausentes. Pois a clareira aberta de repente, apenas serve, para tornar-nos ainda mais persistentes.

Cartas de Amor

Nº 56

AOS FESTEJOS JUNINOS

As festas juninas já se tornaram em nosso povo parte da cultura. Nos orgulham estes

festejos, por estarem ligados ao sertão dos sertanejos e por tanto à nossa agricultura.

A origem deste acontecimento está no nascimento, quando Isabel, a mãe, sentindo uma dor

estranha, foi com Maria sua prima ao alto da montanha de Judá, de lá, combinaram em forma de

brincadeira que, se ali o parto acontecesse, o sinal viria de uma fogueira.

No dia 23 de junho ao terminar, Isabel começou a se queixar, e Maria não teve dúvidas,

ateou fogo na lenha ali empilhada. Até hoje desta forma a data é recordada.

No Brasil os festejos foram trazidos pelos espanhóis e portugueses, e bastou comemorar

algumas vezes, para que se tornasse tradição. Na verdade era a comemoração feita, todos os anos na

época das colheitas. Integravam então: festividade com religiosidade; devoção com distração.

São João, na cultura popular é: adivinhador, festeiro e protetor. Cuida dos casamentos dos

enfermos, da cabeça e da garganta, por isso é que no seu dia o povo dança e canta.

Por ser o Santo das brincadeiras, inventou-se a quadrilha, o casamento caipira, os balões,

fogos e rojões, onde as diversões levam semanas inteiras.

O nosso povo nordestino completa o ciclo inteiro, começa no dia 13, com Santo Antônio, o

casamenteiro, e termina de uma vez, com São Pedro, no dia 29, quase no fim do mês.

Este exemplo é uma demonstração feliz de que é possível cuidar da cultura do País. Não há

uma cidade do interior, que não se comemore a rigor os festejos conhecidos por juninos. Homens,

mulheres e meninos fantasiam-se como no carnaval. Assim se mantém a identidade nacional.

Se consome, feito de vinho ou cachaça com gengibre, o quentão, acompanha batata doce,

amendoim, rapadura, pipoca, castanha de caju, se é no sul, muito pinhão. Usa-se o chapéu de palha

ou de couro, roupas simples, pois a simplicidade é o nosso grande tesouro.

É por sinal o dia da imitação. Onde o povo todo vira artista. As praças viram palcos para

expor esta grande identidade. É a igualdade que permeia o pensamento socialista.

Ali não se expõe o luxo e a vaidade porque a festa é da simplicidade. Não se consome nada

de importado, tudo é trazido nos cargueiros do roçado.

A música é feita através de instrumentos tradicionais, as letras têm mensagens nacionais e as

danças variam do forró até o catira. É sem dúvida nenhuma o resgate das raízes saudáveis do

caipira.

Podemos perguntar de um jeito bem cortês: Por que isto é feito somente em um mês?

Poderia durar o ano inteiro! Bastaria que o Brasil se tornasse independente do estrangeiro.

Um país quando é independente, o povo vive em festa alegre e sorridente, pois seu esforço é

ele próprio quem consome. Quando é dominado, até o passado é falsificado e sua alegria muda de

nome, vira tristeza, porque arrancam de sua alma os sonhos e as certezas.

Que as fogueiras aqueçam as consciências e animem a persistência e a luta de nosso povo, e

que, com São João, marchemos em direção a construção de um tempo novo.

Page 60: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cartas de amor

Nº 57

AO BONÉ DO MST

Em qualquer tempo e lugar, a classe dominante quer sempre controlar. É egoísta e

prepotente, principalmente quando se trata do cargo de presidente.

O preconceito é antigo, mas cabe aqui comparações. Na antiga Roma, o perigo eram os

vilões. Moradores do campo considerados rudes e grosseiros, instalados em vilas e comunidades, e

representavam uma grande ameaça quando iam para a cidade. Para livrar as autoridades dos

“impuros”, mandaram erguer ao redor da cidade enormes muros.

Se pra cidade fossem agrupados: “Lá vem a turba!” começavam a gritar. Daí é que surgiu a

palavra perturbar. Pobre organizado em turba, perturba.

Na corte o Rei a poucos atendia. Daí também vem a palavra cortesia. Era o bom trato dado a

quem ali chegava. Assim era como o poder e o poderoso funcionavam.

Da antiga Roma aqui para o nosso solo. Ao invés de muros os ricos edificaram o protocolo.

Serve para preservar a autoridade. Por isso os trajes a rigor, a cerimônia e a seriedade.

Assim, o governante não se identifica; a não ser, é claro, com a classe rica. Ali em seu

palácio instalado, o mantém preservado, para que as mãos “impuras” não o toquem, não o

perturbem, nem o provoquem.

Mas eis que há uma variação. Certa ocasião, o presidente recebeu de presente, uma bola, um

boné e frutos da produção, e, numa manobra louca, levou um biscoito até a boca de um Sem Terra

com a própria mão. “Contaminou” com saliva a sua reputação.

Na Corte foi além em sua cortesia. Ensaiou com a bola o que faria num campo em qualquer

jogo. “Quebrou o protocolo!”, dizem os jornais cuspindo fogo.

Se assemelham os Sem Terra aos antigos vilões; são tolerados se ficarem nos grotões. Os

ricos os deixam votar nas eleições, participar das festas e comemorações; aplaudirem e sentirem-se

contentes; mas a eles não pertence o Presidente.

Esta é a imagem da falsa democracia, onde o pobre vota, mas dele o poder se distancia. A

autoridade pertence à minoria!

Não importa se é dos pobres que vem o presidente, mas, lá ao chegar, deve se comportar de

forma diferente.

Qualquer boné poderia ali entrar e receber a cortesia, menos este vermelho que sua cor

carrega ideologia.

Aos ricos isto causou espanto, como se alguém tivesse atirado uma pedra em um santo.

Profanou-se o espaço e a simbologia que tanto deu prazer à burguesia.

Na verdade não é o boné que os incomoda. É que este presidente inventou uma nova moda:

jogar bola na sala da audiência: paciência!

Podemos então dizer com satisfação: o Presidente pode até, pela situação precária, não fazer

a reforma agrária; mas vai matar de raiva a elite atrasada que sente que o seu poder não vale nada, e

pode, a qualquer tempo, ser desafiada.

Page 61: Ademar Bogo_Cartas de Amor

O boné vermelho ficará lá como um conselho com o chefe da nação, que optou a ser igual

seu povo, até o dia em que voltarmos lá de novo.

Canalhas! Egoístas e ladrões! Há quinhentos anos enganais as multidões! Pela primeira vez

ali entrou a simbologia simples e séria! O que vos incomoda, não é o boné, é o alerta da miséria que

pôs os pés nos tapetes do poder. A audiência é o prenúncio do que pode acontecer, no dia em que

está pátria for levada a séria.

Carta de Amor

Nº 58

À CORDIALIDADE

Cordialidade é uma palavra que vem do latim, que, bem no fim, está ligada ao coração. É

afeto, franqueza, demonstração de carinho e gentileza.

Portanto, eis a definição: só pode ser cordial quem usa bem o coração. Quem o usa mal, não

é cordial; é um animal selvagem; só faz bobagem.

Ao usar mal o coração, o ser social, perde a sensibilidade, fica egoísta só o seu ponto de

vista pensa ter validade.

Sem gentileza, o ser humano perde todas as grandezas, fica avarento e mesquinho, incapaz

de qualquer gesto de carinho.

Quem não possui esta virtude, torna-se arrogante e prepotente, quer proibir os outros de

serem amáveis e comportar-se gentilmente.

Quer comandar e impor sua determinação, como se o mundo fosse um pequeno balão na

mão de um só senhor; a ele pertence qualquer tipo de louvor.

Por isso, alguns se sentem tão raivosos quando as coisas não vão bem. A seu lado não pode

haver ninguém que os afronte, nem que os desaponte, pois, seus caprichos, vão sempre muito além.

Temos uma demonstração recente, quando os Sem Terra visitaram o Presidente. Faz parte da

cultura camponesa, levar presentes; é uma forma de grandeza.

Não se trata de comprar a autoridade, nem ofender a sua maestria. É pois uma simples

cortesia, um agrado, um afago, um presente; mesmo que seja com o Presidente, se conversa e se

partilha a alegria.

Muito menos é um constrangimento! Visitar alguém querido é um sacramento! Uma festa,

um momento de partilha, não é jamais uma armadilha, isto não passa nem pelo pensamento.

Ocorre que os ricos são sisudos, intransigentes, prepotentes e carrancudos. Têm vergonha da

afetividade, sabem apenas pedir e perdem facilmente a honestidade.

Aliás, o rico não visita, faz audiência, por isso o protocolo e a aparência. Esconde-se, pois

não é capaz de transparente ser. Usa para si os cargos e o poder para alimentar a própria

intransigência.

Por isso o espanto, quando o Presidente demonstrou o seu encanto por ter reencontrado os

seus iguais. Renasceu como nos festivais renasce a música e a poesia. Sentiu-se a vontade,

transbordou de alegria, ensaiou embaixadas com a bola, afrouxou a gravata de sua gola. Na cabeça

colocou o boné. Mostrou com humildade, quem foi, quem é. E que, fazer política não é dar esmola.

Os ricos revoltados atacam sem piedade. Isto demonstra uma grande verdade na esfera do

poder de tudo controlar. É que o governo para eles é uma propriedade, onde alguns poucos em nome

da vaidade, fazem o Estado se tornar particular.

Page 62: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Por isso doeu tanto! Causou bastante espanto, revolta e ameaça. Ë que eles não aceitam

repartir, o espaço é para poucos usufruir, e a amizade não pode ser de graça.

Demonstrou-se após quinhentos anos, que é possível igualar-se como seres humanos, e

derrotar o poder dos opressores. É preciso dizer ainda mais, que estando no poder é possível ser

cordiais e praticar a solidariedade e os bons valores.

Cartas de Amor

Nº 59

AO ESTADO DE DIREITO

Sempre que os ricos se sentem atingidos ou insatisfeitos, começam a falar em Estado de

Direito. Mas o que é que os deixa preocupados? Na verdade querem dizer que, não poderão perder,

o velho direito ao Estado.

É inversa então a preocupação. O Estado como estrutura de poder, a poucos deve pertencer.

Por isto, sempre que há qualquer pressão da sociedade, alertam para o risco da instabilidade.

Dizem eles em sua minoria: “Cuidado com a democracia! Se nos tomarem o poder, nos

misturam com a maioria, e aí perderemos todas as regalias”.

É o direito a controlar o Estado que preocupa a classe dominante. Não o estado de direito,

que a rigor, se fosse implantado, todo o povo seria beneficiado.

Ou direito não é, terra, trabalho, comida, saúde, escola e moradia? Não seriam estes os

verdadeiros sustentáculos da democracia? De que Estado de Direito fala pois a burguesia?

Se, sem terra o povo se mobiliza, é sinal que as cercas ainda impõe divisas. Se a luta é contra

o desemprego, é sinal que falta trabalho, não emprego. Pois emprego precisa de patrão, e o Estado

deve dar subsídios a este senhor da exploração.

Se nas filas gemem os doentes, é porque de remédios estão carentes. E assim é com a escola

e a moradia. Se há luta todo santo dia, é porque o Direito ao Estado impôs a carestia.

Se os pobres entendem-se com a autoridade, logo afeta o ciúme e a vaidade. Dezenas de

políticos se rebelam e sua fúria então revelam. Ameaçam com CPIs e auditorias dizendo que está

em risco a democracia. Eles então criam a instabilidade, ameaçando derrubar as boas autoridades.

Na atualidade o que menos interessa aos trabalhadores é desestabilizar para se Ter um

governante novo. A rigor, para que cometer tamanha insensatez, se na história é a primeira vez, que

temos um presidente com cheiro de povo?

Talvez seja isto que ameace o falado “Estado de Direito”; é que, este presidente tem respeito

por aqueles que direito algum não tem! E também, porque recebe o povo com alegria e um sorriso

sempre novo.

Por outro lado, para calar esta elite intempestiva, que Estado de Direito pode se ter com a

terra improdutiva? E que ameaça podem significar os Sem Terra famintos e desarmados que andam

em filas, procurando apenas estas fazendas para dividi-las? Que interesse poderiam ter para

desestabilizar, um governante que se propõe em os ajudar?

É que os proprietários comparam o Estado a uma fazenda, dele precisam tirar renda. Na

medida em que isto deixa de ser feito, apelam para o “Estado de Direito”.

Então querem aplicar a lei e a crueldade, impedindo que o povo revele as suas necessidades.

Page 63: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Então, o direito tão falado, é garantir o comando da máquina do Estado. Aí sim, dizem que

há governabilidade e respeito, porque ao povo é negado o seu estado de direito.

Na verdade, enquanto persistir, a opressão, a negação, a imposição e a prepotência, aos

trabalhadores só lhes sobra um jeito, investir em seu único direito de persistir na desobediência.

Cartas de Amor

Nº 60

À CONSCIÊNCIA

A história da humanidade é na verdade uma invenção coletiva. Cada geração com sua arte

faz sua parte, enquanto estiver viva.

Há períodos em que aparecem muitas invenções, assim também ocorre com as ocupações.

Não é por nada. É que a história também segue sua estrada. Mas há momentos em que os passos dos

caminhantes não deixam de ser lentos; são as circunstâncias que geram os acontecimentos.

Muitas vezes uma invenção demora. É porque o ser humano cresce mais devagar por dentro

que por fora.

Se por fora se destacam o físico e a resistência, por dentro se estendem as idéias e a

consciência.

Há quem desenvolva o físico na academia, mas da consciência não cuida nenhum dia. Então

é comum ver homenzarrões, incapazes de tomarem decisões. É consequência da impostura onde

toda a cultura seca. Por isso, em cada esquina, há uma farmácia, uma academia, mas não se vê uma

boa livraria ou uma biblioteca.

O nosso caso é inverso, por vivermos na miséria submersos. Os anos de exclusão levaram

consigo o físico e a razão. Como uma floresta incendiada ficamos iguais aos troncos na beira das

estradas.

Ali se espera algo novo acontecer. Por isso não se pode deixar nenhum tronco apodrecer.

Não importa se este é alto ou se só restou um toco! Cada um dentro de si carrega um oco, é onde se

situa o espaço do sentido; e, com ensinamentos, valores e canções, deve ser preenchido.

Cada acampamento é uma escola de renascimento. Tudo o que se perdeu durante a vida;

cada pessoa deve ser ressarcida. Precisamos curar com paciência, também as feridas da consciência.

Não dar tempo ao tempo na batalha contra a ignorância. Cada qual com as armas do saber

deve empreender esta luta que tem grande importância. Talvez maior do que a luta contra a

propriedade. Pois, esta pode ser extinta em um momento; enquanto que, o conhecimento, durará por

toda a eternidade.

Quem a consciência forma, não faz apenas a reforma, faz a revolução, porque esta

transforma o coração.

Mas é preciso que se dê prioridade na elevação das capacidades. Organizar turmas de estudo

com regularidade nos horários, e por isso os estudos devem ser diários.

Em cada espaço ter os próprios monitores, eles cumprem o papel de mestres e professores.

Não importa se não estão bem qualificados; é cozendo que se vai aprendendo os pontos do bordado.

Page 64: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Na formação o adulto é como uma criança, depende de surpresas todos dias para manter as

esperanças. Por isso não basta fazer um curso de vez em quando, seria o mesmo que ter um exercito

sem comando.

No acampamento é o momento do conhecimento cuidar. É o lugar de semear e cultivar;

enquanto a história anda devagar.

Cartas de Amor

Nº 61

À ORGANICIDADE

Quando a função do povo é construir, não se pode nenhuma tarefa obstruir. É a velha

sabedoria que se aplica no momento, não basta ter a massa é preciso por fermento.

Este princípio é antigo para dizer que em tudo há uma idéia; onde a força do fazer a

transforma em matéria.

Ao fazermos uma ocupação elevamos no espaço algo novo. É uma matéria viva construída

pelo povo. Mas eis a razão que esta verdade comporta, neste meio pode existir também matéria

morta.

Façamos uma recapitulação: uma idéia é sempre uma abstração nascida da reflexão. Pondo

em prática esta imaginação é, a idéia tornando-se matéria em forma de organização.

Então de matéria política somos produtores, porque somos das idéias organizadores. Mas

cabe uma pergunta nesta afinidade mansa. De que é composta esta matéria? De homens, mulheres,

jovens e crianças.

A resposta é curta e certa. Esta matéria acompanha e nos alerta. Se ela for esperta e

participativa, dizemos que é matéria viva. Se está parada, desorganizada e torta, dizemos que é

matéria morta.

Outra pergunta para sermos coerentes: de que matéria somos dirigentes? Se a maioria da

massa morta é nossa companheira, somos dirigentes de um movimento de caveiras.

Qual a função desta? Pergunte para não ficar surpreso. Servir de volume ou de peso. Peso

morto sem nenhuma serventia. É por isso que as organizações perdem a rebeldia.

A massa ativa precisa ter o seu lugar. Deve participar, estar nos setores, núcleos, comissões e

nas instâncias. É daí que surge a militância.

Se nada disso funciona desse jeito, é sinal que falta com a massa honestidade e respeito. As

coisas vão em frente, mas a passos de lesmas, como se as pessoas fossem incapazes de refletirem

sobe si mesmas.

Então o jeito é dar ordem para garantir a unidade. Mas isto só desperta o individualismo e a

vaidade. A massa morta, é a pura verdade, somente serve para se desenvolver a caridade.

Falar em revolução onde não bate o coração é uma improbidade. Quem poderia assumir esta

responsabilidade se não compreende o que se está querendo. Assim, quanto mais o tempo passa,

mais gente da massa vai morrendo.

Uma organização séria é feita de idéias e matéria. Essas, tornam-se consistentes e ajudam os

prudentes condutores, quando se somam com a ética, a moral e os valores.

A força de uma organização lhes dá identidade. Quem participa dela deve ser parte

integrante, responsável e atuante; assim se desenvolve a qualidade.

Page 65: Ademar Bogo_Cartas de Amor

A história com memória se torna exigente. Os passos precisam ser firmes e consistentes.

Caso contrário, ficaremos a beira do caminho, sozinhos!

Não percamos tempo em abrir o espaço da participação. Nossa democracia exige que cada

qual faça com sua própria mão, o gesto que estimula a resistência. “Vem, lutemos...” é o grito que

conclama a rebeldia, convidando-nos a ascender um dia, a fogueira que nos dará a independência.

Cartas de Amor

Nº 62

A QUEM LAVRA

Lavrar é o ato de abrir a terra para fazer dela a pátria das sementes. Isto se dá em todos os

continentes, desde que surgiu a mulher e o homem. Embora, com toda a astúcia e sabedoria, existe

uma enorme quantia, de pessoas que ainda hoje em dia, não comem.

Lavrar é o ato de encurvar-se sobre os arados e as enxadas, fazendo reverências às encostas

e baixadas. Ninguém pode compreender esta relação a não ser quem empunha os calos das próprias

mãos para fazer a terra tornar-se semeada.

Mexer com a terra é ter paciência pela espera. É arrancar de baixo do pedregulho o orgulho

de ser cultivador. É de certa forma ser senhor do próprio nascimento. É suar a água com o

sofrimento e secar a face com as pontas dos dedos. É ter uma infinidade de segredos neste longo e

belo relacionamento.

25 de julho é o dia do motorista que transporta, mas antes, se quiser, tem que passar pela

porta da agricultura. Por isto é também o dia do lavrador que aprendeu, com as enxadas ou o trator,

riscar quadros de roças transformando-as em pinturas.

Lavrar é entender-se com o solo. É consultá-lo para saber o que pensa sobre cada espécie de

semente. É acreditar que é possível ser coerente no trato com a natureza e com a terra. Quem cultiva

tem a sua conduta onde empreende contra a fome a cada dia uma luta, enfileirando as plantas como

soldados em guerra.

Cresce junto com a roça o aprendizado. Cada lavrador tem a seu lado uma lavradora. É esta

figura encantadora que luta para ter o seu lugar e marchar como as sementes nas fileiras. Se as

plantas são todas companheiras por que haveríamos de nos discriminar?

Limpar a terra é carpir a própria sorte que só o tempo dirá se valeu ter trabalhado. É olhar

para os campos silenciados pelas leis, a inflação e os preços. É sentir ameaçado o endereço, por ter

que entregar tudo e mudar-se endividados.

Lavrar a terra é mais que uma profissão é cultivar o sentido e a razão de viver na harmonia

entre os iguais. É saber depender dos animais, dos insetos, das chuvas e da lua. É compreender que

a vida continua e vai além das relações carnais.

Viver na roça é morar entre os pomares. É recriar todos os lugares atingidos pela força do

trabalho. É despertar de cada planta um suspiro na lavoura. É marcar na utopia criadora a

identidade como rastros no assoalho.

Dá pena ver a destruição desta velha cultura. Inventam-se formas modernas de fazer a

agricultura que só em olhar começamos a ter medo. De que adianta tanta intransigência? Se está se

destruindo a consciência de quem na história guardou cada segredo.

Page 66: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Não basta inventar mil artifícios se estes inventos se transformam em vícios e modificam

nossa identidade. É preciso evitar o constrangimento e saber que o principal insumo para se

produzir o alimento, é sem dúvida nenhuma o valor da honestidade.

Saudamos esta classe resistente que existe em todos os continentes onde cada qual

comemora o seu dia. Produzir e cuidar bem das sementes, para que seja garantido a todos o

sustento. Lutar para ter o controle do alimento é o jeito perfeito de garantir a nossa soberania.

Cartas de Amor

Nº 63

AO ÂNIMO

Já é antigo este ditado, de certo inventado por um sábio corcunda, que: “Quanto mais se

abaixa a cabeça, mais se levanta a bunda”.

Há pelo menos, 40 anos neste espaço brasileiro, que a mídia com cinismo sorrateiro, nos traz

as notícias já embrulhadas com as críticas. É porque os donos das Tvs e dos jornais, na esfera das

relações sociais, querem dar a direção política.

Estão acima do Estado e dos partidos. Tem seu próprio sistema informativo, dão aos seus

arapongas disfarçados, o nome de “repórteres” investigativos.

Em suas matérias e editoriais, ditam as pautas políticas semanais. Colocam então com os

seus simples dizeres, os três poderes da república a seu serviço e pressionam para que mantenham

com eles os compromissos.

Enfim, orientam o deputado, desafiam o judiciário e enquadram o senador. Constrangem o

presidente e batem no governador. Têm de fato um poder assustador, principalmente para aquele

que quer ter a imagem pública, e gozar por muito tempo os prazeres da República.

E o povo que está fora dos poderes? Orientam a conduta com os seus exemplos e dizeres,

onde os desvios e os vícios são entregues a domicílio matizados em belas cores. Penetram pela pele

descuidada de cada face ingênua, boquiaberta e patética. Vão implantando sem escrúpulos a sua

ética e transformando-a na prática de valores.

A revolta destes senhores poderosos e barrigudos, é quando os movimentos sociais ignoram

isto tudo, e partem para mostrar aquilo que eles querem esconder. Então se sentem atingidos em seu

poder.

Podemos dar um exemplo e mostrar como isto é. Estamos vivendo uma trama que se chama:

“A febre do Boné”.

Quando o Lula era ainda candidato, através de sua política de aliança, passou a estes

coronéis da informação, credibilidade e confiança. E se pudéssemos dizer de uma forma não

fraterna, ficaram satisfeitos que chegavam a “mijar-se pelas pernas”.

Passadas as eleições, compostos os ministérios, novamente se alinharam e consideraram que

o governo era sério. Então, um a um foram fazendo suas audiências. Enquanto que, (e isto nada tem

demais), os movimentos sociais com suas posições maduras e tranqüilas, aguardaram sem pressa

bem no final da fila, com paciência.

Feita a rodada, chegou a vez de receber os camaradas. Que até então não tinham dado nem

sequer uma opinião. Mas eis que despertaram os rancores. Através dos refletores atentos, deram o

deferimento de que seria ilegal, como se o presidente tivesse deixado de ser coerente, entrado em

um prostíbulo, e manchado a sua moral.

Page 67: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Isto doeu demais e a intimidade foi ferida. Pois viram que o Presidente, se quiser, pode ser

independente da minoria, e fazer as audiências com cordialidade e alegria.

Mas continuam nervosos e rebelados. Agora porque foram revelados os dados reais dos

grandes proprietários de terra no Brasil. E que, se o governo quiser fazer a reforma agrária, a classe

latifundiária é composta apenas de 27 mil. Que coisa perigosa, se o povo compreender este

sacrilégio, que uma minoria quer manter a terra como privilégio!

Animar significa botar alma, dar a vida. Imprimir a cada passo coragem, entusiasmo, luzes,

cores. É tempo de avançar, seguir em frente. Espalhar em toda a terra boas sementes, que o futuro

nos espera com as flores.

Cartas de Amor

Nº 64

À IRREVERÊNCIA

Corre à solta um argumento que chega a criar constrangimento. Dizem os ideólogos da

hipocrisia, que os movimentos sociais são importantes, para provar que há democracia.

Desenvolvem em suas falas arranjadas e polidas, o argumento porém, de que a lei deve

sempre ser cumprida. É, a bem da verdade, para o Estado manter a sua autoridade.

Não dizem eles uma coisa que está em sua própria alçada, de que os movimentos sociais

somente surgem, porque a lei que os favorece nunca é aplicada. A lei do direito de comer, trabalhar,

morar, sentir prazer...

Então este discurso deve ser contestado. Os movimentos sociais somente surgem e seguem o

seu curso, porque é o último recurso, que os fracos encontraram para defender-se das injustiças

cometidas pelo Estado.

Na história da humanidade podemos perceber algo interessante. Até a revolução francesa o

poder da “nobreza” vinha de Deus. A partir daí o povo o delega aos representantes seus. Que não

são propriamente o Estado, apenas de gerenciá-lo são encarregados.

Por trás destes dirigentes, há uma classe violenta com subdivisões interna. Por isso é que, o

Estado nunca pertence ao povo, e as vezes nem a quem governa.

Esta classe dominante, atua impondo cláusulas como a duas partes que assinam um contrato

em uma sociedade. Quem ferir alguma delas, paga multa sem piedade. Só que ela, quando paga, usa

o dinheiro, os fracos tem que usar como moeda a própria liberdade.

A classe dominante quando lhes é favorável, fala com cautela e com prudência, pois é a

única que em sua insanidade, tem a legitima possibilidade, de usar a força e a violência.

Preparam porém o terreno quando precisam usá-la, para que a opinião pública não venha

condená-la. Aí entra em campo a mídia com suas firmes opiniões, visando “amolecer” os corações.

Então passam a apontar uma infinidade de defeitos. Separam do povo alguns sujeitos, como

se eles fossem os culpados pela necessidade coletiva, e aí os esfolam até ficarem em carne viva.

Querem dar a entender, que se criminalizarem alguns indivíduos, o problema fica fácil de se

resolver.

Ás vezes quem governa tem até com a pobreza certa delicadeza e atenção. Mas da mesma

forma, é ameaçado. Se não utilizar a força do Estado e aplicar a violência e a repressão, alertam que

pode haver a cassação.

Os truculentos dizem com sua intransigência, que “é preciso baixar o pau da lei”.

Reconhecem então que ela não se aplica sem violência.

Page 68: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Os movimentos sociais surgem e são punidos, porque os seus problemas nunca são

resolvidos. Governo sai, governo entra, e a classe dominante continua sempre violenta.

Os poderosos são covardes e nojentos. Para tudo criam normas. Então querem estabelecer

até as formas de como devem se comportar os movimentos. Aí são “importantes” se ficarem dentro

dos padrões ditados pela classe dominante. Se é para esperar, o povo não precisa se organizar!

Os fracos somente são irreverentes porque os fortes são irresponsáveis e inconseqüentes. Por

isto é preciso continuar com a irreverência. É a única forma de defesa que resta para a pobreza,

defender-se da arrogância e da violência.

Cartas de Amor

Nº 65

AOS PAIS SEM TERRA

Meu pai. Vejo em você um herói a procura de vitórias. Anda pelos caminhos como quem

ainda quer fazer a própria história. Está velho e cansado. É assim mesmo: não há facilidades para

quem nasceu em tempo errado.

Num tempo de fartura e de trabalho você devia ter nascido. Mas não deu, estes magros são

os tempos teus.

Malditos estes tempos em que os campos não produzem, porque as cidades encheram-se de

luzes. E para lá correram os trabalhadores, como curiosos para ver um acidente, perderam a

identidade e por pouco não deixaram de ser gente.

Estes tempos que chovem até regularmente, mas não se encontra um lugar para jogar

sementes, e então a fome é uma visita que vem mas não agrada. Chega, entra, senta, deita, dorme e

não faz nada.

Dá vontade até de perguntar sobre qual será a minha herança? Sou criança, ainda tenho

muito tempo pra viver. Será que esta lona irá me pertencer? Ou será que o tempo de fartura nos dará

um cantinho de terra pra morar e ali viver?

Em breve será o dia dos pais. Vemos a mídia deliciando-se com seus fantásticos comerciais.

As lojas fazem promoções. É o momento de gastar todas as ilusões. Já gastamos todas as nossas, a

última que sobra é uma bela e verdejante roça.

Gostaria de lhe dar um bom presente. Uma sandália, um canivete, uma camisa bordada, mas

não dá, só sobrou-nos este lugar na beira desta estrada. O presente que você gosta está lá naquela

encosta, mas a televisão não mostra.

Tempos árduos e de conflitos. Falta lenha para aquecer estes fogões aflitos, que fervem a

água sem parar, a espera de que chegue algo para cozinhar. Minha mãe às vezes nos engana. Brinca

de ser menina, e organiza com folhas de jornais uma cantina. E nos chama para olhar: melancia,

pêra, mamão. Banana não! Precisa esperar madurar.

Mas, um pai só não faz verão! É aqui onde está a solução. Se todos têm um patrimônio só,

uma lona descorada pelo pó, é o suficiente para seguir em frente.

O tempo está ferido e somente será salvo por homens decididos. Pais desanimados são vistos

como coitados, que precisam de esmola e assistência esta é a razão da decadência. Quem só espera

nunca terá a sua terra.

Page 69: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Dia dos pais é um dia de animação. Feito o homem da bandeira que nunca abaixa o facão,

devem ser os pais Sem Terra. Ninguém tem o direito, de faltar com o respeito com quem a vida

gera.

As fileiras são nossas companheiras. Caminhamos porque acreditamos.

A força dos Sem Terra está na luta que é feita no silêncio e no barulho. Não pode haver

maior orgulho do que ver os filhos e os pais na luta unidos. Assim iremos conquistando o espaço e

o tempo então perdidos.

Que este dia dos pais seja de confiança e nos traga no futuro boas lembranças por termos de

fato acreditado. Se estamos aqui sedentos de vitórias, é sinal que, pelo menos, em cada uma

memória, algo de bom foi trazido e cultivado. Por isto, honramos nosso pais, por terem sabido ser

leais e nunca deixar de ter sonhado.

Cartas de Amor

Nº 66

À PÁTRIA

Pátria, em sua origem quer dizer, “terra do pai”. Mas é onde a Mãe encontra o seu lugar; por

isso nos acostumamos a chamar nosso Brasil, de “Pátria Mãe Gentil”.

Se é a terra dos pais ou das mães já não importa, o que nos incomoda é vermos que há uma

imensa quantidade de nossa pátria morta; por termos milhões de filhos infelizes, sem poder fixar

nela as suas raízes.

Esta constatação nada tem demais. Há tempo já sabemos que o latifúndio impede que a terra

esteja nas mãos dos filhos que são pais. Por isso, sem ela, morrem milhares de seres ainda crianças,

levando para as entranhas da pátria as pequenas esperanças.

Os trabalhadores não têm pátria, pois a terra que pisam não é sua. Tomam emprestadas as

calçadas e as ruas, para mostrar a indignação. Pertencem somente a esta grande nação de deserdados

sem identidade, é por isto que não tendo onde ficar, milhões de pobres continuam migrando para as

grandes cidades.

Ali temos a mesma situação. Onde está a pátria da população que não tem terra, trabalho e

moradia? Será que esta “Mãe” florida de favelas será gentil um dia?

De quando em vez se ouve então falar, de que, em nosso país, “já não há mais gente para

assentar”, e os milhares que vão aos acampamentos é apenas para receberem uma cesta de

alimentos.

Que visão tacanha e tirana! Nada entendem, estes ignorantes, ministros e governantes, pois

sua cultura é pouca. Não sabem que se a terra é impedida de colocar o alimento em cada boca, nesta

vida insana, esta tarefa será sempre cumprida, pelo prato de comida, dado pela caridade humana.

Inventam leis, decretos e medidas para esconder sempre a mesma verdade: os pobres estão

sem pátria porque os ricos a transformaram em propriedades!

O que fazer com milhões de deserdados, que nada herdam das gerações que passam?

Enquanto a pátria é delapidada, os pobres se amontoam nas favelas e à beira das estradas, a espera

de que os sonhos se desfaçam.

Page 70: Ademar Bogo_Cartas de Amor

De que pátria falam os governantes quando discursam em seus eventos? É da grande maioria

que não tem nada, ou daqueles que detém a metade do país, mas representam apenas 1%?

Esta terra não pode mais ser gentil com quem não a respeita! Que confunde derrubada de

árvores com colheita. Concentração de latifúndios e fazendas com geração de renda. Extração de

minérios e carvão com desenvolvimento da nação. Globalização mundial fraterna, com o pagamento

de uma odiosa dívida externa.

Que direito têm a colher quem aqui nada plantou? A roubar das gerações futuras todas as

riquezas? A condenar à morte quem ainda não sonhou? E a produzir um povo com as faces da

pobreza?

A pátria é pois de seu povo a garantia. Em suas entranhas gera-se a vida humana. Se para

cada aniversário se comemora um dia, para ela se reserva uma semana.

É claro que este tempo não é para festejar, mas para resistir e lutar.

Quem tem um boné coloque em sua cabeça e faça pelo que a pátria lhe mereça. Ande, já

findou o tempo da espera, daqui a poucos dias inicia a primavera. O perfume das flores envolverá os

clamores, e a palavra Pátria se escreverá com terra.

Cartas de Amor

Nº 67

AO DIA DA ÁRVORE

Em 21 de setembro comemora-se o dia da árvore aqui em nosso país. Poderia ser o ano

inteiro. Assim prestaríamos intensas homenagens a este grande viveiro feito pelas mãos da

natureza. É pena que elas, as árvores, não tenham neste dia tanta certeza.

Não tenham por causa das ameaças. Abrem-se clareiras e mais clareiras a cada ano que

passa. Por isso é que cortar madeira para os devastadores virou uma grande brincadeira.

O dilema da madeira pode estar neste resumo: nos últimos 50 anos, cresceu em 15 vezes a

necessidade de consumo. E, para cada 10 árvores derrubadas, uma apenas é replantada. Por isso a

triste história nos traz esta verdade: dos 60 milhões de quilômetros quadrados do planeta, de

florestas, só temos a metade.

Com tantas técnicas e conhecimentos esta é a herança que nos resta: a cada 4 minutos some

um hectare de floresta.

Os caminhões e as moto-serras são as armas usadas nessa guerra. Os povos calados

acompanham este fúnebre cortejo de destruição, vendo as árvores centenárias seguirem em

procissão para serem desmanchadas, como se a vida não valesse nada.

É importante muitas árvores plantar. Mas, mais importante ainda é as que existe preservar.

Para evitar flagelar o meio ambiente. Imagine se alguém fizesse esta maldade com a gente, e

decretasse: matem todos os adultos, deixem só as crianças e os adolescentes.

Uma árvore matada leva consigo 30 espécies de vida, que de seu caule extraem a sua

comida. O maior prejuízo falta ainda dizer; é que uma árvore plantada agora, levará até 20 anos para

florescer, por isso das gerações interrompem-se o caminho e quem mais sofre são os pobres

passarinhos.

Eles são os maiores plantadores de sementes, é por isso que encontramos as mesmas

espécies por todo o continente. Em seu papo levam vida para este grande viveiro, como se cada um

fosse responsável para cuidar de um belo canteiro. Por isso é que 10% de todas as espécies de vida

do planeta estão em solo brasileiro.

Page 71: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Se as árvores adultas vão embora, os pássaros não agüentam a demora de esperar outra

planta ali crescer, e então começam a migrar e a morrer.

Há quem pense que exportar madeira ajuda o Brasil a aumentar seus capitais. Não podemos

concordar com estes comedores de madeira. 70% das plantas pesquisadas para curar o câncer estão

localizadas nas selvas brasileiras. Nelas está a riqueza reservada, onde o país terá o remédio para

curar a humanidade, quase sem gastar nada.

A vida do planeta depende das árvores para seguir em frente. Elas recolhem o gás carbônico

que expelimos diariamente e nos dão o oxigênio de presente.

Além do mais refrescam o ambiente, inibem as erosões, curam doenças, cuidam da água e

oferecem frutos e sementes em um grande avental. Se a terra aquecer dois graus centígrados, as

águas do mar afogarão 75% da população mundial.

No dia da árvore comece esta grande mudança. Cuide das que ainda restam com carinho de

criança. Há tempo para salvar o que ainda resta de nossas belas florestas. Onde foram feitas grandes

derrubadas, não tem mais jeito: novas árvores terão que ser plantadas.

Entre pra valer nesta campanha! Para a solidariedade não existe terra estranha! A vida não

pode ter proprietários! Defendê-la é um elegante ato revolucionário.

Cartas de Amor

Nº 68

À OBEDIÊNCIA

Ia escrever sobre a primavera, mas faltou-me paciência, por isto veio a tona o tema da

obediência.

A razão para esta mudança é a perda da confiança, devido a uma cópia de carta que chegou

por aqui, onde o Palocci presta contas ao FMI. Mais baixo do que isto é impossível descer; nela o

Antônio Filho se ajoelha para dizer: Pai, cumprimos o dever.

Para que percebam o regaço, vou destacar da carta um pedaço: “A agenda de reformas

estruturais do governo avança com vigor no Congresso. A reforma da previdência foi votada no

primeiro turno no dia 6 de agosto, tendo havido avanços nas discussões da reforma tributária.

Também se verificou progresso na Lei de Falências, estando previsto para breve a votação do

projeto de lei pela Câmara dos Deputados. A política fiscal está de acordo como estabelecido e a

proporção da dívida vencendo em 12 meses continua a cair, assim como o custo da dívida interna. A

redução da vulnerabilidade da economia também permitiu o Banco Central diminuir a exposição

cambial da dívida pública referenciada em moeda estrangeira”. Só faltou o neném falar, que para

economizar abandonou a mamadeira.

O que disseram, deve ter sido de brinquedo: que “a esperança venceu o medo”. A não ser

que esta esperança signifique a perda! E o medo que venceram foi da esquerda. Não foi escrito,

talvez tenha ficado no rascunho, onde o ministro de próprio punho fala sobre a limpeza: passamos a

vassoura no funcionalismo pobre, expulsamos deputados radicais e agora a investida é contra os

movimentos sociais. Já rebaixamos o orçamento, os programas sociais não andam mais, e o Fome

Zero segue de vela e vento.

Então a obediência venceu a esperança! Só faltou o ministro filho concluir: Pai, sempre

arrumo a minha cama e apago as luzes antes de dormir. Isto é para economizar os gastos internos.

Veja, só uso a mesma cor de terno, também economizo quando vou às reuniões. Por tudo isto foi

que lhe envie, em diversas vezes, nos primeiros seis meses, quase 90 bilhões.

O Estado segue teus receituários. Há críticas internas de alguns radicais otários, mas o povo

segue acreditando, que tem alguém de confiança no comando.

Page 72: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Pensavam que ia ser diferente? Estão surpresos com nossa eficiência? Vocês nos ensinaram

a importância da obediência, e isto repassamos ao povo: se quiser ter avanços, deve ficar cada vez

mais manso e esperar o momento para votar de novo.

Só faltou dizer que consertou os vazamentos das torneiras; o ar condicionado e o ventilador.

Para economizar ainda mais, está amolando o barbeador. Sabonete só passa uma vez, papel

higiênico usa dos dois lados, e, é assim que se conserta o Estado.

Meu presidente, você foi eleito como companheiro, e não para ser do neoliberalismo o

lixeiro, devendo fazer o resto das reformas que o traidor passado não conseguiu fazer. Não foi para

isto que o colocamos no poder!

Se o Palocci não tem coragem de mandar o FMI lamber sabão, o povo não é culpado, isto

ocorre com todos os que traem as causas do passado. Mas ele não é o dono do programa, que por

sinal, até agora não se aplicou sequer um grama, para não falar em virgulas e pontos. A paciência já

cansou de dar descontos!

Não é por nada não, nem para resgatar o refrão de “Ser Feliz”, ocorre que, esta submissão

tamanha, no fundo só envergonha quem tanto acredita no país.

Cartas de Amor

Nº 69

à PRIMAVERA

Primavera, na origem de sua definição quer dizer: “primeiro verão”. Mas sempre que é

anunciada a sua chegada sobre a terra, torna-se feminina e, com o olhar preso nas colinas,

esperamos a Prima Vera. Prima de toda a natureza pela força e beleza que esta estação gera.

Usamos também tal referência para elogiar pessoas jovens e queridas, dizendo que estão “na

primavera da vida”. Este é o momento do florescimento.

É a estação onde a vida se levanta, as árvores brotam, os pássaros afinam a garganta e fazem

o acasalamento. Os animais se movem com destreza, enfim, é a vez da natureza dizer ao ser humano

que estamos indo para o final do ano.

É a hora de acordar as sementes e deitá-las na terra para que liberem a energia guardada.

Tirar as mudas dos canteiros de onde estão arquivadas. Levá-las para o campo reiniciando as

florestas. Em resumo a primavera, é uma grande festa.

Há primavera então em todos os sentidos, inclusive na política. É pena que a nossa esteja

ficando crítica. A primeira estação de quatro anos está quase ultrapassada e de florescimento quase

não vimos nada.

Será que é porque o inverno de FHC foi tão cruel e tenebroso? Choveu, nevou, morreu,

matou, fez enfim tudo o que a gente não queria. Usou do poder e a repressão para bater fazendo

adoecer as raízes de nossa utopia.

Mas os campos estão aí para serem semeados à vontade, basta que a decisão seja mais forte

que o direito à propriedade. O grande mal da injusta concentração da terra, é que, o latifúndio

impede de surgir a primavera.

Estamos também na primavera das prisões pela perseguição do judiciário, esperávamos no

início do governo que seria justamente o contrário. Quem iria para a cadeia seriam os matadores,

mas o alvo continua sendo os trabalhadores.

Dizem que é porque os poderes são independentes, mas a razão da repressão é porque a

reforma agrária está parada na beira das estradas e não tem ido à frente.

Page 73: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Se o governo tivesse distribuído a terra, estaríamos nela fazendo a primavera. Como é lento

o seu comportamento, mesmo a natureza mudando de estação, vivemos esta dura condição, no

inverno frio dos acampamentos.

Mas nem tudo está perdido, cada qual tem por dentro um coração florido, estamos como as

flores teimosas e resistentes que surgem dos galhos até sem folhas, porque sabem fazer as suas

escolhas.

Dos galhos da exclusão brotamos nós aqui, e resistimos ao frio do latifúndio e do FMI que

leva embora o dinheiro do orçamento, deixando o governo enfermo, rastejando lento, como se o

corpo sangrasse por um grande ferimento.

As flor é sempre a esperança, por meio dela é que a vida segue em frente, sua tarefa é

produzir sementes, respeitando a natureza e seus costumes. Nós também somos iguais às flores,

nascemos para gerar o novo, misturando: sonhos, esperança e povo. É preciso cuidar para não parar

na fase do perfume.Sejamos como José Martí que em sua poesia nos anima a cultivar com alegria:

“Cultivo uma rosa branca, em julho como em janeiro, para o amigo sincero, que me dá a sua mão

franca. E para o cruel que me arranca, o coração com que vivo, nem “cacto” ou “urtiga” cultivo:

cultivo uma rosa branca”. Sem temer a força bruta, façamos a nossa primavera ser de lutas.

Cartas de Amor

Nº 70

ÀS VÍTIMAS DE INJUSTIÇAS

É costume entre os humanos colher flores para dá-las de presente. Mas esta gentileza

esquece com certeza, que está interrompendo em meia idade, a possibilidade delas produzirem suas

sementes.

O poder judiciário brasileiro cumpre o papel do jardineiro. Encarrega-se de colher as flores,

separando-as pelas cores. Como a muitos juízes falta ética, justificam-se que agem apenas por

motivações técnicas. Dizem que os réus para eles não tem nome, e assim fazem para bem proceder,

chamam de A,B, C, D...

Por que tamanha falsidade, por acaso o “A” não é um nome, não tem forma e identidade?

Nesta jardinagem onde a Ordem é a referência, o juiz no papel do jardineiro age, segundo

ele, pela lei e não por sua consciência. Significaria dizer que, dentre todas as flores, ele não tem

nenhuma preferência. Não é verdade, qualquer ser humano com outro ser humano se assemelha e há

juizes que em suas decisões francas, esquecem as flores brancas e atacam apenas as vermelhas.

O jardineiro ao tomar a decisão, tem o destino das flores na tesoura que leva em sua mão.

Portanto, a cena de julgar é tão violenta e patética, como a de cortar caules de flores, jamais é

puramente técnica.

Quando a injustiça se torna permanente; a consciência mais nenhum arrependimento sente.

Cortar ou condenar tem o mesmo sentido. Após terem punido, o juiz e o jardineiro em seu trabalho

normal e corriqueiro, vibram de satisfação pelo dever cumprido.

Muitas vezes age dizendo o jardineiro: vou tirar, não só a rosa, mas o pé da roseira do

canteiro. É preciso para deixar livre o caminho. E em seu lugar plantarei outra que não produza

espinhos.

Page 74: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Esta motivação está também no coração do judiciário. Quer agradar aos latifundiários,

arrancando a roseira do MST do canteiro de nossa sociedade, para que os espinhos da luta não

arranhem a pele da velha propriedade.

Cortam as rosas vermelhas para que não sejam empecilhos, e, em cada decisão, fecham o

coração como se fosse uma brincadeira; separam as rosas da roseira, assim como separam os pais e

as mães dos filhos.

Se questionarmos o jardineiro, responderá que cortar caules é o seu dever. E o juiz da mesma

forma nos dirá que é porque tem o poder. O jardineiro acusa o caule por ter uma forquilha. O juiz

porque os Sem Terra formaram uma quadrilha.

É justa a decisão do jardineiro que faz uma opção, de preparar para um presente um maço só

de rosas vermelhas para agradar a seu cliente? Não tem culpa alguma a cor por ser a escolhida.

Então não tem razão o judiciário com suas medidas descabidas, quando através de um de seus

representantes, para agradar aos latifundiários, colhe do meio dos Sem Terra, as suas lideranças

importantes.

É preciso dizer aos produtores de injustiças, que as flores sentem dores como a gente. Mas,

que não há força que as possa derrotar; nem a lei nem a tesoura de podar, poderão impedir ou

segurar, a liberdade de produzir sementes.

Cartas de Amor

Nº 71

ÀS SEMELHANÇAS

As cadeias e os presídios, tem servido ao longo do tempo, como instrumento, para perseguir

e amedrontar o nosso movimento.

São as armas utilizadas pelos mercenários do Estado de Direito, que usam a lei como

armadilha, para prender e punir quem trilha em busca de um mundo mais perfeito.

Estes mercenários, a serviço dos latifundiários, se igualam na verdade; usam a lei como sua

propriedade, como se fosse uma reserva de valor; onde, na condição de especulador, o juiz se

assemelha ao coronel, através de uma simples folha de papel, impõe de uma só vez, sua forma de

terror.

O latifundiário e o juiz guardam outras semelhanças, ambos atacam sem piedade as

esperanças. O primeiro impedindo que se distribua a propriedade, e o segundo que se tenha e

usufrua da liberdade.

Agem em combinação. Quando alguém é condenado é porque primeiro foi marcado para

morrer em alguma ocupação. A cadeia então é a comprovação de sorte que teve alguém por escapar

da morte.

Nas mãos da lei se poderia depositar a confiança, imaginando que nos presídios e nas

cadeias os presos tivessem segurança. Mas não se tem nela este suporte; mesmo ali trancados

continuam ameaçados de morte. Parece até que ao ir para a cadeia uma liderança, para sobreviver,

deveria levar consigo uma força particular de segurança.

A intimidade que existe entre estes dois lados é de ficar assombrados. Para não achar que

estamos sendo ingratos, vejamos os dados sobre os assassinatos. De 1995 a 2002, período em que

governou o Brasil o senhor FHC, foram assassinados, nada menos, nada mais que 278 trabalhadores

Page 75: Ademar Bogo_Cartas de Amor

rurais. Destes macabros episódios tristes e sangrentos, somente 6 foram a julgamento. Portanto esta

conivência não é apenas de aparência.

A impunidade não é nenhuma novidade. Faz quinhentos anos que a lei e o latifúndio andam

de mãos dadas, sem se importar que ao povo não ajudam em nada. A pior forma de violência é

aquela praticada com consciência. Por trás das becas pretas do poder judiciário, estiveram sempre as

mãos ensangüentadas dos latifundiários. Salvo as exceções, poucas foram na longa história as

condenações.

É verdade que os poderes são independentes quando representam a nação? Por que então só

a classe dominante tem razão? Podem ter uma relativa independência, mas é no judiciário que se

concentra a referência.

Existem juizes que dão para as leis corretos entendimentos e ajudam aos pobres amenizarem

um pouco os sofrimentos; mas raras vezes presenciamos estes momentos. Cada grupo social tem os

seus interesses a defender, muito mais aqueles que em suas mãos tem o poder.

A preocupação da ligação do judiciário com a classe latifundiária é que ele impedirá que se

faça a reforma agrária. Tudo está sendo questionado na justiça e os juizes dão ganho de causa à

truculência e à cobiça.

Se alguma esperança renasceu por termos elegido da República o presidente, devemos

perceber que seu poder está amedrontado por estas correntes tão perversas; e enquanto Ele estiver

temeroso e incapaz, pregando a reforma agrária dentro da lei e na paz, ela ficará somente na

promessa.

Cartas de Amor

Nº 72

AOS PRESOS DA TERRA

A prisão com razão, não é um bom lugar. Não é verdade que só o corpo está ali para penar,

as idéias e os sentimentos também passam pelos mesmos sofrimentos.

Sem o corpo não se fazem ocupações, sem as vozes não se fazem rebeliões; sem as pernas

não se acerta o passo; sem as mãos não se abrem os caminhos; sem os braços os filhos não recebem

o afeto e o carinho. Porque, por mais que sejamos companheiras e companheiros, das mãos de

nossos pais e mães ninguém se torna herdeiro.

Por isso as dívidas a cobrar da classe dominante não serão apenas materiais, políticas ou

repressivas, as maiores talvez sejam as afetivas. Fere muito mais do que uma lança, as mães sendo

algemadas sem poderem enxugar as lágrimas das crianças.

Tudo por que? Pela simples razão de garantir o direito à propriedade. Movem-se esforços

cometendo-se todos os desatinos, para prender inocentes e torná-los “assassinos”. Perigosos são eles

e elas, por quererem encher de comida todas as panelas. Colocar em cada boca infantil uma

mamadeira; uma enxada em cada mão para gerar trabalho; dar a cada corpo um agasalho e encher os

quintais de frutas e roseiras.

Um homem só manda prender e condenar, como se um ser humano fosse um entulho sendo

deslocado. Ele se dá o direito de dizer o que está certo ou errado. Goza de enorme força mesmo

sendo minoria; ainda nos faz crer, que no seu entender, vivemos em uma democracia.

E lá se vão ficar trancados militantes e dirigentes, como se estivessem doentes, enquanto os

juizes ficam indiferentes. Prisão é privação, é igualar-se com aqueles que nada tem. Por mais que se

procure, esconjure, nada vem. Em tudo se fica dependente das mãos alheias, por isso é que “cadeia”,

na palavra original, antes de ter paredes, era uma corrente de ferro ou de metal.

Page 76: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Mas, quem está preso e imobilizado não deve considerar-se inutilizado. Cada momento é

propício, para aprender, estudar, imaginar, escrever e corrigir os vícios. Escreva, nem que sejam

poucas linhas é a forma de dar vida aos passos que não caminhas! Mande cartas para os

acampamentos, elas ajudam a aliviar o sofrimento. Cuide do corpo com longos exercícios, para que

esteja em forma quando acabar o sacrifício.

Mantenha o ânimo e a cabeça erguida. A paciência é o remédio que cura todas as feridas. O

tempo passa; levará consigo as dores, e em seu lugar ficarão as vitórias misturadas com as pétalas

das flores.

A frieza das celas não congelam nossas mentes, muito pelo contrário, apenas serve para

provar, que os revolucionários, em qualquer tempo ou lugar, não se deixam intimidar e continuam

sempre coerentes.

As lutas tecem o momento. As estradas estão cercadas pelos acampamentos. Sem demora as

marchas tomarão as rodovias. Elas alimentarão as utopias de quem a vida toda só esperou, mas no

dia em que acordou, cada sonho se transformou em ideologia.

A convicção de estar certos é que nos faz ficar despertos. Os inimigos rondam como os

crocodilos, para comer a esperança que na maioria dos seres ainda é criança; mas saberemos como

repeli-los.

Ninguém tem mais força que a verdade! A história é feita pela desobediência! A terra nunca

virá por caridade, mas pela força e solidariedade que se revela em cada uma consciência.

Cartas de Amor

Nº 73

À SOBERANIA

“Se o mundo tivesse apenas um presidente seria diferente?” Perguntou o menino à

professora de geografia. “Claro que seria!!” Respondeu ela com duas exclamações, e passou a

destacar quais as razões:

Se o mundo tivesse um presidente só funcionaria muito melhor! Teria em suas mãos o mapa

de toda a terra e marcaria onde precisaria, de vez em quando, fazer guerra. Somente para lá dirigiria

seu arsenal, e, com isso, evitaria outra guerra mundial.

É claro que ele não poderia governar sozinho, em cada local colocaria um presidentezinho.

Precisaria, para ajudá-lo implementar as decisões. Para auxiliá-los enviaria permanentemente

comissões, que avaliariam o desempenho. Seria assim, como na prova da matéria de desenho; a

figura já viria pronta, mas da pintura cada qual teria que dar conta.

A comissão ajudaria a escolher as cores para facilitar. Ensinaria a passar o lápis bem de leve

para a ponta não gastar, principalmente aqueles que tivessem belas cores. Assim receberiam boas

notas e elogios destes senhores.

Aprenderiam regras de como governar, decorando uma simples equação, para manter

controlada a inflação. Se ela estivesse crescendo, calmamente e sem apuros, seria só subir os juros.

Desta forma o povo deixaria de comprar. Se com isso surgisse o desemprego; sem se intimidar,

baixariam os juros devagar e tudo voltaria ao mesmo patamar.

Haveriam pequenas coisas que pareceriam afrontas, teriam que enviar mensalmente uma

soma em dinheiro para o presidente equilibrar as suas contas, que, por ser grande, teria direito a

isso! Mas se um dia alguém se apertasse e dele precisasse, ajudaria, e não faltaria ao compromisso.

Tudo funcionaria de acordo com um só pensamento. Como se fosse uma família onde pais e

filhos entrassem sempre em entendimento. Não é assim quando alguém pede para o pai comprar

Page 77: Ademar Bogo_Cartas de Amor

uma camisa? E ele responde: não precisa! Continue usando esta, mesmo estando rasgada! É preciso

ter paciência, pagar primeiro as dívidas, depois resolver nossas pendências!

Se o mundo tivesse um presidente só, diminuiriam todas as despesas, porque os serviços

passariam a ser prestados por empresas. Elas ofereceriam a escola, o transporte, a água encanada, a

luz elétrica e o hospital. Tudo funcionaria melhor e normal! Até mesmo para a aposentadoria teria

uma empresa. Não seria uma moleza governar deste jeito? Em cada prefeitura, não teria mais nada

de estrutura, somente o gabinete do prefeito.

Trabalho, emprego, reforma agrária e outras coisas mais, seriam resolvidos com programas

assistenciais. Não seria melhor? Ao invés de trabalhar o mês inteiro, ir direto ao Banco levando em

cada mão, um cartão, para retirar o seu dinheiro?

Àh, se o mundo tivesse somente um presidente! Todos se comportariam do mesmo jeito.

Comeriam os mesmos produtos, vestiriam as mesmas roupas, ouviriam as mesmas músicas, como

se um só coração batesse em cada peito.

As polêmicas locais, gerais ou transitórias, seriam todas resolvidas através de Medidas

Provisórias.

A cultura, a moral, a arte e os valores seriam muito diferentes, se o mundo tivesse apenas um

presidente. Assim seria! Pra que então pensar em soberania?

Cartas de Amor

Nº 74 AO SENSO MORAL

Deveria existir apenas uma moral para diferenciar o bem do mal, mas em geral, cada grupo

social tem uma, e pelo jeito a Monsanto, por falta de respeito não tem moral alguma.

Mas o governo deveria ter, enfrentar e não ceder aos interesses descabidos, mesmo que esta

empresa seja dos Estados Unidos. Moral não é coisa que se compre ou que se troque, mas o governo

brasileiro corre o risco de ficar também sem ela se continuar indo a reboque.

É o que está ocorrendo no presente! O planalto com seu frágil poder já não combate, está

anêmico; decidiu entregar aos fazendeiros e a algumas empresas do estrangeiro o direito a produzir

transgênicos.

Que bom senso, que nada! Esta questão já vem a tempo complicada. Antes deste embaraço,

houveram outros localizados no mesmo ponto geográfico. As sementes contrabandeadas foram

plantadas e o governo legalizou o tráfico. E não adianta disfarçar procurando arranjar cada dia um

argumento; a Monsanto ganhou a batalha ali nesse momento.

Não foi ela que infringiu a lei traficando as sementes da Argentina? Ela que indenizasse

quem plantou, fosse condenada a pagar alto valor pelo desrespeito e a ameaça clandestina!

Liberando a comercialização da safra então colhida, houve a autorização, pelo Senso da

Pressão, de transformar a droga em comida.

Dizia, para ser compensatória a mal fadada Medida Provisória: que, haveria multa para

quem novamente cultivasse e se as empresas os tais produtos não os rotulasse.

Passou o tempo ninguém rotulou nada e a nova safra já começa a ser plantada. Volta

novamente o “Senso da Pressão” e o governo contorcendo-se em dores, fecha os olhos, ignora os

clamores de 88% de nossa sociedade. É uma calamidade!

Page 78: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Agora os argumentos estão submetidos ao fato dos transgênicos estarem sendo produzidos.

Desconsidera-se os estudos e todas as possibilidades de destruição, simplesmente para agradar uma

empresa exclusivista, especialista em contaminação.

Ou não estudaram os nossos ministros que foram há décadas guerrilheiros, a história de

nossa pátria irmã, o Vietnã? O que esta mesma empresa fez por lá? Três décadas depois as

consequências continuam a se revelar. 28 tipos de enfermidades é a recompensa. Morreram 500 mil

pessoas e 650 mil são portadoras de vários tipos de doenças.

Portanto não se trata de intransigência daqueles que criticam! É que os 4 anos de governo

vão embora mas as consequências ficam.

A mesma coisa não ocorre com a Medida Provisória que impede as ocupações. Por que será

que não é igual? Será que o governo dá mais importância ao capital do que as nossas

reivindicações?

Em nada melhora a situação da agricultura, do comércio exterior e o desenvolvimento

nacional, por que então correr o risco deste mal?

Depois dos transgênicos vem a ALCA com todos os seus preceitos. Assim nosso governo

vai cedendo e ficando cheio de defeitos, até o dia em que não gozará de mais nenhum respeito.

Seria bom que a este provérbio o governo desse ouvidos: “O mal depois de espalhado não

pode mais ser recolhido”.

Cartas de Amor Nº 75

À BIODIVERSIDADE

Chamamos de biodiversidade a imensa variedade de vidas dadas pela natureza, mas que, por

incapacidade de defesa, estão na iminência de se tornarem propriedade de algumas poucas

empresas.

É claro que ninguém quer interromper nenhuma pesquisa, mas a ética e a moral devem dizer

qual delas a sociedade precisa.

Se uma empresa pela simples ganância financeira quer tornar a agricultura uma sujeira,

injetando nas sementes o glifosato, paciência, mas temos o direito de dizer que não queremos

colocar veneno em nossos pratos!

Nem todos os inventos são úteis para o desenvolvimento. Há os que ajudam elevar a

qualidade de vida, mas a modificação das sementes está comprovado de trás para frente que não

aumentará em nada a quantidade de comida. O que aumentarão são os lucros da Monsanto que

pegou a nossa soja adaptada em qualquer canto e patenteou o invento da transgenia, agora ganhará

20 dólares por tonelada da soja que for exportada, este é o resultado desta hipocrisia.

Sobre este assunto as coisas não andam bem, o governo “indeciso” fica no seu vai e vem.

Quando pensávamos que ele obrigaria a deixar de plantar e estenderia a moratória, apareceu com

outra Medida Provisória, dizendo que: “É preciso evitar a desobediência civil” e é assim que a

Monsanto ficará dona de toda a semente de soja do Brasil.

Desta vez o governo agiu mal, abriu o precedente, perdeu a autoridade de governar

decentemente. Poderíamos dar um exemplo para ilustrar este tema, de um pai que proíbe os filhos a

irem ao cinema. Eles reagem, pressionam e vão tendo progressos. Vendo que não pode segurar, para

Page 79: Ademar Bogo_Cartas de Amor

não se desmoralizar, o pai vai na frente e lhes compra os ingressos. É claro que para mostrar o seu

poder irá dizer: meus filhos prestem atenção no que lhes peço: cuidado para não ficar no escuro, se

alguém vos agarrar e colocar contra o muro, gritem e ameacem com processos.

As ressalvas na medida provisória é um conjunto de piadas, como esta de que a partir de

2004, a soja transgênica deve ser incinerada. Ora, porque deixar plantar se a safra terá que ser

queimada? A medida anterior já negou esta insensatez, pois previa que a safra passada não seria

comercializada toda em 2003. Por isso afirmamos com a finco, a próxima safra entrará em 2005.

Na seqüência as ressalvas continuam insistentes: “Só poderá plantar quem tem guardadas as

sementes. Estas não poderão ser vendidas ou trocadas”. Elas estão em nosso solo porque foram

contrabandeadas e ninguém tomou nenhuma providência, não vos parece uma grande incoerência?

Além do mais na agricultura, trocar sementes faz parte da cultura.

Diz ainda que o Ministério definirá as regiões. Deveria acrescentar: “Nas que fizerem

pressões”. E que o “desobediente” arcará com todos os danos surgidos no meio ambiente, podendo

processar o seu vizinho. Ora, o indivíduo vai protestar sozinho? O governo libera a droga, esta entra

em cada casa com seu poder ignorante, contamina a mulher as filhas e os filhos e o pai vai

processar o traficante?

Tudo isso revela uma grande verdade: se no mundo urbano “O Brasil que come tem medo do

Brasil que tem fome”, na agricultura, a biodiversidade tem medo de governos que mandam pela

metade.

Cartas de Amor

Nº 69

à PRIMAVERA

Primavera, na origem de sua definição quer dizer: “primeiro verão”. Mas sempre que é

anunciada a sua chegada sobre a terra, torna-se feminina e, com o olhar preso nas colinas,

esperamos a Prima Vera. Prima de toda a natureza pela força e beleza que esta estação gera.

Usamos também tal referência para elogiar pessoas jovens e queridas, dizendo que estão “na

primavera da vida”. Este é o momento do florescimento.

É a estação onde a vida se levanta, as árvores brotam, os pássaros afinam a garganta e fazem

o acasalamento. Os animais se movem com destreza, enfim, é a vez da natureza dizer ao ser humano

que estamos indo para o final do ano.

É a hora de acordar as sementes e deitá-las na terra para que liberem a energia guardada.

Tirar as mudas dos canteiros de onde estão arquivadas. Levá-las para o campo reiniciando as

florestas. Em resumo a primavera, é uma grande festa.

Há primavera então em todos os sentidos, inclusive na política. É pena que a nossa esteja

ficando crítica. A primeira estação de quatro anos está quase ultrapassada e de florescimento quase

não vimos nada.

Será que é porque o inverno de FHC foi tão cruel e tenebroso? Choveu, nevou, morreu,

matou, fez enfim tudo o que a gente não queria. Usou do poder e a repressão para bater fazendo

adoecer as raízes de nossa utopia.

Page 80: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Mas os campos estão aí para serem semeados à vontade, basta que a decisão seja mais forte

que o direito à propriedade. O grande mal da injusta concentração da terra, é que, o latifúndio

impede de surgir a primavera.

Estamos também na primavera das prisões pela perseguição do judiciário, esperávamos no

início do governo que seria justamente o contrário. Quem iria para a cadeia seriam os matadores,

mas o alvo continua sendo os trabalhadores.

Dizem que é porque os poderes são independentes, mas a razão da repressão é porque a

reforma agrária está parada na beira das estradas e não tem ido à frente.

Se o governo tivesse distribuído a terra, estaríamos nela fazendo a primavera. Como é lento

o seu comportamento, mesmo a natureza mudando de estação, vivemos esta dura condição, no

inverno frio dos acampamentos.

Mas nem tudo está perdido, cada qual tem por dentro um coração florido, estamos como as

flores teimosas e resistentes que surgem dos galhos até sem folhas, porque sabem fazer as suas

escolhas.

Dos galhos da exclusão brotamos nós aqui, e resistimos ao frio do latifúndio e do FMI que

leva embora o dinheiro do orçamento, deixando o governo enfermo, rastejando lento, como se o

corpo sangrasse por um grande ferimento.

A flor é sempre a esperança, por meio dela é que a vida segue em frente, sua tarefa é

produzir sementes, respeitando a natureza e seus costumes. Nós também somos iguais às flores,

nascemos para gerar o novo, misturando: sonhos, esperança e povo. É preciso cuidar para não parar

na fase do perfume.

Sejamos como José Martí que em sua poesia nos anima a cultivar com alegria: “Cultivo

uma rosa branca, em julho como em janeiro, para o amigo sincero, que me dá a sua mão franca. E

para o cruel que me arranca, o coração com que vivo, nem “cacto” ou “ortiga” cultivo: cultivo uma

rosa branca”. Sem temer a força bruta, façamos a nossa primavera ser de lutas.

Cartas de Amor

Nº 70

ÀS VÍTIMAS DE INJUSTIÇAS

É costume entre os humanos colher flores para dá-las de presente. Mas esta gentileza

esquece com certeza, que está interrompendo em meia idade, a possibilidade delas produzirem suas

sementes.

O poder judiciário brasileiro cumpre o papel do jardineiro. Encarrega-se de colher as flores,

separando-as pelas cores. Como a muitos juízes falta ética, justificam-se que agem apenas por

motivações técnicas. Dizem que os réus para eles não tem nome, e assim fazem para bem proceder,

chamam de A,B, C, D...

Por que tamanha falsidade, por acaso o “A” não é um nome, não tem forma e identidade?

Nesta jardinagem onde a Ordem é a referência, o juiz no papel do jardineiro age, segundo

ele, pela lei e não por sua consciência. Significaria dizer que, dentre todas as flores, ele não tem

nenhuma preferência. Não é verdade, qualquer ser humano com outro ser humano se assemelha e há

juizes que em suas decisões francas, esquecem as flores brancas e atacam apenas as vermelhas.

O jardineiro ao tomar a decisão, tem o destino das flores na tesoura que leva em sua mão.

Portanto, a cena de julgar é tão violenta e patética, como a de cortar caules de flores, jamais é

puramente técnica.

Page 81: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Quando a injustiça se torna permanente; a consciência mais nenhum arrependimento sente.

Cortar ou condenar tem o mesmo sentido. Após terem punido, o juiz e o jardineiro em seu trabalho

normal e corriqueiro, vibram de satisfação pelo dever cumprido.

Muitas vezes age dizendo o jardineiro: vou tirar, não só a rosa, mas o pé da roseira do

canteiro. É preciso para deixar livre o caminho. E em seu lugar plantarei outra que não produza

espinhos.

Esta motivação está também no coração do judiciário. Quer agradar aos latifundiários,

arrancando a roseira do MST do canteiro de nossa sociedade, para que os espinhos da luta não

arranhem a pele da velha propriedade.

Cortam as rosas vermelhas para que não sejam empecilhos, e, em cada decisão, fecham o

coração como se fosse uma brincadeira; separam as rosas da roseira, assim como separam os pais e

as mães dos filhos.

Se questionarmos o jardineiro, responderá que cortar caules é o seu dever. E o juiz da mesma

forma nos dirá que é porque tem o poder. O jardineiro acusa o caule por ter uma forquilha. O juiz

porque os Sem Terra formaram uma quadrilha.

É justa a decisão do jardineiro que faz uma opção, de preparar para um presente um maço só

de rosas vermelhas para agradar a seu cliente? Não tem culpa alguma a cor por ser a escolhida.

Então não tem razão o judiciário com suas medidas descabidas, quando através de um de seus

representantes, para agradar aos latifundiários, colhe do meio dos Sem Terra, as suas lideranças

importantes.

É preciso dizer aos produtores de injustiças, que as flores sentem dores como a gente. Mas,

que não há força que as possa derrotar; nem a lei nem a tesoura de podar, poderão impedir ou

segurar, a liberdade de produzir sementes.

Cartas de Amor

Nº 71

ÀS SEMELHANÇAS

As cadeias e os presídios, tem servido ao longo do tempo, como instrumento, para perseguir

e amedrontar o nosso movimento.

São as armas utilizadas pelos mercenários do Estado de Direito, que usam a lei como

armadilha, para prender e punir quem trilha em busca de um mundo mais perfeito.

Estes mercenários, a serviço dos latifundiários, se igualam na verdade; usam a lei como sua

propriedade, como se fosse uma reserva de valor; onde, na condição de especulador, o juiz se

assemelha ao coronel, através de uma simples folha de papel, impõe de uma só vez, sua forma de

terror.

O latifundiário e o juiz guardam outras semelhanças, ambos atacam sem piedade as

esperanças. O primeiro impedindo que se distribua a propriedade, e o segundo que se tenha e

usufrua da liberdade.

Agem em combinação. Quando alguém é condenado é porque primeiro foi marcado para

morrer em alguma ocupação. A cadeia então é a comprovação de sorte que teve alguém por escapar

da morte.

Page 82: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Nas mãos da lei se poderia depositar a confiança, imaginando que nos presídios e nas

cadeias os presos tivessem segurança. Mas não se tem nela este suporte; mesmo ali trancados

continuam ameaçados de morte. Parece até que ao ir para a cadeia uma liderança, para sobreviver,

deveria levar consigo uma força particular de segurança.

A intimidade que existe entre estes dois lados é de ficar assombrados. Para não achar que

estamos sendo ingratos, vejamos os dados sobre os assassinatos. De 1995 a 2002, período em que

governou o Brasil o senhor FHC, foram assassinados, nada menos, nada mais que 278 trabalhadores

rurais. Destes macabros episódios tristes e sangrentos, somente 6 foram a julgamento. Portanto esta

conivência não é apenas de aparência.

A impunidade não é nenhuma novidade. Faz quinhentos anos que a lei e o latifúndio andam

de mãos dadas, sem se importar que ao povo não ajudam em nada. A pior forma de violência é

aquela praticada com consciência. Por trás das becas pretas do poder judiciário, estiveram sempre as

mãos ensangüentadas dos latifundiários. Salvo as exceções, poucas foram na longa história as

condenações.

É verdade que os poderes são independentes quando representam a nação? Por que então só

a classe dominante tem razão? Podem ter uma relativa independência, mas é no judiciário que se

concentra a referência.

Existem juizes que dão para as leis corretos entendimentos e ajudam aos pobres amenizarem

um pouco os sofrimentos; mas raras vezes presenciamos estes momentos. Cada grupo social tem os

seus interesses a defender, muito mais aqueles que em suas mãos tem o poder.

A preocupação da ligação do judiciário com a classe latifundiária é que ele impedirá que se

faça a reforma agrária. Tudo está sendo questionado na justiça e os juizes dão ganho de causa à

truculência e à cobiça.

Se alguma esperança renasceu por termos elegido da República o presidente, devemos

perceber que seu poder está amedrontado por estas correntes tão perversas; e enquanto Ele estiver

temeroso e incapaz, pregando a reforma agrária dentro da lei e na paz, ela ficará somente na

promessa.

Cartas de Amor

Nº 72

AOS PRESOS DA TERRA

A prisão com razão, não é um bom lugar. Não é verdade que só o corpo está ali para penar,

as idéias e os sentimentos também passam pelos mesmos sofrimentos.

Sem o corpo não se fazem ocupações, sem as vozes não se fazem rebeliões; sem as pernas

não se acerta o passo; sem as mãos não se abrem os caminhos; sem os braços os filhos não recebem

o afeto e o carinho. Porque, por mais que sejamos companheiras e companheiros, das mãos de

nossos pais e mães ninguém se torna herdeiro.

Por isso as dívidas a cobrar da classe dominante não serão apenas materiais, políticas ou

repressivas, as maiores talvez sejam as afetivas. Fere muito mais do que uma lança, as mães sendo

algemadas sem poderem enxugar as lágrimas das crianças.

Tudo por que? Pela simples razão de garantir o direito à propriedade. Movem-se esforços

cometendo-se todos os desatinos, para prender inocentes e torná-los “assassinos”. Perigosos são eles

e elas, por quererem encher de comida todas as panelas. Colocar em cada boca infantil uma

mamadeira; uma enxada em cada mão para gerar trabalho; dar a cada corpo um agasalho e encher os

quintais de frutas e roseiras.

Page 83: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Um homem só manda prender e condenar, como se um ser humano fosse um entulho sendo

deslocado. Ele se dá o direito de dizer o que está certo ou errado. Goza de enorme força mesmo

sendo minoria; ainda nos faz crer, que no seu entender, vivemos em uma democracia.

E lá se vão ficar trancados militantes e dirigentes, como se estivessem doentes, enquanto os

juizes ficam indiferentes. Prisão é privação, é igualar-se com aqueles que nada tem. Por mais que se

procure, esconjure, nada vem. Em tudo se fica dependente das mãos alheias, por isso é que “cadeia”,

na palavra original, antes de ter paredes, era uma corrente de ferro ou de metal.

Mas, quem está preso e imobilizado não deve considerar-se inutilizado. Cada momento é

propício, para aprender, estudar, imaginar, escrever e corrigir os vícios. Escreva, nem que sejam

poucas linhas é a forma de dar vida aos passos que não caminhas! Mande cartas para os

acampamentos, elas ajudam a aliviar o sofrimento. Cuide do corpo com longos exercícios, para que

esteja em forma quando acabar o sacrifício.

Mantenha o ânimo e a cabeça erguida. A paciência é o remédio que cura todas as feridas. O

tempo passa; levará consigo as dores, e em seu lugar ficarão as vitórias misturadas com as pétalas

das flores.

A frieza das celas não congela nossas mentes, muito pelo contrário, apenas serve para

provar, que os revolucionários, em qualquer tempo ou lugar, não se deixam intimidar e continuam

sempre coerentes.

As lutas tecem o momento. As estradas estão cercadas pelos acampamentos. Sem demora as

marchas tomarão as rodovias. Elas alimentarão as utopias de quem a vida toda só esperou, mas no

dia em que acordou, cada sonho se transformou em ideologia.

A convicção de estar certos é que nos faz ficar despertos. Os inimigos rondam como os

crocodilos, para comer a esperança que na maioria dos seres ainda é criança; mas saberemos como

repeli-los.

Ninguém tem mais força que a verdade! A história é feita pela desobediência! A terra nunca

virá por caridade, mas pela força e solidariedade que se revela em cada uma consciência.

Cartas de amor

Nº 76

AO DIREITO DE EXISTIR

Os latifundiários sabem que existem porque seus nomes estão nos cartórios indicando que

são da terra proprietários. Há os que existem de outras maneiras, como os que tem seus nomes

registrados em carteiras e podem ser considerados operários.

Quem deve ao comércio ou aos banqueiros, tem seus nomes, datas de nascimento, endereço,

comprovação de renda e declaração de propriedade. O policial, o jogador, o artista, o professor, o

candidato e de vez em quando, o eleitor, ao votar, tem uma suposta identidade.

Mas os tempos atuais nos chamam a atenção; o capital, esta fábrica de exclusão, tem

comprovado que não considera existir o trabalhador desocupado.

Nos alertava já o velho Marx que nos deixou escrito em seus belos manuscritos: “O burlão, o

ladrão, o pedinte, o desempregado, o faminto, o miserável e o criminoso, são figuras de homem que

não existe para a economia política, mas só para outros olhos, para os do médico, do juiz, do

coveiro...” poderia ter acrescentado: do policial e do pistoleiro. Sendo assim, o juiz condena e

Page 84: Ademar Bogo_Cartas de Amor

esquece o inocente, o médio faz a autópsia quando morre e o considera indigente, e o coveiro, o

esconde sob a terra, este que para o modelo instalado há tempo havia deixado de ser gente.

Por isso os Sem Terra são expulsos a pancadas: não podem ocupar sequer lugar aqueles que

não são nada. O juiz condena à detenção o pai e a mãe de família, porque se organizaram, mas aos

seus olhos, formaram uma quadrilha.

Então o governo faz o contraponto, encarrega-se de evitar o confronto. Amarra os pobres

todos com as cordas dos programas, para dividir com eles não os quilos, mas os gramas. Assim sai

o funcionário público a perguntar: quanto querem vocês para se calar? Uma cesta, um vale gás, um

vale educação... como se estivesse diante de um lixão. Por isso é que com mais ou menos zelo,

dentro do modelo, todos os governos são iguais.

Não pode oferecer trabalho, terra e moradia, pois se isto fizer, o governo contraria a sua

missão moderna, que é deixar-se comandar pela imposição externa.

Mas há também sociólogos com teses quase iguais, dizendo que não há necessidade de se

distribuir a terra, porque trabalhadores Sem Terra não há mais. Isto é que nos deixa contrariados e

triste, porque para eles supostos aliados, também os pobres não existem.

E as duas centenas de famílias acampadas na beira das estradas desde o tempo de Fernando

Henrique, por acaso estão ali fazendo um piquenique? E as cinco dezenas de trabalhadores

assassinados neste ano, por acaso suicidaram-se por capricho ou desenganos? E os que penam nas

cadeias e nas penitenciárias com paciência, estariam tirando férias de sua própria inexistência?

Para tudo o modelo apela para a lei; é a forma de se proteger. O Estado de Direito só vale

quando é para manter o privilégio, o lucro e a cobiça; e é por isso que existe um pano amarrado

sobre os olhos do atributo da justiça. Pois para dar razão aos poderosos, o juiz não precisa enxergar

nem bem nem mal, basta seguir o que diz o coração, se os pobres não existem para o capital, logo,

nunca podem ter razão.

“Ser ou não ser?” A velha dúvida continua a persistir. Será que amanhã de um outro jeito,

quando o modelo e as reformas nos negarem todos os direitos, teremos que lutar pelo simples

direito a existir?

Cartas de Amor

Nº 77

A QUEM SERVE

Servir com carinho e alegria. Isto é para todos e em geral, mas certo e fundamental a quem

trabalha nas secretarias.

Servir sempre e em qualquer lugar é a melhor forma de dar valor e conteúdo à existência.

Servir com doçura e paciência dando o que se tem de melhor na vida. Tratar todas as feridas que

porventura se encontre em cada uma consciência.

Servir com humildade; quem precisa tem merecimento. Servir o conhecimento como se

serve um prato de comida. Servir com as mãos despidas de qualquer interesse particular. Servir

também sem cobrar qualquer pagamento ou recompensa. Servir com paixão intensa quem precisa de

ajuda pra lutar.

Servir à causa mais nobre, o tesouro dos pobres é o sonho em andamento. Servir a todo

momento seja de noite ou de dia. Servir à rebeldia sem medo de ser fermento.

Servir a utopia, ao caminho, ao destino. Servir ao povo peregrino que busca a sua terra.

Servir na Paz ou na guerra, ao grande sonho e também ao pequenino.

Page 85: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Servir aos operários e todos os camponeses. Servir todas as vezes que nos chamarem. Servir

aos que perguntarem por que sonhamos? Dizer a eles que amamos a liberdade e o infinito. Cantar-

lhes o canto mais bonito para fazê-los acreditar naquilo que de graça acreditamos.

Servir a quem luta pela revolução. Servir o próprio coração a quem precisa de afeto e

amizade. Servir com responsabilidade reverenciando a ética e os valores. Servir aos sonhadores que

vivem e morrem pela liberdade.

Servir através da vigilância, fazer da própria militância uma revolução constante. Servir ao

sábio e ao ignorante com a mesma presteza. Servir a toda a natureza com cuidado e carinho; servir

tal qual os passarinhos que cantando demonstram sua grandeza.

Servir ao patrimônio, a moral e a humildade. Servir com honestidade, astúcia e beleza.

Servir com singeleza, paixão e solidariedade.

Servir ao estudo e torná-lo informação. Fazer agitação com aquilo que sabemos. Dizer o que

queremos com carinho e doçura; combater com disciplina e bravura os desvios e os vícios;

mergulhar se preciso for nos sacrifícios sem perder a grandeza e a ternura.

Servir sem temer as punições. Rejeitar todas as razões do privilégio mesquinho. Tentar a

cada dia um pouquinho superar as deficiências. Assumir todas as consequências que aparecerem no

caminho.

Servir de cabeça erguida. Não se envergonhar por nada. Fazer da poeira da estrada incentivo

para seguir em frente. Sentir-se satisfeitos e contentes sem temer as dores da longa caminhada.

Servir através das decisões e pelas normas; forjar todas as reformas que a prática exige. Não

temer quem não corrige o ufanismo e a arrogância. Combater a mesquinhez e a ansiedade; lutar pela

liberdade com amor tornando um serviço a militância.

Servir enfim com pureza. Fazer da prática uma grandeza que a revolução precisa. Prestar

atenção na divisa que separa o bem do mal. Tornar-se força total em qualquer tempo da vida. Saber

que a estrada é comprida e que a causa é infinita. Mas que a história é sempre mais bonita quando

juntos é construída.

Cartas de Amor

Nº 78

ÀS CRIANÇAS BRASILEIRAS

Dizem que somos aqui um povo feliz, porque em nosso país não há guerras e furacões, que

não temos divisões, repressões e luta armada. Tudo é normal para quem está de bem com o capital e

considera os dados uma piada.

Existe em nosso Brasil também guerra civil. Mata-se a bala ou de fome. É assim que o sonho

de liberdade se consome. Veja estes dados pesquisados por outro paradigma: só há nove milhões

dos cento e sessenta nesta pátria violenta que levam uma vida precisamente digna. Para corrigir esta

insensatez, bastaria que cada pessoa na família ganhasse um salário e meio por mês.

A previsão é que nos traz constrangimento, pois, a continuar este fraco crescimento, para

acabar com a miséria no campo e todos os seus danos, levaremos três mil e novecentos anos.

As consequências já sabemos, mas é bom que as recordemos: morrem por ano antes dos 12

anos de vida, 120 mil crianças nesta guerra fratricida. É um povo ainda novo que morre por falta de

Page 86: Ademar Bogo_Cartas de Amor

comida. Como diz o poeta olhando a mãe vendo o filho que aos poucos se consome: “Morre meu

filho morre, que morrendo a fome some”.

É uma hipocrisia ver parte de quem se diz de esquerda se juntar à burguesia para cobrar de

Cuba o respeito, principalmente aos direitos humanos. Por que não contabilizam nos meses e nos

anos os dados entre Cuba e o Brasil? Iriam descobrir que enquanto lá morrem 8 aqui morrem 36

crianças que nascem em cada mil.

Quase 6 milhões de crianças de 5 a 16 anos trabalham aqui para ajudar os pais. Sem sonhos

apenas se perguntam o que é que falta ainda sofrer mais? Esta tragédia não tem comparação, porque

a metade delas não recebem nenhuma remuneração.

No próximo natal, 21 milhões de crianças e adolescentes não receberão presentes. Não é por

maldade de seus pais, é que em suas famílias nenhuma delas ganha mais que meio salário mínimo

por mês. Por isso outra vez vão lhes falar, que devem se calar e esperar que chegue um dia a sua

vez.

Perguntaram a uma criança em uma carvoeira no interior do Pará, que dissesse, mesmo em

sua vida cruel, o que é que gostaria de ganhar de presente do Papai Noel? Respondeu ela quase sem

sentir: “Eu queria que ele me ajudasse a parar de tossir”. Soube-se depois que seu padrasto lhe batia

toda noite só porque tossia e lhe perturbava o sono que dormia.

O que será o amanhã de um país sem esperanças quando as próprias crianças já não querem

nem presentes? Diremos a elas que fomos enganados e pouco respeitados pelos presidentes?

Há os que tem tempo para ter paciência, mas há aqueles que tempo já não tem; nascem para

morrer de imediato enquanto os governantes respeitam os contratos, entregando o nosso pouco

àqueles que tudo tem.

Será que um contrato assinado pode deixar um povo inteiro deserdado? Pode-se enganar por

um tempo uma criança dizendo a ela que o futuro será diferenciado, sem dizer porém para que lado.

Mas não se pode enganar a própria sorte. No dia em que milhões não temerem mais a fome e nem

morte, surgirá do chão uma nação livre e forte e os contratos serão de uma só vez todos rasgados.

Cartas de Amor

Nº 79

AO LIVRO

Existem muitas formas de estarmos acompanhados, uma delas é ter um livro sempre ao

nosso lado. Ele é uma das invenções bonitas, descobertas pela escrita.

Nos livros pode-se estudar, informar, divertir e animar. Neles encontramos coisas boas,

também muita coisa atoa.

Os livros entram nas consciências e vão tornando-se referências. Escrever é ter

responsabilidade, pois a leitura rápida ou lenta, sempre acrescenta algo que tira ou dá a liberdade.

É muito bom ler. A leitura enaltece o saber na longa estrada. Desperta o senso crítico,

corrige o pensamento mítico; incentiva e desafia quem por ventura sozinho não se guia; o livro é

como o corrimão da escada.

Page 87: Ademar Bogo_Cartas de Amor

O livro também é emoção. Cada página folheada com o dedo indicador da mão é como o

degrau subido, vamos seguindo e ficando mais sabidos, conduzidos pela teimosia dos passos, assim,

cada qual constrói a sua história e a empilha dentro da memória escrevendo e relatando as vitórias e

os fracassos.

Leia, leia sempre! Não deixe que a preguiça da alma lhe condene à ignorância. Quem lê

enxerga na distância as mudanças que precisam ser feitas. O saber adquirido é como uma colheita,

guardada no celeiro de sua vida; jamais há de faltar comida a quem produz o alimento e a receita.

Leia e incentive outros a lerem. Tenha sempre um livro à mão para doar, é o melhor presente

que se pode dar a alguém que quer acompanhar-nos no caminho; quem dá um livro jamais está

sozinho, outro alguém partilha da mesma ceia; o saber penetra pelas veias, toma a mente e se

transforma em carinho.

O livro eleva o nível de consciência, carrega a causa e a ciência, ajuda na transformação; o

que se escreve já é a interpretação da aurora no ponto de ser nascida, as palavras após serem tecidas,

revelam a imagem de quem somos, dizem ali se valentes ou covardes fomos, pelas marcas,

cicatrizes e feridas.

Há livros para todas as idades, todos os gostos e imaginações, há os que falam das nações

das guerras e dos movimentos. Há biografias e sentimentos, descritos em páginas volumosas, que

penetram como o perfume das rosas, no espaço da vida de quem luta, ler é como descascar a fruta,

engolindo a saliva saborosa.

Quem não gosta de ler, não desanime! Às vezes não achou a leitura certa. Não fez ainda a

descoberta da importância da leitura. Procure ler sobre pinturas, romances, livros de teatro e de

poesia, história de marchas e romarias e até de guerras se lhe atrair; lembre-se que para progredir é

preciso ler cada dia um pouquinho; guarde sempre o livro com carinho ele é a escada que lhe

ajudará a subir; para qualquer lugar que desejar ir.

Tenha em mãos o livro e a caneta, vermelha azul ou de tinta preta, para anotar as suas

descobertas. Ler é dialogar com as idéias erradas e corretas, por isso é preciso assinalar ou

questionar! Sem a ajuda das mãos não se pode guardar o grande patrimônio do saber, portanto,

sempre na hora de ler, todos os sentidos deve se convocar.

Vinte e nove de outubro é o dia do livro, este companheiro de todos os momentos, é um

grande acontecimento onde a solidariedade questiona o egoísmo. É o exercício da confraternização;

pois, sem os livros não se faz revolução, sem o estudo, não se organiza o socialismo.

Cartas de Amor

Nº 80

AOS FINADOS

Finados é o dia de quem finda ou será daqueles que não findaram ainda?

É o dia das recordações daqueles que vivem em nossos corações, por isso não estão finados

por inteiro! Foi o corpo, mas ficou o espírito como herdeiro. As lembranças as virtudes e os bons

feitos, cada qual sobrevive de seu jeito, principalmente se foram companheiras e companheiros.

Há muitos homens e mulheres vivendo após a morte, lembrados nas ocasiões precisas;

poetas e poetizas, professores e professoras; construtores e construtoras de uma sociedade

igualitária, na história revolucionária vivem nas lembranças das batalhas das jornadas que foram

encantadoras.

Page 88: Ademar Bogo_Cartas de Amor

São lembrados também os inimigos. Vivem estes em forma de castigo para que de forma

alguma os esqueçamos no caminho; são lembrados sem carinho, com repulsa, e repugnância, pois é

a prepotência e a arrogância que não os deixam serem nossos vizinhos.

.Multidões se locomovem para nos mausoléus fazerem uma visita, é uma atitude então

bonita que só quem é verdadeiramente humano tem. Há aqueles que não lembram de ninguém, pois

certamente não viveram causas coletivas, somente permanecem verdadeiramente vivas, as

lembranças repartidas com alguém.

Na luta pela vida, pela moradia e a comida; todas as lutas operárias e pela reforma agrária,

milhares de homens e mulheres foram assassinadas, em torturas e emboscadas coisas horripilantes.

Mas o importante é que na sua simplicidade continuam marchando com os passos emprestados, não

há um só povo libertado, que não tenha na história as marcas de seus bravos militantes.

Há os que partiram na velhice e provaram da própria recompensa, pela dedicação intensa

foram agraciados pelos anos. Puíram a própria vida como se gasta o pano, partiram e retornaram nos

exemplos que deixaram.

Então quando nos reunimos em assembléias, festas e comemorações, estamos em meio a

multidões que ressurgem em cada idéia do passado. Cada qual tem a seu lado dezenas, centenas de

antecessores, que ouvem todos os rumores, os desvios e os acertos, ajudam-nos a cair fora dos

apertos, quando os citamos como bravos professores.

Assim é a história, não há uma data de início e outra do fim, as coisas se misturam como as

flores do jardim onde umas estão nascendo outras murchando, quando pensamos que na luta algo

terminamos, descobrimos que estamos apenas começando.

É nesse vai e vem que a vida segue em frente, mesmo com aqueles que se parecem ausentes.

São como as rochas que tem seu peso e aparência, ocupam um lugar enorme na consciência e na

sabedoria de todas as espécies de vida, quem subir nelas com as forças desprovidas, pode cair e

sentir enorme dor. Quem no presente pensa ser maior e independente, sem o passado será sempre

inferior.

Por isso lamentamos certas consequências quando alguém nos é tirado com violência pela

morte repentina e traiçoeira, mas é a única forma de colocar em evidência o que certas pessoas

tentaram mostrar a vida inteira.

Aos de quem pouco recordamos, embora tenham feito muito e que em tudo concordamos,

nos desculpamos por deles não lembrar. É que, não se pode também pensar em tudo, nos

consolamos com o que disse Câmara Cascudo: “Os mortos sabem esperar”.

Cartas de Amor

Nº 81

ÀS CONDOLÊNCIAS

Por que será que uma guerra para terminar precisa de outra guerra? Poderia se perguntar um

humanista, um comunista ou um Sem Terra. A resposta tem o mesmo resultado, o capital não aceita

que a justiça e a igualdade caminhem de seu lado.

Um país capitalista não é apenas um conjunto de fábricas potentes, é uma máquina de matar

pobres e inocentes. Quem morre na guerra não é o empresário nem o governante, é o povo, os

soldados e alguns comandantes, sábios e ignorantes.

Page 89: Ademar Bogo_Cartas de Amor

A surpresa dos grandes arsenais é quando os pobres se levantam e dizem que não aceitam

mais, águias e urubus nos caules das árvores de sua pátria fazerem os seus ninhos, não que sejam

contra aves e passarinhos, ou que lhes falte carinho e atenção; apenas dizem de seu jeito, que

querem o respeito e a autodeterminação.

Os ricos tratam os pobres com tamanha diferença, que, se muito têm em seu país, para

roubá-los, inventam que estes lhes fizeram uma ofensa. Se nada têm para oferecer, inventam uma

doença, uma epidemia ou mesmo uma guerra quente ou fria.

Então a guerra é um instrumento de conquista? Ou será que é necessária para a manutenção

da ordem capitalista? O capital é um dragão que solta fogo pelas ventas, por isso é que as ações das

nações ricas e opulentas, contra os pobres, sempre são violentas.

Mas isto tudo não pode ser verdade. Se uma só potência controla a humanidade, o que

fazem as nações que este vilipendia? Será que a minoria tem força e poder para conter eternamente

a minoria?

Quando a guerra do Iraque oficialmente ainda não havia iniciado, o mundo inteiro veio a se

mobilizar, para protestar e dizer que aquilo era errado e imoral. Agora, a exigência deve ser para que

os sanguinários deixem de se intrometer e retirem de lá todo seu arsenal.

Não existe paz na subserviência! Um povo, não deve a outro povo nenhuma obediência!

Apenas respeito e solidariedade. É assim que se combinam os fatores e se edificam os valores de

uma nova sociedade.

Aceitar a guerra e a intervenção é concordar com o império, com o roubo e com a

exploração. É dizer que precisamos de uma delegacia de polícia para o mundo, comandada por um

demente, alucinado, sujo imundo.

O tempo é companheiro de quem sonha com um mundo hospitaleiro, onde um povo tem

direito de fazer a outro apenas uma visita. A autodeterminação será a conquista mais bonita, que das

lutas os povos extrairão, basta ser persistente e confiar que no presente se inicia do futuro a grande

construção.

As vitimas da guerra um dia serão recompensadas, por cada uma vitória construída e, assim

dirá a humanidade, que a morte nunca será capaz de derrotar a vida.

Seremos como as flores que por toda parte do universo exalarão o seu perfume. Atrairão as

abelhas, os insetos e os passarinhos, e assim diremos que as espécies com ternura e com carinho,

não terão mais inveja, ganância e nem ciúme.

E ao império que viveu de opulências e prepotências, que se firmou sobre o sangue dos

fracos e sofridos, lhes mandaremos milhares de cravos floridos, junto com nossas humildes

condolências.

Cartas de Amor

Nº 82

A PALMARES E A ZUMBI

Palmarinos é o nome que se dá a alguém que nasce como em qualquer outro lugar. Mas

estes são especiais pois viveram cerca de cem anos ou mais no Quilombo dos Palmares, onde, há

pouco tempo após cruzar os mares, iniciou-se o combate a escravidão, reunindo negros, índios,

brancos pobres; foi o início da nação, e atraíram do mundo todos os olhares.

Palmares, o mais célebre de todos os Quilombos, que na história nunca se viu igual, exemplo

de esperança e persistência, cresceu sem limites na consciência e em território mais que o país de

Portugal.

Page 90: Ademar Bogo_Cartas de Amor

A luta de Palmares era por liberdade mas também de combate ao colonialismo. Irradiou-se

pelo mundo em forma de solidariedade, e se quisermos contar toda a verdade, foi a primeira

tentativa de internacionalismo.

Esta bandeira da igualdade de direitos, já no passado indicou-nos o caminho, seguir em

frente sem temer o pelourinho, o tronco, a chibata e o ferrão. Avançou passo a passo, ato a ato,

golpeando os capitães do mato, em busca da libertação.

Muitos lideres entregaram a vida a este destino. Zumbi, o guerreiro menino, foi o último

herói da resistência, mesmo tendo perdido todo o povo pela violência, um ano a mais permaneceu a

combater. Porém ao ser capturado, aconselhado foi a dar seu parecer. Respondeu com altivez e

responsabilidade, “O escravo quando morre ganha a liberdade, mas o senhor perde o prazer de

viver”.

Palmares por sua luta pioneira, foi nessas terras brasileiras a mãe de todas as rebeliões,

origem das manifestações, espelho de um exemplo bem concreto, foi sem dúvida a tentativa de

projeto, elaborado com profundidade. Continha na essência de sua trama, uma palavra que resumia

o programa, que se chamava Liberdade.

Um valor se transformou em uma luta. Como a semente escondida em uma fruta, que, para

encontrá-la é preciso saborear a sua doçura; foi pela coerência e a bravura, que estes fatos se

entranharam na memória. E foi assim que a resistência e a ternura transformaram nesta bela

história.

Os quilombos ainda continuam, organizados nos campos e nas favelas, levando em frente

estas experiências belas, nos povoados e acampamentos. Não são apenas lugares de moradia, mas

boas escolas onde se aprende a rebeldia que ganha forma e se transforma em movimentos.

Guerreiros e guerreiras misturam raças e sonhos a todo o instante. Seguem em marcha em

busca do horizonte onde descansa o princípio da igualdade. Lá se fechará o ciclo da liberdade que

tantas vidas colocou a seu serviço. Foi sem dúvida o valor do compromisso que trouxe até aqui a

humanidade.

A terra ainda é escrava em nossos campos. Os pobres ainda procuram um lugar. O espaço

está ocupado e está vazio. Se fala em escravizar o rio, a água e a biodiversidade. São novas formas

de dominação, que teimam em perpetuar a escravidão e a condenar a prisão a liberdade.

Mas sempre há esperanças enquanto existir causas. As derrotas são apenas algumas pausas

que o destino coloca para refletir. É assim que as lutas vão se emendando, em cada época trocam-se

apenas os comandos as demais partes seguem sem se diluir. E chegarão um dia aonde querem ir.

Cartas de Amor

Nº 83

AOS 20 ANOS

Aos vinte anos surge o vigor da juventude, é o momento de confirmar virtudes e firmar o

cultivo de valores. É o período de descobrir amores empenhar-se em formar a identidade, assumir

um lugar na sociedade e preparar as sementes como as flores.

Assim ocorre com nosso Movimento. Cresceu como um redemoinho em pleno vento e foi

abrindo cercas e porteiras, como se fosse uma grande brincadeira, uma dança ou uma cantiga de

roda, inventou e produziu a própria roda, de princípios e métodos sobre as terras brasileiras.

Por detrás de onde veio a ventania, nasceram casas, escolas e lavouras, desfraldaram-se

bandeiras encantadoras e abriram-se sorrisos em bocas quase mortas. A ocupação sempre serviu de

porta para animar esta fúria construtora.

Page 91: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Nascido dos escombros e das misérias, o Movimento forjou-se em coisas sérias,

indispensável, nunca visto igual. Como o vento que arma o temporal e se aglutina para formar

rajadas, virou atração nas fazendas e nas estradas e fez-se forte tornando-se imortal. Por qual

razão se mantém a efervescência, se todas as análises da ciência demonstram que a reforma agrária é

uma causa derrotada? É simples a resposta a ser dada, a quem por ventura ainda não se convenceu; é

que um povo depois que aprendeu, tirar de si as próprias soluções, não há barreiras nem

intimidações, que o faça desistir de construir os sonhos seus.

Assim os vinte anos de existência se tornam uma rotina, como as montanhas cobertas por

neblinas que esperam pela ajuda do calor, o Movimento tornou-se este fator de ataque contra a

propriedade, que é negada a toda sociedade, pelo direito seu grande protetor.

Se é verdade que o tempo trás a idade, mais verdadeiro é que a luta trás mudanças. Viajam

com o tempo as nossas esperanças, os sonhos e todas as utopias. Quem deixa de sonhar só por um

dia, pode perder o ritmo da história; o que fazemos fica na memória, escrito pela mão da rebeldia.

Aos que ficaram enterrados no caminho, ou aqueles que lutaram e desistiram, sem dúvida

nenhuma ambos serviram , a esta causa que hoje segue em frente. Um ser humano é como uma

semente, morre porque quer germinar, mas cada qual tem o seu lugar, na estrada que liga o passado

e o presente.

Vinte anos simbolizam o começo da vida de quem quer viver mais. Há os que dos outros

querem ser iguais e há os que pensam em crescer, ser diferentes. As forças jovens que rompem as

correntes, são as mesmas que plantam a liberdade, porém a rebeldia não tem idade está em quem

anda conscientemente..

Somos sem dúvidas hoje mais experientes. Muitas lições aprendemos e ensinamos e se aqui

ora comemoramos, é a prova que vivemos e existimos. Se durante vinte anos resistimos, muito

mais teremos que persistir. Evitar se deixar prostituir e fazer de cada dia um tempo novo.

Aprendemos que “só o povo salva o povo” é com ele que teremos que seguir.

Ainda estamos longe da chegada, mas pra quem luta a distância não é nada, serve de

estímulo a espera do momento. Vencer é mais que um acontecimento, é devolver ao povo a

dignidade, por isso, tudo de bom que rima com solidariedade, sejam sempre nossa identidade, de

luta e deste grande Movimento.

Cartas de Amor

Nº 84

À ALEGRIA

A alegria traz em sua essência o direito à irreverência. É por onde qualquer ser vivo expressa

os motivos de viver, por isso, alegria não rima com prazer, mas poderia, quem se alegra apenas

anuncia que está se deixando acontecer.

É na prática da política que a alegria mais se sacrifica. Há quem diga que a alegria em

demasia, descontrola a razão e autoriza a fantasia. Pode até ser verdade, mas sem ela a prática perde

a metade de sua qualidade.

O carnaval, esta festa popular, convida a sorrir e a pular sobre todas as dificuldades. É onde

as barreiras das idades são ultrapassadas. Cada qual com sua quota de alegria contribui para a

grande sinfonia que tudo dinamiza, é disso que a revolução precisa.

Page 92: Ademar Bogo_Cartas de Amor

É o tempo em que ruas e avenidas são interrompidas. Deixam de ser caminhos e rodovias

para dar passagem às grandes romarias. É de alguma forma, uma crítica ao “progresso” que se

empanturrou de latas e motores, tornando todos perdedores, neste grande retrocesso, que faz o

trânsito andar lento, poluindo até o pensamento.

Normalmente ao se atravessar uma avenida temos que correr para não perder a vida. No

carnaval é diferente, o chão vira um colchão, onde se pula e deita como em uma grande colheita de

espigas. As cores se misturam às cantigas e a alegria se torna irreverente.

Alegrar-se é renascer, ou melhor, é cuidar do prazer para continuar vivendo. É dizer o que se

está querendo por uma linguagem figurada. É manifestar a rebeldia, anunciando que chegará o dia,

onde, para a alegria, não tem hora marcada.

Geralmente, não é levado a sério o que é dito espontaneamente. O mundo do mercado só

respeita aquilo que é pensado e detalhadamente planejado, para se manter na concorrência. A alegria

é a sabedoria que diz por outras vias que os desmandos, nos comandos, pagarão um dia as

consequências.

Há quem use a alegria para a indústria cultural, enganando e deformando, tornando tudo

natural. Mentiras há em toda parte, inclusive na arte.

Há uma verdade dita com propriedade, que “a alegria vem das tripas”, não é de tudo alheia;

mais diretamente ela vem das veias, se bem abastecidas. A alegria tem muitas fomes e uma delas é

de comida.

Por que nos alegramos ao comer? Por um sinal e um motivo. O primeiro avisa os órgãos que

tudo está normal, o segundo é que continuaremos vivos.

Mas enfim, o que é mesmo a alegria? É algo que se faz e se recria marcando os momentos e

os dias embora exista o sofrimento. Viver é um acontecimento, lutar é uma consequência, assim se

faz pela experiência a tradição de um povo que confia.

Na linha dos direitos a alegria é que reconhece se tudo está perfeito. Quando vamos e

voltamos, trabalhamos e descansamos, passeamos e brincamos sem ninguém nos impedir. Significa

que a alegria se transforma no direito de sorrir.

Assim a história se destina e é destinada, há coisas difíceis de serem modificadas e há as que

mudam com facilidade. O papel de cada qual deve ser descoberto, mas de antemão já temos certo,

que ninguém quer viver sem ter felicidade.

Cartas de Amor

Nº 85

A ÉTICA ÓRFÃ DA POLÍTICA

Rebaixar a ética ou elevar o nível da política? Eis a questão, que quanto mais se toca, mais

difícil fica.

Tirando a ética ficaria a política mais patética, ou elevando o nível da política a ética ficaria

mais crítica?

“Ética é ética, política é política”; dizem alguns agora para fugir das críticas. Como a dizer:

“Estamos certos!” . A ética fica para quem “não” faz política. E a política fica para quem é mais

esperto. Seria este a caminho que ora está sendo aberto?

Propinas eram comuns no meio dos burgueses. Poderiam os velhos proletários tornarem-se

mercenários como irmãos siameses? Sim! Respondem os ideólogos vermelhos de vergonha até as

Page 93: Ademar Bogo_Cartas de Amor

entranhas. Basta que entrem no jogo das campanhas. Quando se mexe com dinheiro, muda-se tudo,

inclusive os “companheiros”.

Será possível a utopia acabar em tamanha covardia? “Não se trata de acabar, as coisas é que

mudaram de lugar”. “A terra gira!”. E a política se enche de mentiras. As acomodações levaram a

perder a noção das restrições.

Pode um partido ficar um dia sem sentido? Parece que a moda é rejeitar a herança que

incomoda. Para evitar críticas alarmistas, mudam-se os pontos de vistas. Os “éticos” enganaram-se,

pois os “líderes atuais nunca foram socialistas, nem tampouco radicais!”. “Apenas bons

negociadores”, nada mais.

Pode um partido negar a sua história e atentar contra a própria memória? Teriam seus

condutores razões para não ser seus próprios sucessores? Pode-se atentar contra a própria

consciência, pelo simples fato de terem chegado à presidência?

E a herança de esquerda? Tornar-se-á desesperança ou uma simples perda?

Que mal lhes fizeram os idosos, os Sem Terra, os estudantes e os professores para ignorarem

os seus clamores? Seria possível agir como inimigos contra aqueles que sempre se esforçaram para

serem seus amigos?

Será então que mentiam quando no passado nos defendiam, ou mudaram sem a gente

perceber quando estavam chegando ao poder?

Que infelicidade pode ser maior que a perda da própria identidade? É como se a ética e a

moral, sem perceber se misturassem com o mal, e seus precursores, achassem isso normal.

Uma dúvida queima como a chama: teria havido no meio do caminho construído uma

perversa trama, ou já eram equívocos produzidos pela falta de um programa?

Buscam-se mil explicações para acalentar os corações. Pois, se as lutas arrefeceram, não

teria sido por isto que cederam? Quando cessam as cobranças não estariam liberadas as alianças?

E a proposta surge como um desacato: “Dei-nos outro mandato!”. Antes era o mercado o

centro das mudanças, agora é o tempo que se apresenta como falsa esperança.

Mas há um equívoco neste enredo: quanto mais o tempo avança mais frágil se torna a

esperança e mais forte volta a ser o medo. Não sabemos no entanto, se este desencanto virá tarde ou

virá cedo.

Responda ainda mais: que mudanças pode haver quando se assume o poder e, para não ferir

nem ofender, propõe-se a continuar simplesmente iguais?

Cartas de Amor

Nº 86

AO OITO DE MARÇO

Soa hoje como uma grande bobagem, dizer que o ser humano levou milhões de anos só para

inventar a linguagem. Foi na infância de sua formação. E até hoje certas palavras não têm ainda

compreensão como: dominação, exploração, violentação e comemoração.

Ao surgir a propriedade, as pessoas, principalmente as mulheres, perderam a liberdade.

Povos e tribos deixaram de ser nômades e migrantes, pois as propriedades impediam que

vivessem como antes. Nasciam e morriam quase no mesmo lugar. Assim aprenderam a oprimir e a

dominar.

A família tornou-se um lugar de resistência. O poder do homem ali exercido, firmou-se

sobre o patrimônio construído às custas da violência. As divisas impuseram o direito, tornando-se a

primeira referência de respeito.

Page 94: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Aos poucos vieram as desigualdades. Os mais fortes ampliaram as propriedades. Os mais

fracos, derrotados e mesmo os valentes e bravos, foram se tornando escravos.

As mulheres foram recolhidas e perderam o direito à própria vida. Os homens ergueram

cercas e alambrados. Donos de propriedades e da família, faltava só criar o Estado.

Não demorou a se chegar a um entendimento. As ameaças eram os problemas do momento.

Então, em troca de alguma segurança, fracos e fortes fizeram entre si uma aliança. Assim surgiram

os governantes e os soldados. O trabalho passou a ser obrigatório, e iniciou-se o processo

civilizatório.

A mulher passou a cuidar do lar. Lar vem de “lareira”, foi onde “ela” viveu quase que a vida

inteira, até chegar a revolução industrial, aí o poder do capital, resolveu transformar a “lareirista”

em operária, obediente e solidária, nas mãos dos capitalistas.

A história começa a ser contada, pelas mãos das mulheres assalariadas. Então não foram

todas as mulheres de suas tendas arrastadas? Algumas passaram a ser patroas, outras, simples

empregadas.

Saíram dos fundos dos quintais e sobre os próprios aventais, onde repousavam as faces das

crianças, puseram a matéria-prima, renunciaram a própria auto estima, em troca de falsas

esperanças.

A fábrica tornou-se uma grande moradia, onde a mulher operária passava dezesseis horas

por dia, recebendo apenas a metade do salário. Assim servia menos ao lar e mais ao patrão, carrasco

e mercenário.

Séculos e milênios se passaram, onde as mulheres trabalharam sem ter reconhecimento.

Prova disso que o dia a elas dedicado é na verdade um dos mais violentos.

Dia Internacional da Mulher. Que mulher? Não é um dia qualquer, esta data alguma coisa

marca. Em 1910, no Congresso Internacional na Dinamarca, escolheu-se e retomou-se a referência,

de 1857, onde 129 operárias norteamericanas foram queimadas sem clemência, dentro de uma

tecelagem. Por isso não é dia de maquilagem ou de massagens em salões de belezas e academias,

como mostra a imprensa burguesa, homicida de nossa ideologia. É dia de luta e resistência, onde a

mulher trabalhadora mostra que tem consciência, coerência e que já está no limite da paciência.

Datas não são palavras, são acontecimentos. Sangue, torturas, mortes e sofrimentos estão na

origem destas comemorações. Não sejamos fracos de memória, nem covardes para rejeitar a bela

história, a ser herdada por todas as gerações.

Cartas de Amor

Nº 87

AOS CRÍTICOS

Críticos são aqueles que criticam e também se modificam. Sem eles haveria um pensamento

só, os erros virariam acertos, os desvios se tornariam virtudes e o desmanche dos princípios serem

considerados apenas meras atitudes.

É claro que os críticos também erram, principalmente quando se precipitam e não esperam.

Mas também é bom que seja assim. A virtude porém maior dos críticos é quando eles identificam

que algo está chegando ao fim.

Page 95: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Estamos assistindo algo estranho vagando pelos corredores. Muitos críticos, intelectuais e

renomados políticos, saindo do Partido dos trabalhadores. Seria por acaso falta de prudência, ou o

fim da possibilidade da convivência entre as tendências?

Podemos estar vivendo um momento diferente, onde, não quem sai, mas quem fica é

inconseqüente.

Dentre todas as ideologias e crenças, o PT detinha uma diferença: tolerava a convivência

entre correntes e tendências. Assim se forjou o partido com esta relação: divergência nas idéias,

unidade na ação.

Parece que o que mantinha o partido unido já não tem mais sentido. As ações estão negando

os conceitos e as idéias perdendo o que resta de respeito.

Mas a força das críticas proféticas centram-se sobre as diferenças éticas. Isto não era

patrimônio de nenhuma corrente crítica, pois sempre foi uma referência universal para quem faz

política.

Não estariam cortando os críticos muito raso, já que as táticas usadas estão referenciadas

aqui no curto prazo? Passado este momento, se retomaria o pensamento!

A dúvida então se instala. A palavra é dona de quem fala. O costume expressa a identidade.

Política sem ética é de verdade, ou é uma administração de mesma qualidade?

Deve ser isto que instiga intelectuais e lutadores. De que valeu correr tanto em longa

história, se no final os ganhadores, perdem a identidade, a ética e os valores, e tiram o brilho da

festa da vitória.

Não é a mera corrupção financeira, que financiou campanhas a vida inteira, o fator da

discordância! É que os compromissos históricos assumidos, aos poucos estão sendo diluídos e

perdendo rapidamente a importância. E seus cúmplices, perdendo a postura e a elegância.

Era hora de mostrar a diferença, erguer o olhar, ver esta pátria imensa, dar a seu povo

motivos pra viver. Dizer ao mundo que somos soberanos, que a dor que suportamos tantos anos,

cessou, e agora é só prazer.

Fazer nossa reforma agrária, abrir nossa palma solidária, para servir os povos mais sofridos.

Dizer ao imperialismo entristecido, que, aqui roubar já não se permite. Fazer a todas as nações

nosso convite, para a grande festa de paz e gentileza. Onde o compromisso assumido, seria de que

nenhum país poderá ser atacado e destruído e em nenhum deles imperará a pobreza.

Mas o temor de quem se põe a olhar, não é de ver a utopia morrendo devagar. Mas é sentir

que a cada ato e acontecimento, estamos perdendo o momento e a oportunidade de mudar.

Cartas de Amor

Nº 88

AO ÓBVIO

Parece ao afirmar uma loucura, mas o governo virou uma prefeitura. Nada de gozação, nem

de pessoal! A intervenção internacional é tão grande que, aceitando ninguém pode dar jeito, por isso

é que o presidente, (bem intencionado), mas honestamente, funciona como um prefeito.

Os demais integrantes do governo, os ministros, por sinal muito mal vistos, funcionam como

secretários, na verdade funcionários do poder interventor. Cobrar-lhes um programa é

desnecessário, no máximo o que se pode exigir de “funcionários” é um Plano Diretor.

Page 96: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Tipo aquele da Carta Ao Povo Brasileiro, que apascenta os banqueiros e pede tempo à

sociedade, que, cheia de ansiedade, tem medo do perigo. Perigo de governar sem rumo, sem ética e

sem destino. É o risco do cassino na estratégia dos gringos: Aposta na roleta e fica ouvindo o ruído

da palheta, torcendo que dê certo para apostar nos bingos.

Voltando à prefeitura: que autonomia pode ter um prefeito que foi eleito com ajuda das

empresas? Se investiram é claro que exigiram: depois das eleições, não fazer alterações e receber

todas as despesas. Então exigir do prefeito ruptura, é uma loucura.

E como ficam os direitos? Podem perguntar aqueles que votaram no prefeito. Estão

insatisfeitos, mas precisam se acalmar. Na verdade o único direito, conquistado já no pleito, foi o de

se enganar.

Eu tenho o direito a me enganar! Deveriam repetir todos os eleitores por satisfação. Na

verdade é isso que acontece quando uma eleição é disputada sem aprofundar nada. Sem programa,

só com palavras dadas, abstratas, soltas ao vento, rende o deslumbramento.

A mídia mostrava o funcionário e escondia o patrão. Teve até o George Soros um embuste

de banqueiro, afirmando que “o povo brasileiro votava, mas não decidiria a eleição”. É claro, se o

plano econômico estava feito, as reformas elaboradas de seu jeito, que tarefa caberia a quem fosse o

prefeito?

Na verdade o povo ao votar não se enganou. Votou certo, porque imaginou que o vulto era a

caça. Atirou, e ao baixar a fumaça, percebeu o equívoco e o mico, e está sem ação com o monstro

por diante; entendeu agora que não podia matar um elefante usando a carga pra matar tico-tico.

Como diria a madre diante do castigo: “Jesus, que perigo!

É isto que dá não saber diferenciar governo de poder. Há uma comparação ilustrativa e bela,

que se pode fazer entre o Brasil e a Venezuela. Os dois países estão no mesmo patamar, isto é

importante saber; só que, enquanto aqui se pensa somente em governar, lá se vai além, luta-se

também para chegar até o poder.

Sem uma ruptura, a servidão serve de ditadura. Os governos serão de conivência, alegando

que não querem conquistar a liberdade com violência. Deste jeito, controlando o Estado, o império

tem os governos de seu lado, e o povo em condição de seqüestrado.

Por isso, se quiserem, nos enganamos cada qual de um jeito diferente. Dizíamos: “Agora

temos um Presidente!” E o que vemos é muito desrespeito, roubo de direitos, ministros em apuros,

altas taxas de juros que é uma loucura. Será então que elegemos um prefeito, ou governam o país

como uma prefeitura?

A verdade é que sempre há esperança, mas que nunca nos saia da lembrança o que já dizia a

nossa avó. Que um processo de mudanças é feito com homens, mulheres, jovens e crianças, jamais

por um homem só.

Cartas de Amor

Nº 89

AOS DESATENTOS

De que vale ter a terra se faltar a organização? É como passar um ano sem verão, sem sol,

sem vida. Sem organização a terra poderá ser dividida, nunca unida.

Page 97: Ademar Bogo_Cartas de Amor

De que vale ter a terra se faltar a produção? É como ouvir a música sem a letra da canção; é

bonita, mas difícil é entender sua mensagem! Produzir é sentir, é dizer, é viver com ternura, bravura

e coragem.

De que vale ter a terra se faltar a convivência? É como ouvir o rádio sintonizado fora da

freqüência; sabe-se que está falando, mas não se entende. Conviver é para quem se escuta e se

compreende.

De que vale ter a terra sem jovens e adolescentes? É sinal que as velhas gerações cansadas e

doentes não terão seus descendentes, nem para quem deixar a herança. Tudo é mais precioso

organizar, no lugar que tem crianças.

De que vale ter a terra se faltar a educação? As crianças murcham como as folhas a procura

de atenção. Sem escola os cadernos e as sacolas não se encontram, muito pelo contrário, se separam,

foi assim que as consciências dos adultos se calaram.

De que vale ter a terra se faltar a alegria, a festa e a comemoração? É o mesmo que ver um

ser sem coração, sem sorriso e sem afeto. Quem não se diverte e fica quieto, não é bem um ser

humano. É uma máquina, uma ferramenta ou um pedaço de cano. Tem serventia, mas nada cria.

De que vale ter a terra se faltar a prática dos valores? É o mesmo que olhar em frente

a casa e não ver flores; onde não voam as borboletas, os insetos e os passarinhos. Sem os valores

perde-se a admiração e o respeito dos vizinhos.

De que vale ter a terra sem árvores, pomares e água limpa pra beber? É como não sentir

prazer. Preservar é o jeito de mostrar que sabemos cuidar.

De que vale ter a terra sem ter uma casa boa? É como teimar viver à toa, sem se preocupar

com a dignidade. Moradia de qualidade não é só para quem vive na cidade.

De que vale ter a terra sem cuidar da saúde, sem olhar para a juventude que se acaba com o

uso de venenos? Matar as espécies injustamente é ser pequenos, como as pulgas, os percevejos e os

carrapatos, que não valem a poeira dos sapatos.

De que vale ter a terra se faltar a luta? É como procurar semente em uma fruta que não quer

se reproduzir. Lutar é a melhor forma de mostrar que os Sem Terra estão dispostos a conquistar e

eternamente repartir.

De que vale ter a terra e não cuidar do país? É como um jogo onde o juiz não deixa a bola

correr. Ninguém consegue entender como ficará a partida. Só a terra dividida não faz a gente

crescer.

De que vale Ter a terra e não ser feliz com ela? Não pintar nossa aquarela na tela da

natureza; não perceber a beleza que há nas folhas e nas flores, onde se formam as cores com toda a

delicadeza.

Só vale então ter a terra se inventarmos outro caminho onde o amigo ou o vizinho é irmão e

combatente, onde o povo se faz gente e toda gente se faz povo. E nas clareiras da história planta-se

em cada vitória as roças de um mundo novo.

Cartas de Amor

Nº 90

ÀS FAMÍLIAS SEM TERRA

Page 98: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Quando sonhamos olhamos para frente à procura dos dias que ainda não chegaram. Neles

repousa o canto da vitória e aí fica registrada a nossa história.

Por que devemos lá chegar? Porque sonhamos mesmo caminhando devagar. O passo é lento,

mas a vontade de chegar é maior que o sofrimento.

O momento em que vivemos é importante e promissor, é preciso aproveitar que o vento

sopra a favor. Formar núcleos, organizar brigadas, juntar gente em acampamentos na beira das

estradas, é claro, também em ocupações, para trazer ânimo e coragem a todos os corações.

Plantar na terra, jogar nela as sementes que precisam germinar. Enfrentar, resistir se

precisar, sem medo do futuro. Amanhã os frutos já maduros, surgirão para nos alimentar.

Convidar as famílias que ainda não acreditam, que olham a esmo para o infinito sem

organizar a luta. A história é como uma fruta; é doce quando fica madura; é preciso tratar os

descrentes com ternura, mesmo que os planos pareçam uma loucura.

Devemos resgatar a natureza plantando sobre a terra árvores e flores. Criar nela a cultura da

beleza, da arte popular e dos valores. Ninguém pode duvidar, que isto é possível edificar, pois

somos os melhores construtores.

Quem somos senão Sem Terra destemidos? Que marcamos o destino embravecidos e

deixamos na história uma lição? Quem não luta morre na exploração, mas quem luta pode ver a

liberdade, não há diferença nem idade para quem luta pela revolução.

Somos homens e mulheres transformados em famílias, que fazemos com os pés a própria

trilha, avançando sobre todas as ambições, levamos em nossos corações um puro sentimento de

igualdade, queremos terra e uma nova sociedade, para assentar todas as gerações.

Assim festejamos as conquistas. Cada qual põe o seu ponto de vista em favor da grande

democracia. O respeito é o direito que anuncia, o surgimento de uma nação nova, a luta é quem nos

põe à prova, nas batalhas feitas com rebeldia.

Cuidar da casa, da roça e da comunidade é o dever de quem a terra conquistou; para aquele

que ainda não chegou, o tempo por enquanto é de zelar, do pátio, da lona e do lugar, sem desanimar.

Ajudar as crianças ir à escola, dar a elas todo apoio que precisam, ser leais com os que

alfabetizam e coerentes com os pensamentos. Fazer dos acontecimentos, material de estudo; quem

tem um movimento já tem tudo para seguir tentando outros intentos.

Pensar no futuro e construí-lo no presente. Sonhar ver os descendentes felizes vivendo com

cuidado, o tempo é do povo aliado, basta querer e seguir olhando para frente.

Insistir no caminho das mudanças, as lutas renovam as esperanças e as vitórias sustentam a

rebeldia. Não deixar de lutar por um só dia se quisermos deixar a coragem como herança.

Que cada família Sem Terra brasileira, acredite que seu grande apetite de lutar, vem da arte

de querer conquistar, aquilo que esperou a vida inteira.

Cartas de Amor

Nº 91

À HERANÇA

Maldita seja a herança que leva embora a esperança. Onde, na família, na sociedade ou no

Estado, os valores são ignorados e ninguém já acredita mais, porque os sucessores seguem os

mesmos passos dos exploradores e aos poucos se tornam quase iguais.

Page 99: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Há heranças deixadas que podem ser relacionadas com a fartura e o progresso. Há outras que

não valem nada e se atualizadas trazem a miséria e o retrocesso.

Há uma coisa que quanto mais é dita pior fica. Como esta de que são as eleições que

decidem a política. Poderia ser verdade se os governantes tivessem lealdade. Não é assim, o povo

vota tentando por o fim naquilo que está errado; mas caberia, após o pleito, aos eleitos romperem

com o passado.

Não basta repetir que a “herança é maldita” a toda hora, é preciso ter coragem de jogar

alguma coisa fora. Imagine a cena: uma moça quando ainda pequena, aprendeu com sua mãe o

vício do cigarro; quando adulta, sentindo o incomodo do pigarro, foi ao médico e a história revelou.

Recebeu a incumbência de largar o vício; mas disse ela: apesar de todo o sacrifício, não posso jogar

fora o que a minha mãe me ensinou.

É o que está ocorrendo na atualidade. A equipe econômica do governo teve a capacidade de

adotar o modelo anterior e piorá-lo mais um pouco. Os credores ainda acham pouco mas aplaudem

sem parar. Dizem que, quando o presidente vai “cobrar”, o ministro é que apresenta a conta; está

mal de ponta a ponta, o que é então de fato governar?

Seria cuidar do caixa e fazer os pagamentos? Dizer aos funcionários que não terão aumento?

Ajeitar os partidos no poder? Falando sério, a pior herança que um povo pode ter, é o jeito errado

de fazer de política. Quando este vota e se erradica, confiando que alguns poucos vão dar jeito, é

como apontar ao próprio peito a espada que ameaça e mortifica.

Governar não é fazer justiça? Colocar cada coisa em seu lugar? Se é para se desmoralizar, de

que vale então querer poder? Demoramos vinte anos pra vencer e em menos de dois já nos

frustramos. Será que não é porque entregamos, nas mãos de alguns nosso destino? O sol do mandato

já está a pino, logo passará do meio-dia e se não quisermos devolver o bastão à burguesia, devemos

agarrar o poder que conquistamos.

De que jeito? Não é elegendo vereadores e prefeitos, dizendo que só “o poder central é

insuficiente!”, mas, é tornar-se intransigentes e organizar-se para cobrar do Estado, tudo o que antes

foi negado, colocando em pauta novamente.

Levantai pobres da terra e da cidade! É preciso pintar o espaço de vermelho, organizar-se em

Movimentos e Conselhos e sair em defesa da utopia. Se acreditávamos até a poucos dias, que as

eleições por si só nada mudavam, é preciso imitar os que marchavam e desfraldar de vez a rebeldia.

Jamais na história houve este intento, onde um indivíduo se fazendo de instrumento, deu a

seu povo o que este merecia. As conquistas não vêm sem valentia, sem luta e participação. O Estado

domina o cidadão, quem lá chegar precisa saber disso, e se quiser manter os compromissos, terá que

ir em outra direção.

Resta uma coisa ainda a falar: Sem o povo, quem quiser governar, apenas agradará aos

senhores. O Estado pertence aos opressores, é uma máquina de engolir consciências, se não

quisermos perder a coerência é preciso estar sempre nos vigiando, e se quisermos de fato governar e

não nos desmoralizar, é preciso lá entrar em bandos.

Cartas de Amor

Nº 92

AO DIA DO LIVRO

Vinte e três de abril, a UNESCO reservou para ser o dia do livro. Foi para incentivar a

leitura, que destinou este dia para a literatura.

Um livro é uma criação, não importa o tamanho, nem se o público é estranho. Importa a

atração. Pelas normas internacionais, um livro deve ter no mínimo quarenta e nove páginas escritas

sem padrões formais.

Page 100: Ademar Bogo_Cartas de Amor

A data é portanto sugestiva, homenageia figuras ilustrativas, que se tornaram ausente,( bem

entendido), apenas fisicamente, no ano de mil novecentos e dezesseis, de uma só vez, no mesmo dia

e mês partiram: Cervantes, Shakespeare e Inca Garcilaso de La Vega. Esta e a simbologia que o dia

carrega.

Um livro pode ser romance, científico, histórico, atrativo ou ridículo, em qualquer

circunstância é um veículo que transporta cultura. É uma invenção que somente é útil e importante

a quem procura.

Imagine como era na antiguidade, se alguém quisesse dizer algo à sociedade tinha que

escrever em tabuinhas de barro cozido. Depois o couro foi curtido e tornou-se pergaminho, assim

foi que o livro iniciou o seu caminho.

Antigamente, certamente por causa das caçadas, se dizia, sem aferir nem nada, que “O cão

era do homem o melhor amigo”. Hoje o cão se tornou alegoria, perdeu espaço nesta categoria da

amizade e da delicadeza. O melhor amigo do homem e da mulher, isto para quem quiser, não é o

cão, mas o livro com certeza.

Tanto assim que há um ditado muito considerado, que ao ouvi-lo queima como brasa: “Se

queres conhecer alguém olhe para as virtudes que ele tem e para a biblioteca que possui em sua

casa”.

Um livro é sempre um bom companheiro escrito por homem ou por mulher. Nem sempre diz

tudo o que se quer, mas aí é que está o seu valor. Ele é como um contentor, suporta uma certa

quantidade, o que falta é nossa responsabilidade, de procurar em outro recipiente. Um livro só

nunca é suficiente, para suportar toda a verdade.

Os escritores com ou sem compromisso, prestam a todos um serviço que é tornar em

palavras o que em fatos diz a história. Cabe a quem lê guardar em sua memória, esta infinidade de

dizeres. É claro que há muitos saberes, inclusive de quem é analfabeto; mas de tudo dito o que é

correto: é que a verdade se descobre na pesquisa, quem a ignora é frágil como a brisa, e conhece

muito pouco de concreto.

Leia, por capricho ou por prazer, queira sempre conhecer o que ainda é a ti desconhecido.

Busque nos livros o que foi esquecido, e acrescente os seus conhecimentos. Pois, para quem quer

forjar acontecimentos, sem o estudo pode nunca conseguir, quem é líder e pensa na luta progredir,

terá que buscar mais elementos.

E a você que porventura, gosta mais de falar, pare e escreva para documentar. Não tenha

receio nem vergonha de se expor, como disse Eduardo Guimarães este grande pensador e belo

sábio, “Uma carta de amor fala melhor que um lábio”.

É através da escrita que uma idéia mil vezes pode ser dita. Venha de quem venha a verdade

sempre tem os seus preceitos. Já disse alguém que para sermos bons sujeitos, precisamos amar os

nossos inimigos, porque eles, por vaidade ou por castigo, apontam claramente onde estão nossos

defeitos.

Cartas de Amor

Nº 93

ÀS CORES

Atenção senhoras e senhores, continuam os enfrentamentos com as cores. Como se fossem

espadas, cada força tem as suas bem afiadas.

Page 101: Ademar Bogo_Cartas de Amor

É claro que a cor não é culpada, tanto assim que pode ser utilizada em qualquer ocasião. É

na luta que ela adquire outra conotação. Cada uma é imbuída de simbologia, por isso, cada cor

ganha uma ideologia.

Cada povo tem suas cores preferidas. Alguns até exageram, usam várias, bem surtidas. Os

governantes se colocam como guardiões das bandeiras das nações.

A bandeira traz em si a representação daquilo que as pessoas tem em seu coração. Façamos

então a análise por inteira, da Bandeira brasileira. Da forma como se apresenta vejamos o que e ela

representa.

Ouro, matas, o céu e a paz. Responda agora se você for capaz: onde estão as pessoas e os

animais, as lutas, o vigor e a resistência? Será que estas cores não representam apenas a submissão e

a obediência? E, se quiser prova maior deste retrocesso, basta prestar atenção no lema: Ordem e

Progresso.

Ou mais ainda, o roubo, o saque e a penhora? Sim, porque, estamos vendo a toda hora o

ouro e a madeira indo embora. Parece então que, a nos restará troféu, de conservar a paz para ganhar

o céu.

E o que faz o governante guardião? Assina a autorização! Dizendo: podem levar à vontade

que esta pátria é fã da caridade e desta causa nobre: dá aos ricos e nega aos pobres.

Esta é a imagem refletida em frente o espelho. Mas porque a burguesia reagiu ao “Abril

Vermelho?” Temeram desta vez, que em apenas um mês, se puxasse a linha do novelo e se

desmanchasse o modelo.

O que nos preocupa desta reação, é que ao contrário do que fazia a ditadura, que achava o

comunismo uma loucura e criminalizava a quem ele defendesse. Agora, o “crime” é bem menor,

basta contrariar os interesses.

Já o primeiro de maio passou “em branco” sob o céu de anil. Será que Maio está ficando

menos perigoso do que Abril? Ou será que há parte do vermelho saindo de moda? Simplesmente

porque, antes quem era intransigente, hoje já não incomoda!

O vermelho, por ser uma cor viva, sempre é provocativa. Representa a força, o sangue e o

vigor, por isso pertence ao trabalhador. Os fazendeiros falam em “maio verde” de repente; é porque,

( isto é o pior), ao seu redor, há mais propriedades do que gente.

O vermelho nas bandeiras tem a mesma função que nas fogueiras; aquecer o coração e a

utopia. Animar a quem já não pertencia a seu próprio país. Por isso a cor se entranhou pela raiz

deste nosso Movimento, e o fez vermelho tanto fora quanto dentro.

Mas voltemos ao que dizia: o problema não está na cor, mas na simbologia. Ela é a força que

amedronta e afronta até vencer; pois não aceita, principalmente se alguns trabalhadores estiverem no

poder, a continuar viver, num país de faz-de-conta.

Ruim não é ver as cores se enfrentando. Por trás destas se estruturam comandos que dão

vigor a cada uma delas. Ruim é perceber que, embora tendo a força do poder, o governo só

amarela.

Cartas de Amor

Nº 94

AO RESPEITO

Page 102: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Depois que inventaram a roda, respeitar nunca saiu de moda. Por isso protesta-se contra

qualquer coisa que nos faça mal; principalmente quando afeta a ética e a moral.

Embora muitas vezes tenha se visto algo parecido, mas é preciso protestar contra o

desrespeito dos Estados Unidos; por fazerem da tortura uma brincadeira e manterem presos, os

iraquianos com coleiras.

Empilham lá seres humanos algemados como se fossem caixotes a espera de serem

transportados. E o pior do que ver esta imagem que arrepia é ouvir que estão lá para instaurar a

democracia.

Para esconder estes atentados, criaram um fato inusitado: acusaram o nosso presidente de

governar embriagado. É verdade que as leis já determinam, que “ álcool e direção não se

combinam”. Pode estar com a razão quem isto diz, mas aqui não se trata de um carro, mas da

dignidade de um país!

É verdade que o nosso governo segue como um carro rebocado, com os dois pneus

dianteiros levantados, embora dentro vá o motorista, acenando, sem enxergar a pista.

Voltando ao desrespeito e ao protesto, ninguém pode dizer que o presidente é desonesto!

Pode ser muito obediente! Aí é diferente! Por isso, quando toma uma atitude, um pouco rude, até os

seus colegas o desmentem.

Ou não foi assim com o jornalista norteamericano? Quase que o presidente, em sua atitude

irreverente, entra pelo cano!

Agora, bem pensado, quem bebia não era o presidente do outro Estado? Que um dia até o

encontraram com a cara mergulhada numa poça de uma vomitada?

Mas aqui até a direita considerou ofensa. Disse que a expulsão do jornalista feria “a

liberdade de imprensa!” E bom que sintam na pele os beliscões, não são eles que cobram em

convulsões, de se aplicar a lei sobre as ocupações?

Por que só os que lutam devem ter limites em seus feitos, por acaso os jornalistas e os

capitalistas nunca ferem a “Ordem de Direito? Depois, é bom lembrar, que esta lei da expulsão

ainda foi feita, com a participação desta mesma direita, no tempo da ditadura militar.

Pensando bem, o nosso presidente, que foi profundamente ferido em seus brios, deveria

aproveitar e encarar outros desafios, e cancelar o visto de permanecer aqui, primeiro, o FMI; depois,

das multinacionais, que levam a madeira, a biodiversidade e as variedades minerais; não geram

renda para o povo, nem emprego, e tiram o nosso sossego.

Em sã consciência podemos dizer que o nosso presidente não bebe e foi desrespeitado,

porque os sintomas de quem ingere álcool é ficar mais arrojado, e não é o caso de nosso estadista,

pois a cada dia fica mais pacifista.

No fundo este é um bom recado ao núcleo central do governo atual; para que percebam o

inconveniente, mas parece que nenhum daqueles componentes nota. É hora que enxerguem de uma

vez, que pobre no meio de burguês, só serve de chacota.

Carta de Amor

Nº 95

À MILITÂNCIA

Page 103: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Em tempos de inconstâncias, quem mais sofre é a militância. Sofre por não ver conquistas e

não poder ser com o povo realista.

É grave no momento a situação; há que se ter responsabilidade e atenção, para não

generalizar a frustração. O povo ainda acredita, esta talvez seja a parte mais bonita.

No coração das massas sempre há utopia; é a força que move os passos nessa longa

travessia. Basta então que as lideranças não deixem morrer a esperança; fortaleçam o ânimo

mantendo a expectativa, que, mesmo na permanência, crescerá o vigor da consciência e esta

continuará ativa.

Há momentos em que são maiores os sofrimentos. Principalmente, quando de repente, de

cada barraca a fumaça sai fraca. Ela emite o sinal, que de comida estamos mal.

Outras vezes nasce a sensação de uma canseira, quando as lonas se enchem de poeira feito

um casaco pendurado, dizendo-nos que o tempo está ficando prolongado e logo chegarão os rasgos

em cada lona ressecada; é como se o grande esforço não tivesse servido para nada.

Há dias em que surgem epidemias, de doenças e fofocas, que, como animais amedrontados,

dá vontade de esconder-se pelas tocas e, só reaparecer, quando cada coisa por si só se resolver.

Mas não tem jeito, militante é para ser sujeito, estar de frente, das massas ou dos inimigos.

Assim é que se enfrentam os perigos.

Não há líder sem povo, nem povo sem liderança; o que ocorre é de vez em quando, sentir

que a voz do comando, já as consciências não alcança. Então é a hora da multiplicação. Militante é

diferente de patrão, de prefeito ou deputado que só pode ter um em cada espaço regulado.

Já foi dito que o militante é como uma semente, que se torna sempre mais atraente,

principalmente quando a terra instiga, pois cada uma quer forjar a própria espiga. Morre para deixar

nascer centenas de continuadoras, que, com a mesma identidade, cheias de responsabilidade,

fecundarão lavouras.

Neste caso, morrer não é perder a vida, é transformar-se para virar comida como a palha da

planta desmanchada, que só pelas raízes das novas gerações poderá ser encontrada. Por isso é que, a

semente não pode ser egoísta nem centralizadora, se teimar em não se multiplicar, nunca se tornará

lavoura.

É desta forma então que em tempos de recessos, na multiplicação é que se faz progressos.

Fazer semente o conhecimento, é assim que o militante se tornará alimento e centenas de pessoas

saberão o que um só sabia, é desta forma que se amplia a rebeldia.

Cada vez mais fica evidente que é preciso fazer lutas permanentes. As vitórias serão mais

demoradas, e nossas forças cada vez mais testadas.

Ser militante é estar sempre confiante, mesmo que a vitória nem sempre apareça, porque,

além da força bruta, um militante tem ética em sua conduta e as idéias que leva na cabeça.

Dar tempo ao tempo não é ficar parados. Mesmo estando em espaços limitados, é preciso

investir em crescimento. Inventar frentes de ações, multiplicar em centenas as razões, e aproveitar

para crescer por dentro.

Cartas de Amor

Nº 96

À EDUCAÇÃO

Page 104: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Educar, para iniciar o pensamento, vem do latim, “educere”, que é tirar de dentro. Isto

parece então perfeito, mas resta ainda achar o jeito, para perceber todos os lados. Sem usar de

maldade ou de cinismo, a verdade é que no capitalismo, cada um já nasce destinado a ser “mal-

educado”.

Veja só ou no cochicho; nesta sociedade de consumo já nascemos produzindo lixo. Isto é

imperdoável! Devido à fome do mercado, cometem um atentado ou uma desonestidade, e nos

metem no primeiro dia de idade, uma fralda descartável.

Parece insignificante, mas para a educação é importante. Os povos mais desenvolvidos que

julgam deter toda a sabedoria; produz ali cada indivíduo, dois quilos de lixo a cada dia. Isso mal

observado parece quase nada, mas se alguém viver cinquenta anos produzirá quase quarenta

toneladas.

Então o cerne da questão nos vem agora, se educar é “tirar de dentro”; a matéria e os

elementos para a educação nos vêm todos de fora.

Qual é então a razão para esta insistência? É que as coisas que estão fora, quando entram, se

transformam em consciência, e, para sermos mais concretos, quando saem, se transformam em

ações e objetos.

Por isso é que educação rima com ação. Se as coisas que entram em nós saírem apenas pela

voz, nunca haverá transformação.

Então, “tirar” é um gesto ilustrativo. Tira-se com as mãos com ternura e paciência, de dentro

das consciências, primeiro os objetivos. Ou seja, é preciso demonstrar o que queremos alcançar.

Desta forma, estudar não é apenas se ilustrar ou então passar de ano; é limpar a consciência

como se passa pano. Por isso é que a educação tem uma função válida para toda a vida, que é

despertar as razões adormecidas.

Tirar de dentro de nossa juventude, ações de rebeldia e inquietude para que não se acomode

e passe a acreditar que só o império pode. Das crianças, cantigas de alegria e esperança. Das

senhoras e dos senhores, a experiência, os exemplos e os valores.

Educar é cultivar o ser humano, seja rural ou urbano. É despertar desejos sentimentos e

vontades, para tirar de dentro gestos de solidariedade.

Educar é também desmanchar mitos, é enfrentar os hábitos malditos que poluem e destroem

a natureza. É perceber que, quanto mais a técnica avança, mais perdemos a imagem e a semelhança,

com aquilo que fazemos, sem destreza, já sem delicadeza.

Por tudo isto, educar não é um conceito, é um processo de forjar sujeitos, descobrindo

múltiplas dimensões. Desta forma, é uma jornada que nunca terá fim, pois jamais pode cessar o

cuidado dos jardins, que cultivamos em nossos corações.

Este cultivo é o que nos interessa. Precisamos agir com certa pressa, antes que os males

destruam nossos valores. Devemos compreender que, educar é simples a dinâmica; basta buscar fora

de nós a boa matéria orgânica, para tirar de dentro perfumosas flores.

Cartas de Amor

Nº 97

AO CULTIVO DA BASE

Page 105: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Cultivar é o ato de cuidar. É a relação entre duas partes; por isso é que o cultivo, entre todos

os seres vivos, exige que sejamos prestativos como as cores misturadas se transformam em belas

artes.

Quando se cultiva se tem a alma altiva. Transformam-se as ações em parte das canções, que

tem boas razões, para estarem sempre vivas.

Ao cultivar se faz cultura. Combina-se a dureza e a ternura em busca da preservação. Cultivo

é emoção, é ver crescer o resultado, do esforço empregado, por muitos, na mesma direção.

A base também se cultiva. Não há como cuidar dela sem a presença intensiva. Seja lá o

militante ou o dirigente, cada qual deve saber qual é o seu elo da corrente. Deve estar sempre em

alerta para cultivar na hora certa. Nem antes nem depois, assim é que se liga os dois.

Cultiva-se com jeito, para, ao cultivar não faltar respeito. A força e o carinho se combinam

no caminho, basta que se busque a lealdade para nunca se faltar com a verdade.

Cultiva-se também a esperança para que os problemas se tornem uma lembrança. O mal e a

derrota pertencem ao passado, os sonhos é que precisam ser alimentados.

Eles bebem comem e respiram, talvez até suspiram se sentirem indecisão! Um sonho

também é uma canção, cantada com as vozes do futuro, torna-se sempre mais seguro, quando passa

das idéias ao coração.

Quem imagina sonha acordado. Quem cuida do sonho imaginado é um cultivador. Porém o

sonho não tem sexo, somente identidade, pertence a quem tem ansiedade de vê-lo um dia vencedor.

No trabalho de base se cultiva, se estimula e se ativa a vontade de vencer. Onde não há

cultivo há carência de poder; a força vai embora quando quem a tem não colabora.

Cultive a lealdade, o otimismo, a honestidade e todos os valores, na certa seremos

vencedores se derrotarmos os vícios e as vaidades.

Cultive a ética e a estética. Faça da beleza uma fortaleza. Acredite que, entre o certo e o

errado existe um sonho colocado, ele poderá ser vencedor ou derrotado.

Cultive também a simpatia, ela é a voz que anuncia o raiar da liberdade. A força tem suas

qualidades mas só ela não abre as rachaduras, é preciso a inteligência e a ternura para fazer a luta

sem perversidade.

Cultivar então é estar presente, não deixar abandonadas as sementes ou perdidas nas

entranhas dos problemas. Por mais que nos rodeiem os dilemas, devemos ser sempre mais

inteligentes.

As vitórias são frutos do cultivo. Há os que são mais intuitivos e há os que são mais

racionais. O importante é que somos iguais, ninguém é maior do que ninguém, cada um sabe o

dever que tem para tornar as conquistas atuais.

O cultivo exige vigilância. A obra tem sempre importância, principalmente quando é de

contestação. Cuidar para que a repressão não ataque a base descuidada, as perdas serão sempre

lembradas, como derrotas em nossa construção.

Gostar de cultivar é gostar do que se faz. Seja na guerra ou na paz, a base é sempre a

referência. Um povo não precisa de clemência, quando cultiva com vigor a sua consciência.

Cartas de Amor

Nº 98

À JUSTIÇA

Page 106: Ademar Bogo_Cartas de Amor

É conveniente esclarecer com simplicidade, que a justiça em nossa sociedade se ocupa da

legalidade. Deveria cuidar também da igualdade e da democracia, mas isto se vê pouco hoje em dia.

Desde que surgiu a sociedade é que a igualdade vive em conflito com a legalidade. Legal

não significa ser igual.

No final de tudo, a legalidade, está presa à propriedade; daí se extrai o conceito do direito.

O poder legislativo ou mais propriamente os deputados legislam para o Estado. Mas entre a

justiça e os interesses há um espaço imenso, caso contrário ás leis seriam aprovadas por consenso.

Para encurtar a conversa, o que é legal nem sempre é justo ou vice-versa.

Por isso é que devemos perceber, que a ordem em si carrega uma coisa estranha, pois o

direito sempre acompanha quem está no poder. Aqueles que estão fora, o nome põe como penhora,

e fazem da injustiça o seu dever.

Vejamos uma ilustração, todos temos direito à moradia, trabalho e educação, mas o dever

nos alerta, que devemos esperar a hora certa. A lei é quem manda esperar até que se tenha condições

para comprar, aquilo que é de direito, logo, justiça e democracia deformam aqui os seus conceitos.

Vejamos de um modo mais concreto: como podem ser iguais um juiz e um analfabeto? Um

industrial “honrado” e um desempregado? Um deputado e um idoso aposentado? Então, a justiça do

poder legislativo é feita de interesses muito vivos.

O divisor de águas está aqui, quando o Congresso instala uma CPI. Dizem que é para

investigar, ora, mas este poder não é para legislar? Então o eleitor foi informado mal na última

campanha eleitoral, e, ao invés de um deputado elegeu um policial!

É a hipocrisia do poder. Quando querem se eleger, ficam mansos como os gansos. Quando

alcançam seus intentos, tornam-se egoístas e violentos. Passam até a investigar os movimentos.

Bem sabem estes canalhas, que aos pobres sobram apenas as migalhas. E o governo se

quiser assumir o nosso lado, deveria divulgar quanto liberou para cada deputado. Mas aí, mais do

que a confiança, estariam ameaçadas as alianças.

Nada tem a temer aqueles que não partilham o poder! Corrupto são aqueles que com

voracidade, usam o dinheiro público para aumentar as suas propriedades.

Dizem em suas contestações que os pobres usam as verbas para “fazer ocupações”. Isso não

é verdade! Os políticos devem explicar como adquiriram as suas propriedades! E dizer se é falso ou

verdadeiro, que por trás de muitos políticos de direita, vive na espreita um astuto fazendeiro.

Os pobres, se algo têm, é fruto do esforço transformado em conquista, instale-se uma CPI

para saber de onde vieram os bens da bancada ruralista.

Disse-nos Anacaris, um sábio grego muito justo: “As leis são como as teias de aranha; os

pequenos insetos prendem-se nelas, e os grandes rasgam-nas sem custo”.

É o que vemos, e muito isto nos custa. Podemos dizer mais, que enquanto existir classes

sociais, a justiça para nós pobres mortais, sempre será injusta.

Cartas de Amor

Nº 99

À POLÍTICA

Page 107: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Existem muitas formas de fazer política, tanto para os pobres quanto para as classes ricas. Os

pobres usam seus frágeis instrumentos, geralmente os movimentos; quanto a isso os ricos não têm

preocupação, possuem o Estado como organização.

A política, se bem entendida e conduzida, deveria ser a arte de promover vitórias, para cada

povo contar sua bela história. Para os ricos, em qualquer sociedade, esta é apenas uma

possibilidade, porém muito remota. Para eles a política é a arte de produzir derrotas.

Derrotar o povo organizado, (para eles desordeiro), como se não fosse brasileiro. Esta é na

verdade a equação; aniquilar mesmo sem ter razão, aqueles que querem com luta se tornar nação.

Aristóteles ao fazer a sua crítica, disse que os jovens não podiam fazer política. Para Ele,

isso era certo e verdadeiro; e exigia que aprendessem os hábitos primeiro.

Que hábitos têm os latifundiários e os fazendeiros? Os industriais e os banqueiros? Os

liberais e os comerciantes? Que virtudes podem apresentar, se teimam em levar, para política seus

hábitos ignorantes?

Os ricos inventaram a propriedade, o imposto e o salário. Criaram o direito civil, criminal,

familiar e agrário. Tomaram o Estado e o administram de seu jeito. Sendo assim, a força e a

violência viraram forma de consciência e fazem parte do direito.

O Estado serve de partido, ou seja, protege quem está incluído. Quem está fora, não pode

reclamar, tem o direito a eleger quem deve governar. Os argumentos são sempre fraudulentos: se

escolher mal, que espere outro momento! Se escolher bem e nada acontecer, é sinal que precisa

levar mais candidatos ao poder. E assim o povo fica esperando a esmo, porque, nada pode mudar

quando os hábitos são os mesmos.

Então para os ricos e seu regime, tudo o que ameaça o poder e a propriedade, vira crime. Por

isso é que, sem exagerar, podemos comparar o político capitalista com um homem machista. Este

último, antes de se casar, namorava escondido, era liberal e atrevido. Agora tem a sua própria filha,

fala que “ela é de família”. Quanto ao primeiro, a mesma coisa se dá com o dinheiro. Apropria-se

sem dó das verbas publicas, que deixa depenada as asas da República. Mas basta um movimento

receber um mísero projeto, que se exalta dizendo que o uso está incorreto.

Para entrar na casa da política existem muitas portas. Entrando nela se encontrará dois lados,

por isso é que nos alerta este ditado: “Político que não presta, faca que não corta, se perder pouco

me importa”. Resta saber, antes e depois de se eleger, como cada político se comporta.

A lição a tirar neste momento é que, política não se faz sem instrumento, pode ser uma

organização, um partido ou um movimento. Mas é preciso que siga princípios solidários, e seja

sempre mais revolucionário. Que ostente a disciplina e a lealdade e tenha coragem de atacar a

propriedade; seja da terra, da indústria, do comércio ou dos Bancos, mas, acima de tudo é preciso

que as lideranças não frustrem as esperanças e nunca deixem de serem honestos, democráticos, e

muito francos.

É de se pensar que na política prevaleça um dia, não a opinião de um lado só, como uma

música tocada só em dó, mas, onde de fato a minoria, não se sujeite, mas respeite a opinião da

maioria.

Cartas de Amor

Nº 100

À DEVOLUÇÃO

Page 108: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Os Estados Unidos estão “arrependidos” de seus planos; dizem que vão devolver o governo

ao povo iraquiano. Devolver o que se nada colocarão de volta? O que irão fazer, é por um fantoche

na mesa do poder, mas não irão embora, do lado de fora, ficarão vigiando a porta.

A devolução é uma hipocrisia. O próximo mandatário é um ex-funcionário da malfadada

CIA. Ficarão lá até quando não se sabe: 160 mil soldados, 3 mil diplomatas e 80 mil mercenários

aterrorizando o mundo Árabe.

Devolverão apenas os escombros, pois manterão em seus ombros a responsabilidade, sobre o

petróleo, o gás, as comunicações, o transporte e a eletricidade. Se não conhecêssemos essa estratégia

perderíamos nossa fala. Só que aqui, a indevida apropriação, se deu pela privatização, lá no Iraque

foi à bala.

Não falam, nem deveriam falar em devolver as incontáveis vidas, nem o alimento dos 10

milhões famintos e sedentos que vivem sem terra e sem comida.

Não falam em devolver a água potável a 40% da população, que as bombas e os tanques

quebraram a transmissão, poluíram os mananciais e o solo; por essa razão, morrem envenenadas ou

de subnutrição, uma cada oito crianças ainda de colo.

É verdade! Mais de 1 milhão de crianças já morreram antes de completar 5 anos de idade. 30

por cento das que ainda vivem, estão condenadas, seguindo a mesma trilha. Isto representa no

mínimo uma morte por família.

O que pode devolver o império sujo e imundo se em cada lar produziu um moribundo?

Como devolver a soberania se os métodos repressivos oscilam entre a humilhação, o terror e

a covardia? Se os presos sem serem interrogados, são despidos e empilhados como caixotes de

verdura? E olha que foram lá para combater a ditadura!!

Como poderiam levar a paz e as conquistas se os interventores são os próprios terroristas?

Para ser franco, sem fazer atalho, o Osama Bin Ladem, em matéria de terror, há tempo já é carta

fora do baralho. O Chefe das operações não vive escondido, goza de assistência e disputa

novamente a presidência nos Estados Unidos.

O que vão devolver se foi roubada a história? O direito a guardar o tempo e a memória? São

cento e setenta mil obras de arte de valor enorme; como as tabuletas de argila da civilização

Suméria que inventou a escrita cuneiforme.

Onde estudarão as crianças com idade já comprometida, se sete mil escolas foram

destruídas? Não contando os seus lares. Eram estes os alvos militares?

A dor do povo iraquiano é a dor do mundo inteiro. O império faz ali o seu viveiro de

treinamentos e experiências, por isso as suas diretrizes, irão produzindo cicatrizes no corpo e nas

consciências.

É bom que vejamos um jeito, antes que cicatrize em nós a indiferença e o desrespeito, como

se não sentíssemos dor alguma. Porque, há um ditado onde afirma que: quem tem duas, perdendo a

metade, só tem uma; mas quem tem uma não pode perder nada ou fica sem nenhuma.

As duas, são a pátria e a vida. Perdendo-se a primeira, a segunda mesmo ressentida, terá que

defender-se para garantir o rumo do destino, como bem fazem os iraquianos e o povo palestino.

Cartas de Amor

Nº 101

AOS DILEMAS DA HUMANIDADE

Page 109: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Dilemas: os tem o ser humano por causa da consciência. Geralmente são eles, conseqüências

da falta de coerência. Onde, aos olhos da ética e da moral, estamos um tanto mal ou em plena

decadência.

Costumamos situar os dilemas em determinados temas que por certo o capital não trata.

Solto como as águas da cascata, arrasta quem estiver na frente. Atrás vão ficando os doentes, os

famintos e os deserdados; adiante vão as empresas os governos e os Estados, astutos e violentos

como os escorpiões e as serpentes.

O capital despede normalmente milhões de trabalhadores. Dizem os seus defensores que esta

é a lei do “crescimento”. Poucos já tem o direito a se integrar; sobram grandes contigentes sem com

nada se ocupar, recebendo cestas de alimentos.

As empresas desfiam as suas tentações, dividindo entre si as riquezas das nações como as

crianças que escolhem um brinquedo. Uma fica com o rio, outra com os minérios, e assim vão se

abrindo cemitérios de espécies que se extinguem ainda muito cedo.

A ociosidade humana se torna um grande mal, seja no trabalho ou na área cultural, o ser

humano é desconsiderado. Vira um número quando é pesquisado, sem nome, identidade ou

endereço, sua força de trabalho já sem preço, criou a categoria dos desempregados.

Por que esta categoria cresce sempre mais? É porque pequenos grupos querem ganhar

demais, e transformam tudo em dinheiro. Por isto a sociedade torna-se desigual e quem comanda

esta guerra já institucional é o capital financeiro.

O capital com os seus longos braços foi tomando todos os espaços, eliminou por primeiro as

árvores que estavam ao alcance de sua mão, por isso, um terço do planeta está ameaçado pela

desertificação.

A harmonia do planeta está desfeita. São anos árduos e confusos, plantando indecências e

abusos, chega o dia da grande colheita. Aumenta o calor na atmosfera, secam as águas dos rios,

crescem as doenças e epidemias, coisas que não existia, colocam a vida por um fio.

Quem inventou a poluição, os gases, os agrotóxicos, os venenos e as derrubadas? O lixo

atômico, a borracha e as águas contaminadas? O plástico e o carvão vegetal? Foi sem dúvida

nenhuma o capital que teve sua ansiedade incontrolada.

De tal forma que vivemos em tempos de dilemas. A cada dia um novo problema, uma

doença, uma epidemia. A cada ano trezentas espécies de vida vão embora, só quem quer não ignora

as questões que o tempo desafia.

É o dilema social que não tem cura. O capital em estado de loucura avança sobre a terra e

sobre a vida. Esta violência pode ser contida, depende apenas de uma decisão, se foi o homem que

inventou a destruição, nele está também a solução e a saída.

Uma coisa porém ainda resta, ouvir a voz da consciência honesta e superar todos os

desenganos; pois é triste concluir este sistema, e perceber que o maior dentre todos os dilemas, é

sem dúvida nenhuma o ser humano.

Vamos! Ainda há tempo de salvar a causa certa. Erguer a voz e colocar-se em alerta, buscar

as soluções através de ações cotidianas. Fortes não são aqueles que tudo desafiam, mas os que se

organizam e confiam, que as soluções, de todas as degradações, estão nas mãos humanas.

Cartas de Amor

Nº 102

AOS PARTIDOS POLÍTICOS

Page 110: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Se os partidos políticos soubessem que em suas mãos há um poder de convocação!

Considerando que não prestam atenção, ninguém é convocado, a não ser para votar

equivocado, confundindo trapaça com democracia, que cumpre a função de arrefecer a rebeldia num

mundo cada vez mais injustiçado.

Se os partidos políticos soubessem quanta esperança o povo empenha em cada liderança!

Considerando que não merecem confiança, não se apresentam para liderar, vivem ocupados

a viajar, propagandeando aquilo que não vem; a ilusão se transforma em desdém, e a admiração

morre aos poucos, devagar.

Se os partidos políticos soubessem o quanto uma voz altiva cria de expectativa!

Considerando que estão à deriva, esgueiram-se como os gatos à beira das caldeiras; como as

aranhas que tecem nas soleiras, seguem por onde as vaias não chegaram, por isso o que modificaram

foi apenas o caráter de uma vida inteira.

Se os partidos políticos soubessem algum dia, o quanto é bom pertencer à maioria!

Considerando que entendem mal a democracia, articulam-se pela força do dinheiro, como

frangos espalhados em poleiros, colocam-se acima de toda a sociedade, confundem astúcia com

desonestidade e sujam-se como os porcos no chiqueiro.

Se os partidos políticos soubessem de verdade, qual é mesmo sua responsabilidade!

Considerando que seus membros se enchem de vaidades, pelo simples fato de terem sido

eleitos, mas que em seguida de se encerrado o pleito, vão cada qual pagar os seus favores,

comportam-se como os roedores, que fazem das virtudes seus defeitos.

Se os partidos políticos soubessem a maneira, de ir às ruas e empunhar uma bandeira!

Considerando que é uma brincadeira, levam o povo em marchas e comícios, ali usam todos

os artifícios, para conseguir a admiração, intitulam-se salvaguardas da nação, que é obrigada a

sustentar seus vícios.

Se os partidos políticos soubessem que ser normal é sujeitar-se ao capital!

Considerando que este é o poder geral que atenta contra a idoneidade, logo enchem-se de

propriedades, vendem a honra como se fosse glória, enquanto o povo continua a espera das vitórias,

duvidando de sua prosperidade.

Se os partidos políticos soubessem que o pacifismo não leva ao socialismo!

Considerando que o capitalismo se fundamenta na força e na violência, o povo deveria tomar

consciência, onde estão as causas da pobreza, se as injustiças não vêm da natureza, é preciso

combatê-las com veemência.

Mas se o povo inteiro então soubesse qual é a razão de ter uma organização!

Considerando que a revolução, não é expontânea nem muito organizada, que a vanguarda

sempre que for criada, deve estar ligada com o povo, um passo após o outro é sempre novo, assim

se forja a longa caminhada.

Considerando que a participação é a condição para sempre ir além, e se o povo soubesse isso;

porém, que é a sua força que forja as mudanças, não deixaria de empenhar sua confiança, em um

partido, um movimento e em si também; mas cuidaria para não ser representado por ninguém.

Cartas de Amor

Nº 103

ÀS SESMARIAS

Page 111: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Sesmarias, eram de certa forma cortesias dadas pelos amigos da Coroa portuguesa à aqueles

que quisessem explorar a terra e a natureza, no início da colonização. Era uma espécie de doação

com limites de direitos, os sesmeiros deviam o respeito e garantias aos senhores das capitanias.

Por ser a capitania hereditária, a sesmaria substituía a reforma agrária. O donatário fazia as

concessões, cobrando impostos e doações para garantir o seu poder, mas o sesmeiro não podia

vender nem negociar a sesmaria; era um acordo não uma democracia.

Enfim, veio a independência e esse sistema entrou em decadência, até há poucos dias,

quando o governo brasileiro retomou às sesmarias.

Isto ainda está se dando através de um projeto que a Casa Civil está elaborando. Mas, pouca

coisa para elaborar ainda resta, e logo será dada a “Concessão de Áreas de Florestas”.

Sabemos porém que o projeto está sendo proposto e conduzido pela “bondade” dos Estados

Únidos, que patrocinou recentemente, uma viagem ao Ministério do Meio Ambiente para verificar e

eliminar as falhas, comparando a outro projeto parecido, que está sendo desenvolvido, na Austrália.

O império volta a ser Coroa dona da Capitania, e projeta a concessão de Sesmarias; do

mesmo jeito que já era: só pode explorar as riquezas e a floresta, não se apropriar da terra. Esta

continua sendo brasileira, com um grande cadeado na porteira.

Ora, todos nós sabemos o que é ser uma colônia e que o império sempre esteve de olho na

Amazônia. Não quer a terra, porque essa em seu país já tem demais, o que quer de fato, é uma

forma de contrato, para explorar nossas riquezas naturais!

O governo se torna o antigo donatário e age como um latifundiário. Governa sem soberania,

pois aceita que o país seja uma capitania.

E ainda há quem aceite e não se importe, com medo da invasão militar vinda da América do

Norte! Acalmem-se, pois não teremos esta sorte! Os governantes darão ao imperador, as riquezas, a

dignidade e o que for, se o povo não desafiar a própria morte.

É a reforma agrária da Capitania, onde o menor pedaço são três léguas de frente como na

velha sesmaria. É o agronegócio que não terá sócio; explorará à vontade, e deixará ao povo

brasileiro, as favelas, os morros e os terreiros, para exercer a sua liberdade.

Tudo está ficando muito sério, até Banco aqui vira ministério! Está na hora de tomar

consciência e concluir de vez a independência.

Não é por nada, nem por nacionalismo, mas não se pode escancarar as portas para o

imperialismo.

A integração internacional, não pode se dar às custas da exploração, mineral e vegetal! Esta

é a integração do capital não da população, pobre e infeliz. É por isso que, quem não tem mais

riquezas em seu país, está fora da globalização.

Por isto estamos todos convocados, a nos armarmos de foices e machados e soltarmos um

brado triunfante. Rumarmos para o lado da floresta, não para cortar as árvores que nela ainda resta,

mas para derrubar a ignorância de nossos governantes.

Cartas de Amor

Nº 104

À OLGA

Page 112: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Há um filme recentemente produzido que o próprio nome já lhe dá sentido. Sentido de

sentir! Se alguém duvidar e disser que não irá chorar ao assistir, pode mentir.

Mas o choro não é de desespero ou de lamento; é uma mistura de orgulho e sofrimento que

toma conta do ambiente o tempo inteiro. É a alma do povo brasileiro estampada na tela, porque

Olga apresenta-se viva, valente, persistente, solidária e bela.

Quem vê o filme entende facilmente uma antiga verdade, “que os mortos nunca morrem

enquanto os vivos têm deles saudade”. Isto mesmo! Continuam vivos e belos, pois o passado e a

utopia se ligam por dois elos.

O roteiro destaca a força feminina, da criança, da jovem, da mãe, da heroína, sem vacilar um

momento sequer. Por preconceito pode ser que ninguém fale, e os homens que assistem o filme

calem, mas por dentro, no íntimo do pensamento, desejariam ser essa mulher.

Ser Olga no masculino ou no feminino é querer ser sujeitos do destino. É desprender-se de

toda a mesquinhez, ver o futuro com senso de altivez sentindo o aproximar os próprios passos. É

descobrir que temos um coração e um corpo com dois braços, onde cada qual tem sua função:

carregar uma palma em cada mão para tecer a história como um laço.

Os críticos não compreendem, fingem-se que não se rendem para a razão sentimental. Mas

com certeza percebem que na revolução tudo se utiliza, a força, a fé, o amor, a pontaria precisa,

também o instinto maternal.

Não será por este detalhe revelado, que o filme está sendo muito criticado?

É belo observar o ar com que cada cena se reveste, mostrando-nos que Olga não foi a

simples mulher de Luis Carlos Prestes. Comportou-se como a mãe que conduz o filho pela mão,

trazendo-o escoltado e protegido, colocando-o no lugar outrora definido, para liderar a revolução.

Como a mãe que protege o próprio filho, salvou-lhe a vida na hora da prisão, gritando um

forte “Não!”, dizendo que Ele estava desarmado. Poderia ter fugido ou se acovardado, mas esta

força superior de mulher firme e coerente, fez com que se colocasse à frente e não ao lado.

Quando pensavam que estava presa e dominada e já não seria capaz de fazer nada, anunciou

a sua gravidez; como a dizer mais uma vez, que jamais renunciaria à liberdade. Quem resistiria em

meio a tanta crueldade, portar-se com coragem e altivez?

Deportada não deixou que a humilhassem. Na cadeia não deixou que a derrotassem nem

destruíssem a sua família. Gerou e pariu a bela filha amamentando-a até o leite secar. Tentou em

vão este ciclo prolongar, para o dia da despedida não chegar.

E ao sentir o fim da vida, na agonia da própria despedida, registrou com naturalidade a sua

dor. E em meio as lágrimas e os lamentos, transformou o próprio testamento numa bela e cordial

carta de amor.

Por fim, ao passar pelas grades do nazismo, não deixou de acreditar no socialismo onde

estava para ela a liberdade. Embora triste, a última cena é bela e forte, a vemos caminhando com

passos firmes para a morte, sem renunciar à sua dignidade.

Cartas de Amor

Nº 105

AO TRABALHO VOLUNTÁRIO

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Ernesto Che Guevara disse um dia, que “o trabalho também se faz com rebeldia”. Queria

nos mostrar o caminho, que um ser humano é como um passarinho, pode viver sem estragar o

mundo; é um dos pensamentos mais profundos, legado com afeto e com carinho.

O trabalho voluntário é um jeito de dizer que devemos servir para viver. O papel de alguém

na história é deixar bons sinais como memória, sem nada ter do que se arrepender.

O trabalho voluntário não pode ser uma obrigação é uma sugestão para fazer um pouco a

mais, doar a força para sentir-se iguais no pensar e no dizer, trabalhar é também sentir prazer, por

ver cada sonho acontecer.

O trabalho voluntário é um comprometimento, com o comportamento de sermos a cada

instante, um pouco diferentes. Se, somos seres inteligentes, precisamos provar isto com os atos, não

ser iguais aos ratos que roem simplesmente porque possuem os dentes.

Fala-se no trabalho em sentido figurado, mas é qualquer esforço empregado em torno da

melhoria de um lugar. Onde vivemos devemos cultivar, a beleza, a rebeldia e a arte; isto nos faz

sentir-nos parte de tudo aquilo que é a natureza.

O dia oito de outubro é apenas uma motivação. Deveria ser um dia de avaliação do que

estamos fazendo voluntariamente; na luta ou no cuidado do ambiente, como uma bela referência;

experimentando a força da consciência que cresce sempre mais ardentemente.

A data é significativa, onde a memória mostra-se como força viva, que está presente na

prática dos valores. Como o Che, somos os construtores, do destino de toda a humanidade, o

trabalho como solidariedade, é uma invenção que pertence aos sonhadores.

Che foi um sonhador de tipo diferente. Acreditou que o ser consciente é a maior força de

transformação; viveu para a revolução, entregando o tempo e a própria vida, como uma semente já

colhida, pronta para a germinação.

Voluntário é quem faz as coisas por consciência, enfrenta as resistências que existe dentro de

si mesmo; organiza-se não faz a esmo o que deve ter destino certo. O futuro é um livro incompleto

que se escreve com aquilo que fazemos.

Cada passo é uma palavra escrita. Cada ação é uma frase bonita que se junta a outras frases

feitas. Cada obra edificada é uma colheita guardada na dispensa da história. Cada virtude aplicada é

uma vitória, que na prática acabou de ser eleita.

Voluntário não é aquele que está pronto a ser solicitado, mas já se considera convocado e

agindo permanentemente. Ë quem imagina e faz, tornando-se sempre mais capaz, rebelde,

disciplinado e consciente.

Sejamos como o Che que fez da prática revolucionária uma só atividade. Sonhemos com a

nova sociedade e sejamos seus próprios construtores. Façamos da vida uma jornada marcando cada

passo desta caminha, com arte, rebeldia e com valores.

Que o tempo em que vivermos seja recompensado, no futuro quando tenhamos dado o passo

de nossa despedida. Como exemplo de velhos seguidores, deixemos aos novos construtores,

heranças de batalhas já vencidas.

Como nos disse o próprio Che sobre os estímulos morais e sua vigência: “É necessário o

desenvolvimento da consciência, na qual os valores adquiram novas categorias”. Seguir o Che é

armar-se com sua rebeldia, com sua dedicação e sua coerência.

Cartas de Amor

Nº 106

ÀS ELEIÇÕES

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É bom votar nas eleições? Dizer o que se sente apenas com o dedo indicador? É certo que o

voto é mobilizador! Nos faz ir ás ruas e as praças! Mas o que sobra dessas ameaças e de todo esse

processo agitador?

Cada número tem uma ideologia. Mas nem sempre o eleitor diferencia por serem muito

iguais. As cores dizem um pouco mais, mas também não revelam as intenções. O real é que pelas

eleições, as pessoas são chamadas a darem as suas opiniões!

Opiniões sobre aquilo que nos oferecem! Hoje os candidatos que aparecem, se assemelham a

mercadorias. Uns pendem para a rebeldia e transformam as eleições numa guerrilha, mas quase

todos descambam pela trilha, que os leva aos braços da burguesia.

Reformas, e olha lá; pequenas melhorias nos dá esse tipo de democracia! A democracia

verdadeira é aquela que nos faz todos iguais. Ninguém pode ter demais, enquanto a maioria está

desabrigada! Mas aí, de fato, a eleição não pode fazer nada, as leis e a ordem dão suporte ao poder e

aos capitais.

Mas é fundamental eleger gente boa e honesta! Mesmo que o veículo não presta o motorista

pode ser qualificado! Sabendo que, os passageiros não podem ir sentados, precisam empurrar o

carro o tempo inteiro; se assim não for, pára nos atoleiros e nem o mínimo será conquistado.

Dizem que há forças de direita e de esquerda nas disputas. O que há são diferenças de

condutas, onde uns fazem o bem outros o mal. Há os que visam o social, mas a ambos deve-se

pressionar com lutas.

Isto porque, um governo quando é conquistado, o poder é do partido ou do Estado, o povo

que votou só delegou! Quem assume faz por conta, e o povo sempre paga a conta.

Ou alguém já votou em secretário ou em ministro? Não! Não há na história sequer um só

registro de que isto tenha acontecido! Como então esperar que um só indivíduo, não cometa nada de

sinistro?

Então voltemos à comparação: quando fazemos uma greve ou uma ocupação, temos um

interesse definido. Quando votamos ocorre algo parecido, queremos resolver uma necessidade. A

diferença é que a eleição pertence aos outros, a luta está sob a nossa responsabilidade.

Portanto, a questão assim é colocada: um indivíduo só não pode fazer nada, mesmo que as

vezes diga que vai fazer! Se o povo não se interessar pelo poder, nunca haverá democracia, com

certeza! Pela eleição não há transformação, pois isto não está em sua natureza.

As eleições cumprem com sua função. Aproximam as pessoas, criam motivação por um

tempo definido. Mas ninguém pode ficar iludido que por aí conquistará mudanças. É uma tática

onde colocamos esperanças e por nós mesmos somos sempre surpreendidos.

Sendo assim devemos então dizer, que as eleições só nos levam ao poder quando estiverem

dentro de um processo radical, que visa derrotar o capital e construir outra sociedade. Só votar, não

é nem a metade do que deve ser a luta principal.

Sigamos com os olhos bem abertos. Se o destino ainda está incerto, caminhando ficaremos

mais seguros. Há um lugar que nos espera no futuro para o dia da grande festa; ela será modesta,

mas será nossa! Pois nela só entrará, quem trabalhar na cidade ou na roça.

Cartas de Amor

Nº 107

ÀS ESCOLAS

Page 115: Ademar Bogo_Cartas de Amor

Não fazem muitos dias, uma revista da alta burguesia, resolveu atacar a nossa educação.

Disse coisas nunca vistas. Por estarmos no dia dos educadores homenageamos essas trabalhadoras

e esses trabalhadores, chamando-os de Camaradas Comunistas!

Alegou que falamos de Marx, de Ho Chi Minh, Che Guevara e da revolução. “Isto não está

nas normas do Ministério da Educação!” Mas o pior dito com mais veemência, é que nossas escolas

ensinam que não tivemos independência!

Queriam o que? Que falássemos de Getúlio, Castelo Branco, Médici e Figueiredo? Do

Pinochet, do Hitler ou do Tancredo? Que a Xuxa estivesse na parede e o Homem Aranha nos

salvasse com sua rede? Ou então, mentirmos, que o capital financeiro é quem nos irá salvar?

Seriam esses os heróis a cultuar?

Mas a revista de índole capitalista, quis chamar a atenção do governo e do Estado que está

deixando algo incontrolado dentro da República! Pois desse jeito não há como acabar com a escola

pública!

De certo gostariam que nossas escolas fossem clandestinas, para aí terem razão de incluí-las

nas chacinas.

É crime cantar batendo as mãos? “Burgueses não pegam na enxada, burgueses não plantam

feijão, e nem se preocupam com nada, arrasam aos poucos a nossa nação.”

Se é isso que os ofende, podemos escrever uma outra letra tirando-lhe o tom polêmico, e

elogiá-los dizendo que: “Burgueses, do agronegócio, só plantam transgênicos para exportar e viver

no ócio”. Burgueses são burgueses não tem jeito, por mais que se queira ter respeito, devido à sua

ganância imensa, até os elogios viram ofensas.

Denunciou a revista capitalista, nas palavras da maldosa jornalista, que por sinal ainda não

aprendeu a escrever a gosto. Será que não sabe que Sem Terra não é mais um substantivo

composto? Pois com o suor de nosso rosto, nos tornamos sujeitos! Por isso escrevemos com letras

maiúsculas sem o hífen que separa. Esta gramática aprendemos na vida e nas escolas construídas

com lonas amarradas em varas.

Mas denuncia ela em números estarrecedores que temos 4 mil educadores. Mil e oitocentas

escolas funcionando, e cento e sessenta mil crianças estudando. Mas o que lhe queimou os olhos

igual centelha, foi ver que em cada sala há uma bandeira vermelha.

Será que esta revista capitalista não sabe que a escola é um direito e que para educar não há

somente um jeito? Fundamentalismo é quando nas escolas se aprende a adorar o capitalismo! Ali

sim, de tanto usar só o livro didático, o professor fica lunático!

Por que a jornalista não vai a uma escola urbana de uma periferia, e presta atenção no que se

ensina a cada dia? Ou nas ruas das cidades, nos fornos de carvão, ver o trabalho escravo, talvez

aprenderia a pronunciar de outro jeito, e com respeito, a palavra Revolução.

Que pena que as escolas não são ainda comunistas, onde se pudesse aprender desde de cedo

a não ser capitalistas! Porque, além de indecoroso, ser capitalista é muito perigoso!

Nos faz lembrar do velhinho e o escorpião, que após salvar o inseto no riacho, ferrou o pobre

velho bem na palma da mão. Este respondeu com delicadeza: cada um de nós agiu segundo a sua

natureza.

O que esperar de uma revista capitalista? Que elogiasse uma causa humanista?

Cartas de Amor

Nº 108

AO MARIGHELLA

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Freqüentemente os dias nos surpreendem, trazendo-nos à lembrança àqueles que não se

rendem. Nem o tempo os elimina, permanecem como as rochas resistentes, entre a névoa da neblina.

É verdade que o tempo com sua encenação, como se tivesse mãos, coloca os marcos a cada

aniversário mais distantes. Mas, nunca rebaixa os comandantes. Ou seja, o tempo que envelhece não

desce a graduação, de quem pensou, lutou, viveu e morreu pela revolução.

Quatro de novembro, no calendário dos humanos, recordamos que há trinta e cinco anos,

Marighella caiu em uma emboscada. Tombou sobre as pedras da calçada da Alameda Casa Branca

com toda a dignidade que portava. A força que o esperava era a dos carrascos repressores.

Ganhavam para matar cultivadores de jardins que se pareciam às próprias flores.

Marighella era um daqueles militantes que todos gostam de ver, ouvir e apreciar. Contam

que falava devagar soletrando as sílabas como em um ditado. Astuto e desconfiado, não deixava

escapar nenhum segredo. Poeta, seresteiro por consciência, criou uma frase que definiu a sua

essência: “Não tive tempo pra ter medo”.

Foi com Jorge Amado deputado. Cassado ficou sem partido. Resistiu à prisão e foi ferido,

agindo como um pássaro contra o vento. Fez de sua intuição um movimento embrenhando-se sem

medo pela luta armada, teria, se não fosse a emboscada, quem sabe, mudado a história pelos

acontecimentos.

Nos momentos de bastante apreensão, na prova escolar ou no fundo da prisão, a poesia

surgia sob a ansiedade. Como esta que veremos, cheia de ternura, onde, após duras e longas sessões

de torturas, pode assim descrever a Liberdade.

“Não ficarei tão só no campo da arte,

e, ânimo firme, sobranceiro e forte,

tudo farei por ti para exaltar-te,

serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te

dominadora, em férvido transporte,

direi que és bela e pura em toda parte,

por maior risco que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,

que não exista força humana alguma

que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for

possa feliz, indiferente à dor,

morrer sorrindo a murmurar teu nome”.

Muitos deixam por herança aos descendentes, capitais. Outros deixam exemplos e valores.

Marighella nos deixou a utopia cheia de cores e poesias sempre mais atuais.

Ademar Bogo